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RELATÓRIO FINAL
A construção da “evasão” no ensino superior enquanto problema social
Augusto Piccinini
São Paulo
Abril de 2022
SUMÁRIO
1. Introdução………………………………………………………………………………….2
e a emergência da avaliação………………………………………………………………35
8. Terceira onda de expansão do ensino superior nos anos 2000 e entrada da evasão como
10. Políticas afirmativas a partir dos anos 2000, Lei de Cotas e surgimento do problema da
permanência estudantil……………………………………………………………….…..63
12. Bibliografia……………………………………………………………………………….73
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1. Introdução
A pesquisa aqui realizada foi concebida como contribuição específica para o trabalho
“Construindo uma política interdisciplinar de acolhimento dos estudantes cotistas na FFLCH”.
Esse trabalho foi realizado por equipe que integra alunos, professores e funcionários de
diferentes cursos da Unidade, com recursos da Pró-reitoria de Graduação, no âmbito do
programa de Consórcios Acadêmicos para a Excelência do Ensino de Graduação (CAEG) de
2021, sob coordenação da Profa. Sylvia Gemignani Garcia e do Prof. Eduardo Donizeti Girotto
(DG). Entre os objetivos visados em sua proposta, esse trabalho propõe compreender as
principais dificuldades vivenciadas pelos estudantes cotistas na unidade, com foco na relação
com as práticas e condições de estudo, perspectivas profissionais e na questão de saúde mental,
três temas que têm surgido de modo expressivo tanto na literatura especializada quanto nos
dados relativos aos estudantes da FFLCH.
Inicialmente, e conforme expresso no projeto de pesquisa, nossa contribuição específica
para este projeto estaria na investigação do tema da saúde mental e sua relação com a evasão
do ensino superior, com base na hipótese - surgida da observação de professores envolvidos
com os pedidos de retorno ao curso - de que os chamados transtornos mentais estão, atualmente,
entre as principais causas de abandono ou trancamento dos cursos de graduação. O título
original apresentado no projeto era “Mapeamento dos motivos apresentados nos pedidos de
retorno ao curso pelos estudantes que abandonaram ou trancaram os cursos de graduação da
FFLCH (2016-2020)”. Nossa pesquisa consistiria, assim, de um levantamento bibliográfico
sobre a saúde mental universitária, sua relação com a evasão e uma análise dos pedidos de
retorno ao curso de estudantes da FFLCH, com o objetivo de identificar o perfil
socioeconômico, de gênero e étnico-racial desses estudantes, bem como as principais causas
por eles apresentadas para o trancamento / cancelamento da matrícula no período entre 2017 e
2019. A pesquisa seguiu com esse recorte até a metade de sua vigência, período em que tivemos
acesso somente a um número reduzido de pedidos de reingresso (13, somente do curso de
ciências sociais). Realizamos o levantamento bibliográfico e apresentamos duas comunicações,
uma no 6o Congresso de Graduação da USP (2021) e outra no Simpósio Internacional de
Iniciação Científica (SIICUSP 2021), em que expusemos os resultados parciais da pesquisa.
A partir da metade da vigência do projeto, diversos obstáculos se impuseram ao nosso
objetivo inicial, em especial a dificuldade de ampliar a base de dados dos pedidos de reingresso
aos cursos. Impossibilitados de investigar as causas do abandono e trancamento do curso entre
esses estudantes, redefinimos o objeto da pesquisa, deixando de lado o problema da saúde
mental e focando especificamente no problema da evasão.
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recortes mais estritos no âmbito desta investigação. Confrontando esses dois grupos de
trabalhos, procuramos situar as pesquisas sobre evasão historicamente, de acordo com as
mudanças ocorridas na organização do ensino superior em, aproximadamente, cada decênio,
identificando como as ideias que impulsionaram essas mudanças estiveram na base também da
construção da evasão enquanto problema importante da administração universitária.
Num primeiro momento, porém, voltamo-nos para a literatura sobre evasão produzida
nos EUA por dois motivos. Primeiro, a literatura produzida nos EUA inevitavelmente termina
por exercer forte influência sobre aquilo que se produz aqui, fruto de intensos trabalhos de
difusão internacional na América Latina e especificamente no Brasil (CARLOTTO e
GARCIA, 2021). De fato, veremos que os modelos sociológicos explicativos da evasão
produzidos a partir dos anos 1970 nos EUA foram muito utilizados como referencial teórico
para as pesquisas sobre o tema no Brasil. Esses modelos oferecem um importante apanhado de
explicações e causas da evasão que, embora possam ser problematizadas, seguem pertinentes
para o estudo do assunto. Segundo, ao olhar para a maneira como a evasão foi construída
enquanto problema nos EUA conseguimos identificar quais disciplinas estiveram mais
fortemente presentes no debate. A preeminência de uma área temática em especial, a higher
education, dá o tom de como a evasão foi concebida enquanto problema administrativo nas
universidades americanas.
Começamos, assim, com um breve histórico de como a pesquisa sobre evasão no ensino
superior se formou nos EUA e um levantamento das principais teorias e modelos da evasão.
Em especial, para além da higher education, destacaremos o papel de sociólogos que, a partir
dos anos 1970, foram convocados a produzir modelos explicativos da evasão cada vez mais
sofisticados. Esses modelos eventualmente tornaram-se paradigmáticos nessa discussão, em
especial os modelos de William Spady, Vincent Tinto e John Bean. Faremos, então, uma breve
descrição dos modelos desses três autores, identificando as principais variáveis da evasão e as
mudanças incrementais pelas quais cada um deles passou ao longo dos anos, tornando-se cada
vez mais complexos.
Com esse cenário da produção teórica americana em mente, movemo-nos para o
problema da evasão no Brasil. Para entender como esse problema foi formulado aqui, traçamos
uma trajetória da pesquisa sobre o tema da evasão em paralelo com a história de algumas das
principais mudanças ocorridas no ensino superior desde a reforma universitária de 1968,
durante o regime militar. Daremos especial ênfase aos anos 1990, momento chave da expansão
e reorganização do ensino superior brasileiro com base em princípios neoliberais de gestão,
competição e avaliação — em um movimento que também pode ser caracterizado por sua
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Nosso interesse aqui não está em enquadrar esses pesquisadores em alguma disciplina, mas em identificar quais
disciplinas estiveram envolvidas e tomaram a frente nas discussões sobre a evasão nos EUA. Os três pesquisadores
mencionados - Spady, Tinto e Bean - mobilizaram certa literatura clássica da sociologia, em especial a obra de
Durkheim, para construir seus modelos explicativos da evasão. Por isso, eles são frequentemente reconhecidos
pelos seus interlocutores como sociólogos da educação — ou reconhecem-se enquanto tais — , embora não
necessariamente eles tenham se formado nessa disciplina desde o início de suas jornadas acadêmicas. Vincent
Tinto, por exemplo, fez bacharelado e mestrado em física, e o doutorado no departamento de educação da
Universidade de Chicago, quando voltou-se para as disciplinas de educação e sociologia. Entre 1999 e 2006,
lecionou na faculdade de educação e foi diretor do programa de higher education da Universidade de Syracuse
(VINCE Tinto). Esse tipo de trajetória ilustra como o surgimento de novas linhas de pesquisa e o deslocamento
de pesquisadores de outras áreas para essas novas linhas ocorre simultaneamente ao processo de formulação de
novos problemas sociais - processo que descrevemos adiante.
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Na literatura sobre o assunto, encontramos o uso de quatro termos diferentes para se referir ao mesmo fenômeno:
persistência [persistence], retenção [retention] e evasão [dropout]. Nessa literatura dos EUA anterior aos anos
1970, a prevalência do uso do termo persistência está relacionada à maneira como, até então, pensava-se na evasão
em relação à vocação e traços de personalidade dos estudantes, sendo a capacidade de persistência um atributo
individual. Com relação ao termo retenção, deve-se atentar para dois sentidos diferentes que ele pode assumir.
Nessa literatura dos EUA, por vezes ele aparece com o sentido de reter estudantes no ensino superior, ou seja,
impedir sua evasão. Em alguns trabalhos brasileiros sobre o assunto, o termo refere-se ao estudante que fica por
mais tempo do que o desejável no seu curso, portanto retido.
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Veremos adiante, ao descrever os modelos de Spady, Tinto e Bean, que esses autores tomam a obra O Suicídio
de Durkheim como um referencial teórico importante, especialmente nos dois primeiros modelos. Por vezes, os
autores usam a expressão teoria do suicídio para se referirem às ideias de Durkheim, embora o façam de maneira
bem pouco rigorosa, reduzindo o pensamento de Durkheim a uma simples teoria para explicar a capacidade ou
incapacidade do indivíduo de se integrar a uma coletividade. Não há como discutir aqui a especificidade dessa
leitura da obra de Durkheim, mas devemos ter em mente que se trata de uma leitura própria de certa parte da
sociologia americana do pós-guerra.
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Tinto, em um seminário virtual realizado em 2021, conta como o tema da evasão chegou até ele durante seu
doutorado na Universidade de Chicago no final dos anos 1960. Na ocasião, o diretor do escritório de planejamento,
orçamento e avaliação da universidade procurou o orientador de Tinto em busca de estudantes que pudessem
escrever um relatório sobre a evasão naquela instituição, oferecendo uma pequena bolsa para o projeto, a qual
Tinto aceitou e iniciou assim a pesquisa que perseguiria pelo resto da vida. Esse episódio ilustra os interesses e os
esforços institucionais de construção da evasão enquanto um problema e como linha de pesquisa. O seminário foi
realizado em 2021 pelo laboratório de inovação em educação da Western Governors University, uma universidade
americana, privada e online. Disponível em: https://youtu.be/FM4xqzRMfRE <Acesso em: 21/02/2022>
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Podemos então imaginar algumas explicações para a entrada da sociologia nos estudos
sobre evasão em oposição à psicologia. Primeiro, como Tinto sugere, é possível que a
predileção pela sociologia estivesse relacionada à intuição de que ela estaria mais apta a
reconhecer os determinantes da evasão na relação entre indivíduo e coletividade dentro da
instituição universitária. Se o tema da evasão fosse delegado somente à psicologia, talvez as
reflexões e os modelos propostos não colocassem a instituição no centro da investigação (como
farão os sociólogos Spady, Tinto e Bean), mas sim a orientação vocacional e características
individuais externas à e fora do âmbito de controle institucional. Por serem modelos
encomendados e criados para auxiliar a administração universitária, seria fundamental que a
instituição estivesse no centro desses modelos. Segundo, talvez a sociologia acadêmica norte-
americana, definindo uma orientação marcadamente empírica, tal como exemplarmente
corporificada por Paul Lazarsfeld (POLLAK, 2018), aparecesse como mais adequada para
produzir e analisar dados para, a partir deles, construir modelos explicativos e preditivos,
aplicáveis à administração.
Embora os modelos sociológicos de Spady, Tinto e Bean sejam os mais influentes e
citados na literatura nacional e internacional, da década de 1970 em diante muitos outros
modelos foram produzidos sob diferentes perspectivas, nem todas sociológicas. Costa e
Gouveia (2018, p.164) levantaram vinte e três modelos explicativos da evasão elaborados
segundo as perspectivas por eles categorizadas como psicológica, sociológica, econômica,
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Perspectiva Psicológica
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“A perspectiva psicológica se concentra nos atributos da personalidade do indivíduo. Em contrapartida, a
perspectiva sociológica não se concentra no individual, mas sim nas forças sociais que são externas à instituição
educacional como status social, raça e prestígio. A perspectiva econômica se concentra no financiamento
individual que afeta a retenção de estudantes. A perspectiva organizacional está em causa com o impacto de fatores
organizacionais, como estrutura burocrática, tamanho e proporção de estudantes. A perspectiva interacional se
concentra na influência da interação de indivíduos e fatores ambientais na retenção de estudantes. A perspectiva
complementar ou integrativa compreende múltiplas perspectivas (sociológicas, econômicas, organizacionais e
psicológicas)” (COSTA e GOUVEIA, 2018, p.163).
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Estudantes bem-sucedidos
Perspectiva Sociológica
Perspectiva Econômica
St. John, Paulsen e Starkey Educação, higher education Modelo Nexus escolha da
(1996) faculdade – persistência
Perspectiva Organizacional
Autor Disciplina do(s) autor(es) Modelo
Perspectiva Interacional
Nota-se que muitos dos autores aqui citados atuam dentro da higher education. Embora
exista um debate preocupado em definir se a higher education seria um campo temático
interdisciplinar ou uma disciplina (TIGHT, 2020), basta para nós reconhecer apenas algumas
características gerais dessa linha de pesquisa para melhor situar esses autores. A origem da
higher education enquanto campo de estudo remonta ao começo do século XX, e a criação de
centros de pesquisa e institutos de higher education dentro das universidades - bem como a
criação de revistas acadêmicas sobre o assunto - esteve diretamente ligada à crescente
competitividade do mercado educacional nos EUA e outros países desenvolvidos (CHAN,
2019). Nesse ambiente de competição, a higher education voltou-se para o estudo das técnicas
administrativas e das finanças universitárias, sempre acompanhadas da coleta e análise de
dados, com a finalidade de aumentar sua eficiência no uso de recursos, gerenciamento de
matrículas e implementação de políticas educacionais (CHAN, 2019). Por esse motivo alguns
autores tendem a considerar a higher education como um campo de estudo interdisciplinar,
mobilizando teorias de diversas disciplinas como “academic literacies (da linguística aplicada),
teoria da atividade (da psicologia), capital humano (da economia), diversidade institucional
(das ciências biológicas) e gerencialismo (da administração)” (TIGHT, 2020, p. 422). É
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esperado, portanto, que a evasão figure como uma preocupação central da higher education,
pois trata-se de um dos fenômenos mais prejudiciais às finanças de uma instituição de ensino
superior paga.
Com esse panorama em mente, olhemos agora para alguns modelos geralmente
considerados mais importantes entre os estudiosos da evasão, detalhando suas premissas,
proposições e eventuais problemas.
O ambiente universitário, por sua vez, é dividido por Spady em dois sistemas, um
acadêmico e um social, cada qual exercendo pressões sobre os estudantes e oferecendo formas
de recompensa distintas. Do lado do sistema acadêmico, as notas [grades] configuram a
principal recompensa pela conformação às exigências institucionais, seguida do
desenvolvimento intelectual do estudante. Já do lado do sistema social, sucesso e recompensa
se manifestam, primeiro, no que Spady chama de congruência normativa - isto é, “atitudes,
interesses e disposições de personalidade que são basicamente compatíveis com os atributos e
influências do ambiente” (SPADY, 1970, p.77) - e, segundo, em formas de amizade e de
suporte entre colegas. Nesse ponto, Spady aproxima seu modelo da teoria do suicídio de
Durkheim. Segundo o autor, a falta de congruência normativa e de amizades de suporte teria
forte influência nas chances de evasão de maneira análoga à forma como a falta de consciência
moral e de filiação coletiva teria forte influência nas chances de suicídio, na teoria de
Durkheim. Evasão e suicídio, portanto, são aqui concebidos como eventos de mesma natureza,
mas de ordens diferentes, nos quais o indivíduo não está integrado adequadamente ao seu meio
social ou sente-se incompatível com ele, rejeitando-o.
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Com base nessas premissas, Spady constrói um modelo com sete variáveis
independentes organizadas sequencialmente segundo uma relação causal presumida entre elas:
trajetória familiar, potencial acadêmico, congruência normativa, performance acadêmica,
desenvolvimento intelectual, suporte de amigos e integração social. Entre a integração social e
a decisão pela evasão, porém, há ainda duas variáveis intermitentes: satisfação e
comprometimento institucional. De maneira geral, portanto, o modelo nos diz que o sucesso
nos âmbitos acadêmico e social produzem maior integração social que, por sua vez, produz
satisfação do aluno com a experiência estudantil e, em seguida, produz no aluno
comprometimento com a instituição. O comprometimento com a instituição seria, portanto, o
elo final com a decisão pela evasão, inaugurando uma linha de investigação sobre evasão
centrada na instituição, que será seguida pelos outros modelos aqui mencionados, de Tinto e
de Bean.
No ano seguinte, Spady publicou um segundo artigo (1971), desta vez avaliando
empiricamente seu modelo. O autor realizou um estudo longitudinal com dados coletados em
1965 de 683 estudantes de primeiro ano da Universidade de Chicago. A principal mudança em
relação ao primeiro modelo, evidenciada pela multiplicação de setas na figura, foi a
relativização da sequência causal assumida entre as variáveis, que revelaram empiricamente
uma relação muito mais complexa entre si. Além disso, a análise estatística dos dados também
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Entre os resultados empíricos considerados mais importantes por Spady neste artigo,
destaca-se a importância do suporte de amigos para a permanência, mas também de outras
relações dentro do campus, em especial com os professores. O desenvolvimento intelectual
percebido pelo estudante, importante variável da retenção por ser uma das formas de
recompensa dentro do sistema acadêmico no modelo de Spady, estaria mais associado ao
contato com professores do que com os colegas e teria quase nenhuma relação com as
capacidades intelectuais prévias ou com a performance no ensino médio do estudante. Pelo
contrário, seria mais importante para o desenvolvimento intelectual uma orientação inicial e
oportunidades de contato com professores e estudantes engajados em atividades
extracurriculares (SPADY, 1971, p. 59). Outro resultado está na constatação da influência que
integração institucional tem para a evasão de homens e mulheres. Ao contrário do que foi
observado entre os homens, entre as estudantes mulheres, notas, desenvolvimento intelectual e
contato com professores não apresentaram correlação significativa com o processo de
integração, relativizando a hipótese de que a integração seria determinante para o sucesso no
ensino superior. Por fim, Spady faz algumas considerações específicas ao contexto de seu
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Uma primeira revisão do modelo ocorreu dois anos depois, sendo essa nova versão a
mais frequentemente citada e utilizada em estudos sobre evasão (TINTO, 1975). Em seu artigo
de 1975, Tinto esclarece todas as variáveis contidas no modelo e as suas bases teóricas, sendo
a única diferença importante entre seu modelo e o de Spady a inclusão do comprometimento
institucional no início da sequência de variáveis. Partindo das reflexões de Spady, Tinto
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construiu seu modelo com base em dois esquemas teóricos. Primeiro, “a teoria do suicídio” de
Dukrheim; segundo, a análise das escolhas individuais segundo a noção de custo-benefício.
No caso da teoria de Durkheim, a analogia entre a integração à vida acadêmica e à vida
social é exatamente a mesma daquela suposta pelo modelo de Spady. Supõe-se que as
condições sociais que levam ao suicídio se assemelham às condições que levam à evasão: falta
de integração e regulação moral ou falta de vínculos com os demais membros da coletividade.
Também Tinto considera o ambiente universitário como composto por dois sistemas distintos,
um acadêmico e um social. A falta de integração acadêmica estaria mais relacionada a alguns
tipos de evasão forçada, por reprovação ou pela quebra de regras (greves, roubo de provas
etc.), enquanto a falta de integração social estaria mais relacionada ao que Tinto chama de
evasão voluntária - quando opta-se por evadir pela falta de congruência normativa entre o
indivíduo, o clima intelectual da universidade e o clima social do ambiente universitário, ligado
às interações com os colegas.
Quanto à noção de custo-benefício para explicar a escolha individual, Tinto justifica
sua inclusão no modelo para lidar com a falta de considerações sobre os indivíduos e seus
atributos psicológicos na teoria de Durkheim. Essas características psicológicas individuais se
expressam na ideia de comprometimento, que pode ser em relação à educação superior
(expectativas dos indivíduos quanto ao papel da educação no seu desenvolvimento e foco no
objetivo de se formar em um curso) ou em relação à instituição (disposição dos indivíduos em
relação a uma instituição de ensino específica). Juntas, essas formas de comprometimento
seriam as variáveis mais importantes para entender e prever a integração estudantil e, por
conseguinte, as chances de evasão. Resumidamente, o modelo postula que quanto mais baixos
os níveis de comprometimento, maiores serão as chances de evasão. As diferentes proporções
entre os dois tipos de comprometimento podem levar a tipos diferentes de evasão: por exemplo,
um alto comprometimento com o objetivo de se formar, mas baixo comprometimento
institucional, pode levar à transferência entre instituições. Além disso, um nível de
comprometimento inicial baixo (quando o aluno chega à universidade) pode ser revertido
durante a experiência acadêmica, sendo a integração acadêmica, portanto, o aspecto mais
importante para explicar a decisão de evasão. Em suma, a experiência universitária é uma
constante reavaliação desses comprometimentos por parte do aluno, e nessa reavaliação ele
decide a todo momento por permanecer ou evadir da universidade de acordo com os custos e
benefícios percebidos.
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Como se nota, a instituição e o que acontece dentro dela está no centro desse modelo.
Tinto dá alguma atenção a fatores externos à universidade que podem influenciar a decisão de
evadir, mas argumenta que mesmo esses fatores vão incidir no comportamento do estudante
dentro da universidade (possivelmente diminuindo sua integração) e na sua reavaliação do
comprometimento com seus objetivos e com a instituição.
Em 1997, Tinto realizou outra revisão do modelo. Desta vez, a reflexão volta-se
especialmente para a experiência estudantil dentro das salas de aula e demais espaços
comunitários dentro dos campi, entendendo esses espaços como aqueles em que os ambientes
acadêmico e social do modelo se cruzam, pois ali os estudantes estão em relação com os
colegas, com os professores e com o currículo. Nesse sentido, a experiência dentro da sala de
aula seria também central para compreender o fenômeno da evasão e, consequentemente,
intervenções na maneira como as classes se estruturam e como as aulas são dadas poderiam
ajudar a aumentar as taxas de retenção - especialmente em contextos em que o envolvimento é
mais difícil, como entre estudantes que trabalham e/ou moram longe do campus. Em suma, a
tese defendida por Tinto é a de que:
Posto de outra forma, é fundamental aos estudantes que sintam que estão aprendendo,
mas também que formem laços de amizade no ambiente universitário por meio da própria
experiência de aprendizado, pois assim aumenta sua persistência. Por isso, Tinto inclui no seu
modelo anterior novas variáveis relativas às relações formadas dentro das salas de aulas e
demais espaços comunitários dentro das universidades, como laboratórios e estúdios, e uma
nova variável relativa ao aprendizado.
Figura 5: Modelo da evasão correlacionada às salas de aula, aprendizado e persistência de Tinto (1997)
Bean testou, então, esse modelo com um grupo de estudantes de primeiro ano de uma
universidade do centro-oeste dos EUA em 1977. Foram coletadas 1195 respostas a um
questionário de 107 perguntas. Essa amostra foi reduzida para 907 (366 homens e 541
mulheres), selecionada segundo alguns critérios: estudantes calouros de tempo integral com
idade abaixo de 22 anos, caucasianos (excluindo latinos), cidadãos americanos e solteiros. Bean
não apresenta justificativa alguma para esses critérios de seleção, que, de saída, produzem
vieses de classe, de idade e de nacionalidade/etnia/raça. O autor não apenas ignora esse viés
como também o confunde com um viés de desempenho estudantil. Referindo-se a essa amostra,
Bean diz: “a amostra é enviesada para estudantes mais habilidosos” (BEAN, 1980, p. 161),
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Segundo os achados de Bean, o homem que evade teria baixo comprometimento com
a instituição, notas mais baixas na universidade, satisfeito com a vida estudantil, não acredita
que a educação recebida está contribuindo para o seu desenvolvimento, acha a vida acadêmica
repetitiva, não conhece bem as regras sociais e acadêmicas da instituição e, possivelmente, vive
com os pais. Já a mulher que evade teria um baixo comprometimento com a instituição, baixa
performance no ensino médio, não participa de organizações estudantis e atividades extra
curriculares no campus, não acredita que frequentar a faculdade lhe garantirá um emprego, vê
a transferência de curso ou instituição como possibilidade, não acredita que a educação leva ao
seu desenvolvimento, não acha a vida acadêmica repetitiva, possui pouco comprometimento
com a obtenção do diploma, está pouco satisfeita em estar na instituição, conhece as regras
sociais e acadêmicas e não interage informalmente com membros da instituição.
Com vistas a essa distinção de gênero, Bean termina seu artigo de 1980 oferecendo uma
série de recomendações para instituições que queiram implementar políticas de redução da
evasão. Para as mulheres, deve-se encorajar ou obrigar a participação em organizações
estudantis e atividades extracurriculares dentro do campus, bem como educá-las sobre a
importância da educação para a busca de empregos no futuro, em programas de orientação
profissional e recrutamento. Para os homens, por outro lado, deve-se oferecer um programa
educacional que os faça sentir que estão se desenvolvendo pessoalmente, intelectualmente e
criativamente, e deve-se evitar currículos muito rígidos no primeiro semestre. Para ambos, a
universidade alcançará maior controle sobre a evasão admitindo somente estudantes com as
maiores notas no ensino médio - ou seja, incluindo mais uma etapa de seleção, além dos exames
de admissão (BEAN, 1978, p.184).
Em 1985, Bean reorganizou seu modelo para compreender de que maneira a evasão
pode estar relacionada à seleção de alunos pela instituição e às formas de socialização desses
alunos dentro da instituição. Novamente interessado na evasão de instituições específicas, Bean
define evasão como a não matrícula do estudante em um mesmo campus no semestre seguinte
- o que a rigor inclui também a possibilidade de transferência entre instituições. Diferentemente
do modelo anterior, porém, aqui Bean dá bastante importância para a variável da intenção de
sair, ou seja, a verbalização do estudante de que pensa em abandonar a instituição. Segundo o
autor, a escolha dessa variável se justificaria, entre outras coisas, porque
[...] estudantes que evadem sem a intenção de fazê-lo (por exemplo, por razões de saúde, crises
familiares etc.) não representam um fracasso para o estudante ou para a universidade. Eles
representam uma variância residual da evasão que pode ser especificada com precisão, mas não
pode ser prevista” (BEAN, 1985, p.36, grifo nosso).
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Assim como no modelo anterior, temos aqui um recorte importante e que se explica
pela concepção do problema da evasão assumida pelo autor. O etc. grifado da citação pode
conter muitas coisas, como mudanças não anunciadas nas políticas de assistência e toda sorte
de barreiras socioeconômicas que inviabilizam a permanência estudantil. É compreensível,
porém, que um modelo desse tipo não inclua essas outras variáveis. Esse recorte revela uma
certa concepção do problema da evasão enquanto um problema administrativo, e não como um
problema de bases sociais mais amplas, que extrapolam a instituição e possuem efeitos diversos
sobre diferentes grupos, a depender das suas condições sociais e econômicas. Por assumir esse
recorte, o desenho do modelo também acaba por tomar como variáveis somente aquilo que está
dentro da instituição ou ao alcance de sua atuação, influência e administração. Por isso, para
Bean, a única forma de evasão involuntária considerada no estudo é aquela que ocorre por
expulsão, ou seja, pela exclusão do estudante por parte da instituição. Ocorre que, o que Bean
chama de residual pode ser, em outras circunstâncias e leituras desse fenômeno, central ao
problema da evasão.
Novamente, esse modelo de 1985 é pensado como uma associação linear de variáveis
que se reforçam positiva ou negativamente. As variáveis exógenas à instituição compreendem
fatores acadêmicos, psicossociológicos e ambientais que, associados, influenciam sobre as
variáveis endógenas. As variáveis endógenas são aquelas relacionadas aos processos de
socialização e seleção da instituição, sendo uma acadêmica (notas em avaliações), uma social
(compatibilidade com a instituição) e uma pessoal (comprometimento com a instituição).
O modelo foi então testado via questionário com uma amostra de 1781 estudantes de
uma universidade do centro-oeste dos EUA. Seguiu-se critérios de seleção muito parecidos
com a amostra do estudo anterior, a fim de diminuir a heterogeneidade: brancos, cidadãos
americanos, menores de 23 anos, solteiros, registrados para 10 ou mais créditos no semestre,
cursando qualquer um dos 3 anos do curso e que não se transferiram para outros campi - o que
produziu os mesmos vieses do estudo anterior.
Para Bean, os resultados mais importantes desse estudo foram aqueles relativos à vida
social dos estudantes. A vida social estudantil é um preditor importante da evasão, pois
apareceu como a variável com efeitos mais significativos sobre a compatibilidade institucional.
Portanto, a qualidade da interação entre colegas mostrou-se mais importante do que a qualidade
da interação do estudante com os funcionários e professores para explicar a evasão. Esse é um
resultado importante para o autor pois, nesse modelo, além dos estudos sobre work turnover,
Bean dialoga com certas teorias sociológicas americanas da ação social, como as de Parsons e
Merton, para definir o que se entende por socialização. Citando Parsons, destaca a importância
dos processos de socialização pelos quais estudantes passam desde o ensino básico e que
determinariam muito cedo quais deles teriam maiores chances de sucesso acadêmico:
Esse tipo de socialização vem dos teóricos dos papéis sociais [role theorists] que vêem a
socialização como um processo de obtenção das normas, atitudes, imagens-de-si, valores e
comportamentos apropriados que levam à aceitação pelo grupo e à competência em novos
papéis (BEAN, 1985, p.38).
Com base na questão da socialização, também Bean encerra seu artigo de 1985 com
algumas recomendações para a redução da evasão em instituições de ensino superior. As
instituições devem reconhecer a importância da socialização em seu interior e da influência
que os estudantes possuem sobre as atitudes de outros estudantes. Em termos práticos, sugere
que se realizem “programas e rituais em que estudantes mais velhos ajudam os neófitos a se
integrar ao grupo e se comprometer com a instituição, e não com o ensino superior em geral”
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Como vimos, os modelos são exaustivos na listagem de possíveis causas da evasão. São
também modelos modulares com variáveis que podem ser acrescentadas ou retiradas conforme
a intuição dos autores e a cada novo teste, sendo por isso revisados e ampliados ao longo dos
anos em busca de uma pretensa maior eficiência na explicação e previsão do fenômeno da
evasão. Contudo, em momento algum esses autores investigam as suas próprias premissas, e
por isso passam ao largo de questões muito básicas, mas muito importantes. Se a evasão é de
fato um problema, como parece ser a premissa norteadora desses autores, como ela se constituiu
enquanto tal? Sendo um problema, ela se apresenta como um problema de mesma intensidade
e com os mesmos efeitos para todos os indivíduos em seus diferentes grupos sociais? Entre os
que evadem, para quem a evasão configura um maior prejuízo social e econômico? E quais as
razões históricas, sociais e econômicas que explicam essas diferenças? Ignorar essas questões
não apenas incorre num problema teórico para esses modelos, mas também mina de antemão
qualquer possibilidade de construção de uma política pública efetiva de retenção escolar.
Esses modelos fundam-se ainda numa outra importante premissa, a do indivíduo
racional. Toma-se como centro desse modelo uma espécie de indivíduo descontextualizado,
absolutamente autônomo e consciente de seus desejos, ciente dos fins e capaz de mobilizar os
meios adequados para alcançá-los, que faz escolhas racionais e calculadas - em suma, imagina-
se um indivíduo liberal modelar (FRANCO et al., 2021). O problema desse tipo de formulação
é que ela leva o pesquisador a imaginar que o fenômeno da evasão é fruto de uma escolha
quando, muitas vezes, ela pode ser uma imposição de ordem material e econômica. Os autores
mostram-se bastante insensíveis a essa possibilidade quando produzem distinções entre evasão
voluntária e forçada, entendendo como evasão forçada somente aquela que ocorre por
expulsão, reprovação ou acidentes maiores. Mas não seria uma evasão forçada também aquela
em que o aluno precisa escolher entre o trabalho e o estudo? Ou quando uma determinada
política de assistência estudantil deixa de existir?
Na dinâmica do confronto teórico para determinar quem consegue produzir o modelo
mais completo e eficiente, os modelos propostos tornam-se permutações das mesmas variáveis,
apenas organizadas em categorias diferentes e com nomes diferentes. São variáveis muito úteis,
pertinentes e que, sem dúvida, devem ser levadas em consideração ao se elaborar uma política
27
A primeira dificuldade encontrada pelo sociólogo deve-se ao fato de estar diante das
representações preestabelecidas de seu objeto de estudo que induzem a maneira de apreendê-
lo e, por isso mesmo, defini-lo e concebê-lo (LENOIR, 1996, p.61).
Já realizamos essa tarefa, em parte, com nosso levantamento dos modelos de evasão e
sua história nos EUA. Naturalmente, essa maneira de conceber a evasão chegou até nós e
dominou também a abordagem de muitos estudos sobre o assunto no Brasil - como indica a
enorme quantidade de trabalhos que citam ou testam empiricamente modelos de autores
americanos, em especial o de Vincent Tinto6. Resta entender agora as particularidades da
maneira como a evasão foi concebida no contexto brasileiro.
6
Em nosso levantamento, dos 465 títulos de trabalhos (artigos, dissertações e teses) sobre o tema da evasão,
conseguimos acessar as referências bibliográficas de 368. Desses, 168 trabalhos mencionam Spady, Tinto ou
Bean. Dentre os três, Tinto é o mais citado, aparecendo em 163. Em apenas 5 trabalhos, Spady e Bean são citados
desacompanhados de Tinto.
28
Uma vez conhecidas as representações que são dadas de antemão, cabe ao sociólogo
entender o processo pelo qual esse problema tornou-se um problema social, ou seja, como se
deu seu reconhecimento, sua legitimação e sua institucionalização como problema a ser
enfrentado:
Embora um problema social seja, como toda problemática sociológica, o produto de uma
construção, acontece que seus princípios são diferentes. Um problema social não é somente o
resultado do mau funcionamento da sociedade (o que pode levar a pensar na utilização, por
vezes abusiva, de termos como “disfunção”, “patologia”, “transgressão”, “desorganização”,
etc.), mas pressupõe um verdadeiro “trabalho social” que compreende duas etapas essenciais: o
reconhecimento e a legitimação do problema como tal. Por um lado, seu “reconhecimento”:
tornar visível uma situação particular, torná-la, como se diz, “digna de atenção”, pressupõe a
ação de grupos socialmente interessados em produzir uma nova categoria de percepção do
mundo social a fim de agirem sobre o mesmo. Por outro lado, sua legitimação: esta não é
necessariamente induzida pelo simples reconhecimento público do problema, mas pressupõe
uma verdadeira operação de promoção para inseri-lo no campo das preocupações “sociais” do
momento. Em suma, a essas transformações objetivas, sem as quais o problema não seria levado
em consideração, acrescenta-se um trabalho específico de enunciação e formulação públicas,
ou seja, uma operação de mobilização: as condições sociais de tal mobilização e de seu sucesso
constituem um outro aspecto da análise sociológica dos problemas sociais (LENOIR, 1996,
p.84).
Resta uma terceira fase: o processo de institucionalização que tende a imobilizar e fixar as
categorias segundo as quais o problema foi colocado e resolvido ao ponto de torná-las evidentes
para todos (LENOIR, 1996, p.95).
Seguindo essas etapas, queremos saber onde e quando o problema da evasão passou a
ser concebido da forma como o conhecemos hoje, bem como os agentes e áreas disciplinares
envolvidas nessa construção, pois foi o conjunto desses elementos que permitiu à evasão
tornar-se socialmente reconhecida e legitimada enquanto um problema.
Segundo nossos estudos introdutórios nesta investigação, o problema da evasão se
consolidou no Brasil no contexto histórico específico dos anos 1990 em um movimento
alinhado com tendências educacionais globais e encabeçado por economistas, políticos,
reitores de universidades e agentes do setor privado do sistema educacional. Esse movimento,
naturalmente, não se deu de maneira suave e livre de conflitos ou estranhamentos, e seu sucesso
deveu-se ao poder de imposição de uma nova visão mercantilizada do ensino superior e da
29
7
Realizamos um levantamento de artigos, dissertações e teses nas bases Scielo e no banco de teses da Capes
buscando pela palavra-chave “evasão” e selecionando manualmente os artigos que se referiam ao fenômeno da
evasão no ensino superior no Brasil. Ao todo, encontramos 465 títulos.
30
Figura 8: Número de publicações brasileiras sobre o tema da evasão no ensino superior ano a ano
Um gráfico parecido com o nosso foi produzido por Maciel, Cunha Junior e Lima
(2019) em levantamento bibliográfico com 58 artigos, 22 dissertações e 9 teses. Os trabalhos
foram buscados na plataforma SciELO, no Grupo de Trabalho Políticas de Educação Superior
– GT 11 da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), no
Portal brasileiro de publicações científicas em acesso aberto (Oasisbr), no Portal de Periódicos
CAPES/MEC e no Domínio Público até 2017. Diferente do nosso levantamento, porém, os
autores incluíram também a busca pelo termo permanência:
Figura 9: Número das produções sobre permanência e evasão na educação superior por ano
8
Maciel, Cunha Junior e Lima (2019, p. 11) apontam um trabalho anterior, de 1977, mas não o mencionam nas
referências bibliográficas.
32
A guinada neoliberal na educação dos anos 1990 no Brasil não representou uma
completa mudança na maneira como a educação vinha sendo concebida até então no que
concerne ao crescimento do setor privado, mas representou uma importante mudança no tipo
de administração das instituições públicas, a partir de agora pautada pela perspectiva da
administração empresarial na esfera econômica. Pode-se dizer que desde os anos 1970 a
formulação de políticas públicas na educação no Brasil foi sendo paulatinamente tomada por
economistas e sua visão da educação como instrumento para o desenvolvimento econômico.
Almeida (2008) descreve essa trajetória ao longo do século XX, mostrando como nos anos
1930 e 1940, sobretudo sob o Estado Novo de Vargas, as políticas educacionais foram pensadas
como instrumento de construção de uma identidade nacional e sob responsabilidade exclusiva
do Estado. Nos anos 1950 e 1960, no entanto, essa visão entrou em conflito com e começou a
ser substituída por uma outra visão mais mercantilizada, com a entrada de economistas em
cargos públicos antes ocupados pelos chamados bacharéis-educadores (ALMEIDA, 2008, p.
165). Essa nova visão teve forte influência de economistas norte-americanos e europeus
vinculados à UNESCO, à Fundação Ford e à Universidade de Chicago, que ajudaram a
disseminar uma noção de planejamento educacional com base em cálculos de necessidades de
mão-de-obra para o desenvolvimento. Em oposição aos bacharéis-educadores, os economistas
tinham como vantagem seus conhecimentos de estatística e econometria, que os capacitava
para a planificação de políticas públicas com base em dados e cálculos (ALMEIDA, 2008, p.
167). O golpe de 1964 contribuiu para a vitória dos economistas e sua visão de planejamento
educacional moderno. Segue-se que, nos anos 1970, a educação foi cada vez mais concebida
como central a um projeto de desenvolvimento econômico e distribuição de renda com base na
teoria do capital humano da Escola de Chicago, segundo a qual investimentos em educação -
em especial nos campos científicos e tecnológicos — seriam a chave para o aumento da
produtividade e, por consequência, do desenvolvimento econômico de um país.
Existe hoje, no Brasil, uma crescente consciência sobre a necessidade de desenvolver sistemas
de avaliação do ensino superior. Esta necessidade é sentida pela administração federal, para a
distribuição racional de seus recursos; pelas universidades públicas, que necessitam conhecer a
si próprias, e confrontar com dados objetivos as críticas que freqüentemente recebem; pelas IES
privadas, que necessitam evidenciar a qualidade de seu desempenho e a sua eficiência no uso
de recursos; pelos estudantes e suas famílias, que não podem mais contar com resultados
34
A ampliação da autonomia na gestão financeira das Instituições de Ensino Superior deve ser
condicionada a um maior comprometimento com padrões de qualidade e produtividade; e
padrões de custo modulares poderiam ser estabelecidos a partir da avaliação do desempenho
das instituições de melhor qualidade (COMISSÃO…, 1985, p. 15).
A ausência de parâmetros [de avaliação] afeta o ensino superior sob muitos pontos de vista.
Para o governo, ela não permite que se tenha uma política racional de alocação de recursos
públicos, que fortaleça as melhores instituições e induza as demais ao aperfeiçoamento. Para
professores e administradores educacionais, ela impede que saibam exatamente como melhorar
suas instituições, quais os falsos caminhos, quais as soluções mais promissoras. Para o candidato
à universidade e sua família, a escolha de uma escola superior de uma profissão é como uma
loteria: os alunos decidem suas carreiras baseados em fragmentos de informação, o que explica,
em parte, a grande frustração e um certo ceticismo que acabam permeando o sistema
universitário do país. (COMISSÃO… p.52)
[...] a venda de “serviços educacionais”, como os cursos pagos, especialmente os cursos de pós-
graduação lato sensu; o estabelecimento de parcerias entre as universidades federais e as
empresas para realização de consultorias e assessorias viabilizadas pelas fundações de direito
privado; a concepção de política de extensão universitária como venda de cursos de curta
duração; a criação de mestrados profissionalizantes, em parcerias com empresas públicas e
privadas, considerados como cursos autofinanciáveis, isto é, cursos pagos, entre outros
mecanismos internos de privatização (LIMA, 2011, p.90).
A ideia de parceria aqui contida é ilustrativa da nova concepção que se instalava e que
alterava profundamente os limites das esferas públicas e privadas. As políticas neoliberais não
miravam somente à privatização do setor público, mas à sua reordenação e enfraquecimento,
impondo como boas práticas de gerenciamento somente aquelas que se assemelham às de uma
empresa privada: a esfera privada desloca-se para a esfera pública e a ocupa com suas formas
de gerenciamento. Esse movimento começou com o terceiro setor e suas organizações não
38
governamentais com fins de bem público nos anos 1970, mas encontrou uma nova fronteira de
expansão na educação duas décadas depois.
Em todo esse movimento de mercantilização, a emergência da avaliação do ensino
superior não aconteceu desacompanhada de uma intensa elaboração teórica. Figuras influentes
da academia no campo da educação e da economia tiveram papel essencial nesse processo,
como foi o caso dos pesquisadores membros do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Ensino
Superior da Universidade de São Paulo (NUPES-USP), criado em 1989 e atuante por toda a
década de 1990. A produção do NUPES teve forte impacto no ensino superior brasileiro, e de
fato seus principais membros ocuparam cargos importantes e com influência sobre a formação
de políticas públicas educacionais. José Goldemberg, físico de formação e idealizador do
núcleo, era então reitor da Universidade de São Paulo (1986-1990) e depois assumiu os cargos
de secretário da Ciência e Tecnologia (1990-1991) e ministro da educação (1991-1992) no
governo de Fernando Collor de Mello. Eunice Durham, cientista social, foi assessora de
Goldemberg, dirigiu o núcleo e foi presidente da Capes durante os governos de Collor e FHC.
Por fim, Simon Schwartzman - que já mencionamos como o redator do relatório de 1985 -, foi
presidente do IBGE entre 1994 e 1998 e trazia consigo uma ampla e influente pesquisa na área
do desenvolvimento econômico e da educação.
Dentro da produção do NUPES, a palavra de ordem era a avaliação. Diante do
diagnóstico de defasagem e estagnação do ensino superior brasileiro, defendia-se a adoção de
novas formas de financiamento e um novo modelo baseado na competição entre instituições:
Tomando como referência o sistema educacional dos Estados Unidos, apontam que o princípio
da competição institucional dinamiza a universidade. Em outras palavras, a melhoria da
qualidade das instituições seria favorecida pela competitividade e pela participação na vida
institucional. Para Schwartzman, o fato de as instituições concorrerem entre si como num
mercado e de existirem condições de participação na vida institucional favoreceria a melhoria
da qualidade (BARREYRO e ROTHEN, 2011, p.5).
Na visão dos pesquisadores do NUPES, a avaliação seria fundamental para esse modelo
competitivo, pois funcionaria como um parâmetro para a distribuição de recursos públicos com
base no desempenho de cada instituição, que passariam a competir entre si por uma maior fatia
desses recursos (BARREYRO e ROTHEN, 2011). Como consequência direta desse modelo,
as taxas de evasão e titulação tornaram-se indicadores importantes do desempenho institucional
e foram investigadas em alguns trabalhos de pesquisadores do NUPES. Mercuri, Moran e Azzi
(1995), por exemplo, realizaram um dos primeiros estudos dedicados especificamente ao tema
39
da evasão no ensino superior no Brasil. Além disso, entre os trabalhos levantados por nós para
este relatório, foi o primeiro a usar os modelos de Tinto e Bean como referenciais teóricos.
O que começa a se delinear, portanto, é uma evidente relação entre a emergência dos
mecanismos de avaliação dentro da lógica administrativa neoliberal dos anos 1990 e a
preocupação com a evasão: é quando a avaliação torna-se aspecto central da administração
acadêmica que a evasão começa a figurar enquanto um problema, sendo ela um entre os demais
indicadores de que uma instituição está sendo bem ou mal gerenciada. Naturalmente, a
preocupação com a evasão ganha tons distintos nas instituições públicas e privadas, embora de
maneira geral ela seja encarada como prejuízo financeiro e, do ponto de vista do sistema de
ensino superior como um todo, ela seja encarada como perda de capital humano.
No ensino superior privado, a preocupação com a evasão é por demais óbvia: mais
alunos evadindo implica menor lucro e pior imagem pública. Calderón (2000) examina como
essa série de mudanças na regulamentação do ensino nos anos 1990 ampliou o mercado
educacional, dentro do qual universidades e instituições privadas passaram a competir entre si
por uma mesma fatia de estudantes/clientes. Essa competição, como já descrevemos, se dava
no âmbito da publicidade, amparada por uma série de métricas e mecanismos de avaliação
utilizados pelo Estado para regular o ensino privado. Universidades mais bem avaliadas, assim,
teriam mais competitividade. As universidades mercantis são um negócio como qualquer outro,
ou seja, motivadas pelo lucro e engajadas na construção da sua própria marca pela via da
publicidade. A evasão, nesse sentido, equivaleria a prejuízo e indicaria problemas na
administração da instituição.
Já no ensino superior público, não apenas a evasão tinha a conotação de prejuízo em
instituições de ensino cada vez mais organizadas como empresas, mas também passou a servir
como instrumento de accountability frente ao discurso neoliberal da ineficiência administrativa
do setor público. Menos evasão, então, indicaria um uso mais eficiente dos recursos públicos,
pois as vagas, concebidas agora como um recurso escasso, seriam melhor aproveitadas e
levariam à titulação de mais futuros trabalhadores qualificados.
evasão dos estudantes dos cursos de graduação. A SESu divulgava indicadores globais que
apontavam para uma evasão média nacional de 50% nas Instituições Federais de Ensino
Superior - IFES, considerando o conjunto dos cursos de graduação de cada instituição. Ao
mesmo tempo, apontava para os baixos índices de diplomação registrados (BRASIL, 1996, p.3).
Paredes (op.cit.) considera que o fenômeno da evasão é muito maior do que a percepção geral
que dele se tem, o que indicaria a presença de uma disposição comum às instituições de ensino
superior de considerá-lo como "normal", como aspecto inerente aos cursos universitários do
mundo inteiro. Essa sub-avaliação e o consequente desinteresse pelo aprofundamento no
problema produzem decisões administrativas inadequadas e contrárias à produtividade geral dos
cursos (BRASIL, 1996, p.25)
Havia, portanto, uma percepção negativa bem consolidada sobre as taxas de evasão nas
IFES e uma concepção clara de que a avaliação seria o caminho para a melhoria do desempenho
das instituições de ensino superior, mas faltava ainda um passo decisivo em direção à
institucionalização do problema. O Relatório deu esse passo ao propor um estudo de
abrangência nacional e metodologicamente consistente, possibilitando assim comparar dados
de diversas instituições de ensino pelo Brasil e lançando as bases para que esses estudos
continuassem sendo realizados rotineiramente, visto que até então muitas universidades sequer
possuíam esses dados bem organizados (BRASIL, 1996, p.12). Para esse fim, parte
considerável do Relatório tratou de discutir definições correntes e de elaborar uma definição
de trabalho para o termo evasão9, bem como uma metodologia para a sua mensuração.
Seguindo a metodologia proposta, a Comissão realizou o estudo e apresentou os resultados
relativos às taxas de evasão, retenção10 e titulação dos cursos de 53 instituições públicas de
9
A Comissão definiu evasão como “a evasão dos cursos de graduação, considerada para efeito deste estudo, como
a saída definitiva do aluno de seu curso de origem, sem concluí-lo” (BRASIL, 1996, p.15). A tomada dos cursos
como unidades de análise justificou-se pela percepção dos membros da Comissão de que diferentes cursos dentro
de uma universidade apresentam características diferentes e, portanto, diferentes taxas de evasão e titulação.
10
No contexto desse Relatório, o termo retenção refere-se à “situação em que, apesar de esgotado o prazo máximo
de integralização curricular e mesmo não tendo concluído o curso, o aluno se mantém ou consta como matriculado
na Universidade (BRASIL, 1996, p.23).
42
ensino superior entre 1986 e 1994 — o que correspondeu a 67,1% do universo total de
Instituições de Ensino Superior Públicas (IESP), federais e estaduais.
Ainda no tópico metodológico, o Relatório faz uma observação sobre o papel do MEC
no estudo:
Cabe salientar ainda que o processo de desenvolvimento do estudo foi realizado sem qualquer
financiamento e apoio logístico do MEC ou outras agências, acarretando um esforço adicional
para os professores envolvidos e elevados custos para as Universidades envolvidas,
principalmente aquelas participantes da Comissão Especial de Evasão. Esta situação revela que
houve vontade política clara das IESP em concluir o estudo, superando dificuldades, por
estimarem que o mesmo tem relevância para o processo de melhoria do ensino de graduação
(BRASIL, 1996, p.18).
exemplo, à extinção de alguns cursos que são hoje mantidos quase que exclusivamente pelas
universidades públicas. Logo, os índices de diplomação, retenção e evasão devem ser
examinados em conjunto, não como um fim em si mesmos, ou apenas com objetivos
"rankeadores", mas sim como dados que possam contribuir tanto à identificação dos problemas
a eles relacionados, como à adoção de medidas pedagógicas e institucionais capazes de
solucioná-los (BRASIL, 1996, p.14).
e o quanto ela pode ser determinante para a evasão. Destaca, por exemplo, a maneira como os
estudantes precisam escolher suas profissões muito precocemente e aponta a incompatibilidade
de horário entre o trabalho e o estudo como uma das principais causas da evasão (BRASIL,
1996, p.28). Considerações parecidas são feitas ao apontar os fatores internos às instituições:
8. Terceira onda de expansão do ensino superior nos anos 2000 e entrada da evasão
como problema nas políticas públicas educacionais
Na década de 2000, houve um segundo momento em que o estudo sobre evasão ganhou
força seguindo a onda de expansão do acesso ao ensino superior no Brasil (OLIVEIRA e
SILVA, 2020). Segundo o levantamento realizado por Carlotto (2021) com base nos dados do
INEP, observa-se que entre 2000 e 2005 houve enorme crescimento no número de instituições
de ensino superior, puxado especialmente pelo ensino privado. Nos anos seguintes a 2005, o
número de instituições se estabilizou, segundo a autora, porque a criação de novas instituições
— públicas e privadas - foi compensada pela fusão e aquisição de instituições de ensino privado
47
(CARLOTTO, 2021, p. 43), movimento esse que se deu dentro de um processo de crescente
financeirização do mercado educacional e levou à criação de redes de empresas no setor11
(CHAVES e AMARAL, 2016, p.58). Quanto às instituições públicas criadas nesse período,
destaca-se a expansão e interiorização das universidades federais e a transformação dos antigos
Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) em Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia (IFs) entre 2003 e 2010 durante o governo Lula (CHAVES e AMARAL,
2016, p.56).
Figura 10: Evolução do número de instituições entre 1980 e 2018, com destaque para o total a cada quinquênio e
em 1988
11
Para uma descrição detalhada desse movimento de financeirização da educação nos anos 2000, mostrando a
chegada de fundos de investimento em educação no Brasil e a formação de conglomerados educacionais, ver
Oliveira (2009).
48
a três problemas: o das famílias que não podem pagar mensalidades em instituições privadas;
o das vagas ociosas e da inadimplência no setor educacional privado; e o da necessidade de
ampliação das matrículas públicas (CHAVES e AMARAL, 2016, p.59). Para nós, importa
notar que a preocupação com a evasão aparece em todos esses programas e em seus textos
legais - ainda que no caso do FIES, do SINAES e do Prouni essa preocupação seja de menor
importância, como veremos.
O FIES foi criado em 1999 durante o governo FHC - substituindo o antigo Programa
de Crédito Educativo (CREDUC) de 1975 - e transformado em lei em 2001 com a finalidade
de financiar “estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos e com
avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação, de acordo com
regulamentação própria” (BRASIL, 2001). A adesão ao programa, portanto, é condicionada à
avaliação da instituição. Veremos adiante como essa avaliação tangencia o problema da evasão,
mas antes podemos observar que, no texto da lei que instituiu o FIES, consta que, para aderir
ao FIES:
[...] a instituição de ensino deverá comprometer-se em realizar aportes ao FG-Fies [Fundo
Garantidor] por meio da aplicação [...] [de] entre dez e vinte e cinco por cento, do segundo ao
quinto ano da entidade mantenedora no FG-Fies, tendo em vista que o aporte poderá variar em
função da evasão dos estudantes, do não pagamento da coparticipação ou do não pagamento de
outros valores devidos pelo estudante financiado pelo Fies, na forma a ser estabelecida em
regulamento, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies (BRASIL, 2001).
Há no FIES, portanto, um incentivo à redução das taxas de evasão pela redução dos
aportes ao Fundo Garantidor do FIES necessários à sua participação pela instituição, embora
não tenhamos dados para saber o quanto essa determinação influi ou não sobre a administração
das instituições participantes.
Mais importante, no caso do FIES, é a centralidade da avaliação institucional para o
programa. Até 2004, essa avaliação feita pelo Exame Nacional de Cursos (ENC), e a partir de
então passou a ser feita através do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
(Sinaes), sistema criado para “assegurar processo nacional de avaliação das instituições de
educação superior, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico de seus estudantes”
(BRASIL, 2004). Coimbra, Silva e Costa (2019), analisando o texto da lei, destacam os
objetivos de aumento da eficiência e eficácia da educação superior, - termos que, embora não
encontrem-se tipificados no texto, geralmente carregam a conotação de melhoria da relação
custo/benefício e o grau em que as metas estabelecidas são atingidas. Por princípio, então, os
49
autores pontuam a evasão como um dos parâmetros que poderiam ser considerados na
avaliação desta relação custo/benefício.
O SINAES é composto também por uma série de outros instrumentos, como a
autoavaliação. Coimbra, Silva e Costa (2019) apontam duas aparições do termo evasão no
documento “Orientações Gerais para o roteiro da autoavaliação das Instituições” (2004):
A primeira refere-se à descrição das ações planejadas pelas IES em que a “definição da
composição dos grupos de trabalho, atendendo aos principais segmentos da comunidade
acadêmica (avaliação de egressos e/ou dos docentes; estudo de evasão etc)” (BRASIL, 2004, p.
10) apresenta-se como uma das ações. O estudo de evasão, neste caso, é responsabilidade dos
grupos de trabalho a serem criados pelas IES em sua autoavaliação. A segunda vez, a palavra
aparece no item “Políticas de atendimento aos estudantes” em que se apresentam como parte do
núcleo básico e comum: Mecanismos/sistemáticas de estudos e análises dos dados sobre
ingressantes, evasão/ abandono, tempos médios de conclusão, formaturas, relação
professor/aluno e outros estudos tendo em vista a melhoria das atividades educativas (BRASIL,
2004, p. 33) (COIMBRA,SILVA e COSTA, 2019, p. 6).
[...] o Prouni começava a ser desfigurado. Na melhor das hipóteses, constituiu-se em programa
assistencialista, que prioriza o acesso – e não a permanência – do estudante ao ensino superior.
Aliás, até os próprios representantes das mantenedoras levantaram a questão da permanência:
“Um dos pontos criticados por representantes das instituições e dos estudantes é a renda per
capita exigida, de um salário mínimo, o que impossibilitaria o estudante de se manter na
universidade” (TAKAHASHI, 2004). Contudo, a advertência tinha destino certo, pois as bolsas
parciais para estudantes de renda muito baixa não resolveriam o problema crônico da evasão
escolar (e, portanto, da receita auferida com as mensalidades) nas IES privadas. Daí a sugestão
de ampliar a renda familiar per capita para 3 salários mínimos (CATANI e GILIOLI, 2005, p.
58).
Uma das demandas das associações era a possibilidade de ofertar bolsas de 50% ou
menos aos estudantes, demanda que foi atendida no projeto de lei. Um estudante com bolsa de
50%, porém, se tiver uma renda per capita familiar muito baixa, dificilmente conseguiria se
manter na universidade. Imaginava-se, assim, que o aumento da faixa de renda para bolsas
menores que 50% diminuiria a chance de evasão desses estudantes. Essas e outras alterações
ajudaram a tornar o Prouni um grande motor da expansão do ensino superior privado no Brasil,
especialmente em função do modelo adotado de renúncia fiscal como contrapartida estatal para
as instituições privadas participantes.
Olhando agora para o texto da lei, encontramos uma menção pontual ao problema da
evasão:
Assim que atingida a proporção estabelecida no caput deste artigo para o conjunto dos
estudantes de cursos de graduação e seqüencial de formação específica da instituição, sempre
que a evasão dos estudantes beneficiados apresentar discrepância em relação à evasão dos
demais estudantes matriculados, a instituição, a cada processo seletivo, oferecerá bolsas de
estudo integrais na proporção necessária para restabelecer aquela proporção (BRASIL, 2005).
Assim como no caso do FIES e do SINAES, a evasão aparece aqui como um problema
administrativo, e o texto parece criar um incentivo ao uso de mecanismos de avaliação para
conhecer os níveis de evasão de alunos bolsistas e não-bolsistas. No entanto, assim como vimos
com as políticas anteriores, não fica claro como essa avaliação deve ser feita, qual a definição
de evasão adotada, e também não temos dados que indiquem qualquer influência dessa
determinação sobre a administração das instituições.
Essa falta de clareza por parte do governo não significa, obviamente, que as políticas
públicas não tenham sido alvo de escrutínio por parte de pesquisadores. E um dos critérios mais
51
importantes para avaliar a eficiência dessas políticas, além da expansão do acesso, será a taxa
de evasão entre os seus beneficiários.
Silva e Santos (2017) compararam os efeitos dos benefícios do FIES e do PROUNI
sobre as taxas de evasão, utilizando dados do INEP de 243 universidades privadas entre 2005
e 2013. Correlacionando o número de bolsas (parciais e integrais) do PROUNI e de contratos
de FIES com as taxas de evasão ano a ano, os autores constataram que “a evasão é reduzida
quando há o incremento de bolsas do PROUNI e aumentada quando há o incremento de
contratos do FIES” (SILVA E SANTOS, 2017, p.753), demonstrando maior efetividade do
modelo do PROUNI na redução das taxas de evasão.
Costa e Ferreira (2017) também chegaram à mesma observação do resultado
relativamente positivo do PROUNI na redução das taxas de evasão. Comparando o número
total de estudantes beneficiados em 2007 (310.186) com o número desses estudantes que
concluíram seus cursos dentro do prazo esperado em 2012 (277.912), os autores apontam que
10,4% não conseguiram concluir - número bem menor do que as taxas de evasão geralmente
observadas no setor público (34,4%, segundo o mesmo cálculo) e no setor privado (41,7%)
(COSTA E FERREIRA, 2017, p.157).
Encontramos, assim, uma preocupação com a evasão na formulação do FIES, do
SINAES e do Prouni, ainda que tangencial. Situação distinta é aquela do REUNI, em que a
evasão figura de maneira mais evidente e acompanhada de métricas e metas para sua redução.
Essa diferença deve-se, sobretudo, aos próprios princípios de concorrência por meio da gestão
por resultados que norteiam o REUNI e retomam, em certa medida, a tendência observada nas
políticas educacionais do governo FHC.
O REUNI vigorou entre 2007 e 2012, criado com o objetivo de “criar condições para a
ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação, pelo melhor
aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades federais”
(BRASIL, 2007). A rigor, o REUNI recompensa as universidades que queiram aderir ao
programa destinando-lhes recursos financeiros e materiais, condicionando o financiamento à
elaboração de um plano de reestruturação e ao cumprimento de metas previamente acordadas.
Como observam Traina-Chacon e Calderon:
O modelo de gestão das IES Federais, adotado no REUNI, é o da política para atingir metas,
implantado com o modelo de controle de resultados e foco na eficiência e nos resultados. A
ampliação da oferta de educação superior se deu pelo aumento de vagas de ingresso,
52
comparação com cursos tradicionais por oferecerem uma formação mais abrangente nos
primeiros anos do curso e permitirem ao estudante escolher sua formação a posteriori, mas não
foi isso o que se observou (CAMPOS, 2017, p. 83). Porém, de acordo com dados das
coordenações de cada curso apresentados nas tabelas abaixo, as taxas de evasão durante o
período analisado nunca estiveram abaixo dos 30% — taxa geralmente considerada alta em
estudos sobre evasão. Além disso, os dois principais motivos para a evasão relatados nas
respostas aos questionários pelos estudantes evadidos foram, primeiro, a transferência para
outras universidades (25,6%) — segundo Barreto Andrade (2014), em busca de cursos mais
tradicionais e consolidados — e, segundo, dificuldades financeiras (14%).
Tabela 1: Taxas de diplomação e evasão por período dos bacharelados em ciência e tecnologia (BCT)
Tabela 2: Taxas de diplomação e evasão por período dos bacharelados em humanidades (BHu)
12
CE: Centro de Educação; CCS: Centro de ciências da saúde; CHLA: Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes; CJ: Centro de Ciências Jurídicas; CT: Centro de Tecnologia; CTA: Centro de Comunicação, Turismo e
Arte; CCSA: Centro de Ciências Sociais Aplicadas; CI: Ciências da Informação; CEN: Centro de Ciências Exatas
e da Natureza; CCM: Centro de Ciências Médicas
57
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e
de movimentos estudantis como a União Nacional dos Estudantes (IMPERATORI, 2017,
p.292) no processo de construção dessas políticas, reconhecendo a importância dos aspectos
socioeconômicos para a permanência de estudantes no ensino superior.
Esses atores participaram dos debates que levaram à formulação do Plano Nacional de
Assistência Estudantil (PNAES), instaurado em 2007 pelo MEC como uma Portaria Normativa
e posteriormente formalizado como Decreto em 2010. O Plano foi criado para atender
estudantes de baixa renda de cursos presenciais de instituições federais de ensino superior. Os
estudantes prioritariamente atendidos são aqueles oriundos da rede pública de educação básica
ou com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio. Constam como objetivos
do PNAES:
Vemos que a redução das taxas de retenção (quando o estudante permanece no curso
por mais tempo do que o necessário) e evasão figuram como objetivos centrais dessa política a
serem alcançados por meio de ações de assistência estudantil. Essas ações devem desenvolver-
se nas áreas da “moradia estudantil, alimentação, transporte, atenção à saúde, inclusão digital,
cultura, esporte, creche, apoio pedagógico, e acesso, participação e aprendizagem de estudantes
com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação”
(BRASIL, 2010). Trata-se, assim, de amplo conjunto de eixos de atuação, ficando a cargo de
cada instituição elaborar e executar seus programas de assistência para cada área “de acordo
com as suas necessidades e especificidades locais” (IMPERATORI, 2017, p.297).
Assim, em cada instituição encontramos uma série de bolsas e auxílios específicos, com
critérios, normas e valores diferentes. Maciel, Lima e Gimenez (2016), por exemplo,
analisando as políticas de permanência em três instituições federais (Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul, Universidade Federal de Mato Grosso, e Universidade Federal da Grande
Dourados), encontraram o seguinte quadro de programas:
58
Figura 11: Distribuição percentual da situação acadêmica dos estudantes do grupo 1 (até 1,5 salário mínimo per
capita) e participação no programa
Esse movimento de crescimento do EaD, porém, foi muito mais acentuado no sistema
privado, que passou a crescer quase que exclusivamente nessa modalidade (CARLOTTO,
2020, p. 53). Mas isso não significa que o sistema público não tenha passado por uma
flexibilização no sentido da ampliação de vagas na modalidade EaD.
Os cursos a distância foram primeiro considerados uma opção educacional válida pela
já mencionada LDB de 1996, que definiu diretrizes para a EaD em todos níveis de ensino -
ainda que naquele contexto ela fosse voltada principalmente para a educação de adultos
(BARROS et al., 2010, p. 15). Depois, em 2005, temos a criação da Universidade Aberta do
Brasil, um programa voltado para a capacitação de professores da educação básica via EaD
inspirado na iniciativa da Open University no Reino Unido dos anos 1970 (BARROS et al.,
2010, p. 16). No contexto da UAB, universidades federais tornaram-se autorizadas a
oferecerem cursos superiores a distância. O objetivo da política ao ampliar as vagas em
modalidade EaD era o de democratizar o ensino superior, oferecendo cursos para camadas da
população que tinham o acesso dificultado à formação universitária (MENDONÇA et al.,
2020).
Em nosso levantamento de trabalhos sobre evasão, notamos que aqueles dedicados
especificamente à evasão em cursos de ensino a distância, tanto no setor público quanto no
61
setor privado, só começaram a aparecer depois de 2005 e se tornaram mais numerosos desde
então, chegando a tornar-se um dos temas mais pesquisados (MACIEL, CUNHA JUNIOR e
LIMA, 2019, p. 15). Por um lado, a preocupação com esse fenômeno nos dois setores é de
natureza administrativa, pois mais alunos evadindo implicam recursos investidos sem retorno,
perda de receita e ociosidade de professores, funcionários e equipamentos (BITTENCOURT e
MERCADO, 2014). Por outro, considerando somente a evasão nos cursos das universidades
públicas participantes da UAB, deve-se considerar também a preocupação com a
accountability. Uma política pública que objetive a democratização do ensino superior como a
UAB, ou seja, maior acesso e maior número de matrículas, certamente será avaliada nesse
quesito não apenas pelo número de matrículas, mas também pelo número de evadidos.
De maneira geral, o diagnóstico encontrado por esses trabalhos é o de que a evasão na
modalidade EaD tende a ser maior do que na modalidade presencial. Oliveira e Bittencourt
(2020) consideram uma taxa de evasão para cursos EaD que gira em torno dos 40%, segundo
o Censo EaD da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed).
O que há de particular nesse conjunto de estudos é a busca das causas da evasão
relativas às características específicas dos cursos EaD. Listamos aqui algumas causas
levantadas por Favero (2006), Bittencourt e Mercado (2014) e Branco, Conte e Habowski
(2020):
- Concorrência de estímulos no ambiente doméstico, onde tipicamente o
estudante assiste às aulas dos cursos EaD (filhos, cônjuges, ruídos de toda sorte),
exigindo alta capacidade de organização e concentração para os estudos;
- Dificuldade por parte do estudante de assumir uma postura mais autodidata
presumida nos cursos EaD, uma vez que não há relações cara a cara com os
professores;
- A credibilidade percebida do diploma pode mudar subjetivamente a relação
custo/benefício do “sacrifício” para obtê-lo;
- Falta de motivação no curso pela ausência de interações com colegas e tutores;
- Precariedade do modelo de ensino: conteúdos pré-programados, excesso de
conteúdo e de tarefas, falta de acompanhamento do processo de ensino, tutores
desqualificados e em regime de rotação;
- Falta de “alfabetização” tecnológica, que dificulta o manejo das plataformas de
ensino.
62
Para além da flexibilização legal que permitiu o crescimento da EaD no Brasil desde
1996, Carlotto (2020,p.54) chama atenção ainda para os efeitos recentes da Emenda
Constitucional 95 (popularmente chamada de emenda do “teto de gastos”), da crise do
financiamento do ensino público e da pandemia de COVID-19, que podem impulsionar ainda
mais a expansão do ensino a distância no ensino público. Em razão desse conjunto de fatores,
a modalidade EaD aparece como uma solução de baixo custo operacional, e as restrições de
circulação impostas durante a pandemia podem ter servido de laboratório para a
experimentação e expansão dos cursos online. De fato, a questão da pandemia já começa a
aparecer a partir de 2021 em alguns trabalhos sobre a evasão em cursos a distância, ainda que
de maneira incipiente, pois não há dados robustos ainda que permitam traçar correlações entre
os efeitos da pandemia e a evasão nessa modalidade de ensino (SOSO, 2021).
63
10. Políticas afirmativas a partir dos anos 2000, Lei de Cotas e surgimento do
problema da permanência estudantil
Para além das políticas de assistência já discutidas no contexto do PNAES, devemos
destacar também aquelas criadas em conjunto com políticas afirmativas de reserva de vagas
para estudantes de baixa renda, negros e indígenas a partir dos anos 2000, bem como os estudos
sobre evasão realizados para avaliá-las.
O primeiro programa de reserva de vagas (cotas) no Brasil foi implementado em 2001
pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), deflagrando intenso debate sobre a
efetividade desse tipo de política afirmativa para a democratização do acesso ao ensino
superior. No entanto, mesmo sob intenso debate, diversas outras universidades federais
passaram a adotar algum tipo de política afirmativa para jovens de baixa renda ao longo dos
anos 2000, chegando a 83 instituições em 2010 (GUARNIERI e MELO-SILVA, 2017). Em
2012, a Lei federal de Cotas foi aprovada, determinando a reserva de 50% das vagas de
instituições federais de ensino superior para estudantes de escolas públicas. Desses 50%,
haveria uma reserva de metade das vagas para estudantes negros e indígenas distribuidas de
acordo com a proporção dessas populações em cada estado da federação.
Junto do PROUNI e do Reuni, as políticas afirmativas “associaram expansão à inclusão,
e com isso o aumento do número de vagas foi acompanhado por programas de inclusão e de
permanência nas universidades públicas e por programas de financiamento e bolsas para
ingresso em instituições privadas” (COSTA e PICANÇO, 2020, p.287). Nesse sentido, a
existência de políticas afirmativas na educação superior introduziu uma nova perspectiva nos
debates sobre a evasão. Embora as políticas de cotas por si só priorizassem o acesso de
populações de baixa renda - portanto, sem fazer menção inicialmente ao problema da evasão -
, tendo de fato obtido resultados positivos nesse sentido (LIMA, 2012; SENKEVICS e
MELLO, 2019), logo seguiu-se o diagnóstico de que apenas ampliar o acesso não bastaria para
cumprir o objetivo esperado de democratização do ensino superior: seria preciso implementar
também políticas de permanência. A maneira como a evasão passa a ser pensada nesse contexto
apresenta algumas diferenças importantes em relação à maneira como se discutia a evasão até
então. No âmbito das políticas afirmativas, a evasão aparece mais como um problema da
democratização do ensino superior e redução das desigualdades socioeconômicas da sociedade
brasileira, e menos como problema administrativo acarretando prejuízos em termos de capital
humano. Evidência disso é a maneira como, a despeito das taxas de evasão entre estudantes
cotistas não serem significativamente maiores do que as de estudantes não cotistas - sendo, por
vezes, até menores (GUARNIERI e MELO-SILVA, 2017, p. 189) - as demandas, notadamente
64
pelos movimentos sociais, por políticas de permanência seguiram no debate público e tem se
concretizado na forma de políticas públicas educacionais.
Cardoso (2008), por exemplo, comparando as taxas de evasão de cotistas e não cotistas
de todos os cursos na Universidade de Brasília (UnB) entre 2004 e 2006, encontrou taxas
menores entre os cotistas antes da Lei de Cotas de 2012:
Tabela 4: Taxas de evasão de alunos por coorte e períodos de tempo decorrido desde o ingresso na
UNB entre 2004 e 2005
Tabela 5: Situação dos estudantes ingressantes em 2013/1 (matriculados e evadidos) até 2016/1
Embora com magnitudes distintas, ser homem, ter filhos e trabalhar no momento do ingresso
reduzem as chances de conclusão. Ter índice socioeconômico mais alto aumenta, por sua vez,
66
as chances de conclusão para ambos os grupos, mas a magnitude é maior para os negros. Para
estes, ter frequentado cursinho é também uma variável significante, que aumenta as chances de
conclusão. [...] Com isso, é possível sugerir que negros e brancos são impulsionados para a
conclusão dos cursos não necessariamente por fatores diferentes, mas por pesos diferentes
desses fatores (COSTA e PICANÇO, 2020, p.297).
Portanto, mesmo que as taxas de evasão sejam parecidas entre negros e brancos, as
variáveis que influenciam nas chances de evasão diferem nos dois casos segundo o recorte de
raça e o reconhecimento dessas variáveis pode informar a criação de políticas de assistência -
no caso do estudo de Costa e Picanço, a principal descoberta nesse sentido foi a importância
dos cursinhos pré-vestibulares e das condições socioeconômicas para as chances de conclusão
dos estudantes negros após a Lei de Cotas.
Esses dados levantam uma importante discussão sobre o tema da evasão entre alunos
cotistas. Aqui, o problema da evasão apresenta matizes diferentes daqueles observados no
contexto dos anos 1990. Primeiro, a preocupação com as taxas de evasão e com a especificidade
desse fenômeno entre estudantes cotistas só poderia surgir nos países que de fato
implementaram as cotas como política afirmativa. Como comenta Dietrich (2022), esse não é
o caso dos EUA, onde as políticas de cotas foram declaradas inconstitucionais em 1978 pela
Suprema Corte e proibidas, e onde os processos de admissão de candidatos a universidades são
pouco transparentes. Não havendo cotas, não há também estudantes cotistas e nem a produção
de dados que possibilitem pesquisas acadêmicas sobre o assunto. O debate sobre políticas
afirmativas nos EUA, nesse sentido, esteve mais no âmbito jurídico, buscando determinar ou
não sua constitucionalidade, do que propriamente no âmbito das políticas públicas
(DIETRICH, 2022). A produção teórica sobre evasão vinda dos EUA, portanto e por princípio,
teria pouco a dizer especificamente sobre a evasão dos nossos estudantes cotistas - embora,
obviamente, também não deva ser prontamente descartada, uma vez que ainda oferece
importantes leituras gerais do fenômeno e aponta para a importância de políticas de
permanência. Mas, de fato, menções aos modelos sociológicos da evasão como os de Tinto
ficam menos recorrentes nas discussões sobre a permanência de cotistas e mais atenção é dada
às suas experiências e condições materiais no ensino superior.
Segundo, esse afastamento não se dá apenas em relação a uma produção específica
sobre evasão, mas em relação à concepção mais geral de qual papel o ensino superior deve
assumir no projeto de redução das desigualdades sociais e econômicas. Embora imbuídos em
67
13
Com a ressalva de que a defesa das cotas como forma de ação afirmativa não foi unânime dentro do Movimento
Negro Unificado, por exemplo, e sequer aceita pelo Movimento Negro Socialista (BRITO e FRANCO, 2011).
68
Menos alunos evadindo, nesse sentido, indicaria menor desperdício de recursos públicos ou
privados e maior eficiência administrativa. Depois, a partir dos anos 2000, identificamos como
o problema da evasão foi incorporado na formulação de políticas educacionais para o ensino
superior, como o FIES, o SINAES, o PROUNI, o REUNI, o PNAES e as políticas afirmativas
de reserva de vagas, como a Lei de Cotas.
A postura sociológica que buscamos adotar ao traçar essa história, com base no trabalho
de Remi Lenoir, nos permitiu observar o intenso trabalho social envolvido nas três etapas de
reconhecimento, legitimação e institucionalização do problema da evasão ao longo do período
entre os anos 1990 e os anos 2010. Permitiu-nos também observar que aquilo que é geralmente
tratado como “evidente” nas discussões sobre o tema da evasão, por vezes, mascara importantes
pressupostos e ignora todo esse processo de construção social por parte de diferentes agentes
— Estado, acadêmicos, mídia, movimentos sociais14 — do que deve ser objeto da atenção
pública.
O que aparece ao pesquisador como evidente quando ele se depara com o tema da
evasão: que a evasão é sempre um problema tanto para instituições, pois denunciam sua
ineficiência administrativa e acarretam prejuízos financeiros, quanto para indivíduos, pois
expressão de fracasso pessoal. Mais do que isso, aparece como evidente que a evasão é um
problema que acomete todos os evadidos da mesma forma, pelo mesmo conjunto de causas e
com as mesmas consequências. Como vimos, essa é a perspectiva na qual se inserem os
modelos explicativos da evasão que analisamos no começo deste relatório e que foram tomados
como referencial teórico para os estudos sobre evasão no Brasil. Os modelos de Spady, Tinto
e Bean, embora variem na maneira de ordenar as variáveis explicativas da evasão e lhes
atribuam pesos diferentes, mobilizam basicamente o mesmo conjunto de variáveis. Mais
importante, são em sua maioria variáveis relacionadas à interação entre indivíduo e instituição
— como se nota, por exemplo, na importância dada por Tinto às ideias de comprometimento
institucional e integração acadêmica. Vimos que essa ênfase na instituição está relacionada ao
contexto em que esses modelos foram criados, no interior do campo temático da higher
14
A mídia e os movimentos sociais certamente foram agentes importantes na construção da evasão enquanto um
problema social no Brasil. Embora tenhamos mencionado pontualmente a atuação da mídia na publicação de
rankings institucionais no contexto de competição universitária dos anos 1990, seu papel não foi devidamente
explorado em nossa pesquisa, o que abre uma importante linha de pesquisa futura. Também mencionamos apenas
pontualmente a presença de alguns movimentos sociais nos debates do PNAES e das políticas afirmativas. Um
possível desdobramento desta pesquisa deverá investigar o papel dos diversos movimentos sociais no processo de
reformulação do problema da evasão, como os movimentos estudantis, tanto universitário como secundarista,
negro, indígena, dos sem universidade, PCD, de gênero etc.
69
evasão… ou melhor, a permanência dos estudantes cotistas, sejam eles de baixa renda, negros,
indígenas etc, passa a ser pensada como um caminho para a redução de desigualdades sociais
e econômicas da sociedade brasileira, colocando em questão qual deve ser o papel das
universidades nesse processo. Note-se que o próprio léxico se modifica para formular esse
problema, geralmente substituindo o termo evasão — muito associado à visão administrativa
da instituição — pelo termo permanência — mais associado à perspectiva do aluno que quer
permanecer. Note-se também que, a evidência maior desse afastamento com relação à
concepção administrativa do problema da evasão está num conjunto de dados que demonstra
que as taxas de evasão dos estudantes cotistas, ao contrário do que se imaginava, não são
maiores do que as taxas de evasão de estudantes não cotistas.
Essa reflexão final, ainda pouco desenvolvida, abre muitos caminhos de pesquisa sobre
o tema da evasão. Primeiro, gostaríamos de compreender a dinâmica dessa reformulação do
problema da evasão e o que permite que o debate sobre a permanência avance mesmo diante
da constatação de que não há diferenças significativas nas taxas de evasão. Segundo, identificar
essa reformulação do problema levanta importantes questões sobre os sentidos que a evasão
pode assumir em diferentes contextos para diferentes perfis de estudantes. Assim como as
causas da evasão variam muito na comparação entre estudantes cotistas e não cotistas ou
brancos e negros, é justo assumir que evadir também pode significar coisas muito diferentes e
apresentar consequências diversas para cada grupo de estudantes a depender de sua condição
social e econômica. Por fim, devemos reconhecer como uma limitação deste relatório nosso
enfoque quase exclusivo na dimensão acadêmica da formulação do problema da evasão,
negligenciando outros agentes importantes nesse processo. A mídia e os movimentos sociais
certamente foram agentes importantes na construção da evasão enquanto um problema social
no Brasil. Embora tenhamos mencionado pontualmente a atuação da mídia na publicação de
rankings institucionais no contexto de competição universitária dos anos 1990, seu papel não
foi devidamente explorado em nossa pesquisa, o que abre uma importante linha de pesquisa
futura. Também mencionamos apenas pontualmente a presença de alguns movimentos sociais
nos debates do PNAES e das políticas afirmativas. Um possível desdobramento desta pesquisa
deverá investigar o papel dos diversos movimentos sociais no processo de reformulação do
problema da evasão como permanência, como os movimentos estudantis, tanto universitário
como secundarista, negro, indígena, dos sem universidade, PCD, de gênero etc.
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