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O Livro das Tó-sin

um tratado místico sobre a Unicidade de Deus


Kitab al-Tawasin, Almançor al-Halaje
a partir das versões inglesa (Aisha at-Tarjumana)
e francesa (Louis Massignon)

Editor: Oficinas T K (oficinastk.wordpress.com)


Prefácio e Tradução: Rodolfo Oliveira
Capa, composição e paginação: OTK

OTKL009
21 de Setembro de 2017
Fizeram-se 93 exemplares numerados desta edição

cb n 2017 OTK

Este é o exemplar número ___ de 93.


Prefácio do
tradutor

5
6 O Livro das Tó-Sin

Ocasionalmente deparamo-nos com obras


que na economia das suas palavras poéticas
nos fazem antever um mundo de reflexões
e segredos profundos. Este tratado escrito
por Almançor al-Halaje (poeta, místico e ins-
trutor Sufi1 ) é um desses textos, escrito por
quem encontrou o essencial e o tentou expla-

1
nas palavras do Xeque Muhammad Adil: ’Sufismo?
É o coração do Islão. Não é alheio ao Islão. [Os
sufis são] as pessoas verdadeiras e sinceras que apenas
vivem para Deus (Glorificado seja Ele, o Altíssimo),
desde o tempo do Profeta (a Paz e as bênçãos divinas
desçam sobre ele). [Eles eram chamados] Ahl-us-Suff
(a gente da varanda), estavam sentados sem fazer mais
nada a não ser orar, observar o Profeta, manter-se fieis
ao Alcorão e aos comportamentos e hábitos do Profeta,
orando a todo o tempo. Mesmo que não tivessem ali-
mento para comer, o Profeta enviava-lhes alimento.
Nós viemos desse lado. Não é alheio ao Islão, não
é próximo do Islão, não está para além do Islão. É
o coração do Islão. Tentamos seguir o Profeta e as
ordens do Islão. Isto é o Sufismo.’
Prefácio do tradutor 7

nar de modo altruísta e acessível.

Por volta dos 40 anos de idade, al-Halaje


começou a pregar directamente às multidões
sobre questões relacionadas com os princí-
pios espirituais, o que terá causado desagrado
entre alguns Sufi, que consideravam que o
debate sobre determinados assuntos de teor
místico não deveria ser tornado público. Num
dos transes extáticos que o caracterizaram e
que marcaram indelevelmente a vida deste
mártir, al-Halaje proferiu ’Eu Sou a Verdade’
(‫)أنا الحق‬, o que equivaleria a afirmar que era
Deus, (’A Verdade’, ّ‫ حق‬é um dos 99 nomes
de Deus segundo o Islão), algo que foi con-
siderado como heresia tanto pelos xiitas como
pelos sunitas no seu tempo. Tendo viajado
por diversas regiões, chegando mesmo até à
fronteira da China, regressa a Bagdade onde,
em 912, é aprisionado e acusado de heresia,
processo que se arrasta durante 11 anos, com
8 O Livro das Tó-Sin

apoios variáveis, mas que culmina com a sua


execução em Março de 922.
Foi durante este período na prisão que
escreveu o Livro das Tó Sin, o seu único
tratado. Nele al-Halaje desenvolve os seus
raciocínios sobre a Unicidade de Deus e as
vias da união mística com Deus, servindo-se
de alguns diagramas que, segundo ele, ex-
pressam verdades que não conseguiu colo-
car em palavras. Sendo actualmente aceite
entre a maioria dos Sufi, o pensamento de
al-Halaje é ainda hoje controverso entre al-
guns muçulmanos que continuam a ver na
sua doutrina uma blasfémia.
Como o da traça que escolheu extinguir-
se na chama, assim foi o fim da vida deste
autor, que quando torturado e supliciado,
e por fim vendo os seus membros decepa-
dos pelos carrascos, não parou de proclamar
"Eu Sou a Verdade"; afirmou assim resoluta-
Prefácio do tradutor 9

mente o seu Amor por Deus, entregando-se


ao martírio que o reduziria à unidade com
um sorriso na face.

Tentando referir as passagens do Corão


relevantes (decalcando fortemente o trabalho
de Massignon) e adicionando alguns comen-
tários, foram os humildes modos que o tradu-
tor encontrou para assistir aos leitores na
navegação destas águas teológicas cristali-
nas, mas profundas. Ainda que muito do
pensamento de al-Halaje se possa inserir num
contexto gnóstico, a realidade é que não é
possível separar o Sufismo do Islão e, nesse
sentido, algum do conteúdo e seus significa-
dos não estarão tão facilmente acessíveis a
todos os leitores. Que o título deste tratado
em particular seja também o nome de duas
’letras misteriosas’, as Muqatta’at ou letras
disconexas (‫ )حروف مقطعات‬- que tanto têm
ocupado estudiosos e teólogos na busca de
10 O Livro das Tó-Sin

um consenso sobre o seu sentido -, leva-nos


a imaginar que existirão significações e cor-
respondências apenas inteligíveis aos que se
terão ’afogado no mar do entendimento’.
Importa mencionar ainda que esta tradu-
ção amadora (sem pretensão de querer imitar
as que verteu para português) encontra-se já
a uma distância incomensurável da língua
original e do seu sentido poético e assim,
se alguma irrazoabilidade existir nas ideias
aqui apresentadas, será sem dúvida pela in-
cúria deste tradutor mas nunca pela ausência
de Clareza por parte do autor.
Tó-Sin da
candeia profética

11
12 O Livro das Tó-Sin

1. Surgiu uma candeia, vinda da Luz do


Invisível. Manifestou-se e regressou;
suplantava as demais candeias. Era
uma Lua governante, que se manifes-
tava radiante entre as outras Luas. Uma
estrela cuja morada astrológica se situ-
ava no Empíreo. Deus chamou-a de
’comunal’ considerando as suas aspi-
rações, e também de ’consagrada’ por
causa da majestade da sua benção e
ainda de ’Makkan’2 pela sua residência
na proximidade desta.

2. Deus dilatou-lhe o peito, elevou-lhe o


poder, ’retirou-lhe o fardo que lhe pe-
sava nas costas’3 e impôs a sua au-
toridade. Assim que Deus fez surgir
o seu Badr4 , também a sua Lua cheia
2
de Meca
3
Corão XCIV, 3
4
local da primeira vitória decisiva de Maomé
Tó-Sin da candeia profética 13

se ergueu da núvem de Yamàma5 e o


seu Sol na face de Tihàma6 , e assim a
candeia brilhou como a fonte de toda
a munificiência divina.

3. Ele não relatou nada senão em con-


formidade com a sua visão interior, e
não ordenou que seguissem o seu ex-
emplo, senão de acordo com a verdade
da sua conduta. Ele encontrava-se na
presença de Deus, e levou outros à Sua
presença. Ele viu e depois compreen-
deu o que era. Fora enviado como um
guia e foi assim que definiu os limites
da conduta.

4. Ninguém é capaz de discernir o ver-


dadeiro significado disto, salvo o Sin-
cero, uma vez que este confirmou a sua
5
o tradutor crê tratar-se de al-Yamana no Egipto
6
próximo de Meca
14 O Livro das Tó-Sin

validade e o acompanhou de modo a


que não restassem disparidades entre
eles.

5. Não há um sábio que alguma vez o


tenha conhecido (ao Corão) que não
fosse ignorante acerca da sua verdadeira
qualidade. A sua qualidade é apenas
tornada evidente para aqueles a quem
Deus a decide revelar. ’Aqueles a quem
concedemos o Livro, conhecem-no como
conhecem a seus próprios filhos, se bem
que alguns deles ocultam a verdade,
sabendo-a.’7

6. As luzes da profecia foram geradas por


esta luz, e esta luz veio da Luz do Mis-
tério. Entre as luzes nenhuma é mais
luminosa, mais manifesta ou ainda me-
nos criada que a não-criação, que esta
7
Corão II, 12
Tó-Sin da candeia profética 15

luz do Mestre da Clemência.

7. A sua aspiração precede qualquer outra


aspiração, a sua existência precede a
não-existência, o seu nome precede a
Pena8 pois já existia anteriormente.
Nunca surgiu nos horizontes, para além
destes ou abaixo, alguém mais gracioso,
nobre, sábio, justo, meigo, temente a
Deus ou com mais empatia que o por-
tador deste papel. O seu título é o de
"Príncipe da Criação"; detém um nome
’glorioso’9 e de uma característica ’glo-
rificada’10 . As suas instruções são as
mais acertadas, a sua essência a mais
excelente, o seu atributo o mais glo-
rioso e a sua aspiração singular.
8
O utensílio de escrita
9
Ahmed - ‫أحمد‬
10
Maomé - ‫محمد‬
16 O Livro das Tó-Sin

8. Ó maravilha! Pois quem pode ser mais


manifesto, mais luminoso, mais podero-
so ou ter melhor discernimento que ele?
Ele é e era, e era já conhecido desde o
antes da criação das coisas e da ex-
istência dos seres. Ele era e é ainda
lembrado desde antes do ’antes’ e sê-
lo-á após o ’após’, e antes das substân-
cias e das qualidades. A sua substân-
cia é completamente luminosa, o seu
discurso profético, o seu conhecimento
celestial, o seu modo de expressão o
árabe, a sua tribo não é ’nem do Este
nem do Oeste11 ’, a sua genealogia patri-
arcal, a sua missão a conciliação; de-
tém o título de "Iletrado".

9. Os olhos abriram-se através dos seus


sinais, os segredos e as essências pes-

11
Corão XXIV, 35
Tó-Sin da candeia profética 17

soais entendidas através da sua pre-


sença. Foi Deus que o tornou articu-
lado através da Sua Palavra, e sendo
a Prova, confirmou-o. Foi Deus que o
enviou. Ele é a Prova e o provado. É
ele quem sacia a sede do coração vee-
mentemente sequioso, é ele quem traz a
palavra não criada, intocada pelo que
toca, não articulada pela língua nem
fabricada. Encontra-se unido a Deus
sem separação e ultrapassa o conce-
bível. É ele quem anuncia o fim e os
fins, e os fins do Fim.

10. Ele ergueu a núvem e apontou para a


Casa Sagrada. Ele é o limite, e um
guerreiro heróico. A ele foi dada a or-
dem para quebrar os ídolos, e foi ele o
enviado à Humanidade para os exter-
minar.
18 O Livro das Tó-Sin

11. Uma núvem relampejou sobre ele, e sob


ele brilhou um relâmpago; fez chover
e deu frutos. A totalidade do conhe-
cimento não é mais do que uma gota
do seu oceano, toda a sabedoria nada
mais que uma mão cheia do seu riacho,
e todas idades não são mais que uma
hora da sua vida.

12. Deus encontra-se nele, e com ele a rea-


lidade. Ele é o primeiro na união e o
último a manifestar-se como profeta.12
O interior pela realidade, o exterior atra-
vés do Conhecimento.

13. Nenhum estudioso obteve o seu conhe-


cimento, nem nenhum filósofo se tornou
consciente do seu entendimento.
12
No Corão é referida a existência de até 124 000
profetas
Tó-Sin da candeia profética 19

14. Deus não entregou (a Sua Realidade)


à criação, pois ele é ele, e o seu ser é
Ele, e Ele é Ele.

15. Nada se retira do M de MHMD, e ne-


nhum permeia o seu H; o seu H é como
o seu segundo M, e o seu D, como o
seu primeiro M. O seu D é a sua perpe-
tuidade, o M o seu escalão, e o seu H
em conjunto com o segundo M, a sua
condição espiritual.

16. Deus tornou o seu discurso visível, alar-


gou a sua marca, e tornou a sua prova
conhecida. Enviou-lhe o furqan13 e ade-
quou-lhe a língua; Ele fez o seu coração
brilhar. Tornou os seus contemporâ-
neos incapazes (de imitar o Corão). Ele
estabeleceu o seu esclarecimento e ex-
altou a sua glória.
13
‫ سورة الفرقان‬- ’O critério, o padrão’, Corão XXV
20 O Livro das Tó-Sin

17. Se abandonas os seus domínios, que


caminho tomarás sem um guia, ó sofre-
dor? As máximas dos filósofos são
apenas dunas de areia escorregadia pe-
rante a sua sabedoria.
Tó-Sin do
Entendimento

21
22 O Livro das Tó-Sin

1. A compreensão das naturezas criadas


não está vinculada à realidade, e a re-
alidade não se encontra vinculada às
naturezas criadas. Os pensamentos (que
derivam) são aderências, e as aderên-
cias das naturezas criadas não se vin-
culam às realidades. A percepção da
realidade é difícil de obter, e mais ainda
a percepção da realidade da Realidade.
Para além do mais, Deus encontra-Se
para além da realidade e a realidade
em si mesma, não implica Deus.

2. A traça voava em redor da candeia até


ao amanhecer, e em seguida regressava
até junto dos seus companheiros para
lhes relatar o seu estado espiritual com
as mais eloquentes expressões. Esta
traça cortejava a chama no seu desejo
de atingir a união perfeita.
Tó-Sin do entendimento 23

3. A luz da candeia é o conhecimento da


realidade, o seu calor a realidade da
realidade e a União com ela, é a Ver-
dade da realidade.

4. Não se encontrava satisfeita nem com


a luz da candeia nem com o seu calor,
e então mergulhou nela completamente.
Entretanto, os seus companheiros aguar-
davam o seu regresso, para que lhes
falasse da sua visão, uma vez que esta
não se contentava com rumores. Mas
nesse exacto momento, a traça era com-
pletamente consumida. Reduzida e dis-
persa em fragmentos, ficou sem forma
e corpo, ou qualquer outra marca dis-
tinguível. Assim, como poderia ela en-
tão regressar aos seus companheiros?
E de que modo (em que estado)? O que
atingiu a visão torna-se capaz de dis-
pensar relatos. O que atinge o Objecto
24 O Livro das Tó-Sin

da sua visão, já não pondera sobre a


visão.

5. Estes significados não importam ao ne-


gligente, nem ao transitório, nem aos
das más acções ou aos que seguem os
seus caprichos.

6. Ó tu que duvidas deste pensamento (cho-


cado com ele), não vás agora identi-
ficar o "sou eu" (humano) com o "Eu"
(divino), nem agora, nem no passado
ou no futuro. Mesmo que esse "eu sou"
originasse num sábio consumado - se
tal fosse meu estado - a questão da
identidade não seria assim tão simples.
E isto, se eu fosse essa pessoa, que não
sou.

7. Se entendeste o prévio, entende então


que estes significados não foram con-
cedidos a ninguém que a Maomé, e
Tó-Sin do entendimento 25

que ’Maomé não é o pai de nenhum


dos vossos homens, mas sim o Men-
sageiro de Deus e o último dos profe-
tas’14 . Ausentou-se dos homens e dos
Jinn15 , fechou os olhos para todos os
"onde" até dissipar todas as falsidades
e nenhum véu permanecer no coração.

8. Encontrava-se a uma ’distância de dois


arcos, ou menos’16 . Quando atingiu
o deserto do "conhecimento da reali-
dade" relatou do seu coração externo e
sondou o seu coração interno. Chegado
à verdade da realidade, abandonou o
seu Desejo e entregou-se ao Abundante.
Atingindo a Verdade, regressou e disse
’o coração interno prostra-se perante
14
Corão XXXIII, 40
15
‫ جن‬- uma entidade sobrenatural pré-islâmica ,
idêntica ao daimon grego
16
Corão LIII, 9
26 O Livro das Tó-Sin

Ti, e o externo acredita em Ti.’ No


Limite Extremo afirmou ’não Te con-
sigo louvar como Tu deves ser louvado.’
Na realidade da Realidade ele disse:
’Só Tu te podes louvar a Ti.’
Abandonou o seu desejo e seguiu a sua
vocação, ’o coração não mentiu sobre
o que viu’17 nesta paragem perto do Ló-
tus18 do Limite. Não desviou o olhar
para a direita, em direcção à realidade
das coisas, nem para a esquerda, em
direcção à realidade da realidade. ’Os
seu olhos não se desviaram, nem se
distraíram.’
17
Corão LIII, 11
18
‫ سدرة المنتهى‬- A árvore Sidrat al-Muntaha que se
encontra no fim do sétimo céu, e que assinala a fron-
teira para lá da qual nenhuma criação pode passar e
onde se encontra o trono de Deus. Alguns autores
associaram esta árvore ao Lótus, sendo actualmente
aceite que seja uma espécie da família Rhamnus
Tó-Sin da pureza

27
28 O Livro das Tó-Sin

1. A realidade é algo de muito subtil e


pormenorizado na sua descrição, os ca-
minhos para o seu acesso são estre-
itos e neles encontramos fogos suspi-
rantes19 lado a lado com desertos pro-
fundos. O expatriado segue estes trihos
e informa-nos sobre o que experienciou
nestas quarenta Estações. São Etapas
de: ’Modos’20 , ’Espanto’21 , ’Fadiga’, ’Bus-
ca’, ’Maravilha’, ’Perecimento’, ’Encanta-
mento’22 , ’Gula’, ’Probidade’, ’Honesti-
dade’, ’Gentileza’, ’Emancipação’, ’Par-
tida’, ’Descanso’, ’Discernimento’, ’Teste-
munho’, ’Existência’, ’Enumeração’, ’La-
bor’, ’Restituição’, ’Dilatação’, ’Prepara-
ção’, ’Isolamento’, ’Captividade’, ’Atrac-

19
a Sarça Ardente
20
etiqueta
21
terror
22
em particular o encantamento da música
Tó-Sin da pureza 29

ção’, ’Presença’, ’Exercício’, ’Circuns-


pecção’, ’Arrependimento23 ’, ’Resistên-
cia’, ’Consideração’, ’Perplexidade’, ’Re-
flexão’, ’Paciência’, ’Interpretação’, ’Não-
aceitação’, ’Crítica’, ’Observação’, ’To-
mar um guia’ e, finalmente, ’Começar’.
A última Estação é do povo da Sereni-
dade do Coração e da purificação.

2. Cada estação tem a sua própria recom-


pensa, da qual uma parte é concebível
e outra não.

3. O estranho entrou então no deserto,


atravessou-o, abraçou-o e compreendeu-
o na sua totalidade. Não encontrou
nada de familiar ou de útil, nem na
montanha nem na planície.

4. Quando Moisés concluiu o seu trabalho,


23
pelo perdido
30 O Livro das Tó-Sin

abandonou o seu povo pois a realidade


ia tomá-lo como "seu". Ainda assim,
desprovido da visão, contentou-se com
a informação indirecta e nisto deve-
mos diferenciá-lo do melhor da Hu-
manidade (Maomé). Assim ele disse:
’talvez vos traga alguma orientação’24 .

5. Se um Sábio se dá por satisfeito com


uma informação indirecta, como poderá
um que trilha o caminho não se con-
tentar com apenas um vestígio indi-
recto?

6. Junto à Sarça Ardente na face do Sinai,


quem ele ouviu falar não foi o arbusto
ou a sua semente, mas Deus.

7. Pois o meu papel é como o do Arbusto.

24
Corão XX, 10
Tó-Sin da pureza 31

8. Então, a Realidade é a Realidade e o


Criado o Criado. Rejeita a tua na-
tureza criada, para que te possas tornar
Ele, e Ele tu - no que diz respeito à re-
alidade.

9. Se o "Eu" é um sujeito, e o Objecto ex-


presso é também na verdade um sujeito
que se expressa, como podemos então
defini-lo?

10. Deus disse a Moisés: ’Guiarás os teus


até à prova, mas não até ao Objecto da
prova. E quanto a Mim: sou a Prova
de todas as provas’.

11. Deus fez-me passar pelo que é a reali-


dade, pela graça de um acordo, de um
pacto e de uma aliança. O meu segredo
é como uma testemunha desprovida da
minha personalidade criada. Este é o
meu segredo e a minha realidade.
32 O Livro das Tó-Sin

12. Deus enunciou o que eu conheceria,


para a minha língua, junto do meu
coração. Aproximou-me de Si quando
eu me afastara tanto d’Ele. Tornou-me
Seu íntimo e escolheu-me.
Tó-Sin do círculo

33
34 O Livro das Tó-Sin

1. A primeira porta representa aquele que


atinge o círculo da Verdade. A se-
gunda porta, o que ao atravessar a porta,
encontra uma outra porta fechada. A
terceira porta representa o que se perdeu
no deserto da Verdade-Natureza da ver-
dade.

2. O que atinge o círculo encontra-se dis-


tante da Verdade pois o caminho se
encontra bloqueado, e o que busca tem
Tó-sin do círculo 35

de voltar atrás. O ponto no topo repre-


senta o seu anseio. O ponto inferior, o
seu regresso e o do meio o seu espanto.

3. O círculo interno não possui uma porta,


e o ponto que se encontra no centro é
a Verdade.

4. O significado da Verdade é que desta


não se encontram ausentes nem os ex-
teriores nem os interiores, mas também
que esta não tolera a forma.

5. Se pretendes entender aquilo que aqui


indico, ’Toma quatro pássaros, treina-
os para que voltem a ti’25 pois Deus
não voa.

6. É a sua inveja que o faz aparecer de-


pois de Ele o ter escondido. Foi o es-
25
Corão II, 260
36 O Livro das Tó-Sin

panto que nos manteve separados e foi


o assombro que nos privou disso.

7. Estes são os sentidos da Verdade. São


mais subtis que o círculo das origens,
e que a designação das regiões. E mais
subtil ainda é o funcionamento interno
do entendimento, por causa da ocul-
tação da imaginação.

8. Isto, porque o observador observa o cír-


culo de fora e nunca a partir de dentro.

9. Desconhece o Conhecimento do conhe-


cimento da Verdade por ser incapaz
de o obter. O Conhecimento denota
um local, mas o círculo é um local
proibido.26

10. Por isso chamaram o profeta de Haram:


por ter passado do círculo proibido.
26
‫ حرام‬- Haram: algo proibido pela fé
Tó-sin do círculo 37

11. Encontrava-se pleno de medo e espanto


e, envergando as vestes da Verdade,
avançou e gritou ’Ah!’ a toda a criação.
38 O Livro das Tó-Sin
Tó-Sin do ponto

39
40 O Livro das Tó-Sin

1. Mais subtil ainda é a menção ao Ponto


Primordial, que é a Origem, que não se
expande nem se contrai, nem se con-
some a si mesmo.

2. O que nega a minha condição espiri-


tual, nega-a pois não me vê e acusa-me
de heresia. Acusa-me com maldade, e
ao ver a minha glória pede ajuda, mas
é ao círculo sagrado que se encontra
para além do além que ele clama.

3. O que atinge o segundo círculo imagina-


me como um Mestre Inspirado.

4. O que atinge o terceiro círculo julga


que me encontro na raíz de todos os
desejos.

5. O que atinge o círculo da Verdade es-


quece-me e a sua atenção desvia-se de
mim.
Tó-Sin do ponto 41

6. ’Nunca! Não haverá escapatória alguma!


Nesse dia, comparecerás perante o teu
Senhor. O dia em que o Humanidade
tomará consciência de tudo quanto fez
e de tudo quanto o que deixou de fazer’.27

7. Mas a Humanidade vira-se para o teste-


munho indirecto, procura o refúgio te-
mendo as faíscas, as suas intenções
acabam goradas e assim se desviam.

8. Eu encontro-me absorto pelo mar das


profundezas da eternidade, e o que atinge
o círculo da Verdade encontra-se ocu-
pado com o seu próprio conhecimento
na margem do mar do conhecimento.
Encontra-se ausente da minha visão.

9. Vi um pássaro com a forma dos Sufi


e que voava com as duas asas do Su-
27
Corão LXXV, v. 11, 12 e 13
42 O Livro das Tó-Sin

fismo. Negava a minha glória enquanto


persistia no seu voo.

10. Questionou-me sobre a pureza e eu res-


pondi-lhe: ’Corta as tuas asas com as
tesouras da aniquilação. Não me po-
derás seguir de outro modo.’

11. Ele respondeu-me: ’Voo com elas até


ao meu Amado.’ E eu disse-lhe: ’Lamen-
tavelmente para ti! Pois não existe ne-
nhum como Ele: Ele tudo ouve e tudo
vê.’ - nesse momento ele mergulhou no
mar do entendimento e afogou-se.

12. O mar do entendimento pode ser rep-


resentado da seguinte maneira:
Tó-Sin do ponto 43

[Eu vi o meu Senhor com os olhos do


coração, e perguntei: ’Quem és Tu?’
Ele retorquiu: ’Tu!’ Mas para Ti, "onde"
não pode ter um local. E não existe
um "onde" no que Te diz respeito. A
mente não possui uma imagem da Tua
existência no tempo, que permita saber
onde Te encontras. Tu és o que abarca
todos os "onde", até lado nenhum. Por-
tanto, onde Te encontras?]
44 O Livro das Tó-Sin

13. Um único ponto do círculo denota os


diversos pensamentos sobre o entendi-
mento. Um ponto apenas é a Verdade
e os restantes, Erro.

14. ’Aproximou-se’ em crescimento - ’de-


pois regressou novamente’ em transcen-
dência. Procurando, aproximou-se e
regressou extasiado. Deixou lá o seu
coração e aproximou-se do seu Senhor.
Estava distraído quando viu Deus e,
no entanto, estava atento. Como es-
tava presente e ausente? Como olhou
sem olhar?

15. De espanto passou a lucidez e de lu-


cidez a espanto. Foi testemunhado por
Deus, e testemunhou Deus. Chegou e
foi apartado. Atingiu o seu Desejo e
perdeu o coração, e o seu ’coração não
Tó-Sin do ponto 45

mentiu sobre o que viu.’28

16. Deus escondeu-o e depois aproximou-


o. Mandatou-o e purificou-o. Fê-lo ter
sede e alimentou-o. Purificou-o e de-
pois escolheu-o. Chamou-o e depois
convocou-o. Afligiu-o e foi em sua
ajuda. Armou-o e colocou-o na sela.

17. Encontrava-se à ’distância de um arco’


e, quando regressou, atingiu o seu alvo.
Quando foi chamado, respondeu. Ao
ter visto, apagou-se. Estando embria-
gado estava satisfeito. Tendo-se aproxi-
mado, encontrava-se espantado. E ten-
do-se separado das cidades e dos aju-
dantes, tinha-se separado das consciên-
cias, das formas, e dos traços criados.

18. ’O teu camarada não se perdeu,’ ele


28
Corão LIII, 11
46 O Livro das Tó-Sin

não fraquejou nem ficou desgastado.


A sua vista não falhou; não falhou
nem ficou cansado por um "durante"
de pura duração.

19. ’O teu camarada não se perdeu’ na sua


contemplação de Nós. Não passou para
além de Nos visitar, nem transgrediu
na Nossa mensagem. Ele compara-Nos
a outro em respeito a Nós. Não se
desviou no jardim do dikhr29 na sua
contemplação de Nós, nem se pôs a
vaguear pelo fikr.30

20. Ao invés, recordou Deus na sua res-


piração e pestenajares, submeteu-se a
Ele nas suas aflições e sentiu-se grato
pelas bençãos.

29
‫ذکر‬- o acto de lembrar e comemorar Deus
30
‫ فِك ْر‬- pensamento
Tó-Sin do ponto 47

21. ’Não é senão uma revelação, revelada’31


pela Luz, para a Luz.

22. Muda o teu discurso! Abstem-te das


ilusões, eleva os teus pés acima da Hu-
manidade e das criaturas! Fala d’Ele
com medida e harmonia! Sê apaixona-
do e perdido no arrebatamento. Des-
cobre - e que possas voar para além das
montanhas e dos campos, das monta-
nhas da percepção e dos montes da se-
gurança, de modo a veres Aquele que
te concerne. Ao chegares à Residência
Sagrada terminará o jejum legal.

23. Aproximou-se de Deus como quem en-


tra na Intenção. Ele anuncia-lhe então
que é proibido; mais por ter um obs-
táculo do que por incapacidade. Pas-
sou da Estação da Purificação para a
31
Corão LIII, 4
48 O Livro das Tó-Sin

Estação da Reaproximação, e da Es-


tação da Reaproximação para a Estação
da Proximidade. Acercou-se buscando
e regressou fugindo. Aproximou-se in-
vocando e regressou um mensageiro.
Chegou-se respondendo e voltou inves-
tido pela Proximidade Divina. Apropin-
quou-se como testemunha e tornou-se
contemplativo.

24. A distância entre eles era de ’dois ar-


cos’. Atingiu o alvo do "onde" com a
flecha do "entre". Afirmou que a dis-
tância era de dois arcos para especi-
ficar o local exacto, o "ou" por causa
da natureza não delineada da Essên-
cia, e o "um pouco mais próximo" na
essência da Essência.

25. Não creio que a nossa expressão seja


compreensível, salvo para aqueles que
Tó-Sin do ponto 49

atingiram a distância para além do se-


gundo arco, que se encontra para além
da Tabuleta das Formas.32

26. Nela existem letras que já não se uti-


lizam, nem árabe nem em persa.

27. São apenas letras, e uma dessas letras


é Meem33 , que significa ’o que ele reve-
lou’.

28. Meem designa ’O Derradeiro’.

29. Meem é também uma corda do Primeiro.


A primeira distância de um arco é o

32
‫ لَو ٍْح‬- Lawh Mahfuz, "O Livro dos Decretos" ou
"Mãe do Livro", referindo-se ao códice ou documento
onde o Corão foi originalmente inscrito, e que sempre
existiu no Céu
33
‫ م‬- a letra "M"
50 O Livro das Tó-Sin

Reino da Força34 a segunda é o Reino


da Soberania35 e o Reino dos Atribu-
tos é a corda entre os dois reinos. O
Reino da Essência da Iluminação Ín-
tima é a flecha do Absoluto, e a das
duas distâncias.

30. A melhor maneira de o descrevermos


será dizendo que é como uma recon-
ciliação. Ora o sentido pertence em
plenitude à Realidade de Deus, não ao
método das suas criaturas, e essa re-
conciliação não se obtém que não no
círculo da exactidão rigorosa.

31. A Verdade e a verdade das Verdades


encontram-se nas mais subtis distinções,
34
‫ ألم الجبروت‬- Jabrut, a "ponte" que liga os três níveis
da não criação com os da criação vindoura, na cos-
mologia dos Sufi
35
Malakut, o mundo das formas simbólicas
Tó-Sin do ponto 51

nas experiências prévias, nas lágrimas


do cativeiro, ou recorrendo a um antí-
doto elaborado por um médico que nos
ama, através da consideração da rup-
tura de todas as nossas amarras, nas
almofadas das selas dos que chegarão
juntos ao final da etapa, graças à per-
sistência nas calamidades e ao discerni-
mento das distinções, através de uma
palavra de libertação, abrindo rotas dis-
tintas para cada pessoa. A reconcili-
ação afigura-se como um novo olhar,
uma via desimpedida para o místico
que trilhou os caminhos da tradição
profética.

32. O Mestre de Yathrib,36 que a paz esteja


com ele, proclamou a glória d’Aquele

36
antiga designação da cidade de Medina, a ’Cidade
do Profeta’
52 O Livro das Tó-Sin

que possui a mais excelente das graças,


inviolada e preservada num ’Livro Se-
lado’,37 e recordou-nos num livro visível,
’um Livro Inscrito’38 sobre o signifi-
cado da língua dos pássaros, quando
nos levou até à estação que se encon-
trava ’à distância de dois arcos’.

33. Se compreendes isto ó cativo do Amor,


entende também que o Senhor não en-
tra em conversações com ninguém ex-
cepto com os Seus, ou com os amigos
dos Seus.

34. Ser um dos Seus, é não possuir Mestre


nem discípulo, não ter preferências ou
distinções, sem distrações nem lembran-
ças; que não tem "seu" nem "de si".
Nele há o que é; é em si mas sem se en-
37
Corão LVI, 77
38
Corão LII, 2
Tó-Sin do ponto 53

contrar "em si", como um Deserto sem


água num deserto sem água - como um
Sinal no sinal.

35. As declarações públicas (dos outros) re-


flectem os seus pensamentos (íntimos)
e os seus pensamentos espelham os seus
votos. O seu desejo encontra-se ausente,
a sua regra é dura, o seu nome glo-
rioso, o seu aspecto incomparável, a
sua sabedoria é a negação do conhe-
cimento, essa negação a sua única re-
alidade, e é o seu pecado que lhe dá
confiança. O Seu nome é a sua Re-
gra e o seu signo; é o que arde num
incêndio. O seu atributo é o Desejo.

36. A Legislação39 é a sua característica,


as verdades40 são o seu Hipódromo e
39
‫ شر يعة‬- Xária, i.e. a observância legal
40
‫ حقائق‬- No contexto do Sufismo, as verdades ínti-
54 O Livro das Tó-Sin

glória, as almas o seu adro, Iblis41 o


seu instrutor, todos os seres sociáveis
se tornam o seu animal doméstico, a
Humanidade é o seu segredo, a oblite-
ração a sua glória, o desaparecimento
é o tema da sua meditação, a noiva42 o
seu jardim e os escombros, o seu palá-
cio.

37. Os seus Mestres são o meu refúgio e os


seus princípios o meu alarme, os seus
quereres o meu pedido, o socorro pres-
tado por eles o meu abrigo, os seus ar-
rependimentos o meu pesar. As suas
folhagens são fontes para mim, e as

mas relativas ao mundo do Além


41
‫ إبليس‬- Iblis, o anjo que se recusou a prostrar-
se perante Adão (equacionável com o anjo Lúcifer da
tradição Cristã)
42
uma referência pouco clara à Terra santa dos
eleitos
Tó-Sin do ponto 55

franjas das suas mangas cobrem a mi-


nha pobreza.

38. Os seus arredores são estéreis, e as


suas abordagens apenas cinzas, a pedra
basilar do seu estado de consciência é
a sua doutrina, e o seu estado não é
outro que o de impotência. Mas qual-
quer outro estado será alvo da cólera
de Deus. Por isso basta assim, e que
Deus vos abençoe.
56 O Livro das Tó-Sin
Tó-Sin da
pré-Eternidade (e
o equívoco)

57
58 O Livro das Tó-Sin

[Para os que o consigam compreender so-


bre o que diz respeito aos predicados públi-
cos (da inacessibilidade da Unicidade div-
ina) que permanecem legítimos, contra as in-
tenções dos seus autores.]

1. Não existem proclamações legítimas que


não as de Iblis e as de Maomé. A única
diferença entre eles consiste no facto
de Iblis ter sido precipitado da Essên-
cia, enquanto que Maomé (diante de
si mesmo) se apercebeu da essência da
Essência.

2. Foi dito a Iblis: ’Prostra-te!’ E a Maomé:


’Olha.’ Mas Iblis não se prostrou e
Maomé não olhou; não se virando nem
à direita nem à esquerda o seu intele-
cto não se desviou.

3. Iblis, após ter anunciado a sua mis-


são não regressou à determinação ini-
Tó-Sin da pré-Eternidade 59

cial. Quando Maomé anunciou a sua


missão, foi devolvido à sua determi-
nação inicial, dizendo a Deus: ’É em
Ti que me transporto, é sobre Ti que
me lanço!’, ’Ó Tu que fazeis virar os
corações’ e ’Não sou capaz de Te lou-
var dignamente.’

4. Entre os habitantes celestiais, nunca


existiu outro monoteísta43 como Iblis.

5. A Essência surgiu-lhe em toda a sua


pureza; por timidez proibiu-se de pes-
tanejar, e assim começou a venerar o
Adorado em isolamento ascético.

6. Incorreu em maldição quando, tendo


atingido a solidão plena, exigiu ainda
mais isolamento.
43
‫ التوحيد‬- unitário
60 O Livro das Tó-Sin

7. Deus perguntou-lhe então: ’Prostras-


te (perante Adão)?’ - ’Nunca perante
outro que não Tu’, respondeu. ’Mesmo
que a minha maldição se abata sobre
ti?’ - ’Não me punirá’ retorquiu.

8. ’A minha recusa existe como afirmação


da Tua santidade. O meu pensamento
quer ficar em desordem por Ti!’

9. Então ele mergulhou no Mar da Majes-


tade, perdeu a visão e disse: ’A mim,
que não vejo outro caminho que não
aquele que me leva até Ti, desprezas-
me’ - ’Tornaste-te orgulhoso’ disse Deus.
’Já não existe entre nós um olhar que
seja, que me faça sentir orgulhoso e
confiante, mas fui eu quem Te conhe-
ceu no tempo da pré-Eternidade. Valho
mais do que ele (Adão) pois sirvo-Te
há mais tempo! Não há ninguém de
Tó-Sin da pré-Eternidade 61

entre os dois tipos de criaturas que Te


conheça melhor do que eu. Há uma in-
tenção minha que Te atravessa, e uma
Tua que me atravessa a mim. Para que
me prostrasse, ou não, perante outro
que Tu, teria de regressar à minha ori-
gem uma vez que me criaste de Fogo, e
o Fogo regressa ao Fogo em conformi-
dade com um equilíbrio e um critério
que são os Teus.

10. ’Entre mim e Ti não existe distância,


pois para mim se tornou certo que dis-
tância e proximidade são a mesma coisa.
Se me abandonares, a Tua ausência
será a minha companhia - de qualquer
modo, como opera esta ausência que
me faz encontrar o Amor? Glória a Ti,
na Tua Providência e na Essência da
Tua Inacessibilidade ao pio adorador
que não se prostra perante outro que
62 O Livro das Tó-Sin

não Tu’.

11. Moisés encontra Iblis na encosta do


Monte Sinai e pergunta-lhe: ’Iblis, o
que te impediu de te prostrares?’ E
ele respondeu: ’O que me impediu foi
a minha declaração de ter um Único
Amado, e se me tivesse prostrado ter-
me-ia tornado idêntico a ti; ordenaram-
te uma vez que ’olhasses para a mon-
tanha’ e tu olhaste. A mim foi-me pe-
dido milhares de vezes que me pros-
trasse perante Adão e eu não o fiz por-
que me mantive firme na intenção da
minha Declaração.’

12. Moisés questionou: ’Ignoraste uma Or-


dem?’ Iblis retorquiu: ’Era um teste,
não uma Ordem.’ Moisés continuou:
’E não pecaste? A tua face ficou de-
formada.’ Iblis respondeu então: ’Ó
Tó-Sin da pré-Eternidade 63

Moisés, isso de que falas não é mais


do que uma alusão à ambiguidade das
aparências; conquanto o estado de Cons-
ciência permaneça inalterado, a Sabe-
doria adquirida persiste, tal como na
origem, ainda que o indivíduo se en-
contre deformado.’

13. ’Consegues ainda lembrar-te d’Ele?’ per-


guntou a Iblis. ’Moisés! O Pensamento
puro não necessita da memória. Através
dele sou recordado e Ele é recordado.
A Sua lembrança é minha e a minha
lembrança d’Ele. Quando nos recor-
damos de nós mesmos, como podemos
não ser o mesmo?’

’Agora, sirvo-O de modo ainda mais


puro, num instante mais vazio, e numa
memória mais gloriosa, pois servi-O no
absoluto para minha felicidade e agora
64 O Livro das Tó-Sin

sirvo-O para Si mesmo.’

14. ’Subtraímos44 o desejo a todos aqueles


que evitam ou defendem os prejuízos
e os ganhos. Ele isolou-me, tornou-
me extático, confundiu-me, expulsou-
me para que não interferisse com os
santos. Apartou-me dos demais por
causa do meu zelo (guardando-me para
Si). Desfigurou-me porque me deslum-
brou e deslumbrou-me porque me ex-
patriou. Expatriou-me por ter sido um
Servo que se colocou em posição inter-
dita ao tornar-se Seu comensal. Mos-
trou-me a minha indignidade quando
louvava a Sua glória. Reduziu-me a
um simples ihram45 por causa da minha
Hégira.46 Abandonou-me pois encontra-
44
Iblis e Deus
45
‫ إحرام‬- A veste utilizada quando em peregrinação
46
‫ هجرة‬- A fuga de Maomé de Meca para Medina
Tó-Sin da pré-Eternidade 65

ra-me. Expôs-me porque eu lhe era


inerente e tornou-me inerente porque
me diferenciou. Diferenciou-me porque
me retirou à partida o desejo de anu-
lação.’

15. ’Portanto, na Sua Verdade, não me en-


contrava em falha relativamente ao seu
Decreto, nem recusei o destino. Ape-
nas não me preocupei com a defor-
mação da minha face; mantive o meu
equilíbrio ao longo dessas sentenças.
Ainda que me suplicie com o Seu fogo
durante a eternidade da pós-Eternidade,
não me prostrarei perante ninguém, in-
divíduo47 ou corpo, pois não Lhe re-
conhecerei nem consortes nem filhos.
Prego a Sinceridade, e sou sincero com
o meu Amor.’
47
indivíduo imaterial
66 O Livro das Tó-Sin

16. Os estados de consciência de Azâzil48


foram objecto de diversas teorias. Uma
afirma que foi encarregue de uma du-
pla pregação: no Céu pregou aos an-
jos (antes da queda) indicando-lhes as
boas acções, e que agora na Terra pre-
gava aos homens e djinn, mostrando-
lhes as más acções (como maneira de
os testar).

17. O Anjo poderia ter-lhes mostrado boas


acções e afirmar simbolicamente ’Se fi-
zeres estas, serás recompensado’, mas
reflectiu que aquele que não conheceu
o Mal não terá a capacidade de recon-
hecer o Bem. Como a fina seda branca
48
‫ عزاز يل‬- o nome de Iblis antes da queda. O Azazel
bíblico mencionado em Levítico e no Livro de Enoque
(X, 8) onde é dito que ’toda a terra foi corrompida
através dos ofícios ensinados por Azazel: a ele podeis
atribuír a origem do pecado.’
Tó-Sin da pré-Eternidade 67

apenas pode ser bordada sobre um fel-


tro escuro também nós não somos ca-
pazes de reconhecer as coisas sem co-
nhecermos os seus opostos.

18. Deliberei com Iblis e o Faraó sobre a


Honra dos Valentes. Iblis disse-me: ’Se
me tivesse prostrado perderia até o no-
me da honra! O Faraó disse: ’Se tivesse
acreditado nesse Seu enviado49 , teria
perdido o posto supremo da honra.’

19. Eu disse: ’Se negasse os meus ensina-


mentos ou discursos, seria banido do
salão da honra.’

20. Quando Iblis disse ’valho mais do que


ele’, na verdade, não concebia outro
amante que não ele mesmo. Quando o

49
i.e., numa criatura interposta entre Deus e ele
68 O Livro das Tó-Sin

Faraó disse que desconhecia que exis-


tisse outra Divindade que não ele, não
admitia que o seu povo soubesse dis-
tinguir entre o verdadeiro e o falso.

21. Eu afirmei: ’Se não O conheceis, en-


tão reconhecei-O nos Seus sinais, eu
sou o Seu sinal50 e sou a Verdade!’
Isto porque não cessei de compreender
a Verdade.

22. O meu companheiro é Iblis e o meu


instrutor o Faraó. Iblis foi ameaçado
com o fogo e não se retractou da sua
afirmação. O Faraó foi afogado no
Mar Vermelho sem retirar a sua afirma-
ção de não reconhecer nenhum medi-
ador.51
50
‫ تجلی‬A "revelação" ou "aparição" sob a qual Deus
Se manifesta
51
a tradutora adiciona uma passagem do Corão,
Tó-Sin da pré-Eternidade 69

23. Pois eu serei crucificado, e as minhas


mãos e pés ser-me-ão cortadas sem que
retire as minhas afirmações.

24. O nome de Iblis deriva do seu nome


original Azâzil, onde foi alterado o ’ayn
que representa a amplitude do seu desí-
gnio, o zâ que representa a frequência
das suas visitas (a Deus), o alif que
representa a comunhão e a proximi-
dade, o segundo zâ, a ascese indepen-
dente do seu escalão, ya a sua marcha
errante em direcção à agonia e o lam
que é a sua obstinação na miséria.

25. Deus disse-lhe: ’Não te prostras, hu-


milhado?’ - ’Diz antes "enamorado"

atribuída ao Faraó, que não consta da tradução de


Massignon: ’Eu acredito que não existe Divindade
que não aquela em que acreditam os Filhos de Israel,
Corão X, 90
70 O Livro das Tó-Sin

porque os enamorados são humilhados


e por isso Tu me chamas assim. Mas
eu li num Livro Evidente o que me
haveria de suceder, ó Todo-Poderoso
e Firme! Como posso eu rebaixar-me
ao nível de Adão quando o criaste da
Terra e a mim do Fogo? Estes opostos
não combinam. Além do mais, sirvo-
Te há mais tempo, possuo uma virtude
superior, um conhecimento mais vasto
e uma actividade mais perfeita.’

26. Deus respondeu: ’A escolha é minha,


não tua.’ - ’Todas as escolhas incluindo
as minhas, Te pertencem, pois já as es-
colheste por mim ó nosso Criador! Se
me impediste de me prostrar perante
ele, Tu mesmo foste a causa. Se te
perdi por Te responder, não me aban-
donaste pois ainda me ouves. Se tives-
ses querido que me prostrasse, eu teria
Tó-Sin da pré-Eternidade 71

sido obediente; não conheço ninguém


entre todos os Sábios que Te conheça
melhor que eu.’

27. ’Não me culpes, o desejo de ser respon-


sabilizado é-me estranho. Recompensa-
me bem, Mestre, pois estou só. Se, de
facto uma promessa, a Tua promessa
é verdadeiramente a Verdade na sua
origem, na sua origem, a minha vo-
cação foi resoluta. Quem pretender ob-
ter conhecimento desta minha declara-
ção, que a leia e compreenda que fui
um mártir!’

28. Irmão! Chamaram-no Azâzil por lhe


ter sido revogada a sua santidade origi-
nal. Ele não retornou à sua condição
original a tempo; amaldiçoado, foi ex-
pulso da origem.

29. A sua tentativa de fuga viu-se gorada


72 O Livro das Tó-Sin

pela fixidez das suas amarras. Iblis


encontrava-se aprisionado entre o fogo
abrasador da sua residência e a clareza
divina da sua predestinação.

30. A sua fonte é como uma lagoa rasa, es-


vaziada pela seca. Agoniza onde existe
abundância, a sombra verdejante que
cobiça é precisamente o que embota
a sua visão. Os terrenos de caça es-
carpados que julga deter são apenas os
relâmpagos ziguezagueantes da Clareza.
O seu furor leonino não é mais que
a imobilização do seu olhar domesti-
cado. Os seus sabres são imaginários e
os seus atavios de caça inexistentes. A
sua noite, obscura, é um abismo escan-
carado de simulação, cegueira e vaidade.
Ali se encontra!

31. Ó irmão! Se compreendeste, então con-


Tó-Sin da pré-Eternidade 73

sideraste a estreiteza da passagem na


sua própria estreiteza, representaste a
imaginação para ti mesmo em toda a
sua irrealidade e regressas agora per-
turbado e consumido pela ansiedade.

32. Os mais despertos entre os místicos per-


maneceram em silêncio relativamente
a Iblis, e os sábios não tiveram a força
para se exprimirem sobre o que tinham
aprendido. Iblis era mais firme que eles
na Adoração, encontrava-se mais pró-
ximo do Ser que eles, e aproximou-se
assim mais do Adorado.

33. Os outros anjos prostraram-se perante


Adão por não terem alternativa, mas
Iblis recusou-se por se encontrar há de-
masiado tempo em contemplação.

34. Mas a sua situação tornou-se confusa,


e perdeu a confiança em Deus afirmando
74 O Livro das Tó-Sin

’Valho mais do que ele.’ Permaneceu


por trás do véu, revolveu-se na poeira
e fez abater a danação sobre si, para o
pós-tempo-eterno do pós-tempo-eterno.
Tó-Sin da
Vontade Divina

75
76 O Livro dos Tó-Sin

1. Assim se pode representar a Vontade


de Deus. O primeiro círculo é o De-
creto de Deus, o segundo a Sua Sabedo-
ria, o terceiro o Seu Poder e o quarto o
Seu Conhecimento da pré-Eternidade.

2. Iblis disse: ’Se penetrar no primeiro


círculo, terei de me submeter ao teste
do segundo, e tendo penetrado no se-
gundo terei ainda de me submeter ao
teste do terceiro. Atingindo o terceiro
Tó-Sin da Vontade Divina 77

círculo teria de me submeter à prova


do quarto. Não, não, não e não!’

3. ’Ainda que apenas ficasse no primeiro,


seria amaldiçoado até pronunciar o se-
gundo e rejeitado até proclamar o ter-
ceiro. Que me importa assim o quarto
círculo?’

4. ’Se ao menos soubesse que prostrando-


me me salvaria. Mas eu sei que após
um círculo, existem outros três. Con-
jecturei: mesmo que saia em segurança
deste círculo, como sairei do segundo,
terceiro e quartos?’

5. O A52 do quinto LÂ é: "Ele, o Deus


Vivo."

52
‫ا‬, Alif
78 O Livro dos Tó-Sin
O Tó-Sin da
Declaração da
Unicidade

79
80 O Livro das Tó-Sin

1. Ele é o Deus Vivo.

2. Deus é Um, Único, Só e comprovada-


mente Uno.

3. A Unicidade e a sua prova provêem de


Si, são Suas e pertencem-Lhe.

4. Nele origina a distância que separa os


demais da sua Unidade. Podemos repre-
sentá-lo assim:

5. A ciência da Declaração da Unicidade


Tó-Sin da Declaração da Unicidade 81

Divina53 , é um conhecimento abstracto


autónomo. Podemos ver aqui a sua
representação:

6. A proclamação (humana) é apenas um


atributo do sujeito que o atesta, não
um atributo do Objecto sobre o qual se
realiza a atestação.

7. Em verdade, sendo eu criado, se disser


"Eu", isso fá-Lo-á dizer "Eu" também?
53
‫ توحيد‬- Tawhid
82 O Livro das Tó-Sin

A minha proclamação deriva então de


mim, e não d’Ele.

8. Então, se digo que a proclamação da


Unicidade de Deus provém do sujeito
que a atesta, torno-a uma coisa criada?

9. E se disser que não, que a proclamação


da Unicidade de Deus, provém do Ob-
jecto que a atesta - se qualquer um a
proclamar, o que o fará ligar-se a esta
declaração (incriada)?

10. Então afirmo que a proclamação é uma


relação que religa o Objecto ao sujeito
que o atesta, e torno assim esta relação
uma definição lógica.
Tó-Sin da
Consciência de Si
no Tawhid

83
84 O Livro das Tó-Sin

1. O atributo das Tó-Sin da Consciência


de Si no Tawhid é o seguinte:

A Consciência de Si procede d’Ele e a


Ele retorna, n’Ele operando, mas não é
necessária de um ponto de vista lógico.

2. O verdadeiro tema do Tawhid atraves-


sa uma diversidade de assuntos porque
Ele não se encontra incluído nem no
sujeito nem no objecto, nem nos prono-
mes da preposição. O Seu sufixo prono-
minal ão pertence ao Objecto, o seu
h possessivo pertence ao seu Ah!, e
Tó-Sin da Consciência de Si no Tawhid 85

a nenhum outro h que não nos torne


unitários.

3. Se eu exclamar ’wah!’ sobre este h, os


outros apenas me responderão ’Ai!’

4. Só nos podemos exprimir com epítetos


e especificações, e uma alusão demons-
trativa pervade-as, de modo a que an-
tevamos Deus através dos pronomes re-
lativos.

5. Todas as individualidades humanas são


opacas, como ’como se fossem uma sól-
ida muralha.’54

6. As alusões demonstrativas dão-nos defi-


nições, e a Unicidade de Deus não é
uma excepção, mas todas as definições
são limitações, e os atributos de uma
54
Corão LXI, 4
86 O Livro das Tó-Sin

limitação aplicam-se a um objecto limi-


tado; por outro lado, o Objecto do Taw-
hid não sofre de limitações. A Ver-
dade55 em si é não mais que a residên-
cia da Consciência (Divina), e não necessaria-
mente Deus em si.

7. Declarar o Tawhid não executa em si


o Tawhid; se não se confundem o pa-
pel sintático de um termo e o seu sen-
tido próprio quando dizem respeito a
um termo adicionado, como poderão
confun-dir-se então quando este se mani-
festa em Deus?

8. Se afirmo que o Tawhid emana d’Ele,


então duplico a Essência Divina, faço
uma emanação dela, coexistente com
ela, sendo e não-sendo esta Essência.

55
ّ‫ٱلْح َُق‬, ’A Verdade Absoluta’
Tó-Sin da Consciência de Si no Tawhid 87

9. Digo que ela se encontrava oculta em


Deus, e Ele a manifestou; como se en-
contrava ela oculta, se em Deus não
existe "como", nem "quê", nem "isto" e
no Seu seio não existe nenhum lugar?

10. Porque "nisto", bem como "onde", são


criações de Deus.

11. O que serve de apoio a um acidente56


não é desprovido de substância. O que
não se encontra separado de um corpo,
não se encontra desprovido de todas as
partes do corpo. O que não se encon-
tra separado do espírito, não se encon-
tra desprovido de espírito. O Tawhid é
portanto um fermento espiritual.

12. Regressamos então, bem para além de


tudo, ao âmago do nosso Objecto, e
56
Casualidade
88 O Livro das Tó-Sin

isolamo-lo de todas as adjunções, as-


similações, qualificações, pulverizações
e atributos.

13. O primeiro círculo57 compreende as ac-


ções de Deus, o seguinte os seus vestí-
gios (e consequências); estes são os cír-
culos do criado.

14. O ponto central simboliza o Tawhid,


mas não é o Tawhid, senão como pode
ele ser dissociado (em pensamento) do
círculo?

57
Diagrama seguinte
Tó-Sin da
Desconexão das
Formas

89
90 O Livro das Tó-Sin

1. Aqui está o círculo da alegoria, o sím-


bolo que representa o Tawhid:

2. Este é o tudo que a nós nos pode dar


frases e sentenças; aos adeptos das seitas
e cultos, doutrinas e métodos.

3. O primeiro círculo é o sentido literal; o


segundo, o seio da alegoria e o terceiro
o aparente.58

‫ ظاهر‬alusivo, i.e., o aspecto exotérico do Corão por


58

oposição ao esotérico ‫باطن‬


Tó-Sin da Desconexão das Formas 91

4. Este é o conjunto de todas as coisas


criadas e compostas, respondidas e pi-
sadas, capturadas, contraditas, engana-
das e espantadas.

5. Transcendente, o seu "Eu" circula nos


pronomes de todas as pessoas e, como
uma flecha, penetra-lhes o coração, sur-
preende-os, e suplanta-os; Ele deixa-os
espantados quando os atravessa.

6. Aqui se encontra a totalidade das subs-


tâncias e qualidades criadas. Deus não
tem nada a haver com estas quimeras.

7. Se eu afirmar: ’Ele é Ele’, essa afir-


mação não será o Tawhid.

8. Se eu disser que essa afirmação ex-


prime o Tawhid, responder-me-ão: ’Sem
dúvida!’
92 O Livro das Tó-Sin

9. Se afirmar que Ele se encontra "ausente


do Tempo" dir-me-ão que criei uma com-
paração para demonstrar o Tawhid. Mas
as comparações são insuficientes ao des-
crever Deus e, de qualquer modo, essa
vossa frase não estabelece uma ligação
real ao Criador ou à criação e, pelo
facto de a expressarem um número de
vezes, introduziram-lhe uma condição
limitadora. Fazendo isto, adicionaram
um sentido de contingência ao Tawhid.
Ora a contingência não é um atributo
de Deus, a Sua essência em Si mesmo é
única realmente, e o que é irreal (con-
tingente) não pode emanar.

10. Se digo que ’o Tawhid é a Palavra Divi-


na em si’ responder-me-ão: ’a Palavra
é um atributo de Deus, mas não Deus.’

11. Se afirmar que o Tawhid significa que


Tó-Sin da Desconexão das Formas 93

Deus quer ser Único’ objectarão que


’a Vontade é um atributo da Essên-
cia Divina; mas as Suas volições de-
cretadas são coisas criadas.’

12. Dizendo que Deus é a prova que a Es-


sência retorna a Si mesma, perguntar-
me-ão ’Então, a Essência é a prova que
Deus é Um?’

13. Respondendo: ’Não, o Tawhid não é


a Essência Divina’, digo que este foi
criado?

14. Afirmando que ’o nome e o objecto nomeado


são o mesmo’, que sentido poderemos
atribuir ao Tawhid?

15. Para terminar, se digo que ’Deus é Deus’


é isso o mesmo que dizer que ’Deus é a
essência da Essência’ e que ’Ele é Ele’?
94 O Livro das Tó-Sin

16. Este é o diagrama que ilustra a ex-


clusão das causas secundárias, com os
Não59 que o representam.

17. O primeiro círculo é a pré-Eternidade,


o segundo é o conjunto das possibili-
dades, o terceiro o dos potenciais e o
quarto, o dos futuros.
59
‫لا‬, "não"
Tó-Sin da Desconexão das Formas 95

18. A Essência não se encontra desprovida


de atributos.

19. O primeiro investigador abre a porta


do Conhecimento e não vê (Deus). O
segundo abre a porta da Pureza do Co-
ração, e não O vê. O terceiro abre a
porta do Entendimento, e não O vê. O
quarto abre a porta do Significado, e
não O vê. Ninguém vê Deus; nem na
Sua essência, nem em volição, nem em
vocábulo, nem num sofisma.

20. Glória a Deus Sagrado que através da


Sua Santidade, Se mantém inacessível
aos métodos dos sábios e às intuições
dos visionários.

21. Esta é a demonstração da Negação e


da Afirmação, e esta a sua represen-
tação.
96 O Livro das Tó-Sin

22. A primeira fórmula traduz o pensamento


profano e a segunda, o dos místicos
profissionais, mas o círculo que repre-
senta o conhecimento da realidade divi-
na encontra-se entre eles e os não60
que circunscreve são a negação de to-
das as admissões. Os dois "H" encon-
tram-se em ambos lados, como pilares
que sustentam o Tawhid.
60
‫لا‬
Tó-Sin da Desconexão das Formas 97

23. Assim, o pensamento dos profanos afo-


gar-se-à num oceano de imagens vãs,
e o do místicos no oceano dos pos-
síveis. Mas ambos secarão e os cami-
nhos que marcavam serão apagados;
esses dois pensamentos desaparecerão
e os pilares ruirão, ambos os mundos
perecerão, com os seus argumentos e o
seu saber.

24. Do Seu lado, na Sua divindade pura,


Deus subsiste transcendendo todas as
contingências. Louvemos esse Deus que
nenhuma causa secundária condiciona.
A Sua prova é forte, o Seu argumento
glorioso, Ele, o Senhor da Glória e da
Majestade. O Incalculável detentor da
Unidade não aritmética. Sem definição
ou contagem, nenhum início ou fim O
tocam. A Sua existência é uma mara-
vilha pois encontra-Se removido da ex-
98 O Livro das Tó-Sin

istência. Apenas Ele Se conhece a Si


mesmo, ’Detentor da Majestade e da
Honra61 ’, Criador das almas e dos cor-
pos.

61
Corão LV, 27
Tó-Sin do Jardim
do Conhecimento

99
100 O Livro das Tó-Sin

1. O artigo definido entende-se implícito


no artigo indefinido, de modo dissi-
mulado e, do mesmo modo, o artigo
indefinido entende-se implícito no ar-
tigo definido, de modo dissimulado. A
indefinição é a característica e fisiono-
mia do gnóstico, e a sua atitude deve-
rá ser a da ignorância. O aspecto ex-
terno da sabedoria ilude os sábios no
seu entendimento sobre a sua origem.
Como O compreender onde não existe
o "como?" Onde o conhecer, quando
não existe "onde?" Como atingi-Lo se
não existe a ideia de "união?" Como
pode Ele dissociar-Se, onde não existe
pontuação? A determinação pura não
pode ser a acção de nenhum sujeito
limitado ou enumerado, nem carece de
manutenção ou incitamento.

2. O conhecimento encontra-se para lá da


Tó-Sin do Jardim do Conhecimento 101

ideia de "além", para lá dos limites es-


paciais e para lá das intenções, para lá
das consciências, para lá das tradições
recebidas e para lá da percepção. Pois
todas estas coisas, são coisas criadas,
que não existiam antes de o serem e
que se manifestaram num lugar. A Ele,
que nunca cessou de Ser, que existia
e existe para além das dimensões, das
causas principais e secundárias, como
O podem estas orientações mentais con-
ter? Como podem estas "limitações"
compreendê-Lo?

3. Ao que afirma: ’Conheço Deus pela


Sua ausência’ - como pode o que carece
conhecer Aquele que é sempre?

4. Ao que afirma: ’Conheço-O porque ex-


isto’ - não é possível a dois extremos
absolutos co-existirem.
102 O Livro das Tó-Sin

5. Ao que afirma: ’Conheço Deus porque


O desconheço’ - a ignorância é apenas
um véu e o conhecimento encontra-se
para além do véu. Se não, não é real.

6. Aos que afirmam: ’Conheço-O pelo Seu


Nome’ - o Nome não se encontra sepa-
rado do Nomeado porque Ele não é cri-
ado.

7. Aos que afirmam: ’Conheço-O por Si


mesmo’ - isso é uma alusão a dois ob-
jectos do reconhecimento.

8. Aos que afirmam: ’Conheço Deus pe-


los Seus trabalhos’ - é o mesmo que
dizer que lhes bastam os feitos sem
buscarem Aquele que os realizou.

9. Aos que afirmam: ’Conheço-O pela mi-


nha incapacidade de O conhecer’ - não
Tó-Sin do Jardim do Conhecimento 103

sendo capaz de se desprender, como


pode antever o objecto conhecido?

10. Aos que afirmam: ’Conheço-O como


Ele me conheceu a mim’ - uma alusão
ao conhecimento formal e um regresso
ao que é conhecido é distinto da Es-
sência Divina. Sendo distinto da Es-
sência como pode ter a percepção da
Essência?

11. Aos que afirmam: ’Eu conheço Deus


como Ele se descreveu a Si mesmo’ -
contentam-se com a autoridade tradi-
cional sem necessidade de uma confir-
mação imediata.

12. Aos que afirmam: ’Conheço Deus pe-


los Seus Atributos antitéticos’ - o co-
nhecido não é coisa que admita ser
confinado ou dividido em secções.
104 O Livro das Tó-Sin

13. Aos que afirmam: ’Apenas o Objecto se


conhece a Si mesmo’ - confirmam que
os sábios se encontram ligados pela sua
diferença, pois o Objecto não cessa nun-
ca de Se conhecer em Si mesmo.

14. Ó Maravilha! A Humanidade não sabe


como um pelo no seu corpo muda de
preto para branco. Como poderá conhe-
cer Aquele que fez as coisas existirem?
Não conhece o sumário ou a análise,
nem o Primeiro ou o Último, nem mu-
danças, nem causas, nem realidades,
nem dispositivos, não lhes é possível
conhecer Aquele que não cessa de exis-
tir.

15. Louvado seja O que os ofuscou com o


Nome, a definição e a marca! Colocou-
os sob o véu de uma palavra, de uma
circunstância: a perfeição e a beleza
Tó-Sin do Jardim do Conhecimento 105

Daquele que sempre foi e será! O cora-


ção é um pedaço de carne e portanto
o conhecimento, sendo uma substância
divina, não pode aí residir.

16. O entendimento tem duas dimensões


lógicas: extensão e amplitude. A vida
espiritual pia tem dois aspectos: tradi-
ções e obrigações. A totalidade das
criaturas da criação encontram-se nos
céus e na Terra.

17. Mas o Entendimento não possui nem


extensão nem amplitude, não respeita
nem as formas exteriores nem as in-
tenções internas, nem as tradições ou
as obrigações.

18. Os que afirmam: ’Conheço-O através


da Sua realidade’ - esses tornam a sua
existência superior à do Objecto. Quem
conhece algo na sua realidade própria
106 O Livro das Tó-Sin

torna-se mais poderoso que o simples


objecto sobre o qual detém conhecimento.

19. Ó Humanidade! Nada na criação é


mais pequeno que o átomo, e não te
apercebes dele. Como pode o que não
reconhece um átomo ser capaz de co-
nhecer O que é mais súbtil que o átomo?
O sábio é o que vê; a Sabedoria reside
No que subsiste; como se a Sabedoria
fosse estabilizada, do ponto de vista
da predestinação (que a assigna aos
sábios) e existisse nela algo de espe-
cializado, como o traçado do círculo
que envolve o olho.

20. O que é excluído é posto de lado e


perece, e o incluído permanece ao lado
do conhecimento essencial. O sentido
do Conhecimento transcende o seu no-
me próprio. Encontra-se separado e
Tó-Sin do Jardim do Conhecimento 107

desunido. As inspirações que envia


sugerem ao Seu olhar uma distracção,
que se torna esquecimento.

O que almeja o Conhecimento, e o re-


nuncia por casto respeito, expatria-se e
é expatriando-se assim que o vê sur-
gir e brilhar; afundando-se longe dele
torna-se o seu Oriente, pois ele não
tem nada acima de si que o possa ele-
var, ou abaixo de si que o possa baixar.

21. O Conhecimento encontra-se removido


das questões existenciais, permanece na
permanência Divina. Os seus cami-
nhos são estreitos, e não há uma estrada
que lhes aceda. Os seus meios são
claros mas não existe nenhum guia até
ele. Os sentidos não o compreendem
e os adjectivos da Humanidade não o
alcançam.
108 O Livro das Tó-Sin

22. Quem o possui é solitário e o que o


esgota encontra a sua rota facilitada;
a corda que serpenteia desenrola-se da
polia, os olhos que ela enche de lá-
grimas dormitam e os olhos que re-
fresca fecham-se, o seu abraço tem a
amargura da ausência e o clarão do
seu relâmpago faz borbulhar um poço
perpétuo; a sua ausência é um desvio
cativo, quando reverte o fogo e a terra,
e o incuba nas cinzas, quando acari-
cia e encoraja. Torna o medroso que
aterroriza num asceta; do indiferente
ela faz um observador. As suas cordas
(como numa tenda) tornam-se as bor-
das que sustentam a sua tela, e aqueles
a quem ele dá a sua tenda, tornam-se
as estacas.

23. A Sabedoria não é análoga que não d’


Ela mesma, e Ele não é análogo senão
Tó-Sin do Jardim do Conhecimento 109

a Si mesmo. Ela não é análoga que não


a Ela mesmo, e Ele não é análogo que
não a Ele mesmo.62 Para Ela, as suas
construções são as suas fundações, e
as suas fundações o seu edifício. Os
que A possuem são os seus edifícios
Nela - Nela e para Ela. Ela não é Ele
(Deus), e Ele não é Ela. Não existe um
Ele que não Ela, e não existe um Ela
que não Ele - e não existe um Ele que
não Ele!

24. O sábio é o que vê, e o Conhecimento


reside Naquele que subsiste. O sábio
permanece no seu acto cognitivo e torna-
se, no limite, nesse acto de consciên-
62
Esta passagem é repetida com uma inversão na
ordem; Massignon nota que consiste num conjunto de
sábias aliterações que não foi capaz de traduzir que
não através da paráfrase, desejando não omitir ne-
nhum dos detalhes do pensamento original
110 O Livro das Tó-Sin

cia ele próprio, mas o Conhecimento


encontra-se para lá disto e o Seu Ob-
jecto ainda mais além.

25. De qualquer modo a fábula é assunto


dos contadores de histórias e a Sabedo-
ria é um assunto dos eleitos; a cortesia
convém aos indivíduos e o exorcismo
aos possuídos, recordar agrada aos que
se familiarizam e o esquecimento aos
selvagens.

26. Pois o verdadeiro Deus é Deus e o


Mundo não passa de Sua criação - e
não importa!

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