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CONSIDERAÇÕES SOBRE A OBRA ANTÍGONA, DE SÓFOCLES1

Bruna Kristiane Barbosa dos Santos2

Nascido em 495a.C., na cidade grega de Atenas, Sófocles é considerado até hoje um dos
maiores e influentes dramaturgos da cultura ocidental. Por ser muito jovem, não lutou a batalha
de maratona, mas ao longo de sua história participou de várias lutas em expedições militares ao
lado de Péricles e Nícias, presenciou a ascensão de Atenas e a decadência da democracia,
falecendo pouco antes da Guerra do Peloponeso. Em seu contexto social, o teatro grego estava
além do lazer, era espécie de contemplação de fundamento religioso, político e da sociabilidade,
as histórias costumam narrar mitos passados de geração em geração de forma oral, os quais
narravam episódios ligados à fundação das cidades gregas. Na era clássica, estes mitos, assim
como Antígona, foram recontados de forma a destacar reflexões sobre problemas
contemporâneos da época, como organização social, governo, justiça e conflitos internos do ser
humano. Os concursos de dramaturgia eram um dos ápices da manifestação cultural helenística,
Sófocles chegou a receber diversas honrarias por seu desempenho, sendo visto como um herói.
A obra Antígona teria favorecido Sófocles a ser eleito como estrategista militar contra a ilha de
Samos, honra máxima para um cidadão de Atenas antiga, tal foi seu impacto social. Para
Rosenfield (2006)3, é a tragédia que mais teria chamado a atenção de filósofos, sendo um dos
alicerces para o idealismo alemão. A autora chama também a atenção para as sutilezas da versão
de Sófocles, que distanciam um maniqueísmo habitual antes atribuído aos personagens.
Contrapondo-se ao poderoso rei, Sófocles opta por dá à Antígona os mesmos traços do monarca
egocêntrico, quando ela, a si, atribui um estatuto privilegiado no palácio e na linhagem dos
Labdácidas em alguns momentos, inclusive parecendo se sentir superior à irmã quando protesta
por Creonte haver proclamado o decreto não só para Ismena, “nesta altivez, há um misto sutil
de superioridade moral, dinástica e pessoal (egocêntrica)”( ROSENFIELD 2006, pg. 11).
O conflito do drama desdobra-se em religioso, familiar, ético e também político e genealógico.
Como justificativa para a desobediência civil ao insistir em enterrar o irmão com os devidos
ritos fúnebres, são invocadas por Antígona leis religiosas, que antecedem a própria fundação da

1
SÓFOCLES. Antígona. São Paulo: Martin Claret Editora, 2007
2Discente da disciplina Filosofia Jurídica 2, do curso de Direito da Universidade do Estado do
Amazonas - UEA. Email: bkbs.dir18@uea.edu.br
3
ROSENFIELD, Kathrin. Sofocles & Antigona. Bauru, SP: Edipro, 2006.
cidade. Teria sido realmente válido o decreto de Creonte, ou teriam mais peso as leis culturais
que o precedem e até justificam sua posição? Tanto Antígona como Creonte referenciam-se ao
palácio da cidade com altivez, como sua casa, Hölderlin (apud Rosenfield, 2006) teria
questionado, de quem seria de fato o palácio e o trono de Tebas? do novo chefe da cidade, ou
dos futuros descendentes de Antígona. Aos contemporâneos de Sófocles, instigou muitas
discussões, uma vez que havia o epiclerado que garantia um estatuto à filha de um líder morto
sem descendentes homens, que a mesma pudesse gerar um filho de seu parente mais próximo
para suceder o avô falecido. Sendo assim, se vivesse no tempo de Sófocles, teria ela casado com
o filho de Creonte, tendo a finalidade de gerar um filho para assumir a liderança. Pelo olhar de
Creonte, a linhagem de Antígona atrairia maldições para a cidade, ela era fruto de um incesto,
irmã de irmãos fratricidas que se destruíram manchando o solo de Atenas com o sangue dos
mais próximos, e teriam sido o motivo das sucessivas tragédias que estavam ocorrendo, por isso
também, ele se oporia ao casamento do filho com Antígona, estariam fadados a fracassar, uma
vez que o pelo incesto de Jocasta (tia paterna de Hemon) com Édipo (primo de primeiro grau),
Antígona é, do ponto de vista genealógico, mais aparentada com a linhagem de seu noivo do
que com a dos Labdácidas. Antígona também é vista como insubordinada e ameaçaria a
virilidade do Coro, Creontes e de Hemon, detalhe este frisado por Creontes ao filho, estas
preocupações com a cidade e com o filho parecem ser genuínas e humanizam a figura do vilão,
que tinha de lidar com um filho apaixonado, cujos argumentos se voltavam para ficar com sua
amada independente das possíveis consequências. A corajosa Antígona, contra sua má sorte,
mantém-se enérgica em defender o que acredita, ainda que isto a leve para mais perto da morte,
desejo este também permeado do excessivo amor que sente pelo irmão falecido. Há ainda um
conflito entre os deuses antigos evocados por Antígona, e os novos deuses da cidade pelos quais
luta o nobre. Creontes e Antígona parecem se confrontar em defesa do que acreditam, mas
sobretudo pelo bem de suas linhagens. A figura de Ismêna, de mulher frágil e insegura, típica
da Polis clássica oferece o contraste necessário para evidenciar quão incomum e enérgica é
Antígona, tal qual fora seu pai.
Considerações Finais
Para Aristóteles, na obra Arte Retórica, Antígona é um exemplo do que seja uma justiça natural.
O autor não faz qualquer alusão ao caráter divino das leis naturais, para ele são superiores ao
decreto de Creonte na exata medida em que são igualmente compartilhados por aquela
comunidade. Não se trata de antagonismo entre leis escritas e não escritas, mas à rigor, entre
leis particulares e comuns. Sófocles revestiu enfim, nos gestos e falas da protagonista, de ação
política (ao contestar a arbitrariedade do poder estatal), religiosa (ao ser piedosa), jurídica (ao
lutar por justiça), afetiva (ao ser movida por um intenso sentimento) e moral (ao defender os
nómima divinos que orientam a ação dos homens), feminismo, da força da geração mais jovem
em relação à mais antiga. A riqueza com que desenhou Creontes e suas minúcias presenteia o
espectador com uma riqueza de emoções e dilemas que tornam esta obra singular e atemporal,
por isso é um clássico não apenas para os estudantes de direito, mas a comunidade humana
como um todo, à medida que nos leva a refletir sobre situações semelhantes que vivemos no
presente em relação ao Estado e suas questionáveis harbitrariedades.

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