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Capítulo 7

A
CIDADE
DE
NAZARÉ

A cidadezinha de Nazaré, onde o Menino passou os primeiros


tempos de sua infância, ficava situada em um vale fértil e belo e tinha
uma população de mais ou menos 5.000 habitantes.
Era um aglomerado de casinhas baixas, na maior parte
encravadas nas encostas dos morros, para dentro dos quais ficavam os
cômodos interiores. Casas rústicas, mal ventiladas, escuras, porém
frescas no verão e bem protegidas no inverno.
Era rodeada de olivais e vinhedos, que desciam das encostas
formando degraus. Pouso obrigatório de caravanas que vinham de
Damasco ou de Jerusalém e, por isso mesmo, lugar mal freqüentado e
de má fama. Possuía vários poços de água e albergues para caravaneiros
e floresciam ali as tendas de ferreiros, carpinteiros e outros artífices que
trabalhavam para atender às necessidades das caravanas.
Nazaré ficava bem no centro da Galileia que, por sua vez, era
região desprezada pelos judeus, por ser habitada por homens
rústicos, pouco fiéis às leis e aos ritos judaicos. Por isso os judeus
diziam deles: "esse povo sentado nas trevas e nas sombras da
morte..."
Realmente gente de sangue impuro, mistura de sírios, fenícios,
babilônios e gregos e, quando o nome de Jesus começou a ser citado
como rabi poderoso, os judeus escarneciam, dizendo e

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O REDENTOR

cuspindo de lado: "Não sairá profeta da Galileia". E quando


verificaram que ele era de Nazaré, então exclamavam perguntando:
"Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?". E muito mais tarde, após
o batismo simbólico de Jesus, ao organizar-se o quadro de
discípulos, convidaram a Natanael, de Caná, a segui-lo, e este repetiu
o mesmo refrão, duvidando: "Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?'".
Seus habitantes, sobretudo os mais pobres, usavam uma túnica
de estamenha, amarrada à cintura por um cadarço de linho; andavam
descalços ou com uma sola de madeira presa aos pés.
Nazaré não ficava propriamente na estrada de caravanas, mas
a uma pequena distância desta; a estrada principal passava por
Séforis a capital da província, cidade importante, a meio dia de
jumento de Nazaré e onde havia escolas, academias e inúmeras
sinagogas, cujos letrados estavam sempre ao corrente das emendas
e alterações que, em Jerusalém, se faziam nos textos, pelas
academias maiores dirigidas por Hillel, por Schamai e Nicodemo.
Em toda a Palestina a sociedade era dividida em homens
"puros e impuros": cultos, de genealogia pura, cumpridores exatos
da Lei, denominados chaverins; e incultos, rústicos, homens da terra,
de genealogia obscura, confusa, misturada a raças impuras,
denominados amharets.
Na Galileia predominavam os homens da terra, os impuros, mas
era ela a região mais bela da Palestina.
Até a fala dos galileus era diferente e tida como bárbara. Tão
diferente que Simão Pedro, no pátio de Hanan. à beira do fogo, naquela
noite fria e triste em que o Mestre estava sendo julgado, tentou negar
ser seu discípulo, quando interpelado por uma mulher do serviço da
casa, mas foi por ela imediatamente desmascarado quando ela disse:
"Tu és também dessa gente, pois te reconheço pela fala".
Na cidadezinha todos se dedicavam ao trabalho, sol a sol. pois
eram pobres, quase que sem exceção. Aliás, todo israelita que se
prezava aprendia um ofício. Havia um refrão dizendo: "aquele

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Edgard Armand

que não ensina um ofício a seu filho prepara-o para salteador de


estrada".
Paulo de Tarso, por exemplo, era tecelão; Nicodemo era
barbeiro; Judas, oleiro; José, carpinteiro e o próprio Jesus, após a
morte de seu pai, que se deu no ano 23, concorreu à manutenção da
família, trabalhando no mesmo ofício, quando seus irmãos afins
também já se haviam casado.

INFÂNCIA E JUVENTUDE DO MESSIAS


Desde que seus pais voltaram a Nazaré, vindos do exílio
demorado, o Menino começou a freqüentar a sinagoga local,
acompanhando a família aos sábados, para aprender a orar segundo
os ritos e se instruir na Tora; porém, logo depois, suas
extraordinárias qualidades puseram-no em franca evidência, não só
perante os mestres como perante os colegas, criando-lhe
hostilidades de muitas espécies; e isso obrigou seus pais a
providenciarem sua instrução primária na própria residência, com
auxílio do hazan da sinagoga local.
Ele era realmente diferente das demais crianças e não as
acompanhava em suas diversões e correrias; possuía uma inteligência
fora do comum e uma seriedade que constrangia e irritava a todos.
O Templo local era uma vasta sala rústica, com duas ordens
laterais de colunas, com tabiques de madeira, separando os homens
das mulheres; aos lados havia bancos e, ao fundo, um estrado
elevado, contendo um armário para guardar os rolos das escrituras
e os símbolos judaicos, que eram três, a saber: a miniatura da arca
da Tora; o cacho de uvas e o candelabro de sete braços; uma mesinha
de pernas altas, com estante, para facilitar a leitura dos rolos, e, à
frente do estrado, vários assentos especiais para as pessoas mais
importantes do lugar, que permaneciam com a frente voltada para a
assistência. Eram os chamados "primeiros lugares" aos quais Jesus se
referiu em uma de suas parábolas.

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OREDENTOR

Logo abaixo existia uma cadeira de pedra chamada "o trono de


Moisés", onde se colocava o hazan, rodeado dos sete conselheiros
letrados, que usavam túnica ritual preta. Depois do púlpito ficava o
povo, sentado em pequenos bancos rústicos, agrupados segundo as
profissões e condições de "pureza e impureza".
Na hierarquia profissional eram consideradas profissões mais
elevadas e dignas: as de ourives, fabricantes de sandálias, roupas e
paramentos; e inferiores: as de tecelão, curtidor, tosquiador, vendedor
de ungüentos e perfumes, estes dois últimos considerados de má fama,
por lidarem mais particularmente com mulheres.
Mais afastados ficavam os sem profissão, os mendigos e, ainda
mais longe, os almocreves, os que recolhiam as sobras das colheitas e,
por último, os sitiantes, que não cumpriam os ritos da Tora; os gentios
e nativos edomitas e moabitas, estes últimos presentes somente para
ouvir os textos que lhes eram, ao fim, repetidos em aramaico, língua
usada também na Síria oriental.

Naquele tempo o que mais preocupava a todos os Espíritos era a


vinda iminente do Messias nacional e, às crianças, se ensinavam
profecias evocativas, lendo versículo por versículo e decorando todos
eles, para repetir quando interrogadas.
Quando Jesus ia ao Templo local, nas cerimônias públicas do
culto, seu Espírito costumava, às vezes, exteriorizar-se, e,
imprevistamente, intervinha, de um ou de outro modo, esclarecendo os
ouvintes, como se fosse uma autoridade sapiente.
Numa das primeiras vezes em que lá esteve, interrompeu o hazan 1

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para corrigir uma interpretação do texto lido, referente ao

Sacerdote ou funcionário da administração dos serviços do Templ o e de suas relaçõe s


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públicas.

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Edgard Armond

profeta Samuel e isso, como era natural, pela sua pouca idade e
atrevimento, causou escândalo.
Depois que passou a estudar em casa e já se desenvolvera
bastante, ajudava seus pais nos trabalhos domésticos, na cultura do
horto e no apascentamento do pequeno rebanho da família e, nesses
trabalhos, aprendeu os hábitos e os costumes do povo local. De
outra parte interrogava os dirigentes e membros das caravanas, para
obter conhecimentos sobre países estrangeiros, seus costumes,
religiões, etc. e tudo isso concorreu bastante para que pudesse
idealizar mais tarde suas maravilhosas parábolas e alegorias.
O Evangelho está repleto de narrativas sobre curas e
"milagres" efetuados por Jesus. Na realidade isso vinha acontecendo
desde seus primeiros dias e aconteceria até os momentos trágicos do
Gólgota.
Desde criança, o Divino Enviado, muitas vezes só com sua
presença, operava curas e fenômenos incomuns e, à medida que seus
poderes psíquicos foram se exteriorizando com o crescimento, maiores
e mais numerosas eram as circunstâncias em que tais fatos sucediam,
enchendo de assombro e respeito a todos quantos os presenciavam.
Ao deparar com o sofrimento humano em qualquer de suas
formas, o Divino Mestre sentia-se tomado de compaixão e fluidos
magnéticos irradiavam dele em grandes ondas.
Como Espírito de elevadíssima condição (pois era um serafim do
Sétimo Céu de Amadores), já integrado na unidade da Criação Divina,
Espírito da Esfera Crística, padecia com o sofrimento dos homens e nem
sempre podia esconder as próprias lágrimas.
A aproximação de sofredores e malfeitores seu coração
sangrava e não sossegava enquanto não beneficiasse a todos eles. E,
com o passar do tempo, essa sensibilidade extraordinária,
realmente divina, aumentou de tal forma que, muitas vezes (como
acontecia no período das pregações), o levava ao esgotamento
físico, sendo obrigado a afastar-se para refazer-se, porque estava

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O Redentor

atuando em um corpo de carne, sujeito às fraquezas próprias do plano


denso em que vivemos.
Desde quando adolescente, em Nazaré, com auxílio do hazan
local, assistia e socorria necessitados, inclusive escravos e
perseguidos. 15

"Se tens amor ao teu próximo", dizia Jesus, "sentirás em ti


mesmo suas dores e alegrias e, quando doente, poderás curá-lo de seus
males".
"O sofrimento", afirmava, "é a fonte do amor; as dores são
cordas que nos atam ao Pai do Céu". "Bem-aventurados", acrescentava,
"os que sofrem miséria e doença, porque pagam nesta vida suas dívidas
e grandes alegrias preparam para si mesmos na vida eterna".
Aos doentes, muitas vezes, quando era jovem, perguntava:
"Acreditas que sou capaz de curar-te?". Se a resposta era afirmativa,
respondia: "Pois então estás curado, porque a fé é uma força poderosa".
Ou então: "Crês sinceramente na misericórdia de nosso Pai Celeste?".
Se a resposta era afirmativa, dizia logo: "Então, na certa que te curarás,
porque a bondade de Deus é infinita".
E sempre rematava esses curtos diálogos pedindo a Deus,
fervorosamente, pela cura do doente.

' ' P e l a legislação de então, o escravo fugido que se abrigasse em uma ca s a , nã


o devia ser devolvido ao d o n o , mas sim aceito e p rot e gi do. Apó s sete ano s
de serviço, o escrav o podia pedir sua l i b e rd a de , que lhe era dada mediante
documento escrito, que as autoridades tinham o dever de fornecer.

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