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MAPEANDO A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: ANÁLISE DE UM


CAMPO EM CONSTRUÇÃO

Article · August 2014


DOI: 10.7867/1809-0354.2014v9n2p289-315

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Amurabi Oliveira
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ATOS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO - PPGE/ME
ISSN 1809-0354 v. 9, n. 2, p. 289-315, mai./ago. 2014
DOI http://dx.doi.org/10.7867/1809-0354.2014v9n2p289-315

MAPEANDO A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: ANÁLISE DE UM


CAMPO EM CONSTRUÇÃO

MAPPING THE SOCIOLOGY OF EDUCATION IN BRAZIL: ANALYSIS OF A FIELD


UNDER CONSTRUCTION

OLIVEIRA , Amurabi
amurabi_cs@hotmail.com
Universidade Federal de Santa Catarina

SILVA, Camila Ferreira da


ferreira.camilasilva@gmail.com
PG/ Universidade Nova de Lisboa

RESUMO A necessidade de materializar uma Sociologia da Sociologia – e, com


isso, refletir sobre o próprio desenvolvimento de determinado campo científico – tem
movido um número significativo de estudos e investigações em torno da Sociologia
da Educação no contexto brasileiro. O presente artigo se insere, pois, neste debate:
frente à literatura existente, que tem como principal bifurcação analítica a produção
dos pesquisadores dedicados à Sociologia da Educação, elencamos os grupos de
pesquisa cadastrados no diretório do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) como fontes de informações acerca da
institucionalização da própria Sociologia da Educação no país, com o objetivo de
caracterizar e analisar os grupos que se dedicam direta ou indiretamente a esta área
do conhecimento. Importantes questões relacionadas à própria identidade da
Sociologia da Educação no Brasil emergem, portanto, a partir da abordagem quanti-
qualitativa que marca este estudo e nos auxiliam em nosso exercício reflexivo de
mapeamento das características destes grupos de pesquisa, tais como: a
predominância da Sociologia enquanto área de atuação; as instituições federais de
ensino superior como principais espaços de desenvolvimento da Sociologia da
Educação; a distribuição geoespacial destes grupos de pesquisa e o destaque para
as regiões Sudeste, Nordeste e Sul; e a heterogeneidade de linhas de investigação
e de trajetórias de formação acadêmica dos pesquisadores que compõem o nosso
corpus de estudo.
PALAVRAS-CHAVE: Sociologia da Educação. Campo científico. Grupos de
pesquisa. CNPq.

ABSTRACT The need to materialize the Sociology of the Sociology - and, with this,
to reflect on own development of particular scientific field - has moved a significant
number of studies and investigations into the Sociology of Education in the Brazilian
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context. This article is part of this debate, considering the existing literature, which
has as its main analytical bifurcation production of researchers dedicated to the
Sociology of Education, we selected the research groups registered in the National
Council for Scientific and Technological Development (CNPq) as sources of
information about institutionalizing of the Sociology of Education in Brazil, aiming to
characterize and analyze the groups involved directly or indirectly to this area of
knowledge. Important issues related to the identity of the Sociology of Education in
Brazil, therefore, emerge from the quantitative-qualitative approach that marks this
study and assist us in our mapping exercise reflective of the characteristics of theses
research groups, such as the prevalence of Sociology while area; federal institutions
of higher education as key areas for development of the Sociology of Education;
geospatial distribution of these research groups and the highlight for the Southeast,
Northeast and South region, and the heterogeneity of lines of research and training
paths academic researchers that make up our corpus study .
KEYWORDS: Sociology of Education. Scientific Field. Research Groups. CNPq.

INTRODUÇÃO

Historicamente, a Sociologia, como campo de conhecimento, tem enfrentado


a tarefa de compreender a realidade social na sua complexidade, “[...] em especial,
os processos sociais atinentes ao compartilhamento de significados, valores,
símbolos, conhecimentos, cultura” (MARTINS; WEBER, 2010, p. 129). Quando e por
que, em seu desenvolvimento, o próprio campo científico no qual esta ciência
encontra-se circunscrita tornou-se um objeto de curiosidade, de estudo e
investigação? O processo de institucionalização da Sociologia enquanto disciplina
científica, na Europa do século XIX, revelou preocupações, dentre outras, de ordem
epistemológica: a busca por legitimidade, de um lado, levou à busca por
conceituação e delimitação, de outro. Este movimento conferiu, desde então, um
movimento duplo de desenvolvimento da Sociologia, marcado pela investigação
social propriamente dita e pela reflexão acerca da própria natureza desta ciência.
Esta tradição reflexiva se expressa nas obras dedicadas a tratar da
especificidade do conhecimento sociológico, bem como do ofício dos que o
desenvolvem e, nas últimas décadas, tem ganhado contornos de cunho
compreensivo, ou seja, tem-se buscado entender a realidade ligada ao
desenvolvimento da própria Sociologia.
Tal movimento tem ganhado, atualmente, uma marca de autoavaliação.
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Interessa-nos saber, neste contexto: como este movimento contemporâneo de olhar


para si próprio tem se expressado na Sociologia da Educação no contexto
brasileiro? Neste sentido, destacam-se estudos realizados desde os anos 1980
(GOUVEIA, 1989; CUNHA, 1992; SILVA, 2002; COSTA; SILVA, 2003; HEY, 2007;
MARTINS; WEBER, 2010; OLIVEIRA, 2013), cuja preocupação central tem sido
analisar a heterogênea produção científica no âmbito da Sociologia da Educação,
bem como a posição dos próprios pesquisadores no espaço de tal produção.
É, pois, nesta frente de contemplação que o presente artigo se insere.
Lançamos aqui um olhar para a Sociologia da Educação no Brasil. A especificidade
deste olhar se deve à abordagem quanti-qualitativa elencada, bem como ao espaço
de busca de informações utilizado: o Diretório de grupos de pesquisa do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Nosso objetivo
consistiu em caracterizar e analisar os grupos que se dedicam direta ou
indiretamente a esta área do conhecimento, na tentativa de aprofundar o exercício
de autoavaliação que mencionamos anteriormente. Para isto, enveredamos
respectivamente, neste artigo, por um debate em torno do percurso histórico da
Sociologia da Educação no Brasil e pelos achados de nosso estudo – passando por
breves discussões acerca do Diretório do CNPq e das questões metodológicas.

PERCURSO DA SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

A discussão que aqui se segue nos remete, inevitavelmente, a uma reflexão


mais apurada sobre a formulação de um campo científico, afinal, a existência ou não
de uma Sociologia da Educação não é, necessariamente, um ponto pacífico. Se
pensarmos nos termos propostos por Fernandes (1960), temos que não há de fato
uma Sociologia da Educação, mas sim a Sociologia enquanto campo científico e
seus múltiplos objetos a serem explorados.
Cabe assinalar que a questão educacional enquanto uma preocupação
intelectual antecede a própria formulação da Sociologia como ciência e mais ainda
seu ingresso no Brasil, que se deu de forma bastante singular, por meio das
chamadas Escolas Normais, que se voltavam para a formação de professores, o que
dista substancialmente do que ocorreu nos demais países latino-americanos, nos
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quais esta ciência adentra por meio das Universidades (MICELI, 1989; LIEDKE
FILHO, 2003). Em todo o caso, é inegável o papel que as Faculdades de Direito
tiveram nesse momento, na profusão de ideias e conceitos sociológicos (CÂNDIDO,
2006). Ainda sobre a presença da Sociologia nos cursos de formação de
professores, é válido ressaltar que sua introdução nos currículos desses representou
uma busca pela modernização (SARANDY, 2007), esse novo modelo de sociedade
emergente, demandava um novo professor. Segundo Nagle (1974, p. 219):

A escola normal vai experimentar profundas transformações durante o


período que está sendo estudado; na verdade, da mesma forma que
aconteceu com a escola primária, a "moderna" escola normal vai se
estruturar nesse tempo. [...]
No período, e além disso, se processa a profissionalização do curso normal,
quando se define um conteúdo de preparo técnico pedagógico,
principalmente pela inclusão, no plano de estudos, de disciplinas como
anatomia e fisiologia humanas, pedagogia, história da educação, sociologia
e, especialmente, psicologia.

Essa modernização almejada aproximava-se do que Canclini (1997)


denomina de uma modernização sem modernidade, tendo em vista que ela não
implicava em uma ameaça às estruturas de poder e dominação tradicionais aqui
instauradas. Analisando também esse contexto de introdução dessa ciência nos
cursos de formação de professores, Meucci (2011, p. 65) nos aponta que:

A Sociologia foi introduzida nos cursos de formação de professores (então


denominados cursos normais) num período de profunda revisão dos seus
currículos. As aulas de música, desenho à mão livre e trabalhos de agulha
foram substituídas por novas disciplinas como metodologia do ensino,
pedagogia, psicologia e história da educação. As novas disciplinas – que se
dedicavam à racionalização do homem, dos meios de ensino e da ação
educativa – passaram a dar um tom científico e pragmático aos cursos de
magistério.

Chama atenção o destaque que alguns autores passam a ter nesse momento,
como Durkheim e Spencer, o que pode ser atestado pelas inúmeras referências
existentes nos primeiros manuais de Sociologia produzidos entre os anos de 1920 e
1940 (MEUCCI, 2011). As teorias evolucionistas ganham notoriedade, o que não
implicou em uma transposição automática destas, houve sim uma adaptação à
realidade social e ao cenário intelectual brasileiros (VILLAS BÔAS, 2006).
Interessa-nos aqui destacar que a introdução da Sociologia no cenário
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intelectual brasileiro, em especial a partir do começo do século XX, passa a


representar uma verdadeira renovação intelectual, voltada principalmente para os
problemas sociais. Não podemos olvidar que estamos nos referindo a um contexto
de grande ebulição social, marcado pelo fim do Império e início da República, bem
como pela abolição da escravidão, e, nas décadas seguintes, ocorre ainda um
intenso processo de industrialização e urbanização nos grandes centros do país.
Para Ortiz (2002), uma das características específicas das Ciências Sociais
brasileiras é justamente sua emergência tardia. O autor ainda nos chama a atenção
para um ponto interessante, ao indicar que o predomínio das ideias durkheiminianas
na Sociologia brasileira inicialmente, em um momento em que a disciplina é
marcada pelo ecletismo e ensaísmo “[...] construída sobre o fundamento de
afirmações genéricas que prescindiam de um trabalho sistemático de pesquisa” (p.
1979). Mais que isso “[…] essa sociologia chegava ao Brasil no momento em que
se transformava no seu país natal. Na França, a presença do marxismo já se fazia
sentir nos anos de 1940, embora fosse quase inexistente entre nós” ( p. 178).
Neste cenário, o pensamento de Durkheim teve um enorme peso para a
formulação de um campo sociológico no Brasil, principalmente que diz respeito às
áreas do direito e da educação. Neste sentido são-nos elucidativas as palavras de
Nogueira (2011, p. 66)

No que tange aos primórdios da Sociologia da Educação no Brasil, a


primeira e grande referência foi certamente a de Émile Durkheim,
reconhecido mundialmente como o próprio “pai fundador” da Sociologia da
Educação. Sua obra Educação e Sociologia, foi publicada, postumamente,
na França, em 1922 e, em 1929 é traduzida para o Português por Lourenço
Filho e publicada no Brasil, pela Editora Melhoramentos.
Sua receptividade aqui foi enorme: enquanto que, na França, ela só terá
uma segunda edição mais de quarenta anos depois (em 1966). No Brasil ela
foi sucessivamente reeditada, por muitos e muitos anos.

Para além da difusão do pensamento do mestre francês em sua obra, é válido


ressaltar que no Brasil este também encontrou ecos por meio da obra de Fernando
de Azevedo – intelectual brasileiro ligado à chamada Escola Nova, signatário e
principal redator do Manifesto da Educação Nova 1 (XAVIER, 2002) – em especial

1 No ano de 1932 o então presidente Getúlio Vargas, juntamente com o ministro do recém-
criado Ministério da Educação e Saúde Pública, dirige-se à Associação Brasileira de Educação –
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com a publicação de sua obra intitulada Sociologia Educacional, em 1941, que


realiza uma singular leitura da realidade educacional, baseada principalmente nas
ideias presentes em Durkkheim, mas também com uma clara influência de Dewey.
Segundo Boitempi Junior (2011, p. 51):

A Sociologia evocada por Azevedo em Princípios de Sociologia (1935) e


aplicada em A cultura brasileira é rigorosamente durkheimiana: o seu objeto
é a estrutura e o comportamento dos grupos humanos no tempo e no
espaço; a sociedade nela se define como síntese dos indivíduos (e não
como sua soma ou média), tendo propriedades e características específicas
que só se revelam no complexo que formam por sua associação. […] A
opção de Azevedo pela análise da cultura e da educação brasileiras
enquadra-se igualmente no âmbito da Sociologia do mestre da Sorbonne.

Ainda que nesta seara tenham sido produzidos inúmeros manuais de


Sociologia, com destaque aqui para os de Sociologia da Educação, neste período,
inclusive por intelectuais católicos, com destaque para Amaral Fontoura e Alceu
Amoroso Lima, é válido ressaltar que a obra de Azevedo encontrou grande recepção
entre as Escolas Normais no Brasil, garantindo a difusão das ideias durkheimianas
no campo educacional.
Na interpretação de Liedke Filho (2005), esse período demarca o fim do
momento que ele denominou de “Herança Histórico-Cultural da Sociologia no Brasil”,
que antecede a “Etapa Contemporânea da Sociologia”, que segundo o autor:

O início do período da Sociologia Contemporânea corresponde à fase de


emergência da Sociologia Científica, que buscava, sob a égide do
paradigma estrutural-funcionalista, a consecução de um padrão de
institucionalização e prática do ensino e da pesquisa em sociologia, similar
ao dos centros sociológicos dos países centrais. A concepção de
desenvolvimento desta abordagem teve sua expressão na Teoria da
Modernização e em sua análise do processo de transição da sociedade
tradicional para a sociedade moderna, sob uma ótica dualista como em Os
Dois Brasis de Jacques Lambert (1959) (LIEDKE FILHO, 2005, p. 382).

ABE, que agregava tanto pensadores católicos quanto liberais, e pede que seja redigido um
documento que sirva de base para a educação nacional. Esse documento é apresentado meses
depois na forma do Manifesto da Educação Nova, assinado por 26 intelectuais. Centrava-se em
questões que demarcavam uma ruptura dentro da ABE, ao defender a educação pública, e o direito
biológico à educação, e ainda questões como a laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e a
coeducação, demarcando uma separação entre católicos e liberais nas questões educacionais, e
trazendo a questão das desigualdades para o bojo das questões (MARTINS; WEBER, 2010). Esse
documento, assim como o movimento que o dinamizou, tem sido alvo de inúmeras análises, por
vezes controversas entre autores brasileiros.
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Contudo, entendemos que não há apenas rupturas na passagem de um


momento para o outro, pois muitas das questões evocadas no Manifesto dos
Pioneiros da Educação continuam a ser relevantes do plano intelectual, bem como a
Sociologia praticada junto às Escolas Normais segue um caminho próprio não
necessariamente em consonância com as mudanças que ocorrem com a Sociologia
institucionalizada nas Universidades. O que há de se observar, que nos parece
incontestável, é que a Sociologia passa a ganhar outros contornos ao articular suas
questões de forma visceral à dimensão das pesquisas empíricas. Também a partir
desse momento há uma ampla recepção da Sociologia Alemã no Brasil (VILLAS
BÔAS, 1997), o que dá um novo contorno para as reflexões aqui desenvolvidas, que
impactam a concepção que os sociólogos passam da ter da Sociologia e de si
mesmos, a partir desse momento:

[...] os sociólogos reivindicam o lugar de intelectuais/cientistas, grupo


treinado especificamente para o exercício da ciência como profissão.
Enquanto cientistas profissionais incluem-se privilegiadamente entre os
agentes das mudanças sociais. Há um nítido entrelaçamento do fazer
ciência e fazer história. (VILLAS BÔAS, 2006, p. 80).

No que tange especificamente à composição da Sociologia da Educação,


Neves (2002b) nos indica que pelo menos desde 1930 os estudos sobre educação,
em especial os de inspiração sociológica, começam a se configurar como um campo
próprio no Brasil, dividindo em três fases esse processo: dos anos de 1930 aos de
1960; o período dos governos militares e de meados dos anos de 1980 aos dias
atuais. Sobre a primeira fase a autora aponta as seguintes questões:

A mais importante característica da primeira fase foi, provavelmente, a


orientação engajada da produção de conhecimento. As transformações da
sociedade brasileira a partir dos anos de 1930 trouxeram à tona o problema
da educação. Esta passou a ser vista como recurso privilegiado no processo
de construção do novo perfil de cidadão adequado ao Brasil em mudança. A
reforma da educação ajudaria a construir a base para a transformação do
país. Tal compreensão do fenômeno educacional revelava, de um lado,
claro enraizamento na tradição da sociologia da educação e, de outro,
desconforto com a situação da educação do país e o compromisso com sua
superação. (p. 354).

Devemos destacar, nesta contextualização mais ampla, que o


amadurecimento das questões pertinentes à Sociologia da Educação apresentou um
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percurso caudaloso, marcado tanto por tentativas de se consolidar uma ciência


social aplicada à educação, como no caso mais emblemático do Centro Brasileiro de
Pesquisas Educacionais – CBPE, fundado em 1955 junto ao Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos (INEP) por Anísio Teixeira, fruto de uma aproximação da
UNESCO com a realidade das ciências sociais e pesquisa educacional brasileiras
(FREITAS, 2001). Entretanto o CBPE acabou por não obter o êxito esperado,
inclusive tendo financiado diversas pesquisas que não diziam respeito ao campo
educacional. A esse respeito deve-se ressaltar que “As ciências sociais não
conseguiram harmonizar seu discurso com a lógica das políticas educacionais. Essa
falta de diálogo entre educadores e sociólogos acabou se tornando mais uma razão
para a decadência do CBPE” (SILVA, 2002, p. 122).
E em seu percurso a educação tornou-se um campo investigativo de pouco
interesse dos sociólogos (GOUVEIA, 1989), em especial após a reforma educacional
de 1968, que acelerou e aprofundou a separação das Faculdades de Educação das
de Filosofia e Ciências Humanas, conforme nos apontam Costa e Silva (2003).
Segundo interpretação de Cunha, crítico de tal separação, tivemos a partir daí o
seguinte cenário:

A segregação institucional da seção da pedagogia da FFCL, por muitos vista


como uma valorização, resultou, a meu ver, em perda dos efeitos positivos
advindos da interação atual ou potencial com outras seções (agora
faculdades, escolas e institutos) em especial de filosofia, de história, de
ciências sociais, de psicologia, de comunicação, de letras. […] Assim, não
foram poucas as Faculdades de Educação que, para comporem seus
currículos reforçaram essa segregação carregando consigo (ou criando)
disciplinas próprias para o ensino das demais ciências sociais (filosofia,
história, psicologia, sociologia, economia, seguidas ou não do qualitativo “da
educação”) (p. 11).

Este cenário, como já elucidamos, propiciou um afastamento das ciências


sociais com relação ao campo educacional, mas, por outro lado, fomentou uma
aproximação ainda mais enfática da educação com relação a estas ciências, já que,
institucionalmente, passaram a assumir as disciplinas de Sociologia da Educação.
Esta apropriação de um campo por outro não se deu sem sobressaltos, como
apontam Martins e Weber (2010, p. 134):

Neste sentido, estaria em curso, no Brasil, um processo de apropriação


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paulatina de um campo de conhecimento das Ciências Humanas e Sociais,


a Sociologia, ou de uma de suas especialidades, a Sociologia da Educação,
por profissionais que têm expertise de outra área de conhecimento, a da
Educação, para dar contas da EB. Tal apropriação pode ser oriunda tanto da
falta de interesse pelo campo por aqueles que têm formação específica, no
caso, os sociólogos da Educação, como pela compreensão mais clara, por
parte daqueles que trabalham no campo da Educação, da complexidade
envolvida na ação educativa, especialmente, naquela que se desenvolve
nos níveis iniciais de ensino. Tal compreensão levaria a novas delimitações
de fronteiras do campo de trabalho e a novos conteúdos de formação
visando o domínio do conhecimento abstrato específico relativo à
Educação, e das formas de intervenção correspondente na sociedade, o
que conduziria ao reconhecimento de uma estrutura cognitiva específica
pela sociedade.

Tal processo trouxe marcas próprias à Sociologia da Educação no Brasil,


concentrada nas Faculdades de Educação. Contudo, os mesmos autores também
chamam a atenção para o fato de que a Sociologia da Educação desenvolvida
nestas Faculdades concentraram suas investigações, principalmente, na realidade
da Educação Básica, ao passo que aquela desenvolvida junto aos Departamentos
de Ciências Sociais e de Sociologia passou a se preocupar principalmente com os
dilemas do Ensino Superior.
A consolidação dos Programas de Pós-Graduação, tanto de Educação quanto
de Ciências Sociais, está diretamente ligada à formulação do campo da Sociologia
da Educação no Brasil, e aos avanços teóricos e metodológicos que essa área tem
angariado. Outra questão que vale a pena destacar é a criação de espaço para
divulgação e socialização dos resultados de pesquisa nesse campo, por meio de
Grupos de Trabalhos junto às associações científicas criadas na segunda metade do
século XX. Ocorre em 1983 a fundação do Grupo de Trabalho (GT) Educação e
Sociedade2, na Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais –
ANPOCS; em 1990 o GT Sociologia da Educação, na Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED; e em 2003 voltou a funcionar o GT
Educação e Sociedade, na Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), sendo criados
nesse mesmo evento o GT Ensino de Sociologia em 2005, Educação Superior na

2 Em 2014 as discussões voltadas para as questões educacionais se desdobraram por meio de dois
espaços distintos, um GT denominado Novas Configurações do Ensino Superior na Sociedade
Contemporânea, coordenado pelos professores Carlos Benedito Martins (UnB) e Clarissa Eckert
Baeta Neves (UFRGS), e um Simpósio de Pesquisas Pós-Graduadas (SPG) intitulado Ciências
Sociais e Educação: dilemas e possibilidades na produção do conhecimento, coordenado pelos
professores Neusa Gusmão (UNICAMP) e Amurabi Oliveira (UFAL).
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ISSN 1809-0354 v. 9, n. 2, p. 289-315, mai./ago. 2014
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Sociedade Contemporânea em 2011. É válido destacar que mesmo os GTs que


ocorrem junto aos eventos na área das Ciências Sociais têm contato,
majoritariamente, com a presença de pesquisadores provenientes das Faculdades
de Educação, como destacam Nogueira e Costa (2009, p. 228) ao realizarem um
balanço do GT Educação e Sociedade da SBS. Segundo os autores:

Paradoxalmente, a temática educacional ainda ocupa espaço restrito entre


os programas de pós-graduação em ciências sociais. Nas três edições sob
nossa organização quase todos os trabalhos submetidos e aprovados são
provenientes de faculdades e programas de pós-graduação em educação.
O mesmo pode ser observado nas reuniões anuais da ANPOCS –
Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, no
GT homônimo ao da SBS. Parece haver alguma tendência recente à
mudança nesse quadro, com número crescente de trabalhos
institucionalmente vinculados à área de ciências sociais, em termos mais
estritos, mas é algo discreto.

O que nos parece evidente é que há em curso uma crescente consolidação


da Sociologia da Educação enquanto campo próprio de pesquisa no Brasil, todavia
este encontra-se crivado de contradições e fragilidades.
Soma-se a este cenário o fato de que a aproximação dos cientistas sociais
com a Educação enquanto objeto de reflexão ainda é tímida, o que pode ser
atestado pelo inexpressivo número de Programas de Pós-Graduação em Ciências
Sociais com linhas de pesquisa em algum diálogo com a Educação. Este cenário já
fora apontado por Weber (1992) anteriormente, ainda que na reflexão realizada por
Martins e Weber (2010) aponte-se que a Educação não é mais um objeto “rejeitado”
pela Sociologia, pois tem havido um paulatino processo de reapropriação desse
objeto de investigação por parte da Sociologia brasileira.
Buscaremos neste trabalho realizar um exame em torno do atual cenário da
Sociologia da Educação no Brasil, a partir do Diretório de Grupos de Pesquisa do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPQ, buscando
mapear os pesquisadores, as linhas de pesquisa, e o vínculo institucional destes.
Reconhecemos aqui o limite metodológico ao nos remetermos a esta fonte, todavia,
parece-nos razoável tomá-la enquanto principal fonte, tendo em vista a consolidação
dessa base de dados. .
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DIRETÓRIO DOS GRUPOS DE PESQUISA

O processo de consolidação da pesquisa no Brasil encontra-se diretamente


ligado à institucionalização da pós-graduação, cujo modelo que conhecemos hoje
nos remete ao cenário criado após a Reforma Universitária de 1968, sendo os anos
de 1970 o período em que emerge a maior parte dos primeiros Programas de Pós-
Graduação no Brasil, seja no campo da Educação ou das Ciências Sociais 3, que
passaram a contar com um sistema de avaliação através da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES desde 1976.
Outro agente relevante para se compreender a dinâmica da pesquisa no
Brasil é o CNPq, criado em 1951, sendo uma fundação vinculada ao Ministério da
Ciência e Tecnologia (MCT), que além de cumprir a função de agência de fomento à
pesquisa, também possui um relevante papel no processo de mapeamento das
pesquisas que vêm sendo desenvolvidas no Brasil. Visando aprimorar tal atividade
foi criado em 1992 o Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq que:

[…] mantém uma Base corrente, cujas informações são atualizadas


continuamente pelos líderes de grupos, pesquisadores, estudantes e
dirigentes de pesquisa das instituições participantes, e o CNPq realiza
Censos bi-anuais, que são fotografias dessa base corrente.
As informações contidas nessas bases dizem respeito aos recursos
humanos constituintes dos grupos (pesquisadores, estudantes e técnicos),
às linhas de pesquisa em andamento, às especialidades do conhecimento,
aos setores de aplicação envolvidos, à produção científica e tecnológica e
aos padrões de interação com o setor produtivo. Além disso, cada grupo é
situado no espaço (região, UF e instituição) e no tempo.
Os grupos de pesquisa inventariados estão localizados em universidades,
instituições isoladas de ensino superior, institutos de pesquisa científica,
institutos tecnológicos e laboratórios de pesquisa e desenvolvimento de
empresas estatais ou ex-estatais. Os levantamentos não incluem os grupos
4
localizados nas empresas do setor produtivo .

Na perspectiva de André (2007), os grupos de pesquisas potencialmente


podem ir para além das instâncias burocráticas, contribuindo para a consolidação

3 O primeiro Programa de Pós-Graduação em Educação brasileiro surgiu na Pontifícia


Universidade Católica do Rio em 1966, inicialmente em nível de mestrado e, a partir de 1976, também
em nível de doutorado. Na Sociologia, o primeiro Programa de Pós-Graduação surge na Universidade
de São Paulo em 1945, todavia, dentro do seu formato atual, o programa existe desde 1971.
Podemos ainda fazer referência ao Programa da Universidade Federal de Pernambuco, existente
desde 1967 enquanto Programa Integrado em Economia e Sociologia.
4 Trecho retirado de: http://memoria.cnpq.br/gpesq/apresentacao.htm.
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das linhas de pesquisa, com a qualidade dos trabalhos científicos e consolidação


dos Programas de Pós-Graduação.
Tendo em vista a centralidade que tal instituição ocupa na dinâmica
acadêmica brasileira ela foi tomada como nossa principal fonte de dados, ainda que
reconheçamos os limites existentes no processo de coleta e na atualização dos
grupos. Interessa-nos aqui ressaltar, contudo, que o Diretório de Grupos de
Pesquisa do CNPq funciona como um mapa para nos situarmos no heterogêneo
campo da pesquisa na realidade brasileira, considerando o processo paulatino de
apropriação desse lócus como um espaço de legitimação no fazer científico.

METODOLOGIA DA PESQUISA

A produção sociológica brasileira ligada à educação vem sendo tomada como


objeto de estudo há pelo menos cinco décadas. Esta constatação é reveladora de
como uma necessidade de realizar um movimento de autoanálise ganhou
materialidade em levantamentos diversos ao longo do tempo. É possível afirmar que
a caracterização da produção acadêmica no âmbito da Sociologia da Educação
ganhou, pois, centralidade neste movimento analítico. Inserindo-se neste contexto, o
presente artigo parte do pressuposto da possibilidade de aprofundar estas análises
acerca desta parcela – representada pela Sociologia da Educação – do campo
científico brasileiro. Neste sentido, conhecendo os mapeamentos já empreendidos
acerca da produção nesta área do saber, vislumbramos os grupos de pesquisa como
objetos de estudo capazes de sintetizar, em seu conjunto, a institucionalização
contemporânea da pesquisa em Sociologia da Educação no Brasil.
Com uma abordagem quanti-qualitativa5, a operacionalização do estudo de
tais grupos de pesquisa se deu em cinco etapas: 1) levantamento dos grupos; 2)
seleção dos mesmos; 3) produção dos dados; 4) sistematização e categorização dos

5 A combinação entre as abordagens quantitativa e qualitativa é tomada, neste artigo, como


uma possibilidade de aprofundar o conhecimento acerca do nosso objeto (os grupos de pesquisa
propriamente ditos), bem como acerca da área da Sociologia da Educação no Brasil de modo mais
geral. Neste sentido, do ponto de vista epistemológico, a opção por tal combinação está diretamente
relacionada à necessidade de compreensão da teia relacional que sustenta o objeto estudado
(MINAYO; SANCHES, 1993).
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dados; 5) análise dos dados.


O Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil (DGP) do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) foi tomado como espaço de busca
para a realização do levantamento dos grupos de pesquisa relacionados à
Sociologia da Educação no país. O processo que compreende as buscas neste
diretório se mostrou bastante dinâmico à medida que as buscas avançavam, isso
porque novas necessidades foram surgindo a cada nova busca realizada, o que
complexificou a difícil tarefa de esgotar um levantamento relativo a esta área do
conhecimento. Neste sentido foram realizadas onze buscas distintas 6 no diretório e o
critério para findarmos as buscas estava relacionado à estagnação dos grupos no
âmbito da Sociologia da Educação – estagnação esta observada pela repetição
recorrente de resultados7. Observemos, pois, por meio da Tabela 1 abaixo, estes
intensos movimentos de buscas que sintetizam o nosso levantamento:

Tabela 1: Síntese do Levantamento de Grupos de Pesquisa ligados à Sociologia da Educação


no Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil/CNPq

Busca Chave de busca Achados Descarta- Selecionados Total de


dos Selecionados
Total Repetidos

1 “Sociologia da 126 68 58 _____ 58


Educação”
2 “Sociologia e 126 68 58 58 _____
Educação”
3 “Educação e 51 20 31 22 9
Sociologia”
4 “Educação e 502 502 _____ _____ _____
Sociedade”
5 “Educação e 46 11 35 7 28
Sociedade”
(filtro: Área do grupo:
Sociologia)
6 “Educação e 206 206 _____ _____ _____
Sociedade”
(filtro: Área do grupo:
Educação)
7 “Sociologia e Escola” 12 9 3 2 1
8 “Escola e Sociologia” 4 3 1 1 _____
9 “Sociologia da 12 9 3 3 _____

6 Todas as buscas foram realizadas utilizando-se da opção “frase exata” com o intuito de evitar
a dispersão dos resultados sobre áreas diversas.
7 Considerando que os grupos de pesquisa deste diretório são alimentados continuamente,
faz-se importante datar as nossas buscas. Elas foram realizadas entre janeiro e fevereiro de 2014.
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Escola”
10 “Observatório 2 1 1 _____ 1
sociológico”
11 “Sociologia da 13 0 13 7 6
8
Educação”
TOTAL _____ 1.057 875 182 87 103
Fonte: Os autores (2014).

Alguns elementos importantes, para além deste detalhamento que a tabela


acima expressa, merecem destaque neste percurso de buscas: a aplicação de filtros
utilizada na quinta e sexta buscas revelam a dispersão de áreas, linhas de pesquisa
e atuação que vinha marcando as buscas anteriores; as buscas de números 7, 8 e 9
se apresentaram como necessárias a partir de um olhar para as buscas que as
antecederam e a observação da ausência da Sociologia da Escola nas buscas
realizadas até este momento, esta frente passou a compor o horizonte de buscas em
função do espaço central que a escola tem ocupado no âmbito da reflexão
sociológica sobre a educação no Brasil (SPOSITO, 2003); as duas últimas buscas,
por sua vez, carregam consigo uma marca do conhecimento prévio do campo da
Sociologia da Educação no país, uma vez que as opções pela palavra-chave na
busca 10 e pelo local de pesquisa na busca 11 (o Censo 2010) são reveladoras de
caminhos tomados a partir de um conhecimento anterior da estrutura de
funcionamento do campo científico no Brasil.
A etapa da seleção dos grupos de pesquisa se deu em função do seguinte
critério: a presença da Sociologia da Educação em seu escopo. A fim de observar a
adequação a tal critério, foram lidos os campos “Repercussões dos trabalhos do
grupo” e “Linhas de Pesquisa”, presentes nas respectivas páginas dos grupos
resultantes em cada uma das buscas. Como se pode notar na Tabela 1, foram
selecionados, ao final, 103 grupos de pesquisa para este estudo, o que expressa
nosso universo de investigação.
Logo depois, passamos à etapa da produção dos dados. Categorias foram
construídas a fim de contemplar as informações que devem ser preenchidas por
cada grupo de pesquisa no formulário de cadastramento. Desse modo, a partir dos

8 Esta última busca foi realizada no Censo 2010 do DGP do CNPq: ao utilizarmos a palavra-
chave “Sociologia da Educação”, obtivemos 13 achados, dos quais 7 grupos já se encontravam
replicados em buscas anteriores e 6 novos grupos foram selecionados.
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campos “Identificação”, “Recursos Humanos”, “Linhas de Pesquisa” e “Indicadores


do grupo” – criados pelo próprio Diretório em questão –, buscou-se, por meio da
leitura do formulário de cada grupo selecionado, mapear os seguintes elementos:
área predominante; vínculo institucional; vínculos com programas de pós-graduação;
linhas de atuação; região; tempo de existência; atualização; formação e vínculos dos
pesquisadores.
Esses dados passaram, finalmente, por processos de sistematização (no qual
os dados foram organizados de modo a lançar luz ao nosso objeto de estudo),
categorização (as classificações que os dados receberam levaram em consideração
aproximações e distanciamentos entre os dados recolhidos) e análise (de categorias
isoladas e, em complementaridade, do conjunto destas categorias). Estas últimas
etapas ganharão materialidade mais adiante no artigo, na apresentação e discussão
dos dados propriamente ditos.

ANÁLISE DOS DADOS

Para que se possa compreender como se deu nossa análise dos dados deve-
se considerar os limites impostos pelo instrumento de coleta. Apesar de ser tido
como uma vitrine da produção acadêmica há, por vezes, imprecisões no
preenchimento dos dados nos grupos de pesquisa referentes principalmente às
palavras-chaves utilizadas para a descrição das linhas de pesquisa, bem como seus
objetivos. Em todo o caso, compreendemos que o percurso metodológico assumido,
ainda que com suas limitações, nos apresenta um interessante panorama acerca da
realidade da Sociologia da Educação no Brasil enquanto campo acadêmico. Para
tanto, após o levantamento dos dados selecionamos aspectos que se mostraram
mais emblemáticos nesse processo. Ressalta-se que 78 (76%) grupos encontravam-
se atualizados no momento em que realizamos o levantamento, 24 (23%)
desatualizados9 e 1 (1%) aguardando certificação da instituição.
O primeiro dos aspectos analíticos que levantamos remete à área definida

9 Segundo os critérios do diretório de grupos de pesquisa do CNPq, é considerado


desatualizado um grupo que se encontra há mais de 12 meses sem inserir novas informações na
plataforma.
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como predominante no grupo de pesquisa, neste caso: 57 grupos (55%) apontaram


como área predominante a Sociologia, 35 (34%) a Educação e 11 (11%) outras
áreas. Considerando os demais dados, que serão apontados mais adiante, percebe-
se que a indicação da Sociologia como área predominante na maior parte dos
grupos não indica, em absoluto, que a maior parte dos grupos desenvolva pesquisas
sociológicas, nesse sentido nossa análise converge, em grande medida, com o que
foi apontado por Pereira (1971) e posteriormente Cunha (1992), ao indicarem uma
intensa e generalizada “sociologização do discurso pedagógico”.
Ao analisarmos cuidadosamente os grupos nos parece que esse primeiro
dado ao invés de nos apontar para um processo de consolidação da pesquisa
sociológica no campo educacional é um indicativo mais fortemente ligado ao
processo de legitimação das pesquisas desenvolvidas e da delimitação da educação
enquanto campo científico. Nesse sentido, faz-se pertinente compreender que a
autonomia do campo é medida por sua capacidade de refratar as influências
externas (BOURDIEU, 2004), de tal modo que a predominância da afirmação de
pertença ao campo da Sociologia parece-nos estar diretamente ligada às disputas
travadas no campo acadêmico entre os diversos agentes sociais e, mais que isso,
indica uma parca autonomia do campo educacional em termos científicos.
Em termos de ligação institucional, ainda que consideremos toda a
diversificação vivenciada no Ensino Superior brasileiro nas últimas décadas,
especialmente a partir dos anos de 1990, com a rápida expansão do setor privado e
das instituições não universitárias (NEVES, 2002a), observamos que os grupos de
pesquisas aqui estudados estão alocados da seguinte maneira: 93 grupos (90%)
encontram-se em Instituições de Ensino Superior Públicas – dessas, 65 (63%) são
instituições federais, incluindo aí 11 Institutos Federais, e 28 (27%) são instituições
estaduais –, ademais, apenas 10 grupos (10%) estão alocados em instituições
privadas. Considerando tal contexto, faz-se pertinente a seguinte colocação de
Martins (2000, p. 45):

Tudo leva a crer que as federais são fundamentais para o desenvolvimento


do país, porque têm se revelado num espaço destacado do processo de
ampliação das oportunidades educacionais, e tornaram um locus central na
discussão e divulgação de questões relevantes do país e de nossa época,
conduzidas por uma pluralidade de perspectivas analíticas.
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Mais que isso, dado que das 93 instituições públicas, 82 (79%) são
universidades, compreendemos também que estas instituições mostram-se centrais
para a produção do conhecimento em Sociologia da Educação, o que acompanha
uma tendência mais geral existente no Ensino Superior brasileiro e sua relação com
o desenvolvimento da pesquisa.
Apesar dessa ligação visceral com a estrutura universitária, 35 (34%) grupos
não indicaram vínculo institucional com Programas de Pós-Graduação, 28 (27%)
possuíam vínculo com programas em Sociologia/Ciências Sociais, 28 (27%) com
programas em Educação e 12 (12%) com outros Programas10. Esse dado aponta
para uma mudança sutil com relação ao cenário apontado por Weber (1992), quando
indicou a existência de apenas quatro programas em Sociologia/Ciências Sociais
com linhas de pesquisa em Sociologia da Educação. Em todo o caso, devemos ter
em consideração ainda a rápida expansão da pós-graduação na última década no
Brasil que possibilitou uma ampliação das temáticas pesquisadas e discutidas nesse
nível de ensino, e que essa ligação não implica que a Educação se constitua,
necessariamente, como uma linha de pesquisa dentro de tais programas.
Em termos de distribuição geográfica, 38 (37%) grupos localizam-se no
Sudeste, 33 (32%) no Nordeste, 19 (18%) no Sul, 7 (7%) no Centro-Oeste e 6 (6%)
no Norte. Apesar de não ser surpreendente a concentração de tais grupos de
pesquisa do Sudeste, chama a atenção o fato de que a região Nordeste tenha sido
aquela que apresentou o segundo maior número de grupos, ultrapassando a região
Sul. Entretanto, devemos complexificar tais dados, tendo em vista que a existência
de um expressivo número de grupos de pesquisa não indica, necessariamente, que
há um campo consolidado de pesquisa.
Desdobrando e aprofundando esta questão, mostra-se significativo que, dos
33 grupos de pesquisa do Nordeste, 12 (36%) surgiram após 2010, ao passo que no
Sudeste foram 10 (26%) dos 38, no Sul apenas um (5%) dos 19 surgiram nesse
período, no Centro-Oeste foram três (42%) dos sete, e no Norte quatro (57%) dos
sete. Obviamente que para compreendermos melhor este cenário temos que ter em

10 São eles: Educação Física (3), Direito (3), Filosofia (2), Psicologia (1), Ciências da Religião
(1), Gestão Urbana (1) e Engenharia (1).
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vista a dualidade dos princípios de domínio do campo científico, em que pesem tanto
os recursos científicos propriamente ditos, em sua maioria na forma de capital
incorporado, e os recursos financeiros necessários (BOURDIEU, 2008).
No cenário nacional, apenas quatro (4%) dos grupos haviam surgido até os
anos de 1980. Nos anos de 1990 surgem 16 (16%), demarcando um aumento de
400% no total de grupos, o que, em nossa interpretação, liga-se à consolidação do
processo de redemocratização do país no qual a Educação passa a ser pensada
como um elemento fundamental (WEBER, 1996), demandando uma nova
abordagem em torno desse objeto, relacionando-o com os aspectos sociais e
políticos vivenciados no Brasil.
Um bom indicativo sobre o progressivo amadurecimento da Sociologia da
Educação no Brasil é encontrado no trabalho de Takagi (2013) que, ao analisar os
programas dessa disciplina na USP, aponta para um predomínio quase exclusivo de
literatura estrangeira, afirmando que até o início dos anos de 1970 havia uma única
referência a um autor brasileiro, tratava-se de um artigo de Luiz Pereira. Ainda
segundo a autora:

Em 1986, surge uma ênfase maior nas temáticas brasileiras, discutindo-se a


cultura escolar e a educação fora da escola e concebendo-se a instituição
escolar de maneira diferente do início da disciplina (TAKAGI, 2013, p. 120).

A partir dos anos 2000 há uma expansão substancial no número de grupos de


pesquisa no Brasil, quando surgem 80% dos grupos analisados, ressaltando-se que
51% destes emergiram entre 2000 e 2010, e 29% após 2010. Esse salto significativo
pode ser interpretado como um reflexo das novas questões que são trazidas para o
debate público acerca da Educação brasileira, que remete aos nossos dilemas
sociais, como a questão das ações afirmativas (OLIVEIRA, 2013). Além do mais,
não podemos olvidar que o desenvolvimento da Sociologia da Educação se liga à
expansão do acesso à Educação (ISAMBERT-JAMATI; MAUCORPOS, 1972).
Esse indicador aponta para um campo ainda em processo de consolidação,
por mais que se possa falar em uma Sociologia da Educação brasileira que vem se
delineando ao menos desde Fernando de Azevedo, possuindo como marco a
publicação de “Sociologia Educacional” em 1940, e solidificando-se paulatinamente
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com o advento dos Programas de Pós-Graduação a partir dos anos de 1970.


Também podemos fazer referência aqui a sua crescente diversificação no que tange
às temáticas de pesquisa, como nos indicam os balanços recentes como os
realizados por Neves (2002b), Costa e Silva (2003), Martins e Weber (2010). O que
pudemos observar a partir dos grupos de pesquisa é uma realidade ainda não
solidificada, o que remete aos próprios dilemas epistemológicos da Educação
(SAVIANI, 2007).
Por outro lado, a expansão do número de grupos de pesquisas que indicam
algum enfoque no campo da Sociologia da Educação aponta para o entendimento
da relevância da perspectiva sociológica na análise do objeto educacional, ainda
que, como já indicamos, a impressão mais geral que se tem é que em boa parte dos
grupos a Sociologia aparece como uma ciência à qual se recorre como forma de
legitimação, ao menos nesse momento.
As linhas de pesquisa elencadas pelos grupos estudados constituem-se, pois,
em um elemento importante para a compreensão desta expansão do número de
grupos de pesquisa no âmbito da Sociologia da Educação no país, uma vez que
expressam as frentes de atuação destes. Foram identificadas 437 linhas de
pesquisa nos 103 grupos mapeados, o que revela uma média aritmética de 4,2
linhas por cada grupo de pesquisa, sendo esta variação revelada por grupos de
pesquisa que indicam entre zero e até vinte diferentes linhas de investigação.
Frente a tal diversificação, buscou-se analisar as relações destas linhas de
pesquisa com a Sociologia da Educação11: do total de 437 linhas identificadas, 128
linhas de pesquisa (29%) apresentam ligação direta com a Sociologia da Educação,
enquanto 309 (71%) linhas são relacionadas a outras áreas do conhecimento. A
heterogeneidade é a principal marca do conjunto destas linhas, o que nos permite
inferir que, dentre os grupos de pesquisa estudados, temos, de um lado, grupos que
se dedicam exclusiva ou prioritariamente à Sociologia da Educação e, de outro,
grupos que se dedicam a outras áreas distintas e nos quais a Sociologia da
Educação aparece como uma frente de pesquisa “coadjuvante”.

11 Os limites desta análise precisam ser apontados: o mapeamento das linhas que se ligam à
Sociologia da Educação levou em consideração a menção direta a esta área do conhecimento. Sabe-
se que a perspectiva sociológica não é expressa somente pela presença desta menção e, neste
sentido, cabe assinalar que estamos a tratar de uma relação direta, o que não pode ser
compreendido como a única expressão da Sociologia da Educação nestas linhas de pesquisa.
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A heterogeneidade das linhas pode ser interpretada por dois vieses: o


primeiro apontaria para a diversificação das temáticas exploradas em nível de
pesquisa nos últimos anos, o que pode ser confirmado tanto no balanço bibliográfico
realizado por Martins e Weber (2010), referente à produção acadêmica divulgada por
meio de periódicos, quanto no realizado por Costa e Silva (2003), concernente aos
trabalhos apresentados no GT de Sociologia da Educação da ANPED; ao passo que
o segundo indicaria uma dispersão da produção nacional, visibilizando as
dificuldades de se estabilizar uma agenda de pesquisa solidificada que possibilite
uma consolidação da Sociologia da Educação enquanto um campo científico
autônomo.
Na tentativa de explorar a categoria relativa ao perfil dos sujeitos partícipes
destes grupos de pesquisa tomou-se a caracterização dos mesmos como
movimento compreensivo – foram tomados à análise os pesquisadores elencados
na página de cada grupo de pesquisa. Nos 103 grupos mapeados, tem-se 920
pesquisadores, o que resulta em uma média de 8,9 pesquisadores por grupo (com
variação entre um e vinte e nove sujeitos). No que tange à formação destes
pesquisadores, os dados revelaram que 53 (6%) possuem graduação, 23 (2,5%)
possuem especialização lato sensu, 260 (28%) possuem mestrado e 584 (63,5%)
possuem doutorado. A presença predominante de doutores nos grupos de pesquisa
segue uma tendência mais geral da pesquisa universitária brasileira em sua
trajetória de consolidação iniciada nos anos de 1970, e pode ser entendida como um
aspecto positivo para a solidificação específica da Sociologia da Educação.
Uma análise mais detida dos pesquisadores com doutorado revelou que 252
(43%) deles possuem doutoramento na área de Sociologia/Ciências Sociais,
enquanto 160 (27%) realizaram doutorado em Educação e 172 (30%) o fizeram em
outras áreas do conhecimento12, sendo importante reconhecer que muitos doutores
na área de Ciências Sociais atuam em Programas de Pós-Graduação em Educação.
Levando em consideração a histórica relação entre as Ciências Sociais e a
Educação no desenvolvimento da Sociologia da Educação no Brasil, interessa-nos
observar a materialização desta relação no que tange à formação dos pesquisadores

12 Nesta categoria “Outras áreas”, destacam-se: História (com 28 ocorrências), Filosofia (com
25), Educação Física (24), Psicologia (16), Economia (12), Comunicação (8), Direito (7).
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deste campo: dos 584 doutores identificados neste levantamento, 229 (39%)
apresentam uma formação “híbrida” ou interdisciplinar; obtendo seus diversos níveis
de formação (graduação, mestrado e doutorado) em áreas do conhecimento
diversas entre si. Destes 229, 71 (31%) manifestam este hibridismo por meio da
interlocução entre Ciências Sociais e Educação e 158 (69%) o expressam por meio
de interlocuções heterogêneas com outras áreas.
Chamamos uma especial atenção para aqueles que realizam parte de sua
formação nas Ciências Sociais e parte na Educação, pois estes percursos
acadêmicos parecem estar lastreados pela ideia de que ao se procurar debater a
temática educacional é necessário recorrer, por vezes, a Programas de Educação,
dado o ainda pequeno número de Programas nas Ciências Sociais com linhas de
Pesquisa em Educação13, ao mesmo tempo, em que se recorre a Programas em
Ciências Sociais para que por meio das ferramentas teóricas e metodológicas de tais
ciências se possa abordar o objeto educacional. Este percurso realizado por alguns
pesquisadores transparece as disputas estabelecidas no campo acadêmico em torno
tanto dos objetos legítimos de serem pesquisados, quanto das abordagens teóricas
e metodológicas (BOURDIEU, 2011).
Notadamente os diálogos que se estabelecem entre estes dois campos são
marcados por inúmeras tensões, e mesmo por distinções nos seus modos de
operacionalizar a investigação científica. Barbosa (2012, p. 92-93) busca elucidar as
diferenças existentes entre a Sociologia da Educação praticada por sociólogos e
educadores da seguinte forma:

Eu devo confessar que essas diferenças, tal como eu as vejo, permanecem


as mesmas desde Durkheim. É verdade que os colegas da área de
educação não acreditam nessa diferença, mas eu gosto de destacar que os
sociólogos buscam compreender os padrões de relações sociais envolvidos
nos processos educativos, principalmente na educação formal. Caberia à
pedagogia, como ciência da educação, discernir as formas, técnicas e
métodos que permitissem o cumprimento da principal missão da escola:
repassar a todos os cidadãos, independente de origens, raça ou sexo, os
conhecimentos essenciais para levar uma vida digna na sociedade da qual
fazem parte. São perspectivas distintas, ainda que o objeto seja muito
próximo, quase o mesmo. Sociólogos não ‘roubam’ o mercado de trabalho
dos pedagogos. Sociólogos analisam relações sociais, pedagogos analisam

13 Segundo o levantamento realizado por Lima e Cortes (2013) junto aos Programas de Pós-
Graduação em Sociologia existentes atualmente no Brasil, há um total de 95 linhas de pesquisas,
das quais, apenas quatro se dedicam à questão educacional.
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formas, técnicas para ensinar. Sociólogos verificam os efeitos sociais ou a


eficácia socialmente distinta dos métodos pedagógicos e dos ensinamentos
feitos na escola. Pedagogos criam (ou deveriam criar) e desenvolvem as
melhores formas para ensinar os mais diferentes grupos sociais.

Essa não é uma posição assumida sem controvérsias, dado o que afirmamos
até aqui em torno da diversidade da Sociologia da Educação existente no Brasil.
Entretanto não deixa de ser verdadeiro que há modos distintos de se produzir
conhecimento nesse campo, e justamente pelo reconhecimento dessas diferenças é
que pontes entre a Sociologia e a Educação têm sido criadas, que se materializam
nas trajetórias acadêmicas nos agentes sociais engajados nesse campo.
Por fim, vale a pena ressaltar que o exercício de caracterização dos grupos
de pesquisa no âmbito da Sociologia da Educação, enfrentado neste artigo,
representa um esforço no sentido de ampliar o conhecimento sobre o
desenvolvimento da Sociologia da Educação no Brasil, reconhecendo sua
dinamicidade e pluralidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentro dos limites deste trabalho, buscamos realizar um mapeando da


Sociologia da Educação no Brasil a partir do diretório dos grupos de pesquisa do
CNPq, o que se mostrou um exercício interessante para compreender melhor a
distribuição e movimentos postos pelos agentes em campo.
Talvez a conclusão mais incisiva a que podemos chegar ao final dessa análise
é que a Sociologia da Educação no Brasil ainda é um campo em processo de
consolidação, ou mesmo de construção, dada a incipiência dos grupos de pesquisa,
ainda pouco solidificados em sua maioria, e a dificuldade de estabelecer uma
agenda de pesquisa em nível nacional. Também podemos destacar o fato de que,
apesar de a maioria dos grupos apontarem como área predominante a Sociologia,
isso pareceu mais indicar uma busca por uma legitimação acadêmica do que um
reflexo do desenvolvimento de pesquisas educacionais pautadas pelos referenciais
da Sociologia.
Se fôssemos apontar algumas surpresas, chamaríamos atenção ao fato de
que a participação de grupos de pesquisa ligados a Programas em Ciências Sociais
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ISSN 1809-0354 v. 9, n. 2, p. 289-315, mai./ago. 2014
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e Educação foi a mesma, bem como o predomínio de doutores em Ciências Sociais


com relação a outras áreas de conhecimento, inclusive de Educação, o que nos faz
pensar que a resposta para a pergunta levantada por Cunha (1992), se a Educação
é ou não um objeto rejeitado na Sociologia, mudou com o tempo, ainda que pese o
parco número de linhas de pesquisas relacionadas com a Educação nos Programas
de Ciências Sociais.
Outras questões poderão ainda ser investigadas a partir desse mapeamento
inicial, bem como ainda há mais possibilidades de levantamento de dados relativos à
Sociologia da Educação no Brasil ainda não explorados pela literatura nacional,
como através dos trabalhos apresentados na Reunião da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, no Congresso Brasileiro de
Sociologia, e por um exame mais detalhado das teses e dissertações defendidas
junto a Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais e em Educação no
Brasil.

AMURABI OLIVEIRA

Doutor em Sociologia. Professor da Universidade Federal de Santa Catarina


(UFSC), colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

CAMILA FERREIRA DA SILVA

Mestre em Educação. Doutoranda em Ciências da Educação pela Universidade


Nova de Lisboa (UNL/Portugal), bolsista do programa Erasmus Mundus (União
Europeia).

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