Você está na página 1de 106

O

O
b
25
19. G. 22.
22
S

08

AME

as

R
MENTEM ALIT ET EXCOLIT

100

nood Ու poone

OTHEK
K.K. HOF BIBLI
THEK
LBIBLIO
ÖSTERR . NATIONA

.22
19.Q



+
MEMORIA

SOBRE AS ILHAS DOS AÇORES ,

E PRINCIPALMENTE

SOBRE A TERCEIRA :

CONSIDERANDO A EDUCAÇAO DA MOCIDADE , A AGRICULTURA ,

O COMMERCIO , A ADMINISTRAÇAO DA FAZENDA PUBLICA ,

E O GOVERNO MUNICIPAL :

OFFERECIDA AOS SENHORES DEPUTADOS

PELA COMMARCA DE ANGRA ,

POR

LUIZ MEIRELLES DO CANTO E CASTRO.

PARIS ,

IMPRENSA DE Mme HUZARD (NASCIDA VALLAT LA CHAPELLE) ,


RUA DE L'ÉPERON , Nº 7 .
=
1834.
BIBLIOTHEC PALA
A T,
VINDOBONEN
SIS.
AISERLICHE

JE
LI
B CH
HE KO E
N
E
I
R

W
HE
OT
'

ERM EAUTIE
HOF B

}

SENHORES

Tendo sempre que pude pago à minha patria os devidos tributos de

meus pequenos serviços , nao era possivel agora , quando se vao reunir

em Lisboa as Cortes geraes do Reino , deixar em silencio cousas , que

muito a podem interessar, pois de mais a mais espero que a sua publicaçao

excite a attençao dos meus compatriotas , que , animados do mesmo zelo ,

e com mais luzes , poderaõ melhor illustrar a materia , que tanta relaçaõ

tem com a Naçao Portugueza . Debaixo deste ponto de vista , Meus Se

nhores , me animo a offerecer-vos esse pequeno esboço do estado da minha

malfadada patria , desde o seu descobrimento até Junho de 1828 , de cuja


época por diante pouco avanço , temendo cahir no perigo , que sempre se

corre , logo que se emprehende escrever historia somente por informações ,

ás vezes pouco exactas .

Qualquer julgara desnecessario fazer encarar a minha patria pelo lado

da politica , e eu iria apos este juizo , se julgasse , que me naõ dirigia

senao a pessoas superiormente instruidas na materia ; porem eu nao

escrevo só para essa classe , desejo tambem ganhar a benevolencia geral

para a minha patria ; e por isso deixando de remontar aos tempos em

que formou parte de hum vasto continente , e ainda mesmo aos ante

riores áquelle , em que a Praia foi villa (nos quaes o seu nome he muito

repetido na historia ) recordo com a maior complacencia a sua heroica

opposição á intrusaõ dos Philippes em 1580 , desde quando semeou as

palmas , para no mesmo dia dellas sessenta e hum annos depois se cobrir
( 4 )

de gloria ; se nao he tanto pelo resultado em relaçao com a Naçao Por

tugueza , he indubitavel que por certo o foi , por ser o primeiro dominio

portuguez , que apontou com o dedo para Portugal , ensinando -lhe o

caminho , que devia tomar; e Portugal ( ainda que tarde ) seguio valerosa

e constantemente o seu exemplo , que vinte oito annos depois sustentou

com as armas gloriosamente .

Nao deve merecer menos attençao a sua conducta politica quando os

Francezes, invadiraõ Portugal , por que sem duvida foi mais huma vez

entre tantas , que Angra aproveitou (durante todo o tempo dessa invasaō)

para mostrar á face da Europa o seu brioso desinteresse , pois antes quiz

ser levada por o principio de fidelidade aos seus legitimos Reis, obedecer ao

Senhor Rei Dom Joao VIº entao no Brasil , donde tao tardiamente lhe vi

nhao os recursos , e para onde nao podia mandar os seus generos , sem que

soffressem muito maiores riscos , e perdas ; e tudo isso constantemente

sacrificou , por se nao sujeitar á dominaçao extrangeira .

Fundada nos mesmos principios de legitimidade repugnou acceitar a

Constituiçaõ de 1820 , taes forao os odiosos instrumentos que se queriaõ

fazer prevalecer sob o privilegio dessa installaçao ; por que sem duvida

nao lhes lembrou , que foi sempre marcha segura de todos os tempos captar

primeiramente a benevolencia dos povos para depois os chamar ao seu

partido . Com tudo logo que em 13 de Maio de 1821 , lhe chega o Decreto

do Senhor Rei D. Joao VI° para alli se jurar a Constituiçao , ella se apressa

em praticar esse solemne acto , que á semelhança de Portugal sustentou

firmemente ; marcha esta que tambem seguio quando em 1826 lhe foi

ordem para jurar a Carta Constitucional .

E que vemos nos agora ? Angra sempre fiel , sempre pacifica , porem
desgraçada pelo estado a que desde tempos immemoriaes tem sido levada ,

sustentando mal a sua nobreza , sem a poder augmentar, pelo despreso, ou


quando menos , pelos descuidos do Governo , que em differentes épocas
( 5 )

assaz concorreo para o mal estar dos povos, deixando-os caminhar para

a ignorancia , e para a pobreza , ja pelo abandono das letras , ja pela má

administraçaõ da fazenda publica, ja pela falta de commercio , e ja , ainda

que menos , pelo estado da sua agricultura , a qual sim se tem augmen

tado em alguns ramos , mas ainda se acha na sua totalidade muito longe

do ponto de prosperidade , a que podia subir com grande vantagem da

Naçao Portugueza.

Eisaqui , Meus Senhores , o grave e importantissimo assumpto de que

vou tratar , o qual naõ he desconhecido aos meus compatriotas , e eu por


muitas vezes lho tenho feito sentir em minhas conversações , nas quaes

nunca posso deixar de inflamar-me pelo serviço da patria ; havendo tocado

parte desta materia em alguns dos meus escriptos , que fiz exarar nos

livros da Camara de Angra em 1821 , e 22 , e com mais extensao ainda em

1823 , quando com meus dous collegas na qualidade de Governadores

daquellas Ilhas , sustentámos a cauza de Sua Magestade, e a ordem publica,

por espaço de quasi quatro mezes , e a contento do mesmo Augusto

Senhor; cujos documentos nao sei se estaraõ ja cancellados , como o foraō

alguns outros , de que tenho os originaes ; e de que eu nao fizera mençao

agora , se podesse apontar outros exemplos , cuja falta se manifesta pelo

decurso desta pequena obra , a qual deve servir de thema para pennas
mais bem aparadas .

Queira o Ceo que os meus compatriotas agora acordem pagando o que

devem á patria , enviando a tao benemeritos Deputados bem concertadas

memorias ; pois por este modo he que a patria se pode enriquecer e eno

brecer . A este respeito nao peço desculpas , se por mim for o negocio

mal tratado ; porque se pago o que devo , quanto , e como posso , a que

mais estarei obrigado ? Podesse eu ao menos lisonjear-me de naõ accres

centar por este meio o numero dos meus adversarios , que nem levemente

desejo desafiar ; e possa nao ter vigor para commigo , aquelle Veritas
( 6 )
odium parit. Asseguro com a ingenuidade que me he propria , que fiz

os maiores esforços para que se conheça , que foi somente o amor da pa

tria , quem a tanto me determinou ; e ainda naõ sei se o meu escru

pulo em nao offender alguem , me conduzio ao defeito de servir menos

bem a minha patria , deixando de exemplificar mais vivamente alguns

negocios.

Todavia da importancia da materia , e da sua veracidade ninguem po

derá duvidar ; e eis por certo o que com assaz especialidade me animou a

esta empresa , tao pouco facil , quanto superior ás minhas forças ; o que

espero se nao fará sensivel , attenta a consideraçao de que o saber , zelo ,

e experiencia de tao benemeritos Deputados sobresaindo quanto podem ,


e como lhes cumpre, attrahirao por seus officios nao somente o reconhe

cimento da Naçao Portugueza , mas muito particularmente o da Com

marca de Angra.

Estes sao os mais incessantes desejos de quem tem a honra de se

subscrever com o maior respeito ,

Seu muito attento Venerador ,

LUIZ MEIRELLES DO CANTO E CASTRO .

Paris , 20 de Agosto de 1834.


MEMORIA

SOBRE AS ILHAS DOS AÇORES ,

E PRINCIPALMENTE

SOBRE A TERCEIRA.

§ 1º. A educaçao da mocidade ( 1 ) quer physica , quer moral, foi sempre


nos antigos tempos olhada com a maior attençao pelos legisladores ; entaõ
tinhao os governos homens fortes para formar os seus exercitos com que
defendiao a patria , e naõ menos sabios para sustentalla por meio da sua
politica.Podia datar dessa mais remota antiguidade dos Gregos , Atenienses ,
Espartiatas e Romanos , e de tempos mais proximos dos nossos illustres
e valerosos Portuguezes , se naõ fora a minha intençaõ limitar-me prin
cipalmente aos meus compatriotas desde que descobrirao aquellas Ilhas
mostrando em alguns ramos o seu progresso, e em outros a sua decadencia
até a época de 1828 , saltando aos olhos quanto por falta de pequenos
remedios tem deixado de engrandecer -se , e o que he peor que tudo , nem

ao menos podendo sustentar hum estado medio a que em algum tempo


forao levados.

§ 2º. Foi no tempo do Senhor Rei D. Sebastiao que na Ilha Ter


ceira se principiou hum curso de estudos a cargo de doze padres da
companhia de Jezu , os quaes tinhao obrigaçaõ d'ensinar a Lingoa Latina ,
Rhetorica , e Theologia , e de prégar o Evangelho pelas mais Ilhas ; a que
depois o seu zelo augmentou a cadeira de Philosophia , isto alem das
mais cadeiras de ler , e escrever aLingoa Portugueza , continuando estas
desde entao até agora, como em todo o Portugal , n'hum methodo d'ensi
no o mais material, de que resulta encontrarem-se muitas vezes homens
( 8 )

mais instruidos nas lingoas estranhas , que na materna ; nao podendo


deixar de assim acontecer em quanto o Governo se persuadio de que
noventa mil reis era sufficiente ordenado para com elle se poder sus
tentar dignamente hum mestre de tal classe.

§ 3º. Sendo seguidos estes estudos pouco mais d'hum seculo depois
da descoberta das Ilhas dos Açores , ao mesmo tempo que a mocidade se
instruia na melhor moral , vigorosamente se formava nos exercicios da
caça , das armas ( 2) , e da equitaçao , fazendo todos os annos as suas cavalha
das , aonde sempre entrava a flor da nobreza , empregando estes fes
tejos , ou ja por motivos religiosos , ou mesmo por motivos faustos ( 3) .
S 4°. Educados com estes mesmos principios nao he de admirar que
nossos maiores fizessem relevantes serviços na Africa , e na Asia ; é taes
houve , que tiveraõ depois a honra de governar as Indias , e muito
a contento dos nossos Soberanos , sendo em todos tal o desinteresse com
que servirao , que nenhum accrescentamento tiverao correspondente ;
porque ainda mal , foi quasi sempre de todos os tempos guardar os titu
los , e as commendas para outros fidalgos na corte , que menos os mere
ciao : nao cabendo a Angra menos nome em quanto por outro lado dava
grandes pilotos a Portugal, Lentes a Lisboa , e á universidade de Coimbra,
e ás Indias directores espirituaes , sendo algum delles ja de illustre nas
cimento (4).
§ 5º. A morte daquelle soberano cortado na flor da idade , e a intru
sao dos Philippes nos nossos reinos , foi sem duvida huma das pri
meiras causas da decadencia da Naçaõ Portugueza, e com particularidade
a da Ilha Terceira , aonde singularmente contra essa intrusao se procu
rou sustentar a acclamaçao que havia feito pelo Senhor D. Antonio.

§ 6º. Até aquelle tempo erao os Angrenses governados por si mes


mos, sem terem conhecido generaes , nem vice reis que os governassem ;
e tomando-se entao huma nova forma de governo , e em consequencia
sendo difficil suffocar os odios contra aquelles que constantemente haviaõ
sustentado com a espada na mao a liberdade Portugueza , naõ he de ad
mirar que os naturaes do paiz vendo- se supplantados pelos estrangeiros ,
fossem perdendo o amor ás letras , e isto seguramente em tres idades ;
com tudo a acclamaçao do Senhor Rei D. Joao IV° , dando-lhes lugar
a muitos heroismos , foi quando em virtude delles se lhes restituio
( 9 )

aquella mesma regalia tao distincta , tao singular, e tao digna d'inveja,
quanto na verdade saõ honrosissimos os termos do Alvará de 15 de Junho

de 1654 concedido a requerimento dos nossos Deputados (5) .


§ 7º . Entao continuando a governar-se por si mesmos podéraõ ainda
por mais de 100 annos melhorar-se algum tanto , mas nao ha duvida
que ainda que briosos , naõ deixaraõ de ir afrouxando , ou fosse porque

seus distinctos serviços nao tivessem sido avaliados conforme o seu mere
cimento , ou porque com effeito a introducçaõ de costumes estranhos
naquelles fataes sessenta annos tivesse podido diminuir lhes aquelle antigo
brio portuguez , que tanto ciume fez sempre á Naçao Hespanhola .
§ 8°. Como quer que seja , he muito certo que o Senhor Rei D. Jozé I °
achando decahida a nobreza em todo o Portugal , e naquellas Ilhas
procurou elevalla abrindo caminho ás letras , e ás armas , a que deo hum
grande impulso , promettendo adiantar a mesma nobreza logo que por
qualquer destes caminhos ella o merecesse . Foi quando criou o Governo
das Ilhas dos Açores , e he precizo confessallo , que essa reforma nao sortio
tao bom effeito , como na Universidade de Coimbra ; antes foi em muito
maior decadencia a instrucçao publica nas mesmas Ilhas , ja por que

forao os habitantes do paiz excluidos dos lugares de letras , como de


juizes ordinarios , dos orphãos , d'alfandega , e provedoria dos residuos ,
e ja porque sendo os Generaes , e os Bispos os directores dos estudos ,
razas vezes (se alguma houve) se combinarao a esse respeito (6) .
S 9º. Nao foi só esse o mal que nos veio da innovaçao do governo,
criado com o fim de felicitar as Ilhas , foi sim deixar de levantar-se hum
regimento insulano conforme as instruções dadas ao mesmo Governo (7),
aonde bem podia adiantar-se, ou antes preparar-se a mocidade para servir
no Reino ; e peor que tudo , he para lamentar a introducçao do arbitra
rio que logo desgraçadamente se principiou a conhecer no primeiro Go
verno , sendo muito poucos dahi para cá , que se podem exceptuar , por

que muitos houve entre os nove Generaes que desde aquelle tempo go

vernarao as Ilhas a quem os nossos Reis nao podéraõ deixar d'enviar Cartas
Regias concebidas em termos bem amargos , quanto era o conhecimento
que tinhaõ dos seus deserviços ; mas quao pouco isso lhes importava , se
assim mesmo lhes eraõ depois dados titulos de grandeza ?

S 10. Com o andar dos tempos cada vez mais se foi conhecendo o atra
2
( 10 )

zamento da mocidade , e quanto convinha remediar esses males por meio le

d'hum plano d'estudos , que podesse servir para todas as Ilhas , e sempre 0

no principio de cada bispado se fallava em huma nova organisaçaõ de hum u

seminario ; e nossas esperanças seriaõ realizadas , se na boca dos Bispos ri

tivessem apparecido sinceras as expressões com que a semelhante res be


peito procuravao adoçar a amargura dos paes de familias ; mas este fervor, a

e este conhecimento tem sempre desapparecido , e em troca delle com ď

bastante magoa nossa , nao temos visto senao fructos de vaidade , e de


avareza , porque deixáraõ de nos ser mandados Bispos , como o primeiro
que tivémos , e muitos outros que virtuosamente seguirao o seu exemplo ;
porque elles entendiao bem ao pé da letra , e tinhao presente o que a
――――― Ser for

e
seu respeito disserao os Padres no sagrado concilio de Trento .
midavel o seu pezo até para hombros d'Anjos . - Angelicis etiam hume ar

ris formidandum (8) . CU

§ 11 °. E na verdade , elles naõ seguirao como ainda em nossos dias , o re

exemplo de D. Antonio Caetano Brandao , successor e verdadeiro imita


dor de D. Frei Bartholomeu dos Martires, que quanto lhe dava o Arce de

bispado tudo era pouco para espalhar esmolas , e para a conservaçao qu


N

2
d'hum collegio que elle mesmo edificou , e sustentou até morrer, aonde
tanta mocidade se aproveitou debaixo das vistas daquelle virtuoso pre se

lado . E tudo isto ah ! porque na sua sobria mesa nao tinha porcelana do a

Japao , nem se accendiao mil bugias em tortas serpentinas , que com qu


zel
os tremulos reflexos das pratas , e cristaes enfeitiçao os parasitos , e lhes
sen
antecipaò a gula ; mas antes alli tudo era nudez, e singeleza , e os muitos
hospedes que diaria e commensalmente apprendiao estas virtudes eraõ mar

filhos da pobreza , sendo o venerando Bispo que lhes servia de pae . S


§ 12°. Ao patriota interessado pelo bem da Religiao , e da sociedade , dest
jamais podem escapar estas e outras muitas recordações excitadas todos The

os dias pelo aguilhão da necessidade , e que tanto mais se tornaõ sa naca

lientes , quanto mais facil he o sen remedio ; porque hum tal bispado cert

tendo oito para dez contos de reis de renda , tendo tambem vinte veit

moios de trigo annuaes destinados para esmolas , se se fizesse ajuntar ulti

a estas os ordenados das cadeiras de Grammatica Latina ( ja que dava

desgraçadamente se nao ensina ainda a Portugueza ) , Rhetorica e Phi nhe

losophia ( ainda sem fazer mudança d'algum estabelecimento que podesse mesr
( 11 )

lesar terceiro, nem ainda d'algum beneficio ecclesiastico , de que pouco


ou nada se aproveita a Igreja , nem a Nação ) solicitando para taò
util fim algum favor Real , nao seria mais que facil estabelecer o semina
rio para a educaçao da mocidade que tanto o preciza ? E quanto mais
bemdiriaõ as pobres viuvas da applicação de taes esmolas, vendo seus filhos
a caminho de poderem fazer fortuna ; e de lhes poderem hum dia servir
d'abrigo ; e de interesse , e ornato á mesma sociedade ?
§ 13°. Suspendo a este respeito a penna , por que saltando aos olhos
a importancia da materia , fazendo-a apenas apparecer, julgo sufficiente
este pouco que tenho expendido; tanto mais , que seria mesmo pouco
delicado quem com minuciosas reflexões (que ás vezes se fazem odiosas ,
e poderiao fazer perigar o principal objecto a que nos propomos) procurasse
ampliar hum negocio de tanto proveito publico , e que a ninguem tanto
cumpre conhecer como aos nossos Mandatarios, para por elle se inte
ressarem o mais possivel , e levallo ao desejado effeito .
§ 14°. Nao tem sido só a moral publica victima dos grandes desleixos
do nosso Governo; a agricultura , e commercio tambem o hao sido, e mais
que tudo ainda o thesouro publico pela má administraçao da Fazenda
Nacional. O seu estado , e os meios de melhoramento , que a este respeito
se devem empregar, efficasmente chamao a attençao dos bons Patriotas ,
a que por meio de suas memorias muito mais extensas do que o pouco
que agora vou lembrar , illustrem os nossos Deputados com o devido
zelo , e amor da Patria sobre estes importantissimos ramos , que fazem
sempre a solida base da publica prosperidade , quando sao discretamente

manejados .
S 15°. O Senhor Rei D. Joao VI° conheceo perfeitamente a importancia
destas verdades , quando poz a sede da Monarchia no Rio de Janeiro, pois
The havia mostrado a experiencia , que as Camaras a quem a Orde
naçaõ do Reino incumbe o melhoramento dos baldios , e o poderem fazer
certos aforamentos , designando-lhes ao mesmo tempo o modo de apro
veitar as colinas , etc.; naõ podião efficasmente cooperar levando ao
ultimo estado de perfeição , e conveniencia o que a ellas de mui perto
dava vantagens , por que a multiplicidade dos negocios ( entao desco
nhecidos , ou em ponto muito pequeno) e dos trabalhos que sobreveio ás

mesmas Camaras , nao era possivel vencer-se em duas sessões , que a lei
( 12 )

lhes determina semanalmente ; e que o intervallo d'hum anno que ellas ac


servem era brevissimo espaço para innovar cousas e levallas a effei ao
to ; e tendo em vista não menos a difficuldade de suas circunstancias , O
principalmente na de Angra, desde quando se criou o Governo , pelas co
rendas que The forao tiradas para a Junta da Fazenda Nacional , ed
de que nunca se lhe deo senao huma escassissima indemnisaçao ; e por ma

outras razões assás ponderosas , intimamente se convenceo S. Magestade CO

de quao necessario era criar huma Junta de Melhoramento d'Agri va


cultura , que ao mesmo tempo aliviasse os trabalhos ás Camaras , e tam S

bem lhes augmentasse os interesses , sendo os seus Reaes desejos , que


se aproveitassem os baldios ; porem infelizmente os meios que se empre
gárao a esse fim nao correspondêrao a tao beneficas intenções , muito es
menos , por que logo no principio da execuçao das suas Reaes Ordens
apparecêrao escandalosas prevaricações ; e na verdade , se nao fossem de

esses abusos , e excessos d'authoridade , algum proveito publico se Ju


havia tirar, nao obstante o que a esse respeito vou expender. E

S 16°. Com effeito criou-se huma Junta de Melhoramento d'Agricul m


tura, composta de tres membros , Corregedor, Juiz de Fora , e General CO

que he della o Presidente. A este respeito seja-me permittido pelo amor se


da verdade , pelo zelo da minha Patria , e bem da Naçao , que eu faça se

algumas reflexões nascidas da razaò , e da experiencia , por meio das m

quaes será facil conhecer, se huma tal innovaçao poderia preencher re


a vastidaõ das Paternaes intenções da Munificencia Real , sendo com
posta de homens forasteiros , que as mais das vezes vaõ servir aquelles de

lugares , como escala para a sua maior elevaçao . E mesmo pelo que res sin
peita aos seus principios em relaçao com semelhante objecto , quaes qu
se poderá esperar que sejao , e que poderá por exemplo saber hum Gene qu
ral em agricultura pratica? de
S 17° . Todavia supponhamos de graça que este General tem a possibi a
lidade de saber alguma cousa na sua terra , porque talvez nella possua
pe
huma horta ajardinada , em que tenha visto vegetar alguma planta per er
tencente a horticulturas (visto que os seus grandes predios , ou Condados th
se os tem , andao sempre por mãos de administradores) ou mesmo por
que em algum quintalaõ visse vegetar huma laranjeira, ou hum loureiro,
qi
etc. etc. Por ventura será sufficiente esse conhecimento para o dirigir com de
( 13 )

llas acerto , e encaminhar bem ao melhoramento d'hum paiz estranho

Tei aonde a este respeito tudo lhe he desconhecido ? Isso varia muito .
Outro solo , outra atmosphera , outra economia agricola , e em
ias,
consequencia outra rapidez , ou demora na vegetaçao das plantas ;
belas
nal, e o que tambem nao he indifferente , outros preços aos generos , e huma
mais ou menos facilidade de sua exportaçao , o que tudo he preciso
por
comparar com a maior seriedade no acto em que se trata de qualquer inno
tade
vaçaõ desta natureza , a fim de que a Naçao possa tirar vantagens que
Ti
sobrepujem aquellas , que os povos em commum estao tirando todos os
m
dias , quando se devem deixar as novas especulações ás pessoas intelli
le
gentes , e ainda aos viveireiros , que a salvo se podem sair dellas, sem que
estes jamais possao perder muito , porque pouco arriscao (9) .
§ 18°. Quanto menos poderei dizer de todos os Corregedores , e Juizes
de Fora , que alli tenho conhecido desde o estabelecimento daquella
Junta , que possa abonar-lhes algum conhecimento em agricultura ?
E que progresso poderia fazer a mesma Junta , ainda que todos os seus

membros fossem formados em Philosophia , que possuissem os maiores


conhecimentos botanicos , e que mesmo fossem praticos na materia ,
se as suas reuniões (que deviaõ ser semanaes e amiudadas) nem sempre

se podiaō fazer huma vez no mez, fora muitos mezes , em


em que
que absoluta
mente se suspendem , quando o Corregedor se vê obrigado a ir de cor
reicao pelas outras Ilhas ?

S 19°. Alem de que , aquellas varas estavao sobrecarregadissimas


de trabalho , e em numero eraõ ainda as mesmissimas , que de antiquis
simos tempos forao criadas , menos para conter , e corrigir os povos , do
que para dirigillos, quando aquella povoaçaõ era duas ou tres vezes menor
que ao presente ; pelo que só aos Corregedores na qualidade d'Inten
dentes da Policia lhes nao sobraria tempo , se elles procurassem em toda
a extensaõ da palavra encher as obrigações do seu officio ; nao tanto
pela disposição que os povos tenhaõ para a maldade , como pelo grande
empenho que de alguns annos a esta parte tem havido em introduzir
lha .

S 20º . Em huma palavra muitas vezes tenho ouvido a algum delles ,


que naò era santo para fazer milagres ; e eu mesmo ja tive de o observar
de bem perto quando em 1821 , e 1822 servi seguidamente de vereador na
( 14 )

Camara d'Angra , aonde li alguns Capitulos de Correiçaõ antecedentes ,


e tive de presenciar outros desses actos ; porem isso era sempre , e ha
muitos annos , feito com pouca ceremonia , sem os interessar o bem estar
dos povos , pois que em muitos Capitulos de Correiçao se encontravaŎ
as mesmas propostas , e no mesmissimo atrazamento , como se naõ as ti
vessem feito, entre as quaes me recordo das que eraõ relativas ao augmento
de mais duas povoações , que nós tambem propuzémos , huma no lugar
das Achadas em distancia de menos d'huma legoa da Cidade , e outra
nas ladeiras de Santa Barbara pertencentes á mesma Freguezia e á de
S. Bartholomeu distante pouco mais d'huma legoa da Cidade ; sendo dou
trina que vergonhosamente tenho visto correr na boea d'alguns estupi
dos , que serviços civiz , e feitos nas Camaras , nenhuma consideraçao
mereciao ; e talvez pela admissaõ deste absurdissimo principio , filho
da ignorancia , e do egoismo , eu nao encontrasse relativamente aos
expostos nem meia palavra , nos livros da Camara com que podesse illus
trar-me , á excepção das ferias , que se faziaõ ás amas , e essas mesmas
sempre em confusao pelo máo methodo com que tudo alli se descrevia ;
e por isso era quasi sempre impossivel tirar huma conta liquida das ren
das do Senado , e das suas despesas , como por vezes se tem experimen
tado ; sendo por certo este ramo de administraçao publica o mais impor
tante e despendioso do mesmo Senado , pois que lhe absorve a maior parte
das suas rendas .

§ 21 °. A mesma falta de zelo encontrei á cerca da vaccina, a qual apenas


se desenvolve , logo se perde ; nao existindo tambem entre os livros
antiquissimos , e goticos , que alli ha , hum só que tivesse indice
augmentando-se infinitamente a difficuldade de os ler , porque huns
estao quasi apagados , e outros carcomidos ; achando-se em conse

quencia os seus foraes , e muitas outras cousas excellentes , como n'hum


cahos , sem que ao momento de se precisarem , se possa tirar utilidade
dellas ; nao sendo tambem para esquecer o máo estado d'encanamento
em que se achávao aquellas limpidas , e preciosas agoas , e se nao
he peor que tudo , a falta d'algumas estradas , e o pessimo estado
d'outras.
S 22°. Então deliberei-me a fazer algumas memorias sobre o estado
dos expostos , e sobre a vaccinaçao, as quaes se registráraõ no livro 10 do
( 15 )

registro , e ordenei hum indice (unico que lá existia até aquelle tempo) ao
rico e importantissimo 3º livro ; e pensando eu que estes meus trabalhos
(ainda que eraõ hum pequeno exordio de quanto alli se havia mister) de
veriaõ nobremente excitar o derramamento de luzes dos meus collegas ,

foi quando passei pelo desgosto de ver como tudo era olhado com tena
cissima indifferença , de maneira que por nao ser imitado , deixei de ser
muito excedido em contraposicao á minha esperança , e aos meus deesjos ,
tal he o amor que tenho á minha Patria , ficando estas cousas , e todas as
mais que lá se achavao , no mesmo estado de confusao , em que as tinha

encontrado ; e isto as mais das vezes acontecia , pela influencia e nenhum


zelo dos Juizes Presidentes da Camara , que a salvo podiao fazer tudo ,

certos de que os Corregedores lhes nao arguiriaõ essas e muitas outras


faltas , por que nem ao menos perguntavao ; e isto muitas vezes tambem
acontecia por faltar o tempo aos mesmos Corregedores , em razão de seus

muitos officios , por que eraõ Deputados das Reaes Juntas da Fazenda ,
do Melhoramento d'Agricultura , do Crime , e do Paço , Superintenden
tes das Alfandegas e do Real Contrato do tabaco e saboarias, fazendo tam
bem as mais das vezes de Provedores dos Residuos , quando em seculos
de oiro só conhecião d'aggravos , de correiçaõ e de policia , e naquelle

tempo em que jamais para alli se despachava hum Corregedor , que


nao fosse encanecido na Jurisprudencia .

S 23°. He manifesto por tanto que sendo estes trabalhos muito exce
dentes á sua possibilidade , ainda mesmo quando elles tivessem tantos
conhecimentos agronomos quantos conviessem para dirigir com acerto
hum tal ramo d'administraçao publica (em que tanto se ha escripto nas

Nações mais cultas , nas quaes se tem feito criar sociedades agronomicas
para o seu aperfeiçoamento) jamais elles poderiaõ desempenhar os seus
deveres por
falta de tempo , donde taò perniciosas consequencias se
seguiao , e o peor he que sem se poderem evitar ( 10).
S 24°. Desde então muito mais se exaltárao os nossos males , tivémos
de ver o Presidente da Junta feito proprietario , e lavrador , atropellando

a este respeito todas as leis concernentes ao seu Posto, e á mesma Junta ;


e experimentámos em consequencia cousas inauditas , e que seriaõ dif
ficeis de se apresentar ao publico , como inacreditaveis , se nao tivessem
sido observadas com grandes soffrimentos por aquelles povos ; e foi essa
( 16 )

garantia o que deo lugar a publicar-se huma grande parte dellas no Im


parcial , e outros escriptos . Estes dolorosos males, e grande parte destas
feridas terião sido cicatrizados , se o General Stockler , que depois se

seguio , se demorasse por mais tempo no Governo ; pois ainda que


sabio , bem entrevia , que muitas cousas , que só a proveitosa experiencia
ensina , ficavão fora do seu alcance , e entao por isso foi procurando in
formar-se das Camaras , e pelo que dellas colheo , me disse algumas
vezes , que pertendia fazer ver a S. Magesdade quanto convinha esta
belecer-se huma Junta Agronomica formada dos naturaes do paiz ; mas
seguindo-se logo occorrencias politicas fieárao frustradas as suas inten
ções , e as nossas esperanças .
S 25°. Parece-me que a respeito dos nossos Governadores tenho
por differentes vezes expendido quanto seja sufficiente para fazer ver
ás Cortes e ao Governo de S. Magesdade o muito que elles concorrêrao
sempre para o atrazamento em que se achao aquellas Ilhas , e quanto
por isso mesmo ellas estavao carecidas de remedio : e pondo de parte todo
o intrinseco de taõ delicada materia , cuja continuaçao poderia involver
me em personalidades sempre odiosas , e mesmo desnecessarias , eu farei em

breve algumas observações, que me occorrem sobre o pouco accrescen


tamento que a nossa agricultura tem tido , em comparaçao do que poderia
ter ; então conhecer-se-ha n'hum golpe de vista o seu estado actual , e o
engrandecimento de que he susceptivel (sem que me pareça muito elevallo
para o futuro a hum ponto triplo) mas este progresso , por quaõ bem pareça
aos olhos de muitos , nunca se tornará facil senaõ quando for favorecido pe
los Paternaes desvelos do Governo de S. Magesdade, sem que seja para esse

fim necessario empregar grandes despesas , o que melhor será pro


movido pelo zelo dos nossos Mandatarios , sendo entao muito para
esperar o mais prompto e feliz resultado (11 ) .
§ 26°. Bem sabido he , e olhado como hum axioma agronomico, que
o augmento d'agricultura em qualquer paiz está sempre na razao directa

do augmento dos seus braços . Partindo deste principio incontroverso ,


nao posso deixar de reflectir, e com grande admiraçao, no pouco que se

tem augmentado a populaçao na Ilha Terceira .


1 S 27° . De certo nao he por que as mulheres sejaò infecundas ;
nao he por que o paiz nao attraia a si muitas gentes de fora, que alli
( 17 )

se estabeleçao , e naturalizem ; nao he por que os claustros roubem á


sociedade muitas gentes d'ambos os sexos ; nao he por que a terra seja
doentia ; nao he por que a agoa , e os alimentos sejao nocivos , nem es
cassos ; nem he finalmente por que o estado celibatario seja o mais se
guido , nem por que alli se viva pouco .
28° . Ao contrario as mulheres saõ fecundissimas; todos os dias estaõ

entrando muitas gentes das mais Ilhas , que vaõ servir quasi todas as
casas da cidade , e algumas tambem dos lavradores ; os claustros nao
tem mais d'ametade da gente , que nossos paes lhes conhecêrao , e al
guns tem menos ; o estado do matrimonio muitas vezes alli se vê em

annos bem tenros , e prolificando tanto , que nao he pequeno o numero


dos encanecidos avôs de muitos netos ; e seria ainda mais geral este
estado , se acaso se tivessem accréscentado mais duas povoações , pelo
menos , no Concelho da cidade, o que já em acto de correiçaõ tantas vezes
se tem proposto na Camara , mas debalde ( e quanto cumpriria aos Bis
pos promover este negocio ! ) nao se conhece nem huma molestia indi
gena do paiz ; a agoa he a mais fina , e abundantissima ; a cidade e as

villas respirao hum ar salutar, por que saõ aceadissimas ; e a final os


alimentos saõ os melhores , e tanto , que em nenhuma outra Ilha se faz
tao geral uso de pao de trigo , carne fresca todos os dias e quasi sempre
vitella do mesmo preço da vacca , alem de muita carne de carneiro , e
cabra de menor preço , e de muitas aves, e alguma caça , tendo distinc
tamente de todas as mais Ilhas hum mercado publico , aonde todo o anno
se encontrao hortaliças e frutas em abundancia , e barateza .

S 29° . Concorrendo todos estes dados a hum centro d'abundante fe


cundaçao , e nao se verificando esta em proveito da sociedade, devem ha
ver causas poderosas , e muito extraordinarias , que os destruão ; pois he
mais que certo , que a populaçao ha muitos annos nao tem tido o incre

mento que deveria esperar- se; e isto sem ser por que as Ordens Regias
permittaō a emigraçaõ para o Brasil ( ainda quando esse estado nos per
tencia ) ou para qualquer outro paiz estrangeiro , mas antes mui positi
vamente se lhe oppoem , de modo , que até ha muitos annos temos
sido poupados de levas de soldados , sendo ás vezes precisos na Mãi
Patria , mas nem por isso deixao d'emigrar muitas gentes por desleixo do
Governo ; com tudo eu estou persuadido de que ainda os Generaes mais
3
( 18 )
acautelados tem sido algumas vezes illudidos por quem os cerca ou

pode concorrer para a sua illusao ; e que terá entao acontecido aos me
nos espertos ? Sem duvida terem deixado sair muita gente , como attesta

a Freguezia de S. Gonçalo no Brasil , a duas legoas do Rio de Janeiro , cuja


grande povoaçao he toda Açoriana ; alem de muitos individuos que em Por
tugal se encontrao das mesmas Ilhas .
§ 30°. O abandono tambem em que se achavao os expostos que só
no Concelho da Cidade nasciao todos os annos entre duzentos e trezen

tos , e ás vezes mais , de que nao escapa a terça parte , por que alem do
tènue e quasi sempre mal pago ordenado de mil reis mensaes , que taõ
pouco se dá ás amas que os criaò , tem tambem contra si o pouco zelo ,
se algum ha , da parte dos Medicos , e Cirurgiao do Senado em acudir
lhes, quando he necessario ; e o que ainda he mais revoltante , em re
ceitar-lhes quando para isso sao procurados , por cujo desleixo se perde
desde o berço immensidade de braços com hum grande máologro das
despezas do Concelho , e em grandissimo deserviço da Naçao.

S 31 °. Tendo adquirido estes conhecimentos desde quando em Ja


neiro de 1821 tomei cargo destes desgraçados , que tive á minha conta
até 1823 , por me pertencer este negocio , em razao de ser o Verea
dor mais moço , a quem por distribuiçao toca , e nao encontrando
áquelle respeito no Senado huma só letra com que podesse instruir-me
para melhorar o seu estado , eu me dei pressa em tomar por mim proprio
os esclarecimentos necessarios , e tive d'observar a casa em que elles se
depositao , aonde fui de visita por bastantes dias ; depois fui aos campos
por onde elles se achavao espalhados a cargo das amas , e estando per
feitamente ao facto das despezas que com elles se faziao , e o pouco que

Ihes aproveitavao pelo errado andamento das cousas; tendo o roteiro dos
muitos que tinhao morrido em todos os annos antecedentes , d'alguns que

se aproximavaõ á morte, e d'outros que nao estavao muito longe della ;


tudo isto , que nao he pouco , me abalou , menos á singularidade de me
fazer notavel entre os meus compatriotas , que ao preenchimento do
meu dever, todo subalterno , e todo dependente das ordens do Senado .
$ 32°. Debaixo destes mesmos principios de mingoa publica, organisei
a minha memoria , que apresentei em 28 de Junho daquelle anno , tra

çando ao mesmo tempo algum plano de melhoramento áquelles infelizes ,


quanto pude descobrir na razaõ d'hum pae de familias cuidadoso , e que
( 19 )

desveladamente em melhor tempo não perdia momento respeitante á edu


caça o dos meus filhos , tanto physica , como moral ; e então julguei que
indo por caminho trilhado , teria bom effeito o meu projecto .
S 33°. Na verdade, nada me pareceo tanto a proposito para conseguir
o fim a que me propunha , como procurar achar algum modo facil , com
que podesse acudir áquelles meninos , mas por outros meios , que naõ
fossem do Senado, porque este os naõ tinha , para fazer as suas despesas
ordinarias , quanto mais , se se estabelecesse hum outro methodo d'edu

caçao physica inteiramente novo ( para aquella Ilha ) e algum tanto mais
despendioso ; e porque ha muito sentia gritar , que nao tinhamos em
alguns ramos leis que nos regulassem, julguei conveniente principiar
a apontar quanto me pareceo , e pude alcançar , em abono do projecto
desde 1654 em que os Nossos Augustos Soberanos olhando este ramo
d'administraçao publica , como hum dos mais carecidos da Benefi
cencia Real , e vendo que as providencias anteriores nao correspondiaō
ao desejado fim, houverao por bem , por Alvará de 29 d'Agosto de 1654 ,
isentar da milicia os maridos das amas dos engeitados em quanto os
criassem ; depois , por Alvará de 26 de Outubro de 1701 , forao confir

mados os privilegios dos maridos das amas ; por Decreto de 31 de Março


de 1787 , forao isentados de serem recrutados os maridos , e tantos filhos
das amas , quantos fossem os expostos a quem até á idade de 16 annos
fosse dada educaçao physica , e moral gratuitamente ; por Alvará de 9 de
Novembro de 1802 , foraõ confirmados os privilegios concedidos aos ma
ridos e filhos das amas ; e por Alvará de 18 de Outubro de 1806 , forao
regulados os Hospitaes e Misericordias sobre expostos ; e até de muitas
outras providencias sobre orphãos .
§ 34°. Fiz conhecer quanto era indispensavel occorrer a todas aquellas
necessidades publicas ; que se deveria chamar mais alguma ama de leite,
bem escolhida para estar na casa da roda , mas nunca alli se demorando
mais d'hum anno, ou ainda menos , em relação com o tempo em que tivesse

parido ; que os Medicos , Cirurgiaõ do Senado, e Director alternadamente


deviao concorrer todos os dias áquelle pio deposito ; e que se devia im
pôr ao mesmo Director a obrigação de semanalmente dar conta do estado
dos que tinhao cahido na roda , e a direcçao que se lhes tinha dado , ha

vendo-se d'antes para esse effeito entendido com os Facultativos ; mas por
( 20 )
que ainda assim mesmo eu julguei tudo insufficiente remedio na presença
d'huma tao grande soma de males , accrescentei na mesma Memoria ,
que se todas aquellas providentes Ordens Regias se tinhaõ julgado neces
sarias em Portugal , particularmente em Lisboa , aonde sem comparaçao
ha melhor acolhimento para taes desgraçados , muito mais a sua

pratica se tornava alli indispensavel , e por certo mui proveitosa ; e


que seria muito interessante em conformidade com as mesmas Ordens
Regias que a Santa Casa da Misericordia , á semelhança do que se pratica
em Lisboa , tomasse os expostos a seu cargo , ou que pelo menos os coad
juvasse com a ametade, ou terça parte da despesa que elles fazem todos os
annos. Hoc opus hic labor est, pois que d'outra maneira seria baldada
essa mesma despesa annual com immensa perda da humanidade ; e tao
longe estariamos d'augmentar as obras do Concelho , que nem ao menos
poderiamos conservar as antigas no mesmo estado em que as haviamos
recebido ; accrescendo em fim que de nenhum modo poderiamos cumprir
o que a esse respeito determina a Constituiçao , á qual nos achavamos
ligados pelo juramento que haviamos dado .
§ 35°. A proposito disto chamei a attençao dos meus Collegas sobre
algumas urgencias publicas, principalmente sobre estradas ; mas por que
en antevi que encontraria opposição da parte dos meus collegas , naõ só
porque de ordinario sempre a novidade estremece , ainda mesmo a pessoas
d'alguma instrueçao, que se regulao pelo que ouviraõ a seus paes , com
binado com o que virao , e referindo-se sempre á experiencia , ainda
que se lhes apresentem inconvenientes , elles os tem por mais pequenos
que quaesquer outros ; mas principalmente por que eu bem conhecia
as estreitas relações d'amizade do Presidente e mais Collegas com o
Provedor da Misericordia , cujo cargo occupava haveria vinte annos
pouco mais ou menos , devendo estar tao somente hum anno, segundo
os estatutos da Santa Casa , o que bem provava , que naquella admi
nistraçao se nao encontravaõ difficuldades .
$ 36° . E por que os meus desejos eraõ de valer quanto antes áquelles
miseraveis , lembrei na mesma memoria por muitos principios expen

didos nella , que attendido o mao estado dos expostos , e nao menos
a grande distancia em que alguns se achavao , até n'outro Concelho a
4 e a 5 legoas da Cidade , aonde lhes naõ era facil ir remedio prompta
( 21 )

mente , que ao exemplo de Lisboa , e d'outros paizes civilizados , se


procurasse fazer na mesma Cidade hum estabelecimento , que ao
mesmo tempo que lhes desse educaçao physica, tivesse tambem capaci
dade para lha dar moral ; e entao apontei para huma casa da Fazenda

Nacional , que estava quasi inutil , como ainda hoje (que foi do Mar
quez de Castello Rodrigo detraz do Collegio , que foi dos Jezuitas) para
que se pedisse a S. Magestade , e que sendo concedida , como era bem
d'esperar-se da Beneficencia Real , se ajuntassem nella humas poucas
d'amas escrupulosamente escolhidas , cujo numero só com o tempo se
poderia aproximadamente designar, e addicionei o uso lacteo caprino ,
devendo ter á sua disposiçao algumas cabras para com esse auxilio
naò soffrerem os meninos falta de leite .
S 37°. E tanto ambicionava eu ver progredir este proposto novo
systema , que me responsabilizei a dar dous moios de trigo todos os
annos em quanto vivesse , se com effeito se posesse em pratica , como
eu o havia indicado : e até me prestei a pedir esmolas para esse fim ,
leinbrando ao mesmo tempo , que os grandes estabelecimentos de pie
dade conhecidos em toda a Europa , e mesmo entre nós, haviaõ tido
principios muitas vezes pequenos ; mas que a boa direcçao , a boa fé ,
e zelo com que se haviao criado, tinhao attrahido a benevolencia publi
ca , e com ella o seu engrandecimento .

S 38°. Confesso que nao exemplifiquei particularmente 1 ao meu


paiz com os oito grandes conventos na mesma Cidade d'Angra , cujos
Padroeiros nem todos forao Reaes , nem todos Fidalgos ricos , antes os
mais delles tiveraō por consignacao somente a piedade christâ , o que
nao menos honra os seus fundadores pelo seu zelo , que pela prespica
cia com que souberao ler no coraçao dos fieis Angrenses quanto por
elles seriao ajudados , como na realidade forao ; concluindo - se assim
tao piedosos projectos, de que ainda hoje saõ monumentos vivos , esses
sumptuosos edificios , e caridosos estabelecimentos , os quaes terao de
durar muitos seculos , como outros tantos padrões de respeito e vene
raçao que sempre tributárao á N. S. Religiao, assim como á mendici
dade e desamparo dos fieis christãos ( 12) .
S 39°. Com tudo nao foi por essa falta que deixou de sortir bom
effeito a minha indicaçao, maiormente porque (n'huma phrase) tudo isso ,
e muito mais ainda fiz sentir, causando-me infinita admiraçao que os
( 22 )

meus collegas naõ dessem a este negocio a devida importancia , porque

com effeito , en naõ sci que resposta , nem apparentemente admissivel


podería dar o Senado ( naõ digo , por nao ter seguido o systema que indi
quei em toda a extensao, porque se bom, ou máo o publico que o julgue,
ainda apezar de se omittirem aqui algumas cousas delle) , quando lhe
perguntassem , porque nao tinha proposto ao Governo a execuçao d'Ordens
tão salutares , e tanto a favor dos expostos , ou mais de pressa , da mesma
sociedade ? Porque nao tinha acordado que os Medicos , Cirurgiaõ , e
Director dos expostos alternadamente os visitassem todos os dias na casa
da roda? E por que se nao havia adoptado toda aquella parte do systema ,
que tao longe estava d'augmentar as despesas do Concelho , que antes
deveria contribuir muito a diminuir o mallogro dellas ? E finalmente
que mal poderia resultar d'huma supplica respeitosamente feita a Sua
Magesdade para que desse a casa , especialmente havendo tantos prin
cipios com que ganhar a sua Real Benevolencia ?
S 40 °. Nao occupou muito pouco a minha attençao o nenhum zelo

em aproveitar-se o saudavel preservativo da vaccina , remedio que nas


Nações mais cultas , como na Alemanha , tem sido motivo de Legislaçaõ,
sendo obrigados com graves penas pecuniarias e de prisao aquelles paes
de familias , que dentro d'hum certo numero d'annos nao mostrarem
seus filhos vaccinados ; e principalmente em Dinamarca aonde a vacci
naçaõ forma parte de habilitaçao para qualquer estado, ou emprego : e o
nosso Governo ja reconheceo a importancia deste negocio , mandando
áquella Ilha o Doutor Estanislau Jozé Coelho para vaccinar aquelles po
vos ( o que me parece que foi en 1808 ) sendo provavel que nessa occa
siao fosse commettido esse negocio ao Corregedor, e seguidamente quando
forao depois passadas ordens a todos os Bispos , e Corregedores do
Reino .

.,S 41 ° . Naquelle tempo ignorava eu o grande cuidado e zelo que a


Academia Real das Sciencias havia tomado , e tanto por isso se fez di

gna da contemplaçao Real , que lhe coube a gloria do Governo de


S. A. R. lhe dirigir honrosos agradecimentos nos termos seguintes :
« Illustrissimo e Exmo . Sr. Levei á Augusta presença do Principe Re
gente N. S. a supplica da Instituiçao vaccinica da Academia Real das
Sciencias , em que pede a cooperaçao dos Parochos , e Ministros Terri

toriaes para se adiantarem mais os progressos, que ja tem feito o uso


( 23 )

da vaccina nestes Reinos : E. S. A. R. Manda louvar, e agradecer á


Academia Real das Sciencias a admiravel providencia da dita Instituiçaõ
formada d'alguns dos seus socios facultativos , e a estes , e seus dignos
Correspondentes o distincto zelo , desinteresse , e efficacia com que tem
desempenhado esta importantissima commissao a bem de muitos dos
seus fieis vassalos , que sem o preservativo da vaccina teria sido vic
timas da epidemia , e funesta doença das bexigas : Mandou outro sim
escrever aos Prelados Diecesanos , e Ministros Territoriaes para a coo
peraçao pedida . O que V. Ex. fará presente á Academia Real das Scien
cias para que fique nesta intelligencia , e faça as participações compe
tentes. D. G. a V. Ex . - Palacio do Governo, em 19 de Junho de 1813 .
-Joao Antonio Salter de Mendonça. ―― Snr . Marquez de Borba. >>

$ 42°. Havendo-se prestado antes deste officio muitos Ministros ,


e alguns Bispos a empregar o seu zelo e efficacia em fazer conhecer as
vantagens de tao saudavel remedio , no mesmo dia o Governo deter

minou o seguinte. <


« Querendo o Principe Regente N. Senhor promover o
uso da vaccinaçaõ nestes Reinos para livrar seus habitantes do cruel fla
gello das bexigas , Manda remetter a V. M. alguns exemplares das ins
truccões que sobre este assumpto se publicárao ; e he servido. 1°. Que
V. M. informe do numero de todos os vaccinadores , que ha nas terras
da sua jurisdiccao , seus nomes , e lugares das suas residencias , dando
com toda a brevidade conta do que achar por esta Secretaria d'Estado dos
negocios do Reino ; e declarando se a distribuição dos Vaccinadores pelas
ditas terras he tal , que os habitantes dellas achem quem lhes faça esta
operaçao sem o incommodo de se alongarem muito das suas casas, e ha
vendo falta de Vaccinadores , aponte os lugares aonde a houver, e o

modo de a supprir, sem que os vaccinados façao despeza alguma . 2° . Que


V. M. annuncie ao publico por Editaes os nomes e residencias dos Vac
cinadores , e quanto for possivel , os dias , e horas em que elles estað
promptos para vaccinar, fazendo conhecer nelles ao povo em termos mui
concisos , e accommodados á intelligencia de todos, as consideraveis van
tagens , que resultao da Vaccina para a conservaçaõ da vida , e extinçaõ
das bexigas, encommendando-lhes que se sujeitem aos conselhos dos Vac
cinadores , a quem os Vaccinados se devem apresentar novamente na
forma que se expoem nas instruccões , nao só para se conhecer se a vaccina
( 24 )

he verdadeira, e aproveitar-se a materia, sem a qual nao pode continuar


a innoculaçao , mas tambem para se fazerem as observações necessarias
para se aperfeiçoar o uso da vaccinaçao . 3° . Que V. M. promova por to
dos os meios que poderem influir na opiniaõ publica , e concorrer para
que ella se introduza en todas as classes do povo , servindo- se unicamente
da persuasaõ , e do exemplo , e nunca da authoridade que em semelhantes
assumptos em vez d'aproveitar, só pode servir d'empecer ao fim preten
dido . 4°. Que V. M. procure fazer vaccinar todos os individuos que esti

verem debaixo da sua immediata direcçao , e nao tiverem tido bexigas ,


sejaõ orphaõs , où pessoas empregadas nos Hospitaes , ou convales
centes , que delles sairem , ou prezos nas cadeas publicas , ou expostos ,
ou alumnos das casas d'educaçao, que lhe estejao sugeitos, ou quaesquer
outros , que se acharem em semelhantes circunstancias . Ordena final
mente que V. M. participe aos Juizes de Fora , e Ordinarios da sua Co
marca esta R. Ordem para que a executem prompta e exactamente,
ficando V. M. obrigado a fiscalisar a mesma execuçao. D. G. a V. M.
Palacio do Governo , em 19 de Junho de 1813. Joao Antonio Salter de
Mendonça . - Snr. >>

Ao mesmo respeito recebêrao os Bispos recommendaçao , que foi do


theor seguinte. « Exmo e Rm Snr. Sendo a vaccina reconhecida por todas

as Nações civilisadas , como preservativo innocente da funesta epidemia


das bexigas , que sem elle poucos deixárao de ter , e muitos morriaõ , já
felizmente muito experimentado neste Reino , e até com o paternal exem
plo que deo o Principe Regente N. S. fazendo vaccinar seus Augustos
Filhos sao obrigados todos os que nao tem tido bexigas a vaccinar-se ;
e os chefes de familia a fazerem vaccinar nas mesmas circunstancias a

todas as pessoas que delles dependem. Para espertar esta obrigação , e


facilitar o uso geral do mesmo preservativo , de que tanto bem resulta á
humanidade e ao Estado , a Academia R. das Sciencias formou a institui
çao vaccinica composta d'alguns dos seus Socios Facultativos , os quaes
muito tem trabalhado por si , e seus Correspondentes a promover , e faci
litar o dito uso geral , vaccinando de graça todas as pessoas que lhe
apresentao. E como apezar de tantos desvelos , e notorias utilidades ainda

ha bastante negligencia no cumprimento da dita obrigação , por falta de


conhecimento e persuasao : S. A. R. manda remetter a V. Ex . alguns
( 25 )
Exemplares das instrucções sobre o modo de vaccinar , afim de que
V. Ex. possa divulgar estes necessarios conhecimentos como melhor lhe
parecer ; e he servido recommendar a V. Ex . 1º . Que V. Ex . promova
a vaccinaçao por todos os meios possiveis , especialmente pelo exemplo ,
sempre mais poderoso que o conselho , procurando nao só vaccinar
todas as pessoas da sua familia , que nao tiverem tido bexigas , os em
pregados , e alumnos dos Seminarios , e outras corporações , que estive
rem debaixo da sua inspecçao , mas tambem persuadir as pessoas prin
cipaes a que imitem tao louvavel procedimento , pois a pratica deste
saudavel invento depende inteiramente da opiniao publica para se • intro
duzir em todas as familias e classes da sociedade . 2 °. Que. V. Ex . re
commendará aos Parochos seus subditos, que nao cessem de persuadir
aos freguezes por todos os modos , especialmente na estaçao da Missa
em alguns Domingos as utilidades da vaccinaçao , exhortando a que se
pratique por todos que della necessitarem . S. A. R. confia nas virtudes

de V. Ex . que concorrerá cordialmente para huma obra taõ meritoria ,


e de tanto interesse para o R. Serviço , e bem da Naçao. D. G. a V. Ex .
Palacio do Governo , em 19 de Junho de 1813. Joao Antonio Salter de
Mendonça . ― Snr.
S 43°. Se eu tivesse sabido destes Officios , eu fallaria mais alto , e
eu me esforçaria por que elles se cumprissem , e se assim nao aconte
cesse , entao eu por mim mesmo daria conta do Senado e mais authori
dades , como por muitas vezes o tenho feito, quando o tem pedido o bem
da Patria ; pois que para isso estava authorisado pela mesma Constitui
çao ; mas como o poderia eu saber , se desde 1813 ate 1828 haviamos
tido 3 Bispos , e 6 Corregedores , que nunca communicárao aos Povos
tao paternaes disposições ? E será muito se eu disser destes forasteiros
cousas as mais amargas ? E taes tem havido que muito se irritariaõ se
por estes Officios fossem perguntados ; mas quanto se comprazeriaõ se
alguem procurasse saber delles quanto lhes havia custado o rico plató ,
as ricas louças , e o mais faustuoso adheresse da sua casa , em nada por
certo comparavel com a santa pobreza das alfaias d'hum D. Martinho,
que deve ser considerado em Angra , como será eternamente em Braga
D. Frei Bartholomeu dos Martires !
( 26 )

$ 44° . Com effeito dos nossos Governantes nos tem vindo os mais funestos
resultados , e estes se centuplicaraõ em quanto o sabio Governo de Sua
Magesdade nao tiver a fortuna de ser mais bom succedido na escolha das
authoridades que para alli nos forem mandadas ; e isto porque ainda
hum nao sei que desvia os homens dos sentimentos da sua especie ,

que he justamente como se pode explicar o motivo por que até aquelle
tempo se nao tinha adoptado , nem melhorado o projecto de vac
cinaçao por mim apresentado em Camara no dia 15 de Dezembro de
1821 ( contido em 10 artigos ) em cuja execuçao nenhuma despesa
era preciso empregar, senao em hum livro , aonde deviao ser lançados
os nomes dos vaccinados . Só assim se nao perderia tao saudavel bene
ficio , e estaria o Senado sempre em dia para poder satisfazer ao Go
verno de S. Magesdade quando a esse respeito fosse perguntado ; ou
tambem quando em acto de Correiçaò tivessemos Corregedores ido
neos , e mais aliviados de suas tarefas , para se poderem interessar

por tao vital negocio : eisaqui ( pondo de parte o offerecimento por


espaço d'hum anno das minhas casas nobres de fronte do Quartel Ge
neral para alojamento das amas que trouxessem os meninos a vacci
nar, se a Misericordia nao podesse acolhellos , e o mais que nessa occasiao
indiquei , e que tudo lá se acha registado ) os proprios termos em que
foi concebido o meu projecto ( 13) .
1 S 45°. Parece-me que será a proposito determinar-se ao Medico en

carregado da vaccina a maneira por que se deve haver em beneficio


destes povos para o possivel prolongamento do pus vaccinico ; e por que
a este respeito nada se acha escripto nos livros da Camara , por isso
offereço a Indicaçao seguinte para a boa ordem da vaccinaçao ; e que
V. S. se servirá ampliar, e mandar pôr em pratica , julgando -a util , e
que se registre , e della sc me mande passar certidao.

ARTIGO I°.

A Camara fará avisar cada semana as amas encarregadas da criaçao


dos expostos , e lhes marcará dia e hora em que devao apresentar-se na
sala da vaccinaçao .
( 27 )

II.
As amas que morarem no contorno da Cidade na distancia d'huma

legoa voltarao com os expostos vaccinados para suas casas , sendo com
tudo obrigadas a apresentar-se com elles outra vez na sala da vaccinaçao
no dia e hora indicada pelo Medico , ou Cirurgiaõ Vaccinador.
III.

As amas que morarem a mais de legoa de distancia da Cidade deveraõ


recolher-se com os expostos ao aposento que lhes tiver sido prevenido ,
aonde permanecerao todo o tempo , que o Vaccinador julgar necessario .
IV .

Para serem admittidas em algum aposento , se for na Santa Casa da


Misericordia, deveraõ apresentar ao Mordomo hum bilhete do Vaccinador,
no qual se declarem os seus nomes, e as terras da L..
sua morada , e lhes
serao indicados os dias, e horas em que deverao de novo comparecer

na sala da vaccinaçao ; e quando seja n'outro aposento a Camara dará


a esse respeito as providencias necessarias.
V.

Os dias destinados para a vaccinaçaõ deverao ser os Domingos ; porem


se a desenvoluçao da vaccina for em alguma occasiao mais tardia , e
que por isso no fim de 8 dias nao esteja o pus em estado de usar-se delle ;
em tal caso o Vaccinador destinará os dias para fazer a operaçaõ vaccinica.
VI .

O numero dos expostos que deverá vaccinar- se todos os Domingos ,


será de tres ou quatro , alem d'algumas outras crianças , cujos paes vo
luntariamente quizerem que seus filhos se aproveitem deste publico be
neficio, proporcionando-se a vaccinaçaõ de maneira que possa prolongar
se pelo maior intervallo possivel ( 14) .
VII .

Como o Senado tem dous Medicos , e hum Cirurgiaõ de partido , nunca


devem ser menos de dous os incumbidos da vaccinaçao .

VIII .

Deverá haver hum livro na sala da vaccinaçao , em o qual o Vaccina


dor esreverá os nomes das pessoas adultas , e filiações das crianças, que
( 28 )

vaccinar , declarando o dia e hora da vaccinaçao, e fazendo as mais es


pecificações , que julgar convenientes .
IX .

No mesmo livro indicará o Vaccinador o progresso da vaccina , o que


se poderá fazer depois da observaçao que se houver feito nos dias em
que tiver mandado comparecer os vaccinados .
X.
No fim de cada mez deverá o Vaccinador remetter ao Senado da Ca

mara huma lista das pessoas vaccinadas durante o dito mez , e do re


sultado da operaçao. Angra, 12 de Dezembro de 1821.-O Vereador mais
moço . - Luiz Meyrelles do Canto e Castro .

DESPACHO .

Acordaò : et cetera , que se registre e se dêm as providencias . An


gra, 15 de Decembro de 1821. Mascaranhas . - Barreto . ――――- Meyrelles.
Menezes . ―― Alvares . - Está conforme o original . - Vicente Pereira
de Mattos . - Concorda com o proprio registro a que me reporto . An

gra, 18 de Julho de 1825. - Manoel Jozé Rorges da Costa . Escrivaõ


Proprietario o fiz escrever e assigno . - Manoel Jozé Rorges .

S 46° . Como porem nesta pequena tarefa algum tanto se augmentava


o trabalho ao Escrivao, aos Medicos, Cirurgiaõ do Senado, e Director dos
expostos , tanto bastou para que nem só deixassem de olhar este negocio
com a seriedade, que lhes cumpria, mas antes o abandonassem á descri
çao, e como que posso assegurar que ainda hoje elle se acha no mesmo de
zemparo; e por isso mui carecido que o Soberano Congresso o esperte ,
faça com que o Poder Executivo lhe dê aquelle impulso que julgar con
veniente áquelles povos , e bem geral da Naçao. Sendo certo que o Es

crivao , Medicos , e Cirurgiaõ do Senado sao muito bem pagos .


S 47°. E a final o pouco incremento, se algum tem havido , nas enfer
marias do Hospital da Misericordia , o qual ha mais de 100 annos sendo
entao sufficientissimo para aquelles povos , nao ha duvida que todos os
dias se conhece a necessidade d'accrescentar-se naquella parte que lhe serve

de celleiro ; e posto ser o andar mais baixo do edificio , o que nao conviria
a todas as molestias , com tudo elle ainda he superior ao plano da rua ;
( 29 )

e que nao servisse para mais , era por certo bom para alguns convalescen
tes ; e de inverno seria até mui proveitoso , por ser o mais agasalhado ,
ou o que seria melhor, podia accrescentar-se mais hum andar sobre o

mesmo edificio ; por este modo era facil dar entrada a hum mayor
numero de doentes , e seriao mais bem guardadas as mandas de nossos
maiores, que taõ piedosamente concorrêrao para aquelle estabelecimento .
Na verdade, bastava que se fizesse o mesmo que ja a Misericordia da Villa
da Praia havia reconhecido necessario , e que tanta honra merece por
esse augmento , com tao manifesto proveito publico ; porem naquella
villa proporcionao mais os trabalhos aos Provedores , nao os fatigao
tanto ; elegem-nos amiudadas vezes , mas nao acontece assim na Cidade
de maneira que em toda a minha vida , nao conheci senaò tres Prove
dores que com a vida acabarao as funções do seu cargo , estando o ul
timo talvez servindo havia mais de 20 annos , o que se nao era culpa ,
era descuido da Meza , tornando-se surda aos clamores dos pobres en
fermos , que poucos se curavao bem , e peor ainda parecendo indiffe
rente aos muitos que se nao tinhao podido receber ; nao podendo pôr de
parte as difficuldades que se encontravaõ na admissaõ d'alguns irmaos ,
que queriaõ ser da Misericordia , quando por falta de gente he que se ha
viao tornado quasi perpetuos aquelles Provedores , e quando os seus es
tatutos os mandaõ eleger todos os annos ; e mesmo por decencia parece
que deviao ter suffocado o grito geral , pois administrações que dao tanto
trabalho e responsabilidade , jamais se conservao, que nao seja por gran
dissimos interesses particulares com prejuizo publico ; tanto mais que de

tempo de nossos paes se sabia perfeitamente d'algum Provedor que na


forma dos mesmos estatutos nao servira mais d'hum anno o sobredito

cargo de Provedor (15).


S 48° . Aquella grande casa que pôde fazer aquelle sumptuoso
edificio, aonde se venera o Snr. Santo Christo, acudindo ao mesmo tempo
aos pobres enfermos ; e cumprindo todas as mais obrigações , muito
se tem augmentado em nossos dias ( he precizo confessallo ) pela grande
actividade da sua administraçao fazendo cobrar muitas dividas de 30 para

40 annos , o que deve fazer suppôr hum grande deposito com que entaò
de futuro possa fazer o que ha muito tempo tem esquecido com prejuizo
da Naçao .
( 30 )

$ 49°. Em relação com o que vai expendido nao he de menos monta ,


para mostrar a grandeza em que se deve suppor aquella casa , o trazer
á memoria que a differença hoje dos preços dos generos , que se con
somem no Hospital e Misericordia , fazendo termo de comparaçao com
aquelles tempos , nao he tao grande , quanta be a do augmento do pr
o
ducto das suas rendas ; por que se por exemplo , hum dos generos que
mais se gasta no Hospital a carne →→ ha mais de 100 annos se reputava

a 15 e 20 reis o arratel, tambem nesse tempo se vendia hum alqueire de


trigo por 70 e 80 reis , e hoje vemos ter subido a carne a 50 e 60 e o
trigo entre 400 e 500 ( termo medio ) tendo havido anno em que ja se li
quidou a 750 , e aproximadamente a este preço em muitos outros annos ;
o que dá huma differença a favor do producto das suas rendas sete vezes
maior, e esta tanto mais se avulta e ensancha na presença d'algumas des

pesas , que apenas teraõ ( quando muito ) quadruplicado , quando muitas


outras tem diminuido ; o que tudo calculado por esta maneira , attenden
do- se a que o commercio tem barateado muitos generos , que alli se gastaō,
como roupa, louça, cera, azeite, etc. , e o adiantamento nao menos da Me

decina , que ja hoje poupa muito mais á humanidade aquelle immo


C
derado uso que fazia de remedios , e por consequencia diminuindo - se
consideravelmente a despesa da botica, nao me esquecendo ao mesmo

tempo a bem entendida austeridade das suas dietas , e o bem merecido


louvor pela sua execuçao : todas estas vantagens por quaõ pequenas fos

sem , por qué saõ "muitas , sendo somadas com as do augmento das
suas rendas , deviao pelo menos dar- nos resultados equivalentes áquelles
de melhores dias , cuja falta amargamente lamentamos hoje ; muito mais
ainda por que da inadmissaõ de sujeitos para aquella Santa Irmandade
tem nascido a permanencia quasi eterna daquelle Provedor; por este modo
se vai apagando a memoria daquelles varões illustres e desinteressados , que
jamais tem servido tal cargo , senao por hum anno, e assim ficao muitas
vezes escondidas as virtudes de muitos outros, que por nao terem lugar,
deixaõ de prestar, como devem serviços uteis á Patria .
.
§ 50 ". Quem naõ verá que tudo isto sao causas destruidoras da socie
dade, as quaes infinitamente tem concorrido para deixar de crescer aquella
povoaçao , e tolher-se em consequencia o progresso da nossa agricul
tura? Quem nao verá ?... Remediados estes inconvenientes , entao des
( 31 )
conhecidos aos Nossos Soberanos , deve augmentar-se immenso a popu

laçao , e ainda que nao houvesse alteraçao no systema agricola , só por
este grande auxilio nao deixariaõ d'apparecer resultados agradaveis ; e
estes poderiao chegar ao ultimo estado d'aperfeiçoamento , se em cont
formidade das Reaes Ordens , e Paternaes desvelos do Senhor Rei D.
Joao VI se houvesse por bem pela liçao da experiencia de fazer emendar
o que servio d'embaraço e estorvo ao desejado melhoramento . He na
verdade o caminho mais proprio para se fazer conhecer ao Governo ( de
S. Magestade quanto convem praticar em beneficio d'aquelles povos;
entaò elles seriaõ levados mais docemente ao augmento de culturas ja
experimentadas , e que ainda hoje se achao em ponto muito pequeno ;
elles conheceriao melhor suas vantagens , e elles se dariao pressa a en÷
trar em certas culturas novas , a que por costumes velhos saõ sempre
oppostos ; erros estes que continuarao por muito tempo em quanto por
meio da persuasao , e da propria experiencia se lhes nao fizer sentir
quanto elles tem perdido na sustentaçao desses costumes ; por que por
ainda que de nossos
via de regra elles sempre se oppoem ás innovações ,
dias tiveraõ huma , que assaz os devia animar para muitas outras , posto
que tanto a praguejarao no principio , quando o General Diniz Gregorio

de Mello e Castro a isso os obrigou , quanto hoje a bem dizem , com mil
expressões d'agradecimento ; vindo este General a merecer em Angra

pela introducçaò deste beneficio a mesma consideraçao e respeito que a


França pelo mesmo principio hoje tributa ao seu Parmentier (Antoine
Augustin) que foi quem primeiro ha meio seculo lhe fez conhecer essa

vantagem....
$ 510. Foi a cultura da batata Ingleza , que he ja considerada entre
elles , como huma taboa de salvaçao em caso d'esterelidade de ceriaes ,

por que na verdade está hoje taõ generalizada , e produz em tanta copia,
que muitas vezes se vende a 50 e 60 reis o alqueire, e fora sem compa
raçao mais abundante e mais pingue a sua colheita , se politicamente
naõ estivesse vedada a sua exportaçao para os nossos Reinos , pelos gran
des direitos que dellas se pagaõ ; o que só redunda em proveito d'alguns
estrangeiros ; encarecendo
em consequencia o mercado publico ( por
que nao concorrem outras que # lhes façao face ) quando alias se 7 po
deria tornar baratissimo com vantagem nossa.
( 32 )

§ 52. Fora com effeito incomparavelmente maior a sua cultura , se


Ó preço convidasse correspondentemente ; aproveitar-se-hiao muito mais

os baldios com ellas , que até de mais a mais saõ hum excellente preparo
para as terras cereaes , e tao pouco precaria a sua producçao , que a
mesma intemperie da athmosfera , que ás vezes pela sua muita humi
dade véda a alegria aos lavradores murchando suas bem fundadas espe
ranças na formosura de suas espigas , sem duvida lhes he assim mesmo
a mais benéfica, e a mais conducente a produzir com abundancia.
§ 53°. Ella vegeta entre o mesmo milho , e produz excellentemente ,
sem que muito o affronte ; todavia muitos mais podiaõ ser os interesses

provenientes do andamento da sua cultura , e nao só para aquellas


Ilhas , como tambem para Portugal , em razaõ de mais poder progredir
a sementeira dos trigos , e de facilitar huma muito maior exportaçao
delles , e conseguintemente deveria baratear o mercado com tanta vanta
gem Nacional, e com o grande proveito de nos tornar cada vez mais inde

pendentes d'auxilio estrangeiro , sem com toda essa barateza poder preju
dicar a lavoura de Portugal ; nem só por que o nosso trigo he d'outra qua
lidade , e de menos merecimento que o d'aquelles Reinos, mas quasi indis
pensavel para se misturar com elle, como por que a batata em grandè quan
tidade nao faria conta cultivar-se em Portugal, assim pela carestia dos ter
renos , e dos trabalhos que com elles se empregao , como por que o solo e
athmosphera , lhe nao he tao proprio ( 16) , quanto o nosso ; e alem disto
consideravelmente cresciao os bens Nacionaes pelo augmento dos dizimos
e dos direitos das alfandegas ; porem até aquelle tempo nao sendo olhadas
estas vantagens nem a bem das nossas Ilhas , nem a favor de Portugal ,
continuárao por isso a ser consideradas as nossas batatas , como hum ge

nero estrangeiro , por cujo motivo se nao exportao , donde nasce que ha
vendo pela sua abundante producçao barateado tanto , acontece algumas
vezes nao se poderem reputar todas , fazendo-se em consequencia uso for
çado para animaes de maneira que ja nao faz conta ao Colono estender
se a maior cultivo , nem ainda mesmo em terras magras de que se paga
pouca renda; por que quanto ás gordas e as mais productivas , se o Agri
cultor com ellas occupa algum terreno, elle tem sempre pelo menos a con
tar com huma colheita de 120 alqueires por alqueire de terra (ou 200 bra
ças quadradas ) e muitas vezes tem colhido acima de 240 , sendo hum ter
( 33 )

mo medio de 200 alqueires ; porem nem ainda assim mesmo lhe faz conta ;
por que se muitos o fizessem viriaõ as batatas a preço de 20 , e 30 reis o al
queire no que perderia muito o Cultivador; pelo que dispoem da terra pa
ra outras sementes com que mais se interessa , a pezar de serem algumas
vezes repetidas ( 17 ) , o que deve evitar-se quanto for possivel pelos in
convenientes que dahi resultaõ ( 18 ).
§ 54° . Entretanto esta cultura e todas as mais seriaõ susceptiveis
d'hum engrandecimento extraordinario , ainda que o Governo de
S. Magesdade por hum lado nao annuisse ao que huma Junta Agrono
mica em coincidencia com estes principios , e muitos outros, lhe houvesse

de representar em beneficio daquelles povos , e da Fazenda Nacional ;


mas por outro lado tao somente bastava que o mesmo Governo houvesse
por bem criar mais duas Freguezias , ou antes 4 em cujos lugares
se achao ja duas grandes povoações . -Do Posto Santo. - Freguezia de
Santa Luzia , e Serreta , Freguezia de S. Jorge, cuja necessidade ha muito
mais de 100 annos que se conhece ; por que taes saõ as distancias , e
os máos caminhos para ellas , que muitas vezes os Sacramentos naõ
chegao a tempo de consolar, e dar vida , sendo as outras por tantas
vezes em acto de Correiçaõ ja indicadas , huma nas Achadas , e outra
nas ladeiras de Santa Barbara . Seria mui facil o estabelecimento destas

Freguezias pela abundancia d'agoa , e mato, e barateza dos terrenos que


sempre se afórao por pouco , e concorreria mais que tudo para o aug

mento dos povos , se no lugar de Santa Barbara se criasse huma Villa ,


que bem o merece pela sua populaçao , e mesmo por sua nobreza , d'onde
ja antigamente alguma pessoa veio servir na Camara d'Angra ; e ficavaò
entao bem reguladas as 4 Freguezias, isto he S. Bartholomeu , Santa Bar
bara, S. Jorge, e essa que, se for estabelecida nas ladeiras de Santa Barba

ra, sem duvida será o seu Orago que mais contente o de Santa Maria pela
grande devoçao que ha com a Mai de Deos ; quando alias, entre muitos
outros inconvenientes , se vê o pobre colono obrigado a passar no dia

8 legoas a pé de ida e volta a Cidade , para apresentar ao Juiz hum sim


ples requerimento , como acontece na Freguezia de S. Jorge , o que naò
pode deixar de ser em muito prejuizo da lavoura , e grande detrimento
dos
povos ( 19) . He evidente como por este modo tao facil se augmentava
a populaçao ; quanto se ensanchariao os seus celleiros , e quanto essa
5
( 34 )

differença nao podia deixar de contribuir muito para a prosperidade do


paiz e bem da Naçao .

§ 55° . A cultura dos prados que fazem sempre a riqueza do lavrador,


е nós que ja temos a luzerna ( 20) hum dos melhores conhecidos em toda a

Europa ( pela sua reproducçaò e extensa vida , pois que dura trinta para
quarenta annos a qual por muito que a exaltao nao lhe contao mais de

3 para 4 cortes, e de 2 a 3 palmos de altura ) aonde vantajozamente he


cultivada, conforme encontro em algumas memorias Inglezas , e mesmo da
nossa Academia R. das Sciencias , tendo por minha propria experiencia
observado e sabido de bem perto da sua vegetaçao neste Reino ,

a qual em nada he excedente ao que a esse respeito tenho lido , sendo certo
que no meu paiz tenho visto relvar 5 e 6 vezes principiando a cortar-se em
Abril , nunca sendo preciso mais d'hum mez para cada corte , e ás vezes
" sendo o seu tamanho ordinario de 3 a 4 palmos , e entre elles
alguns de 5, e no seu perfeito estado de florescencia ; e alem desses ,
mais 3 ou 4 vezes se sega conforme he o inverno. Estes ultimos cortes

posto nao chegarem d'inverno a florescer , com tudo elles sempre chegao
a dous palmos , e ás vezes mais ; e se por exemplo estes comparados com
os outros nao valem tanto para animaes de grande trabalho , para esses
mesmos sempre aproveita nas palhadas , ainda que nao poupe o grao ,
que se economisa durante os 5 ou 6 cortes abundantes , interessa con
tudo muito mais para as vaccas de leite ; sendo tambem secca huma das
melhores forragens conhecidas .
S 56°. Quem dirá que ainda assim mesmo os povos se naõ resolvèrao a
cultivalla ? Contudo ella ja estaria em todas as Freguezias da Ilha , se
nao fossem os acontecimentos politicos de 1828 , por que tinha a contar
que todos os morgados, e amigos a quem em 1821 e 1822 eu havia dado
sementes della (que tinha mandado ir d'Inglaterra), houvessem de obri
gar os seus rendeiros a que a cultivassem , instruindo-os ao mesmo
tempo sobre as vantagens da sua cultura , e se fosse necessario, eu faria
huma memoria que deveria ser espalhada por aquelles povos . Pude

apenas alguns annos antes levalla á Villa da Praia , dando plantas


ao Reverendo Ouvidor Antonio Coelho que discretamente as soube apro
veitar plantando-as junto da sua casa , mas nao fui tao bem succedido na
que fiz semear em Santa Barbara , e entao me dispunha eu mesmo a
( 35 )

observar se d'antes era bem preparada a terra , aonde devia ser feita a
sementeira .
§ 57°. Muitos annos se perdêrao em que foraõ alli desconhecidas as
vantagens de tao rico prado , o que tambem tem acontecido em Por

tugal , aonde se desculpa com os seus terrenos mais concretos , e ar


gillozos , que os nossos , e que por isso a naõ cultivao , sendo-lhes pre
cisa rega , que as mais das vezes he difficil , naõ sabendo remediar esse

inconveniente , sem duvida por que lhes naõ saõ presentes os meios de
os soltar com a mistura de terras mais fracas , areas , vegetaes , e estru
mes ; pois mal sabem o que perdem em nao aproveitar esta rica planta ,
que nao menos deve ser olhada economicamente quanto ao sustento dos
animaes, como por que os livra de molestias, e os cura ; sendo cousa rara
ver-se na Terceira hum cavallo com mormo , ou polmoeira , molestias
que em Portugal se encontrao a cada passo , talvez, segundo me parece ,
seja huma das principaes causas , pelo pouco cuidado que se emprega
em guardar as palhas , que lhes servem todo o anno , e nao menos ,
pela muita humidade , que de ordinario apanhao na sua conducçao ,
como tive d'observar em 5 invernos que estive em Portugal .
§ 58°. Se estas vantagens só por si sao muito excedentes a todas es
sas decantadas pelos Estrangeiros , e por alguns dos nossos Portuguezes ,
eu vou apresentar outras filhas da minha experiencia em relaçaõ com
à minha Patria, que nao menos me parecem dignas d'attençao, para que

o Agricultor assim que poder, se dê pressa em cultivalla ; convem primei


ramente dar huma idea da agricultura do paiz , isto he , quanto ella
abrange na sua extensao, e localidade, para dahi deduzirmos os interesses
que o pradoso Agricola deve tirar, cultivando a luzerna , principalmente
ao pé da sua habitaçao.
$ 59°. A Ilha Terceira no meio do Oceano, 220 legoas (segundo alguns)
distante de Portugal , na lat. 38 deg . 38 min . 36 sec . ; long. 18 deg. 4 min .
27 sec. a O de Lisboa , apenas se acha cultivada em contorno de si mesma,
de maneira que sem escrupulo d'errar , se pode dizer, que a sua cultura
mal terá chegado á terça parte daquelle solo ; nao obstante isto , he fora
de toda a duvida , que todo o paiz está perfeitamente conhecido , para
que se possa cultivar, sem que seja á descriçao . Elle he o mesmo pela sua
( 36 )
athmosfera ; elle he o mesmo pelo seu solo de mais , ou menos lava , tem
contudo alguns lugares mais favorecidos ( e ainda pouco aproveitados )
de mato e agoa , e todos a podiao ter nativa e preciosa com mais ou me
nos custo , sendo susceptiveis em todos os pontos das mesmas culturas
alli conhecidas, devendo-se esperar resultados favoraveis huma vez que se
lhes accommodem os fogos , e braços correspondentes, que he o que até

agora se nao tem feito , achando-se por consequencia aquella povoaçao ja


muito acanhada , sem mesmo poder augmentar- se muito em quanto o
Governo de Portugal nao fizer estabelecer mais alguma povoaçao , de
cuja falta nasce , que quando o Lavrador se interna pelo paiz he sempre
a travez de grandes difficuldades por causa das distancias e mãos camin
hos ; com tudo a necessidade o obriga a cultivar parte do interior do
mesmo paiz , para assim lhe sairem mais baratos os prados naturaes ,
que se lhe tornaõ indispensaveis para a sustentação do seu gado , durante

huma parte da Primavera , e outra do Estio , em quanto nao está con


cluida a colheita cereal , porque antes desse tempo nada tem com que
sustente o seu gado, pois que junto do seu domicilio nao tem hum palmo
de terreno que nao esteja cultivado de cereaes .
$ 60° . Desta emigraçao pois para o interior do paiz tendo-se tirado o grande
lucro d'instruir e desenganar os povos ( que jamais para os seus inte

resses agricolas tao de pressa correm por outros principios, que nao sejaõ
os da propria experiencia ) nao ha duvida que muito mais adiantados
poderiaõ estar , se elles tivessem prados artificiaes , visto haverem
aquellas duas epocas do anno nas quaes o cultivador necessariamente gasta
huma grande parte do dia em conduzir o seu gado para o trabalho , na
distancia d'huma a duas legoas da sua habitaçao , e ás vezes mais ; con
sumindo-se nestas jornadas a carne dos seus animaes , e fatigando- se
estes a ponto d'entrarem de má volta no mesmo trabalho ; alem de que
gastao-se-lhes as unhas , o que muitas vezes os despéa , obrigando-os a
manquejar, e muitas outras os inhabilita para traballhar, sendo ainda
peor a perda do tempo , pois que o atrazamento dos trabalhos d'hum
dia , nem só tem dado lugar á multiplicidade delles, como tambem a im

mensos transtornos , e inconvenientes d'ahi resultantes ; por que se por


exemplo pela differença d'huma hora ou duas se naõ acaba huma debulha
( 37 )

de trigo , quantas vezes temos nós visto , que vindo a chuva logo de
pois , se multiplicaõ as fadigas por mais dias , e com que perda de

trigo ? E que incalculaveis consequencias naõ pode ter esta perda olhada
debaixo de vistas agricolas e commerciaes , em que hum momento
abandonado tem tantas vezes decidido de grandes fortunas ?
§ 61°. Só por estes principios julgo que o agricultor facilmente se
convencerá de quao proveitoso lhe seria estabelecer hum luzernal
perto da sua casa . Elle mungiria tambem de suas vaccas muito mais.
leite , pelo poder tirar duas vezes no dia , e de muito melhor qualidade
para delle poder extrahir a melhor manteiga, e em maior copia ; e restando
lhe em consequencia mais tempo para as suas culturas , elle se despreocupa
ria, vindo a conhecer que nem só de trigo , e milho se tira proveito corres
pondente ao que pela terra paga , ás suas despesas , e ao premio das suas
fadigas ; naõ devendo tambem pôr de parte o interesse que d'ahi lhe
proviria pelo augmento das suas estrumeiras , e muito mais ainda , pelo
quanto nellas influe a mistura d'estrume animal , em cujo manejo agri
cola naò deixao alguns dos nossos lavradores d'estar hum pouco atraza

dos , pois que procurao occorrer a todas as necessidades de terrenos ma


gros , por meio de vegetaes, que enterrao nos mesmos terrenos que os
produzem; como sao por exemplo os tremoços, favas, senteio , fetos , e al
gumas palhas, fazendo apenas pequenas estrumeiras e essas mesmas mal
dirigidas, e peor que tudo , mal colocadas por serem ao pé das suas casas :
havendo com tudo outros ( na jurisdicçaõ da Villa da Praia ) muito mais
habeis , que tendo conhecido que alguns dos seus terrenos pantanosos ,
e alguns outros formados d'argilla , e os mais viscosos se tornavao muitas
vezes rebeldes aos seus cançaços , e suores ; e tendo-lhes tambem mos
trado a experiencia , que ainda os saes e particulas oleosas dos mesmos
vegetaes, naõ eraõ sufficiente amanho para soltar as suas moleculas a ponto

de se tornarem aptos para gozar a benigna influencia da athmosfera , e


produzirem correspondentemente ; entao com o maior acerto se deter
mináraõ a misturar-lhes area do mar, e elles tem visto a sua industria

premiada , tendo a satisfaçaõ de colher muito excedentes ás suas espe


ranças , tao ricas e pingues producções , a cujo exemplo muitos a vaõ
buscar em sus carros na distancia de duas legoas para melhorarem com
ella os seus terrenos . Outros porem ( em pequeno numero principalmente
( 38 )

na Freguezia de S. Jorge ) em terrenos mui magros revolvem camadas


da terra mais profunda , que posto nao se acharem meteorizadas , pare
cendo por isso que pouco dellas se deve esperar , tendo antes guardadas
as primeiras camadas , aonde entao se encontra algum humo , elles as
fazem confundir humas com as outras , e essa combinaçao tem feito rea

lizar seus desejos , ainda que pouco repetidos sejaõ seus effeitos .
§ 62°. Para maior elucidaçao da materia julgo conveniente fazer publico
o proveito que tenho tirado da luzerna. Com verdade posso dizer ser até
áquelle tempo (e creio que ainda hoje) o maior cultivador desta planta na
quella Ilha, e nao he por que com ella occupe grande extensaõ de terreno ,
porem sim em comparaçao da acanhada cultura dos outros . Tao somente
constao os meus prados de 13 alqueires de terreno ( ou 2600 braças qua
dradas ) plantados em differentes pontos conforme he a minha residencia
na Cidade , ou no campo , e com elles sustentei sempre à farta 8 bestas ,
2 bois, e 2 vaccas, dando-lhes apenas alguma raçaõ de cevada , e assim
mesmo em algum anno tive sobras , de que dispuz para forragem d'inver
no. Durante seis mezes sempre poupava 6 a 7 moios de fava e cevada, con
servando os animaes sadios , gordos , e fortes ; quando sendo postos a

secco , e ainda que com elles se gastassem mais os 6 ou 7 moios de grað ,


nem se conservariaõ gordos , nem com tanta saude , especialmente fazendo
elles uso da fava , que as mais das vezes se torna damnosa , naõ tendo
elles o proporcionado exercicio . Ja se vê o que eu poupava em grao ; e o
⚫ que elles gastariao com palhas ? Convem notar mais que toda esta terra
nao me daria de renda annual mais de 52,000 reis ; e quantos 52,000
valeriao os 6 ou 7 moios de grao , e mais que tudo ainda , o bom estado
dos mesmos animaes , sempre formosos , porque sempre gordos , naõ só
conservando por este modo , mas augmentando o valor que tinhao ,
quando pelo contrario diminuillo-hiao consideravelmente ?
§ 63º. A mamona , que produz entre pedras , e bravios , e que ja na
phrase do Evangelho significa riqueza .
$ 64. A nicociana, que podia trazer áquelle paiz a sua maior prospe
ridade, e riqueza, podendo cultivar-se sem ser preciso empregar grandes
despesas com ella , pois que em toda a Ilha mesmo a furto ella nasce entre
pedras , e entr'ellas optimamente vegeta , naõ tendo hoje o embaraço
politico conhecido n'outro tempo , que a desviava do nosso solo , pela
( 39 )

uniao do Brazil ; nem podendo ja em consequencia ser em desfavor da


Naçao, nem dos Contratadores de tal genero , por que ainda mesmo que
em razao da sua cultura fosse algum tanto menos , ou mesmo nenhum ,
o consumo do tabaco naquella Ilha , e que por isso lhe diminuisse o preço
dasua arremataçao, assaz ficavaò indemnizados os Contratadores , pela bara
teza com que alli o comprassem , alem da grande negociaçao desta mer
cadoria, que muito attrahiria os estrangeiros , os quaes nao a procurariaõ
no Brazil , nem na America Ingleza , nem ainda na interposta Gibraltar .
A sua cultura exclusiva seria huma recompensa , e Regia Mercê á Ilha
Terceira , que bem o merece pela sua lealdade , e bem o precisa pelo aba
timento em que se acha ; desta maneira grandemente se augmentavaõ os
direitos da Naçao , por quao pequeno e suave fosse o tributo que della
se pagasse , o que assaz animaria o seu fabrico ; e entao por este modo
tiravao-se humas poucas de vantagens , quando sendo comprada aos estran
geiros apenas se tira huma ; e seria para a Ilha o maior de todos os inte

resses , pois que nao ficaria hum palmo de terreno por cultivar, sem
que essa cultura fizesse o mais pequeno estorvo aos ricos fructos de
Ceres , e Pomona.
"
§ 65°. Outros muitos generos do Brazil se poderiaõ tambem cultivar
nas nossas Ilhas , bastante nos tem ensinado a abundancia das bananas ,

e o como vegetaõ a cana d'açucar, Café , Goiaba , Algodaõ , etc. , mas


presentemente todos estes generos em ponto muito pequeno ; só na
Ilha de S. Miguel se tem augmentado a cultura do Café, e de mais outras
plantas daquelle paiz .
§ 66°. Tempo ja houve em que naquella Ilha , e na da Madeira cultivavao
muita cana d'açucar, chegando a ser tao grande o seu fabrico na Ilha da
Madeira que Joao Esmeraldo Genovez pôde em hum anno colher da
sua Quinta da Lombada 20,000 arrobas de precioso açucar ; e em pro

porçaõ deste muitos outros proprietarios, cujo ramo d'industria com


grande perda sua , e da R. Fazenda , abandonárao ; por que se lhes fazia
mui dispendioso comprar as lenhas de fora , sem lhes lembrar naquelle
tempo , como ainda até hoje lhes nao lembrou , que se cobrissem as suas
montanhas de matas de construcçao , nao só podiaõ sustentar aquelle
fabrico , e tornar mais barato o consumo de lenhas nas suas casas , mas

tambem se podiaõ fazer independentes de madeiras de fora , artigo este


( 40 )

que só á Ilha de S. Miguel arrasta immensos contos de reis , tạo somente


para a caixaria de fruta que d'alli se exporta todos os annos. E entao
foi que se mallográrao os desvelos do Senhor Infante D. Henrique de
saudosissima memoria , por que foi o mesmo Augusto Infante quem
mandou hir da Sicilia a cana d'açucar, e quem por este , e mil outros

principios attrahio com tanta justiça o emblema , com que geralmente


――― -
era conhecido . Talent de bien faire. —
S 67°. He bem de esperar-se que empregando-se quaesquer dili
gencias da parte do Governo (havendo executores proprios para as suas
ordens) nós possamos ser independentes em açucar ( 21 ) , café, algodaõ, etc. ,
e muitos generos mais podiaõ alli ser conhecidos , se antigamente os nao
tivesse desviado das nossas Terras a politica do Senhor Rei D. Manoel ,
pois que com pena de morte prohibio que se cultivassem no Brazil as
especiarias da India , e por espaço de mais d'hum seculo se nao cul

tiváraõ alli aonde apenas escapou o gengibre , por estar debaixo da terra ;
e entao se cerráraõ as portas á nossa fortuna , até que no tempo do
Snr. D. Affonso VIº ( sendo-lhe repetidos os conselhos dados a seu
Augusto Pae pelo nosso respeitavel P. Antonio Vieira ) , se princi

piáraō a aproveitar as experiencias antigas , mas nunca se empregáraõ


tanto as devidas diligencias , se nao quando o Senhor Rei D. Joao VIº
fez a sede da Monarchia no Rio de Janeiro ; e assim n'huma epoca ,

como n'outra nao podemos ja tirar vantagem , como nos havia sido muito
mais facil no 1º seculo da descoberta das Ilhas , ou por que os seus Po
voadores fossem mais diligentes , e o Governo os auxiliasse , ou por que

com effeito naquelle tempo era mais frequente o nosso commercio com
o Brazil.

$ 68° . Tanto mais será efficaz da parte do colono a promoçaõ destes


generos , se lançando as suas vistas ulteriormente elle poder encontrar
huma garantia , que desviando-lhe os receios d'huma prompta expor
taçao , possa ao mesmo tempo attrahir-lhe esperanças de permanente
premio , para que nao aconteça o que ja hoje principia a experimen
tar-se com as laranjas .
$ 69° . A este respeito pode servir d'exemplo o que aconteceo com o pastel
na Ilha de S. Miguel , e hoje ainda que por outros principios , se experi
menta na Terceira com as laranjas . Para darmos alguma idéa do grande
( 41 )
valor que entao tinha aquella planta, basta que se diga , que sabendo El Rey

o muito que ella produzia contratou com os moradores daquella Ilha de


lhes dar engenhos promptos para moer o pastel , e a costa segura de cos
sarios , e lhe pagariao alem do dizimo , a vintena ; mas nao se verificando

as suas Reaes Ordens , nem só pelo que diz respeito aos engenhos ( por
incuria dos Ministros encarregados disso ) como pela falta de segu
rança da costa , o que deve recahir sobre " o Ministerio de S. Ma
gestade ; entao se foi diminuindo aquella grande cultura , que tanto
commercio attrahio da Inglaterra , Hollanda , e Sevilha , d'onde muitos
navios iao alli carregar della , de que muito precizavao para as
tintas , até que inteiramente se extinguio com immensa perda da Real
Fazenda , e prejuizo daquelles povos , nao só pelo que diz respeito á sua
producçao , como pelo muito que a sua cultura influia na dos trigos ,
d'onde vem que naquelle tempo havia muito mais trigo , do que ha hoje,
e nao só por isso , como por se haver adoptado o milho em lugar do
pastel ; nem era d'esperar- se menos , por que huma maçaroca deste milho
grosso sustentada em huma cana alta e maciça , preciza muito mais ali
mento , que huma tal planta , que corresponde a huma alface .

S 70°. As matas tambem de construcçao, pinheiros (22) , vinhaticos, car



valhos , cedrós , canforas, alamos , faias , e entre as fructiferas, as no
} gueiras , castanheiros , e amoreiras , sem duvida que todas estas arvores,
e muitas outras ja nao precizao cultivar-se ao acazo ; as suas vantagens
sao mais ou menos patentes a todos desde o primeiro seculo da desco
berta da Terceira , e entao nenhuma desculpa tem os preguiçosos em
deixar de aproveitar os seus campos só para ellas proprios .
*
S 71 °. Entre todas estas arvores julgo que deve attrahir mais a
attençao a cultura das amoreiras. Esta planta
especifica na na
saborosos ,
tureza , menos pelos seus fructos agros doces , bem que,
nem ainda pela sua madeira de forte construcçao, ou mesmo para trastes
os mais delicados , como por ser buma arvore que da sua desfolhadura
nutre singularmente os bichos da seda , com cujo fabrico se sustentaŎ
muitos milhões d'individuos no Oriente , e na Europa, vindo daquelle
mundo a este em 540 no Imperio de Justiniano , e principiando depois
primeiramente na Italia o seu cultivo, e fabrico da seda , tendo por infi
nito tempo podido vendar a Europa , e esta fazendo-se-lhe tributaria
6
( 42 )
*
na compra d'immensas manufacturas desta natureza , foi a Henrique IVº
que coube a glória de dar o grande impulso, e com o melhor successo ,
a este tað importante ramo d'agricultura , e commercio , fazendo logo
plantar nos seus jardins das Tulherias e Fontaineblau 20,000 amoreiras ,
attrahindo os melhores artistas daquelle tempo para laborar a seda, e com
tanto proveito , que pode bem dizer-se sem exageraçao , que a França
está ja hoje nas circunstancias de poder dar leis á Europa neste ramo
d'industria, que nem só a tem tornado independente, mas rica ; tanto
se deve aquelle Rei sabio , segundo leio no seu Decreto (extrahido d'hum
impresso em Paris ) nao se fazendo menos digno de renome pelas suas
victorias , que pelo que se encontra na letra do mesmo Decreto , que
he como se segue : « El Rey no seu Conselho reconhecendo que a intro
ducçaõ das sedas nas terras do seu Dominio he o unico remedio para
evitar a saida de 4 milhões d'ouro, que todos os annos passao ás Nações
Estrangeiras pela seda , que era necessaria esta arte para o decoro pu
blico, e para a riqueza e occupação dos seus vassallos : Ordena . » Este

mesmo exemplo depois seguirao os Inglezes quasi pelo meado do seculó


17 fazendo plantar as amoreiras , e criar os bichos da seda na Virginia , e
em poucos annos se obrou seda em Londres , de que se vestio El Rey da
Gram Bretanha , e esperavao os Inglezes tirar desta transplantaçaõ gran
des interesses .

S 72°. Muito mais se antecipou a nossa Constituiçao , no liv . 1 , tit . 58 ,


$ 46 , e depois providencias grandes se dérao em relaçaõ á entrada e saida
das nossas sedas no Brazil , como se deduz dos Diplomas de 4 de Maio e
21.T de Agosto de 1761 , 7 de Novembro de 1770 , 17 de Fevereiro e 28 de
Maio 1774 , 13 de Julho de 1775 , e 3 de Abril de 1763 , precedido pelo
de 2 de Abril de 1757 , que sugeitou somente ao pequeno pagamento do

sello quaesquer objectos fabricados na fabrica das sedas : providencias


de cuja concorrencia com as outras , que directa ou indirectamente coope
ravao para o geral progresso, resultou... (vejao- se as Noções historicas , eco

nomicas e administrativas de Jozé Accursio das Neves , e o Mappa estatistico

das nossas fabricas publicado pelo mesmo distinto auctor nas suas Varie
dades . Tomo 1º , pag. 181 e seg. ) Porem eu nao sei que chegassem ao nosso
conhecimento tao providentes , e animantes determinações sobre tal ma
teria; talvez, ou porque o Governo de Portugal nao as remettesse aos Aço
( 43 )

res , ou porque os Generaes e Ministros , que para lá tem ido , naõ


levárao os diplomas respectivos , quicá por que os ignoravao ; e peor que
tudo isto tem acontecido com outras Ordens Regias , ás quaes acintemente
nao se tem dado execuçao , ainda mesmo quando se apontao com o
dedo , como por exemplo temos visto praticar sobre Misericordias é
Expostos ....
$ 73° . Todavia no nosso Portugal na feliz época do Snr. Rei D. Jozé 1º
começárao os Portuguezes a fabricar a seda, e com tanto lucro e perfei
cao, que ja hoje se obra della o que se quer, sem ser por imitaçao, e com o
mesmo lustre da dos Estrangeiros , sendo a delles de muito menos duração
que a nossa ; he porem muito para sentir, que senaõ desse naquelle tempo,
nem ainda até hoje , a mesma consideraçao á Agricultura , fazendo-a
promover por todos os modos , de cuja falta vem o atrazamento em que
ainda agora se acha o cultivo das amoreiras ( e muitas outras plantas ›
sendo preciso comprar seda aos Estrangeiros , podendo -a ter de casa .
$ 74°. E quanto mais fácil não será a cultura desta planta no nosso paiz,
aonde ja em differentes Freguezias todos nós conhecemos a sua vegetação?
E quem, se naõ visse , poderia acreditar que esta planta até felizmente ve
geta quasi debaixo do mar? Tudo isto aviva-me o desejo de ver sobresahir
a minha Patria , e faz-me pena de nao poder marcar a época ( nem muitas
outras cousas ) em que aquella planta alli principiou a vegetar ; com tudo
he ja tao conhecida, e de tao remoto tempo , que obrigou a interesar- se por
ella o Dr Fructuoso na Historia das Açores , aonde nos diz , que • em

Sao Braz na Freguezia de Sao Miguel na Terceira se fabricavao tantos


bichos da seda , e de tal seda, que nao a excédia a de Granada. Seria sem
duvida de muito interesse para aquellas Ilhas, se fosse extensiva a ellas , a
Carta Regia de 805 , que manda plantar arvoredo nas costas do mar na
provincia do Minho , e se se fizesse escolha das amoreiras para essa plan
tacao. Ora Fructuoso escreveo muito antes do principio do seculo 18 , é
referindo-se por este modo ás amoreiras , induz -nos a crer , que a menor
idade que se pode dar a estas plantas vem a corresponder ás do tempo de

Henrique IV, se he que nao forao plantadas anticipadamente aquella


época ; e entaõ ja naõ forao preguiçosos os nossos maiores nessa trans
plantaçao : se todavia forao indifferentes ao seu crescimento, pode isso ser
mais attribuido ao Governo, que nenhum interesse tomou por tal negocio ;

porém ainda as plantárao , e algúns dos seus successores virao-nas cres


• ( 44 ) .

cer, e lhes soboreárao os fructos ; e eu nos meus dias desgraçadamente tenho


visto destruir immensas destas plantas a troco de palha podre , e muitas
lá ficárao ainda ao abandono metidas entre silvas e abrolhos , sem se po

der dizer a este respeito , ao menos com o Epico Latino : Hos ego
versiculos feci , tulit alter honores. - E tudo isto acontece , desde que
deixámos de ter Juizes Ordinarios , que se interessavao sempre na con
servaçaõ das casas ; e por isso quando viao que eraõ mal administradas ,
davao-lhes tutores ; porem a maior parte dos Ministros que alli tenho
conhecido até aquelle tempo , em vez de cumprirem as mais saudaveis leis ,
que ha a esse respeito , procuravao antes tirar partido desse mesmo des
leixo , e das tristissimas consequencias delle , tao perniciosas , como ine
vitaveis .

$ 75°. Mil expressões de reconhecimento sejao sempre repetidas a favor


do Snr. Infante D. Henrique , Descobridor daquellas Ilhas , que tanto
encheo de Mercês , e com estas tanto animou os seus Capitães Donato
rios , donde tantos bens nos vierao e ao mesmo Estado ; assim hoje naõ -
estivessem quasi mallogrados os trabalhos de seculos ; com tudo pela
liçao da experiencia se podem renovar aquellas plantações , e até exceder
as que existiao , por que na verdade ainda eraõ poucas em comparaçao
das que poderiao hawer, e se precizavao ; e sem duvida seria hum effica
cissimo meio para o seu progresso , que , ao exemplo do que praticou
aquelle Immortal Infante, fossem bem olhados , e até agraciados pelo. Go
verno os que maior soma de milhares de plantas houvessem cultivado
com successo ; por que os Angrenses nao menos os conduz o brio e amor
da gloria que o proprio dever ; com tudo como este nobre estimulo nem
sempre se nutre em peitos vulgares , naõ deve admirar, antes he muito

d'esperar-se que o Governo de S. Magestade se sirva Ordenar quanto a


este respeito julgar conducente ao beneficio dos mesmos povos e da
Naçao Portugueza .
S 76° . Eis aqui os interessantes assumptos de que eu desejava ver occu
pada huma Sociedade d'Agricultura , e que de mãos dadas com os Parochos .
ella fizesse sentir aos povos o muito que tinhao perdido em nao ter aug
mentado o cultivo das Amoreiras, encaminhando-os quanto antes a que de

novo tornassem a cultivallas ; e entao se diria que os Angrenses eraõ tao


industriosos , e tao uteis ao estado , que havendo cultivado huma grande
parte da Ilha , elles naõ deixavao perder os seus terrenos quasi estereis, e
( 45 )
alguns quasi debaixo do mesmo mar, d'onde procuravao colher saborosos
fructos com que recrear-se , seda com que vestir- se , e madeira nað só de

forte construcçao , mas ainda para os mais excellentes trastes , com que
adereçassem as suas casas. Por este modo elles augmentariao muito os
seus rendimentos , elles se fariao independentes de seda estrangeira , e
por isso cada vez mais aptos a servir bem a Naçao.
S 77°. He tambem muito certo que podiamos ter fabricas de lani
ficios assim como ja temos huma fabrica de chapéos , que nesse genero
nos torna independentes de soccorro estrangeiro , sendo de mais duraçao
que os de fora, e talvez hoje mesmo os rivalize no azevichado, o que de
verá attrahir boa reputaçao ao seu fabricante . A nossa lãa , posto que
geralmente naỡ he da melhor qualidade , com tudo alguma temos que he
magnifica, e corresponde á melhor d'Hespanha ; mas em pequena quan
tidade , naõ faltando industria para esse fabrico. Ha muitos annos que a
Ilha das Flores faz baetas , baetões , e cachemiras ; de linho tambem
alguns festões , a cuja imitaçaõ ja deo algum principio a Ilha de S. Jorge,
cuja industria nao tem chegado a hum estado de aperfeiçoamento , como
tanto conviria, por naõ ter sido animada nenhuma dellas; e eu me lembro
daquellas Ilhas com preferencia a qualquer outra , por ser aonde ja pri
meiramente apparecêrao os primeiros ensaios de taes manufacturas ; e
por que jamais serei d'opiniao , que aonde se quer animar em grande a
agricultura , se procurem ahi fazer fabricas , que quasi sempre nos seus
principios sao repugnantes a ella , pelos muitos braços que lhe roubao ,
1
bem que por fim sempre ambas se dêm as maos , e reciprocamente se
interessem .

S 78°. Por este pequeno esboço se deve colher quanto falta por fazer
a bem daquelles povos , e da Fazenda Nacional , o que tudo em vez de
ter progresso , soffreo diminuiçao , resultante do estorvo proveniente da
criaçao d'huma Junta d'Agricultura formada dos Ministros territoriaes ;
contribuindo nao menos para nao virem a effeito os paternaes dézejos
e Real solicitude de Sua Magestade , que se criasse hum inspector
tambem forasteiro (filho da Ilha da Madeira) cuja educação podendo bem
habilitallo para algum outro officio , que aproveitasse á sociedade , he

muito certo que nunca podia dar conta de tao difficil commissao , pois
The faltava quanto havia mister para o seu perfeito desempenho , como
desgraçadamente por experiencia nossa tivémos d'observar .
( 46 )

S 79° . Que seria preciso dizer sobre o amontoamento das riquezas


publicas ( resultado das fadigas agrárias , e commerciaes) e sobre suas
dilapidações todas nascidas do estado de desleixada arrecadaçao de R.
Fazenda ? Seria precizo encher muitas paginas , e tanto mais facilmente
o poderia fazer agora , do que se escrevesse de tempos antigos , d'onde
a inexactidao de informações me poderia conduzir a immensos erros ,
involvendo-me em muitas conjecturas ; porem querendo sustentar até
ao fim o mais estudado escrupulò d'evitar personalidades , eu porei de
"
parte naõ só os erros que sempre se commettem em nao serem por
arremataçao administrados os bens publicos , cujos males se tem feito
tao visiveis mesmo em Portugal , por que alguns ramos da Fazenda
publica naõ saõ administrados por arrematação , como papel sellado , e
decimas , et cætera (23), mas tambem ainda os extravios , e abusos que
se tem feito da Real Fazenda , quando esta tem sido administrada

pela R. Junta ; eu esquecerei tambem algumas dessas publicas es


torsões ,especialmente quándo a mesma Junta as tem authorisado ,
de cujo esquecimento me nao resta escrupulo em razao de terem tomado
differente marcha os negocios de finanças , e entao levado da necessi
dade publica ha de ser só nesse sentido , que me naõ dispensarei de
tocar algumas palavras sobre o máo estado das estradas , e costas

da Freguezia de S. Matheus, e pouco mais accrescentarei , julgando


que á vista disso se poderá bem calcular o estado em geral da
mesma Ilha .

S 80° . Foi no tempo do Governador e Capitao General , Diniz


Gregorio de Mello è Castro , que bem defronte das terras pertencen -

tes ao Morgado Joao Baptista de Bettencourt , se fez hum lanço de
muralha , ligando com hum bocado d'outra antiga pegada com 0
Forte do Terreiro , a qual nao tem menos de quarenta braças de compri
mento , e entre tres e quatro d'altura . Esta muralha cuja soma de des
pesa me nao atrevo a avaliar , mas que foi por certo avultadíssima ,
bordava em toda a sua extensaò hum pedaço d'estrada de trinta e tantos
palmos de largo, cuja superficie sendo a mais plana, era na verdade hnm
passeio recreativo , por que até tinha alguns assentos d'onde se domi
nava a pesca , e lentamente a vimos destruindo-se , sem se lhe acudir,
o que era taò facil no principio ; até hoje huma parte della está in
teiramente destruida, e por consequencia invadiavel toda , e o publico
( 47 )
4
sente a sua falta , por que o caminho que a substitue parallelo a ella
mesma he muito mais incommodo , por que sendo-lhe sobranceiro

nao pode deixar de ter nas extremidades dous planos inclinados, que.
d'inverno se tornaõ ás .1 vezes perigosos , por serem d'hum barro vis
guento ; e entaõ dao mais que sentir ao gado , que d'inverno por alli se
serve , fazendo-se-lhe tanto mais penoso o serviço por esta estrada , por
que ainda se nao acostumárao a ferrar o gado vaccum, pondo de parte, o
detrimento que d'ahi resultou ao mesmo Bettencourt , nao só pelo valor

dessa fazenda que perdéo , vendo-se obrigado a dalla para a estrada ,


como pela devassidao da sua quinta , nao havendo lei que o obrigasse
a ressarcir os prodigos desmazelos da R. Junta . I
临 § 81. Mais adiante duzentos
a trezentos passos perto da Igreja de Sao
Matheus , haverá pouco mais de doze annos , se fez hum pedaço de mura
tha , que nem ao menos se mandou entulhar, constando-me que ja está
arruinada , e bem defronte da mesma Igreja o caminho assaz destruido
ameaça tanto perigo , que ja muitos lavradores deixaõ de se servir por
elle , preferindo outros mais distantes.
S82.Tambem vimos ir-se arruinando hum lanço de muralha que nao
terá menos de vinte braças de comprimento , entre duas e tres d'altura ,
defronte de Jozé Domingos , ou antes das terras de Joao Luiz Teixeira,
até que demolido inteiramente por huma serie de muitos annos , e depois
de alli haver perigado alguma gente, foi que então se julgou preciso fazer
de novo a muralha toda , cuja extraordinaria despesa se tivera poupado ,
se assim que lhe cahio a primeira pedra, se lhe tivesse logo acudido, o que
nem ainda o intervallo de muitos * annos pôde despertar. E como poderei
eu pôr de parte as duas muralhas antigas defronte da minha Quinta e da

do Brigadeiro D. Ignacio Castilbranco , que em nossos dias vimos des


truir inteiramente , e que mesmo antes nao podérao abrigar o caminho,
sendo preciso , haverá cousa de 40 e tantos annos , que nossos paes dessem
campo para a estrada , que he por onde hoje se servem os povos, mas que
A
ainda se acha mais ameaçada de perigo que a outra antiga ? E assim vi
mos ir caminhando o mar pela terra dentro e a terra para o mar, porque
nem ao menos podemos conservar as muralhas e as fortalezas feitas
por nossos maiores . O' tempora, o' mores !
$ 85°. Observámos o mesmo tambem ao pé do forte da Maferramenta ,
( 48 )
defronte d'hum bravio de Pedro de Castro e Canto , e bem assim n'hum

outro pedaço mais pequeno entre seis e sete braças fronteiro, ao mesmo
predio do mesmo Teixeira, alem d'outros bocados na mesma Freguezia ;
sendo a obra da Silveira ( Freguezia de S. Pedro ) , de todas a mais des
pendiosa , nao tanto pela sua extensao , que andará talvez entre doze e
quatorze braças , como pela sua grande altura , que nao será menos de
sinco ou seis , sendo forçoso fazer huma mui grossa sapata , para sus

tentalla ; e isto ainda alem d'huns poucos de lanços d'escadaria encosta


dos á mesma muralha , por onde os povos vizinhos se servem para uso
d'agua salobra , e para fazer tambem algumas lavagens.
S 84°. E quem nao vio no meio da mesma Cidade d'Angra , no
patio d'alfandega , abater-se huma parte da superficie do mesmo patio ,
havendo tanto tempo que se observava a mina , que o mar lhe princi
piava , e muito mais havia , que se tinha visto que huma pedra ça
hida da muralha tinha dado lugar áquella mina tao facil de remediar
no principio? E quanto bem sobrepoem o sinete a esta verdade a expe
riencia de tantos annos !

S 85°. Hora sendo aquella Junta composta do General e Ministros


Territoriaes , e sendo a sua marcha tal na admininistraçao da Fazenda

publica , como se pode deprehender deste pequeno bosquejo em rela


cao com o grande quadro de todas as Ilhas , que muito será que todos
as mais administrações subalternas sigao aquelle mesmo exemplo, e
deixem de fiscalizar a entrada de generos estrangeiros , que ordinaria

mente se vendem mais baratos que em Portugal , e a saida d'algum dos


nossos, como a urzeila (24), tambem muitas vezes protegida pelos portos,
principalmente do Castello de S. Sebastiao , defraudando - se por este
modo a F. R. extraordinariamente , e o que nao sei se ainda he
peor, fazendo - se por este meio mui facil e seductivel levar o luxo á
cabana do pobre ?

S 86°. Se quanto temos observado he digno de ponderaçao , quanto


nao se torna infundada a mordacidade daquelles que julgao nao ter cura
o deploravel estado de nossas finanças ? Por ventura este máo estado de
cousas será pelo muito que devemos, ou será mais de pressa pelo muito
que nos devem , ou pelo mal que administramos ? E quem deverá mais,
comparativamente com nosco, a Inglaterra , França , ou nós mesmos ?
?

( 49 )

Poderia fazer comparação com outras Nações tambem poderosas , porem

mesmo de proposito lancei maõ destas que estao mais junto de nós , e
que tanto se achaõ ha quarenta e tantos annos figurando na scena poli
tica , sendo bem sabido que cada huma dellas deve muito mais que
nós ; e por ventura o seu debito serve-lhes , ou jamais lhes tem servido
d'estorvo , ou tolhimento ás mais altas empresas ? E por que será isto ,
se nao por que qualquer das duas Nações se acha muito rica , e em es
tado de prosperidade a sua agricultura , commercio e artes ? E quando
nós ( com principal referencia a Portugal ) nessa remota antiguidade ,
em tempos mais felizes , nos achavamos nas mesmissimas circunstan
cias , nao foi que descobrimos e conquistámos novos Mundos no
Oriente , e no Occidente do Mundo conhecido , entretanto que os Fran
cezes , como diz Voltaire , se achavao fazendo os seus torneios ? E apoz
esses tempos de valor, e de heroismo nao se abrilhantárao mais os nossos
conhecimentos ? Nao tivémos o Camões , o Barros , e Fr. Luiz de Sousa , e
outros que tanta honra fazem á Naçao Portugueza ? Nao agriculta
vamos tao bem , e nao colhiamos em tanta abundancia que nos sobrava
o trigo que exportavamos , quando hoje nos falta para o nosso pro

prio pao ? E nao estavamos tao adiantados na pesca , que nem hum ti
sico bacalhau importavamos, quando hoje segundo leio n'huma memoria
da Academia Real das Sciencias de Lisboa anda por tres milhões de
crusados , a importancia do bacalhau que entra em Portugal , alem do
muito que se importa em seus Dominios (25) ?
§ 87°. Esses tempos nos devem servir de guia ; naõ he preciso mendigar
exemplos alheios nas Nacões Estranhas ; tanto mais achando-nos hoje
muito mais adiantados em Finanças , Agricultura , e Commercio , em
cujos ramos tao sabia e zelozamente se haò empregado os illustres Accur
cio das Neves , Franco , e Mousinho d'Albuquerque , e outros em mui
differentes ramos , que nao deixaõ de convergir essencialmente ao mesmo
centro . Extenda-se essa melhoria a todos os Dominios ultramarinos ,

e aos nossos Reinos , he direito de petiçaõ que tem todo o cidadaõ Portu
guez , que quanto mais bem fundado , mais bem deve esperar da sabe
doria do Governo tudo que he conducente á felicidade dos povos ; e
entao nao será infundado o dever contar- se com hum engrandecimento
extraordinario em todas essas fontes da publica opulencia , logo que se
7
( 50 )

empreguem os meios que necessarios forem , para mais facilmente po


dermos chegar ao que ja fomos , e até nos excedermos ; por que se , por
exemplo, das nossas Ilhas sobrao todos os annos perto de duzentos contos
de reis para o thesouro publico , se forem mais bem agricultadas , e ge
ralmente aproveitadas , e sabia e economicamente administrada a
Fazenda Publica , sera muito que dupliquem , ou mesmo trepliquem
os seus rendimentos ? E sendo alli bem educada a mocidade será tambem

muito que excedamos os nossos maiores ? E empregando-se os mesmos


desvelos em todos os Dominios Portuguezes , e em todo o Portugal, quem
poderá duvidar da permanencia da Nossa Religiao e do Throno? Nao serà
tudo em consequencia augmentado , e levado ao maior auge de prospe
ridade ? Nao poderá renovar-se o nosso seculo de ouro, apparecendo desde
ja muitas luzes escondidas ? Nao poderemos sustentar hum formidavel
exercito, e grande força naval , como ja tivémos , com a qual muitas vezes
auxiliámos Nações Estranhas , que por isso nos respeitáraõ tanto ? Se eu
istó torno aver , e consigo o fim por que trabalho , pesando-me por ser
tao pouco , mas nao podendo adiantar mais em tao pequeno intervallo , eu
direi com o nosso illustre Ferreira :

Que eu desta gloria só fico contente ,


Que a minha terra amei , e a minha gente.
MONSIEUR ,

Nao me vejo pouco embaraçado com a recepçao da vossa carta de 19 do


corrente , com que tanto me honrais , pois desejo responder-vos de
huma maneira que vos possa agradar, e a mim tambem , a fim de poder
continuar a merecer vossa confiança , que me parece bastante graciosa ,
em quanto vós seduzido pelo vosso coraçao vos podestes capacitar ( em
virtude de huma entrevista que tivestes comigo na vossa casa em que
fallámos sobre algumas theorias de varias plantas ) que eu poderia apre

sentar-vos algum artigo novo , que hum dia possa servir á historia das
plantas desde que nascem até que se formao perfeitamente : e como nós
nos entretivemos mais tempo sobre laranjeiras , e prados artificiaes , seraõ

esses objectos aquelles de que principalmente me occupe agora , procu


rando do modo possivel satisfazer tambem á honra de fazerdes conhecer
o meu nome na Sociedade Real e Central d'Agricultura em Paris , á qual
pretendeis levar as minhas observações . E que podereis vós precisar que
eu vos diga sobre culturas de quaesquer plantas, sendo vós hum dos Auto

res do Novo Curso completo d'Agricultura theorica e pratica ? Mas posto


que em scientes muito cabe , mais no particular o experto sabe : olhado
o negocio por este lado , seja isso o que me anime a fallar-vos em tao
interessante materia.

Digo que me vejo embaraçado para bem vos responder , por que mui
tas cousas me faltao , e naõ só a mim , pela preguiça de as haverem es
cripto os meus compatriotas , nao se tendo occupado na historia daquelles
importantes Dominios Portuguezes ( Açores ) se nao no seculo 17 0 Dou
tor Fructuoso em seus manuscriptos, que se achao na Real Bibliotheca de
Lisboa , e o P. Cordeiro na sua Historia Insulana , que imprimio en 1717
n'hum volume em folio.
Os graves inconvenientes desta omissao ninguem os conhece melhor do
que vós , e por certo nao he a unica entre os Portuguezes, mais dispostos
a levantar do que concluir grandes edificios , nascido talvez tudo isto
( 52 )
de que o nosso Governo tem perdido em muitas épocas efficazes elemen

tos , com que muitas cousas , nem só podiao estar acabadas , como muito
bem aperfeiçoadas .
Quando solto este pensamento a semelhante respeito , he quando me
recordo de que ha muitos seculos as nossas antigas Ordenações ( ainda
muito tempo antes d'outras instituições agronomicas de muitas Nações )
incumbirao ás Camaras o aproveitamento e economia publica na parte
agraria ; e porque os Corregedores eo Governo a respeito destes, se foraõ
descuidando d'observar , e fiscalizar as obrigações das mesmas Camaras ,
estas de dia em dia augmentáraõ os seus descuidos , deixando até de es
crever os seus poucos trabalhos, de maneira que muitas cousas nem sabe
mos como principiárao , nem quando.
Todavia em reconhecimento tambem a huma planta que tantas vanta

gens tem levado áquellas Ilhas ( Sao Miguel e Terceira ) eu sinto bem
naõ vos poder dizer quando ella começou a ser conhecida alli ; podendo
apenas informar-vos , mas inexactamente , de quando foi o seu começo ,
que me parece andar a par daquelle tempo , em que principiou tambem
a vegetar em Portugal ; e muitas expressões de reconhecimento sejaõ en
viadas aos cuidados de D. Francisco Mascarenhas , que primeiro em 1635
mandou ir huma laranjeira da China a Goa , e de lá a Portugal , que entao
plantou no seu jardim de Xabregas , conforme nos conta o Doutor
Macedo .

Assim mesmo nao he muito á descripçaõ que me atrevo a fazer esta


affirmativa ; por que se comparo a época em que dous negociantes da Ter
ceira , Ficher , e Ricardo Moules ha mais de 100 annos ja faziaõ negocio
com as laranjas naquella Ilha , o que assim tradicionalmente , e por alguns
apontamentos nos consta ; e se comparo ao mesmo tempo a grandeza das
arvores , e muito mais ainda a sua grossura , com outras cuja idade
conheço , he facil convencer-me de que ha perto de 200 annos se come

çárao a conhecer as laranjeiras da China naquelle paiz , sendo differentes


alguns dos seus fructos todos preciosos ; constando-nos tambem serem as
primeiras que alli se plantárao , as que bem desabrigadas se conhecem
ainda no pomar das Nabiças em poder hoje do Coronel Manoel Jozé Coelho
Borges podendo ainda com mais prudencia levar á mais remota antigui
dade a vegetaçaõ da laranjeira azeda naquella terra , pois que nossos avôs
( 53 )

faziao uso da sua madeira para muitos trastes com que mobilhavao prin
cipalmente as suas quintas, havendo tambem a tradiçaõ que lhe dà huma
idade muito mais remota que á laranjeira doce .
A duraçao destas plantas , a sua formosura , e desmarcada grandeza nos
inculcao serem de pevide , e tanto nos confirmamos nesta hypothese ,
quanto he mais moderna a variada invençao da mergulhia. Com effeito os
nossos maiores , ou por que menos ambiciosos , ou talvez porque se nao

quiserao dar a novas especulações , preferirao sempre as arvores de


pevide ás d'estaca , ou mergulhia ; e os seus netos ( eu sou hum delles )
conhecendo as vantagens das novas experiencias , na verdade economicas,
quanto apressadas, porem por que sao mais precarias , e o pae de familias

naõ deve plantar só para si , tem preferido , e eu prefirirei sempre


aquella pratica antiga , que tao ricas arvores nos tem dado , quando os
modernos nesta parte , se hao tido o prazer de ver grandes laranjaes for
mados completamente em pouco tempo , elles tem tambem passado pelo
desgosto, vendo adoecer as suas plantas , de serem mallogradas muitas das
suas fadigas ; e talvez por se lhes nao acudir com os emplastos que lhes
sao proprios ( e que tanta honra fazem aos Francezes ) as tenhao visto
perecer quando aquellas de taõ remoto tempo ainda vivem , e vivem com

saude , dando-nos immensos pomos , e nao poucas esperanças de longa


vida.
Nao posso informar sobre a maneira de fazerem antigamente os seus
viveiros ; e se nao fôra temeridade , eu avançára que elles os nao conhecê
rao , e que talvez isso lhes fosse hum nome novo ; mas querendo desco
brir algum modo como se arranjavao , isto he , como tinhao arvores de
pevide para transplantar, hoje mesmo que estamos mais adiantados, pou
cos sao os viveiros, entre nós ; por que os fructos cahidos nos pomares lá
se vao casando com a terra , e prolificando tanto , que nos dao entre
muitas, algumas arvores tao vigorosas , que poucas vezes saõ mudadas , a
nao ser para o proprio laranjal a que saõ destinadas .
Nao pode esta razao ser applicavel ás laranjas d'embigo , por que ellas
nao tem pevide , e sobre a sua grandeza excedente a outras qualidades ,
ellas tem hum sabor especialissimo , sendo muito mais admiravel que nao
he pequeno o numero destas ; e bem que se podia imaginar que as arvores
dao taes fructos haviaõ sido levadas de fora, mas por quaõ grandes
que
( 54 )

seriaõ as despesas em que ellas importassem , he menos verosimil que


assim fosse , ficando mais facil crer que os amiudados ensaios a que mui
providamente se daõ as abelhas de humas flores para as outras , e o pó
fecundante que ellas consigo levaõ, podessem entao produzir esta varie
dade , e mais algumas outras.
A' vista disto não vos devo causar novidade por vos continuar a assegu
rar, que aonde quer que estas plantas nascem, ahi se formao quasi sempre
até se transplantarem , e as mais das vezes , sem o mais pequeno auxílio
do cultivador ; sem as ter aliviado d'alguns braços superfluos de que
muitas vezes as deixaõ carregadas ; porem de certo o que ha de excitar a
vossa attençaõ he , que nem huma só vez sejaõ regadas.
Devo sempre prevenir-vos que em nenhum caso o cultor experimen
tado aproveita as arvores produzidas da cidreira para nella fazer a enxer
tia da laranja , por que a experiencia tem mostrado , que nem se fazem
tao grandes como as nascidas das proprias laranjeiras , nem tem tanta
vida como estas ; e bem que os seus fructos sao maiores , a sua casca he
mais grossa , e mais facil de corromper-se , e elles resistem menos á in
temperie do tempo caindo por terra , quando os propriamente nascidos
da laranjeira , e com preferencia os da laranjeira azeda , se tornaõ taõ
formosos e tað grandes ( mas sempre mais pequenos que os da cidreira )
resistindo mais aos tempos , e cuja pelle parece de setim , que taõ del
gada , e lustrosa he , e por isso menos se corrompem , sendo tao especiaes
e tao doces , que na verdade excedem toda a expressao .
Deste modo principiao a vegetar as laranjeiras , até que saò mudadas
para o pomar que devem aformosear, e enriquecer . Os cuidados e ama

nhos empregados com estas lindas, e sempre viçosas plantas desgraçada


mente nao sao geraes no acto em que as transplantao , por que o Colono
forma toda a sua esperança na doçura do seu terreno preparado pela
mesma natureza , e nao menos na benigna influencia da atmosfera , a
cujos cuidados deixa muitas vezes estas plantas , que em poucos annos
ainda assim mesmo vem a fazer algumas vezes as suas delicias , e fariaò
a sua riqueza , se da parte do commercio fossem mais favorecidos aquelles

Insulares , principalmente os da Terceira.


Entre tanto apontao- se algumas excepções , nem he só apoz o instincto
que se caminha geralmente ; por que alguns ha mais cuidadosos , que
( 55 )

sabem plantar em triangulo , como em xadrez , que proporcionao bem


a cama , sem que seja profunda , aonde devem ser postas as laranjeiras ;
que lhes preparao bem o terreno misturando terras differentes com algum
estrume equestre , e o que he mais , dando-lhes intervallos de 30 a 40 pal
mos entre duas laranjeiras , conforme he a natureza do terreno , fazendo→
lhes desde logo abrigos mortos de canas , ou de qualquer madeira , humas
vezes respectivamente a cada laranjeira , o que he mais despendioso , e
outras vezes em linhas rectas, o que he mais economico , até que venhaõ

os primeiros abrigos vivos da giésta ( que dá a flor amarella nao muito


aromatica ) que dentro de 3 annos está elevada a huma altura de 2 a
15 palmos , e ahi se conservaõ alguns annos , servindo tambem d'abrigos
a outras plantas , que saõ os verdadeiros e quasi eternos abrigos dos po
mares ( faias e canforas ) mas que nao podem interessar as laranjeiras
antes de 6 ou 7 annos , muito principalmente em quanto se naõ quize
rem dar á especulaçao , de que eu me lembrei , e com feliz resultado ,
de plantar as faias de dous a quatro palmos , o que me adiantou dous para
tres annos o seu crescimento , quando o tamanho de que geralmente as
plantao corresponde a 4 ou 6 polegadas , o que deo lugar a que alguns
velhos fossem á minha quinta de S. Matheus, ver se era , ou naõ verdade
o que a semelhante respeito elles ouviao , pois que julgavao impossivel
que taes plantas soffresem tal mudança , e podessem resistir a ella , pro
mettendo ainda assim duradoura vida ( 26) .
Sem outro amanho que mondar-se o laranjal na primavera , mergu
lhando-se ao mesmo tempo na terra os tremoços que lhe forao semeados
d'inverno para depois a fructificar ; serem algumas vezes descarregadas
as arvores do demasiado peso dos seus braços , o que muitas vezes as faz
chorar d'alegria ; e serem defendidas suas raizes com algumas ervas para
assim poderem resistir aos intensos ardores do estio, eis toda a nossa peri
cia agricola, eis todas as coberturas com que as abrigao dos frios nortes ,
e eis todas as nossas estufas ; mas ainda bem que assim mesmo apresen
tamos resultados os mais pasmosos .

Assim ( sem furtar huma quarta de terreno ao que he mais disposto

e proprio para as cereaes , cuja exportaçaõ annual anda por 6 mil moios)
o discreto cultor planta os seus pomares em terras de lava , as quaes ao
cultivar -se no principio parecem tao magras, e tao fêas , quanto de
( 56 )

pois agradecidas se tornao amenas e deleitosas , e de tanto proveito , que


ja houve occasiao em que destes mesmos terrenos se colhêrao de huma
laranjeira 9000 laranjas em Maio de 1814 ( se na data nao me engano , e
quantas se colheriaõ desta mesma arvore em Dezembro e Janeiro pre
cedentes ) que tanto se deve á bella disposiçaõ daquelles terrenos , e á
temperatura daquelle clima !
Na verdade quando se me figura a força de vegetaçao do meu Paiz ,
quando se me antolha esta arvore, que tenho visto humas poucas de vezes ,
confesso que grande he a inveja de que me sinto possuido , por nao

ter apenna d'hum Plinio , ou da sabia Sociedade a que pertenceis ; mas


permitti-me que ainda assim vos diga , que essa Sociedade , por
quao sabia seja , nao pode descrever a belleza da laranjeira , por que nao
vio esta e outras semelhantes naquella malfadada Terra .
Se tivessem visto esta formosa e rica arvore coberta d'infinitos pomos

d'ouro , que as Nações do Norte tanto invejaõ, e a par destes outros tantos
verdes como as esmeraldas , e ainda muitos mais em alabastrinas flores "
e todos (conforme a sua idade) tao perfeitos, e em tanta copia , que huma
só parte seria sufficiente recompensa a grandes por maiores que fossem

os desvelos que com ella se empregassem , por certo largariao maõ da


penna , com que outr'hora se hao occupado em descrever com tanta
graça e emphase a belleza d'algumas outras producções da natureza
muito menos lindas , e de muito menos importancia , para dedicarem a
esta as suas mais sublimes e apuradas descripcoens .
Com effeito ao homem sensivel amador da natureza se lhe fora difficil

chegar ao pé desta planta a mais copada, conseguida huma tal vista , era
sobeja paga , era hum encanto ; por que nao menos o embelezára o matiz
com que a natureza havia enfeixado tao grande immensidade de fructos
todos irmaos , e todos differentes , do que lhe seria delicioso o aroma que
elles exhalavao , sobresahindo tanto mais esta formosura , e estes mimos
na grandeza da arvore.
Entre 40 a 50 palmos d'altura , de pouco mais de 100 annos de idade
( ao que parece ) ella se conserva bem guardada do furor dos ventos
na canada da Cruz Dourada (nome que lá se dá aos caminhos estreitos )
Freguezia de S. Bartholomeu , a qual se acha aformoseando aquelle
famoso laranjal , para que ella naõ concorreo pouco pela sua lindeza e
( 57 )

agigantado tamanho , o que tanta honra faz ao seu cultivador o Com

mendador Joao Pereira Sarmento Forjaz de Lacerda , que arrendando


antes de plantar de laranjeiras toda aquella extensaõ que a contornava ,
por 12,000 reis cada anno para pasto caprino (havendo tanto tempo que
aquella belleza se conservou assim mesmo no meio daquelle silvado) ja
pôde ter o prazer de ver recompensadas algumas das suas despesas , e
fadigas, reputando a sua fruta d'espinho por 1,000,000 reis , e isto ainda
alem de muitos fructos de verao , que nunca vende , mas que ja em algum
anno avaliou em 200,000 reis.

Quando estava entre mãos com estas lembranças , occorreo-me que


tinha visto no vosso Curso completo d'Agricultura hum artigo , que se
me dais licença , podia ser mais exacto , se vos tivesse sido possivel saber
de perto a qualidade das nossas laranjas e a antecipada excellencia que
ellas desde Novembro tem ás de Portugal até Março . Diz o artigo : -Les

Orangers, fl . 34. - Ce n'est point à Paris qu'on mange de bonnes oran


ges ; il faut aller à Malte , à Lisbonne , dans les Indes et dans les
parties chaudes de l'Amérique, pour pouvoir apprécier leur excellence.
Celles qu'on nous apporte des deux premiers de ces pays , quelque
excellentes qu'elles eussent pu étre , ont été cueillies avant leur matu
rité, afin de leur faire supporter le transport, et ce n'est que lorsqu'elles
sont arrivées, sur l'arbre méme , au delà du point de leur maturité,
qu'elles réunissent à un arôme très exalté une saveur des plus fines.
Entao achando-me intimamente convencido da sincera philantropia
que anima toda essa Sociedade , vejo-me por isso precisado de vos ob
servar quanto he inexacta a excellencia das laranjas que apontais , sem

fazer mençaõ das das nossas terras que na verdade muito as excedem.
Creio bem que o commercio com aquellas terras , e nao com as nossas
e o descuido dos meus Compatriotas , deixando d'escrever cousas uteis ,
tem dado causa a este , e a outros muitos inconvenientes , nem só em
nosso desabono , como tambem das outras Nações , que por menos preço
poderiao ter muito melhores fructos da mesma especie , do que por
exemplo aqui se encontrao; mas que muito se o nosso mesmo Governo
em Lisboa ignora estas e outras muitas cousas daquellas terras ? E que

grandes prejuisos nao temos nós experimentado com esta ignorancia ,


donde provem alguns dos nossos generos serem olhados como estranhos
8
( 58 )

em Portugal (tantos sao os direitos que delles pagamos) o que a olhos de


má economia politica mais parece tendente a favorecer a importaçao
dos mesmos generos estrangeiros , que animar os Nacionaes (27) !
Desculpai esta pequena digressao que nao deixa de ser algum tanto

alhêa da materia , porem isto he lingoagem do coraçao , que jamais se


pode suffocar, a quem he como eu , tanto amigo da sua Patria , e mesmo
parece que se sente hum allivio ou talvez hum prazer, quando se encon
tra com quem se possa ter este desafogo innocente.
E continuando na nossa marcha, eu passo a dar-vos as razões em que
me fundo sobre o que levo dito , e mesmo sobre algumas outras cousas
a este respeito que adiante encontrareis .
Eu tenho estado em Portugal mais de 5 annos , eu vi as quintas no
contorno de Lisboa , vi as de Cintra , aonde estive ultimamente desde
Abril até 18 de Octubro proximo passado , dia em que me recolhi a Lis
boa, vi tambem algumas em Barcarêna, e por fim acabo d'estar em
Setuval 13 dias até 8 de Dezembro passado , em que parti para este Reino;
em consequencia posso fallar-vos com conhecimento de causa , e como

quem ama ha muito a prosperidade d'agricultura , por que a fortuna ,


ou antes a desgraça me fez grande proprietario na Terceira, e por isso

jamais deixo d'olhar com a mais seria attençao qualquer artigo, ainda
que pequeno pareça , por que me lembra que tambem delle poderá
a minha Patria tirar algum partido ; mas este quanto a mim naõ he
pequeno, e sem duvida se vos tivesseis informado da antecipada preferen
cia dos nossos fructos naquelle tempo , isto he, que as nossas laranjas desde
o fim de Novembro correspondem em doçura ás daquelle Reino no
mez Março , e d'ahi por diante correspondentemente ; por certo que teriaŎ

a honra d'entrar naquella classe como primeiras , quando nem ao menos


apparecem em segundo lugar , e o que ainda he peor, nem apparecem :
sendo cousa muito notavel , se estou bem informado do que se me disse
em Setuval por hum guarda d'alfandega (Junqueiro) que nao saiaõ dalli
todos os annos mais de 40 a 50 navios carregados de laranjas , e saõ os
fructos mais especiaes de todo o Portugal ; mas ainda assim mesmo muito
inferiores a alguns nossos , quanto mais subidos no preço na differença
de 40 à 50 por 100 alem do excesso constante de mais de 20 para 30 por
100 , que resulta dos differentes valores das moedas , como adiante se
( 59 )

fará ver ; por isso , que se naõ faça menção das nossas Ilhas d'onde todos
os annos saem acima de 300 vasos carregados de laranjas para Ingla
terra , podendo haver anno em que saiaõ mais de 400, se nao he cousa
pasmosa , e que ainda até hoje isto seja desconhecido em França , por
certo que he bem digno de se commemorar .

Entre tanto vos bem sabeis que os Ingleses, como todas as mais Nacões
deveriaõ fazer, costumao sempre comprar gallinha gorda por pouco
dinheiro : á vista disto nao vos será difficil acreditar que nao sou exagerado
no que vos affirmo , tanto mais que vos he facillimo saber as laranjas
insulanas que todos os annos entrao em Inglaterra ; e se eu me de
morar, como espero , em Paris , a todo o custo heide mandar vir por

Londres huma caixa de laranjas que possa aqui chegar pelo meado de
Dezembro , e entao eu espero convencer-vos com huma prova dellas, que
muito estudadamente agora fui escasso com a narração que vos fiz das
suas qualidades ( 28) .

Pelo expendido á cerca do arvoredo d'espinho podeis bem formar huma


idea adequada de todas as plantas pomiferas quanto á sua vegetaçao ,
grandeza , e producçao ; mas sem que de muitos annos para cá cheguem
alguns dos seus fructos a hum estado d'aperfeiçoamento , por que os
vermes introdusindo-se nelles lhes empecem a sua perfeita madureza,

tendo em consequencia diminuido muito os fructos de carôço , como


damasco , e pêcego ; e nao se havendo procurado remedio a este insulto ,
tem -se no lugar destes augmentado o cultivo das differentes ameixas ,
que ainda até agora nao tem sido perseguidas por aquelles inimigos de
quasi toda a sua parentéla , e do nosso paladar.
O mesmo tem acontecido com os fructos de pevide , maçaãs , e peras,
sendo as maçaãs muito mais livres desta perseguiçao, a que inteiramente

tem escapado os marmelos . As laranjas sendo as mais poupadas deste


insecto , nao deixaõ de ser tocadas delle em alguns annos , especialmente

as azedas ; porem este ataque nunca apparece , senaõ dos fins de Maio por
diante , donde vem nao serem estes fructos , depois daquelle tempo ,
tao duradouros como acontece em Portugal ; com tudo annos ha em

que elles chegao a Agosto sem serem infectados , alem de muitos


precoces que todos os annos neste mesmo tempo apparecem sem nenhum
defeito , o que nos convida a muitas considerações ; se o verme he nas
( 60 )

cido na estaçao fria, e se desenvolve na calmosa , se nascido nesta , igno

rando ainda o que lhe deo o ser ; mas entao apparece a novidade de que
os fructos precoces que naquelle tempo começao a gerar- se naõ sejaõ

tocados do mesmo verme em concorrencia dos outros pomos verda


deiramente irmaos , e só na idade differentes , o que na verdade he cousa

tanto mais admiravel , quanto todo o seu crescimento he desde o fim do


inverno até á primavera , e por certo que he materia propria a chamar a
attençao do philosopho , pois que isto sao segredos de natura , que tanto
mais se ignorao , aonde menos se perscrutao . E naõ sabendo se este prin
cipio de molestia he ja conhecido neste paiz, ou mesmo em outros , de
que tendes conhecimento , deixo por isso de vos perguntar o que a este
respeito se tem descoberto , guardando-me para quando vos fallar o
aproveitamento das vossas luzes .
Tendo-vos dado alguma idea do como na Terceira vegetaõ as larangei
ras , tomei de bom grado o trabalho de fazer comparação dos preços
dos preciosos fructos que ellas dao com os das que por aqui vos sao co
nhecidas , fazendo tambem alguma observaçao sobre a differença de
moedas ; e tendo procurado tres preços medios desde Novembro até Maio ,
achei os que se vao seguir no fim destas observacões , sem jamais ha
ver differença ( pelo menos de ha 20 annos para cá em que entao
olho para as cousas de mais perto ) que nao seja para maior barateza , de
maneira que querendo vós aproveitar a minha noticia , e sendo-vos taõ
facil confirmar nella , podeis concorrer para que o vosso Reino tenha
optimas laranjas a menos de 3 soldos , ganhando o negociante dellas 100
por 100 , quando as melhores que aqui se vendem sao de 5 soldos para
cima, e nenhuma boa , como vós mesmo confessais na vossa Obra .
Pouco tenho a dizer-vos dos fructos do Brazil , com tudo o nosso ter
reno os dá : colhemos infinitas bananas a respeito das plantas que temos ;
colhemos algumas goiabas ; começamos a cultivar o café , excedendo- nos

muito nesta parte a Ilha de S. Miguel , qne de mais a mais tem o araçà ,
e poderiamos ter a cana d'assucar em grande quantidade , pois que ja
foi assaz conhecida nas nossas Ilhas , cuja cultura se perdeo , como se
perdem muitas cousas proveitosas. Podiamos ter o carrapato , e à nico
ciana que alli vegetao entre pedras , e só estas plantas podiaõ fazer a
felicidade daquellas Terras ; ja se principiou a conhecer alli o algodão ;
( 61 )

em huma palavra , estando tao longe do Brazil , podiamos gosar de to


dos os fructos em que elle tanto abunda.
1 Quanto a matas de construcçao (por tocar em tudo duas palavras) que
se poderá subentender da sua vegetaçao , se as arvores mais mimosas
resistindo aos tempos , assim mesmo tanto crescem e engrossao ? Com
tudo agora mais que nunca se precisao cultivar , por que o Governo
Constitucional se vio precisado a destruillas. -
Quanto á luzerna de que fallámos o outro dia , ella participa tambem das
mesmas proporções d'hum solo que lhe he tao proprio , e de huma atmos
fera a mais fertilisante , de maneira que exagerando os naturalistas este
prado artificial , e fazendo em consequencia sentir as suas vantagens ,
para assim chamarem a attençaõ do habil cultor , elles tem feito crer que
desta planta o lavrador colhe no anno tres e quatro cortes do tamanho
de dous para tres palmos , e com isto assegurao a sua riqueza ; porem
de certo que ainda lhes saõ desconhecidas as suas maiores vantagens em
relação com as nossas terras , aonde todos os annos se sega oito vezes ,
sendo os primeiros 5 cortes em estado de florescencia , e do tamanho
de 3 para 4 palmos, entre estes algum a 5, e ja huma vez a vi cortar
de 6 palmos .

Tenho a honra de haver sido quem mais concorreo na minha Patria


em 1820 para mais geralmente ser cultivado este importante trevo , por
que mandei ir sementes de Londres , que reparti por alguns dos meus
parentes e amigos, ainda que ja outros dous proprietarios se tinhaõ an
ticipado , haveria perto de 30 annos , a fazer algum uso delle , sem du
vida daquelle mesmo tempo , em que esta planta principiou a ser culti
vada em Portugal por Mr. Stefanes ; porem tanto n'hum lugar como
n'outro fizérao uso della , como se faz em algum jardim botanico , em

que mais por ostentaçao se nutrem e conservaõ plantas , sem que dellas
tirem o necessario proveito ; com tudo em abono da verdade sempre estes
proprietarios no meu Paiz fizerao mais algum uso desta mesma planta, e
hum delles ja depois de a cultivar em pontomaior, forneceo sementes della
para Portugal a hum dos maiores lavradores daquelles Reinos , que

entao muito tarde se acordou sobre hum dos verdadeiros principios ,


que fazem sempre a riqueza do lavrador .
A proposito me recordo de que ha 8 annos li nas Georgicas Portu
( 62 )

guezas de Mosinho , que havia hum trevo ( Onobrychis ) que rivalizava


com a luzerna (29) . Eu nao sei que elle seja conhecido em Portugal , e por
isso nao he muito que eu ignore as vantagens que delle podem resultar ,
pois que de taes materias he o typo da experiencia o por onde melhor se
podem ler, e saber bem : No em quanto reservo-me para ver a sua descrip
çao no vosso Curso d'Agricultura, se me quiserdes continuar o mesmo
favor do emprestimo do volume que lhe diz respeito , e eu nesta occasiaõ
vos remetto o outro que muito me deixou reconhecido , e admirado .
Eisaqui ao correr da penna quanto me lembra dizer-vos . Se eu esti
vesse na minha Terra aonde outr'hora vivia satisfeito , quando julgava
que o ser proprietario nao era hum defeito antes sim huma fortuna , por
que vivia independente , naõ me tornando pesado á sociedade , antes po
dendo fazer-lhe algum beneficio , entao estando ao pé dos meus livros ,
e d'alguns apontamentos (os quaes nao espero achar) quando a Providen
cia permittir que seja repeitada a liberdade individual, e garantida a pro
priedade do cidadaõ , chegado esse tempo em que a Lei dê garantias , è
marque deveres , dar-me-hei pressa em voltar á minha Patria ) e se

quizerdes fazer-me a honra de continuar a vossa correspondencia , eu


terei o maior gosto em poder melhor satisfazer-vos, quanto for compativel
com a minha pequena capacidade (30).

Assim mesmo se nao fossem os meus incommodos de saude , pro


venientes do differente clima em que por hora resido , eu seria agora
hum pouco mais extenso , e eu mesmo ficaria mais satisfeito , do que com

a breve, e apressada resposta que vos dou ; todavia eu nao me quiz demo
rar em responder quanto era mister , ou por que desconfiasse que pouco
avançaria nessa delonga , ou por vos querer dar por este modo huma
prova nada equivoca dos desejos que tenho de obsequiar-vos, e do grande
respeito que vos consagra, quem he com o maior apreço , e estima

Monsieur HUZARD ,

Vosso muito Attento venerador e Criado ,

LUIZ MEIRELLES DO CANTO E CASTRO .

Paris , 27 de Fevreiro de 1834.

I
( 63 )

Nota dos Preços medios da laranja na Terceira em todos os annos, e differença


entre suas moedas e as de França e Lisboa : sendo os preços classificados
em tres épocas do anno .

De 15 de Novembro até ao fim de Janeiro , por mil laranjas 1500


Caixas, 3 a300 reis cada huma. · 900
Conducçao por 3 à 80 (31 ) . . 240
Frete até ao Havre por 3 . 2400
Frete para Paris por 3 2400
Direitos por 3. · 2400

Fructos arruinados regularmente. 100 . 9840


Vendidos os restantes goo a 3 soldos . 21600

0 que dá a vantagem de mais de 100 por 100. 11760


Segundo Preço de Fevreiro ao fim de Março 2400
Terceiro preço d'Abril ao fim de Maio . 3600

França. Lisboa. Ilha Terceira.


Peças, meia dobra de ouro. 7200 7500 12000
Patacas Hespanholas .. 800 850 1200
Crusados novos 400 480 800
Esta grande differença nas moedas bem que seja filha de circunstancias , em razaô
de se achar exhaurido aquelle Pais de prata , e ouro , por que o dinheiro que geral
mente lá corre he feito dos sinos , que quasi todos foraò apeados por ordem Constitu
cional ; com tudo logo que as cousas tomem melhor marcha , e melhor se estableça o
commercio, os preços legaes sao constantemente os seguintes (32) :
Peças ou meias dobras . gooo reis .
Patacas Hespanholas ou do Brazil • 1000
Crusados novos. 600

Em consequencia sao mais que evidentes os motivos de preferencia da laranja Aço


riana á de Portugal ; por que melhor ; por que mais antecipada ; por que mais barata,
e tanto mais , por que sempre a prata e ouro tem maior valor nos nossos Paises do que
em Portugal ; e entao assim como se vai commerciar á India , e á China , sem levar ou
tro genero que o ouro , que vao empregar naquelles effeitos ; se querem ganhar din
heiro comprando aquelles pomos d'ouro, e mesmo os amarellos limões , por que será
que nao vaō áquellas Ilhas , aonde podem fazer 5 ou 6 viagens , eft quanto ás Indias fa
zem huma; podendo tambem comprar urzela baratissima , e com que notavel differença .
pois se das nossas Terras trazem naquelles fructos a saude , quaõ somenos sao os do
oriente, donde vem o luxo e as molestias ? Alem de que os effeitos da França tambem
se podem permutar , genero por genero , por que o nosso empenho nao he de comprar
ou vender a esta , ou áquella Naçao , senaò á que nos faz mais conta , etc. (33) .
( 64 )

NOTAS .

NOTA I.

Eu dezejára que os paes de familias fossem obrigados a educar os seus filhos , mas
que podessem ser attrahidos ao cumprimento deste dever sagrado , nao como por huma
cega obediencia, mas sim por huma especie de instincto natural e espontaneo resultante
da boa escolha que o Governo tivesse feito de mestres sabios , e dotados de boa moral ,
havendo-lhes dado huma norma geral , para que impreterivelmente por meio della
fosse educada amocidade . Naō ha duvida que segundo os conhecimentos do dia seria
entao mui proveitoso por meio de compendios , ou ainda mais por meio de traslados
formar-se a mocidade , em primeiro lugar nos principios da nossa santa Religiaò Ca
tholica ; depois nos da historia do nosso paiz , e nos da agricultura , apprendendo em
tempo conveniente aquellas mesmas artes , que nos sao tanto indispensaveis , quanto
só par meio dellas , poderemos ter a facilidade d'entrar no templo das sciencias :
julgando nao menos necessarios os exercicios gymnasticos , d'equitaçao, e nadadura , sem
pôr de parte os das bellas artes , em que se podem aproveitar muitos talentos , só para
ellas dispostos , podendo-se tornar os homens nao menos uteis à si mesmos , que á so
ciedade, quando pelo contrario se tornao membros inuteis que lhe servem de peso. En
caminhada a mocidade desta maneira , como que se me antolha hum permanente, e
prospero futuro ; como que vejo cada hum atar-se e ligar-se aos seus deveres , e sa
bendo cumprillos conservar por este modo a sua liberdade; parece-me ver a Naçao Por
tugueza estreitamente apertada por vinculos sociaes ; parece-me ver por huma vez afas
tada d'entre nós a mais vergonhosa dissidencia d'opiniões politicas , parecendo assim
impossivel desmembrar-se a Naçao , antes convergindo ao seu proprio interesse , he bem
d'esperar- se de a ver ligada suavemente , como huma familia instruida, e rica , que a
mais nada aspira do que á conservaçaõ da sua existencia, empregando para esse fim tantos
meios , e taò efficazes , quanto isso lhe houver sido subministrado na acertada instruçcao,
que lhe tiver sido dada ; e o que nao sei se vale mais, firmada por este modo , ou por
qualquer outro em relação com estes principios , ao mesmo tempo que com elles tiver
mos fundado com a maior permanencia o edificio social , poderemos por certo chamar
nos huma Naçao independente , sendo poupados tambem de nos abismar nos grandes
perigos, em que nos tem feito cahir tantas vezes a seductora ingerencia dos nossos adver
sarios . Quando estava para imprimir estes meus trabalhos , chegou-me ás maōs a riquis
sima memoria para a historia do Grande Marquez de Pombal, escripta pelo nosso dis
tincto e infatigavel Chefe de Esquadra Jozé Maria Dantas Pereira , da qual extrahi a
seguinte nota , que coincidindo na maior parte com a minha doutrina , mais me ani
( 65 )

mei a fazella publica , sendo como se segue, diz o Author. « Quadra pois , convem , e he
indispensavel á nobreza , até pára se manter sem violencia , e portanto para durar com
segurança , e firmeza , que sobresaia sensivelmente na virtude e na sciencia : alias , ainda
quando na virtude se distinga , ver-se-ha no caso do Evangelho . Si cæcus cœcum ducit,
ambo infoveam cadunt. Ora o caso de intentar hum cego dirigir quem vê , requinta
sobre o dos dous segos ; e o verdadeiro contraveneno , ou especifico , está longe de con
sistir na empreza da universal cegueira , pois alem de outras consequencias taò pre
cizas como terrívies , o que se pode conseguir, quando muito , he ficar reduzido ao ca
cus cæcum, e entao a cova se transformará em abysmo cada vez mais profundo , no meio
da recrescente elevaçao do progresso das outras nações ; de sorte que por fim a quéda
tornar-se-ha mortal , sem que o bom senso deva estranhallo. Por isso o grande Mar
quez recorreo ao remedio genuino , e unico , procurando derramar a instrucçaò , e que
nella sobresaissem os nobres : objecto este essencialissimo , que nao somente o deter
minou por hum lado a generalizar gradualmente a instrucçao primeira , mas tambem
a instituir , por outro lado o collegio de nobres , a establecer de novo na Universidade
a faculdade da Mathematica , e a fazer inserir nos Estatutos da Universidade regenerada
em 1772 , com a maior solemnidade e pompa. « Haverei (he sua Magestade quem falla)
a todos os Fidalgos da Minha Casa por serviço vivo na campanha , todo o tempo, que
cursarem a Mathematica na Universidade. » Todavia parece que os outros negocios
nao lhe deixáraō livre a reflexao para avaliar adequadamente a importancia de huma
instrucção primeira uniforme , em quanto ás ideas mais geraes ; importancia espe
cialmente sensivel a quem pondera a influencia de tantas causas tendentes a desi
gualar e desunir os homens , em despeito das vantagens , e da precisao da convergencia
ou concorrencia de todos para a prosperidade universal, maximo fim do Estado social .
A mesma cartilha religiosa ; a mesma cartilha civil , ou social , incluindo resumidas
e bom coordenadas as mais sans e geraes ideas respectivas ; amesma cartilha por assim
dizer , economica domestica rural , semelhantemente escrita : é a mesma cartilha his
torica nacional ; conviria que seguidamente fossem lidas em todas as nossas aulas de
primeiras letras, a bem naō só da geral ventura , mas tambem do vigor da uniaō nacio
nal , cada vez mais enfraquecido pelo egoismo , que sob tantas e tao especiosas for
moa faz marchar para a dissoluçaō ; a qual deve ser seguida... Para mais illustrar a mate
riajulgo a proposito transcrever o que do nosso Bentan Portuguez , o illustre Silvestre
Pinheiro Feirrera , no seu Projecto Geral das leis fundamentaes , e constituintes de
hum monarchia representativa , se encontra sabiamente detalhado sobre instrucçao pu
blica nos seguintes artigos .
Art. 115. Durante a sua minoridade , e nas épocas marcadas por lei , os cidadãos
seraō successivamente matriculados por seus paes , où tutores nos collegios de instrucçao
publica designados na mesma lei , ou para ahi seguirem o curso de estudos determina
dos nos regulamentos respectivos , ou para concorrerem aos exames , em que devein
tomar parte todos os moços matriculados em uma mesma classe.
9
( 66 )

116. Os paes , que pertencerem a duodicima ordem de jerarchia civil , farao ma


tricular seus filhos nos collegios da municipalidade ; os da undecima , e decima ordem
nos collegios das cabeças de districto ; os das tres ordens nona , oitava , e septima nos
das cabeças de çantao ; os da sexta, quinta , e quarta ordem nos das cabeças de com
marca os de terceira , segunda , e primeira ordem , de jerarchia , seraō matriculados
nos collegios das capitaes de provincia.
117. As escolas seraõ divididas em tres classes : primarias , geraes , e normaes .
118. Nas escolas primarias, estabelecidas emcada municipalidade e para os alumnos
de sete a quatorze annos , se fará hum curso progressivo do ensino puramente pra
tico de ler, escrever, e arithmetica , de geometria grafica, e das noções simplesmente
intuitivas dos objectos , e phenomenos da natureza geralmente necessarios , e ao al
cance deste primeiro periodo da mocidade.(
Trabalhos mecanicos , e exercicios gymnasticos accommodados a esta idade , farao
o objecto do recreio dos alumnos.
119. As escolas geraes, de que haverá huma em cada cabeça de cantaò, e saò desti
nadas para os alumnos de quatorze a desoito annos , ensinaraō a theoria dos estudos
elementares , que na forma do artigo antecedente se devem ter feito de hum modo pu
ramente pratico , ou intuitivo nas escolas primarias.
A analyse superior , e sua applicação á mecanica , e á astronomia completará este
curso .
Os exercicios nas artes e officios serao em maior escola , e em officinas , escolas de
agricultura pratica , hospitaes e outros estabelecimentos analogos ao ramo de indus
tria para que o alumno mostrar aptidaō.
Os exercicios gymnasticos durante estes quatro annos terao por fim especial os di
versos ramos do serviço militar desde as manobras de infanteria , cavalleria, artilheria,
e engenharia, quanto essas differentes operaçaões poderem accommodar-se á capacidade
individual de cada alumno .
120. As escolas normaes , de que haverá huma em cada cabeça de commarca, seraò
destinadas para os alumnos , que houverem de seguir a carreira das sciencias , bellas
lettras, ou bellas artes como porfissaò especial , e quiserem habilitar-se nos tres an
nos , que decorrem até aos vinte e um , afim de responderem aos exames , que a lei
exigir para serem nomeados professores nos collegios nacionaes .
121. Os alumnos matriculados nos collegios das municipalidades , ou tenhaō ahi
ouvido as licões , ou estudado em outra parte , serao obrigados a apresentar-se aos
exames annuaes , que tiverem lugar.
122. O jury incumbido dos exames classificará os alumnos em tres categorias , a
saber distinctos , mediocres , e inadmissivies.
123. Os inadmissivies ficarao nas escolas da municipalidade ; os mediocres seraō ad
mittidos ás escolas primarias de districto ; e os distinctos serao os unicos matriculados
nas escolas primarias do cantaō.
( 67 )
124. Aquelles, que por tres annos consecutivos tiverem obtido a qualificação de dis
tinctos nas escolas primarias de districto passarão ás escolas primarias do cantaō ; e se
tambem ahi obtiverem por tres annos consecutivos aquella mesma qualificaçaõ seraõ
admittidos ás escolas geraes

125. Aquelles que , declarados inadmissivies ou mediocres , tiverem ficado nas es


colas primarias de municipalidade , ou de districto , serao ahi applicados aos trabalhos
de agricultura , artes , e officios mecanicos , cada um segundo as suas naturaes dis
posições.

126. Do mesmo modo se procederá a respeito dos alumnos matriculados nas escolas
geraes , quanto á sua promoçao ás escolas normaes.
127. Os alumnos , que durante os tres annos de seos exames nas escolas normaes
tiverem obtido a qualificação de distinctos , serão candidatos a professores nas escolas
geraes , assim como aos lugares de academicos de primeiro grao inferior. Os que nas
escolas normaes nao tiverem obtido senaò a qualificaçao de mediocres , seraô candi
datos a professores nas escolas primarias de municipalidade .

128. Nas capitaes de provincias haverá academias dos diversos ramos dos conheci
mentos humanos compostas de tres ordens de membros , que corresponderao a sexta ,
quinta , e quarta ordem de jerarchia civil. Alem disso os academicos da primeira or
dem inferior corresponderao aos professores das escolas geraes ; e os da segunda ordem
corresponderao aos professores das escolas normaes .
129. Os academicos terao, a titulo de pensao, e afim de se poderem entregar á cul
tura de suas profissões a dotaçao legal de graduaçao , que lhes competir na forma do
artigo antecedente , em quanto continuarem a obter nas eleições annuaes , ao menos ,
um terço dos votos .
130. Seraò candidatos aos logares de professores nas escolas primarias das munici
palidades todos os cidadaòs , que tiverem obtido , ao menos , a qualificacao de medio
cres nos exames dos tres annos ultimos nas escolas normaes.
131. Seraō candidatos aos logares de professores nas escolas primarias de districto
os professores das escolas de municipalidade .
132. Os professores das escolas primarias de districto poderao ser successivamente
promovidos ás escolas primarias de cantaò , commarca , e provincia.
133. Aos logares 1 de professores nas escolas geraes serao candidatos os cidadãos
que tiverem obtido a qualificação de distinctos nos exames dos tres ultimos annos nas
escolas normaes , e bem assim os academicos da primeira ordem inferior.
134. Aos logares de professores nas escolas normaes seraò candidatos os professores
das escolas geraes , e os academicos de segunda ordem.
135. As pessoas que , nao tendo seguido os cursos nos collegios nacionaes , quizerem
concorrer com os alumnos daquelles collegios aos exames determinados nos artigos
precedentes para serem admittidos ou como alumnos ou como professores em uma das
( 68 )

ditas escolas , ou como academicos , dirigirao seos requerimentos ás competentes au


toridades , afim de serem incluidas na lista dos concorrentes .
136. As cartas de emancipaçao seraò passadas pelo superintendente da municipa
lidade da habitual residencia do cidadaò , uma vez que este mostre haver obtido , ao
menos , a qualificação de mediocre nos exames das escolas primarias de districto para
a sciencia , arte , ou officio , que fizer objecto da sua profissao , etc.

NOTA 2 .

He tanto certo o uso que se fazia na quella Ilha do jogo da espada, que ja mais hum
cavalheiro sahia ánoite , ainda mesmo encaminhado pelas intenções mais innocentes ,
que nao levasse consigo a sua espada , e em muitos encontros que tinhaō huns com
os outros se desafiavao, como huma especie de jogo em que departe a parte se disputava a
pericia da mesma arma ; porem hoje outros saõ os jogos , d'onde nos tem vindo tantos
males , e aquelle que entao era proveitoso está inteiramente abandonado .

NOTA 5.

Ainda em meus dias por alguns annos se continuárao as nossas justas , ordinaria
mente votadas a S. Joao Baptista , e algumas vezes tambem para festejar acções glo
riosas , como por exemplo , as motivadas pela expulsao dos Francezes , que tinhaō
invadido Portugal ; o que as mais das vezes nem ao menos os Generaes faziaō chegar ao
conhecimento de S. Magesdade exceptuando apenas o General Stochler , que teve por
isso de nos attrahir muitos agradecimentos de S. Magesdade. Mas nao foi só essa falta do
Governo o que mais concorreo para se hir perdendo o gosto á quella nobre arte , foi
sim por que só tivemos dous Generaes muito cavalleiros , е que até lá mesmo ensináraō
aquella arte, e os outros quasi todos de pois a tinhaō em pouco preço, e tal houve , que
até em jornadas se animou a sair montado n'hum burro acompanhado de muitos ca
valleiros , que mal acreditavao vendo o que mal podiaò imaginar ; e o peor he , que
o abandono desta taō util arte tem-se feito extensivo a todo o nosso Portugal, e eu
cada vez o sinto mais , quando aqui mesmo até vejo exercitar-se nella o bello sexo , e
com tanto proveito , que muitas vezes as tenho visto correr, etao galhardas , que qual
quer dissera, que se tornavao bellas aquellas mesmas que naò o saô.

NOTA 4.

Cordeiro L° 6° e ainda mais o Dr Fructuoso em manuscripto na R. Bibliotheca de


Lisboa. Nao podendo deixar de accrescentar que hoje nem por infelicidade se conservaō
ja todas aquellas antigas aulas , que naquelle tempo existiaó no patio do collegio dos
Jezuitas em cujo lugar se estabeleceo o celleiro publico , e sobre elle he que ellas forao
de novo estabelecidas , quando o Snr. Rey D. Jozé deo huma nova forma a todos os
estudos ; porem tao acanhadamente foi feita essa mudança , que apenas foraò destina
das para tres classes ; e por fim quando o Senhor Rey D. Joao VIº alli estabeleceo huma
( 69 )
Academia militar . ainda se lhes diminuio huma aula que foi necessaria para a mesma
Academia , de maneira que , sendo indispensaveis quatro aulas , mal se conservao
duas , e em consequencia sao os Mestres obrigados a ensinar nas suas proprias casas ,
o que nao he decente , nem proveitoso ; mas tal era o andamento que os Generaes
davao ás cousas publicas , julgando que em poupar fazenda , fariaò nisso serviço ao
Rey, sem levar á balança , quanto nisso deserviao a Naçao , e o mesmo Rey.

NOTA 5.

Para que não pareça fantasia o que ja tenho escripto , e continuarei a escrever a
este respeito , transcrevo aqui o mesmo Alvará citado , que fiz extrahir da Torre do
Tombo de Lisboa , e nelle se encontrará muito mais do que quanto expendo.
«Eu El Rei Faço saber aos que este Alvará virem , que havendo respeito ao que me
foi proposto pelos Procuradores das Cortes da Cidade de Angra , Ilha Terceira nas que
celebrei nesta Cidade de Lisboa em 22 de Octubro de seis centos sincoenta e tres , pe
dindo no Capitulo primeiro , que fosse servido , que naquellas Ilhas nao houvesse
Vice-Rei, nem Governador General pelos inconvenientes que se me tinhão represen
tado em todas as Cortes passadas , e que Eu havia de achar que o governo que de
presente havia nas Ilhas era o que mais convinha, por ser o mesmo com que as cria
rão os Senhores meus progenitores ; e pelas razões que me representáraō , e as mais
que sobre esta materia em Cortes passadas me foraò apontadas. Hei por bem de con
ceder o que no dito Capitulo se pede , tendo juntamente consideração ao merecimento
da fidelidade , e satisfaçaò que tenho de como sempre se houverao os moradores da
dita Ilha ; e quando se offereça occasiaò em que convenha alterar-se esta Rezoluçao , se
nao tomará della assento, sem ser ouvida a Camara da dita Cidade de Angra , tendo-se
sempre respeito ao favor que folgarei de lhe fazer . E este Alvará se cumprirá como nelle
se contem, e valerá posto que seu effeito haja de durar mais de hum anno , sem em
bargo da Ordenaçao do Livro segundo , Titulo 40 em contrario. Manoel do Canto o
fez em Lisboa a quinze de Junho de mil seis centos sincoenta e quatro. E este vai por
duas vias. Jacinto Fagundes Bezerra o fez escrever. - Rei. Esta copia foi extrahida
em execuçao do Decreto de 13 de Julho de 1824 ; está conforme o Livro vinte e seis
da Chancellaria do Senhor Rei D. Joaó IV , Folhas cento quarenta e quatro . Real Ar
chivo, tres de Setembro de 1832. -0 Official Maior , Francisco Nunes Franklin . »
O Senhor Rei D. Joaó IV° por quaò Paternaes fossem suas intenções nesta Real
Rezolução que tomou a pedido das Cortes , foi mais abalado por hum principio de
justiça prorogando áquelles habitantes a mesma Graça que outr'hora lhes havia sido
outorgada ; sendo deliberaçao propria do sen Animo Real a com que politicamente
por meio d'huma amnistia chamou a Portogal a nobreza que se tinha retirado á Hes
panha ; e na Ilha Terceira nao sei se ainda fez mais , por que sendo D. Pedro Ortiz
(entre poucos) hum dos Fidalgos daquella Ilha , que no Castello de S. Joao Baptista
junto ao Governador da mesma fortaleza , se conservou firmemente por quasi hum
( 70 )
anno contra toda a nobreza da mesma ' Ilha , que entao sustentou fielmente os Inau
ferivies Direitos do nosso Legitimo Monarcha , foi todavia perdoado , e em pouco
tempo depois teve a honra de merecer a confiança dos povos , fazendo -lhes serviços ,
que merecêrao o Real agrado de S. Mag . e de que teria sido privados , se se não ti
vesse aquelle respeito empregado a mais sabia politica , e isto ainda em tempos , ' em
que ella não era olhada , como huma das armas mais poderosas , com que hoje se sus
tentao os imperios ; e a cujo exemplo tambem sabiamente caminha o Senhor D. Pedro
em Nome da Senhora D. Maria II Rainha de Portugal segundo temos a esperar do
Tratado que ha poucos dias li das quatro Nações , Franceza , Ingleza , Hespanhola , e
Portugueza no f qual o mesmo Augusto Senhor, promette dar huma amnistia geral
e completa à todos os Portuguezes.
NOTA 6. ·

Nao posso deixar de mencionar que no tempo d'hum dos Governos que alli tivemos ,
quando Stockler foi o nosso General , e sem duvida aquelle , de quem mais tinhamos
a esperar pela vastidao dos seus conhecimentos ; tive de ouvir ao nosso Bispo D. Frei
Manoel Nicolau , que se nao podia combinar com o General sobre melhoramento d'es
tudos , por que huma das cousas que o General queria , era o estabelecimento de al
gumas cadeiras de sciencias naturaes , e o Bispo queria com preferencia a tudo fatigar
os estudantes com huns poucos d'annos que tantos julgava precizos para se ensinar
Theologia . A vista desta heterogeneidade de modos de pensar, sendo
f ambos homens
instruidos ; como entao se poderiao combinar outras e as mais das vezes , o saber dos
Bispos com a ignorancia dos Generaes ?
of1 NOTA 7 .

Em lugar do Regimento Insulano levantárao na Ilha Terceira dous Regimentos de


Milicias (denominados nesse tempo Terços de Milicias ) e por que estes faziaō o ser
viço, como tropa paga , forao considerados como esta por Cartas Regias de 22 de Março
1785 e de 1787 entao dirigidas ao Vice-Rei do Estado do Brasil ; depois se fizerao
extensivas ás nossas Ilhas por Ordens Regias de 16 de Julho de 1801 dirigidas ao Conde
'd'Almada, e de 4 de Octubro de 1806 no tempo de D. Miguel Antonio de Mello , e na
quella tropa encalhava á nobreza , d'onde mui poucos sahirao para tropa de linha ;
por que tao desgraçado cumprimento se dava a estas Ordens Regias , mesino da
parte do Ministerio , que poucos exemplos temos de serem as milicias consideradas ,
como tropa paga , assim no util, como no honorifico , e neste nem hum só exemplo se
mostra, pela cerebrina interpretaçao , que o Conselho de Guerra sempre dava ás mesmas
Ordens Regias , de maneira que hum Capitao de Milicias se por exemplo , ou ainda
Patente superior na mesma Milicia , tivesse 20 ou 40 annos de serviço não interrompido ,
e com elles requeresse o Habito d'Avis , que lhe he concedido por lei logo que tenha
20 annos de serviço continuo , ja mais consta que lhe fosse conferido , menos se entao
passava para tropa paga , por que nesse caso a virtude de hum dia que tivesse de ser
( 71 )

viço, ou bastava que mostrasse patente que a isso o habilitasse, lhe奥康 fazia valer os por
que entao se havia feito benemerito; mas que muito , (tao pouco era o zelo com que erao
olhados os negocios daquellas Ilhas) se havendo sido o Senhor Rei D. Joao VIº por seu
#16
Real Decreto de 25 de Novembro de 1825 abalado emvirtude de requerimentos meus
e d'outros dignos compatriotas a tomar consideraçao sobre a tropa que mais poderia
convir ao serviço dos Açores, e o mais quea esse respeito Determinou, e se subentendia ;
e se bem fazendo recahir a escolha dos Membros eleitos para aquella commissao nas
Pessoas Ide 3 Generaes que tinhaō sido das mesmas Ilhas , e em outros dous que forao
Commandantes do Batalhaō em Angra, nem assim mesmo no decurso de mais de 3 an
nos, podéraò cumprir as Reaes Ordens , quando para concluir esses trabalhos seis dias
seriaò sufficientes , como tantas vezes me disse hum dos mesmos Generaes , e sem duvida
o mais sabio de todos elles ?

NOTA 8.

Na verdade D. Agostinho primeiro Bispo d'Angra que para alli foi em 1537 encheo
quanto pode desejar-se as difficeis funções de tao alta Dignidade, por qué tal era seu
merecimento e suas letras , que voltando a Lisboa foi empregado em reformador da
Universidade de Coimbra ; e tal era sua virtude , que tendo sempre huma conducta

exemplar santamente morreo no seu Bispado de Lamego , passando-se a dizer delle ,


que era tao santo , como pobre ; nao merecendo menos respeito (entre outros) D. Frei
Jorge III Bispo d'Angra , Dominico , que foi ao Concilio Tridentino , e voltando fez
Sinodo , e as sabias instituições do Bispado , e depois de as mandar imprimir, falleceo
em Angra com tanta fama de santo , quanta tinha em vida.

NOTA 9 .

Se nos Concelhos da Cidade, e Villas de S. Sebastiao, e da Praia , quando a Junta de


Agricultura se principiou a estabelecer , tivessem sido os baldios repartidos pelos po
vos , e auxiliados estes com os emprestimos que S. Magesdade ordenára , quando
houve por bem criar aquella Junta ; e se na mesma occasiaò por meio d'algumas me
morias explicadas pelos Parochos se procurasse instruir os mesmos povos , alem dos
conhecimentos que ja tinhaò adquirido, por huma longa experiencia , sem duvida
que estes nao teriaò praticado alguns excessos , nem seriaò em consequencia delles
perseguidos por huns poucos d'annos por aquelle Governo , antes teriaō sido mais
felizes sendo religiosamente observadas as Paternaes Disposições de S. Magestade.

NOTA 10 .

Quem melhor quizer instruir-se , e quizer achar a base de todas essas sociedades
agronomicas , leia na nossa antiga Constituiçao , o Tit . 66, Liv. 1 ° . e ainda mais a
Tit. 60 , page 15 , aonde encontrará quanto anticipadamente ás Nacões mais cultas
do dia legislámos sobre meios de melhoramento de agricultura . Entretanto se tivémos a
honra de nos havermos anticipado muito tempo em nossa legislaçao agricola a todas as
( 72 )
outras nações , de que na verdade soubémos tirar vantagens nesse tempo , he muito
que hoje nos devemos cobrir de vergonha , por que em vez de augmentar, perdêmos
apraticadesses conhecimentos , contentando-nos tao somente com as descobertas, e com
os dominios sem tratar de os aproveitar. He precizo com effeito viajar pelas nações mais
cultas para ver o adiantamento em que se achao todos os ramos que podem fazer o es
plendor , e a publica prosperidade , ou quando menos vir a França e examinar de bem
perto as suas producções d'industria , e d'agricultura , e o augmento de suas artes ,
maquinas , e fabricas , e tudo isto, por que hum espirito patriotico ( algumas vezes
favorecido pelo Governo) se tem introduzido na Naçao Françeza , tomando cada hum,
como por huma obrigação , que o seu brio lhe excita , de melhorar , e inventar cousas
que possaō aproveitar a todos. Para dar huma pequenissima idea do interesse e zelo
que todos tomao em proveito publico , bastará dizer-se que os mesmos octogenarios
se esforçao tanto no serviço da Patria , como se estivessem na flor da idade. He facto ,
porque eu mesmo o tive de observar em Junho na primeira occasiaò em que assisti a
huma sessaō da Sociedade Real e Central de Agricultura de Paris , na qual M. Husard ,
que he dos deste numero ( aonde se encontrao outros da mesma idade) ahi teve de
fallar dando conta de seus trabalhos em revisao de alguns folhetos , porem isto naò he
tanto, porque todo o homem estando no uso perfeito de suas faculdades intellectuaes ,
póde até morrer dar sempre fructos , e fructos maduros , que muito aproveitem a socie
dade ; porem na verdade o que mais me admirou , foi dizer-me elle mesmo , que no dia
seguinte partia a viajar a mais de cem legoas longe de Paris , tendo de fazer certas obser
vações sobre agricultura , que lhe haviaò absorver tres a quatro mezes , até que emn
Outubro se retirasse para dar conta da sua commissaò. Que louvavel esforço taō digno
de imitaçao, que triumpho sobre tantos invernos , e de tantos serviços carregados ! Quanto
na verdade póde o brio e o pundonor nacional ! Entretanto eu nao sei se ainda he mais
que isto , como depois tive de observar na Sociedade de Horticultura de Paris , que
de annos taò verdes alli se encontrem trabalhos taò maduros , que nessa mesma occa
siaō me foraō apresentados , e que na verdade muito interessavao a Naçao ; e eu tive
de ouvir tambem dous bem concertados discursos a dous mancebos , que (ao que pa
recia) poderiaō ter 20 a 22 annos d'idade. Que taò precoces sao os fructos nesta idade,
mas tao proveitosos os desta natureza , porque saò filhos das sciencias e das artes !

NOTA 11 .

Não se entenda, que por quao verdadeiros sejao os exemplos referidos , com os quaes
a todas as luzes se prova, que a desmoraliraçao e infelicidade das Ilhas datao desde que
deixáraó de ser governadas pelos seus Capitães Donatarios , pelas suas Camaras , e

seus Capitães Mores , jamais me possaò persuadir , e menos que esse seja o fim para
quem ler este escripto , que nós seriamos hoje mais felizes, se fossemos governados "
como entao o foraò aquellas Ilhas por nossos maiores pelo espaço de mais de dous se
culos ; ao contrario, nem esse bem se pode ainda esperar pela difficuldade de reverter,
( 73 )
mos a esses melhores tempos , em que a Naçaò estava toda unida com o vinculo fortis
simo da nossa Santa Religiao, e em que quanto a nós o espirito da ambição dormia :
assim mesmo por que do berço levantou a cabeça , principiáriaô logo a apparecer alguns
excessos , e entao foi que o Senhor Rei D. Jozé 1º querendo occorrer a esses males ,
houve por bem criar o Governo daquellas Ilhas ; mas como por desgraça nossa co
meçárao desde logo a ser infringidas quasi todas as Ordens Regias, isso foi o que deo
lugar a que a cubiça ousando mais e mais causasse os estragos que experimentamos , e
que não tem pouca relação com os nossos Reinos sendo D. Antao d'Almada
o 1º Governador e Capitaō General , 2º Diniz Gregorio de Mello e Castro ,
3º Conde d'Almada , 4º Conde de S. Lourenço, 5º D. Miguel Antonio de Mello , que
depois foi Conde de Murça , 6° Aires Pinto de Souza Continho , 7° Francisco Antonio
d'Araujo, 8º O Tenente General Francisco de Borja Garçao Stockler , que depois foi
Barao da Villa da Praia , e 9º Manoel Vieira d'Albuquerque e Tovar.

NOTA 12 .

Os conventos a que me refiro sao o de Santo Francisco , de Santo Agostinho , de


Santo Antonio , de S. Gonçalo , de Nossa Senhora da Esperança , de Nossa Sen
hora da Conceição, de S. Sebastiao , eò collegio da Companhia de Jezuz, e ainda alem
destes , o Recolhimento da Jezuz-Maria, denominado das Monicas , a que naô ha muitos
tempos se verificou huma deixa de vinte mòios de trigo todos os annos ; de todos
estes foi o Collegio de Jezuz somente que teve Padroeiro Real, a cuja fundaçao consi
gnou o Senhor Rei D. Sebastiao seis centos mil reis cada anno, em dinheiro das al
fandegas , e em trigo para sustentar 12 Religiosos dos quaes lessem -tres, Latim ,
Rhetorica, e Moral , e os mais se empregassem nos Ministerios da Companhia de pré
gar, doutrinar, e confessar, competindo a cada hum sincoenta mil reis para todos os
gastos de hum convento e de continuas navegações de idas , e vindas etc. E posto que
pareça talvez pequena consignaçao para satisfazer a tantas obrigações , ainda he mais
para admirar, que se augmentasse o numero dos Réligiosos até 16 lendo hum des
tes 4ª cadeira de Philosophia , e que podessem assim mesmo fazer hum tao grande
edificio , que nao menos honra a prudencia, e temperança do governo da Companhia ,
que a benevolencia dos Angrenses , que tanto para elle concorreo. Alem dos estabele
cimentos mencionados só a Misericordia , e Hospital forao fundados por El Rey, e de
pois augmentados por muitas pessoas , passando a ter de renda jà em 1717 a Mise
ricordia 50 moios de trigo cada anno e 50,000 reis em dinheiro, e o Hospital 60 e tantos
moios de trigo e 150,000 reis , alem de lhe dar o dizimo dos frangos , cuja dadiva naõ
teve menos de Beneficencia Real, que de politica, animando , e convidando por aquelle
modo os seus ficis vassallos , a que concorressem quantos podessem , ainda que nao
fosse com grandes rendimentos ; e assim seguindo muitos aquelle Regio Exemplo facil
mente se amontoarao tantas riquezas , que muitô podem aproveitar o publico , sendo
bem administradas . Accrescendo ainda mais a estas rendas a applicação que a Sen
IO
( 74 )
hora Rainha D. Maria I. fez dar aos legados decahidos para os Hospitaes de S.
Jozé de Lisboa, e do Santo Espirito da Cidade d'Angra , autorisando esse Regio In
dulto com a Bulla de... Para illustrar o resto do paragrafo seria preciso tratar extensa
mente da verdadeira riqueza das nações , e dos meios que ellas tem adoptado , naò só
para diminuir o numero dos pobres e mendigos, mas tambem para fazer com que os ho
mens quanto he possivel , olhem a briosa independencia , como o mais digno , o mais
necessario, e sem duvida o maximo estado da sociedade, fazendo-se os homens depen
dentes huns dos outros tao somente por meio de seus officios e industria ; porem sendo
estes trabalhos reciprocos e tao geraes , que apenas todos os homens constituindo-se
obrigados huns aos outros , se façao depender da sua habilidade , que tanto mais os
honra e illustra , quanto mais se distinguem nella.

NOTA 13.

Para se provar quanto aquelles Generaes eraò mais que Reys , e as mais das vezes
se faziaō superiores á Lei , eu passo em breve a contar mais hum facto acontecido
comigo mesmo , é tao publico, que foi no meio da praça d'Angra. Na mesma praça
entre a Ermida de Nossa Senhora da Saude, e o Corpo da Guarda, voltado para a sul
estava hum recanto , que seraò dez braças de distancia pouco mais ou menos , faciado
por hum muro , que tapa hum quintal pertencente a huma casa nobre que tenho ao
lado do mesmo Corpo da Guarda voltado para o ponente ; e porque o General ém
todo o tempo do seu governo nao tinha podido reprehender-me (e se o fez, ficou repre
hendido) e muito menos castigar-me , como tanto desejava , entendeo que visto
tambem nao ser eu daquelles que houvesse de soffrer-lhe animosidades , com outros
praticadas , poderia elle impunemente com o escudo do interesse publico , combinar
se com a Camara, e de concerto tratou com ella em 1824 de fazer humas barracas en
cravadas no mesmo meu muro, para ahi se poderem vender frutas . Nao puderao fazer
isto tanto ás escondidas , que eú muito em tempo , sem que a obra tivesse começado,
nao acudisse pela sustentação dos meus direitos ; e pelo muito que o publico perdia
no estabelecimento daquella obra , em quanto olhada pela sua deformidade , pois
que sendo a principal praça que nós tinhamos , hia à ficar huma parte della feita
alpendre no meio de dous edificios altos , quando havia tantas leis que favoreciao o
aformoseamento das praças ; mostrei-o prospecto d'hum edificio que eu intentava no
mesmo lugar , e accrescentei , que daquella praça ninguem podia dispôr , nem de
huma polegada , por que para ella se achar como estava , tinha sido preciso que
nossos maiores comprassem algumas casas para a fazer mais regular, e alli poderem
correr as suas cavalhadas . Ora he de notar que a Real Junta nao estava autorisada
a fazer emprestimos, por que mesmo para obras de reedeficações publicas , sao-lhe
limitados seus poderes , o que nessa occasiaò se naō observou ; mas se o despreso de
tantos direitos he sobre maneira admiravel , e irregular, quanto mais se naò torna es
candaloso que se procurasse conseguir huma Carta Regia, que parecia abonar o plano
( 75 )
M
da obra, e o emprestimo que para ella se devia fazer pela mesma Junta, occultando
se ao Ministerio de S. Magestade o prejuizo de 3º que nunca morre, aonde ha leis que
o sustentem ? Ainda ha mais que isto ; por que se consultou a vontade de S. Ma
gestade , foi tao somente por mera ceremonia, e tanto assim, que quando chegou a
Carta Regia, ja a obra estava concluida. Entao extrahi duas certidões : huma , de
quando se tinha acabado a obra, e outra da mencionoda Carta Regia ; e sendo compara
das as datas, e tomando-se em consideraçao o ataque da minha propriedade, naò obs
tante o ter pela proa o General , que tantas protecções tinha em Lisboa , a Camara , e
Corregedor, eu pude com tudo em Maio de 1826 conseguir huma Regia Provisaò, que
invalida a mesma Carta Regia, e me habilita a poder demandar a Camara para que seja
demolido aquelle edificio informe, o qual deve hum dia ser substituido com hum
outro que abrilhante a mesma praça. Em proporçao destes factos , eu pudera contar
mais outros, se intentasse fazer a historia dos Generaes Açorianos ; porem os que tenho
expendido sao sobejos para se conjecturar, que nao menos que nossos maiores , temos
razao, nem só para publicar os nossos soffrimentos , mas antes tambem os evitar, se
podermos . Nao podendo deixar de lembrar a necessidade que há d'hum mercado pu
blico em lugar mais proprio do que a praça , havendo para isso muitos lugares de que
se pode dispôr, sem atacar ò sagrado direito da propriedade.

NOTA 14 .

Eu seria incoherente , e mesmo pareceria acanhado nos desejos que tenho de ver
melhorada a minha Patria , se quando trato de querer poupar a humanidade com o
saudavel preservativo da vaccina ( que tanta honra faz ao seu descubridor o immortal
Genner , o qual tem por isso tantos direitos ao reconhecimento dos homens ) eu pro
curasse por algum meio moroso retardar-lhe esse beneficio, que he o que parece depre
hender-se na indicaçao que faço designando hum certo numero de expostos , que
de cada vez devia ser vaccinado ; e entao antes que seja perguntado por que assim o
indiquei , desde ja me anticipo a trazer á memoria a distancia em que muitos
se achavao, e a que por causas mui desconhecidas se poderia mallograr essa operaçao ;
sendo de todas a principal razao em que me fundei a incapacidade que o Hospital da
Misericordia tém para receber hum grande numero delles ; e a que nao deixará de
ter algum lugar , por que assim se facilitava o possivel prolongamento do pus vac
cinico , que em quanto aproveitava a huns nasciaō outros , que tambem delle
depois se aproveitavao ; pois que nao he indifferente a distancia em que nos acha
mos de Lisboa , por nos nao poder ser repetido , como dezejamos , especialmente de
inverno ; alem de que muitas vezes, nos chega sem a necessaria energia, e por isso
inefficaz :: e por este modo julgo que poderia satisfazer ao zelo de quem a semelhante

respeito me fisesse alguma observaçao .


NOTA 15.

Naquelle tempo ignorava eu que D. Francisco d'Almeida tinha sido provedor da


( 76 )
Misericordia de Lisboa , e nao me cabendo aqui fazer-lhe os merecidos elogios por
essa administraçao , eu direi taò somente , que aquelle fidalgo foi o primeiro , se
gundo me consta , que, considerando o melindre , e a delicadeza que cumpre empre
gar sempre em administrações publicas, pôde ter a habilidade de remover toda a sus
peita de interesse, que o cargo podesse attrahir-lhe . Elle todos os annos dava contas
publicas , que fazia imprimir ; e todos os mezes fazia publicar pelo mesmo modo os
doentes que entravao , os que estavao em convalecença , os que tinhao morrido, e os
que se tinhaō curado ; sendo por isto bem facil de acreditar-se a razaò , por que se
ficou dizendo a seu respeito , que elle nem só preencheo singularmente, e por hum
modo novo , as funções do seu cargo , mas que talvez fizera mais que todos os outros ,
deixando aquellas normas por onde deviaò regular-se todos os seus successores. Com
effeito a affeição particular , o seductor empenho , e a impudente deshumanidade foraō
desconhecidos no seu tempo , substituindo em seu lugar a verdade publica , e sempre
por isso magestosa , a devida exacçao no cumprimento dos seus deveres , e a mais exem
plar caridade com os pobres afflitos ; virtudes estas tantas e tantas vezes louvadas ,
mas outras tantas ou muitas mais esquecidas !
A este respeito pêsame nao saber tambem a historia de muitos Provedores da Mi
sericordia d'Angra , mas para ter a que me refira, e nao parecer înfundado nas mi
nhas observações , julgo ter aqui muito lugar a respeitavel recordaçao de Alvaro Pereira
Forjaz de Lacerda , em cujo tempo se fez aquelle majestoso edificio da Misericordia,
nao merecendo menos commemoração a inteireza de D. Joao Flores de Castil Branco ,
que entrando no mesmo cargo , pode qualquer avaliar o seu desempenho , pelo pri
meiro passo que elle logo dera , mandando citar seu cunhado meu avô Paterno , por
divida que tinha com a Misericordia , e no fim de hum anno reunindo-se a mesa,
tomou a palavra , dizendo , que bem desejara ter-se evadido ás difficeis obrigações da
quelle officio, mas que nao o podendo fazer pór hum modo airoso , e tendo jà acabado
o seu tempo , elle representava , e pedia instantemente, que recahisse naquelle mesmo
dia a nomeação de Provedor em qualquer outro que nao fossse elle , por que de certo
os prevenia de a naō acceitar , sendo aquelle o modo de se cumprirem exactamente os
eus Estatutos . Estes dous Provedores sao do tempo de meu avó Paterno ; devendo
crer que os seus antecessores fossem da mesma guiza , maiormente se me recordo de
sua piedade quando tanto concorreraó a fazer taô grandes rendimentos , com os quaes
aquella Casa e Hospital se sustentao . Naō he impossivel renovar-se, e até augmentar-se
muito o numero daquelles honrados Provedores , e talvez que modificado hum Esta
tuto que ha na Misericordia sobre a eleição que delles se deve fazer , ou antes , sobre
a sua conservaçaò , isto he , que nao poderao ser eleitos outros em quanto estiverem
obras abertas , fosse isso sufficiente remedio que aliviasse os Provedores de tal peso
por tantos annos , e assim ficariaò tambem poupados os legatarios, e foreiros daquella
casa de fazer taes observações ( nao podendo pôr de parte as lagrimas · dos miseraveis
afflitos ) que tantas seraô que hum dia os possao constituir em direito de reclamar
( 77 )

aquellas rendas que seus maiores deixáraô . Tendo ja na imprensa este meu escripto
tive de saber que muitas destas cousas respeitantes á Misericordia , e Hospital esta
vaò remediadas por este Governo , o que muito estimei pelo grande beneficio geral
que d'ahi resulta .
NOTA 16 .

Nao he em todos os pontos de Portugal que se deve entender esta doutrina , por
que eu sei que nos contornos da Villa de Cea na Beira Baixa , e em outros lugares
do Minho e no Algarve produz bem a batata, vulgarmente chamada Ingleza , mas he
notavel , que ainda assim naō possaō fazer face ás Estrangeiras , ou sejà por sua quali
dade , ou por que com effeito tal cultura nao corresponde ao desejo, e entao por isso
terá de continuar sempre em ponto muito pequeño , principalmente se por desgraça
nossa deixarem conservar as estradas no máo estado em que se achao.

NOTA 17.

Quem encarar o diminuto preço das batatas na Ilha Terceira , e o comparar com o
de Portugal, julgará achar-se fundado a observar-me se o excedente preço em Portu
gal de 160 a 240 por alqueire muitas vezes nao será sufficiente a convidar a expor
taçao de tal genero , pois que muito dá para os direitos, e favorecer o commercio; po
rem a isso anticipadamente se responde ; que sendo a batata hum genero de facil cor
rupção , especialmente sendo ferida , ou molhada , e sendo as viagens daquellas
Ilhas humas vezes muito mais longas que outras , se corre o grande risco de se
perder huma carregaçao , principalmente pelo tempo em que se deve principiar a
exportar, especulação esta que só se poderá repetir huma e muitas vezes , quando seja
aliviada de direitos ; nao podendo esquecer-me , que quando este genero fosse favore
cido pelo Governo , convinha ser inspeccionado por huma Junta de Agricultura , que
jamais deveria deixar sahir batatas , se naò de Setembro por diante , que he quando
ellas tem chegado ao seu perfeito estado de madureza , que dellas se extrahe excel
lente goma para preparar a roupa de linho , e de que se faz alguma mistura com outras
farinhas para pao. Seria mui proveitoso que estes mesmos cuidados se empregassem
a respeito do trigo , que perde alguma cousa no mercado em Portugal por chegar alli
as mais das vezes alterado com avea , e outras sementes , o que obrigaria os proprie
tarios no acto de o encelleirarem a serem mais escrupulosos , e entao fariaō cumprir á
risca as condições , que sempre pôem aos seus Rendeiros ; porem sempre mal obser
vadas pela relaxaçaò de alguns senhorios , os quaes para que nisso fossem mais
exactos nenhuma vantagem tinhaō quanto á venda na terra para o exportar ,
porque , quer fosse limpo, quer sujo , lhe era pago pelo mesmo preço ; donde nas
cia , que quando chegava a Portugal era muitas vezes mal reputado , perdendo-se
muito por bem pouco em algumas centenas de milhares de alqueires , pelo ridiculo
e tenuissimo aproveitamento de algumas pequenas porções , que o manchao , e isto
alem das sensiveis differenças dos Mestres de navios , que sempre dao quebras humas
( 78 )
muito maiores que outras , como que o alqueire de Portugal seja maior que o nosso "
e que o mesmo trigo se conduzisse sobre volcoens , que seccassem , e nao sobre hum
humido elemento , que mais propriedade tem para o fazer engordar , que entisi
car; a cujo respeito seria de grande importancia que a mesma Junta agronomica
inspeccionasse , e na sua falta os encarregados da administraçao das Alfandegas , por
que só assim melhor se aproveitaria o genero mais importante , e o menos precario
de todas aquellas Ilhas .
NOTA 18 .

Naò ha lavrador que nao conheça a necessidade de mudar de sementes , ou quando


menos de variar as suas especies , e pelo nao poder fazer muitas vezes se arrisca a
grandes perdas em prejuizo tambem do proprietario , e isto por differentes causas ,
que o pouco tempo agora nao permitte expender ; julgando contudo sufficiente a este
respeito transcrever os seguintes versos das Georgicas de Mozinho :

Huma longa experiencia reconhece


Quanto ao cultor nocivo he o desejo
De sempre recolher ao mesmo tempo
O precioso grao da flava Ceres.

NOTA 19 .

Posto que a nova ordem de cousas tenha diminuido segundo me consta , alguns
destes inconvenientes , facilitando commodidades a estes povos e dentre elles
escolhendo juizes , que decidao de seus negocios , nem por isso julgo inuteis estas no
ticias porque , quando menos , algumas dellas podem servir para a historia daquelle
Paiz , entre tanto que vao apparecendo outras cousas carecidas de remedio .
NOTA 20.

Em huma nota pouco he o que se pode dizer desta planta , com tudo eu direi duas
palavras, por onde mostre a veneraçao que os antigos lhe tributárao . Columella dá-lhe
huma preferencia distincta entre todos os alimentos que mais agradao aos animaes :
sed ex iis quæ placent , eximia est herba medica , lib. II , cap . XI ., Ed. cit . Plinio que
nos dá a historia desta planta fixa a epoca da sua introducção em a Grecia , época que
elle olha como muito interessante ; elle parece incansavel em celebrar suas vantagens,
como melhor se pode ver no, lib. XVIII , cap . VI , pag. 398. Ed . cit. Na verdade elle
assegura que huma vez semeada , ella se sustenta mais de trinta annos . Tanta dos ejus
est cum ex uno satis amplius quam tricenis annis duret , liv. XVIII , cap . XVI . Ed. et
pag. cit. E muitos outros como Varrao , Paladio , Hales, e o que coroa a obra , Olivier de
Serres , que em seu estillo energico appellidou a luzerna - La merveille du ménage . --
Com tudo mais adiante se verá a descripção do Onobrychis , que em alguns lugares
nao será de menos importancia comparadas suas vantagens com as da luzerna
( 79 )
NOTA 21 .

Sendo o açucar consid


erado hoje hum genero da primeira necessidade , ser-nos
hia muito conveniente experimentar a cultura da beterraba , donde elle se ex
trahe , e com muita mais facilidade que o da cana , sem ser precizo empregar para
esse fabriço tanta lenha , naõ devendo haver duvida sobre a sua produçcao nas nossas
Ilhas , pois que deve esperar -se haja de corresponder do mesmo modo que quaesquer
outras plantas da mesma natureza , cujas sementes nos tem chegado da Inglaterra ,
Ollanda , e Alemanha , como são as differentes , ortaliças , que muitas vezes alli ha
vem s tido , e de huma grandeza muito excedente ás que tenho por aqui visto , e
mesmo em Portugal .
ParaS se poder calcular se nos será , ou nao proveitosa esta cultura , bastará observar
se que ella nao progride em terrenos fracos , e lançar ao mesmo tempo hum golpe de
vista sobre grandes paizes bem administrados , taes , como a Russia , e Alemanha , e
principalmente neste ultimo aonde a agricultura tem chegado ao maximo estado de
aperfeiçoamento , e que ainda assim mesmo elles tem ha muitos annos preferido
esta cultura a muitas outras assaz vantajosas , achando-se ja hoje independentes deste
genero de fora ; e a França havendo principiádo (ainda que mais tarde) a conhecer estas
vantagens , tem presentemente levado este fabrico a hum ponto extraordinario , e por
falta de tempo he que ainda naò pude chegar a saber quanto açucar se tem aqui fa
bricado nestes ultimos dez annos .
Se eu tivesse podido adquirir este conhecimento , poderia demonstrar facilmente o
progressivo augmento de tal cultura , o que seria mais hum argumento fortissimo para
chamar a attençao do cultivador ; com tudo asseveraò os Francezes que em poucos
annos elles esperaõ estar inteiramente independentes de açucar de fóra , e para se po
der calcular aproximadamente quanto será preciso delle para toda a França ( que em
populaçao anda por 32,000,000 de almas ) , bastará saber-se que tendo a Cidade de
Paris pouco mais de 800,000 almas , consome em açucar cada anno 20,000,000 de
francos , segundo leio no conductor de Paris datado de 1832.
He tambem digno de attençao o uso que se faz das folhas da beterraba para os ani
maes , e que os terrenos aonde se estabelece esta cultura saò sempre os mais proprios
para as terras de pao.
NOTA 22 .

Entre as arvores de construçção naò nos consta que se estabelecesse nenhuma mata
importante antes de Fructuoso Jozé Ribeiro , grande negociante natural de Braga que
para alli foi no meado do seculo 18 , e haverá cousa de 50 e tantos annos que elle plan
tou o grande pinhal da Pateira , o qual prosperou tanto , que em nossos dias temos
visto cortar alguns pinheiros , que podiaō servir para mastros de navios , o que talvez
com 100 annos de idade se nao poderia conseguir em Portugal, e assim abrio caminho a
aplantarem-se outros pinhaes , porem ainda em ponto muito pequeno . Quanto atraza
( 80 )

dos nos achavamos , e quanto tarde principiámos nesta cultura em relaçao com Por
tugal , aonde já a respeito dos pinhaes existentes junto de Leiria se havia dado Regi
mento datado de Fevreiro de 1524 a que depois se seguio a Constituiçao do Reino ;
que tanto incumbe ás Camaras esses cuidados ! Duvido ( e com pezar ) se foi o mesmo
Ribeiro quem plantou a Matella de cedros , mas se nao foi elle que a plantou , teve
pelo menos o merecimento , que nao pode pertencer a alguns vizinhos , por que nao
souberaō guardar as suas pequenas matas , sendo elle só o que levou a effeito o seu
projecto. Com tudo ainda se naò principiáraò alli a tirar dos pinheiros as vantagens
das suas resinas , por que ainda alli * se naò sabe fabricar o alcatraò , nem tao pouco
se conhecem as utilidades da casca da madeira do carvalho , e das suas folhas que
muito proprias sao para o curtume de couros , e de que tanto se a proveitao em
França para os seus atanados .

NOTA 25 .

A este respeito nao posso deixar de fazer huma pequena observaçao , e ainda que
por desgraça a poderia tornar mais sensivel com muitos exemplos , eu aproveitarei al
guns bem proximos a nos , e aos quaes só quem não tiver senso commum deixará de dar
consideraçao , devendo conhecer por meio delles os motivos por que ha muito tempo
se tem hido por agoa abaixo as nossas finanças , e isto por que os pilotos da naô do Es
tado nada sabiao daquelles mares em que nao podiao tomar pé, e por isso se procuravao
salvar sempre com a taboa de salvaçao dos emprestimos , sempre ruinosos ao mesmo
Estado , por que sensivelmente se augmenta o debito , em quanto huma desleixada ar
recadaçao de Fazenda diminue o credito publico . E na verdade , quem se nao lembrarà
de que quando no Erario se clamava por retardados pagamentos , e a que se dava sem
pre a resposta, que aonde naò ha o mesmo Rei perde, fôra nesse mesmo tempo que fu
gio algum ministro levando consigo avultadissimas sommas da chorada decima? Quem
naosaberâ que houve quem offereceo muito mais pelo papel sellado do que elle rendia? E
quem nao terá presente que nesse tempo , e ja de ha muito , se fizeraò por tantas vezes os
ouvidos surdos a alguns depositarios , que de muitos tempos tinhaō em seu poder gran
des sommas , de cuja responsabilidade se queriaò aliviar empregando a esse respeito em
penhos , muitas vezes mallogrados ? E quantos Ministros nao tem morrido sem terem
dado contas de muitos annos da decima? E o que nao sei se he peor , quantos foraò des
pachados para por esse meio se dezempenharem desses alcances da Fasenda Publica ,
authorisando esses defeitos , que muitas vezes degenerárao em vicios ? 'E daqui nas
çeo , poderem-me assegurar dous Ministros de probidade , e intelligencia ( haverá
pouco mais de hum anno ) que desde 1826 ate 1833 excedia muito 600,000,000 reis
o que se devia de decimas somente em Lisboa, e seus contornos. E assim tambem he
do meu tempo, e nao ha muitos annos , hum grande negociante, feito em pouco tempo ,
que tinha arrematado os dizimos de algumas Ilhas , fugir com hum alcance de huns
poucos de annos excedente a mais de 100,000,000 reis . Oh escandalosa arrecadaçao
( 81 )
da Real Fasenda , oh tempo daquelle immortal Ministro ( Marquez de Pombal ) , oh

cegueira , oh tempora , oh mores !

NOTA 24. 7

Esta rica e musgosa planta nasce na superficie das pedras , em cujos effei
tos vulcanicos abunda infinitamente o meu paiz , aonde aos olhos mais prespi
cazes poder-se-hao descobrir perfeitamente identificadas com elles muitas particulas
ferreas , e bem assim outras materias , todas filhas da explosao que as formára , mas
jamais poderá , nem presumir-se , que em seu seio se possa conter humo sufficiente
a nutrir algum ente com taò duradoura vida , inculcando-se á primeira vista taò de
pendente até do mais pequeno sopro do ar que facilmente lhe pode arrebatar os seus
delicados estames , e com elles o terreo e musgoso leito em que se criára ; mas naò
acontece assim ; ella intimamente se abraça com a mãi de que nascêra, e he tal a força
da natureza que a sustenta , que parece por fim hum quasi petrificado ; mas taò flexivel ,
e taò agradavel se torna assim que chega ás maòs de quem sabe aproveitalla , que pou
cos trabalhos com ella se hao mister para produzir a côr tyria , a mais brilhante das
cores .
Talvez esta planta especifica pela sua independencia , e ainda mais pela riqueza
resultante da sua decomposicao , tivesse podido ser levada a hum estado de cultura ,
que muito mais interessasse a sociedade pela sua grandeza , e propagaçaò , se o Natu
ralista tivesse de bem perto espreitado os passos da sua vegetaçao ; mas ja que se nao
tem dado a estes trabalhos , era mister pelo menos , que se tivesse seguido a marcha
economica dos nossos antepassados , ja marcando os lugares em que ella nasce , e ze
lando esses mesmos lugares ; ja fiscalisando ao mesmo tempo , se era colhida na sua
propria sasaò (porque a naõ o ser , naõ só deixa de ficar substituida por sementes deposi
tadas na mesma cama , aonde nascera , mas até lhe faz diminuir muito a sua quali
dade em razao da sua verdura) e já sobre a mistura de algum musgo , que ao mesmo
tempo que lhe arrebata as sementes em si depositadas , lhe diminue tambem o preço no
mercado , para cujo desmerecimento nao he tambem indifferente a alteraçao que lhe
fazem muitas particulas terreas , que consigo leva muitas vezes , ou por ignorancia
ou má fé de quem colhe para a tornar mais pesada , mas de qualquer dos modos
sempre lhe attrahe grande descredito .
Eisaqui os desvelos agronomos de que eu desejava ver occupada huma Junta de
Melhoramento d'Agricultura . Deste modo era olhado com a maior seriedade e interesse
este importante negocio de administraçao publica no tempo das nossas antigas Ca
maras , que até em certas paragens , aonde ella mais produzia , se naò dava lugar a
outras culturas, nem se dava licença para a edificação de casas. Porem ha muito tempo
para cá tudo saò casas, sem se reparar no lugar em que se fazem , nem se tem alicerces
que as sustentem ; tudo saò luzes , sem nem ao menos se dispôr de huma candeinha
II
( 82 )

para se aproveitarem sequer os resultados de antiquissimas experiencias , por que todas


as luzes por quao grandes sejao se tem reputado poucas para favorecerem os seus inte
resses particulares , sabendo cada hum melhor que o Padre Nosso , o que a proposito
disto dizem os Francezes Chacun pour soi. Se pois estas cautelas , e louvavel so
licitude de nossos maiores se tivessem continuado a empregar , quanto maiores naò se
riaò as nossas sobras , e quanto mais rico o patrimonio nacional ? Ainda que me consta
que o Governo actual houve por bem fazer Mercê áquelles povos do uso desta planta ,
sendo livre a todos o poder negocialla , o que antes era defeso , por ser contrato Real ,
nem por isso julgo desnecessario que se tomem medidas a esse respeito , nem só para
a conservação daquelle commercio , como para o seu augmento , e aperfeiçoamento ,
que sao sem duvida os altos fins a que se encaminhou a generosidade do Governo em
favor daquelles mesmos povos : e de se nao tomar nesta consideraçao , poderá resultar
desse abandono o mesmo que aconteceo com o pastel .

NOTA 25 .

Na mesma memoria do General Dantas Pereira encontro a seguinte nota , que muito
deve illustrar a materia sobre pescarias : « Quando hum Portuguez amante da sua
patria , falla em pescarias , nao pode deixar de sentir que na do bacalháo nem ao
menos aquinhoemos , tendo sido nossos maiores os descobridodes da Terra-Nova ,
como se colhe até da muito bem conservada colleçao de mappas hydrograficos ,
feitos em pergaminho pelo nosso piloto Lazaro Luiz , e datados de 1563 ; onde os prin
cipaes pontos das costas daquella Terra tem nomes portuguezes . Accresce que entre os
estrangeiros , actuaes usofructuarios daquella grande pescaria , preponderaó os que
se appellidao nossos protectores com a razaò que tem tornado cada vez mais notavel ;
e sobre tudo isto , nao comendo aquelle peixe , vendem-nos conforme Walton na
pag. 155 da edição portugueza da primeira carta à Grey 300,000 quintaes delle , andando
a sua importancia por 3,000,000 de crusados em cada hum anno ; pois este he o me
dio dos onze decorridos desde 1818 até 129 , constantes do primeiro documento im
presso nas Considerações politicas , e commerciaes do nosso distincto Portuguez Jozé
Accurcio das Neves. Devemos crer que o primeiro Ministro Pombal nao pôde aliviar
nos , ao menos de huma attendivel parte deste enormissimo gravame , a respeito do
qual conviria talvez imitarmos os Hespanhoes ; porem mostrou que reputava muito
attendivel a pescaria nacional , pois assim o provaò a Portaria de 15 de Maio de 1773
a favor dos pescadores da Ericeira que fossem ao Algarve ; os Decretos de 15 de Junho
de 1773 , 17 de Março de 1774 , e 13 de Julho de 1776 , concernentes aos pescadores
algarvios , e o de 7 de Agosto de 1775 relativo aos de Setuval.
Se a mencionada nota he sufficiente em relação com Portugal , todavia me parece
a proposito amplialla mais relativamente ao meu paiz , a respeito do qual infelizmente
ninguem tem fallado em nossos dias , porque o mesmo illustre auctor , que ha poucos
( 83 )

annos escreveo dos Dominios Ultramarinos occupou-se muito pouco dos Aço
res , donde com muita mais facilidade podia receber illustrações em razaò de suas
amizades , e nao só por isso , como pela propria experiencia de quando em meus dias
alli foi Juiz de Fora , Corregedor, e por algum tempo, Membro do Governo Interino :
e em quanto pennas mais aparadas dormem sobre estes negocios taō interessantes , eu
as vou despertando com estes assumptos , lembrando naõ somente o que se depre
hende da sobredita nota , pois que temos a excellente abrotega (congénere da pescada ,
e bacalháo) a cavalla , dourada, bicuda , cherne, a fina garoupa , o delicioso inchareo ,
e o precioso escolar, alem de outras muitas qualidades de peixes que quasi todos os
annos se pescao , em quanto o tempo , e a capacidade dos barcos o permittem ; mas
tambem o atrazamento em que se acha a nossa pesca, é geralmente a navegação en
tre todas as Ilhas.
Esta falta na verdade he muito sensivel em quanto olhada commercialmente, por
que de inverno se tolhem por muitas vezes as correspondencias , nao sendo com tudo
tao grande esse inconveniente , comparado com a sempre chorada perda de muitas
gentes, que quasi todos os annos saò victimas da cubiça dos especuladores , e da neces
sidade que conduz huns e outros a lutar com os mares arriscando vidas , e fazenda , e
tudo isto , pela temeridade de se fazerem aquellas navegações em barcos de boca aberta,
quando na proximidade em que se achao as Ilhas humas das outras , era bem facil a
communicação, e muito menos perigosa, sendo feita em barcos cobertos .
Sao bem conhecidas as vantagens que resultariao desta indicaçao ; primo , por que
deste modo , nem se roubariao tantos braços á agricultura , como acontece para sup
prir os que naufragaò ; secundo, por que seria mais facil dispôr a marinhagem para
o commercio, podendo vir a ser grandes pilotos , como ja n'outro tempo tivemos (entre
os quaes tem hum distincto lugar Manoel Fernandes por que foi o primeiro que
descobrio a derrota de Portugal a Malaca, sem antes desta tocar na India ; o qual teve
depois a honra de conduzir o Real Galeaô S. Martinho em que o Senhor Rei D. Se
bastiao passou á Africa) de que infelizmente hoje apresentamos poucos exemplos , ou
seja pela continuada navegação feita pelo dito modo, em que se tem amiudado os
perigos , e em consequencia afrouxado a inclinaçaò que os Açorianos sempre tiveraō
para navegar ; ou seja tambem pelo pouco vigor , e consideraçao que presentemente se
dá á Carta Regia de 29 de Janeiro de 1515 com a qual o Senhor Rei D. Manoel tanto
animou , e honrou a classe dos Mestres Pilotos ; e tertio finalmente , porque sendo as
sim habilitados na marinha mercante, facilmente se estabelecia nesta hum deposito
para a marinha Real , aonde bem podiaò aproveitar, e assim ficavaò tambem as ou
tras classes poupadas de perder muitos braços, o que muito atraza a industria , e a
agricultura ; eo peor he, que as mais das vezes he pouco o que aproveitao sendo arras
tados para huma vida para que nenhuma inclinaçao tem . E se estas reflexões em ponto
pequeno interessao mais as nossas Ilhas , que a Portugal , quanto mais se interessarao
os nossos Reinos , se em ponto maior se favorecer a pesca , e a navegacao em geral ?
( 84 )

A este respeito deve ver-se a sabia observaçaò na mesma memoria do General Dantas.
a f. 79.
Qualquer ordem do Governo de Sua Magestade prohibindo a sahida de inverno dos
barcos sem coberta , pouparia o sacrificio de tanta gente , que nem sempre prompta
mente se póde supprir, e essa prohibiçaò seria sufficiente para augmentar o numero
dos cahiques em que menos arriscadamente se poderia navegar.
Nao acontece porem que se experimente grande falta de peixe no inverno , por que
ainda que os barcos sejao muito pequenos, se ex . gr. o mar está bravo pelo norte, se
pesca no sul , e reciprocamente ; porem nós naō só podiamos evitar esta pequena
falta, mas antes tornar-nos abundantes, fazendo grandes salgas dos referidos preciosos
peixes, evitando por este modo nao somente a importaçao do bacalhão , que nos ar
rasta muitos contos de reis todos os annos " mas tambem com esses mesmos peixes
podiamos fazer hum pequeno ramo de commercio com Portugal , aonde alguns del
les , apenas sao conhecidos no Museo de Historia Natural , como a garoupa , o in
chareo, e nao sei se entra neste numero , o escolar, que se pode dizer dos peixes o rei ;
e para isto bastava tao somente que seguissemos o exemplo do que por tantas vezes
nos tem ensinado as outras Ilhas , d'onde todos os annos vem fazer pescas no inar da
Terceira, e com maior proveito que nós , por que sendo maiores os seus aparelhos , e
incomparavelmente maiores as suas embarcações , sao precisamente maiores as suas
vantagens , e menos perigosas as suas pescas entao emprehendidas em mares mais altos,
a que nao podem chegar os nossos saveirinhos , nem lanchinhas , se nao em tempos
os mais serenos.
Se a navegação entre aquellas Ilhas estivesse mais facilitada , era impossivel , que
nao tivesse lembrado a pesca das baleias , ficando reservado por incuria nossa esse
aproveitamento aos Americanos Inglezes, que de lá taò longe as vem pescar todos os
annos nos nossos mares , vendendo-nos logo depois o azeite que dellas extrahem , á
troco de refrescos , que nessa occasiao nos compraō.
Se debaixo de qualquer destes pontos de vista póde a navegação dos Açores fazer-se
por hum modo mais proveitoso , nao menos ás mesmas Ilhas, que aos nossos Reinos,
quanto , e quanto mais naò será augmentada entre nós , e quanto facilmente naò at
trahirá o commercio das outras Nações , sendo concluida a grande empresa, apenas
começada, de hum Dique ao pé do Castello de S. Sebastiao na Cidade d'Angra? E quaò
facil seria acabar-se a obra, se o Governo de Sua Magesdade garantisse hum empres
timo correspondente a ella , sendo todos os seus rendimentos obrigados , com princi
pal hypotheca , até que se amortisasse a divida , ainda que a esse respeito á mesmas
Ilhas se imposesse temporariamente algum tributo ?
A obra por quao grande pareça , e mesmo por quaò grande seja , vê-se bem quanto
he possivel , e sendo concluida , ella deve attrahir a maior gloria ao Governo de Sua
Magesdade , e aos nossos Deputados em promover este negocio o maior penhor de re
conhecimento de todas aquellas Ilhas, e de todos os que se poderem poupar ao seu
( 85 )

abrigo de serem abismados , como tantas vezes quasi todos os annos temos presen
ciado.
NOTA 26 .

Hoje he grande o adiantamento em que se acha a transplantaçaò de todas as arvores


e arbustos em alguns paizes do Norte. No meu Paiz ja desde a minha mocidade me
constava que o Doutor Jozé Vieira de Bettencourt tinha sido o primeiro emprehen
dedor em plantar arvores grandes d'espinho, e com successo ; seguio-se depois o com
mendador Lacerda , e outros , e eu por mim proprio encontrei os mesmos resultados .
Confesso porem que tem excitado a minha admiraçao ver o como tem progredido taes
ensaios ; por que todos nós ja achavamos huma vantagem extraordinaria quando em
pregadas todas as fadigas na gemma do inverno , e em dias escolhidos , naò eraò mal
logrados os nossos trabalhos ; mas quanto naô he mais para admirar agora o progresso
que a horticultura tem feito transplantando-se com tao bom successo toda a quali
dade d'arvores , e arbustos por mais adiantada que esteja a sua vegetaçao? Firmado
nestas experiencias Sir. Henry Steuart no Norte da Escocia obrou ha poucos annos
muitos destes prodigios plantando em pouco tempo na força do Verao hum pomar ,
que todo approveitou , quando pelo andamento ordinario de transplantar as arvores
ainda tenras , seria preciso esperar quarenta annos mortaes . Quanto pode e alcança a
coragem , a paciencia , e a habilidade ! Quem melhor quizer instruir-se nesta materia,
pode ver a obra deste mesmo Cultivador intitulada. - Guide du Planteur , ou Essai
sur la meilleure méthode de faire produire aux plantations des effets immédiats par la
transplantation des grands arbres et arbustes . - Entretanto que Miller et Mr. Pontey
julgao como degradadas todas as arvores sobre que se empregaò estas experiencias ,
entendendo que faraò falta ao paiz à que ellas deveriao utilizar e servir de ornato. Que
tanto he o conhecimento que elles tem das difficuldades que se encontraò até que per
feitamente se formem as plantas , e tal he o seu amor patriotico , ainda mesmo que
ellas possaó aproveitar n'outra parte , que nem ainda assim elles julgaò a proposito essa
mudança ! Se este mesmo espirito patriotico tivesse entrado no coraçao de todos os
Governos , nós veriamos as Nações que lhes respeitao em muito melhor estado de
luzes , de conhecimentos , e de prosperidade , e nós diriamos entao que estavamos no
seculo das luzes , por que ellas bem se approveitavao .

NOTA 27 .

Os nossos vinhos , carnes , manteigas , e quejos por serem muito sobrecarregados de


direitos tem deixado de commerciar-se para Portugal , aonde aos Estrangeiros se dá
entrada a estes trcs ultimos generos.
Será facil ver quao prejudicados somos todos nós ; Portugal porque nunca compra
manteiga a menos de 180 a 240 o arratel , podendo-a ter das nossas Ilhas a 120, quando
muito a 140 , quejo pelo mesmo preço ( e muita gente ha em Portugal , que prefere o
quejo de S. Jorge , logo que elle tenha mais de hum anno , ao finissimo quejo Lon
( 86 )

drino ) as carnes salgadas dos Estrangeiros tambem se vendem carissimas , como por
exemplo huma lingoa de vacca por 600 rs. , que muitas vezes nem tres arrateis tem de
peso , em lugar de as poder ter a cruzado , e a carne em proporção ; e quanto a nós he
evidente quanto essa falta de commercio nos terá sido sensivel , porque nem ao menos
aproveitamos os nossos prados naturaes , aonde podiamos criar muito mais gado do
que temos ; donde resulta que apenas conservamos os generos sem os ter augmentado
consideravelmente , podendo ser extraordinario o seu engrandecimento ja pelo nu
mero , e ja pela sua qualidade ; e taes devem ser suas vantagens , quantas podem de
prehender-se de tornar a Naçao independente destes generos de fora : e ainda que por
este modo algum tanto se diminuissem os direitos nas Alfandegas , tudo isso seria so
bejamente compensado , assim pela facilidade do commercio , como pela barateza do
mercado , e muito mais ainda pela conservação do numerario , que por este modo
nunca sahe senaò apparentemente.
Eu transcrevo o Alvará concedido pelo Senhor Rei D. Joao IVº . a requerimento dos
nossos Deputados em 1653 para que se conheçaò pelo seu conthendo as vistas ulte
riores daquelle sabio Governo. Diz o Alvará....
EU EL REY Faço saber aos que este Alvará virem , que havendo respeito ao que
me foi proposto pelos procuradores de Cortes da Cidade de Angra , Ilha Terceira , nas
que celebrei nesta Cidade de Lisboa em vinte e dous de Octubro de seis centos e cin
coenta e tres , pedindo-me no Capitulo nono , que fosse servido ordenar que se nao
prohiba aos moradores daquellas Ilhas mandarem o seu trigo , e vinho a esta dita Ci
dade de Lisboa, porque quem o quizesse navegar para alguma conquista deste Reino ,
o podia comprar nella , e que para o trazerem a esta Corte se lhes nao impedissem
fretarem as embarcaçoens que necessarias forem. E porque sobre a faculdade de se
navegarem'os vinhos , e trigo de que trata o dito Capitulo nao ha prohibição particu
lar com que se impida . Hey por bem que assim se possa fazer , guardando-se o que pelas
Leis , e Regimentos estiver provido . E este Alvará se cumprirá como se nelle con
têm , e valerá posto que seu effeito haja de durar mais de hum anno , sem embargo
da Ordenação do Livro segundo titulo quarenta em contrario . Manoel do Canto o fez
em Lisboa a quinze de Junho de mil e seis centos cincoenta e quatro , e este vai por
duas vias . Jacinto Fagundes Bezevra o fez escrever . - REY.
Esta copia foi extrahida em execuçao do Decreto de treze de Julho de mil oito centos
vinte e quatro , e està conforme o livro vinte e seis da Chancellaria do Senhor Dom
Joao IV0 folhas cento quarenta e quatro . Real Archivo , tres de Setembro de mil oito
centos trinta e dous. O Official Maior Francisco Nunes Franklin .
Eu nao faço applicaçaò d'aquelle tempo quanto aos direitos que pagamos hoje dos
trigos , assim porque os naò julgo excessivos , como por que d'ahi nos nao tem vindo
máos resultados , naò se tendo diminuido a sua cultura , que mesmo somos obrigados
a conservar por ser esta a mais certa , a mais rendosa , è a menos precaria em razao da
sua exportação ; com tudo nao posso deixar de fazer alguma observação a respeito dos
( 87 )
vinhos das Ilhas. Primeiramente deve saber-se que se subentendem por vinhos das
Ilhas , os da Madeira , Pico , e S , Jorge, em cujo numero nao entraō as mais Ilhas , por
que os seus terrenos bem que vulcanicos , lhes nao saò tao proprios quanto ás outras ,
como he bem facil conhecer pela sua posiçao topografica , e mais ainda em razaò da
cultura empregada nelles. Hora o vinho daquellas Ilhas he conhecidamente mais forte
que o de Portugal, exceptuando o do Alto Douro , com o qual elle rivaliza em alcohol ; e
por que será que naquelle Reino nem na mesa dos poderosos se faz ordinariamente uso
do vinho do Porto ? Naò se dirá o que poderia ser attribuido á mesa dos que tem huma
pequena fortuna ; entaò se nao he por falta de meios que deixa de ser usado por aquel
les que o reconhecem como o melhor, e o mais especial entre todos os da mesma côr
conhecidos na Europa inteira , parece dever ser pela qualidade do vinho, isto he , pela sua
grande força alcoholica ; logo dada a mesma razaò a respeito dos das Ilhas , he tam
bem manifesto que elles seriaò em Portugal quasi desusados , nunca entrando nas
mezas senao nos dessires , tempo em que o paladar embotado pelos outros vinhos ape
nas pode fazer destes hum tenuissimo uso . Se isto he certo , como na verdade nin
guem pode duvidar , entao muito he o que tem perdido aquellas Ilhas em naò expor
tarem os seus vinhos pelos muitos direitos que delles se pagaò ; e muito mais he o que
tem perdido a Nacao nos rendimentos das alfandegas , principalmente a de Lisboa ,
nem só dos proprios vinhos , como das mercadorias que as outras nacões levassem a
troco dos mesmos vinhos , o que nao acontecia n'outro tempo em quanto sabiamente
se fazia cumprir o mencionado Alvará , que sem dúvida tendia a facilitar por meio
daquelle genero o commercio em geral com as mais nações , e particularmente com
a nossa , e com as nossas conquistas ; mas por que essa medida economica por
quaò sabia fosse durou pouco tempo , nao he de admirar que d'hahi resultasse o
que hoje experimentamos , vendo-nos precisados pela nossa falta d'industria de dar
consumo ás mercadorias estrangeiras sendo com o oiro , e nao com os nossos generos,
que fazemos face a essas permutações , d'onde provêm o nosso estado de decadencia com
mercial , e exhaurimento de numerario . Em consequencia he evidente que huma tal
importação em Portugal taò longe està de poder prejudicar os seus vinhos, que antes
pela facilidade do commercio, que os nossos deveriao promover , seria hum resultado
necessario tambem importarmos nas nossas Ilhas muito mais vinho tinto de Por
tugal do que com effeito importamos , sendo certo que ordinariamente gostamos
mais daquelle , que do nosso . O mesmo se deve entender com as agoas ardentes , que
em todos os tempos foraō sempre hum ramo especifico de commercio para as nossas
conquistas.

NOTA 28 .

A excellencia ideal que geralmente se tem dado ás laranjas de Portugal sobre as


nossas , pouco ou nada tem influido para se engrandecer esse ramo de cultura no
mesmo Portugal , aonde as laranjeiras sao muito mais pequenas que as nossas , e será
( 88 )
singular encontrar-se huma com proporçao de poder dar quatro , ou sinco mil laran
jas , quando entre nós podemos apresentar immensas com essa capacidade , e isto sem
duvida acontece , nao só por que o clima as naō ajuda tanto , como pelo errado modo
de as cultivarem , desde que principia a sua vegetaçao , achando-se ainda muito
mais atrazados que nós , por que bastamente plantaò , e por que as naõ deixao copar
perfeitamente razao de as nao plantarem em xadres , ou em quiconce , resultando
daqui que se esterelisaò pelas suas raizes , por que estas mais facilmente se encontraò
humas com as outras , sendo em consequencia mais tardios muitos dos seus fructos ,
que nem todos pela mesma causa chegaò a hum perfeito estado de madureza embara
çando-se huns aos outros o goso da influencia do sol ; e se nao he peor que tudo isto,
por que encaraò com indifferença estas plantas ( que tantos cuidados e despesas me
recem a algumas Nações do Norte ) deixando-as carregadas de filhos , que naò podem
nutrir , e assim comendo-se huns aos outros os deixao á descrição carregados de lepra ,
que tal he musgo de que tenho visto cobertas as arvores d'espinho nos contornos de
Lisboa , Barcarena , e aprasivel Cintra , sendo só em Setuval que melhormente as
vi tratadas .
NOTA 29 .

Diz o mesmo Author das Georgicas : « O onobrychis ( sainfoin dos Francezes ; hedy
sarum onobrychis dos botanicos ) he entre as plantas da familia leguminosa adop
tadas para prados artificiaes , a que parece mais util, e de mais extensa applicação para
este fim nas differentes provincias de Portugal .
I". Por que sendo indigena na Europa meridional , e nella originaria das mon
tanhas calcarias, facilmente pode prosperar com a cultura no clima deste Reino .
2º. Porque exigindo as plantas de prado artificial, taes como a luzerna , o trevo , ete. ,
terreno plano , profundo , pouco compacto , e fresco , o onobrychis prospera nas
terras mais seccas , elevadas , pedregosas , e até nas areentas , principalmente se na
composição dellas entra substancia calcaria , a qual se encontra quasi geralmente nos :
terrenos de Portugal.
3º. Por que , o onobrychis , tanto na sementeira como nos amanhos para as suas
colheitas annuaes , exige menos trabalho , e menos adubo do que as ditas plantas ;
he com tudo mui util semeallo em terra profundamente lavrada , e ainda melhor se
nella tem precedido culturas taes como a do milho , batata , etc., cujos amanhos de
videm a terra , e extinguem nella as hervas nocivas ; huma e outra cousa he conve
niente para que no primeiro e segundo anno ganhem vigor as raizes desta planta , as
quaes , em tal caso , profundaò perpendiculamente até dez palmos e mais , de que
provém o vingar a onobrychis nos terrenos ingratos , e aridos , pois que pode pelas
suas raizes procurar em grande profundidade os succos necessarios á vegetaçao.
4°. Porque ainda que a luzerna ou o trevo produzem maior quantidade d'herva ,
a do onobrychis que fornece nos paizes meridionaes tres ou quatro cortes abundan
( 89 )
tes em cada anno ou seja dada em verde , ou em feno, he mais substancial , e conserva
os gados mais vigorosos , e menos expostos ás molestias.
5º. Por que, o onobrychis , que dura em prado de 10 até 15 annos , pela decomposição
das suas abundantes raizes melhora consideravelmente o terreno , para nelle se pra
ticar a cultura das cereaes .
Tanto os Inglezes , como os Francezes tem conhecido as vantagens da cultura desta
planta , e por isso huns e outros , ha annos a esta parte , tem multiplicado os prados
della . He digno de se notar , e de servir d'exemplo o que tém acontecido na parte da
Champagne denominada , pela esterilidade do seu terreno , Champagne pouilleuse ;
esta porção daquella provincia era , ha menos de quarenta annos , o districto mais
miseravel de França ; os seus gados poucos e enfezados , as suas arvores raras e mes
quinhas , e as colheitas das cereaes nunca suppriaò ao sustento annual dos seus entao
infelizes habitantes , os quaes com a introducção dos prados do onobrychis , tem feito
desapparecer o aspecto indigente daquelle paiz , aonde com este meio nelle actual
mente mui generalizado , as terras produzem abundantes colheitas de cereaes , criao
arvores perfeitas , e sustentao gados vigorosos . }}
A consideraçao que os antigos tem dado à luzerna , o sainfoin a tem merecido dos
modernos . Os nossos terrenos os menos succozos pela seccura das suas areas ver
melhas , amarelhas , e esbranquiçadas, e mais alguns outros formados de materias cal
calcarias devem ser ainda mais proprios que os de Portugal para produzir a desejo o
sainfoin , o qual ( se medimos a producçao de todas as mais plantas ) sendo aclimati
sado como a luzerna deve esperar-se haja de produzir os mesmos cortes , que esta , e
mesmo que os nao produzisse em tanta abundancia , elle pode assim mesmo fazer es
timar em muito alguns terrenos , que pouco ou nada valessem antes . Este trevo pode
semear-se em Setembro com o centeio , ou em Março com o trigo , ou avea. Sendo
notavel que elle morre nos terrenos os mais productivos , quando nestes a luzerna se
nutre e vivifica.
M. Tull. fallando com o maior respeito do sainfoin , sustenta que elle fornece tanto
sobre hum arpent de terra mediocre ( geira Franceza ) quando elle he bem cultivado,
como quarenta geiras de prados naturaes. Elle diz , e muitos outros o tem repetido ,
que a sua semente he excellente para os cavallos , e até a mais propria a promover a
geraçao ; mas como tal alimento he muito escandecente , naò se deve dar senaò com
a maior prudencia e moderaçao ; quando o seu feno he o mais salutar de todos os
conhecidos , e sem duvida nesta parte mui superior á luzerna.
Antes de acabar de tratar desta planta julgo do meu dever dizer duas palavras
d'huma especie de sainfoin conhecido debaixo da denominaçao de sulla , ou silla (he
dysarum coronarium) com que os Calabrezes nutrem e engordao os seus cavallos . Em
huma memoria de M. Grimaldi inserida nas da Sociedade Economiea de Berne en
contraō-se detalhes singularissimos sobre esta planta . Ella produz em todos os solos
elevando-se algumas vezes á altura d'hum homem ; semeia-se depois da colheita do
12
7

( 90 )
trigo sobre o restolho , que se queima sem que lhe seja precisa outra preparaçaò ; al
guns mezes se demora na terra sem germinar ; cresce depois lentamente até á prima
vera ; que he quando de todo se eleva sobre os campos , sendo de tudo o mais ad
miravel, que feita a colheita da sulla , trabalha-se a terra semeando-se de trigo , e este
vem mais bello que n'outros campos, que nao tem sido cultivados com esta planta ;
a sulla nao parece existir entre o trigo , mas quando elle tem crescido , e se queima
o restolho , ve-se apparecer, e cobrir o campo, como a primeira vez , e assim depois todos
os dous annos , sem que haja necessidade de a ressemear durante mais de 40 annos.
Todos os animaes gostao , segundo dizem , desta planta que prodigiosamente os
engorda, a qual ha muitos annos he conhecida na Italia ; porem em França tendo-se
experimentado a sua cultura nos arredores de Paris , diz-nos M. Gilbert que ella tem sido
destruida pelo gelo ; quanto bem se teria naturalizado sendo cultivada nos departa
mentos os mais meridionaes , e sem duvida por isso nos nossos deve produzir quanto
pode desejar se.

NOTA 30 .

Cahe-me a proposito tocar de passagem sobre a minha conducta politica , para que
se vejaò os fundamentos que tive em fazer nesta memoria huma pequena observaçao
sobre o andamento do Governo na minha Patria a meu respeito. Todos sabem 1º que
por ordem daquello Governo me foi intimado em 30 de de Dezembro de 1828 que eu

devia sahir deportado para Inglaterra , por espaço de 6 mezes , em virtude dos acon
tecimentos politicos , que tiveraò lugar na Ilha Terceira em 18 de Maio de mesmo
anno, sendo obrigado na mesma occasiaò a assignar um termo de nao hir para Portu
gal durante aquelle tempo , ou para qualquer das Ilhas pertencentes áquella Provin
cia , sob pena de perder todos os meus bens , salvo no caso de antes me achar perdoado

pela Mesma Augusta Senhora ; 2º que antes de assignar esse termo fora sequestrada a
minha casa em 24 do mesmo Dezembro , ainda antes de me ser intimada essa depor
taçao , ou mesmo qualquer outra declaração judicial , e por consequencia muito anti
cipadamente ao merecimiento da pena que se me tinha comminado ; 3° que em 9 de
Janeiro seguinte se verificou a deportação ; 4º que em Março de 1832 pela chegada do
Senhor D. Pedro ás Ilhas he que S. Magestade houve por bem por S. R. Mercè am
nistiar, em nome da Rainha a Senhora D. Maria IIª todos aquelles que em virtude de
taes occorrencias se achavao pronunciados por huma devassa ; 5° que desde logo todo
aquelle a quem fosse facil ter esse conhecimento poderia hir tomar posse dos seus
bens , e se o nao fizesse por algum motivo legitimo , tendo lá seu Procurador , seria
quanto bastasse para a sustentaçao do seu direito , huma vez que a amnistia lho
nao impedisse ; e 6º finalmente que em Agosto de 1833 chegando o Senhor D. Pedro
a Portugal em continente amnistiou todos os que depossessem as armas em que tives
sem pegado contra o Governo da Mesma Augusta Senhora. E por que eu nunca
tinha pegado em armas contra este Governo , nem ainda pelos acontecimentos de
( 91 )
18 de Maio de 1828 , nem pelos de 22 de Junho do mesmo anno , nem até ao presente,
havendo taobem escapado de depôr , ou julgar da vida e fazenda dos Constitucionaes,
em consequencia naò duvidei assim que me achei melhor ( havendo estado em Cintra
por espaço de seis mezes a restabelecer-me de sezões que por duas vezes fortemente
me haviao atacado no intervallo de 7 para 8 mezes ) recolher-me a Lisboa em 18 de
Outubro , apresentando-me logo á Authoridade civil ( Corregedor Aguilar ) que vendo
o meu Passaporte de Cintra , e a facilidade com que eu me apresentava , naò duvidou
tambem abonar-me para com a Policia para alli poder tirar meu Passaporte para In
glaterra , ou França , e com elle chegando a este Reino logo me apresentei ao Consul
Geral Daupias , que entaò estava encarregado dos negocios de Portugal ; e depois
disso escrevi para a minha casa , recommendando que promovessem a restituiçaò dos
meus bens , do mesmo modo que o fizessem os outros que se achavao nas mesmas circuns
tancias . Para o conseguir mais promptamente, remetti hum certificado da minha apre
sentaçao, passado pelo Consul , e esse certificado chegou em Fevreiro seguinte , e sendo
apresentado he para admirar ( segundo noticias tenho até 19 de Agosto ) que me fosse
negada folha corrida , justamente facilitada a outros que se achavao nas mesmissimas
circunstancias , e que por isso adiantarao os seus negocios achando-se ja ha tempos na
posse dos seus bens , e eu espoliado dos meus desde 24 de Dezembro de 1828. E final
mente tendo lido o Tratado da quadrupla alliança , e sabendo que esse Tratado foi
ratificado pelo S. D. Pedro em nome da Rainha a S. D. Maria IIª e tendo em
consequencia a esperar huma amnistia completa e geral ( de que eu nao precisava ,
nem da antecedente ) , se com tudo ainda prevalecer o arbitrio , eu hirei respeito
samente dirigir minhas supplicas ás Cortes , eu hirei aos pés do Throno , e eu cla
marei justiça , menos pelos meus interesses , que pelos funestos resultados d'huma taō
escandalosa postergaçao de Lei ; com tudo tenho ainda bem presente , sem me poder
esquecer, o ataque que em dia claro nas antevesporas da minha sahida me fizeraō dous
assassinos na calçada nova do Carmo procurando votar-me á execraçao publiea, de que
me salvei com maó logro de suas pessimas intenções , e receando que destes terriveis
ensaios se seguissem muitos assassinatos sobresaindo ás ordens do Governo , como teve
depois de acontecer por muitas vezes , e me consta ainda haver repetiçaõ desses horrores
em Lisboa , e que naò seria sufficiente escudo para meu socego e conservaçaò a regu
laridade que sempre tenho tido em minha conducta ; conhecendo ao mesmo tempo
que o homem nasce con direitos inalianaveis e emprescriptiveis como saò a conser
vaçao da sua honra , da sua vida , e da sua propriedade , assim como tambem o liber
dade de suas opiniões , quando estas naò affectaō a ordem publica , vendo todos estes
preciosos bens arriscados a ponto de se perderem totalmente , mais precipitada fiz a
minha sahida para França . Eisaqui os motivos que deraò lugar a eu dizer , que vol
tarei á minha Patria quando huma Lei der garantias , e marcar deveres , e quando a
propriedade e a liberdade individual forem respeitadas , e eu queria dizer nisto , que
esperava, e espero ainda que todos, e particularmente os executores das Leis , sejao
( 92 )

responsaveis pelos seus excessos , ou omissões , e em quanto o nao forem , naò se guar
dara a ordem publica , nem se poderá dizer que está extincto o arbitrario , maximo
fim a que se deve encaminhar hum Governo Constitucional .

NOTA 31.

Estas despezas de conducçao seriaò muito mais baratas , e talvez na differença de


trinta a quarenta por cento menos , se as nossas estradas estivessem em melhor estado.
Em Portugal nos arredores de Lisboa , e em Setuval conduzem as caixas de fruta em
carros em numero de mais de vinte cada hum ; por este modo poupaō-se sete ou oito
homens , que tantos seriaò necessarios a fazer conduzir em bestas hum tal numero ; e
o que he mais que tudo , ganha- se o tempo , sempre precioso , podendo-se fazer n'hum
dia o que nem sempre se faz em sete ou oito , e isto por que as estradas naquelles lu
gares sao melhores que as nossas ; porem assim mesmo quando encaro estas por onde
passo todos os dias , quando vejo conduzir por carros trastes os mais delicados , e o
que ainda he mais , louças , e vidros, e que observando suas oscillações , vejo que nao dao
receios de prejuiso , entao reconheço as de Portugal muito inferiores a estas , nao
devendo admirar que do Havre de Graça a Paris , que sao sincoenta legoas , eu
gastasse menos de vinte e quatro horas em curso ordinario .

NOTA 32.

Foi-me necessario fazer manifesta a causa da mudança de moeda na Ilha Terceira


para tornar acreditavel a minha asserção sobre as suas differenças , em quanto compa
rada a nossa moeda com a deste Reino e a de Portugal , tanto mais o julguei preciso ,
depois que vi huma Geografia escripta em 1816 por hum Francez , alias sabio e de
grande respeito , mas que fallando nas nossas Ilhas , diz cousas absurdas , como que
escrevesse no principio do seculo 18 , taes como reduzir a sua população a oitenta mil
almas , quando hoje he muito excedente a duzentas mil , e muitas cousas á proporçao
disto , o que nao admira tanto na qualidade d'estrangeiro , quanto na verdade me dei
por escandalisado d'encontrar erros desta natureza em dous folhetos escriptos por dous
Portuguezes ha menos de dous annos . Alem de que , quem soubesse qual era a moeda
que corria em todas as mais Ilhas entenderia que na Terceira deveria ser a mesma " e
se nao acreditasse a minha noticia a este respeito , poderia pela sua supposta falsidade
regular todas as mais noticias pelo mesmo modo , e eu perdendo o meu tempo , deixava
de fazer hum serviço á minha Patria , motivo principal que me abalou a pegar na
penna. Hora quando o Governo julgou necessaria aquella medida por falta de numera
rio , agora que as cousas tomarao outra marcha , he impossivel que quanto antes senaó
dem outras providencias , principalmente sendo negocio promovido efficazmente pelos
nossos Mandatarios , talvez devendo ser reputado em primeiro lugar que qualquer ou
tro , por que he evidente a todas as luzes quanto a conservaçaò de huma tal moeda
he repugnante á Naçao , e particularmente á Terceira , que até por esse principio tem
( 93 )
paralisado o seu commercio com as mais Ilhas , e no interior do paiz soffre a proprie
dade , por que se naò vende , podendo melhorar-se muitas vezes em melhores maos ;
soffre o proprietario por que a troco de tao grande sacrificio deixa de servir-se , ou deixa
de ganhar ; estagna-se o giro ; e mirrando-se por este modo o commercio , e a agricultura ,
caminharia a Terceira a hum estado muito mais decadente , e muito mais deploravel
do que o tenho descripto , se nao se achasse este negocio a cargo das Cortes , e do Go
verno , que n'huma pennada o podem fazer mudar de face.

NOTA 35 .

Quando escrevi esta pequena memoria ( que he tal e qual só com a differença das
notas e de ser entao na lingoa Franceza ) eu nao podia prever o recente Decreto ,
que tanto facilita a importaçaò das mercadorias estrangeiras pela igualdade dos direi
tos impostos nellas ; e em consequencia muito mais facil se torna a permutaçao dos seus
mesmos effeitos com os nossos , e particulamente com esta Naçaò , que tanto adiantada
se acha em todos os ramos d'industria.
CORREÇÕES .

Paginas. Linhas . LeAse. Leia-se.

5 24 enobrecer ennobrecer.
7 19 Jezu Jezus.
15 7 deesjos desejos .
བབ་

24 5 en em .
27 26 esreverá escreverá .
37 34 sus seus.
44 I soboreáraō saboreáraō.
57 13 antecipada anticipida .
59 6 Ingleses Inglezes.
8238

66 I duodicima duodecima.
1 -

Idem 30 porfissao profissaō .


68 21 de pois depois.
72 19 a sociedade á sociedade.
3

73 principiariao principiáraō.
76 30 eus seus.
4843

77 14 dessires desséres.
Idem 18 Nacao Naçao.
Idem 19 Nacoes Nações .
88 13 cairegados carregados .
1
1
24
C

Österreichische Nationalbibliothek

+Z155381305
W
S
S

Us

SOC

த ee
J

is
a
s

n
8

A

8



2
0
0
0

36


1921

Você também pode gostar