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Universidade de São Paulo

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Curso de Ciências Sociais

RELATÓRIO FINAL
A construção da “evasão” no ensino superior enquanto problema social

Augusto Piccinini

Orientadora: Profa. Dra. Sylvia Gemignani Garcia (DS)

Pesquisa de Iniciação Científica realizada com


bolsa da FFLCH

São Paulo
Abril de 2022
SUMÁRIO

1. Introdução………………………………………………………………………………….2

2. Os modelos explicativos da evasão………………………………………………………...5

2.1. O modelo de Spady ………………………………………………………………….12

2.2. O modelo de Tinto…………………………………………………………………...16

2.3. O modelo de Bean……………………………………………………………………19

3. Uma reconstrução histórica da evasão enquanto problema social no Brasil………………27

4. Trajetória da mercantilização do ensino superior brasileiro………………………………31

5. Primeira onda de expansão do ensino superior pós Reforma de 1968…………………….32

6. Segunda onda de expansão do ensino superior nos anos 1990

e a emergência da avaliação………………………………………………………………35

7. Primeiros estudos sobre evasão nos anos 1990…………………………………………...39

8. Terceira onda de expansão do ensino superior nos anos 2000 e entrada da evasão como

problema nas políticas públicas educacionais…………………………………………….46

9. Expansão do ensino a distância a partir dos anos 2000……………………………………59

10. Políticas afirmativas a partir dos anos 2000, Lei de Cotas e surgimento do problema da

permanência estudantil……………………………………………………………….…..63

11. Considerações finais……………………………………………………………………...67

12. Bibliografia……………………………………………………………………………….73
2

1. Introdução
A pesquisa aqui realizada foi concebida como contribuição específica para o trabalho
“Construindo uma política interdisciplinar de acolhimento dos estudantes cotistas na FFLCH”.
Esse trabalho foi realizado por equipe que integra alunos, professores e funcionários de
diferentes cursos da Unidade, com recursos da Pró-reitoria de Graduação, no âmbito do
programa de Consórcios Acadêmicos para a Excelência do Ensino de Graduação (CAEG) de
2021, sob coordenação da Profa. Sylvia Gemignani Garcia e do Prof. Eduardo Donizeti Girotto
(DG). Entre os objetivos visados em sua proposta, esse trabalho propõe compreender as
principais dificuldades vivenciadas pelos estudantes cotistas na unidade, com foco na relação
com as práticas e condições de estudo, perspectivas profissionais e na questão de saúde mental,
três temas que têm surgido de modo expressivo tanto na literatura especializada quanto nos
dados relativos aos estudantes da FFLCH.
Inicialmente, e conforme expresso no projeto de pesquisa, nossa contribuição específica
para este projeto estaria na investigação do tema da saúde mental e sua relação com a evasão
do ensino superior, com base na hipótese - surgida da observação de professores envolvidos
com os pedidos de retorno ao curso - de que os chamados transtornos mentais estão, atualmente,
entre as principais causas de abandono ou trancamento dos cursos de graduação. O título
original apresentado no projeto era “Mapeamento dos motivos apresentados nos pedidos de
retorno ao curso pelos estudantes que abandonaram ou trancaram os cursos de graduação da
FFLCH (2016-2020)”. Nossa pesquisa consistiria, assim, de um levantamento bibliográfico
sobre a saúde mental universitária, sua relação com a evasão e uma análise dos pedidos de
retorno ao curso de estudantes da FFLCH, com o objetivo de identificar o perfil
socioeconômico, de gênero e étnico-racial desses estudantes, bem como as principais causas
por eles apresentadas para o trancamento / cancelamento da matrícula no período entre 2017 e
2019. A pesquisa seguiu com esse recorte até a metade de sua vigência, período em que tivemos
acesso somente a um número reduzido de pedidos de reingresso (13, somente do curso de
ciências sociais). Realizamos o levantamento bibliográfico e apresentamos duas comunicações,
uma no 6o Congresso de Graduação da USP (2021) e outra no Simpósio Internacional de
Iniciação Científica (SIICUSP 2021), em que expusemos os resultados parciais da pesquisa.
A partir da metade da vigência do projeto, diversos obstáculos se impuseram ao nosso
objetivo inicial, em especial a dificuldade de ampliar a base de dados dos pedidos de reingresso
aos cursos. Impossibilitados de investigar as causas do abandono e trancamento do curso entre
esses estudantes, redefinimos o objeto da pesquisa, deixando de lado o problema da saúde
mental e focando especificamente no problema da evasão.
3

Assim, neste relatório apresentamos o resultado dessa pesquisa redefinida e que


consistiu na investigação do problema da evasão no ensino superior brasileiro. Mais do que
simplesmente fazer um levantamento da literatura em busca das definições e causas desse
fenômeno, nosso objetivo aqui é também o de compreender como a evasão constituiu-se como
um problema social no Brasil. Isso implica investigar as condições históricas, sociais e
econômicas sob as quais esse problema foi primeiro formulado, quem foram os agentes
envolvidos nesse processo, como se deu sua institucionalização e entrada no âmbito das
políticas públicas a nível nacional, e quais transformações ocorreram na maneira de conceber
esse problema. Com isso, queremos problematizar os pressupostos que nortearam a construção
da evasão enquanto problema administrativo - pressupostos, como veremos, relacionados a
uma concepção econômica da educação, nos termos da teoria do capital humano -, partindo da
premissa de que, se a evasão deve ser de fato combatida, qualquer política que procure fazê-lo
deve estar informada desses pressupostos e suas consequências práticas na maneira como o
problema é construído e as soluções são oferecidas.
Nessa investigação, tomaremos como norteador o trabalho de Remi Lenoir (1996),
“Objeto Sociológico e Problema Social”, em que o autor nos oferece uma série de instrumentos
para investigar a maneira como um determinado fenômeno pode ser alçado ao status de
problema social, identificando a história, os agentes, os interesses e os contextos envolvidos no
processo de formulação de um problema. Após o reconhecimento e suspensão das noções pré-
estabelecidas sobre um determinado fenômeno, o sociólogo deve atentar para três processos
fundamentais na formulação de um problema: 1) o seu reconhecimento, ou seja, de que
maneira um fenômeno torna-se digno de atenção e passa a ser reconhecido como um problema
pelo público; 2) sua legitimação, ou seja, de que maneira esse problema já reconhecido torna-
se uma preocupação social e recebe uma formulação pública; e 3) sua institucionalização, ou
seja, de que maneira essa formulação pública do problema se fixa, sobretudo, em textos legais.
Para essa pesquisa, com o objetivo de identificar como se deram esses três processos
na formulação do problema da evasão, realizei a revisão bibliográfica de artigos, dissertações
e teses de dois grupos de assuntos. De um lado, trabalhos sobre o próprio tema da evasão no
ensino superior, publicados no Brasil entre 1989 e 2021. Tratou-se de um levantamento
exaustivo de 465 títulos nas bases SciELO e CAPES, usando o termo “evasão” na busca e
selecionando manualmente os trabalhos pertinentes. De outro lado, consultamos artigos sobre
a história do ensino superior brasileiro, considerando especialmente o período entre o regime
militar e os anos 2010. Trata-se de vasta literatura em constante crescimento, que exigiu
4

recortes mais estritos no âmbito desta investigação. Confrontando esses dois grupos de
trabalhos, procuramos situar as pesquisas sobre evasão historicamente, de acordo com as
mudanças ocorridas na organização do ensino superior em, aproximadamente, cada decênio,
identificando como as ideias que impulsionaram essas mudanças estiveram na base também da
construção da evasão enquanto problema importante da administração universitária.
Num primeiro momento, porém, voltamo-nos para a literatura sobre evasão produzida
nos EUA por dois motivos. Primeiro, a literatura produzida nos EUA inevitavelmente termina
por exercer forte influência sobre aquilo que se produz aqui, fruto de intensos trabalhos de
difusão internacional na América Latina e especificamente no Brasil (CARLOTTO e
GARCIA, 2021). De fato, veremos que os modelos sociológicos explicativos da evasão
produzidos a partir dos anos 1970 nos EUA foram muito utilizados como referencial teórico
para as pesquisas sobre o tema no Brasil. Esses modelos oferecem um importante apanhado de
explicações e causas da evasão que, embora possam ser problematizadas, seguem pertinentes
para o estudo do assunto. Segundo, ao olhar para a maneira como a evasão foi construída
enquanto problema nos EUA conseguimos identificar quais disciplinas estiveram mais
fortemente presentes no debate. A preeminência de uma área temática em especial, a higher
education, dá o tom de como a evasão foi concebida enquanto problema administrativo nas
universidades americanas.
Começamos, assim, com um breve histórico de como a pesquisa sobre evasão no ensino
superior se formou nos EUA e um levantamento das principais teorias e modelos da evasão.
Em especial, para além da higher education, destacaremos o papel de sociólogos que, a partir
dos anos 1970, foram convocados a produzir modelos explicativos da evasão cada vez mais
sofisticados. Esses modelos eventualmente tornaram-se paradigmáticos nessa discussão, em
especial os modelos de William Spady, Vincent Tinto e John Bean. Faremos, então, uma breve
descrição dos modelos desses três autores, identificando as principais variáveis da evasão e as
mudanças incrementais pelas quais cada um deles passou ao longo dos anos, tornando-se cada
vez mais complexos.
Com esse cenário da produção teórica americana em mente, movemo-nos para o
problema da evasão no Brasil. Para entender como esse problema foi formulado aqui, traçamos
uma trajetória da pesquisa sobre o tema da evasão em paralelo com a história de algumas das
principais mudanças ocorridas no ensino superior desde a reforma universitária de 1968,
durante o regime militar. Daremos especial ênfase aos anos 1990, momento chave da expansão
e reorganização do ensino superior brasileiro com base em princípios neoliberais de gestão,
competição e avaliação — em um movimento que também pode ser caracterizado por sua
5

orientação em direção à mercantilização da educação. Como veremos, a preocupação com a


evasão ocupa lugar proeminente no debate em torno dessas ideias e, de fato, os primeiros
estudos acadêmicos sobre o assunto surgiram nessa década. E, além do interesse dentro das
universidades, também o próprio governo e Ministério da Educação começaram a se atentar
para o problema
Em seguida, olharemos para os anos 2000, momento em que uma série de políticas
públicas para a democratização do acesso e permanência no ensino superior foram criadas,
como o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), o Programa Universidade para Todos
(PROUNI), o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais (REUNI) e o Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). Analisando os
textos de cada uma dessas políticas, notaremos como progressivamente a evasão foi se
inserindo no rol de preocupações de seus formuladores. Também analisaremos duas
importantes mudanças no ensino superior ocorridas nessa década e na década de 2010 que
impulsionaram uma série de novos estudos sobre a evasão: a expansão do ensino a distância e
as políticas afirmativas para estudantes oriundos do ensino médio público, de baixa renda,
negros e indígenas.

2. Os modelos explicativos da evasão


Segundo Berger, Ramirez e Lyons (2012), a pesquisa sobre evasão e retenção no ensino
superior começou nos anos 1930 nos EUA. No entanto, foi a partir da década de 1970 que, de
fato, a pesquisa em evasão ganhou corpo, em especial pela contribuição de sociólogos ao
assunto. São dessa época inicial os principais modelos que descreveremos aqui: o de William
Spady (1971), o de Vincent Tinto (1975) e o de John Bean (1980), todos os três produzidos a
partir do campo da sociologia1.

1
Nosso interesse aqui não está em enquadrar esses pesquisadores em alguma disciplina, mas em identificar quais
disciplinas estiveram envolvidas e tomaram a frente nas discussões sobre a evasão nos EUA. Os três pesquisadores
mencionados - Spady, Tinto e Bean - mobilizaram certa literatura clássica da sociologia, em especial a obra de
Durkheim, para construir seus modelos explicativos da evasão. Por isso, eles são frequentemente reconhecidos
pelos seus interlocutores como sociólogos da educação — ou reconhecem-se enquanto tais — , embora não
necessariamente eles tenham se formado nessa disciplina desde o início de suas jornadas acadêmicas. Vincent
Tinto, por exemplo, fez bacharelado e mestrado em física, e o doutorado no departamento de educação da
Universidade de Chicago, quando voltou-se para as disciplinas de educação e sociologia. Entre 1999 e 2006,
lecionou na faculdade de educação e foi diretor do programa de higher education da Universidade de Syracuse
(VINCE Tinto). Esse tipo de trajetória ilustra como o surgimento de novas linhas de pesquisa e o deslocamento
de pesquisadores de outras áreas para essas novas linhas ocorre simultaneamente ao processo de formulação de
novos problemas sociais - processo que descrevemos adiante.
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Berger, Ramirez e Lyons (2012) oferecem um histórico da pesquisa sobre retenção no


ensino superior nos EUA desde sua época colonial, relacionando as características das
instituições e do corpo discente em cada época com o tipo equivalente de concepção de
retenção. Nesse movimento, os autores observam que, conforme cresciam, expandiam-se e
diversificam-se as instituições de ensino superior, crescia também o interesse no tema da
retenção.
Até o começo do século XX, o ensino superior era pequeno, elitizado, reservado aos
homens e a obtenção de um diploma possuía pouca valia para as elites nacionais. Nesse
momento, portanto, a evasão não era concebida como um problema. Já na primeira metade do
século XX, quando o número de matrículas passou a crescer mais do que a capacidade de oferta
das instituições para responder às demandas por profissionais de uma sociedade cada vez mais
urbanizada e industrializada, a evasão era concebida como algo natural e até desejável.
Conforme o diploma de ensino superior tornava-se mais importante para a vida profissional
dos cidadãos, mais as instituições viam um certo nível de desgaste e competição entre os
estudantes como um indicador de sucesso, sendo natural que alguns estudantes não chegassem
ao final do curso. A maioria das instituições estava mais preocupada em atrair estudantes do
que em retê-los. Um interesse incipiente no tema da evasão surgiu nesse momento, porém,
apenas para ser colocado em suspenso pela grande depressão dos anos 1930 e pelas duas
guerras mundiais (BERGER, RAMIREZ, LYONS, 2012, p.19).
Os modelos de evasão aqui destacados surgiram na década de 1970 e ancoram-se em
pesquisas feitas desde o pós-guerra nos EUA. O ensino superior americano passou por um forte
processo de expansão nos anos 1950, impulsionado por investimentos estatais. Essa expansão
é correlata ao diagnóstico da crescente importância do diploma de nível superior para a vida
profissional dos estudantes, o que tornava os temas da persistência e da retenção 2 estudantil
cada vez mais latentes para as instituições de ensino. No final dos anos 1950 e durante os anos
1960, então, surgiram os primeiros estudos sistemáticos sobre a evasão, focados na
identificação de padrões de fracasso acadêmico e nas características individuais dos estudantes
— daí o uso de termos como persistência estudantil. Esses estudos foram realizados, em sua

2
Na literatura sobre o assunto, encontramos o uso de quatro termos diferentes para se referir ao mesmo fenômeno:
persistência [persistence], retenção [retention] e evasão [dropout]. Nessa literatura dos EUA anterior aos anos
1970, a prevalência do uso do termo persistência está relacionada à maneira como, até então, pensava-se na evasão
em relação à vocação e traços de personalidade dos estudantes, sendo a capacidade de persistência um atributo
individual. Com relação ao termo retenção, deve-se atentar para dois sentidos diferentes que ele pode assumir.
Nessa literatura dos EUA, por vezes ele aparece com o sentido de reter estudantes no ensino superior, ou seja,
impedir sua evasão. Em alguns trabalhos brasileiros sobre o assunto, o termo refere-se ao estudante que fica por
mais tempo do que o desejável no seu curso, portanto retido.
7

maioria, por pesquisadores das áreas da administração, da educação, da psicologia e da higher


education de diversas instituições do país, alguns deles publicados como artigos, outros
publicados como relatórios a pedido de órgãos governamentais dos EUA. Toda essa produção
serviu de base para os modelos que viriam a ser desenvolvidos na década de 1970 (BERGER,
RAMIREZ, LYONS, 2012).
O primeiro grande modelo de evasão foi o de William Spady, que teve como mérito
não apenas sistematizar parte da produção anterior sobre o tema nos EUA, mas também
introduzir uma nova perspectiva sociológica para o problema da evasão com base na “teoria do
suicídio” de Émile Durkheim3. Como veremos, a maioria dos modelos que se seguiram
tomaram o modelo de Spady como ponto de partida para pensar a evasão como produto da
interação entre indivíduos e instituições. Desses modelos, o mais conhecido e mais citado é o
de Vincent Tinto, produzido também na década de 1970. Descreveremos também um terceiro
modelo, o de John Bean, publicado em 1980. Esse modelo foi bastante revisado e testado
posteriormente por diversos autores e, na literatura, frequentemente aparece como um
contraponto ao modelo de Tinto por propor uma explicação da evasão menos baseada na
integração de estudantes e mais nos modelos de retenção de trabalhadores (CABRERA et al.,
1992; TIGHT, 2019).
Em suma, é na década de 1970 que esses pesquisadores do campo da sociologia
começaram a teorizar sobre a evasão no ensino superior — algo que, naquele momento, já se
consolidava enquanto um problema para a administração universitária. Seus estudos foram
feitos no interior das instituições de ensino e, em alguns casos, por elas requisitados4. Cabe
indagar, nesse ponto, por que a sociologia especificamente foi convocada para o campo das
discussões sobre evasão. Se olharmos para a produção sobre evasão antes de 1970, veremos
que o estudo da evasão foi pontual dentro de algumas instituições nos EUA e realizado pelos

3
Veremos adiante, ao descrever os modelos de Spady, Tinto e Bean, que esses autores tomam a obra O Suicídio
de Durkheim como um referencial teórico importante, especialmente nos dois primeiros modelos. Por vezes, os
autores usam a expressão teoria do suicídio para se referirem às ideias de Durkheim, embora o façam de maneira
bem pouco rigorosa, reduzindo o pensamento de Durkheim a uma simples teoria para explicar a capacidade ou
incapacidade do indivíduo de se integrar a uma coletividade. Não há como discutir aqui a especificidade dessa
leitura da obra de Durkheim, mas devemos ter em mente que se trata de uma leitura própria de certa parte da
sociologia americana do pós-guerra.

4
Tinto, em um seminário virtual realizado em 2021, conta como o tema da evasão chegou até ele durante seu
doutorado na Universidade de Chicago no final dos anos 1960. Na ocasião, o diretor do escritório de planejamento,
orçamento e avaliação da universidade procurou o orientador de Tinto em busca de estudantes que pudessem
escrever um relatório sobre a evasão naquela instituição, oferecendo uma pequena bolsa para o projeto, a qual
Tinto aceitou e iniciou assim a pesquisa que perseguiria pelo resto da vida. Esse episódio ilustra os interesses e os
esforços institucionais de construção da evasão enquanto um problema e como linha de pesquisa. O seminário foi
realizado em 2021 pelo laboratório de inovação em educação da Western Governors University, uma universidade
americana, privada e online. Disponível em: https://youtu.be/FM4xqzRMfRE <Acesso em: 21/02/2022>
8

próprios membros de comissões e departamentos dentro das instituições, em sua maioria de


formação em administração ou atuando na área temática da higher education (ver KNOELL,
1966; MARSH, 1966; PANOS e ASTIN, 1967; MEDSKER e TRENT, 1968). Contudo, a
perspectiva disciplinar dominante dos estudos sobre evasão até então era a psicológica (ver
NELSON, 1966; MOCK e YONGE, 1969), como recorda Tinto:

Quando a questão da retenção estudantil apareceu pela primeira vez no radar da


educação superior há cerca de 40 anos, o desgaste estudantil era tipicamente visto pelas
lentes da psicologia. A retenção de estudantes - ou a falta de retenção - era vista como
o reflexo de atributos, habilidades e motivações individuais. Estudantes falham;
instituições, não. Isso é o que nós hoje chamamos de ‘culpar a vítima’. Essa visão da
retenção começou a mudar nos anos 1970. Como parte de uma mudança mais ampla
na maneira como nós compreendemos a relação entre indivíduos e sociedade, nossa
visão da retenção estudantil mudou para dar conta do papel do ambiente,
particularmente da instituição, nas decisões do estudante de permanecer ou abandonar
(TINTO, 2006, p.2, tradução nossa).

Podemos então imaginar algumas explicações para a entrada da sociologia nos estudos
sobre evasão em oposição à psicologia. Primeiro, como Tinto sugere, é possível que a
predileção pela sociologia estivesse relacionada à intuição de que ela estaria mais apta a
reconhecer os determinantes da evasão na relação entre indivíduo e coletividade dentro da
instituição universitária. Se o tema da evasão fosse delegado somente à psicologia, talvez as
reflexões e os modelos propostos não colocassem a instituição no centro da investigação (como
farão os sociólogos Spady, Tinto e Bean), mas sim a orientação vocacional e características
individuais externas à e fora do âmbito de controle institucional. Por serem modelos
encomendados e criados para auxiliar a administração universitária, seria fundamental que a
instituição estivesse no centro desses modelos. Segundo, talvez a sociologia acadêmica norte-
americana, definindo uma orientação marcadamente empírica, tal como exemplarmente
corporificada por Paul Lazarsfeld (POLLAK, 2018), aparecesse como mais adequada para
produzir e analisar dados para, a partir deles, construir modelos explicativos e preditivos,
aplicáveis à administração.
Embora os modelos sociológicos de Spady, Tinto e Bean sejam os mais influentes e
citados na literatura nacional e internacional, da década de 1970 em diante muitos outros
modelos foram produzidos sob diferentes perspectivas, nem todas sociológicas. Costa e
Gouveia (2018, p.164) levantaram vinte e três modelos explicativos da evasão elaborados
segundo as perspectivas por eles categorizadas como psicológica, sociológica, econômica,
9

organizacional, interacional, e modelos que combinam duas ou mais perspectivas5.


Apresentamos abaixo uma versão nossa do quadro elaborado pelos autores, modificada no
seguinte ponto. Os autores propuseram uma categorização dos modelos de acordo com a
perspectiva por eles identificada, mas os critérios usados para distinguir essas perspectivas são
pouco claros e questionáveis (por exemplo, o que distingue exatamente as perspectivas
interacional e sociológica?). Interessa-nos aqui conhecer as disciplinas a partir das quais esses
modelos foram propostos a fim de entender quais disciplinas conseguiram tomar a frente do
debate sobre o tema da evasão desde os anos 1970. Por isso, acrescentamos uma coluna
referente aos campos disciplinares em que os autores de cada modelo se inserem. Essas não
necessariamente coincidem com a categorização proposta por Costa e Gouveia - por exemplo,
embora o modelo de Pascarella tenha sido caracterizado como uma abordagem psicológica, o
autor segue a linha de pesquisa em higher education, mais próximo, portanto, das áreas da
administração e das políticas educacionais.

Quadro 1: Modelos explicativos da evasão

Perspectiva Psicológica

Autor(es) Disciplina/Área temática do(s) Modelo


autor(es)

Pascarella (1980) Higher Education Modelo conceitual de pesquisa


sobre contato informal entre
estudantes e professores

Bean e Metzner (1985) Educação, psicologia Modelo de desgaste do


estudante não tradicional

Hurtado e Higher education, sociologia da Modelo do Sentimento de


Carter (1997) educação Pertencimento

Astin (1984) Higher education Modelo entrada-ambiente-


resultado
(I-E-O)

Padilla (1999) Educação Modelo de Expertise dos

5
“A perspectiva psicológica se concentra nos atributos da personalidade do indivíduo. Em contrapartida, a
perspectiva sociológica não se concentra no individual, mas sim nas forças sociais que são externas à instituição
educacional como status social, raça e prestígio. A perspectiva econômica se concentra no financiamento
individual que afeta a retenção de estudantes. A perspectiva organizacional está em causa com o impacto de fatores
organizacionais, como estrutura burocrática, tamanho e proporção de estudantes. A perspectiva interacional se
concentra na influência da interação de indivíduos e fatores ambientais na retenção de estudantes. A perspectiva
complementar ou integrativa compreende múltiplas perspectivas (sociológicas, econômicas, organizacionais e
psicológicas)” (COSTA e GOUVEIA, 2018, p.163).
10

Estudantes bem-sucedidos

Bean e Eaton (2000) Educação Modelo psicológico de retenção do


estudante universitário

Perspectiva Sociológica

Autor Disciplina do(s) autor(es) Modelo

Spady (1970, 1971) Sociologia Modelo sociológico de


permanência

Cabrera et al. (1992) Administração e educação Modelo integrado de


permanência

Nora, Barlow e Crisp (2005) Higher education Modelo do Comprometimento


Estudante-Instituição depois do
primeiro ano

Swail (2004) Educação Modelo geométrico da


perseverança estudantil

Seidman (2005) Higher education Modelo de Sucesso do Estudante

Perspectiva Econômica

Autor Disciplina do(s) autor(es) Modelo

Cabrera, Stampen e Hansen (1990) Administração, higher education, Modelo de capacidade de


economia pagamento

St. John, Paulsen e Starkey Educação, higher education Modelo Nexus escolha da
(1996) faculdade – persistência

Perspectiva Organizacional
Autor Disciplina do(s) autor(es) Modelo

Brown e Kayser (1982) Não encontrado Modelo de ajuste educacional

Billson e Terry (1987) Sociologia Modelo do apoio institucional

Perspectiva Interacional

Autor Disciplina do(s) autor(es) Modelo

Tinto (1975) Sociologia Modelo de Integração do


Estudante
11

Bean (1980) Educação Modelo de desgaste do estudante

Tinto (1993) Educação, Sociologia Modelo longitudinal do


abandono institucional

MacKinnon- Higher education Modelo de desgaste de


Slaney (1994) estudantes adultos

Tinto (1997) Educação, Sociologia Modelo de salas de aula,


aprendizagem e permanência

Perspectiva Complementar ou Integrativa


Autor Disciplina do(s) autor(es) Modelo

Bean (1990) Educação Modelo de desgaste longitudinal


do estudante

Braxton,Hirschy e McClendon Higher education, educação Modelo Conceitual do abandono


(2004) do estudante em IES de Tempo
Parcial

Fonte: Costa e Gouveia, 2018, p.164.

Nota-se que muitos dos autores aqui citados atuam dentro da higher education. Embora
exista um debate preocupado em definir se a higher education seria um campo temático
interdisciplinar ou uma disciplina (TIGHT, 2020), basta para nós reconhecer apenas algumas
características gerais dessa linha de pesquisa para melhor situar esses autores. A origem da
higher education enquanto campo de estudo remonta ao começo do século XX, e a criação de
centros de pesquisa e institutos de higher education dentro das universidades - bem como a
criação de revistas acadêmicas sobre o assunto - esteve diretamente ligada à crescente
competitividade do mercado educacional nos EUA e outros países desenvolvidos (CHAN,
2019). Nesse ambiente de competição, a higher education voltou-se para o estudo das técnicas
administrativas e das finanças universitárias, sempre acompanhadas da coleta e análise de
dados, com a finalidade de aumentar sua eficiência no uso de recursos, gerenciamento de
matrículas e implementação de políticas educacionais (CHAN, 2019). Por esse motivo alguns
autores tendem a considerar a higher education como um campo de estudo interdisciplinar,
mobilizando teorias de diversas disciplinas como “academic literacies (da linguística aplicada),
teoria da atividade (da psicologia), capital humano (da economia), diversidade institucional
(das ciências biológicas) e gerencialismo (da administração)” (TIGHT, 2020, p. 422). É
12

esperado, portanto, que a evasão figure como uma preocupação central da higher education,
pois trata-se de um dos fenômenos mais prejudiciais às finanças de uma instituição de ensino
superior paga.
Com esse panorama em mente, olhemos agora para alguns modelos geralmente
considerados mais importantes entre os estudiosos da evasão, detalhando suas premissas,
proposições e eventuais problemas.

2.1. O modelo de Spady


Como já mencionado, o modelo explicativo da evasão proposto por Spady (1970) é
geralmente considerado o primeiro esforço de teorização mais amplo e sistemático sobre o
assunto. O ponto de partida para a construção desse modelo foi uma enorme revisão
bibliográfica realizada por Spady da produção sobre evasão e retenção nos EUA desde o final
da década de 1950.
No começo do seu artigo de 1970, Spady dedica-se às dificuldades de definição e estudo
da evasão. Por um lado, há a definição de evasão como a simples saída de uma instituição
específica; por outro, há a definição de evasão como o não recebimento do diploma de qualquer
faculdade. Tanto uma como outra esbarram em duas dificuldades: a possibilidade de
transferência entre instituições e de trancamento de matrículas, que juntas seriam as maiores
causas de erros em estudos sobre evasão. Essas diversas formas de conceber a evasão, diante
da complexidade das possibilidades de percursos estudantis, sempre acabam induzindo a algum
tipo de erro. Spady, em seu levantamento, observou que cada estudo da década de 1960
utilizava critérios diferentes para definir evasão, o que tornava os resultados pouco
comparáveis entre si. Justificando seu esforço, Spady argumenta que seu modelo tenta
introduzir um pouco mais de sistematicidade nesse campo de estudos.
Após reflexões sobre a definição de evasão, o que se segue é uma compilação de um
conjunto de possíveis fatores de evasão extraídos dos estudos anteriores realizados nos EUA.
Desses estudos, Spady levanta como variáveis:
- as condições socioeconômicas do estudante (medida pela escolaridade do pai);
- a inteligência (medida em QI);
- o cosmopolitismo (filiação religiosa e origem geográfica dos pais);
- o nível de preparo acadêmico (notas de exames do ensino médio);
- o local de residência (rural, cidade pequena, república estudantil etc.);
- os valores e relacionamentos familiares (tensões domésticas, padrões de superproteção
parental, rigidez disciplinar em casa etc.);
13

- as aspirações e expectativas com relação à educação superior;


- o gênero;
- a maturidade (motivação, independência, flexibilidade, envolvimento, autocontrole,
confiança, responsabilidade e racionalidade);
- os tipos de relações interpessoais e hábitos de socialização;
- a participação em atividades extracurriculares no campus.

Essas variáveis todas seriam então condensadas em um número menor dentro do


modelo. A premissa básica do modelo de Spady é a de que a evasão pode ser explicada a partir
da:
interação entre o estudante individual e seu ambiente universitário no qual seus atributos (isto é,
disposições, interesses, atitudes e habilidades) são expostos a influências, expectativas e demandas de
variadas fontes (incluindo cursos, professores, administradores e colegas) (SPADY, 1970, p.77).

O ambiente universitário, por sua vez, é dividido por Spady em dois sistemas, um
acadêmico e um social, cada qual exercendo pressões sobre os estudantes e oferecendo formas
de recompensa distintas. Do lado do sistema acadêmico, as notas [grades] configuram a
principal recompensa pela conformação às exigências institucionais, seguida do
desenvolvimento intelectual do estudante. Já do lado do sistema social, sucesso e recompensa
se manifestam, primeiro, no que Spady chama de congruência normativa - isto é, “atitudes,
interesses e disposições de personalidade que são basicamente compatíveis com os atributos e
influências do ambiente” (SPADY, 1970, p.77) - e, segundo, em formas de amizade e de
suporte entre colegas. Nesse ponto, Spady aproxima seu modelo da teoria do suicídio de
Durkheim. Segundo o autor, a falta de congruência normativa e de amizades de suporte teria
forte influência nas chances de evasão de maneira análoga à forma como a falta de consciência
moral e de filiação coletiva teria forte influência nas chances de suicídio, na teoria de
Durkheim. Evasão e suicídio, portanto, são aqui concebidos como eventos de mesma natureza,
mas de ordens diferentes, nos quais o indivíduo não está integrado adequadamente ao seu meio
social ou sente-se incompatível com ele, rejeitando-o.
14

Figura 1: Primeira versão do modelo sociológico da evasão de Spady

Fonte: Spady, 1970, p.79.

Com base nessas premissas, Spady constrói um modelo com sete variáveis
independentes organizadas sequencialmente segundo uma relação causal presumida entre elas:
trajetória familiar, potencial acadêmico, congruência normativa, performance acadêmica,
desenvolvimento intelectual, suporte de amigos e integração social. Entre a integração social e
a decisão pela evasão, porém, há ainda duas variáveis intermitentes: satisfação e
comprometimento institucional. De maneira geral, portanto, o modelo nos diz que o sucesso
nos âmbitos acadêmico e social produzem maior integração social que, por sua vez, produz
satisfação do aluno com a experiência estudantil e, em seguida, produz no aluno
comprometimento com a instituição. O comprometimento com a instituição seria, portanto, o
elo final com a decisão pela evasão, inaugurando uma linha de investigação sobre evasão
centrada na instituição, que será seguida pelos outros modelos aqui mencionados, de Tinto e
de Bean.
No ano seguinte, Spady publicou um segundo artigo (1971), desta vez avaliando
empiricamente seu modelo. O autor realizou um estudo longitudinal com dados coletados em
1965 de 683 estudantes de primeiro ano da Universidade de Chicago. A principal mudança em
relação ao primeiro modelo, evidenciada pela multiplicação de setas na figura, foi a
relativização da sequência causal assumida entre as variáveis, que revelaram empiricamente
uma relação muito mais complexa entre si. Além disso, a análise estatística dos dados também
15

revelou diferenças significativas entre homens e mulheres, com variáveis influenciando em


diferentes graus as demais variáveis para cada gênero.

Figura 2: Segunda versão do modelo de evasão de Spady

Fonte: Spady, 1971, p.58.

Entre os resultados empíricos considerados mais importantes por Spady neste artigo,
destaca-se a importância do suporte de amigos para a permanência, mas também de outras
relações dentro do campus, em especial com os professores. O desenvolvimento intelectual
percebido pelo estudante, importante variável da retenção por ser uma das formas de
recompensa dentro do sistema acadêmico no modelo de Spady, estaria mais associado ao
contato com professores do que com os colegas e teria quase nenhuma relação com as
capacidades intelectuais prévias ou com a performance no ensino médio do estudante. Pelo
contrário, seria mais importante para o desenvolvimento intelectual uma orientação inicial e
oportunidades de contato com professores e estudantes engajados em atividades
extracurriculares (SPADY, 1971, p. 59). Outro resultado está na constatação da influência que
integração institucional tem para a evasão de homens e mulheres. Ao contrário do que foi
observado entre os homens, entre as estudantes mulheres, notas, desenvolvimento intelectual e
contato com professores não apresentaram correlação significativa com o processo de
integração, relativizando a hipótese de que a integração seria determinante para o sucesso no
ensino superior. Por fim, Spady faz algumas considerações específicas ao contexto de seu
16

estudo na Universidade de Chicago, reconhecendo o papel da reputação que uma instituição de


alto nível pode ter na retenção de estudantes, bem como a tendência da persistência tornar-se
mais associada à habilidade do estudante de adaptar-se às elevadas exigências acadêmicas da
universidade (SPADY, 1971, p. 61).

2.2. O modelo de Tinto


A primeira versão do modelo de Tinto apareceu em um relatório escrito por ele e Cullen
(1973) e comissionado pelo Escritório de Educação dos EUA. Nesse relatório, os autores
sintetizam a literatura sobre evasão produzida até então, discutem as definições possíveis do
termo, levantam dados de evasão em diversas universidades dos EUA e oferecem um modelo
explicativo da evasão. Apesar de ser uma versão ainda incipiente do modelo, já apresentava as
principais características que acompanhariam o modelo em todas suas revisões subsequentes,
como veremos: o uso da teoria do suicídio de Durkheim por influência de Spady e a importância
dada às variáveis de comprometimento institucional e comprometimento com o objetivo.

Figura 3: Primeira versão do modelo explicativo da evasão de Tinto e Cullen (1973)

Fonte: Tinto e Cullen, 1973, p. 42.

Uma primeira revisão do modelo ocorreu dois anos depois, sendo essa nova versão a
mais frequentemente citada e utilizada em estudos sobre evasão (TINTO, 1975). Em seu artigo
de 1975, Tinto esclarece todas as variáveis contidas no modelo e as suas bases teóricas, sendo
a única diferença importante entre seu modelo e o de Spady a inclusão do comprometimento
institucional no início da sequência de variáveis. Partindo das reflexões de Spady, Tinto
17

construiu seu modelo com base em dois esquemas teóricos. Primeiro, “a teoria do suicídio” de
Dukrheim; segundo, a análise das escolhas individuais segundo a noção de custo-benefício.
No caso da teoria de Durkheim, a analogia entre a integração à vida acadêmica e à vida
social é exatamente a mesma daquela suposta pelo modelo de Spady. Supõe-se que as
condições sociais que levam ao suicídio se assemelham às condições que levam à evasão: falta
de integração e regulação moral ou falta de vínculos com os demais membros da coletividade.
Também Tinto considera o ambiente universitário como composto por dois sistemas distintos,
um acadêmico e um social. A falta de integração acadêmica estaria mais relacionada a alguns
tipos de evasão forçada, por reprovação ou pela quebra de regras (greves, roubo de provas
etc.), enquanto a falta de integração social estaria mais relacionada ao que Tinto chama de
evasão voluntária - quando opta-se por evadir pela falta de congruência normativa entre o
indivíduo, o clima intelectual da universidade e o clima social do ambiente universitário, ligado
às interações com os colegas.
Quanto à noção de custo-benefício para explicar a escolha individual, Tinto justifica
sua inclusão no modelo para lidar com a falta de considerações sobre os indivíduos e seus
atributos psicológicos na teoria de Durkheim. Essas características psicológicas individuais se
expressam na ideia de comprometimento, que pode ser em relação à educação superior
(expectativas dos indivíduos quanto ao papel da educação no seu desenvolvimento e foco no
objetivo de se formar em um curso) ou em relação à instituição (disposição dos indivíduos em
relação a uma instituição de ensino específica). Juntas, essas formas de comprometimento
seriam as variáveis mais importantes para entender e prever a integração estudantil e, por
conseguinte, as chances de evasão. Resumidamente, o modelo postula que quanto mais baixos
os níveis de comprometimento, maiores serão as chances de evasão. As diferentes proporções
entre os dois tipos de comprometimento podem levar a tipos diferentes de evasão: por exemplo,
um alto comprometimento com o objetivo de se formar, mas baixo comprometimento
institucional, pode levar à transferência entre instituições. Além disso, um nível de
comprometimento inicial baixo (quando o aluno chega à universidade) pode ser revertido
durante a experiência acadêmica, sendo a integração acadêmica, portanto, o aspecto mais
importante para explicar a decisão de evasão. Em suma, a experiência universitária é uma
constante reavaliação desses comprometimentos por parte do aluno, e nessa reavaliação ele
decide a todo momento por permanecer ou evadir da universidade de acordo com os custos e
benefícios percebidos.
18

Figura 4: Modelo explicativo da evasão de Tinto (1975)

Fonte: Tinto, 1975, p. 95.

Como se nota, a instituição e o que acontece dentro dela está no centro desse modelo.
Tinto dá alguma atenção a fatores externos à universidade que podem influenciar a decisão de
evadir, mas argumenta que mesmo esses fatores vão incidir no comportamento do estudante
dentro da universidade (possivelmente diminuindo sua integração) e na sua reavaliação do
comprometimento com seus objetivos e com a instituição.
Em 1997, Tinto realizou outra revisão do modelo. Desta vez, a reflexão volta-se
especialmente para a experiência estudantil dentro das salas de aula e demais espaços
comunitários dentro dos campi, entendendo esses espaços como aqueles em que os ambientes
acadêmico e social do modelo se cruzam, pois ali os estudantes estão em relação com os
colegas, com os professores e com o currículo. Nesse sentido, a experiência dentro da sala de
aula seria também central para compreender o fenômeno da evasão e, consequentemente,
intervenções na maneira como as classes se estruturam e como as aulas são dadas poderiam
ajudar a aumentar as taxas de retenção - especialmente em contextos em que o envolvimento é
mais difícil, como entre estudantes que trabalham e/ou moram longe do campus. Em suma, a
tese defendida por Tinto é a de que:

Quanto mais os estudantes estão envolvidos acadêmica e socialmente com a


experiência compartilhada do aprendizado que os conecta, enquanto alunos, com seus
colegas, mais provável que eles se tornem mais envolvidos com seu próprio
aprendizado e invistam o tempo e a energia necessários ao aprendizado (TINTO, 1997,
p.615).
19

Posto de outra forma, é fundamental aos estudantes que sintam que estão aprendendo,
mas também que formem laços de amizade no ambiente universitário por meio da própria
experiência de aprendizado, pois assim aumenta sua persistência. Por isso, Tinto inclui no seu
modelo anterior novas variáveis relativas às relações formadas dentro das salas de aulas e
demais espaços comunitários dentro das universidades, como laboratórios e estúdios, e uma
nova variável relativa ao aprendizado.

Figura 5: Modelo da evasão correlacionada às salas de aula, aprendizado e persistência de Tinto (1997)

Fonte: Tinto, 1997, p. 615.

2.3. O modelo de Bean


Em resposta às primeiras versões dos dois modelos anteriores, John Bean propôs em
1978 um outro modelo explicativo da evasão, dessa vez ancorado em pesquisas sobre a saída
de funcionários de empresas (work turnaround), e não na “teoria do suicídio” de Durkheim.
Segundo Bean, haveria uma analogia entre os dois fenômenos, pois funcionários e estudantes
abandonariam suas respectivas instituições por motivos similares. Além disso, Bean argumenta
que seu modelo seria mais apropriado para investigações do tipo path analysis, forma de
regressão estatística usada para avaliar a causalidade entre variáveis dependentes.
20

Em uma das primeiras construções do modelo (BEAN, 1980), considerava-se 28


variáveis organizadas em quatro categorias:
1) Background variables: variáveis relativas a elementos extrínsecos e anteriores ao
ingresso na universidade;
2) Determinantes organizacionais: variáveis relativas à experiência universitária;
3) Variáveis intermediárias: nível geral de satisfação do estudante com os estudos e com
a instituição e nível de compromisso com a instituição;
4) Variável dependente, a chance de evasão.
Juntas, as três primeiras categorias de variáveis se reforçam positiva ou negativamente,
fazendo aumentar ou diminuir a chance de evasão do estudante. Cabe notar também que o
modelo busca explicar a evasão de instituições específicas, e não do ensino superior em geral,
fazendo pesar assim o número de variáveis relativas às características institucionais e à
experiência do estudante dentro da instituição, como a rotina estudantil, relacionamento com
funcionários e orientadores, participação em organizações no campus, oportunidade de
trabalho dentro do campus etc.
21

Figura 6: Primeiro modelo explicativo da evasão de Bean (1980)

Fonte: Bean, 1980, p. 158.

Bean testou, então, esse modelo com um grupo de estudantes de primeiro ano de uma
universidade do centro-oeste dos EUA em 1977. Foram coletadas 1195 respostas a um
questionário de 107 perguntas. Essa amostra foi reduzida para 907 (366 homens e 541
mulheres), selecionada segundo alguns critérios: estudantes calouros de tempo integral com
idade abaixo de 22 anos, caucasianos (excluindo latinos), cidadãos americanos e solteiros. Bean
não apresenta justificativa alguma para esses critérios de seleção, que, de saída, produzem
vieses de classe, de idade e de nacionalidade/etnia/raça. O autor não apenas ignora esse viés
como também o confunde com um viés de desempenho estudantil. Referindo-se a essa amostra,
Bean diz: “a amostra é enviesada para estudantes mais habilidosos” (BEAN, 1980, p. 161),
22

imaginando que, automaticamente, ao selecionar os estudantes segundo os critérios apontados


acima, estaria também a excluir estudantes com notas mais baixas nos exames de admissão
para o ensino superior. Possivelmente esse controle na amostra foi feito para homogeneizar o
grupo e isolar as variáveis relativas exclusivamente à instituição, que são de seu interesse nesse
estudo.
Após realizar diversas análises estatísticas dos dados, notou-se que nem todas variáveis
eram estatisticamente significativas para as chances de evasão, reduzindo assim drasticamente
o número de variáveis do modelo. Como era de se esperar, em razão do controle feito para raça
e classe, as variáveis socioeconômicas imaginadas no primeiro modelo (na coluna background
variables) apresentaram pouca influência na chance de evasão. Notou-se também que os
resultados para homens e mulheres foram diferentes, pois para cada gênero havia um conjunto
distinto de variáveis correlacionadas à evasão – embora para ambos os gêneros a variável do
compromisso institucional fosse a mais relevante. Ranqueando, assim, as variáveis mais
importantes para os dois gêneros, Bean obtém:

Quadro 2: Efeito de cada variável do modelo de Bean sobre a evasão

Fonte: Bean, 1980, p. 180.


23

Segundo os achados de Bean, o homem que evade teria baixo comprometimento com
a instituição, notas mais baixas na universidade, satisfeito com a vida estudantil, não acredita
que a educação recebida está contribuindo para o seu desenvolvimento, acha a vida acadêmica
repetitiva, não conhece bem as regras sociais e acadêmicas da instituição e, possivelmente, vive
com os pais. Já a mulher que evade teria um baixo comprometimento com a instituição, baixa
performance no ensino médio, não participa de organizações estudantis e atividades extra
curriculares no campus, não acredita que frequentar a faculdade lhe garantirá um emprego, vê
a transferência de curso ou instituição como possibilidade, não acredita que a educação leva ao
seu desenvolvimento, não acha a vida acadêmica repetitiva, possui pouco comprometimento
com a obtenção do diploma, está pouco satisfeita em estar na instituição, conhece as regras
sociais e acadêmicas e não interage informalmente com membros da instituição.
Com vistas a essa distinção de gênero, Bean termina seu artigo de 1980 oferecendo uma
série de recomendações para instituições que queiram implementar políticas de redução da
evasão. Para as mulheres, deve-se encorajar ou obrigar a participação em organizações
estudantis e atividades extracurriculares dentro do campus, bem como educá-las sobre a
importância da educação para a busca de empregos no futuro, em programas de orientação
profissional e recrutamento. Para os homens, por outro lado, deve-se oferecer um programa
educacional que os faça sentir que estão se desenvolvendo pessoalmente, intelectualmente e
criativamente, e deve-se evitar currículos muito rígidos no primeiro semestre. Para ambos, a
universidade alcançará maior controle sobre a evasão admitindo somente estudantes com as
maiores notas no ensino médio - ou seja, incluindo mais uma etapa de seleção, além dos exames
de admissão (BEAN, 1978, p.184).
Em 1985, Bean reorganizou seu modelo para compreender de que maneira a evasão
pode estar relacionada à seleção de alunos pela instituição e às formas de socialização desses
alunos dentro da instituição. Novamente interessado na evasão de instituições específicas, Bean
define evasão como a não matrícula do estudante em um mesmo campus no semestre seguinte
- o que a rigor inclui também a possibilidade de transferência entre instituições. Diferentemente
do modelo anterior, porém, aqui Bean dá bastante importância para a variável da intenção de
sair, ou seja, a verbalização do estudante de que pensa em abandonar a instituição. Segundo o
autor, a escolha dessa variável se justificaria, entre outras coisas, porque
[...] estudantes que evadem sem a intenção de fazê-lo (por exemplo, por razões de saúde, crises
familiares etc.) não representam um fracasso para o estudante ou para a universidade. Eles
representam uma variância residual da evasão que pode ser especificada com precisão, mas não
pode ser prevista” (BEAN, 1985, p.36, grifo nosso).
24

Assim como no modelo anterior, temos aqui um recorte importante e que se explica
pela concepção do problema da evasão assumida pelo autor. O etc. grifado da citação pode
conter muitas coisas, como mudanças não anunciadas nas políticas de assistência e toda sorte
de barreiras socioeconômicas que inviabilizam a permanência estudantil. É compreensível,
porém, que um modelo desse tipo não inclua essas outras variáveis. Esse recorte revela uma
certa concepção do problema da evasão enquanto um problema administrativo, e não como um
problema de bases sociais mais amplas, que extrapolam a instituição e possuem efeitos diversos
sobre diferentes grupos, a depender das suas condições sociais e econômicas. Por assumir esse
recorte, o desenho do modelo também acaba por tomar como variáveis somente aquilo que está
dentro da instituição ou ao alcance de sua atuação, influência e administração. Por isso, para
Bean, a única forma de evasão involuntária considerada no estudo é aquela que ocorre por
expulsão, ou seja, pela exclusão do estudante por parte da instituição. Ocorre que, o que Bean
chama de residual pode ser, em outras circunstâncias e leituras desse fenômeno, central ao
problema da evasão.

Figura 7: Segunda versão do modelo explicativo da evasão de Bean (1985)

Fonte: Bean, 1985, p. 37.


25

Novamente, esse modelo de 1985 é pensado como uma associação linear de variáveis
que se reforçam positiva ou negativamente. As variáveis exógenas à instituição compreendem
fatores acadêmicos, psicossociológicos e ambientais que, associados, influenciam sobre as
variáveis endógenas. As variáveis endógenas são aquelas relacionadas aos processos de
socialização e seleção da instituição, sendo uma acadêmica (notas em avaliações), uma social
(compatibilidade com a instituição) e uma pessoal (comprometimento com a instituição).
O modelo foi então testado via questionário com uma amostra de 1781 estudantes de
uma universidade do centro-oeste dos EUA. Seguiu-se critérios de seleção muito parecidos
com a amostra do estudo anterior, a fim de diminuir a heterogeneidade: brancos, cidadãos
americanos, menores de 23 anos, solteiros, registrados para 10 ou mais créditos no semestre,
cursando qualquer um dos 3 anos do curso e que não se transferiram para outros campi - o que
produziu os mesmos vieses do estudo anterior.
Para Bean, os resultados mais importantes desse estudo foram aqueles relativos à vida
social dos estudantes. A vida social estudantil é um preditor importante da evasão, pois
apareceu como a variável com efeitos mais significativos sobre a compatibilidade institucional.
Portanto, a qualidade da interação entre colegas mostrou-se mais importante do que a qualidade
da interação do estudante com os funcionários e professores para explicar a evasão. Esse é um
resultado importante para o autor pois, nesse modelo, além dos estudos sobre work turnover,
Bean dialoga com certas teorias sociológicas americanas da ação social, como as de Parsons e
Merton, para definir o que se entende por socialização. Citando Parsons, destaca a importância
dos processos de socialização pelos quais estudantes passam desde o ensino básico e que
determinariam muito cedo quais deles teriam maiores chances de sucesso acadêmico:

Esse tipo de socialização vem dos teóricos dos papéis sociais [role theorists] que vêem a
socialização como um processo de obtenção das normas, atitudes, imagens-de-si, valores e
comportamentos apropriados que levam à aceitação pelo grupo e à competência em novos
papéis (BEAN, 1985, p.38).

Com base na questão da socialização, também Bean encerra seu artigo de 1985 com
algumas recomendações para a redução da evasão em instituições de ensino superior. As
instituições devem reconhecer a importância da socialização em seu interior e da influência
que os estudantes possuem sobre as atitudes de outros estudantes. Em termos práticos, sugere
que se realizem “programas e rituais em que estudantes mais velhos ajudam os neófitos a se
integrar ao grupo e se comprometer com a instituição, e não com o ensino superior em geral”
26

(BEAN, 1985, p. 61). Chama atenção nessas recomendações a reiteração da perspectiva


administrativa quando condiciona o comprometimento do estudante a uma instituição em
particular, e não ao ensino superior como um todo. Trata-se de buscar instrumentos tendo em
vista o êxito da instituição específica no cumprimento de seus objetivos.

Como vimos, os modelos são exaustivos na listagem de possíveis causas da evasão. São
também modelos modulares com variáveis que podem ser acrescentadas ou retiradas conforme
a intuição dos autores e a cada novo teste, sendo por isso revisados e ampliados ao longo dos
anos em busca de uma pretensa maior eficiência na explicação e previsão do fenômeno da
evasão. Contudo, em momento algum esses autores investigam as suas próprias premissas, e
por isso passam ao largo de questões muito básicas, mas muito importantes. Se a evasão é de
fato um problema, como parece ser a premissa norteadora desses autores, como ela se constituiu
enquanto tal? Sendo um problema, ela se apresenta como um problema de mesma intensidade
e com os mesmos efeitos para todos os indivíduos em seus diferentes grupos sociais? Entre os
que evadem, para quem a evasão configura um maior prejuízo social e econômico? E quais as
razões históricas, sociais e econômicas que explicam essas diferenças? Ignorar essas questões
não apenas incorre num problema teórico para esses modelos, mas também mina de antemão
qualquer possibilidade de construção de uma política pública efetiva de retenção escolar.
Esses modelos fundam-se ainda numa outra importante premissa, a do indivíduo
racional. Toma-se como centro desse modelo uma espécie de indivíduo descontextualizado,
absolutamente autônomo e consciente de seus desejos, ciente dos fins e capaz de mobilizar os
meios adequados para alcançá-los, que faz escolhas racionais e calculadas - em suma, imagina-
se um indivíduo liberal modelar (FRANCO et al., 2021). O problema desse tipo de formulação
é que ela leva o pesquisador a imaginar que o fenômeno da evasão é fruto de uma escolha
quando, muitas vezes, ela pode ser uma imposição de ordem material e econômica. Os autores
mostram-se bastante insensíveis a essa possibilidade quando produzem distinções entre evasão
voluntária e forçada, entendendo como evasão forçada somente aquela que ocorre por
expulsão, reprovação ou acidentes maiores. Mas não seria uma evasão forçada também aquela
em que o aluno precisa escolher entre o trabalho e o estudo? Ou quando uma determinada
política de assistência estudantil deixa de existir?
Na dinâmica do confronto teórico para determinar quem consegue produzir o modelo
mais completo e eficiente, os modelos propostos tornam-se permutações das mesmas variáveis,
apenas organizadas em categorias diferentes e com nomes diferentes. São variáveis muito úteis,
pertinentes e que, sem dúvida, devem ser levadas em consideração ao se elaborar uma política
27

educacional. Porém, quando mobilizadas em abordagens limitadas ao âmbito de intervenção


institucional interna, sem reflexões acerca das condições socioeconômicas dos estudantes em
um contexto muito mais amplo do que o de uma instituição em particular, reduzem-se a técnicas
de administração para o maior êxito institucional, sem maiores preocupações com o papel
social do ensino superior nas sociedades contemporâneas.

3. Uma reconstrução histórica da evasão enquanto problema social no Brasil


Nosso ponto de partida, portanto, é justamente esse que falta aos modelos anteriores:
queremos entender como a evasão constituiu-se historicamente enquanto um problema da
administração universitária, a partir de uma abordagem sociológica, focando especificamente
no caso brasileiro. E queremos, em seguida, avançar a discussão para além da evasão enquanto
um problema meramente administrativo. Para isso, usamos o texto Objeto Sociológico e
Problema Social de Remi Lenoir (1996) como nosso guia para a investigação sociológica dos
modos pelos quais a evasão entrou no debate acadêmico e político e tornou-se um problema
social do Brasil, despertando o interesse e suscitando ações institucionais tanto no setor público
quanto no setor privado da educação superior.
Lenoir nos oferece um quadro conceitual muito útil para pensar sobre a maneira como
temas ou assuntos tornam-se problemas sociais. Nesse quadro, a primeira tarefa do sociólogo
ao se deparar com um problema seria a de identificar as representações preconcebidas de seu
objeto de estudo:

A primeira dificuldade encontrada pelo sociólogo deve-se ao fato de estar diante das
representações preestabelecidas de seu objeto de estudo que induzem a maneira de apreendê-
lo e, por isso mesmo, defini-lo e concebê-lo (LENOIR, 1996, p.61).

Já realizamos essa tarefa, em parte, com nosso levantamento dos modelos de evasão e
sua história nos EUA. Naturalmente, essa maneira de conceber a evasão chegou até nós e
dominou também a abordagem de muitos estudos sobre o assunto no Brasil - como indica a
enorme quantidade de trabalhos que citam ou testam empiricamente modelos de autores
americanos, em especial o de Vincent Tinto6. Resta entender agora as particularidades da
maneira como a evasão foi concebida no contexto brasileiro.

6
Em nosso levantamento, dos 465 títulos de trabalhos (artigos, dissertações e teses) sobre o tema da evasão,
conseguimos acessar as referências bibliográficas de 368. Desses, 168 trabalhos mencionam Spady, Tinto ou
Bean. Dentre os três, Tinto é o mais citado, aparecendo em 163. Em apenas 5 trabalhos, Spady e Bean são citados
desacompanhados de Tinto.
28

Uma vez conhecidas as representações que são dadas de antemão, cabe ao sociólogo
entender o processo pelo qual esse problema tornou-se um problema social, ou seja, como se
deu seu reconhecimento, sua legitimação e sua institucionalização como problema a ser
enfrentado:

Embora um problema social seja, como toda problemática sociológica, o produto de uma
construção, acontece que seus princípios são diferentes. Um problema social não é somente o
resultado do mau funcionamento da sociedade (o que pode levar a pensar na utilização, por
vezes abusiva, de termos como “disfunção”, “patologia”, “transgressão”, “desorganização”,
etc.), mas pressupõe um verdadeiro “trabalho social” que compreende duas etapas essenciais: o
reconhecimento e a legitimação do problema como tal. Por um lado, seu “reconhecimento”:
tornar visível uma situação particular, torná-la, como se diz, “digna de atenção”, pressupõe a
ação de grupos socialmente interessados em produzir uma nova categoria de percepção do
mundo social a fim de agirem sobre o mesmo. Por outro lado, sua legitimação: esta não é
necessariamente induzida pelo simples reconhecimento público do problema, mas pressupõe
uma verdadeira operação de promoção para inseri-lo no campo das preocupações “sociais” do
momento. Em suma, a essas transformações objetivas, sem as quais o problema não seria levado
em consideração, acrescenta-se um trabalho específico de enunciação e formulação públicas,
ou seja, uma operação de mobilização: as condições sociais de tal mobilização e de seu sucesso
constituem um outro aspecto da análise sociológica dos problemas sociais (LENOIR, 1996,
p.84).

Resta uma terceira fase: o processo de institucionalização que tende a imobilizar e fixar as
categorias segundo as quais o problema foi colocado e resolvido ao ponto de torná-las evidentes
para todos (LENOIR, 1996, p.95).

Seguindo essas etapas, queremos saber onde e quando o problema da evasão passou a
ser concebido da forma como o conhecemos hoje, bem como os agentes e áreas disciplinares
envolvidas nessa construção, pois foi o conjunto desses elementos que permitiu à evasão
tornar-se socialmente reconhecida e legitimada enquanto um problema.
Segundo nossos estudos introdutórios nesta investigação, o problema da evasão se
consolidou no Brasil no contexto histórico específico dos anos 1990 em um movimento
alinhado com tendências educacionais globais e encabeçado por economistas, políticos,
reitores de universidades e agentes do setor privado do sistema educacional. Esse movimento,
naturalmente, não se deu de maneira suave e livre de conflitos ou estranhamentos, e seu sucesso
deveu-se ao poder de imposição de uma nova visão mercantilizada do ensino superior e da
29

educação em geral. Nesse ponto, analisaremos o documento da Comissão Especial de Estudos


sobre Evasão, redigido em 1996, tomado aqui como marco do início do debate sobre evasão
no Brasil que ilustra muito bem a maneira como o tema foi inicialmente recebido com certa
desconfiança por reitores e pesquisadores da educação. Esse relatório de 1996 é frequentemente
mencionado como um marco do início da pesquisa sobre evasão no Brasil e, de fato, na
sequência desse relatório a pesquisa em evasão apenas cresceu.
Nosso principal termômetro para identificar a importância dada ao fenômeno da evasão
no ensino superior é a publicação de artigos e teses sobre o tema, pois trata-se de fenômeno
próprio da educação e, sobretudo, pois interessa especialmente às instituições de ensino
mobilizar seus pesquisadores para compreendê-lo e encontrar soluções com vistas à retenção
de estudantes. Quando levantamos artigos e teses sobre o tema da evasão no ensino superior 7,
notamos que essa produção foi praticamente inexistente antes dos anos 1990, o que já levanta
a hipótese de que nessa década algo de importante deve ter acontecido na esfera da educação.
Argumentamos que não é à toa que a evasão tenha surgido enquanto problema na década de
1990, pois foi nesse período em que ocorreram importantes mudanças de concepção acerca do
desenho e da função que o sistema de ensino - do básico ao superior - deveria ter. Em suma,
essa década viu uma guinada neoliberal nas políticas públicas educacionais.
Realizamos um levantamento de artigos, dissertações e teses nas bases Scielo e no
banco de teses da Capes buscando pela palavra-chave “evasão” e selecionando manualmente
os artigos que se referiam ao fenômeno da evasão no ensino superior no Brasil. Ao todo,
encontramos 465 títulos:

7
Realizamos um levantamento de artigos, dissertações e teses nas bases Scielo e no banco de teses da Capes
buscando pela palavra-chave “evasão” e selecionando manualmente os artigos que se referiam ao fenômeno da
evasão no ensino superior no Brasil. Ao todo, encontramos 465 títulos.
30

Figura 8: Número de publicações brasileiras sobre o tema da evasão no ensino superior ano a ano

Fonte: elaborado pelo autor

Um gráfico parecido com o nosso foi produzido por Maciel, Cunha Junior e Lima
(2019) em levantamento bibliográfico com 58 artigos, 22 dissertações e 9 teses. Os trabalhos
foram buscados na plataforma SciELO, no Grupo de Trabalho Políticas de Educação Superior
– GT 11 da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), no
Portal brasileiro de publicações científicas em acesso aberto (Oasisbr), no Portal de Periódicos
CAPES/MEC e no Domínio Público até 2017. Diferente do nosso levantamento, porém, os
autores incluíram também a busca pelo termo permanência:

Figura 9: Número das produções sobre permanência e evasão na educação superior por ano

Fonte: Maciel, Cunha Junior e Lima, 2019, p.11.


31

Como demonstram os gráficos, os trabalhos acadêmicos sobre o tema da evasão


começaram a surgir no início dos anos 1990, sendo o mais antigo encontrado de 1989 8, e
cresceram em número consistentemente desde então. Em parte, esse crescimento deve-se ao
próprio crescimento do ensino superior no Brasil a partir dos anos 2000, que fez aumentar o
número de publicações em geral; mas, em parte, deve-se também ao interesse no tema da
evasão pelas instituições de ensino públicas e privadas como um aspecto central de uma recém-
chegada perspectiva gerencial da educação. Além disso, ao longo dos anos o tema da evasão
foi ganhando novo fôlego e se modificando de acordo com mudanças na organização do ensino
superior. Como veremos, por exemplo, o interesse em modalidades de ensino a distância
estimulou estudos sobre a evasão em cursos não-presenciais e a adoção da lei de cotas em 2012
estimulou estudos sobre o impacto de políticas afirmativas nas taxas de retenção de estudantes
cotistas.
A seguir, veremos a trajetória através da qual a evasão tornou-se um problema social,
identificando o momento em que ela primeiro apareceu nas discussões acerca do ensino
superior brasileiro nos anos 1990, seu princípio de institucionalização dentro das universidades,
incorporando-se como preocupação administrativa, e sua entrada nos textos legais de políticas
públicas educacionais a nível nacional.

4. Trajetória da mercantilização do ensino superior brasileiro


Para entender como a evasão se consolidou enquanto problema social - mais
especificamente, como problema de administração acadêmica - é preciso conhecer a história
da progressiva mercantilização do ensino superior e da relação entre setor público e setor
privado no Brasil. Esse processo de mercantilização, impulsionado pela emergência do
neoliberalismo ao redor do mundo, produziu algumas consequências para a educação, como
observadas por Oliveira (2009):

a) a crescente centralidade da educação na discussão acerca do desenvolvimento e da preparação


para o trabalho, decorrente das mudanças em curso na base técnica e no processo produtivo; b)
a crescente introdução de tecnologias no processo educativo, por meio de softwares educativos
e pelo recurso à educação a distância; c) a implementação de reformas educativas muito
similares entre si na grande maioria dos países do mundo; d) a transformação da educação em
objeto do interesse do grande capital, ocasionando uma crescente comercialização do setor
(OLIVEIRA, 2009, p. 740).

8
Maciel, Cunha Junior e Lima (2019, p. 11) apontam um trabalho anterior, de 1977, mas não o mencionam nas
referências bibliográficas.
32

A guinada neoliberal na educação dos anos 1990 no Brasil não representou uma
completa mudança na maneira como a educação vinha sendo concebida até então no que
concerne ao crescimento do setor privado, mas representou uma importante mudança no tipo
de administração das instituições públicas, a partir de agora pautada pela perspectiva da
administração empresarial na esfera econômica. Pode-se dizer que desde os anos 1970 a
formulação de políticas públicas na educação no Brasil foi sendo paulatinamente tomada por
economistas e sua visão da educação como instrumento para o desenvolvimento econômico.
Almeida (2008) descreve essa trajetória ao longo do século XX, mostrando como nos anos
1930 e 1940, sobretudo sob o Estado Novo de Vargas, as políticas educacionais foram pensadas
como instrumento de construção de uma identidade nacional e sob responsabilidade exclusiva
do Estado. Nos anos 1950 e 1960, no entanto, essa visão entrou em conflito com e começou a
ser substituída por uma outra visão mais mercantilizada, com a entrada de economistas em
cargos públicos antes ocupados pelos chamados bacharéis-educadores (ALMEIDA, 2008, p.
165). Essa nova visão teve forte influência de economistas norte-americanos e europeus
vinculados à UNESCO, à Fundação Ford e à Universidade de Chicago, que ajudaram a
disseminar uma noção de planejamento educacional com base em cálculos de necessidades de
mão-de-obra para o desenvolvimento. Em oposição aos bacharéis-educadores, os economistas
tinham como vantagem seus conhecimentos de estatística e econometria, que os capacitava
para a planificação de políticas públicas com base em dados e cálculos (ALMEIDA, 2008, p.
167). O golpe de 1964 contribuiu para a vitória dos economistas e sua visão de planejamento
educacional moderno. Segue-se que, nos anos 1970, a educação foi cada vez mais concebida
como central a um projeto de desenvolvimento econômico e distribuição de renda com base na
teoria do capital humano da Escola de Chicago, segundo a qual investimentos em educação -
em especial nos campos científicos e tecnológicos — seriam a chave para o aumento da
produtividade e, por consequência, do desenvolvimento econômico de um país.

5. Primeira onda de expansão do ensino superior pós Reforma de 1968


Um primeiro evento de importância para o ensino superior pós-golpe de 1964 foi a
reforma universitária de 1968. Até 1968, a oferta de ensino era fortemente regulada pelo
Estado, que privilegiava o modelo universitário em detrimento de instituições isoladas. Pelas
dificuldades de credenciamento e pelos elevados custos envolvidos, o setor privado tinha pouca
importância frente ao setor público na educação. Com a Reforma, porém, o cenário mudou,
introduzindo maior flexibilização das regras para a oferta de ensino superior em resposta à
crescente demanda. Ao longo dos anos 1970, houve um processo de expansão da educação
33

superior privada que, “associada à difusão de visões econômico-gerenciais sobre a educação


em geral, definiu o perfil essencialmente privado do nosso sistema de ensino superior desde
então” (CARLOTTO, 2021, p. 40). Esse novo ensino superior era formado majoritariamente
por instituições isoladas de orientação profissionalizante e pouco voltadas à atividade de
pesquisa. Além disso, apesar da expansão promovida pela reforma, o ensino superior
permaneceu elitizado, em razão do enorme déficit educacional no país, com altas taxas de
analfabetismo e baixas taxas de escolarização no ensino médio. O ensino superior acabava
reservado, assim, para os poucos que conseguiam avançar no sistema escolar excludente e
passar nos concorridos vestibulares de escolas públicas, ou pagar pelo ensino privado
(CARLOTTO, 2021, p. 41).
Nesse contexto de exclusão educacional, a evasão não poderia ainda surgir como um
problema generalizado — muito embora as visões gerenciais do ensino superior com suas
métricas e indicadores já circulassem entre economistas, pois a natureza elitizada do ensino
superior tinha como efeito prático a produção e reprodução das elites nacionais. A evasão,
assim, não era problema, mas parte do “mecanismo natural” de seleção dos melhores, pelo qual
as instituições excluem aqueles que não revelam as aptidões necessárias.
Nos anos 1980 já se esboçava uma importante mudança e se preparava o terreno para a
chegada de uma nova visão acerca da educação e para a emergência da evasão enquanto
problema. Em 1985, sob o governo de José Sarney, o Ministério da Educação e da Cultura –
MEC montou uma Comissão Nacional para Reformulação da Educação Superior, presidida por
Caio Tácito, e relatada por Simon Schwartzman, reunindo principalmente professores
universitários com a finalidade de elaborar uma proposta de reforma do ensino superior. O
relatório produzido e divulgado pela Comissão no mesmo ano, intitulado ‘Uma Nova Política
para a Educação Superior’ apresenta um diagnóstico do cenário nacional e uma série de
recomendações acerca da autonomia universitária, modos de financiamento das instituições
públicas e privadas, democratização do acesso ao ensino e - mais importante aqui para nossa
argumentação - recomendações sobre formas de avaliação e uma defesa de sua importância:

Existe hoje, no Brasil, uma crescente consciência sobre a necessidade de desenvolver sistemas
de avaliação do ensino superior. Esta necessidade é sentida pela administração federal, para a
distribuição racional de seus recursos; pelas universidades públicas, que necessitam conhecer a
si próprias, e confrontar com dados objetivos as críticas que freqüentemente recebem; pelas IES
privadas, que necessitam evidenciar a qualidade de seu desempenho e a sua eficiência no uso
de recursos; pelos estudantes e suas famílias, que não podem mais contar com resultados
34

positivos de seus investimentos em educação superior, se mal direcionados (COMISSÃO…,


1985, p.53).

Esse trabalho de construção da avaliação como imperativo alia-se, no relatório, com a


defesa de uma maior racionalização e eficiência da administração universitária, condicionando
a autonomia universitária e a distribuição de recursos ao desempenho das instituições com base
em avaliações e métricas. Essa recomendação vem acompanhada da defesa de um ambiente de
competição entre instituições de ensino, imaginando que um ambiente assim conduziria à maior
qualidade e desempenho:

A ampliação da autonomia na gestão financeira das Instituições de Ensino Superior deve ser
condicionada a um maior comprometimento com padrões de qualidade e produtividade; e
padrões de custo modulares poderiam ser estabelecidos a partir da avaliação do desempenho
das instituições de melhor qualidade (COMISSÃO…, 1985, p. 15).

Várias justificativas são apresentadas na defesa da produção de parâmetros para alimentar os


sistemas de avaliação:

A ausência de parâmetros [de avaliação] afeta o ensino superior sob muitos pontos de vista.
Para o governo, ela não permite que se tenha uma política racional de alocação de recursos
públicos, que fortaleça as melhores instituições e induza as demais ao aperfeiçoamento. Para
professores e administradores educacionais, ela impede que saibam exatamente como melhorar
suas instituições, quais os falsos caminhos, quais as soluções mais promissoras. Para o candidato
à universidade e sua família, a escolha de uma escola superior de uma profissão é como uma
loteria: os alunos decidem suas carreiras baseados em fragmentos de informação, o que explica,
em parte, a grande frustração e um certo ceticismo que acabam permeando o sistema
universitário do país. (COMISSÃO… p.52)

O relatório aponta, então, quais parâmetros de avaliação deveriam ser considerados


pelas instituições: avaliação dos cursos, dos alunos, dos professores, do ensino em termos
didático-pedagógicos, dos servidores técnicos e administrativos e das carreiras. Dentro da
avaliação dos cursos, especificamente, incluiriam-se “indicadores de eficiência de diversos
tipos: alunos por professor, taxas de desistência e repetência, custos financeiros por aluno e
professor etc.” (COMISSÃO…, 1985, p.54). A evasão, portanto, começa a aparecer aqui como
métrica importante para aferir o desempenho de uma instituição.
Como veremos, essas ideias defendidas no relatório sobre a importância da avaliação
reapareceriam depois nos trabalhos do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Ensino Superior
35

da Universidade de São Paulo (NUPES-USP) — alguns desses trabalhos lidando


especificamente com o tema da evasão.

6. Segunda onda de expansão do ensino superior nos anos 1990 e a emergência da


avaliação
Ideias neoliberais e certa tendência à mercantilização da educação já circulavam no
Brasil, portanto, antes dos anos 1990, bem como a defesa da avaliação do ensino superior. Mas
a evasão só teria condições de ser concebida enquanto um problema nesses termos com a
democratização e expansão do ensino superior levada a cabo após a Constituição de 1988.
Carlotto (2021) traça um histórico da expansão do ensino superior desde então, analisando
especialmente a expansão do ensino privado não-universitário e as políticas de democratização
do acesso ao ensino público universitário, sobretudo a partir de 2005. No período entre 1980 e
2018, o ensino superior cresceu em número de instituições, número de matrículas e número de
docentes contratados, embora esse crescimento tenha se dado em velocidades diferentes ao
longo dos anos. Um primeiro movimento de expansão mais lento ocorreu na segunda metade
dos anos 1990 após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1996
sob o governo de Fernando Henrique Cardoso e com o economista Paulo Renato de Souza à
frente do MEC. A LDB excluía da legislação a orientação de que o ensino superior deveria
seguir, como modelo institucional prioritário, a forma “universidade”. Depois, em 1997, a LDB
flexibilizou-se ainda mais ao autorizar o funcionamento de instituições de ensino superior
privado com finalidade de lucro. O resultado foi uma explosão de instituições pequenas e
isoladas oferecendo cursos baratos em ciências sociais aplicadas. Entre 1995 e 2005, o número
de instituições de ensino superior cresceu em 150%, puxado pelo setor privado, não
universitário e lucrativo (CARLOTTO, 2021, p.43).
A LDB tornou o Brasil uma fronteira da expansão do capital educacional e espaço de
crescimento de grandes grupos privados educacionais. Mais que isso, foi uma iniciativa
profundamente influenciada pela agenda neoliberal de órgãos internacionais como o Banco
Mundial e o FMI. Na visão desses órgãos, a educação deveria ocupar um papel central para o
combate à pobreza e à desigualdade em países em desenvolvimento. Em 1995, por exemplo, o
BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento), um dos braços do Banco
Mundial, lançou um documento intitulado Prioridades e estratégias para educação contendo
um pacote de reformas educacionais. Entre outras coisas, o pacote sugeria os seguintes pontos
(ALTMANN, 2002):
36

a) Prioridade na educação básica;


b) Melhoria da qualidade e da eficácia da educação como eixo da reforma educativa;
c) Prioridade sobre os os aspectos financeiros e administrativos da reforma educativa, em
especial a descentralização;
d) Descentralização e instituições escolares autônomas e responsáveis por seus resultados;
e) Convocação para uma maior participação dos pais e da comunidade nos assuntos
escolares;
f) Impulso para o setor privado e organismos não-governamentais como agentes ativos no
terreno educativo;
g) Mobilização e alocação eficaz de recursos adicionais para a educação;
h) Enfoque setorial.
i) Definição de políticas e estratégias baseadas na análise econômica.

Em linhas gerais, as diretrizes do Banco Mundial para a educação privilegiavam o


ensino superior privado, o estabelecimento de métricas, a instituição de formas mais racionais
e eficientes de gerenciamento, uma base curricular comum, o treinamento profissional de
professores e mecanismos de avaliação. Em suma, as instituições educacionais passaram a ser
concebidas e administradas cada vez mais como empresas.
A LDB de 1996, nesse sentido, representou um passo nessa direção para a educação no
Brasil, pois manifestou essa perspectiva de descentralização defendida pelo BIRD, estimulou
a expansão do ensino superior privado, flexibilizou o planejamento e tornou a avaliação um
instrumento de controle das políticas educacionais. A LDB estabelecia que a União, estados,
municípios e DF deveriam colaborar para estabelecer as competências e diretrizes para o ensino
básico, visando assegurar uma formação básica comum, e que a União deveria assegurar um
processo de avaliação do rendimento escolar. Elaboraram-se assim Parâmetros Curriculares
Nacionais e diversos instrumentos de avaliação do ensino. Também se criou o Censo
Educacional em 1995, que passou a ser realizado anualmente pelo Ministério da Educação para
produzir dados que pudessem subsidiar o planejamento e a gestão da educação. As taxas de
evasão, retenção e titulação em todos os níveis de ensino, naturalmente, passaram a figurar
entre esses dados levantados.
No ensino superior, um exemplo dessa mudança que passou a atribuir crescente
importância às métricas e mecanismos de avaliação foi a substituição do antigo Paiub do
governo de Itamar Franco pelo chamado “provão” no governo de FHC. Criado em 1993, o
Paiub (Programa de Avaliação Institucional) tinha como objetivo estimular as instituições
37

educacionais a voluntariamente estabelecer mecanismos de avaliação internos. Em 1996,


porém, essa forma de avaliação voluntária e institucional foi substituída pelo Provão, uma
forma de avaliação compulsória e centrada nos cursos. Os resultados do Provão seriam
importantes não apenas para obter uma visão geral do cenário da educação pelo MEC, mas
também como uma maneira de regular o mercado educacional, condicionando o
credenciamento de instituições e o reconhecimento de cursos ao resultado do exame: para o
ensino público, o controle seria feito pelo próprio Estado, enquanto para o ensino privado seria
feito pela “mão invisível do mercado” (TRAINA-CHACON e CALDERÓN, 2015). A
imprensa teria tido um papel fundamental nesse mecanismo de regulação do mercado
educacional e no sucesso de Provão, pois elaborava o ranque das instituições e ajudava a criar
um imaginário social acerca da importância do exame. Com o ranque em mãos, as IES privadas
ganharam mais dados para elaborar suas campanhas de publicidade na competição por mais
alunos/clientes.
Nesse cenário de intensa mercantilização, a universidade pública conseguiu manter-se
pública e gratuita, mas não passou incólume pelo período de expansão do ensino superior
privado. Lima (2011) argumenta que, paralelamente à expansão do ensino superior privado, o
ensino superior público passou por um movimento de mercantilização interna que, de acordo
com diretrizes estabelecidas pelo Banco Mundial para países periféricos da América Latina e
Caribe, permitiu:

[...] a venda de “serviços educacionais”, como os cursos pagos, especialmente os cursos de pós-
graduação lato sensu; o estabelecimento de parcerias entre as universidades federais e as
empresas para realização de consultorias e assessorias viabilizadas pelas fundações de direito
privado; a concepção de política de extensão universitária como venda de cursos de curta
duração; a criação de mestrados profissionalizantes, em parcerias com empresas públicas e
privadas, considerados como cursos autofinanciáveis, isto é, cursos pagos, entre outros
mecanismos internos de privatização (LIMA, 2011, p.90).

A ideia de parceria aqui contida é ilustrativa da nova concepção que se instalava e que
alterava profundamente os limites das esferas públicas e privadas. As políticas neoliberais não
miravam somente à privatização do setor público, mas à sua reordenação e enfraquecimento,
impondo como boas práticas de gerenciamento somente aquelas que se assemelham às de uma
empresa privada: a esfera privada desloca-se para a esfera pública e a ocupa com suas formas
de gerenciamento. Esse movimento começou com o terceiro setor e suas organizações não
38

governamentais com fins de bem público nos anos 1970, mas encontrou uma nova fronteira de
expansão na educação duas décadas depois.
Em todo esse movimento de mercantilização, a emergência da avaliação do ensino
superior não aconteceu desacompanhada de uma intensa elaboração teórica. Figuras influentes
da academia no campo da educação e da economia tiveram papel essencial nesse processo,
como foi o caso dos pesquisadores membros do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Ensino
Superior da Universidade de São Paulo (NUPES-USP), criado em 1989 e atuante por toda a
década de 1990. A produção do NUPES teve forte impacto no ensino superior brasileiro, e de
fato seus principais membros ocuparam cargos importantes e com influência sobre a formação
de políticas públicas educacionais. José Goldemberg, físico de formação e idealizador do
núcleo, era então reitor da Universidade de São Paulo (1986-1990) e depois assumiu os cargos
de secretário da Ciência e Tecnologia (1990-1991) e ministro da educação (1991-1992) no
governo de Fernando Collor de Mello. Eunice Durham, cientista social, foi assessora de
Goldemberg, dirigiu o núcleo e foi presidente da Capes durante os governos de Collor e FHC.
Por fim, Simon Schwartzman - que já mencionamos como o redator do relatório de 1985 -, foi
presidente do IBGE entre 1994 e 1998 e trazia consigo uma ampla e influente pesquisa na área
do desenvolvimento econômico e da educação.
Dentro da produção do NUPES, a palavra de ordem era a avaliação. Diante do
diagnóstico de defasagem e estagnação do ensino superior brasileiro, defendia-se a adoção de
novas formas de financiamento e um novo modelo baseado na competição entre instituições:

Tomando como referência o sistema educacional dos Estados Unidos, apontam que o princípio
da competição institucional dinamiza a universidade. Em outras palavras, a melhoria da
qualidade das instituições seria favorecida pela competitividade e pela participação na vida
institucional. Para Schwartzman, o fato de as instituições concorrerem entre si como num
mercado e de existirem condições de participação na vida institucional favoreceria a melhoria
da qualidade (BARREYRO e ROTHEN, 2011, p.5).

Na visão dos pesquisadores do NUPES, a avaliação seria fundamental para esse modelo
competitivo, pois funcionaria como um parâmetro para a distribuição de recursos públicos com
base no desempenho de cada instituição, que passariam a competir entre si por uma maior fatia
desses recursos (BARREYRO e ROTHEN, 2011). Como consequência direta desse modelo,
as taxas de evasão e titulação tornaram-se indicadores importantes do desempenho institucional
e foram investigadas em alguns trabalhos de pesquisadores do NUPES. Mercuri, Moran e Azzi
(1995), por exemplo, realizaram um dos primeiros estudos dedicados especificamente ao tema
39

da evasão no ensino superior no Brasil. Além disso, entre os trabalhos levantados por nós para
este relatório, foi o primeiro a usar os modelos de Tinto e Bean como referenciais teóricos.
O que começa a se delinear, portanto, é uma evidente relação entre a emergência dos
mecanismos de avaliação dentro da lógica administrativa neoliberal dos anos 1990 e a
preocupação com a evasão: é quando a avaliação torna-se aspecto central da administração
acadêmica que a evasão começa a figurar enquanto um problema, sendo ela um entre os demais
indicadores de que uma instituição está sendo bem ou mal gerenciada. Naturalmente, a
preocupação com a evasão ganha tons distintos nas instituições públicas e privadas, embora de
maneira geral ela seja encarada como prejuízo financeiro e, do ponto de vista do sistema de
ensino superior como um todo, ela seja encarada como perda de capital humano.
No ensino superior privado, a preocupação com a evasão é por demais óbvia: mais
alunos evadindo implica menor lucro e pior imagem pública. Calderón (2000) examina como
essa série de mudanças na regulamentação do ensino nos anos 1990 ampliou o mercado
educacional, dentro do qual universidades e instituições privadas passaram a competir entre si
por uma mesma fatia de estudantes/clientes. Essa competição, como já descrevemos, se dava
no âmbito da publicidade, amparada por uma série de métricas e mecanismos de avaliação
utilizados pelo Estado para regular o ensino privado. Universidades mais bem avaliadas, assim,
teriam mais competitividade. As universidades mercantis são um negócio como qualquer outro,
ou seja, motivadas pelo lucro e engajadas na construção da sua própria marca pela via da
publicidade. A evasão, nesse sentido, equivaleria a prejuízo e indicaria problemas na
administração da instituição.
Já no ensino superior público, não apenas a evasão tinha a conotação de prejuízo em
instituições de ensino cada vez mais organizadas como empresas, mas também passou a servir
como instrumento de accountability frente ao discurso neoliberal da ineficiência administrativa
do setor público. Menos evasão, então, indicaria um uso mais eficiente dos recursos públicos,
pois as vagas, concebidas agora como um recurso escasso, seriam melhor aproveitadas e
levariam à titulação de mais futuros trabalhadores qualificados.

7. Primeiros estudos sobre evasão nos anos 1990


Apesar dessa proeminência da evasão como problema administrativo, no Brasil, até
meados dos anos 1990, a evasão foi concebida principalmente como um problema correlato ao
da orientação vocacional. A preocupação principal estava mais ligada às experiências e ao
capital cultural dos estudantes que os levaram a escolher — bem ou mal — determinado curso
e menos a uma avaliação administrativa desta ou daquela IES específica. Não à toa, eram
40

pesquisas realizadas especialmente dentro do campo da psicologia (BRUNS, 1992; CALEJON,


1995; HOTZA e LUCCHIARI, 1998). Essa preocupação com a orientação vocacional
manteve-se sempre presente nos estudos sobre evasão até hoje, porém, a partir das mudanças
ocorridas em meados da década de 1990, como já descrevemos, o interesse desloca-se para as
instituições de ensino e para as variáveis explicativas da evasão que dizem respeito ao que
acontece dentro da instituição.
Embora possamos mencionar estudos específicos sobre a evasão anteriores a 1996
(MIRANDA e SAUTHIER, 1989; PRADO, 1990; BUENO, 1993; OGASAWARA e
PAVARINI, 1994; DIAS, 1995; MERCURI, MORAN e AZZI, 1995; RISTOFF, 1995;
VIEIRA, 1995), tomaremos esse ano como marco em razão da publicação do relatório
Diplomação, Retenção e Evasão nos Cursos de Graduação em Instituições de Ensino Superior
Públicas pela Comissão Especial de Estudos sobre a Evasão nas Universidades Públicas
Brasileiras (OLIVEIRA e SILVA, 2020) — coincidentemente, o mesmo ano da já mencionada
LDB no governo de FHC. Sua publicação consagrou o interesse no tema da evasão a nível
nacional e contribuiu para torná-lo uma preocupação institucional de primeira ordem. Além
disso, o relatório também ilustra alguns conflitos e incertezas que existiam entre educadores
quanto à construção da evasão enquanto um problema nos termos propostos por instâncias
superiores — no caso, o MEC e sua visão economicista da educação influenciada por órgãos
internacionais como o Banco Mundial. Por esse motivos, deteremo-nos um pouco mais em seu
conteúdo.
A escrita do Relatório começou no ano anterior, em 1995, durante o Seminário sobre
Evasão nas Universidades Brasileiras, organizado por iniciativa do professor Décio Leal de
Zagottis, então secretário da Secretaria de Educação Superior do MEC durante a gestão do
ministro Paulo Renato de Souza, sob o governo de FHC. Naquele momento, já havia um intenso
trabalho de construção da evasão enquanto problema sendo realizado pelo MEC
concomitantemente à emergência da avaliação do ensinos superior e aos discursos neoliberais
da ineficiência administrativa do setor público - algo que os membros da Comissão claramente
reconheciam:

De certo modo, a proposta do seminário colocava-se como decorrência natural de um amplo


processo de divulgação, pelos canais oficiais do MEC e através dos meios de comunicação, de
dados estatísticos sobre o desempenho das Instituições Federais, acoplados a declarações sobre
o descompasso entre os vultuosos recursos públicos por aquelas consumidos e os resultados
pouco satisfatórios apresentados. A argumentação utilizada pela SESu e pelo próprio Ministro
para criticar o rendimento do sistema federal de ensino superior baseava-se no percentual de
41

evasão dos estudantes dos cursos de graduação. A SESu divulgava indicadores globais que
apontavam para uma evasão média nacional de 50% nas Instituições Federais de Ensino
Superior - IFES, considerando o conjunto dos cursos de graduação de cada instituição. Ao
mesmo tempo, apontava para os baixos índices de diplomação registrados (BRASIL, 1996, p.3).

Ancorados não apenas no MEC e na opinião pública, os membros da Comissão também


sustentam-se nas poucas pesquisas acadêmicas realizadas até então para enquadrar a evasão
como um problema generalizado:

Paredes (op.cit.) considera que o fenômeno da evasão é muito maior do que a percepção geral
que dele se tem, o que indicaria a presença de uma disposição comum às instituições de ensino
superior de considerá-lo como "normal", como aspecto inerente aos cursos universitários do
mundo inteiro. Essa sub-avaliação e o consequente desinteresse pelo aprofundamento no
problema produzem decisões administrativas inadequadas e contrárias à produtividade geral dos
cursos (BRASIL, 1996, p.25)

Havia, portanto, uma percepção negativa bem consolidada sobre as taxas de evasão nas
IFES e uma concepção clara de que a avaliação seria o caminho para a melhoria do desempenho
das instituições de ensino superior, mas faltava ainda um passo decisivo em direção à
institucionalização do problema. O Relatório deu esse passo ao propor um estudo de
abrangência nacional e metodologicamente consistente, possibilitando assim comparar dados
de diversas instituições de ensino pelo Brasil e lançando as bases para que esses estudos
continuassem sendo realizados rotineiramente, visto que até então muitas universidades sequer
possuíam esses dados bem organizados (BRASIL, 1996, p.12). Para esse fim, parte
considerável do Relatório tratou de discutir definições correntes e de elaborar uma definição
de trabalho para o termo evasão9, bem como uma metodologia para a sua mensuração.
Seguindo a metodologia proposta, a Comissão realizou o estudo e apresentou os resultados
relativos às taxas de evasão, retenção10 e titulação dos cursos de 53 instituições públicas de

9
A Comissão definiu evasão como “a evasão dos cursos de graduação, considerada para efeito deste estudo, como
a saída definitiva do aluno de seu curso de origem, sem concluí-lo” (BRASIL, 1996, p.15). A tomada dos cursos
como unidades de análise justificou-se pela percepção dos membros da Comissão de que diferentes cursos dentro
de uma universidade apresentam características diferentes e, portanto, diferentes taxas de evasão e titulação.

10
No contexto desse Relatório, o termo retenção refere-se à “situação em que, apesar de esgotado o prazo máximo
de integralização curricular e mesmo não tendo concluído o curso, o aluno se mantém ou consta como matriculado
na Universidade (BRASIL, 1996, p.23).
42

ensino superior entre 1986 e 1994 — o que correspondeu a 67,1% do universo total de
Instituições de Ensino Superior Públicas (IESP), federais e estaduais.
Ainda no tópico metodológico, o Relatório faz uma observação sobre o papel do MEC
no estudo:

Cabe salientar ainda que o processo de desenvolvimento do estudo foi realizado sem qualquer
financiamento e apoio logístico do MEC ou outras agências, acarretando um esforço adicional
para os professores envolvidos e elevados custos para as Universidades envolvidas,
principalmente aquelas participantes da Comissão Especial de Evasão. Esta situação revela que
houve vontade política clara das IESP em concluir o estudo, superando dificuldades, por
estimarem que o mesmo tem relevância para o processo de melhoria do ensino de graduação
(BRASIL, 1996, p.18).

Embora o próprio MEC tenha promovido o seminário sobre o tema em 1995 e


estabelecido de antemão a evasão enquanto um problema generalizado, o esforço de
institucionalização desse problema por meio de novas definições, metodologias e treinamento
de pesquisadores para levantamento e análise de dados foi feito, nesse caso, sem o auxílio do
ministério, pelas próprias universidades, já imersas em uma nova dinâmica que prezava pela
avaliação e pelo desempenho. Afinal, conforme expresso no próprio Relatório, esse esforço
“favorece a avaliação objetiva dos resultados das universidades, unificando minimamente
conceitos básicos, e contribui para a melhoria da administração e funcionamento dos processos
micro e macro administrativos” (BRASIL, 1996, p.19).
Além disso, não apenas o estudo não foi financiado pelo MEC, mas também o texto do
Relatório pontua uma certa desconfiança e distanciamento em relação às suas teses. Apesar de
comprarem a princípio a hipótese da evasão como um problema generalizado, vinda do MEC,
os membros da Comissão não abraçaram-na por completo, demonstrando certa desconfiança
em relação à maneira economicista de se conceber a educação superior:

As instituições universitárias, por se dedicarem à formação acadêmica e profissional de seus


estudantes, apresentam características peculiares que as distinguem, por exemplo, do sistema
produtivo industrial no qual as perdas podem ser identificadas com objetividade, eis que
essencialmente quantitativas. No campo acadêmico, ao contrário, perdas e ganhos referentes à
formação dos estudantes devem ser avaliados considerando-se a complexidade de fatores
sociais, econômicos, culturais e acadêmicos que intervêm na vida universitária. Compreender a
evasão como um processo implica superar a postura economicista, derivada de visão
essencialmente utilitarista da formação universitária que, se levada a extremos, conduziria, por
43

exemplo, à extinção de alguns cursos que são hoje mantidos quase que exclusivamente pelas
universidades públicas. Logo, os índices de diplomação, retenção e evasão devem ser
examinados em conjunto, não como um fim em si mesmos, ou apenas com objetivos
"rankeadores", mas sim como dados que possam contribuir tanto à identificação dos problemas
a eles relacionados, como à adoção de medidas pedagógicas e institucionais capazes de
solucioná-los (BRASIL, 1996, p.14).

Como se nota, a Comissão estava atenta à dinâmica de competição entre instituições


que se consolidava no ensino superior privado e já começava a se instalar no ensino público
por meio do ranqueamento de universidades e faculdades isoladas. E embora tenha levantado
apenas dados quantitativos — que prontamente podem ser usados no ranqueamento das
instituições —, ela mesma reconhece essa limitação como problemática e aponta a necessidade
de pesquisas qualitativas sobre o assunto para superar as teses simplistas e economicistas sobre
a evasão.
Entre as considerações finais do Relatório lista-se uma série de prováveis fatores
determinantes da evasão levantados pelos membros da Comissão - fatores um tanto diferentes
daqueles já apontados pelos modelos de Spady, Tinto e Bean, especialmente aqueles
relacionados às especificidades dos cursos e ao mundo do trabalho:

a) Fatores referentes a características individuais do estudante:


● relativos à habilidades de estudo;
● relacionados à personalidade;
● decorrentes da formação escolar anterior;
● vinculados à escolha precoce da profissão;
● relacionados a dificuldades pessoais de adaptação à vida universitária;
● decorrentes da incompatibilidade entre a vida acadêmica e as exigências do
mundo do trabalho;
● decorrentes do desencanto ou da desmotivação dos alunos com cursos
escolhidos em segunda ou terceira opção;
● decorrentes de dificuldades na relação ensino-aprendizagem, traduzidas em
reprovações constantes ou na baixa freqüência às aulas;
● decorrentes da desinformação a respeito da natureza dos cursos;
● decorrente da descoberta de novos interesses que levam à realização de novo
vestibular (BRASIL, 1996, p.27).

Embora esse conjunto de fatores diga respeito às características individuais do


estudante, o Relatório não perde de vista as condições econômicas em que o indivíduo se insere
44

e o quanto ela pode ser determinante para a evasão. Destaca, por exemplo, a maneira como os
estudantes precisam escolher suas profissões muito precocemente e aponta a incompatibilidade
de horário entre o trabalho e o estudo como uma das principais causas da evasão (BRASIL,
1996, p.28). Considerações parecidas são feitas ao apontar os fatores internos às instituições:

b) Fatores internos às instituições:


● peculiares a questões acadêmicas; currículos desatualizados, alongados; rígida cadeia
de pré-requisitos, além da falta de clareza sobre o próprio projeto pedagógico do curso;
● relacionados a questões didático-pedagógicas: por exemplo, critérios impróprios de
avaliação do desempenho discente;
● relacionados à falta de formação pedagógica ou ao desinteresse do docente;
● vinculados à ausência ou ao pequeno número de programas institucionais para o
estudante, como Iniciação Científica, Monitoria, programas PET (Programa Especial
de Treinamento), etc.;
● decorrentes da cultura institucional de desvalorização da docência na graduação;
● decorrentes de insuficiente estrutura de apoio ao ensino de graduação: laboratórios de
ensino, equipamentos de informática etc.;
● inexistência de um sistema público nacional que viabilize a racionalização da
utilização das vagas, afastando a possibilidade da matrícula em duas universidades
(BRASIL, 1996, p.29).

Aqui, temos um conjunto de fatores próprios das instituições e, portanto, passíveis de


soluções administrativas em sua maioria. No entanto, é interessante notar como esses fatores
diferem daqueles apontados pelos modelos americanos, pois foram pensados a partir das
particularidades da realidade do ensino superior brasileiro. Se lá imagina-se que o problema da
evasão resulta de uma possível incongruência ou incompatibilidade entre indivíduo e
instituição, ambos concebidos de maneira relativamente estática e ideal, aqui temos a marca da
insuficiência da infraestrutura das universidades (número insuficiente de docentes, poucas
bolsas e programas institucionais, laboratórios e equipamentos insuficientes, etc) e na
elaboração de políticas acadêmicas tanto a nível institucional quanto a nível nacional.
Além disso, embora trate de fatores institucionais, novamente o mundo do trabalho se
impõe como determinante para a evasão. Os problemas relacionados a currículos destacados
pelo Relatório dizem respeito ao descompasso entre a grade curricular, os conhecimentos
adquiridos e as necessidades do mercado de trabalho, descompasso esse que pode causar
frustração nos estudantes que se vêem despreparados para o futuro exercício profissional. Em
seguida, o Relatório destaca que os programas institucionais para o estudante não apenas
45

promovem sua inserção na produção acadêmica, mas, quando acompanhados de bolsas,


também constituem uma importante forma de financiamento para estudantes que ainda não
ingressaram no mercado de trabalho e precisam se sustentar na universidade.

c) Fatores externos às instituições:


● relativos ao mercado de trabalho;
● relacionados ao reconhecimento social da carreira escolhida;
● afeitos à qualidade da escola de primeiro e no segundo grau;
● vinculados a conjunturas econômicas específicas;
● relacionados à desvalorização da profissão, por exemplo, o "caso" das Licenciaturas;
● vinculados a dificuldades financeiras do estudante;
● relacionados às dificuldades de atualizar-se a universidade frente aos avanços
tecnológicos, econômicos e sociais da contemporaneidade;
● relacionados à ausência de políticas governamentais consistentes e continuadas,
voltadas ao ensino de graduação (BRASIL, 1996, p.30-31).

Temos aqui considerações sobre a especificidade de cada curso e suas respectivas


profissões, que variam muito entre si em termos de prestígio social, remuneração etc. Mas,
mais importante, esses fatores relacionam a evasão diretamente a problemas estruturais e que
extrapolam a universidade. Novamente, são fatores que não aparecem nos modelos americanos
e apontam uma série de insuficiências no ensino superior brasileiro: estudantes de baixa renda
com dificuldade para se manterem, mesmo no ensino público e gratuito; defasagem de
aprendizado herdada do ensino fundamental e médio; políticas governamentais que aparecem
e desaparecem constantemente, criando uma situação de incerteza quanto à possibilidade de se
sustentar. Sobretudo, são fatores que mostram a evasão não como escolha deliberada do
estudante, mas como algo que se impõe de fora por razões especialmente econômicas, mas
também por razões ligadas ao reconhecimento social das profissões, à inconstância das
políticas governamentais e aos obstáculos à modernização da universidade.
Com esses fatores em mente, o Relatório apresenta ao final uma série de recomendações
para a melhoria dos índices de desempenho das IES:

● flexibilizar os currículos dos cursos e redimensioná-los em termos de menor carga


horária;
● oferecer atividades de apoio pedagógico a estudantes com dificuldades de
desempenho;
● melhorar a formação pedagógica do docente universitário;
46

● adotar políticas institucionais que valorizem o ensino de graduação, tais como:


destinação de recursos orçamentários exclusivamente para a graduação;
estabelecimento de sistema de bolsas para a atividade de ensino; implantação de linha
de crédito para projeto de pesquisa ou de melhoria pedagógica em ensino; direcionar
recursos orçamentários para reequipamento e manutenção de laboratórios e
bibliotecas; valorização da atuação dos docentes nos cursos de graduação;
● estabelecer mecanismos de apoio psicopedagógico ao estudante;
● criar ou ampliar programas de bolsas acadêmicas;
● elaborar projetos de aprimoramento dos cursos;
● ampliar programas de convênios para estágios dos estudantes junto a empresas, escolas
etc.;
● desenvolver programas de cultura e lazer nas instituições universitárias;
● ação pedagógica organizada em disciplinas com altas taxas de reprovação;
● produção de material de divulgação, junto aos estudantes de ensino médio, a respeito
do perfil dos cursos e das possibilidades de profissionalização a eles vinculadas;
● definição de um sistema público - legislação e registros acadêmicos - que impeça a
duplicidade de inserção dos alunos em cursos oferecidos pelas instituições públicas;
● atualização dos currículos dos cursos e criação de novos cursos que respondam às
mudanças sociais contemporâneas - urbanas, culturais, artísticas, tecnológicas,
organizacionais, etc, contemplando por igual o desenvolvimento do cidadão e do
profissional (BRASIL, 1996, p.34).

Foge ao escopo deste trabalho analisar como esses diagnósticos e recomendações do


Relatório foram incorporados nas políticas implementadas nos anos seguintes pelos diferentes
governos e se tiveram algum impacto na redução das taxas de evasão. Veremos adiante, porém,
que de fato o problema da evasão se institucionalizou ao ser incorporado nos textos legais de
diversas políticas educacionais a nível nacional, como no REUNI e no PNAES.

8. Terceira onda de expansão do ensino superior nos anos 2000 e entrada da evasão
como problema nas políticas públicas educacionais
Na década de 2000, houve um segundo momento em que o estudo sobre evasão ganhou
força seguindo a onda de expansão do acesso ao ensino superior no Brasil (OLIVEIRA e
SILVA, 2020). Segundo o levantamento realizado por Carlotto (2021) com base nos dados do
INEP, observa-se que entre 2000 e 2005 houve enorme crescimento no número de instituições
de ensino superior, puxado especialmente pelo ensino privado. Nos anos seguintes a 2005, o
número de instituições se estabilizou, segundo a autora, porque a criação de novas instituições
— públicas e privadas - foi compensada pela fusão e aquisição de instituições de ensino privado
47

(CARLOTTO, 2021, p. 43), movimento esse que se deu dentro de um processo de crescente
financeirização do mercado educacional e levou à criação de redes de empresas no setor11
(CHAVES e AMARAL, 2016, p.58). Quanto às instituições públicas criadas nesse período,
destaca-se a expansão e interiorização das universidades federais e a transformação dos antigos
Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) em Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia (IFs) entre 2003 e 2010 durante o governo Lula (CHAVES e AMARAL,
2016, p.56).

Figura 10: Evolução do número de instituições entre 1980 e 2018, com destaque para o total a cada quinquênio e
em 1988

Fonte: Carlotto, 2021, p. 44.

O crescimento no número de instituições privadas foi acompanhado pelo crescimento


no número de pesquisas sobre a evasão nessas instituições. Se até os anos 2000 o estudo sobre
evasão foi realizado principalmente dentro das universidades federais, a partir de 2000
começamos a encontrar mais estudos especificamente sobre instituições privadas (ver, por
exemplo, MENDES, 2002; OLIVEIRA, 2004; ALVES, 2005; SÁ, 2005).
Algumas políticas governamentais tiveram um papel central nesse processo de
expansão do ensino superior brasileiro: o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), o Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), o Programa Universidade para Todos
(PROUNI) e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais (REUNI), políticas essas implementadas pelos governos FHC e Lula para responder

11
Para uma descrição detalhada desse movimento de financeirização da educação nos anos 2000, mostrando a
chegada de fundos de investimento em educação no Brasil e a formação de conglomerados educacionais, ver
Oliveira (2009).
48

a três problemas: o das famílias que não podem pagar mensalidades em instituições privadas;
o das vagas ociosas e da inadimplência no setor educacional privado; e o da necessidade de
ampliação das matrículas públicas (CHAVES e AMARAL, 2016, p.59). Para nós, importa
notar que a preocupação com a evasão aparece em todos esses programas e em seus textos
legais - ainda que no caso do FIES, do SINAES e do Prouni essa preocupação seja de menor
importância, como veremos.
O FIES foi criado em 1999 durante o governo FHC - substituindo o antigo Programa
de Crédito Educativo (CREDUC) de 1975 - e transformado em lei em 2001 com a finalidade
de financiar “estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos e com
avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação, de acordo com
regulamentação própria” (BRASIL, 2001). A adesão ao programa, portanto, é condicionada à
avaliação da instituição. Veremos adiante como essa avaliação tangencia o problema da evasão,
mas antes podemos observar que, no texto da lei que instituiu o FIES, consta que, para aderir
ao FIES:
[...] a instituição de ensino deverá comprometer-se em realizar aportes ao FG-Fies [Fundo
Garantidor] por meio da aplicação [...] [de] entre dez e vinte e cinco por cento, do segundo ao
quinto ano da entidade mantenedora no FG-Fies, tendo em vista que o aporte poderá variar em
função da evasão dos estudantes, do não pagamento da coparticipação ou do não pagamento de
outros valores devidos pelo estudante financiado pelo Fies, na forma a ser estabelecida em
regulamento, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies (BRASIL, 2001).

Há no FIES, portanto, um incentivo à redução das taxas de evasão pela redução dos
aportes ao Fundo Garantidor do FIES necessários à sua participação pela instituição, embora
não tenhamos dados para saber o quanto essa determinação influi ou não sobre a administração
das instituições participantes.
Mais importante, no caso do FIES, é a centralidade da avaliação institucional para o
programa. Até 2004, essa avaliação feita pelo Exame Nacional de Cursos (ENC), e a partir de
então passou a ser feita através do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
(Sinaes), sistema criado para “assegurar processo nacional de avaliação das instituições de
educação superior, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico de seus estudantes”
(BRASIL, 2004). Coimbra, Silva e Costa (2019), analisando o texto da lei, destacam os
objetivos de aumento da eficiência e eficácia da educação superior, - termos que, embora não
encontrem-se tipificados no texto, geralmente carregam a conotação de melhoria da relação
custo/benefício e o grau em que as metas estabelecidas são atingidas. Por princípio, então, os
49

autores pontuam a evasão como um dos parâmetros que poderiam ser considerados na
avaliação desta relação custo/benefício.
O SINAES é composto também por uma série de outros instrumentos, como a
autoavaliação. Coimbra, Silva e Costa (2019) apontam duas aparições do termo evasão no
documento “Orientações Gerais para o roteiro da autoavaliação das Instituições” (2004):

A primeira refere-se à descrição das ações planejadas pelas IES em que a “definição da
composição dos grupos de trabalho, atendendo aos principais segmentos da comunidade
acadêmica (avaliação de egressos e/ou dos docentes; estudo de evasão etc)” (BRASIL, 2004, p.
10) apresenta-se como uma das ações. O estudo de evasão, neste caso, é responsabilidade dos
grupos de trabalho a serem criados pelas IES em sua autoavaliação. A segunda vez, a palavra
aparece no item “Políticas de atendimento aos estudantes” em que se apresentam como parte do
núcleo básico e comum: Mecanismos/sistemáticas de estudos e análises dos dados sobre
ingressantes, evasão/ abandono, tempos médios de conclusão, formaturas, relação
professor/aluno e outros estudos tendo em vista a melhoria das atividades educativas (BRASIL,
2004, p. 33) (COIMBRA,SILVA e COSTA, 2019, p. 6).

De maneira semelhante ao texto do FIES, a evasão aparece apenas como um problema


lateral, não tipificada, sem métricas claras e restrita à autoavaliação institucional, um tipo de
avaliação que, dentro do programa do SINAES como um todo, possui menor relevância.
O Prouni, criado no contexto da Reforma Universitária do governo Lula, buscava
sobretudo ampliar o acesso ao ensino superior, mas mantendo baixos custos para o governo. O
objetivo buscado pelo Plano Nacional de Educação - dentro do qual se enquadra o Prouni - era
o de aumentar a parcela de jovens de 18 a 24 anos matriculados em curso superior para 30%
até 2010. Para tanto, criou-se o programa para aproveitar as vagas ociosas em instituições de
ensino privado em um modelo de oferta de bolsas para estudantes. As instituições participantes,
em troca, beneficiariam-se com isenções fiscais.
Antes mesmo de olhar para o texto da lei, podemos observar que o problema da evasão
no ensino superior privado, concebida como prejuízo financeiro para as instituições, esteve
presente no debate durante o processo de formulação e aprovação do Prouni. Catani e Gilioli
(2005), analisando o lobby das associações de mantenedoras de instituições de ensino privadas
no Congresso, descrevem como o projeto de lei original foi desfigurado para atender as
demandas dessas associações. Uma das alterações dizia respeito aos valores máximos de renda
per capita exigidos dos estudantes que quisessem obter bolsas:
50

[...] o Prouni começava a ser desfigurado. Na melhor das hipóteses, constituiu-se em programa
assistencialista, que prioriza o acesso – e não a permanência – do estudante ao ensino superior.
Aliás, até os próprios representantes das mantenedoras levantaram a questão da permanência:
“Um dos pontos criticados por representantes das instituições e dos estudantes é a renda per
capita exigida, de um salário mínimo, o que impossibilitaria o estudante de se manter na
universidade” (TAKAHASHI, 2004). Contudo, a advertência tinha destino certo, pois as bolsas
parciais para estudantes de renda muito baixa não resolveriam o problema crônico da evasão
escolar (e, portanto, da receita auferida com as mensalidades) nas IES privadas. Daí a sugestão
de ampliar a renda familiar per capita para 3 salários mínimos (CATANI e GILIOLI, 2005, p.
58).

Uma das demandas das associações era a possibilidade de ofertar bolsas de 50% ou
menos aos estudantes, demanda que foi atendida no projeto de lei. Um estudante com bolsa de
50%, porém, se tiver uma renda per capita familiar muito baixa, dificilmente conseguiria se
manter na universidade. Imaginava-se, assim, que o aumento da faixa de renda para bolsas
menores que 50% diminuiria a chance de evasão desses estudantes. Essas e outras alterações
ajudaram a tornar o Prouni um grande motor da expansão do ensino superior privado no Brasil,
especialmente em função do modelo adotado de renúncia fiscal como contrapartida estatal para
as instituições privadas participantes.
Olhando agora para o texto da lei, encontramos uma menção pontual ao problema da
evasão:
Assim que atingida a proporção estabelecida no caput deste artigo para o conjunto dos
estudantes de cursos de graduação e seqüencial de formação específica da instituição, sempre
que a evasão dos estudantes beneficiados apresentar discrepância em relação à evasão dos
demais estudantes matriculados, a instituição, a cada processo seletivo, oferecerá bolsas de
estudo integrais na proporção necessária para restabelecer aquela proporção (BRASIL, 2005).

Assim como no caso do FIES e do SINAES, a evasão aparece aqui como um problema
administrativo, e o texto parece criar um incentivo ao uso de mecanismos de avaliação para
conhecer os níveis de evasão de alunos bolsistas e não-bolsistas. No entanto, assim como vimos
com as políticas anteriores, não fica claro como essa avaliação deve ser feita, qual a definição
de evasão adotada, e também não temos dados que indiquem qualquer influência dessa
determinação sobre a administração das instituições.
Essa falta de clareza por parte do governo não significa, obviamente, que as políticas
públicas não tenham sido alvo de escrutínio por parte de pesquisadores. E um dos critérios mais
51

importantes para avaliar a eficiência dessas políticas, além da expansão do acesso, será a taxa
de evasão entre os seus beneficiários.
Silva e Santos (2017) compararam os efeitos dos benefícios do FIES e do PROUNI
sobre as taxas de evasão, utilizando dados do INEP de 243 universidades privadas entre 2005
e 2013. Correlacionando o número de bolsas (parciais e integrais) do PROUNI e de contratos
de FIES com as taxas de evasão ano a ano, os autores constataram que “a evasão é reduzida
quando há o incremento de bolsas do PROUNI e aumentada quando há o incremento de
contratos do FIES” (SILVA E SANTOS, 2017, p.753), demonstrando maior efetividade do
modelo do PROUNI na redução das taxas de evasão.
Costa e Ferreira (2017) também chegaram à mesma observação do resultado
relativamente positivo do PROUNI na redução das taxas de evasão. Comparando o número
total de estudantes beneficiados em 2007 (310.186) com o número desses estudantes que
concluíram seus cursos dentro do prazo esperado em 2012 (277.912), os autores apontam que
10,4% não conseguiram concluir - número bem menor do que as taxas de evasão geralmente
observadas no setor público (34,4%, segundo o mesmo cálculo) e no setor privado (41,7%)
(COSTA E FERREIRA, 2017, p.157).
Encontramos, assim, uma preocupação com a evasão na formulação do FIES, do
SINAES e do Prouni, ainda que tangencial. Situação distinta é aquela do REUNI, em que a
evasão figura de maneira mais evidente e acompanhada de métricas e metas para sua redução.
Essa diferença deve-se, sobretudo, aos próprios princípios de concorrência por meio da gestão
por resultados que norteiam o REUNI e retomam, em certa medida, a tendência observada nas
políticas educacionais do governo FHC.
O REUNI vigorou entre 2007 e 2012, criado com o objetivo de “criar condições para a
ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação, pelo melhor
aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades federais”
(BRASIL, 2007). A rigor, o REUNI recompensa as universidades que queiram aderir ao
programa destinando-lhes recursos financeiros e materiais, condicionando o financiamento à
elaboração de um plano de reestruturação e ao cumprimento de metas previamente acordadas.
Como observam Traina-Chacon e Calderon:

O modelo de gestão das IES Federais, adotado no REUNI, é o da política para atingir metas,
implantado com o modelo de controle de resultados e foco na eficiência e nos resultados. A
ampliação da oferta de educação superior se deu pelo aumento de vagas de ingresso,
52

principalmente no período noturno, redução de taxas e de evasão e ocupação de vagas ociosas


(TRAINA-CHACON e CALDERÓN, 2015, p. 89).

O resultado prático foi um ambiente de competição entre universidades federais por


uma fatia maior do orçamento do MEC destinado ao programa (LIMA, AZEVEDO e CATANI,
2008), que, na prática, representou um acréscimo de apenas 20% no orçamento das
universidades (BRASIL, 2007). Um dos saldos da implementação desse programa foi uma
mudança nas formas de administração universitária decorrente do próprio modelo orientado
por metas e do sistema de financiamento (SANTOS, 2009, p.40). Na dinâmica de elaboração
de planos de reestruturação e avaliação de políticas para a obtenção desses recursos, as
universidades viram-se obrigadas a elaborar seus próprios mecanismos de avaliação interna e
gerenciamento.
No texto do decreto do REUNI, a redução das taxas de evasão figura no topo da lista
das diretrizes:
O Programa terá as seguintes diretrizes:
I - redução das taxas de evasão, ocupação de vagas ociosas e aumento de vagas de
ingresso, especialmente no período noturno;
II - ampliação da mobilidade estudantil, com a implantação de regimes curriculares e
sistemas de títulos que possibilitem a construção de itinerários formativos, mediante o
aproveitamento de créditos e a circulação de estudantes entre instituições, cursos e
programas de educação superior;
III - revisão da estrutura acadêmica, com reorganização dos cursos de graduação e
atualização de metodologias de ensino-aprendizagem, buscando a constante elevação
da qualidade;
IV - diversificação das modalidades de graduação, preferencialmente não voltadas à
profissionalização precoce e especializada;
V - ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil; e
VI - articulação da graduação com a pós-graduação e da educação superior com a
educação básica (BRASIL, 2007).

Nesse plano, metas foram explicitamente colocadas para as taxas de conclusão/evasão,


estabelecendo como objetivo do plano um máximo de 10% de evasão nas instituições federais
(BRASIL, 2007). Além disso, não apenas a redução da evasão figura como um objetivo central
do programa, mas também o próprio fenômeno da evasão é claramente definido e métricas são
propostas para sua avaliação no documento das Diretrizes Gerais do REUNI, como apontam
Araújo e Pinheiro:
53

Entre os indicadores de desempenho, foram privilegiados os seguintes: a) taxa de conclusão dos


cursos de graduação, definida como a relação do total anual de diplomados nos cursos de
graduação presenciais (DIP) e total anual de vagas de ingresso oferecidas pela instituição (ING)
cinco anos antes; [...] A matrícula projetada em cursos de graduação é definida como a projeção
do total de alunos matriculados na universidade, realizada com base no número de vagas de
ingresso anuais de cada curso de graduação presencial, a sua duração padrão (tempo mínimo,
medido em anos, para integralização curricular) e um fator de retenção estimado para cada área
do conhecimento (ARAÚJO e PINHEIRO, 2010, p.659-660).

Nota-se como particularidade do REUNI, em contraposição às políticas do FIES e do


Prouni, o esforço de elaboração conceitual do fenômeno da evasão e a definição de métricas
muito claras para sua avaliação. Mas, apesar desse esforço, os resultados observados do REUNI
nas taxas de evasão foram bastante variados.
Lamers, Santos e Toassi (2017) analisaram a evasão de estudantes de um curso noturno
de odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) criado na esteira do
REUNI. Considerou-se os dados de 121 estudantes do curso entre 2010 e 2014, dos quais 24
evadiram nesse período: 19 migraram para o mesmo curso diurno, 3 abandonaram o curso, 1
mudou para outro curso e 1 mudou para o mesmo curso em outra universidade (LAMERS,
SANTOS e TOASSI, 2017, p.9). Embora os autores identifiquem o curso de odontologia como
um dos cursos com as menores taxas de evasão no Brasil, no caso específico do curso noturno
observou-se uma taxa de evasão maior, quando comparada com o mesmo curso diurno. Deve-
se notar, porém, que a maioria desses evadidos abandonaram a modalidade de curso noturna,
mas não o curso em si, a instituição ou o ensino superior. Isso tudo sugeriria, assim, certa
fragilidade dos cursos noturnos nesta carreira. Na sequência, os autores apresentam os dados
da pesquisa qualitativa realizada via entrevista com os estudantes, identificando suas
percepções acerca do curso. Especificamente em relação à modalidade noturna, os autores
chamam atenção para as dificuldades de conciliação entre trabalho e estudo enfrentadas pelos
estudantes trabalhadores.
Campos (2017) analisou as taxas de evasão nos bacharelados interdisciplinares da
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM - Campus Diamantina)
criados com recursos do REUNI. A pesquisa usou dados de questionários aplicados com 72
estudantes evadidos entre 2009 e 2015, 45 do bacharelado em Ciência e Tecnologia e 27 do
bacharelado em Humanidades, ambos cursos criados em 2009. Como aponta a autora,
imaginava-se que os bacharelados interdisciplinares diminuiriam as taxas de evasão em
54

comparação com cursos tradicionais por oferecerem uma formação mais abrangente nos
primeiros anos do curso e permitirem ao estudante escolher sua formação a posteriori, mas não
foi isso o que se observou (CAMPOS, 2017, p. 83). Porém, de acordo com dados das
coordenações de cada curso apresentados nas tabelas abaixo, as taxas de evasão durante o
período analisado nunca estiveram abaixo dos 30% — taxa geralmente considerada alta em
estudos sobre evasão. Além disso, os dois principais motivos para a evasão relatados nas
respostas aos questionários pelos estudantes evadidos foram, primeiro, a transferência para
outras universidades (25,6%) — segundo Barreto Andrade (2014), em busca de cursos mais
tradicionais e consolidados — e, segundo, dificuldades financeiras (14%).

Tabela 1: Taxas de diplomação e evasão por período dos bacharelados em ciência e tecnologia (BCT)

Fonte: Campos, 2017, p.57


55

Tabela 2: Taxas de diplomação e evasão por período dos bacharelados em humanidades (BHu)

Fonte: Campos, 2017, p.58.

Prestes e Fialho (2018) analisaram as taxas de evasão de todos os cursos da


Universidade Federal da Paraíba durante o período de vigência do REUNI, entre 2007 e 2012,
muitos desses cursos criados na esteira do programa. Considerando a instituição em geral, os
autores observaram que nesse período a taxa de evasão manteve-se praticamente inalterada a
15%. No nível dos cursos, porém, os resultados foram contraditórios. Dos dez centros que
compõem a UFPB, apenas quatro apresentaram diminuição na taxa de evasão, enquanto os
demais apresentaram aumento.
56

Tabela 3: Taxas de evasão por centro no campus I da UFPB em 2007 e 2012 12

Fonte: Prestes e Fialho, 2018, p.879

Um outro conjunto de políticas públicas formou-se a partir de um processo diferente,


menos voltadas para a expansão do ensino superior e mais para a permanência de estudantes
de baixa renda: as políticas de assistência estudantil. Vimos até aqui de que maneira as políticas
que produziram a expansão do ensino superior em número de instituições e em número de
matrículas abordaram a questão da evasão e com qual nível de detalhamento a incluíram em
seus respectivos textos legais. No entanto, não raro recai sobre essas políticas a crítica de que
elas privilegiaram somente o acesso ao ensino superior - em especial, o ensino superior privado
-, de fato obtendo bons resultados nesse sentido, mas não produziram o mesmo efeito sobre a
permanência estudantil em geral (CATANI, HEY e GILIOLI, 2006; MACIEL, LIMA e
GIMENEZ, 2016). Esse diagnóstico veio acompanhado da percepção de que o problema da
permanência é atravessado por questões de classe e raça, de forma que estudantes negros ou de
baixa renda apresentam maiores chances de evasão em razão de dificuldades financeiras que
impossibilitam a continuação dos estudos (IMPERATORI, 2017, p.289). Em suma, cresceu a
possibilidade de acesso ao ensino superior, mas com a entrada de estudantes em condições de
vulnerabilidade econômica, as condições de permanência tornaram-se mais desiguais.
Pelo menos desde a Constituição de 1988, entidades e movimentos sociais pautaram a
luta por políticas de assistência estudantil no Brasil. Imperatori (2017, p.292) destaca o papel
do Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace), da

12
CE: Centro de Educação; CCS: Centro de ciências da saúde; CHLA: Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes; CJ: Centro de Ciências Jurídicas; CT: Centro de Tecnologia; CTA: Centro de Comunicação, Turismo e
Arte; CCSA: Centro de Ciências Sociais Aplicadas; CI: Ciências da Informação; CEN: Centro de Ciências Exatas
e da Natureza; CCM: Centro de Ciências Médicas
57

Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e
de movimentos estudantis como a União Nacional dos Estudantes (IMPERATORI, 2017,
p.292) no processo de construção dessas políticas, reconhecendo a importância dos aspectos
socioeconômicos para a permanência de estudantes no ensino superior.
Esses atores participaram dos debates que levaram à formulação do Plano Nacional de
Assistência Estudantil (PNAES), instaurado em 2007 pelo MEC como uma Portaria Normativa
e posteriormente formalizado como Decreto em 2010. O Plano foi criado para atender
estudantes de baixa renda de cursos presenciais de instituições federais de ensino superior. Os
estudantes prioritariamente atendidos são aqueles oriundos da rede pública de educação básica
ou com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio. Constam como objetivos
do PNAES:

I – democratizar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal;


II - minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão da
educação superior;
III - reduzir as taxas de retenção e evasão; e
IV - contribuir para a promoção da inclusão social pela educação (BRASIL, 2010).

Vemos que a redução das taxas de retenção (quando o estudante permanece no curso
por mais tempo do que o necessário) e evasão figuram como objetivos centrais dessa política a
serem alcançados por meio de ações de assistência estudantil. Essas ações devem desenvolver-
se nas áreas da “moradia estudantil, alimentação, transporte, atenção à saúde, inclusão digital,
cultura, esporte, creche, apoio pedagógico, e acesso, participação e aprendizagem de estudantes
com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação”
(BRASIL, 2010). Trata-se, assim, de amplo conjunto de eixos de atuação, ficando a cargo de
cada instituição elaborar e executar seus programas de assistência para cada área “de acordo
com as suas necessidades e especificidades locais” (IMPERATORI, 2017, p.297).
Assim, em cada instituição encontramos uma série de bolsas e auxílios específicos, com
critérios, normas e valores diferentes. Maciel, Lima e Gimenez (2016), por exemplo,
analisando as políticas de permanência em três instituições federais (Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul, Universidade Federal de Mato Grosso, e Universidade Federal da Grande
Dourados), encontraram o seguinte quadro de programas:
58

Quadro 3: Políticas e programas de permanência na UFMS, UFMT e UFGD

Fonte: Maciel, Lima e Gimenez, 2016, p.769.

Notamos, em primeiro lugar, certos programas específicos de uma dada instituição,


muito provavelmente criados e implementados para responder a demandas locais, o que se
explica pela autonomia concedida às instituições pelo PNAES para formularem e executarem
suas próprias políticas de assistência. Mas notamos também programas comuns às três
universidades, como as bolsas relacionadas à atividade de pesquisa e ensino, bolsa permanência
e auxílio alimentação.
Alguns estudos sobre evasão buscaram avaliar especificamente a influência do PNAES
sobre as taxas de evasão e de diplomação de diversas universidades públicas.
Saccaro (2016), por exemplo, analisou o impacto das bolsas de permanência e outros
auxílios do PNAES sobre as taxas de evasão em todas as instituições de ensino superior federais
entre 2009 e 2012, considerando especificamente os alunos que ingressaram em 2009 por meio
do sistema de cotas, com base nos dados do Censo da Educação Superior. Nos resultados,
encontrou-se que todos os benefícios tiveram impacto positivo para a permanência de
estudantes de baixa renda, sugerindo que quanto maiores os recursos recebidos pelos estudantes
cotistas, menor a sua taxa de evasão. A redução da taxa de evasão encontrada por Saccaro
(2016, p.48-49) nesse grupo foi de aproximadamente seis pontos percentuais ao longo do
período considerado.
Cespedes et al. (2021) avaliaram o impacto do programa de auxílio para estudantes da
Universidade Federal de São Paulo, programa financiado pelo PNAES. Para isso, compararam
59

as taxas de evasão e de rendimento acadêmico entre estudantes participantes e não-


participantes com perfil de renda igual (renda per capita de até 1,5 salário mínimo). Analisando
as taxas de evasão desse conjunto de estudantes de baixa renda, os autores constaram menores
taxas de evasão entre os estudantes que receberam algum tipo de auxílio do programa:

Figura 11: Distribuição percentual da situação acadêmica dos estudantes do grupo 1 (até 1,5 salário mínimo per
capita) e participação no programa

Fonte: Cespedes et al., 2021, p.1078.

Juntas, mas em diferentes medidas, todas as políticas aqui mencionadas (FIES,


SINAES, PROUNI, REUNI e PNAES) contribuíram para a expansão do ensino superior
brasileiro nos anos 2000 e, como subproduto desse processo, incentivaram novos estudos sobre
evasão. Mais especificamente na sequência do REUNI, pode-se dizer que houve um segundo
momento de crescimento dos estudos sobre evasão no Brasil (OLIVEIRA e SILVA, 2020).
Observamos, assim, que nos anos 2000 ocorreu um passo importante no processo de
consolidação da evasão enquanto problema, pois agora sua avaliação e a preocupação com sua
redução encontram-se fixadas nos textos legais de políticas públicas nacionais, correspondendo
à etapa de institucionalização dos problemas sociais tal como descrita por Lenoir (1996).

9. Expansão do ensino a distância a partir dos anos 2000


Ao longo dos anos 2000, devemos também destacar outra importante mudança no
ensino superior brasileiro que passou a constituir tema de relevo nos estudos sobre evasão: a
expansão do ensino a distância.
60

É possível retraçar o crescimento do ensino superior a distância no Brasil pelo menos


desde 2000, ano em que o Censo da Educação Superior passou a contabilizar matrículas nessa
modalidade de ensino. No gráfico abaixo, vemos que, desde que o Censo passou a contabilizar
matrículas EaD, essas passaram a crescer em ritmo constante, chegando a superar o ritmo de
crescimento das matrículas presenciais depois de 2015:

Figura 12: Evolução anual das matrículas presenciais e à distância (1995-2018)

Fonte: Carlotto, 2021, p.46.

Esse movimento de crescimento do EaD, porém, foi muito mais acentuado no sistema
privado, que passou a crescer quase que exclusivamente nessa modalidade (CARLOTTO,
2020, p. 53). Mas isso não significa que o sistema público não tenha passado por uma
flexibilização no sentido da ampliação de vagas na modalidade EaD.
Os cursos a distância foram primeiro considerados uma opção educacional válida pela
já mencionada LDB de 1996, que definiu diretrizes para a EaD em todos níveis de ensino -
ainda que naquele contexto ela fosse voltada principalmente para a educação de adultos
(BARROS et al., 2010, p. 15). Depois, em 2005, temos a criação da Universidade Aberta do
Brasil, um programa voltado para a capacitação de professores da educação básica via EaD
inspirado na iniciativa da Open University no Reino Unido dos anos 1970 (BARROS et al.,
2010, p. 16). No contexto da UAB, universidades federais tornaram-se autorizadas a
oferecerem cursos superiores a distância. O objetivo da política ao ampliar as vagas em
modalidade EaD era o de democratizar o ensino superior, oferecendo cursos para camadas da
população que tinham o acesso dificultado à formação universitária (MENDONÇA et al.,
2020).
Em nosso levantamento de trabalhos sobre evasão, notamos que aqueles dedicados
especificamente à evasão em cursos de ensino a distância, tanto no setor público quanto no
61

setor privado, só começaram a aparecer depois de 2005 e se tornaram mais numerosos desde
então, chegando a tornar-se um dos temas mais pesquisados (MACIEL, CUNHA JUNIOR e
LIMA, 2019, p. 15). Por um lado, a preocupação com esse fenômeno nos dois setores é de
natureza administrativa, pois mais alunos evadindo implicam recursos investidos sem retorno,
perda de receita e ociosidade de professores, funcionários e equipamentos (BITTENCOURT e
MERCADO, 2014). Por outro, considerando somente a evasão nos cursos das universidades
públicas participantes da UAB, deve-se considerar também a preocupação com a
accountability. Uma política pública que objetive a democratização do ensino superior como a
UAB, ou seja, maior acesso e maior número de matrículas, certamente será avaliada nesse
quesito não apenas pelo número de matrículas, mas também pelo número de evadidos.
De maneira geral, o diagnóstico encontrado por esses trabalhos é o de que a evasão na
modalidade EaD tende a ser maior do que na modalidade presencial. Oliveira e Bittencourt
(2020) consideram uma taxa de evasão para cursos EaD que gira em torno dos 40%, segundo
o Censo EaD da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed).
O que há de particular nesse conjunto de estudos é a busca das causas da evasão
relativas às características específicas dos cursos EaD. Listamos aqui algumas causas
levantadas por Favero (2006), Bittencourt e Mercado (2014) e Branco, Conte e Habowski
(2020):
- Concorrência de estímulos no ambiente doméstico, onde tipicamente o
estudante assiste às aulas dos cursos EaD (filhos, cônjuges, ruídos de toda sorte),
exigindo alta capacidade de organização e concentração para os estudos;
- Dificuldade por parte do estudante de assumir uma postura mais autodidata
presumida nos cursos EaD, uma vez que não há relações cara a cara com os
professores;
- A credibilidade percebida do diploma pode mudar subjetivamente a relação
custo/benefício do “sacrifício” para obtê-lo;
- Falta de motivação no curso pela ausência de interações com colegas e tutores;
- Precariedade do modelo de ensino: conteúdos pré-programados, excesso de
conteúdo e de tarefas, falta de acompanhamento do processo de ensino, tutores
desqualificados e em regime de rotação;
- Falta de “alfabetização” tecnológica, que dificulta o manejo das plataformas de
ensino.
62

Segundo esses autores, portanto, as causas da evasão específicas observadas para a


modalidade de EaD giram em torno da baixa qualidade de muitos cursos oferecidos nessa
modalidade de ensino e das dificuldades de adaptação por parte dos estudantes. Essas causas,
porém, não figuram como as mais influentes sobre o processo de evasão. Pelo contrário, as
maiores causas de evasão no EaD são mais gerais: dificuldades econômicas e dificuldade de
conciliação entre estudo e trabalho. Oliveira e Bittencourt (2020), com base nos dados de
pesquisa realizada em nível nacional sobre a percepção dos alunos em relação à qualidade dos
cursos do programa Universidade Aberta, encontraram a dificuldade de conciliar trabalho e
estudo como a causa mais relatada de evasão:

Figura 13: Fatores que culminaram com a desistência de alunos na UAB

Fonte, Oliveira e Bittencourt, 2020, p.3.

Para além da flexibilização legal que permitiu o crescimento da EaD no Brasil desde
1996, Carlotto (2020,p.54) chama atenção ainda para os efeitos recentes da Emenda
Constitucional 95 (popularmente chamada de emenda do “teto de gastos”), da crise do
financiamento do ensino público e da pandemia de COVID-19, que podem impulsionar ainda
mais a expansão do ensino a distância no ensino público. Em razão desse conjunto de fatores,
a modalidade EaD aparece como uma solução de baixo custo operacional, e as restrições de
circulação impostas durante a pandemia podem ter servido de laboratório para a
experimentação e expansão dos cursos online. De fato, a questão da pandemia já começa a
aparecer a partir de 2021 em alguns trabalhos sobre a evasão em cursos a distância, ainda que
de maneira incipiente, pois não há dados robustos ainda que permitam traçar correlações entre
os efeitos da pandemia e a evasão nessa modalidade de ensino (SOSO, 2021).
63

10. Políticas afirmativas a partir dos anos 2000, Lei de Cotas e surgimento do
problema da permanência estudantil
Para além das políticas de assistência já discutidas no contexto do PNAES, devemos
destacar também aquelas criadas em conjunto com políticas afirmativas de reserva de vagas
para estudantes de baixa renda, negros e indígenas a partir dos anos 2000, bem como os estudos
sobre evasão realizados para avaliá-las.
O primeiro programa de reserva de vagas (cotas) no Brasil foi implementado em 2001
pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), deflagrando intenso debate sobre a
efetividade desse tipo de política afirmativa para a democratização do acesso ao ensino
superior. No entanto, mesmo sob intenso debate, diversas outras universidades federais
passaram a adotar algum tipo de política afirmativa para jovens de baixa renda ao longo dos
anos 2000, chegando a 83 instituições em 2010 (GUARNIERI e MELO-SILVA, 2017). Em
2012, a Lei federal de Cotas foi aprovada, determinando a reserva de 50% das vagas de
instituições federais de ensino superior para estudantes de escolas públicas. Desses 50%,
haveria uma reserva de metade das vagas para estudantes negros e indígenas distribuidas de
acordo com a proporção dessas populações em cada estado da federação.
Junto do PROUNI e do Reuni, as políticas afirmativas “associaram expansão à inclusão,
e com isso o aumento do número de vagas foi acompanhado por programas de inclusão e de
permanência nas universidades públicas e por programas de financiamento e bolsas para
ingresso em instituições privadas” (COSTA e PICANÇO, 2020, p.287). Nesse sentido, a
existência de políticas afirmativas na educação superior introduziu uma nova perspectiva nos
debates sobre a evasão. Embora as políticas de cotas por si só priorizassem o acesso de
populações de baixa renda - portanto, sem fazer menção inicialmente ao problema da evasão -
, tendo de fato obtido resultados positivos nesse sentido (LIMA, 2012; SENKEVICS e
MELLO, 2019), logo seguiu-se o diagnóstico de que apenas ampliar o acesso não bastaria para
cumprir o objetivo esperado de democratização do ensino superior: seria preciso implementar
também políticas de permanência. A maneira como a evasão passa a ser pensada nesse contexto
apresenta algumas diferenças importantes em relação à maneira como se discutia a evasão até
então. No âmbito das políticas afirmativas, a evasão aparece mais como um problema da
democratização do ensino superior e redução das desigualdades socioeconômicas da sociedade
brasileira, e menos como problema administrativo acarretando prejuízos em termos de capital
humano. Evidência disso é a maneira como, a despeito das taxas de evasão entre estudantes
cotistas não serem significativamente maiores do que as de estudantes não cotistas - sendo, por
vezes, até menores (GUARNIERI e MELO-SILVA, 2017, p. 189) - as demandas, notadamente
64

pelos movimentos sociais, por políticas de permanência seguiram no debate público e tem se
concretizado na forma de políticas públicas educacionais.
Cardoso (2008), por exemplo, comparando as taxas de evasão de cotistas e não cotistas
de todos os cursos na Universidade de Brasília (UnB) entre 2004 e 2006, encontrou taxas
menores entre os cotistas antes da Lei de Cotas de 2012:

Tabela 4: Taxas de evasão de alunos por coorte e períodos de tempo decorrido desde o ingresso na
UNB entre 2004 e 2005

Fonte: Cardoso, 2008, p.98


65

Pena, Matos e Coutrim (2020), já no contexto da Lei de Cotas, realizaram um estudo


sobre o percurso de estudantes cotistas, por curso, na Universidade Federal de Ouro Preto
(UFOP) entre 2013 e 2016. Quando comparadas as taxas de evasão de cotistas e não cotistas,
não foi encontrada nenhuma diferença estatisticamente significativa ao nível da instituição. No
nível dos cursos, a única discrepância mais acentuada encontrada esteve no curso de serviço
social, no qual poucos estudantes cotistas evadiram (21,4%) proporcionalmente aos não
cotistas (78,8%):

Tabela 5: Situação dos estudantes ingressantes em 2013/1 (matriculados e evadidos) até 2016/1

Fonte: Pena, Matos e Coutrim, 2020, p.44.

Costa e Picanço (2020), também no contexto da Lei de Cotas, analisaram e compararam


a situação de estudantes negros e brancos após a sua adoção na Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), cujas políticas afirmativas conseguiram reduzir significativamente as
desigualdades no acesso de estudantes negros e mais pobres. Portanto, não se está comparando
aqui os estudantes cotistas e não cotistas, mas os estudantes negros e brancos, assumindo que
a Lei de Cotas tornou o acesso e a proporção desses dois grupos nas universidades menos
desigual. Os autores observaram que as taxas de evasão entre estudantes negros e brancos não
eram significativamente diferentes. Porém, quando analisadas as correlações entre diferentes
variáveis e as chances de evasão, notou-se importantes diferenças entre esses dois grupos:

Embora com magnitudes distintas, ser homem, ter filhos e trabalhar no momento do ingresso
reduzem as chances de conclusão. Ter índice socioeconômico mais alto aumenta, por sua vez,
66

as chances de conclusão para ambos os grupos, mas a magnitude é maior para os negros. Para
estes, ter frequentado cursinho é também uma variável significante, que aumenta as chances de
conclusão. [...] Com isso, é possível sugerir que negros e brancos são impulsionados para a
conclusão dos cursos não necessariamente por fatores diferentes, mas por pesos diferentes
desses fatores (COSTA e PICANÇO, 2020, p.297).

Portanto, mesmo que as taxas de evasão sejam parecidas entre negros e brancos, as
variáveis que influenciam nas chances de evasão diferem nos dois casos segundo o recorte de
raça e o reconhecimento dessas variáveis pode informar a criação de políticas de assistência -
no caso do estudo de Costa e Picanço, a principal descoberta nesse sentido foi a importância
dos cursinhos pré-vestibulares e das condições socioeconômicas para as chances de conclusão
dos estudantes negros após a Lei de Cotas.

Esses dados levantam uma importante discussão sobre o tema da evasão entre alunos
cotistas. Aqui, o problema da evasão apresenta matizes diferentes daqueles observados no
contexto dos anos 1990. Primeiro, a preocupação com as taxas de evasão e com a especificidade
desse fenômeno entre estudantes cotistas só poderia surgir nos países que de fato
implementaram as cotas como política afirmativa. Como comenta Dietrich (2022), esse não é
o caso dos EUA, onde as políticas de cotas foram declaradas inconstitucionais em 1978 pela
Suprema Corte e proibidas, e onde os processos de admissão de candidatos a universidades são
pouco transparentes. Não havendo cotas, não há também estudantes cotistas e nem a produção
de dados que possibilitem pesquisas acadêmicas sobre o assunto. O debate sobre políticas
afirmativas nos EUA, nesse sentido, esteve mais no âmbito jurídico, buscando determinar ou
não sua constitucionalidade, do que propriamente no âmbito das políticas públicas
(DIETRICH, 2022). A produção teórica sobre evasão vinda dos EUA, portanto e por princípio,
teria pouco a dizer especificamente sobre a evasão dos nossos estudantes cotistas - embora,
obviamente, também não deva ser prontamente descartada, uma vez que ainda oferece
importantes leituras gerais do fenômeno e aponta para a importância de políticas de
permanência. Mas, de fato, menções aos modelos sociológicos da evasão como os de Tinto
ficam menos recorrentes nas discussões sobre a permanência de cotistas e mais atenção é dada
às suas experiências e condições materiais no ensino superior.
Segundo, esse afastamento não se dá apenas em relação a uma produção específica
sobre evasão, mas em relação à concepção mais geral de qual papel o ensino superior deve
assumir no projeto de redução das desigualdades sociais e econômicas. Embora imbuídos em
67

alguma medida da leitura da teoria do capital humano, segundo a qual investimentos em


educação levam ao desenvolvimento e trabalhadores com ensino superior possuem em média
uma renda maior, os principais interessados nesses estudos e na implementação de políticas de
permanência para cotistas não são os administradores universitários, mas os próprios
estudantes organizados em movimentos sociais — e é nos termos desses interessados que o
problema da evasão foi reformulado. A demanda por esse tipo de política vem principalmente
de parte da militância negra13, indígena e dos estudantes de baixa renda. O próprio sucesso da
política de cotas intensificou essas demandas, uma vez que, com o aumento do número de
estudantes negros dentro das universidades, mais coletivos de estudantes foram surgindo e se
organizando para exigir políticas afirmativas e de permanência (GUIMARÃES, RIOS e
SOTERO, 2020).
Justamente por isso importa tanto compreender quais variáveis específicas influenciam
nas chances de evasão dos cotistas, mesmo que suas taxas de evasão não sejam
significativamente diferentes das taxas dos não cotistas: o pressuposto que pauta a formulação
do problema não é mais somente o das perdas de capital humano, e nem o da busca por maior
eficiência administrativa nas universidades, mas o da função de redução das desigualdades
socioeconômicas que o acesso e a permanência no ensino superior pode promover no Brasil.

11. Considerações finais


Traçamos, assim, um histórico da formulação da evasão de estudantes no ensino
superior enquanto problema social no Brasil. Nosso recorte histórico começa com o início do
processo de mercantilização do ensino superior a partir da década de 1970, tanto pela expansão
do setor privado, quanto pela adoção/imposição de uma nova forma de gerencialismo
universitário nas instituições públicas, baseado na gestão eficiente de recursos, na avaliação
institucional, no ranqueamento e na competição. Esse processo avança nos anos 1990 com as
políticas de cunho neoliberal implementadas sob o governo de FHC, com destaque para a LDB
de 1996. Como observamos, foi nesse contexto que a evasão começou a aparecer no discurso
público e acadêmico como um problema administrativo no Brasil, justamente quando os
mecanismos de avaliação tornaram-se centrais à organização das instituições. As taxas de
evasão, diplomação e retenção passaram a figurar entre os mais importantes critérios de
avaliação e indicadores do grau de eficiência administrativa das instituições de ensino superior.

13
Com a ressalva de que a defesa das cotas como forma de ação afirmativa não foi unânime dentro do Movimento
Negro Unificado, por exemplo, e sequer aceita pelo Movimento Negro Socialista (BRITO e FRANCO, 2011).
68

Menos alunos evadindo, nesse sentido, indicaria menor desperdício de recursos públicos ou
privados e maior eficiência administrativa. Depois, a partir dos anos 2000, identificamos como
o problema da evasão foi incorporado na formulação de políticas educacionais para o ensino
superior, como o FIES, o SINAES, o PROUNI, o REUNI, o PNAES e as políticas afirmativas
de reserva de vagas, como a Lei de Cotas.
A postura sociológica que buscamos adotar ao traçar essa história, com base no trabalho
de Remi Lenoir, nos permitiu observar o intenso trabalho social envolvido nas três etapas de
reconhecimento, legitimação e institucionalização do problema da evasão ao longo do período
entre os anos 1990 e os anos 2010. Permitiu-nos também observar que aquilo que é geralmente
tratado como “evidente” nas discussões sobre o tema da evasão, por vezes, mascara importantes
pressupostos e ignora todo esse processo de construção social por parte de diferentes agentes
— Estado, acadêmicos, mídia, movimentos sociais14 — do que deve ser objeto da atenção
pública.
O que aparece ao pesquisador como evidente quando ele se depara com o tema da
evasão: que a evasão é sempre um problema tanto para instituições, pois denunciam sua
ineficiência administrativa e acarretam prejuízos financeiros, quanto para indivíduos, pois
expressão de fracasso pessoal. Mais do que isso, aparece como evidente que a evasão é um
problema que acomete todos os evadidos da mesma forma, pelo mesmo conjunto de causas e
com as mesmas consequências. Como vimos, essa é a perspectiva na qual se inserem os
modelos explicativos da evasão que analisamos no começo deste relatório e que foram tomados
como referencial teórico para os estudos sobre evasão no Brasil. Os modelos de Spady, Tinto
e Bean, embora variem na maneira de ordenar as variáveis explicativas da evasão e lhes
atribuam pesos diferentes, mobilizam basicamente o mesmo conjunto de variáveis. Mais
importante, são em sua maioria variáveis relacionadas à interação entre indivíduo e instituição
— como se nota, por exemplo, na importância dada por Tinto às ideias de comprometimento
institucional e integração acadêmica. Vimos que essa ênfase na instituição está relacionada ao
contexto em que esses modelos foram criados, no interior do campo temático da higher

14
A mídia e os movimentos sociais certamente foram agentes importantes na construção da evasão enquanto um
problema social no Brasil. Embora tenhamos mencionado pontualmente a atuação da mídia na publicação de
rankings institucionais no contexto de competição universitária dos anos 1990, seu papel não foi devidamente
explorado em nossa pesquisa, o que abre uma importante linha de pesquisa futura. Também mencionamos apenas
pontualmente a presença de alguns movimentos sociais nos debates do PNAES e das políticas afirmativas. Um
possível desdobramento desta pesquisa deverá investigar o papel dos diversos movimentos sociais no processo de
reformulação do problema da evasão, como os movimentos estudantis, tanto universitário como secundarista,
negro, indígena, dos sem universidade, PCD, de gênero etc.
69

education — ainda que mobilizando uma literatura sociológica — em consonância com as


necessidades administrativas das instituições. De saída, isso produz um importante recorte para
o tema da evasão, que passa a ser pensada especialmente em função daquilo que ocorre dentro
das instituições e que está dentro do seu alcance de atuação e influência, dando menos
importância a outros determinantes da evasão, externos a elas, como as condições
socioeconômicas dos estudantes e a inconstância das políticas governamentais de assistência
estudantil.
Uma vez identificadas as prenoções existentes acerca do tema da evasão, seguimos com
uma investigação da trajetória de sua construção enquanto um problema administrativo no
Brasil, em busca das etapas descritas por Lenoir de reconhecimento, legitimação e
institucionalização do problema.
No caso do reconhecimento, interessa identificar como um fenômeno torna-se visível e
digno de atenção, bem como identificar quais agentes atuaram para a formulação desse
fenômeno enquanto um problema social. De fato, quando olhamos para a evasão, embora ela
seja um fenômeno tão antigo quanto as próprias instituições universitárias, há um momento em
que ela passou a ser concebida enquanto um problema e não mais como algo natural ou
esperado. No caso brasileiro, vimos como esse processo de "visibilização" da evasão no ensino
superior ocorreu nos anos 1990, mas que ele foi precedido por um intenso trabalho de
formulação desde os anos 1970. Esse trabalho de formulação se deu no contexto de ascensão
do neoliberalismo enquanto resposta às crises dos anos 1970 e o subsequente redesenho das
fronteiras entre os domínios público e privado. As lógicas gerenciais do setor privado
deslocaram-se para o setor público, tornando sua administração cada vez mais próxima da de
uma empresa — e o mesmo ocorreu com a administração de instituições educacionais, que se
tornaram mais preocupadas com a eficiência na gestão de recursos e com a avaliação
institucional. No Brasil, essa concepção já chegou formulada e legitimada sob a forma de
diretrizes para a educação de órgãos internacionais — como o FMI e o Banco Mundial — de
orientação neoliberal e ancorados nos preceitos da teoria do capital humano. Essa concepção
foi também endossada por acadêmicos preocupados com o papel da educação no
desenvolvimento nacional, como os cientistas sociais reunidos no NUPES da USP. Em resumo,
foi quando a educação começou a ser repensada nos termos da teoria do capital humano e a
avaliação tornou-se central para a administração universitária no Brasil que a evasão passou a
ser reconhecida enquanto um problema administrativo, justamente por se ter tomado as taxas
de evasão como indicadores fundamentais da qualidade da gestão de uma instituição.
70

Seguiu-se a essa primeira etapa de reconhecimento um processo de legitimação e


formulação pública do problema. Para compreender como se dá a legitimação, interessa saber
como diferentes agentes atuaram para promover e inserir um problema no debate público
enquanto uma preocupação social, sendo concebido, portanto, como um problema generalizado
e de implicações não mais pontuais, mas sociais. Observamos como o processo de legitimação
do problema da evasão se deu em meados dos anos 1990 com a atuação do governo brasileiro
e do Ministério da Educação. Foi o MEC um dos principais agentes atuando, nesse momento,
para impor o tema da evasão como um problema administrativo por meio, por exemplo, da
criação de uma Comissão Nacional de Estudos sobre Evasão em 1995. Essa dinâmica de
imposição ficou mais evidente quando analisamos o conteúdo do relatório produzido pela
Comissão no ano seguinte. Ali, notamos como a evasão foi de fato tomada como um problema,
pois a esta altura já se tratava de uma imposição inescapável, mas essa imposição não se deu
sem resistência e estranhamentos. Pelo contrário, diante da impossibilidade de recusar a
legitimidade do tema, os membros da Comissão entraram na disputa pelo sentido do problema
da evasão, criticando a leitura economicista e descontextualizada sobre o fenômeno da evasão
vinda do MEC. Assim, o Relatório contextualiza o problema da evasão a partir da realidade do
ensino superior brasileiro. Ocorre que, mesmo que seus sentidos estivessem em disputa, o
problema administrativo da evasão já se encontrava em processo de legitimação. Pode-se
considerar, inclusive, a inauguração de uma linha de pesquisa sobre a evasão no ensino superior
como parte integrante desse processo de legitimação e imposição do problema aos acadêmicos
que, embora passem a disputar seus sentidos, fazem-no usando os termos de certo modo já
impostos, alimentando os processos de reconhecimento e legitimação do problema.
Uma vez legitimado, o problema administrativo da evasão passou por um processo de
institucionalização ao longo dos anos 2000. Para Lenoir, uma das principais maneiras pelas
quais um problema se institucionaliza está na dimensão jurídica, com a sua fixação sob a forma
de lei. Assim, observamos como, nessa década, diversas políticas públicas voltadas à expansão
e reestruturação do ensino superior, tanto público como privado, incorporaram a preocupação
com a evasão no seu processo de formulação e em seus textos legais. Vimos como a evasão
apareceu — ainda que tangencialmente — como um dos critérios avaliativos do SINAES,
sistema de avaliação das instituições de ensino superior brasileiras usado para classificar as
instituições participantes do FIES, e como uma preocupação das associações mantenedoras que
interferiram na formulação do PROUNI. Foi sobretudo no texto do REUNI em 2007 que a
redução das taxas de evasão apareceu como objetivo principal, acompanhado de uma
formulação clara e explícita da definição de evasão, como calculá-la, e quais as metas para sua
71

redução. Também de 2007, o texto do PNAES incorporou a preocupação da evasão como um


de seus objetivos a serem alcançados por meio de políticas de assistência estudantil. No entanto,
o processo de formulação do PNAES e a maneira como o problema da evasão foi ali colocado
já começa a apontar para um reformulação do problema da evasão.
Que um determinado problema social tenha passado pelos processos de
reconhecimento, legitimação e institucionalização não significa que a maneira já consagrada
de conceber esse problema se eternize, livre de disputas. Novos agentes com interesses
diferentes podem se apresentar e disputar os sentidos de um determinado fenômeno,
desencadeando um novo processo de construção desse fenômeno enquanto um problema
social, mas agora em outros termos. Esse tipo de processo começou a acontecer com o tema da
evasão ao longo dos anos 2000, e as suas primeiras marcas já se fizeram observar no processo
de formulação do PNAES. Vimos como, além de ser uma política pública diferente das demais
mencionadas por não promover a expansão do ensino superior, mas a redução da evasão de
estudantes de baixa renda, o PNAES também teve outros grupos sociais envolvidos na sua
formulação, como a União Nacional dos Estudantes. No entanto, foi com as políticas
afirmativas criadas a partir dos anos 2000 que esse processo de reformulação se intensificou.
As políticas de reserva de vagas (cotas) implementadas nas universidades federais a
partir de 2001 e multiplicadas desde então até a adoção da Lei de Cotas em 2012, levantaram
um intenso debate sobre a permanência estudantil. Essas políticas se mostraram efetivas ao
ampliar o acesso de grupos sociais historicamente excluídos do ensino superior, modificando
o perfil discente das universidades mais rápido do que a capacidade das universidades de
compreenderem essas mudanças e de se transformarem para atender um novo conjunto de
demandas que se formava. Em especial, a demanda que surge desse processo é a da
permanência dos estudantes cotistas ancorada na ideia de que, para promover uma real política
afirmativa para esses estudantes, não basta garantir seu acesso: é preciso também garantir que
eles permaneçam na universidade, possam viver plenamente a “experiência acadêmica” em
suas diversas dimensões intelectuais e obtenham um diploma.
Vimos como a formulação do problema da evasão, nesse contexto, é diferente da sua
formulação enquanto problema administrativo, a começar pelos diferentes agentes envolvidos
nesse processo: não mais administradores universitários, mas diversos movimentos sociais,
estudantis, movimentos negros, entre outros. Aqui, a evasão não é pensada como um problema
da administração da instituição e tampouco como um problema nos termos da teoria do capital
humano, para a qual a evasão equivaleria a menos profissionais qualificados no mercado de
trabalho e menor possibilidade de desenvolvimento econômico nacional. Pelo contrário, a
72

evasão… ou melhor, a permanência dos estudantes cotistas, sejam eles de baixa renda, negros,
indígenas etc, passa a ser pensada como um caminho para a redução de desigualdades sociais
e econômicas da sociedade brasileira, colocando em questão qual deve ser o papel das
universidades nesse processo. Note-se que o próprio léxico se modifica para formular esse
problema, geralmente substituindo o termo evasão — muito associado à visão administrativa
da instituição — pelo termo permanência — mais associado à perspectiva do aluno que quer
permanecer. Note-se também que, a evidência maior desse afastamento com relação à
concepção administrativa do problema da evasão está num conjunto de dados que demonstra
que as taxas de evasão dos estudantes cotistas, ao contrário do que se imaginava, não são
maiores do que as taxas de evasão de estudantes não cotistas.
Essa reflexão final, ainda pouco desenvolvida, abre muitos caminhos de pesquisa sobre
o tema da evasão. Primeiro, gostaríamos de compreender a dinâmica dessa reformulação do
problema da evasão e o que permite que o debate sobre a permanência avance mesmo diante
da constatação de que não há diferenças significativas nas taxas de evasão. Segundo, identificar
essa reformulação do problema levanta importantes questões sobre os sentidos que a evasão
pode assumir em diferentes contextos para diferentes perfis de estudantes. Assim como as
causas da evasão variam muito na comparação entre estudantes cotistas e não cotistas ou
brancos e negros, é justo assumir que evadir também pode significar coisas muito diferentes e
apresentar consequências diversas para cada grupo de estudantes a depender de sua condição
social e econômica. Por fim, devemos reconhecer como uma limitação deste relatório nosso
enfoque quase exclusivo na dimensão acadêmica da formulação do problema da evasão,
negligenciando outros agentes importantes nesse processo. A mídia e os movimentos sociais
certamente foram agentes importantes na construção da evasão enquanto um problema social
no Brasil. Embora tenhamos mencionado pontualmente a atuação da mídia na publicação de
rankings institucionais no contexto de competição universitária dos anos 1990, seu papel não
foi devidamente explorado em nossa pesquisa, o que abre uma importante linha de pesquisa
futura. Também mencionamos apenas pontualmente a presença de alguns movimentos sociais
nos debates do PNAES e das políticas afirmativas. Um possível desdobramento desta pesquisa
deverá investigar o papel dos diversos movimentos sociais no processo de reformulação do
problema da evasão como permanência, como os movimentos estudantis, tanto universitário
como secundarista, negro, indígena, dos sem universidade, PCD, de gênero etc.
73

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