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O REDENTOR

Capítulo 14

COSTUMES
DA
ÉPOCA

Todos os pátios do grande Templo sempre regurgitavam de gente


e, no meio da turba, circulavam os sacerdotes menores, vestidos de
branco, os levitas e demais auxiliares do Templo, descalços,
silenciosos, e atentos à rigorosa disciplina a que estavam sujeitos.
As horas da noite eram cantadas por sacerdotes especiais que,
para cada uma, entoavam melodia diferente e a guarda se revezava
rigorosamente nos períodos determinados.
Havia três categorias de sacerdotes com atribuições especiais: o
sumo-sacerdote, os sacerdotes de graus maiores e os sacerdotes
menores, encarregados, mais especialmente, dos serviços internos, que
se subordinavam diretamente ao sgan (diretor) do Templo.
Além disso havia ainda os trombeteiros, os supervisores do
serviço interno, os acendedores de lâmpadas, as tecedeiras, os
sacrificadores, os fiscais dos sacrifícios, os inúmeros acólitos e
auxiliares do complicado cerimonial; enfim, um exército de servidores
que vivia no Templo e do Templo, todos diretamente subordinados ao
referido sgan, a seu turno diretamente subordinado ao poderoso sumo-
sacerdote.
Os sacerdotes mercadejavam com muitas coisas: animais
(bois, carneiros, pombos) destinados aos holocaustos; perfumes.

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óleos, arômatas, utilizados nas cerimônias de purificação; moedas


estrangeiras trazidas pelos peregrinos e negociantes, em permuta com
moeda nacional. Cobravam os tributos devidos ao Templo, tanto em
dinheiro como em espécies, pois os israelitas eram obrigados a pagar
dízimos, bem como entregar parte da primeira colheita de suas
plantações e a primeira cabeça do gado de seus rebanhos. Negociavam
ainda com a carne dos animais sacrificados, bem como com o seu
sangue, que corria para os fundos do Templo em canalizações
apropriadas.

O holocausto ritual dependia do ato que se celebrava; no caso,


por exemplo, da purificação das mulheres, por parto (30 dias após,
sendo menino e 60 dias, sendo menina), o sacerdote tomava as vítimas
do sacrificio (cabritos ou pombos, segundo os recursos da família),
abria-lhes o pescoço e aspergia o altar com o sangue, enquanto jogava
uma parte sobre o braseiro, para que a fumaça subisse ao Deus. Este
holocausto se denominava "oferta queimada". Se o holocausto era de
expiação ou de ação de graças, o sacerdote tomava uma das aves e a
arrojava viva ao braseiro.
A farinha para o pão ritual, as ervas para os arômatas, o incenso,
os óleos, o linho para as vestes do sacerdote e tudo o mais de uso deles,
era considerado como sagrado e só podia ser fornecido pelos sumo-
sacerdotes, para o que o Templo mantivesse fabricações próprias
sempre que possível.
Os judeus usavam e abusavam de perfumes e no próprio Templo
havia alambique para a fabricação. Magdalena, a hetaira famosa, que se
transformou, mais tarde, em devotada e fervorosa discípula de Jesus, no
tempo em que morava em Jerusalém, possuía no seu horto do Jardim
das Oliveiras, uma fábrica de essências e óleos perfumados, para uso de
sua casa e seus inúmeros admiradores.

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Todos os dízimos, oferendas, donativos, vendas de produtos


consumidos nos holocaustos, inclusive os de carne e sangue para adubo,
redundavam em benefício da classe sacerdotal elevada, enquanto os
sacerdotes menores arcavam com todo o peso dos serviços, vivendo
dificultosamente ou de propinas mesquinhas.
Os sacerdotes declaravam imundos os produtos dos mercadores
e camponeses que deixavam de pagar os tributos devidos ao Templo,
os quais ficavam excomungados e, deles, por medo, se afastavam os
compradores.
Nos dias de Páscoa e outras festas nacionais, quando a cidade
regurgitava de peregrinos vindos de todas as partes do mundo então
conhecido onde havia colônias judaicas, e de mercadores estrangeiros,
que para ali acorriam a negócios, a cidade transformava-se em um
colossal mercado, do qual o Templo era o centro mais movimentado
pelo vulto e complexidade dos interesses a ele vinculados.
Ao redor do Templo e em seus pátios enxameavam os cambistas
e os escribas , com penas de ganso presas atrás das orelhas,
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sentados às suas mesinhas baixas, vendendo escrita e pequenos rolos de


papiros com transcrições das Escrituras, que usavam nos braços e, na
testa, bolsinhas de couro contendo o "schema" (capítulos da Tora).
O Templo regurgitava de mesas, guichês, repartições na forma
de tabiques e balcões, destinados a essas transações e recebimento de
donativos, bem como de gente que entrava e saía, rebanhos de animais
que chegavam para serem vendidos, ao mesmo tempo em que outros
eram transportados para junto do Altar dos Sacrifícios, no Pátio dos
Levitas.
Em repartições próprias eram recebidas as dádivas espontâneas
em dinheiro, para custeio de órfãos, alvarás para

24 Classe de funcionários criada na corte do rei Dav i e do rei Salomão , destinados a


anotar os anais do Remo e servir de secretários do rei.

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sacrifícios, como também havia celas denominadas de "caridade


silenciosa e cega" que não possuíam funcionários atendentes, sendo os
donativos jogados para dentro do balcão, por serem da classe daqueles
que o Templo recusava, por impróprios ou insuficientes.
Reinava em todo o Templo verdadeiro tumulto e um estridor
contínuo, misturado de vozes humanas, lamentações, mugidos de
animais, campainhas, disputas intermináveis de negócios e
interpretações religiosas, coro e recitações de salmos, exposições de
matéria religiosa pelos rabis mais populares no Pátio dos Gentios e
outros rumores, enquanto sacerdotes hábeis e ligeiros, com seus
aventais de couro, empastados de sangue, empunhando cutelos e
macetes, abatiam uns após outros, os animais que vinham sendo
trazidos para os holocaustos.
Ambição, cobiça, prepotência, mistificação religiosa, tudo
estava ali representado em larga escala, oferecendo, do clero judeu,
uma impressionante, porém desoladora impressão.

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