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A sociedade colonial portuguesa na América era hierarquizada e baseada em

diferentes camadas sociais. No topo da hierarquia estavam os colonos portugueses e


seus descendentes, que ocupavam posições de poder político e econômico. Abaixo
destes, estavam os mestiços e os negros alforriados (pessoas anteriormente escravizadas
que obtiveram sua liberdade). No patamar mais baixo da sociedade colonial estavam os
escravos africanos, que eram considerados propriedade e forçados a trabalhar nas
plantações, em outras atividades econômicas.
A economia colonial portuguesa na América dependia em grande parte da
produção de commodities, como açúcar, tabaco, que eram cultivados ou extraídos com
o trabalho escravo. A escravidão desempenhou um papel fundamental na construção da
riqueza do império português na América, mas também resultou em condições de vida
extremamente precárias para os escravos, que eram frequentemente sujeitos a
tratamento brutal e desumano.
A vinda da família imperial portuguesa para o Brasil em 1808, devido à invasão
das tropas napoleônicas em Portugal, trouxe mudanças significativas para o Brasil e
para o comércio de escravizados na época. Com a presença da corte no Rio de Janeiro, o
Brasil experimentou um período de abertura econômica e transformações políticas,
sociais e culturais. No entanto, o comércio de escravizados não foi imediatamente
interrompido ou desencorajado devido à chegada da família real.
Durante o início do século XIX, o tráfico de escravizados continuou ativo no
Brasil, apesar das pressões e das campanhas abolicionistas internacionais, incluindo as
da Grã-Bretanha. A Grã-Bretanha foi uma das nações líderes no movimento
abolicionista e, através do Ato de Abolição do Comércio de Escravizados (Slave Trade
Act) de 1807, proibiu o tráfico transatlântico de escravizados para suas colônias. No
entanto, isso não impediu que o tráfico continuasse em outras regiões, incluindo o
Brasil.
Em 1822, o Brasil conquistou sua independência de Portugal e se tornou um
império sob o governo de Dom Pedro I. Nesse período inicial, a escravidão já era uma
instituição profundamente enraizada na sociedade brasileira, e a economia do país
dependia fortemente do trabalho escravo nas plantações de café, cana-de-açúcar,
algodão e outras atividades agrícolas. Como resultado, muitos proprietários de terras e
setores da elite brasileira tinham um interesse direto na manutenção da escravidão, a
questão da escravidão e do tráfico de escravos desempenhou um papel significativo no
reinado de Dom Pedro.
A campanha abolicionista ganhou força ao longo do século XIX, tanto no Brasil
quanto internacionalmente. Pressões internacionais, como as leis britânicas para
reprimir o tráfico de escravizados e o esforço diplomático de nações abolicionistas,
eventualmente levaram o Brasil a adotar medidas para restringir o tráfico de
escravizados.
No entanto, havia pressões internacionais para o fim do tráfico de escravos. O
tráfico negreiro transatlântico havia sido proibido pela Inglaterra em 1807 como já
citado e posteriormente pela maioria das potências europeias. O governo brasileiro
estava sob pressão para seguir essa tendência, e isso levou à assinatura do Tratado de 23
de novembro de 1826 com a Inglaterra, que previa o compromisso do Brasil em acabar
com o tráfico negreiro.
O tratado foi assinado em 23 de novembro de 1826 e entrou em vigor em março
de 1830. Ele proibia o comércio internacional de escravos, tornando-o ilegal. No
entanto, o Brasil continuou a receber escravos ilegalmente, o que levou à assinatura de
tratados adicionais e leis no país para tentar coibir o tráfico de escravos.
A Lei de 7 de novembro de 1831, é um exemplo disso. Essa lei proibia o tráfico
de escravos para o Brasil, declarava livres os escravos que chegassem ao território
nacional após a data de sua promulgação e impunha penas severas para quem
participasse do tráfico de escravos. No entanto, a aplicação efetiva dessas proibições e a
erradicação do tráfico ilegal de escravos foram desafios expressivos, e o comércio ilegal
de escravos continuou por muitos anos.
A questão da escravidão e do tráfico de escravos continuaria a ser um tema
importante na política brasileira ao longo do Império, culminando na promulgação da
Lei Eusébio de Queirós em 1850, que efetivamente proibiu o tráfico de escravos para o
Brasil. Além de proibir a importação de escravos, a lei também estabeleceu que os
filhos de escravos nascidos após a sua promulgação seriam considerados livres (daí o
nome "do Ventre Livre").
A competência para o julgamento de casos relacionados à lei ficou a cargo da
Auditoria da Marinha, , e isso visava a evitar que navios negreiros continuassem a trazer
escravos para o Brasil de forma clandestina, Beatriz cita em seu livro a seguinte fala:
``Aos poucos, apenas os senhores mais
ricos, as regiões mais dinâmicas e as atividades
mais lucrativas tem acesso à compra de africanos
novos. O Vale do Paraíba, região cafeeira em
expansão desde as primeiras décadas do século,
absorve boa parte dos escravos ilegais importados
através do Rio de Janeiro.´´
Com a promulgação da lei o preço dos escravos passou a subir e os proprietários
de escravos passaram a considerar seus escravos como um investimento mais valioso.
Isso os incentivou a manter escravos por mais tempo em vez de conceder alforrias.
O encarecimento da alforria também levou a transformações nas negociações
entre senhores e escravos. Os senhores poderiam exigir quantias ainda maiores para
conceder a liberdade, o que tornava o processo de alforria menos acessível.
Contudo, Beatriz M. faz referência em sua obra á Sidney Chalhoub para afirmar
sua pesquisa, e traz a problematização que ocorreu com a continuidade do tráfico com
os africanos livres:
“Para Sidney Chalhoub a continuação do
tráfico contribuiu para a precarização da
liberdade, particularmente depois de 1817”.
Como resultado, as alforrias gratuitas se tornaram mais comuns, onde os
senhores concediam a liberdade de forma voluntária, sem pagamento, em circunstâncias
especiais. Isso poderia ocorrer por diversos motivos, como recompensar um escravo por
serviços excepcionais ou por razões humanitárias.
Essa continuação do tráfico contribuiu para a precarização da liberdade, o que
significa que mesmo pessoas que eram livres estavam em constante risco de serem
capturadas e reduzidas à escravidão, muitas vezes sob pretexto de dívidas ou devido à
falta de documentação adequada. Isso gerou insegurança para muitos afro-brasileiros
livres, que viviam com o temor de serem novamente escravizados.
A argumentação de Sidney Chalhoub e a pesquisa de Beatriz M. destacam como
a persistência do tráfico de africanos livres e as brechas legais na aplicação das leis
antitráfico continuaram a afetar a vida das pessoas negras no Brasil mesmo após a
proibição oficial. Esses temas são cruciais para entender a complexidade da história da
escravidão e da liberdade no país, bem como as lutas que a população negra enfrentou
para conquistar seus direitos e garantir sua liberdade.

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