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artigo de revisão
POR CAUSAS EXTERNAS: significado para
indivíduos hospitalizados
Marilia de Andrade Fonseca*
Marilia de Andrade Fonseca**
Camila Rego Amorim***
Marcos Antonio Almeida Matos****
RESUMO
Este estudo objetivou identificar e descrever os
significados e sentimentos experimentadospor
indivíduos hospitalizados que sofreram fraturas em
membros inferiores. Trata-se de uma pesquisa
qualitativa, onde os significados foram construídos a
partir da ocorrência de lesões, e consequente
internação hospitalar e neste contexto estabeleceram
um sentido para vida frente ao eventoinesperado.
Foram entrevistados quatro indivíduos internados em * Doutoranda em Medicina e Saúde
hospital público na Bahia. As entrevistas resultaram na Humana pela Escola Bahiana de
Medicina e Saúde Pública – EBMSP.
construção de três temáticas maiores, que foram E-mail: marilia-fonseca@hotmail.
descritas e analisadas no contexto das repercussões com.
**Professora da Universidade
causadas nas internações. Existe uma associação Federal da Bahia – Campus Anísio
presente entre a fratura e a dependência física, o medo Teixeira; Doutoranda em Medicina e
de não voltar a andar e a incapacidade para o trabalho. Saúde Humana, pela Escola
Bahiana de Medicina e Saúde
Ao se depararem hospitalizados, revelaram-se Pública – EBMSP. E-mail: amathias.
incapazes de prover sustento para a família, ufba@gmail.com
provocando um sentimento de incertezas para o futuro. ***Professora Assistente da
Universidade Estadual do Sudoeste
Fator associado ao incômodo de estarem da Bahia- UESB. Coordenadora
potencializando essa problemática ao necessitarem de colegiado do Curso de fisioterapia -
UESB. E-mail: camilaamorim30@ho
outro familiar para o autocuidado, revelando, medo, tmail.com
baixa de autoestima e vulnerabilidade física, financeira ****Coordenador do Curso de
e psicológica. É preciso uma atenção voltada ao Mestrado em Tecnologias em Saúde
da EBMSP; Professor Adjunto do
suporte social e de saúde ofertados, tendo como Curso de Graduação em Medicina;
referência a idéia de reforço da rede social da vítima e Professor do Corpo Docente
do familiar como melhor estratégia. Permanente do Mestrado e
Doutorado em Medicina e Saúde
Humana da EBMSP. E-mail:
Palavras-chave: Causas Externas. Hospitalização. Fraturas Expostas. malmeidamatos@ig.com.br
1 INTRODUÇÃO
gadas, acarretando longos períodos de tos sociais e psicológicos nas vidas dos
recuperação da vítima, com importantes indivíduos e seus familiares.
custos econômicos e sociais. Após nove A lesão isolada de membros supe-
meses a um ano do evento traumático, riores ou inferiores raramente é relacio-
alguns indivíduos ainda apresentam se- nada a casos fatais, mas com necessida-
quelas de natureza física. Essas vítimas dede cirurgias reparadoras, corretivas e
tinham deficiências principalmente rela- amputações, o que diretamente influencia
cionadas aos membros inferiores, com a qualidade de vida dos pacientes e seus
dificuldades para realizar determinadas familiares (CALIL et al., 2009). O elevado
atividades (OLIVEIRA; SOUSA, 2003). número de pacientes que permanece, por
Sob o ponto de vista das sequelas decor- semanas, meses ou até anos, em pro-
rentes das lesões advindas dos acidentes gramas de reabilitação física, psicológica
e violências, quando não levam o paci- e fisioterapia, com perdas salariais e de
ente diretamente à morte, podem deman- emprego em decorrência desses eventos,
dar uma internação às vezes longa, com mostrando a dimensão econômico-social
gastos elevados. Além disso, há a possi- do problema (BOTO et al., 2006).
bilidade de gerarem sequelas permanen- Frequentemente, trabalhos realiza-
tes e incapacidades (BRASIL, 2001). dos na área de saúde pública privilegiam
A persistência de ocorrência das o conhecimento das causas externas que
fraturas por causas externas vêm-se determinaram os eventos, uma vez que
apresentando de forma recorrente, isso são essas causas que vão orientar as ati-
parece ser devido a consequente melho- vidades de prevenção. No entanto, as in-
ria das condições socioeconômicas da formações acerca dos traumas e lesões
população, como consequência, maior mais frequentes abrem inúmeras possibi-
acesso aos bens e serviços acarretando lidades de atuação desde as administrati-
alarmantes números de acidentes e vio- vas, visando ao melhor planejamento dos
lências. Diante disto, essas causas vêm serviços e alocação de recursos, quanto
gerando um dos principais problemas de na própria avaliação da assistência mé-
saúde pública no Brasil seja por sua mag- dica prestada. Permitem também, envol-
nitude, mas também pelos custos que re- ver os profissionais que prestam atendi-
presentam para a sociedade e os impac- mento direto às vítimas na discussão do
ção hospitalar com mais de 3 horas após “Ficar fora de casa, longe de tudo
é muito ruim... tem hora que a
o evento, tendo como lesão fratura ex- tristeza é tão grande que tenho
vontade de chorar...” (S1).
posta de perna direita, com fixadores ex-
“Me dá uma revolta,
ternos e estava 910 dia de internação nervosismo(...), sei lá, uma baixa
hospitalar. de autoestima, e aí vem a tristeza,
que não para... todo dia fico
assim.... (S2).
sica, o medo de não voltar a andar e a 3.2 TEMÁTICAS QUE EMERGIRAM DAS
ENTREVISTAS
incapacidade para o trabalho. Os danos
físicos como a dor experimentada com a
3.2.1Tristeza
lesão adependência física e financeira.
Além de repercussõespsicológicas, refle-
Para Amin e Valadares (2001), a
xõessobre a vida e o voltar mais para
instituição hospitalar tem seus paradoxos
Deus e o resgate da valorizaçãoda famí-
com descuidos e proteção, contágios e
lia.
contaminações, tensões e intenções, tec-
Frente a incapacidade física para a
nologias e seres humanos, tristezas e
locomoção, foram externados o sentido do
alegrias, perdas e ganhos, vida e morte,
acidente voltados as reflexões imateriais
rupturas e continuidades.
para uma maior crença religiosa e o re-
Quando os indivíduos relataram
torno a espiritualidade, ao metafísico.
tristeza, expressavam que era muito es-
Dessa forma, a figura Divinae-
tressante e relevante o fato de estarem
merge permeando o sentido da vida e a
internados em ambiente hospitalar, longe
avaliaçãodas atitudes vividas anterior-
do ambiente familiar e da vida habitual. O
mente. O período da hospitalização e a
inesperado evento lhes causou transtor-
impossibilidade de locomoção gerando
nos emocionais vividos pela mudança re-
dependência de outros para a realização
pentina da vida, na parada abrupta do
das atividades de autocuidado, serviu
trabalho, vida social, e na nova condição
para se volverem para Deus,repensando
de vivenciar o ambiente hospitalar que
as atitudes do cotidiano e resgatando va-
consideram hostil.
lores perdidos.
“Eu vejo pessoas sofrendo,
“Esse tempo que estou aqui, tive gritando, gemendo de dor, fico
que refletir mais sobre a vida, me aqui imaginando que é triste ficar
voltar mais para Deus, rezar e me aqui sem saber quando vou fazer
encontrar com Ele, para pedir a cirurgia e poder voltar pra casa,
perdão das coisas erradas.” (S2). ver a família, os amigos, ter minha
vida normal. Voltar a trabalhar, ter
“Tenho que pedir a Deus pra me de novo minha independência
livrar das sequelas, que isso financeira, isso me causa muita
poderá me trazer, quero trabalhar, tristeza.” (S1)
ter minha vida normal, sem “Fico aqui pensando como isso foi
precisar depender de ninguém...” acontecer comigo... Não havia
(S3). necessidade de tanta
brutalidade(...) a única coisa que
posso fazer é pedir pra voltar logo
atividades de vida diária. Assim como sua vas precisam serem melhor operacionali-
independência funcional (REIS et al., zadas, dentre elas, garantir um acompa-
2013). nhamento efetivo e eficaz para as vítimas
Nas alocuções dos sujeitos entre- de acidentes e violência, além de orien-
vistados ficouevidente o estresse causado tar, treinar e capacitar os profissionais das
pela ausência de autonomia em todos os diversas áreas da saúde; desenvolver es-
aspectos. Estes motivados pela incapaci- tratégias para minimizar os efeitos do
dade de realização das atividades de vida trauma do acidente e da violência, dando
diária e laborale pela dependência física. mais suporte, capacitação e estrutura aos
Os indivíduosreferiram várias impli- locais que recebem as vítimas de aciden-
cações negativas da hospitalização após tes e violências, incluindo um trabalho
o evento traumático. Isso parece alterar com os familiares e as equipes de res-
de forma acentuada o estado emocional gate.
dos sujeitos, causando sentimentos de
medo e incertezasquanto seu estado fí- 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
sico e consequentemente o psicológico.
Para Muñoz e Fortes (1998), os grupos Este trabalho baseou-se nas narra-
mais desprovidos de recursos, têm menos ras de membros inferiores, onde o foco
no trânsito e punições mais ativas e seve- cos e extrínsecos. Foi identificado que
(2009), os desafios para as políticas pú- significados deste estudo para as vítimas
ABSTRACT
This article is part of a doctoral thesis research in progress, which was awarded
one of the scopes of work. This study aimed to identify and describe the meanings
and feelings experienced by hospitalized individuals who suffered fractures of the
lower limbs. This is a qualitative research, where the meanings constructed from
the occurrence of injuries, and consequent hospitalization and in this context
established a sense to life against the unexpected event. Four individuals
admitted to a public hospital in Bahia interviewed. The interviews resulted in the
construction of three major themes, which described and analyzed in the context
of the impact caused the hospitalization. Exists an association between fracture
and physical dependence, fear not walk again and the inability to work. When
REFERÊNCIAS