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CRÉDITO,GETTY IMAGES
O tráfico de pessoas da África para as Américas durou mais de três séculos
No auge do tráfico de escravos da África para o Brasil, entre 1800 e 1850, mais de 2 milhões de pessoas foram
trazidas à força para o país para serem escravizadas, segundo o Banco de Dados do Comércio Transatlântico de
Escravos2 (Transatlantic Slave Trade Database). No total, ao longo de quatro séculos, mais de 4,8 milhões de
pessoas escravizadas foram obrigadas a desembarcar em solo brasileiro.
O tráfico era um negócio lucrativo, mas não foram só os traficantes e fazendeiros que se
aproveitaram da exploração brutal de seres humanos. Banqueiros ingleses se envolveram com a
escravidão no Brasil mesmo depois de ela ter sido abolida nas colônias britânicas, em 1833.
É isso que mostra uma pesquisa do historiador Joe Mulhern,3 especializado no envolvimento
britânico com a escravidão no Brasil, pela Universidade de Durham, na Inglaterra.
"Apesar de o Império Britânico na era vitoriana pensar em si mesmo como um modelo
moral quanto à escravidão e fazer pressão para que outros países, inclusive o Brasil, abolissem a
prática, os legisladores tiveram dificuldade para cortar os laços econômicos com a escravidão em
países estrangeiros", explica Mulhern em entrevista à BBC News Brasil.
Havia duas formas principais de envolvimento dos britânicos, explica o historiador. Uma
mais ampla, por meio de empréstimos e a compra de títulos do Tesouro, entre outras relações
indiretas com a economia escravocrata. E outra mais direta, em que instituições e indivíduos deram
apoio financeiro, na forma de empréstimos e garantias, por exemplo, para o tráfico de escravos ou
para fazendas que usavam esse tipo de mão de obra.
Alguns britânicos chegaram a ser diretamente proprietários de escravos — segundo o
trabalho de Mulhern, um censo de 1848-1849 mostra que havia, naquele ano, cerca de 3.400
pessoas escravizadas por mestres britânicos.
1
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-53385247. Acesso em 07/04/2023.
2
https://www.slavevoyages.org/
3
http://etheses.dur.ac.uk/13071/1/Mulhern_J_After_1833._British_Entanglement_with_Brazilian_Slavery.pdf?DDD17+
2
Entre os envolvidos nessa relação mais direta, havia indivíduos ligados a bancos que foram
predecessores de grandes instituições financeiras atuais do Reino Unido.
Lobby no parlamento
Em 1833 o Reino Unido havia extinguido a escravidão em suas colônias, dando
compensações para os senhores mas não para os escravizados. O império começou também a fazer
pressão diplomática para que a escravidão fosse abolida no Brasil. Essa pressão é apontada por
historiadores brasileiros como um dos múltiplos fatores que levaram ao fim da prática no país.
A lei que proibiu o tráfico como parte de um acordo com o Reino Unido, inclusive, deu
origem à expressão "para inglês ver", porque durante muito tempo não havia fiscalização e o tráfico
continuou.
No entanto, apesar dessa pressão do governo do país europeu, muitos do britânicos
envolvidos na prática conseguiam impedir que a legislação britânica fosse mais restritiva em
relação às suas atividades no exterior.
"Essa ambivalência no envolvimento do Reino Unido na escravidão (tanto pressionando
para o seu fim quanto deixando de cortar laços econômicos existentes) pode ser encontrada na
legislação da época", diz o historiador.
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Africanos escravizados tiveram roubadas sua liberdade, identidade e cultura
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A presença de negros no Cone Sul é um fenômeno que pode ser traçado desde os tempos da conquista, no século 16,
quando já havia registros da presença de pessoas que escravizados
Esses laços, no entanto, eram escondidos de investidores no Reino Unido, onde a opinião
pública já não era favorável à escravidão.
Para evitar afugentar investidores no país de origem, a maior parte dos bancos envolvidos
com operações relacionadas à escravidão não o fazia diretamente, mas por meio de comissários
intermediários, explica Mulhern à BBC News Brasil.
Um desses intermediários era a casa bancária Gavião Ribeiro Gavião, que financiava a
economia agrícola de São Paulo e atuava no comércio interno de escravos.
A casa bancária atuou como intermediária para o London and Brazilian Bank. O banco
britânico declarava que seu propósito no Brasil era comercial, mas tinha uma carteira de hipotecas
cujas garantias eram fazendas de café em São Paulo e mais de 800 pessoas que trabalhavam nelas
como escravos.
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Terceirização
O historiador também cita o caso da Fazenda Angélica, em Rio Claro, no interior de São
Paulo, que acabou se tornando um dos ativos de um banco e sendo administrada por ele. Depois de
uma tentativa fracassada de usar mão de obra de imigrantes, o banco resolveu "terceirizar" o uso de
mão de obra escrava.
Isso porque, sendo uma empresa inglesa, o banco não poderia ser dono direto de
escravizados. Mas uma brecha na legislação permitia que ele "alugasse" a mão de obra escrava de
outros senhores de escravo — e foi o que fez.
CRÉDITO,DOMÍNIO PÚBLICO
Um escravo sendo torturado em uma fazenda brasileira na visão do pintor francês Jean-Baptiste Debret, que viajou o
país retratando cenas da vida no século 19
Quando vendeu a fazenda, o banco afirmou que "não empregava um único escravo" — sem
citar que pagou senhores de escravos para usarem as pessoas escravizadas por eles na plantação e
que ainda tinha 80 escravos como garantia do financiamento que possibilitou a venda da fazenda.
então realizam um leilão de 103 escravizados, incluindo famílias com crianças e bebês.
Documentos da época compilados por Mulhern mostram como o banco vendeu pelo menos 30
dessas pessoas no leilão — entre elas a pequena Ancieta, uma bebê escravizada de apenas um ano
de idade; e as pequenas Adelina e Marcellina, vendidas com 2 e 6 anos.
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https://www.lloydsbankinggroup.com/who-we-are/our-heritage.html