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Representações Sociais de pesquisadoras sobre Escolas Cívico-Militares no Estado do Pará:

educar ou treinar?
1-Introdução
Este estudo apresenta um recorte do projeto de pesquisa “Olhares psicossociais para a prática
docente”, desenvolvido por nós e demais componentes do Centro Internacional de Estudos em
Representações Sociais e Subjetividade – Educação (CIERS-ed) e da Cátedra UNESCO sobre
Profissionalização Docente (Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas). Neste
recorte, abordamos as práticas educativas de uma escola cívico-militar do ensino público no Estado do Pará.
O trabalho entrelaça as representações sociais de três pesquisadoras, a partir do contexto da pesquisa
e das percepções oriundas da coleta das informações que seguiu o protocolo do projeto matriz sobre as
práticas docentes. O questionamento central gira em torno do seguinte enunciado: quais são as
representações sociais que três pesquisadoras do campo da educação possuem sobre a escola cívico- militar
e as implicações para as práticas educacionais?
O estudo objetiva analisar as representações sociais que três pesquisadoras do campo da educação
possuem sobre a escola cívico-militar e as implicações nas práticas educacionais. Os objetivos específicos
foram: a) caracterizar a escola cívico-militar com recorte na estrutura da escola, no ensino-aprendizagem e
nos protocolos de normas e regras que os alunos/as devem seguir e; b) destacar as imagens e sentidos que
organizam as representações sociais de três pesquisadoras do campo da educação sobre a escola cívico-
militar e as possíveis implicações dessas práticas educacionais.
Desde seu surgimento, o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM) chegou como
uma solução mágica para todos os problemas relacionados à educação pública. Lançado em 2019, pelo ex-
ministro Abraham Weintraub, o programa incorpora às unidades escolares militares da reserva, policiais e
bombeiros, com o argumento de criar um ambiente mais seguro e resgatar os “antigos valores morais”,
aplicando disciplina à juventude.
Segundo o Ministério da Educação (MEC), 216 escolas tiveram esse projeto implementado. Em de
Santa Catarina, são mais de 20 unidades, entre municipais e estaduais, presentes principalmente nos bairros
mais proletários das cidades. Na prática, a política educacional para a juventude da periferia é literalmente
a polícia.
Sob um regime repressivo contra os estudantes há muito tempo existe uma disputa dos setores mais
reacionários para estabelecer um controle na formação da juventude, através de um regime militarizado
dentro das instituições de ensino. A verdade é que o PECIM aprofunda ainda mais a marginalização da
juventude, sendo esta tratada exclusivamente como “caso de polícia”. Outros modelos ganham destaque por
terem a proposta de formar uma base que no futuro assumirá o papel de atuar como braço repressor do
estado.
Da mesma forma que a extrema-direita tenta impor fórmulas de doutrinação intervindo no sistema de
educação, é importante entendermos que projetos como o NEM também trazem uma proposta ideológica
baseada no pensamento dos empresários e banqueiros. Além de contribuir com a privatização do ensino,
prega uma ilusão para a juventude, através do empreendedorismo, incentivando a precarização do trabalho
e ajudando a formar um exército reserva de mão-de-obra disposto a aceitar qualquer condição de trabalho
para garantir o mínimo de renda.
Importa destacar que, assim como o fenômeno da militarização é recente e avassalador nas
consequências para as redes públicas de ensino, a produção do conhecimento sobre esse modelo de escola
tem ganhado destaque e cresce nas universidades brasileiras, na produção de teses e dissertações. No
entanto, sua divulgação nos periódicos ainda é muito incipiente, tendo obtido pouco espaço nas publicações
brasileiras no conjunto das temáticas em educação. Considerando as dificuldades e o modelo que inspira
essa produção acadêmica, podemos sinalizar que ainda precisamos de maior articulação entre os
pesquisadores da área, das perspectivas pesquisadas e a divulgação do conhecimento produzido. Há
muito material jornalístico sobre o tema, mas foi nossa decisão não incluí-los nessa pesquisa bibliográfica,
o que indica a necessidade de novos estudos que os considerem como fonte. Nossa pesquisa sinaliza, também
que alguns temas têm ganhado destaque: a gestão escolar, a disciplina escolar, as disciplinas escolares
instrumentalizadas em favor de um modelo de escola militarizada, o perfil dos alunos e o desempenho
escolar, a violência. Importa destacar que, em todos os estudos realizados encontram-se críticas a esse
modelo de se fazer educação, uma vez que se parte do princípio que a educação visa à emancipação, e não
à burocratização e à rigidez disciplinar.
Destacamos também o caráter seletivo dessas escolas militarizadas, pois os estudantes pobres não
podem frequentá-las, uma vez que não têm recursos para custeá-las. Desse modo, este modelo acaba
privilegiando as camadas de classe médias que, perdendo poder aquisitivo, mantêm seus filhos numa
escola que se assemelha à ‘particular’, mas com mensalidade menor, o que evidencia mais uma vez o caráter
híbrido dessas escolas. Muito há a se pesquisar sobre esse tipo de educação e as ideias para isso vão desde
conhecer como estudantes e professores analisam a experiência vivenciada nesse modelo, até como tem
sido o desempenho dos seus egressos na vida universitária, que requer habilidades pouco exploradas e
ensinadas nas escolas militares, como a autonomia de pensamento, a criatividade e o respeito humano,
independentes da “patente” militar. Questões que nos instigam a novos estudos e pesquisas.

2-Metodologia
A pesquisa se caracteriza pela abordagem qualitativa na perspectiva da observação participante. Os
instrumentos utilizados foram: a) registros do contexto escolar por entendermos como lugar revestido de
complexidade e pluralidade de sentidos diante de seu universo sociocultural; b) entrevistas com o objetivo
de coletar informações sobre a escola e; c) análise de documentos com vistas na trajetória histórica da escola.
Para a análise das informações obtidas, utilizamos a análise temática de Braun & Clark (2006) e; a
Teoria das Representações Sociais-TRS, cujo mentor é Moscovici (2010), além dos estudos de sua principal
colaboradora Jodelet (2001). Vale destacarmos que as representações sociais são saberes elaborados sobre
o cotidiano, compartilhados e consensuados nas interações entre sujeitos/as e respectivos grupos sociais.
Esses saberes orientam pensamentos, sentimentos e ações dos mesmos.
A metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa base para este trabalho, considerou a
incorporação de alguns instrumentos e técnicas específicas. Para a coleta e produção dos dados, o
instrumento selecionado foi a observação e grupo focal.
Para subsidiar a análise das falas dos sujeitos pesquisados e mapear suas representações sociais
sobre o tema em destaque, considerando-se os fundamentos epistemológicos da TRS, recorremos
aos processos de objetivação e ancoragem, que são elementos basilares na constituição das
representações elaboradas e partilhadas por grupos e categorias sociais.
Conforme assinala Moscovici (1978), a objetivação está relacionada ao processo de construção de
noções preliminares e sua transformação em conhecimentos estruturados. Consiste na associação de um
conceito a uma imagem, que tornará tangível e material o objeto da representação. Relaciona-se ao modo
como conceitos ou ideias são transformados em esquemas simbólicos, isto é, em imagens concretas que
passam a circular no imaginário e no discurso dos grupos sociais. A ancoragem, por sua vez, corresponde a
incorporação de um novo conhecimento a conceitos preexistentes, que associados formam uma rede de
significações acerca do objeto, que compreende valores e práticas sociais já instituídas entre as pessoas. Na
lógica da TRS, o processo de ancoragem tem por principal finalidade classificar e agrupar o novo conceito
a uma categoria simbólica já conhecida, para inseri-lo dentro de um pensamento já estabelecido.
Em complementação aos procedimentos de análise intrínsecos a TRS, foi aplicada a técnica de
análise temática, que consiste em um conjunto de procedimentos com normatizações semelhantes ao de
modelos utilizados na análise de abordagem qualitativa, em que se destaca a definição de padrões como
recursividade, flexibilidade e homogeneidade interna, que constituem as categorias/temas e heterogeneidade
externa em relação as categorias/temas que estruturam as análises de cunho qualitativo.
A aplicação da técnica de análise temática ocorreu por meio da organização dos dados por
agrupamentos, que em seguida foram sistematizados e categorizados em unidades de sentidos, que
resultaram nas temáticas de agrupamentos, permitindo-nos mapear os elementos semânticos e suas
recorrências, que indicavam convergência e consenso entre as falas dos entrevistados (BRAUN E
CLARKE, 2016).
A partir dos postulados teóricos e metodológicos que subsidiaram este estudo, desenvolveu -
se as etapas enumeradas a seguir: 1) Digitação e revisão dos dados produzidos para a alimentação de
um banco de dados; 2) Geração de códigos que orientaram o agrupamento dos dados; 3) Elaboração
das unidades temáticas; 4) Produção do mapa temático de análise; 5) Definição e denominação dos
temas; 6) Estruturação e elaboração dos relatos científicos e analíticos.
Para a apreensão das representações sociais, identificamos as objetivações e ancoragens que
organizam as representações sociais das três pesquisadoras do campo da educação. Neste sentido,
procedemos da seguinte forma: a) Organização das informações coletadas, seguida de agrupamentos e
respectivas temáticas que centralizam a ideia central de cada um dos agrupamentos; b) Das temáticas e
respectivos agrupamentos, destacamos os consensos que materializam as objetivações e as ancoragens que
organizam as representações sociais das três pesquisadoras do campo da educação sobre a escola cívico-
militar e; c) as implicações nas práticas educacionais.
3-Discussão das informações
A discussão das informações incidiu em três temáticas centrais. São elas:
1) Práticas conservadoras: são imagens que simbolizam a manutenção da ordem que devem ser
seguidas sem questionamentos e reflexões. Nos últimos anos, o pensamento conservador de extrema direita
se evidenciou em função das concepções que regiam as práticas e a governança do então presidente Jair
Bolsonaro (2019-2022). A educação escolar, sobretudo a pública, não ficou fora dessas concepções
conservadoras, vistas como aquelas que vão melhor educar e organizar a escola, os/as alunos, o processo
ensino-aprendizagem, além de preparar para a vida.
A escola cívico-militar utiliza-se desses valores, sobretudo utilizados na vida e no meio militar, para
intervir em uma escola que se encontrava refém do tráfico. Esse foi o caminho destinado para a escola deste
estudo, ou seja, trazer para esta escola a solução para os problemas que dia após dia vinham se agravando,
como o uso de drogas.
A transformação da escola pública em cívico-militar trouxe uma outra estrutura que se pautava,
conforme mencionamos, nos valores e práticas conversadoras de disciplinamento e ordenamento, sobretudo
dos/as alunos/as. Significa que, essa medida, segundo as pesquisadoras, é uma tentativa de desviar as
atenções dos reais problemas educacionais e sociais que o país enfrenta. Problemas como a baixa taxa de
escolaridade da população e o grande contingente de crianças e de jovens com defasagem escolar e fora da
escola. Além disto, um alto índice de desemprego no país, que corrobora com o cenário de violência, do
tráfico e do subemprego, do aprofundamento da pobreza, dentre outras mazelas que alcançam em
sobremaneira as escolas públicas.
Essas três pesquisadoras reconhecem que a escola cívico-militar representa um modelo educacional
que se materializa por práticas e valores conversadores, para silenciar pensamentos, sentimentos, ações,
demandas e desigualdades vividas por grupos sociais diversos. A prática conservadora revela ainda que a
formação que esses/as alunos recebem, possivelmente limita a autonomia e o pensamento crítico-reflexivo,
uma vez que o treinamento caracteriza esse tipo de prática cívico-militar.
2) Disciplinamento e hierarquia: Organizamos nesta temática as imagens das representações sociais
sobre a escola e o fortalecimento da disciplina e da posição de hierarquia quanto à gestão escolar.
De acordo com as pesquisadoras, essa reorganização do cotidiano escolar, desenvolvida nessa escola
que aderiu ao modelo cívico-militar, foi importante para coibir o cenário de violência na instituição.
Contudo, assemelha-se à disciplina e ritos comuns nos batalhões e espaços militares. Os discentes são
orientados a uma padronização de vestimenta e estética corporal, modos de se dirigirem àqueles vistos com
hierarquicamente superiores, o que deixa pouca ou nenhuma margem para o diálogo e para o respeito às
diferenças, subjetividades e singularidades desses/as estudantes.
Inferimos que esse disciplinamento e a reverência aos superiores da instituição escola cívico-militar
encobre sentimentos de medo e de insegurança frente às regras instituídas na escola, o que pode favorecer o
individualismo, no qual cada um exerce a vigilância sobre si e sobre o outro.
Em síntese, compreendemos que as escolas, de caráter cívico-militar, ao desenvolverem essas práticas
de treinamento e de controle, desarticulam e inibem o pensamento e a consciência crítica, além de moldar
as subjetividades dos/as sujeitos.
3) Aceitação incondicional por parte da comunidade escolar: Nesta temática, as representações
sociais convergem para o modus operandi em que a comunidade escolar se posiciona frente a parceria da
educação cívico-militar. De um lado, a realidade de conflito e violência escolar provocou a necessidade de
uma intervenção, de outro, a parceria cívico-militar surge como uma única alternativa eficaz para a mudança
do anterior cenário da escola.
Entretanto, os/as jovens convivem com um paradoxo, entre a queixa das normas que devem seguir e
a aceitação das mesmas, por não terem outra alternativa. Desse modo, os/as jovens acatam essas regras, mas
quando possível denunciam a falta de reconhecimento da diversidade no âmbito escolar, ao serem
submetidos a uma homogeneização do comportamento e das atividades e da organização escolar.
Na atualidade, as mudanças de ampliação da privatização e das parcerias público e privado nas escolas
públicas, caminham junto com o avanço conservador, de “valores tradicionais e anacrônicos no que se refere
ao ensino”, destaca Dalila Oliveira (2020, p. 195). Para essa autora, essas propostas buscam contestar a
autonomia pedagógicas e da função social das instituições, em nome do argumento de assegurar a eficiência
e eficácia do ensino nas escolas públicas, principalmente.
A preocupação central é ajustar a formação humana aos imperativos do mercado e impingir à
educação uma perspectiva economicista, produzindo sujeitos a serviço do modo de produção capitalista no
contexto da acumulação flexível do capital (Oliveira, 2020). A política de militarização das escolas públicas
caminha na direção desse pensamento hegemônico de transmissão de saberes e subjetivação dos
conhecimentos a serem desenvolvidos pelas escolas, avessos aos processos de educação emancipatória e
conscientizadora.
O modelo educacional de escolas cívico-militares foi incorporado por meio do Decreto presidencial
n.º 10.004/2019 (Brasil, 2019), que instituiu o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim). O
Pecim propõe reproduzir as orientações de disciplina hierárquica direta como recursos para enfrentar os
problemas pedagógicos na escola. Para Bartolozzi Ferreira e Lievore (2020), é um modelo de ratificação
moral que se aproxima da ótica do mercado, no qual o indivíduo internaliza a sua responsabilidade de
autodisciplina e autoformação, para sucesso e autocontrole, frente as adversidades e conflitos em sua vida.
Isso porque, embora o Decreto 10.004/19, em seu artigo 5º (Brasil, 2019), assinala que as ECIM
seguiriam as mesmas práticas pedagógicas e padrões de ensino dos colégios militares do Exército, polícias
e corpos de bombeiros militares, a intervenção central era de regular o ambiente escolar com normas e regras
sobre horário, execução de prazos e regulamentação da rotina escolar. Santos (2020) analisa que, apesar
dessa previsão, as escolas de educação básica militarizadas estavam distantes das práticas escolas nas escolas
militares.
Em síntese, em muitos casos, a aceitação por parte da comunidade escolar deu-se pelas tentativas, em
certa medida, frustradas, em toda uma trajetória educacional de projetos e práticas nestas instituições, que
não conseguiram coibir ou reduzir a violência e o afastamento dos/as alunos/as das escolas. As famílias
associam a disciplina militar a algo benéfico aos filhos e filhas, frente aos complexos desafios que vivenciam
estas famílias na formação desses e dessas estudantes.
Muitos desses/as estudantes, com problemas de aprendizagem e de disciplina se adaptam
silenciosamente ou tensionam em ritmos e tempos cada vez mais acelerados e complexos. Isso porque, “as
indisciplinas escolares podem ser usadas para voltar a formas mais rígidas de controle e de disciplinamento.
O autoritarismo sempre se legitimou em supostas quebras e ameaças da ordem”. (Arroyo, 2014, p. 390).
Por fim, as representações sociais das três pesquisadoras sobre a escola cívico-militar se alicerçam em
objetivações que se dão no âmbito da organização do cotidiano escolar por meio de práticas educacionais de
disciplinamento e ordenamento das normas e regras instituídas aos moldes do militarismo. Os sentidos que
se ancoram a essas imagens encontram-se vinculados ao entendimento de que o ambiente de conflitos e
violências na escola são causados pelos sujeitos/alunos/as que fazem parte dela, sem considerar outros
fatores históricos, sociais, econômicos e familiares.

4-Conclusões
As imagens que cercam as representações sociais das pesquisadoras é que a parceria cívico-militar
com a escola pública produz uma centralidade em torno de valores com viés conservador, hierarquia,
centralizada na gestão da escola e disciplinamento das atividades desenvolvidas na escola, o que implica
uma nova rotina às práticas educativas, como: a ampliação na participação dos estudantes em atividades
escolares, atividades de ordenamento que segue os interesses da equipe de militares que a organizam.
Compreendemos que as representações sociais que os participantes desse estudo constroem giram em
torno de um consenso de aceitação do modelo de educação militarizada na escola, a considerar o contexto
de violências vivida pela comunidade escolar com presença do tráfico dentro da escola e rotineiras inserções
da polícia por conta de brigas e conflitos que afastavam os estudantes desta instituição, fortalecendo o apoio
dos pais e responsáveis por essa intervenção militar na escola.
Contudo, os estudantes sinalizam um certo estranhamento com o disciplinamento que devem seguir,
mas não conseguem e nem podem se insurgir a educação militar imposta à comunidade escolar.
Vale ressaltar que o Decreto n.º 11.611, de 19/07/2023 (Brasil, 2023) revogou o Programa Nacional
das Escolas Cívico-Militares. A adoção desse modelo dependerá do interesse dos sistemas de ensino
estaduais e municipais, sem vinculação com o Ministério da Educação, conforme previa o decreto 10.004/19.
Ademais, essa investigação nos possibilitou vários leques analíticos sobre a situação das escolas
cívico-militares, e que mais estudos podem contribuir para se compreender os impactos que parceria
acarretará à comunidade escolar.
A expressão "escola cívico-militar" refere-se a uma instituição de ensino que combina elementos de
educação cívica e militar em seu modelo pedagógico. Esse tipo de escola visa não apenas fornecer
conhecimento acadêmico, mas também cultivar valores cívicos, disciplina e responsabilidade entre os
estudantes. Abaixo alguns aspectos característicos das escolas cívico-militares: 1. **Educação Cívica:** -
O componente cívico destaca-se pelo foco na formação de cidadãos responsáveis, com ênfase em valores
como patriotismo, respeito à autoridade, ética e participação cívica . 2. **Educação Militar:** - O
componente militar envolve elementos da estrutura e disciplina militar, como uniformes, cerimônias,
cerimônias, atividades físicas e treinamento de liderança. No entanto, é importante notar que o grau de
influência militar pode variar entre diferentes escolas cívico-militares. 3. **Disciplina e Hierarquia:**
As representações sociais são saberes elaborados e compartilhados pelos indivíduos, por uma
construção histórica, individual e coletiva, e em contínua reelaboração. Isso porque, “elas circulam nos
discursos, são carregadas pelas palavras, veiculadas nas mensagens e imagens midiáticas, cristalizadas nas
condutas e agenciamentos materiais e espaciais” (Jodelet, 2001, p. 2).
Nesse sentido, identificamos três eixos centrais nas mensagens presentes nas informações trazidas
pelas pesquisadores sobre as escolas cívico-militares, quais sejam: 1) Centralidade em valores
conservadores; 2) Disciplinamento e hierarquia; 3) Desejo de mudança na escola por parte da comunidade
escolar (famílias, estudantes e profissionais da educação) em reconstruir o cenário de violências e escassez
de políticas educacionais coletivas e de consolidação da aprendizagem.
1) Centralidade em valores conservadores: Assim, podemos destacar que no primeiro eixo, a
representação social da escola cívico-militar com objetivo de solidificar valores, com viés conservador.
2) Disciplinamento e hierarquia: Agrupamos as informações das pesquisadoras no eixo
“disciplinamento e hierarquia”. Neste eixo, são expostas a RS de que as escolas fortalecem a disciplina e a
posição hierarquia na gestão escolar.
De acordo com as pesquisadoras, essa reorganização das práticas pedagógicas desenvolvida nessa
escola estadual que aderiu ao modelo cívico-militar, foi importante para coibir o cenário de violência na
instituição, contudo, assemelha-se a disciplina e ritos militares comuns nos batalhões e espaços militares.
Os discentes são orientados a uma padronização de vestimenta, modos de se dirigirem àqueles vistos com
hierarquicamente superior, deixando pouca margem para a diversidade, subjetividades e singularidades
desses estudantes.
3) Desejo de mudança na escola por parte da comunidade escolar: As escolas militares no
Brasil, especialmente a escolas federais, são reconhecidas pela qualidade do ensino e resultados positivos
em avaliações externas e processos seletivos diversos. Ao mesmo tempo, vêm nesses lugares gestões
exitosas quanto incorporação de práticas positivas, avessas à criminalidade e situações de risco ao futuro de
meninos e meninas de regiões periféricas e vulneráveis. Isso porque, as aflições cotidianas por parte dos
pais, diante de suas realidades sociais de violência e escassez nos recursos sociais e financeiros, fazem
espelhar na escola o desejo de um lugar que ensine novas condutas, novos comportamentos, que dê saída a
vulnerabilidade ao assédio do tráfico, exploração e violência.
Em meio as essas informações, destacamos que, atualmente, a educação é um tema em discussão,
que gera inúmeras polêmicas tanto na perspectiva de sua concepção, da reponsabilidade família e escola,
dentre outros aspectos, uma vez que o processo de ensinar se torna cada vez mais complexo em função do
crescente aumento de dificuldade de pais e mães e da escola em fazerem seus filhos/as e alunos/as pensarem
de forma reflexiva e crítica, para agirem levando em consideração princípios humanos como: respeito,
solidariedade, honestidade, dentre outros.
Afirmamos que mundo também mudou e o ritmo de mudanças é cada vez maior. As concepções
sobre o que é educar se tornaram confusas ante as condições e situações as quais a sociedade se encontra
imersa. Consequentemente, os princípios e valores que regulavam nossos pensamentos, sentimentos e ações
atualmente se tornaram questionáveis, uma vez que noção entre o certo e errado ficou incerta.
Vivemos a fluidez de afetos, pensamentos e decisões, como diz Bauman (2011), e, com eles
vislumbramos nossas vidas sem ter a certeza do que buscar e planejar, de escassez e precariedade das
políticas sociais bem como, da promoção de processos coletivos e plurais de acompanhamento e intervenção
frente aos desafios cotidianos para as famílias, educadores e estudantes. Ele argumenta que “nesse novo
mundo, espera-se que os seres humanos busquem soluções privadas para os problemas gerados pela
sociedade, e não soluções coletivas para os problemas privados” (2011, p. 80).
Nessa esteira de mudanças na sociedade, a família se transforma para acompanhar essas
modificações. Contudo, permanece a incerteza de que suas transformações vão trazer princípios e valores
sócio morais mais nítidos que possa guiar pais e mães no processo de educar seus filhos. A escola passa
mais uma vez a ser o porto seguro e a referência para orientação e condução desses jovens estudantes.
Nós, educadores e educadoras, participantes da prática pedagógica cotidiana, sejam eles o da
educação básica ou sejam no ensino superior, dentre outros espaços, sabemos dos desafios cotidianos no
desenvolvimento dos processos educacionais.
Dalila Oliveira (2020) aponta que na transição entre os séculos XX e XXI, uma boa parte da
América Latina, entre eles o Brasil, experimentou a transição para gestão de governos democráticos-
populares, acompanhado de reformas neoliberais com a redução do Estado e das políticas sociais, entre elas
a educação.
Oliveira (2020) destaca que, como resposta à crise estrutural do capital nas últimas décadas,
experimentamos globalmente o processo de retração das políticas sociais com a transformação de outrora
direitos sociais em serviços mercantilizados. Também, destacam-se os períodos de recuperação da
centralidade do Estado na implementação de políticas públicas mais inclusivas.
Contudo, em nossa história recente, alguns processos persistem em caminhar para a organização e
o funcionamento dos diversos sistemas educacionais, bem como, suas práticas pedagógicas que, na sua
maioria, restringem a aprendizagem a uma dimensão instrucional, assim como, a educação como atividade
de ensino instrumental, primando pela transmissão e reprodução de informações, em nome de uma almejada
racionalidade técnica e formação para atender as demandas do mercado, tanto nos aspectos técnicos,
profissionalizantes e funcionais. Além disso, quanto nas demandas subjetivas, caracteriza-se pelo fomento
no comportamento empreendedor e adaptativo dos indivíduos, frente às transformações e exigências em
troca de condições de trabalho e de vida cada vez mais difíceis.
Na atualidade, essas mudanças de ampliação da privatização e das parcerias público e privado nas
escolas públicas, caminham junto com o avanço conservador, de “valores tradicionais e anacrônicos no que
se refere ao ensino”, destaca Oliveira (2020, p. 195). Para essa autora, essas propostas buscam contestar a
autonomia pedagógicas e da função social das instituições, em nome do argumenta de assegurar a eficiência
e eficácia do ensino nas escolas públicas, principalmente.
Isso porque, as políticas educacionais na contemporaneidade têm sido fortemente influenciadas
pelas determinações dos organismos internacionais, cuja intervenção e difusão de suas agendas de reformas
incorporam-se com adesão cada vez mais ampla por parte dos governos, das escolas e também de
professores, argumenta Felipe, Cunha e Brito (2021, p. 134).
A preocupação central é ajustar a formação humana aos imperativos do mercado e impingir à
educação uma perspectiva economicista, produzindo sujeitos a serviço do modo de produção capitalista no
contexto da acumulação flexível do capital (Oliveira, 2020, Felipe, Cunha e Brito, 2021).
A política de militarização das escolas públicas caminha na direção desse pensamento hegemônico
de transmissão de saberes e subjetivação dos conhecimentos a serem desenvolvidos pelas escolas, avessos
aos processos de educação emancipatória, conscientizadora, multidimensional e intercultural (Franco e
Pimenta, 2016).
O modelo educacional de escolas cívico-militares foi oficialmente incorporado na educação
brasileira por meio do Decreto presidencial n.º 10.004/2019 (Brasil, 2019), que instituiu o Programa
Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) e propôs a mudança de escolas públicas regulares em Escolas
Cívico-militares (Ecim), por meio de convênios e estabelecimento de parcerias entre os governos federal,
estaduais e distrital, as respectivas polícias e bombeiros militares, o Ministério da Educação (MEC) e o
Ministério da Defesa (MD).
O artigo 19 deste Decreto estabelece a terceirização da gestão que passaria a ser de
responsabilidade dos militares, com atuação na gestão educacional, administrativa e didático-pedagógica
das escolas que aderissem ao programa. Essa orientação contraria a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
n.º 9.394/96 (Brasil, 1996), visto que essa Lei estabelece define que a gestão escolar deve ser conduzida e
de responsabilidade dos profissionais de educação.
O Pecim propõe reproduzir as orientações de disciplina hierárquica direta como recursos para
enfrentar os problemas pedagógicos na escola e, em muitos casos, conforme assinala Bartolozzi Ferreira e
Lievore (2020), é um modelo de ratificação moral que se aproxima da ótica do mercado, no qual o indivíduo
internaliza a sua responsabilidade de autodisciplina e autoformação, para sucesso e autocontrole, frente as
adversidades e conflitos presentes em sua vida.
Isso porque, embora o Decreto 10.004/19, em seu artigo 5º (Brasil, 2019), assinala que as Ecim
seguiriam as mesmas práticas pedagógicas e padrões de ensino dos colégios militares do Exército, polícias
e corpos de bombeiros militares, a intervenção central era de regular o ambiente escolar com normas e regras
sobre horário, execução de prazos e regulamentação da rotina escolar. Santos (2020) analisa que, apesar
dessa previsão, as escolas de educação básica militarizadas estavam distantes das práticas escolas nas escolas
militares.
Em muitos casos, a aceitação por parte da comunidade escolar deu-se pelas tentativas frustradas
em toda uma trajetória educacional de projetos e práticas que não conseguiram coibir ou reduzir a violência
e distanciamento dos estudantes das escolas. As famílias associam a disciplina militar a algo benéfico aos
seus filhos e filhas, frente aos complexos desafios que vivenciam estas famílias na formação desses
estudantes, pois a realidade educacional brasileira aponta que “problemas de aprendizagem e de disciplina
se adaptam silenciosamente ou tensionam em ritmos e tempos cada vez mais acelerados e complexos”.
Neste sentido, a escola faz tentativas em suas formas de conduzir o processo ensino-aprendizagem
e a formação cidadã de seus alunos. Uma das alternativas que vivenciamos em nosso estado do Pará foi a
constituição de escolas cívico-militares. Este modelo de escola tem por objetivo a gestão compartilhada entre
educadores e militares em escolas públicas de ensino regular que possuem as etapas de Ensino Fundamental
II e/ou Ensino Médio.
4-Conclusões
Essa proposta promove um retrocesso. Os pais desejam ter seus filhos neste espaço, que em outros
tempos era comum a presença do tráfico dentro da escola, rotineiras práticas de violências, brigas e conflitos
que afastaram os estudantes desta instituição. Contudo, a adesão ao Pecim trouxe uma nova rotina nesta
escola, com redução dos eventos de violência e ampliação na participação dos estudantes em atividades
escolares, contudo, segue uma diretriz ainda não clara, que caminha em uma direção conforme os interesses
da equipe de militares que a organizam.
5-Referências
ARROYO, Miguel G. Imagens quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres. 8. ed. – Petrópolis, RJ:
Vozes, 2014.
BARTOLOZZI FERREIRA, E.; LIEVORE, S. E. Atual política neoliberal de militarização da escola pública no
Brasil. Revista Temas em Educação, [S. l.], v. 29, n. 3, 2020. Disponível em:
https://periodicos.ufpb.br/index.php/rteo/article/view/55663. Acesso em: 16 out. 2023.
BRASIL. Decreto n.º 10.004, de 05 de setembro de 2019. Institui o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares.
Poder Executivo. 2019. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2019/decreto-10004-5-
setembro-2019-789086-publicacaooriginal-159009-pe.html Acesso em: 20 out. 2023.
BRASIL. Decreto n.º 11.611, de 19 de julho de 2023. Revoga o Decreto nº 10.004, de 5 de setembro de 2019, que
institui o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares.2023. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Decreto/D11611.htm#art1 Acesso em: 20 out. 2023.
BRAUN, V. CLARK, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research, 3(2), p. 77-101.
Disponível em: file:///C:/Users/WINDOWS/Downloads/Traducao_do_artigo_Using_thematic_analys%20(1).pdf
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