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A monogamia pode ser revolucionária

Renato Noguera

A proposta desse artigo é analisar a afirmação, “a monogamia pode ser


vivenciada como um modelo de conjugalidade profundamente revolucionário, porque
permite a construção de um relacionamento genuíno e afetivamente nutritivo para as
duas pessoas envolvidas”. Pois bem, não podemos avançar em defender esta hipótese
de que a monogamia pode ser revolucionária sem um breve elenco de algumas críticas
bem consistentes ao sistema mononormativo. De acordo com os estudos de Marianne
Pieper e Robin Bauer1, mononormatividade indica que o relacionamento afetivo-sexual
padrão, socialmente estabelecido como norma é compulsoriamente monogâmico. Ou
seja, o modelo por excelência da conjugalidade é explicitamente reforçado como sendo
monogâmico por todas as instâncias sociais, o que vem junto com perspectivas
heteronormativa vinculada ao imaginário do amor romântico, isto é, um experiência
emocional que reúne ternura, admiração e funciona como maneira de realizar um tipo de
fusão entre duas pessoas, protegendo o casal da solidão. Em certa medida, a monogamia
pressupõe o amor romântico, patriarcado, heternormatividade e a instituição da
propriedade privada. Desse modo, a mononormatividade projetaria uma fantasia em que
as necessidades eróticas do casal são todas satisfeitas pela pessoa amada num encontro
heterossexual em que matrimônio se articula com patrimônio e legado para
descendentes. Em 1990, Morning Glory Zell-Ravenheart inclui o termo “poliamor” no
glossário de terminologia relacional da Igreja de Todos os Mundos, uma organização
neopagã. Christian Klesse tem estudos relevantes sobre o poliamor. De modo mais
geral, poliamoristas defendem que sentimentos e desejos por várias pessoas devem ser
admitidos, divergindo da ideia de que normas sociais devem determinar o que podemos
sentir. Daí, em relacionamentos poliamoristas, os arranjos podem ser feitos sem
obedecer às regras sociais do casamento como um contrato jurídico de fidelidade
pautado no amor romântico heternormativo.

1
PIEPER, Marianne. Mono-normativity, poly-desire and consensual non-monogamous relationship. In: INTERNATIONAL ACADEMIC
POLYAMORY CONFERENCE, 2013, Berkeley. Abstract. 2013. Disponível em:
<https://sites.google.com/site/iapc2013homepage/presenters/marianne-pieper-ph-d>. Acesso em: 15 dez. 2019.

PIEPER, Marianne; BAUER, Robin. Mono-normativity and polyamory. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON POLYAMORY & MONO-
NORMATIVITY, Hamburgo, 2005. Abstracts & Introducing the Speakers. Hamburgo: University of Hamburg, 2005. Disponível em:
<https://www.polyamory.ch/doc/_media/treffen:hamburg_november_2005:abstracts_polyamory.pdf >. Acesso em: 6 jan. 2020.
Não temos dúvidas, diversos estudos apresentam as representações da
monogamia como heteronormativas, excluindo Lésbicas, LGBTI + (acrônimo de
lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis, intersexuais, queer e outras
orientações sexuais, identidades e expressões de gênero). Afinal, os pares românticos
da indústria cultural são cisgêneros e heteronormativos.

Klesse, C. (2011). Notions of Love in Polyamory - Elements in a Discourse on Multiple Loving. Laboratorium, 3(2), 4-25. [ Links ]

Klesse, C. (2014). Polyamory: Intimate, practice, identity or sexual orientation? Sexualities, 17(1/2), 81-99 

o seu trabalho e de

A mononormatividade, modelo Pois bem, vale a pena começar com algumas


críticas bastante consistentes à monogamia e, por sua vez, um modelo “implícito”
heteronormativo, cisgênero e ancorado no patriarcado branco da cultura ocidental.

A expressão “mononormatividade” ainda é pouco frequente nos textos jurídico-científicos da língua portuguesa do Brasil, sendo
mais comum no idioma inglês (“mononormativity” ou “mono-normativity”), certamente porque a discussão sobre o seu significado e
conteúdo está mais amadurecida em países como Estados Unidos, Austrália e no Reino Unido, embora tenha sido creditada a dois
pesquisadores da Universidade de Hamburgo, na Alemanha, Pieper e Bauer, que passaram a utilizá-la para explicar a matriz normativa do
modelo hegemônico monogâmico de relacionamentos íntimos, a interação complexa de discursos, normas jurídicas, relações de poder e

PIEPER;
formas de subjetividade decorrente da constatação de que a monogamia parece ser a norma onipresente da conjugalidade (

BAUER, 2005 PIEPER, 2013


;  ). A palavra mononormatividade, destarte, adequa-se ao propósito deste artigo por espelhar o paradigma

monogâmico vigente nas sociedades ocidentais, qual seja, a monogamia enquanto imposição compulsória

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