Introdução
Disciplina e racismo
Biopoder e racismo
Michael Hardt acertou em cheio, Deleuze disse muito pouco sobre a sociedade
de controle, “o artigo mal passa de cinco páginas. Ele diz muito poucas coisas concretas
sobre a sociedade de controle” (HARDT, 2000, p.357). Além deste texto curto Post-
Scriptum sobre as sociedades de controle, Deleuze fez uma conferência em 1987
publicada em Deux Régimes de Fous – textes et entrétiens 1975-1995 (2003), e, uma
entrevista dele com Foucault realizada em 1972 que pode ser encontrada português em
três títulos diferentes: Microfísica do poder (1984), Ditos e escritos Volume IV (2003) e
a Ilha deserta (2006). Nos três casos a tese defendida pelo filósofo francês trata de uma
passagem, a sociedade disciplinar se transformando em sociedade de controle. Para
Hardt, o “que Deleuze propõe é, de fato, uma simples imagem dessa passagem, (...) bela
(...) mas, não suficientemente articulada para nos permitir compreender essa nova forma
de sociedade” (Idem, p.357-358). Num texto de 15 páginas intitulado A sociedade
mundial de controle, Hardt escreveu cinco páginas e meia com o subtítulo de Racismo
Imperial, nesse item que foi o alvo do filósofo inglês converge com o nosso principal
interesse: o racismo contemporâneo que atravessa e constitui as sociedades de controle.
Nosso objetivo é tratar do que Foucault, Deleuze e Hardt falam de modo mais
econômico e sem dar os tons negros que pretendemos aqui.
e Hardt entra numa questão que integra esse processo de alvorecer do controle
e entardecer da disciplina. Hardt numa leitura de Deleuze se atém à passagem do
racismo moderno para o racismo imperial.
O ensaísta Carlos Moore (2008) nos brinda com uma interpretação de que o
racismo só tem como base o fenótipo. Em outros termos, a aparência determina o
racismo. Não se trata de uma essência escrita nos genes ou de um padrão cultural e
histórico que se mantém constante, seja por meio de práticas ou por meio de uma
epistemologia negra ou africana. A raiz do problema precisa ser deslocada.
O antirracismo moderno se construiu a partir de uma ideia simples, não existem raças. A
espécie humana não pode ser definida e analisada a partir do conceito de raça. Ora, o
pressuposto do antirracismo moderno pode ser descrito num silogismo: o racismo existe
porque se supõe que a humanidade pode ser dividida em raças; se, do ponto de vista
biológico, raças não existem, o racismo é impossível. Mas, Hardt traz um raciocínio que
pode, à primeira vista, soar inusitado: o antirracismo moderno diz a mesma coisa que o
racismo contemporâneo.
Para Hardt, tal como para Deleuze e Guattari, não se trata mais de excluir; mas,
de uma inclusão diferencial. Em Mil platôs essa perspectiva fica bastante nítida, “o
racismo procede por determinação das distâncias de desvio em função do rosto homem
branco que pretende integrar em ondas cada vez mais excêntricas e retardadas”
(DELEUZE, GUATTARI, 1980, p.218). O que está em jogo é a inclusão diferencial,
todos são integrados conforme graus de aproximação ou afastamento da brancura, da
cultura ocidental, do modelo civilizatório do consumo.
No caso do Brasil, essa raça diz respeito especialmente às negras/aos negros, o que
inclui as(os) pobres ainda que o inverso não funcione da mesma forma. Isso não quer
dizer que todos os pobres são negros; tampouco que todos os negros são pobres. Mas,
tão somente que o signo “negro” assumiu um sentido em relação ao signo “branco” que
fez do primeiro o outro incluso preferencial. Para Hardt, é importante frisar e não custa
reiterar que para o império as diferenças raciais não são de natureza, “mas sempre como
diferença de grau; ele jamais as coloca como necessárias, mas sempre como acidentais”
(HARDT, 2000, p. 3666). No jogo dos acidentes, os passaportes para livre circulação se
encontram na raça – entendida como pertencimento histórico e cultural. No Brasil,
como em qualquer sociedade imperial, os pequenos conflitos têm se ampliado
vertiginosamente, não se trata mais das grandes polarizações. “As contradições na
sociedade imperial, são múltiplas, e proliferam em todos os lugares” (Idem, p. 371).
Ora, as situações do racismo imperial emergem em diferentes clivagens. Às vezes, o
problema é a má recepção de jovens negros em shoppings de classe média alta e da
elite. O racismo imperial tipifica e seleciona de modos diretos e indiretos os que
pertencem à rostidade chamada por Deleuze e Guattari de rosto do homem branco.
Por outro lado, os paladinos da integridade moral têm se arvorado o direito de falar pelo
outro diferencialmente incluído, isto é, apostam mundos e fundos na representação
política. Nenhuma das duas perspectivas supera o racismo ou coloca em xeque os
mecanismos do controle.