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O cenário inicial.

Enquadramento teórico
Cenário

Cliente do sexo masculino, com 76 anos, referenciado pelo serviço de medicina do Hospital a 29 de
maio de 2020 e admitido pela ECCI a 2 de junho de 2020, após AVC isquémico na artéria cerebral
média direita a 1 de maio de 2020. Os objetivos principais da referenciação são a reabilitação
motora e funcional e promoção de autonomia no autocuidado. O cliente apresenta como familiar
cuidadora a sua filha, de 57 anos, com quem reside. Objetiva-se trabalhar com a mesma,
essencialmente, através da transmissão de conhecimentos teóricos e práticos, que lhe permitam
prestar cuidados de maior qualidade e com menores repercussões para si mesma.

Enquadramento teórico

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é uma entidade relevante dentro das doenças
cerebrovasculares, cujas consequências físicas, cognitivas e sociais são fatores determinantes para a
dependência e incapacidade, afetando a funcionalidade da pessoa (Lopes, 2018). De facto, em todo
mundo, chega a ser mesmo a principal causa de incapacidade e de morte acima dos 60 anos
(Organização Mundial da Saúde 9, 2018 citada em Matos, 2019).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2006), citada em Macedo (2019) e Conde (2018),
Acidente Vascular Cerebral (AVC) define-se como um compromisso neurológico ou défice; de início
súbito; com duração superior a 24 horas e com provável origem vascular. Esta definição, exclui o
acidente isquémico transitório, a hemorragia subdural e epidural, a intoxicação e os sintomas
causados por traumatismo.

O AVC isquémico, responsável por cerca de 83% dos casos de AVC (WSO, 2018 citada em Macedo,
2019), caracteriza-se pelo estreitamento das artérias e/ou formação de placas (ateromas) que
entopem a irrigação cerebral, impedindo o sangue de passar nessas artérias cerebrais e, portanto,
danificando a parte do cérebro que deveria ser irrigada por elas (Matos, 2019). Segundo a
classificação clássica, este pode ser subdividido em: AVC isquémico trombótico, AVC isquémico
embólico e AVC isquémico lacunar.

O AVC isquémico trombótico ocorre quando o processo patológico responsável pela oclusão do vaso
se desenvolve no próprio local e de forma gradual (Silva, 2013 e Matos, 2019). Assim sendo,
normalmente associa-se ao mesmo dois fatores: o endurecimento e espessamento das artérias
(Silva, 2013; Menoita, 2012 citado em Macedo, 2019). O AVC isquémico embólico, por sua vez,
associa-se, em larga medida, a problemas cardíacos, como a fibrilhação auricular, enfarte do
miocárdio, endocardite bacteriana e complicações de cirurgias cardíacas. Ou seja, na sua génese
está sempre a obstrução provocada por um corpo estranho que migrou, no sistema circulatório, do
local da sua formação (Silva, 2013 e Matos, 2019). Por fim, o AVC isquémico lacunar representa
cerca de 10% de todos os AVC’s, estes devem-se à oclusão dos pequenos vasos perfurantes das
artérias cerebrais (Branco e Santos, 2010; Menoita, 2012; citados em Matos, 2019).

Considerar a localização anatómica e o território vascular afetado aquando da classificação do AVC


poderá ser pertinente, já que permite compreender as manifestações clínicas da doença e,
consequentemente, as necessidades reais de reabilitação. De salientar que independentemente
destes, de acordo com a OMS (2006), citada em Macedo (2019), o comprometimento sensorial e
motor unilateral ou bilateral, as alterações da deglutição e da comunicação são as manifestações
mais frequentemente observáveis na pessoa com AVC.

Apesar do exposto ser completamente verídico, optou-se, de modo a tornar o caso o mais real
possível, selecionar primeiramente o território vascular afetado. Assim, e sendo que segundo Silva e

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Almeida (2017), as artérias mais comumente obstruídas são a média, posterior e anterior (em ordem
de frequência descendente), selecionou-se a artéria cerebral média como a acometida. No que
concerne à localização anatómica, sabe-se que a artéria cerebral média irriga o lóbulo frontal,
parietal e temporal, sendo que o hemisfério cerebral considerado foi o direito (Phipps, 2004).

Toda esta consideração, permite afirmar que as manifestações do AVC neste caso clínico, muito
provavelmente, serão: hemiparésia contralateral, de predomínio braquiofacial; Neglect; desvio
conjugado para o lado oposto ao da hemiparesia; quandrantópsia contralateral e hipoestesia
contralateral (Macedo, 2019; Matos, 2019).

Efetivamente, após o evento do AVC, a reabilitação, como forma de tratamento, deve ser instituída o
mais precocemente possível (Silva, 2013), ou seja, ainda durante o internamento. Posto isto, o
modelo de cuidados na comunidade deverá permitir, no domicílio, a continuidade dos cuidados
iniciados no internamento, estando centrado na promoção da autonomia da pessoa em situação de
dependência, ao melhorar a sua funcionalidade, através da sua reabilitação, readaptação e
reinserção familiar e social (Decreto-Lei 101/2006).

De facto, inúmeros estudos, como os de Filipe (2015) citado em Petronilho et al., (2017) e Lourenço
(2015), documentam que viver no domicílio, para além de se constituir como um indicador de
qualidade de vida cada vez mais valorizado ao nível das políticas de saúde, é bem menos
dispendioso para qualquer Serviço Nacional de Saúde. Tendo isto conta, facilmente se depreende
que promover o máximo potencial de autonomia no âmbito do autocuidado é, sem dúvida, promover
a saúde e a independência sendo o fator que mais contribui para que as pessoas possam viver nas
suas casas (Backman & Hentienen 1999; Söderhamn, 2000; Zeleznik, D. Zeleznik, U., & Stricevic,
2010, citados em Lourenço, 2015).

Para além disso, o enfermeiro poderá beneficiar da intervenção realizada no domicílio, já que tem o
privilégio de observar o ambiente em que o cliente está inserido, não só o espaço físico, mas
também a dinâmica familiar (Oliveira, 2017). Estes poderão ser recursos a utilizar como pontos
positivos e/ou pontos a trabalhar, para que o plano de reabilitação tenha sucesso. De facto, os
clientes reabilitados em casa recuperam mais depressa, provavelmente porque os objetivos da
reabilitação passam a ser mais familiares e a família tem a oportunidade de desempenhar um papel
mais participativo (Mayo et al., 2000 citado em Oliveira, 2017).

No Decreto-lei 101/2006, estabelece-se como objetivo específico da Rede Nacional de Cuidados


Continuados Integrados (RNCCI): “apoio aos familiares ou prestadores informais, na respetiva
qualificação e na prestação dos cuidados”. De modo a colmatar este objetivo, passa-se a explicar o
modo como se pretende trabalhar com a familiar cuidadora.

Objetiva-se trabalhar com a familiar cuidadora no sentido da recuperação do máximo potencial de


autonomia da pessoa dependente. Para isso, para além das estratégias que incidam no âmbito da
substituição (uma vez que, numa fase inicial, estas poderão ser necessárias), procurara-se habilitar a
familiar cuidadora a promover a autonomia com recurso a estratégias e/ou a dispositivos de apoio.
De facto, trabalhar a promoção da autonomia junto da familiar cuidadora/família, principalmente
com recurso a dispositivos, está demonstrado em vários artigos/teses de mestrado/doutoramento ser
uma forma de intervenção que produz ganhos efetivos em saúde para a pessoa dependente (Vieira,
2013; Lourenço, 2015; Bento, 2015; Santos e Pereira, 2016; Pinto, 2018; Macedo, 2019; Conde,
2019).

Em suma, com o exposto, objetiva-se principalmente demonstrar a pertinência deste cenário no


âmbito dos cuidados continuados na comunidade. De facto, a ECCI é uma equipa multidisciplinar da
responsabilidade dos cuidados de saúde primários e das entidades de apoio social para a prestação

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de serviços domiciliários a pessoas em situação de dependência funcional, doença terminal ou em
processo de convalescença, com rede de suporte social, cuja situação não requer internamento mas
que não podem deslocar-se de forma autónoma (Decreto-Lei 101/2006). Assim sendo, o caso
adequa-se ao contexto clínico.

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