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Título: Emergências Médicas em Odontologia

Autores: Rogério Heladio Lopes Mota e Juliana Cama Ramacciato


Produção editorial: Rafael Pereira Rodrigues
Revisão de texto: Rafael Pereira Rodrigues
Diagramação: Luiz Felipe May dos Santos
Capa: Paulo Roberto R. Salomão

Coordenadora científica: Gabriela Victorelli

© 2021 Santos Publicações Ltda.


1a edição, 2021

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ção deste conteúdo e temática, bem como a qualidade e a seriedade com
que foi produzida.

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Autores

Rogério Heladio Lopes Mota


Mestre e Doutor em Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica – Faculdade de Odonto-
logia de Piracicaba – FOP/UNICAMP.
Professor da Área de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica da Faculdade São Leo-
poldo Mandic (Campinas/SP).

Juliana Cama Ramacciato


Mestre e Doutora em Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica – Faculdade de Odon-
tologia de Piracicaba – FOP/UNICAMP.
Professora da Área de Farmacologia, Anestesiologia e Terapêutica da Faculdade São Leo-
poldo Mandic (Campinas/SP).

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Apresentação

A literatura tem demonstrado que as emergências médicas no ambiente clínico odontoló-


gico são raras. Entretanto, como qualquer outro profissional da área da saúde, compete
ao cirurgião-dentista ter habilidade e conhecimento para minimizar riscos e preservar a
integridade de seus pacientes. Além disso, um número significativo de pacientes com
comorbidades sistêmicas tem buscado tratamento odontológico, e este fator pode elevar
o número de possíveis emergências médicas na cadeira odontológica.
De acordo com a legislação brasileira, a instituição das medidas de pronto-atendimento
e o correto manejo das situações de emergência que colocam em risco a saúde e a vida
devem fazer parte do preparo profissional para a execução da boa prática odontológica.
Para tal, o cirurgião-dentista deve conhecer as possíveis situações de emergências médicas
mais comuns na clínica odontológica, assim como as manobras de suporte básico de vida
(SBV) e ressuscitação cardiopulmonar (RCP).
Desta forma, a proposta deste material é apresentar diferentes estratégias para a pre-
venção e o manejo de emergências médicas no consultório odontológico. As principais
situações clínicas de emergências médicas, a montagem de um kit de emergências e os
respectivos cuidados para o manejo destas situações (incluindo o suporte básico de vida)
serão abordados neste material com informações e vídeos que estão divididos em dife-
rentes unidades.
Bons estudos!

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Sumário

Introdução 13
Unidade 1 – Conceitos Gerais 15
Unidade 2 – Avaliação Pré-clínica 17
Unidade 3 – Suporte Básico de Vida (SBV) 21
Situações Clínicas de Emergências
Médicas em Odontologia 41
Unidade 4 – Alteração e Perda da Consciência 43
Unidade 5 – Reações Alérgicas 51
Unidade 6 – Emergências Médicas Relacionadas
às Vias Aéreas 55
Obstrução das Vias Aéreas por Corpos
Estranhos (OVACE) 57
Unidade 7 – Convulsão 63
Unidade 8 – Alterações Cardiovasculares 67
Unidade 9 – Kit de Emergência 73
Referências Bibliográficas 75

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Introdução
As emergências médicas podem ocorrer no consultório odontológico sem nenhuma pre-
visibilidade, não obedecendo regras ou padrões. Portanto, estas situações podem acon-
tecer com qualquer indivíduo e em diferentes circunstâncias no ambiente odontológico
mesmo antes, durante ou após o atendimento odontológico. Neste contexto, deve-se
considerar que a emergência é um problema médico agudo, com risco imediato para a
vida ou a saúde do paciente se não for manejada com rapidez (Smereka et al., 2019).
Este tema talvez seja pouco valorizado em Odontologia devido à crença de que poucos epi-
sódios de emergência médica realmente ocorram em consultórios odontológicos e que es-
tas situações são usualmente brandas quando acontecem. Entretanto, com a evolução da
Medicina e o consequente aumento da expectativa de vida da população, o aumento do
consumo de medicamentos e suplementos, além de hábitos de vida nocivos, atualmente
a possibilidade do profissional atender um paciente com várias comorbidades, que reque-
rem cuidados especiais (como cardiopatias, hipertensão arterial e diabetes), é muito maior.
Nestes casos, um simples procedimento que provoque dor ou estresse pode ocasionar uma
resposta endógena indesejável e o surgimento de uma emergência médica. Outros fatores,
como uso de drogas ilícitas, risco de interações medicamentosas indesejáveis, e até mesmo
o abuso do tempo em procedimentos mais invasivos realizados em consultórios odontoló-
gicos, podem contribuir para a ocorrência de situações de emergência médica.
Um estudo realizado nos Estados Unidos com 4.309 cirurgiões-dentistas por um período
de 10 anos revelou situações que variaram de um episódio mais simples (lipotímia) até
situações mais ameaçadoras, como paradas cardíacas e anafilaxias. No Brasil, poucos es-
tudos relatam o grau de conhecimento e habilidades do cirurgião-dentista em emergên-
cias médicas. Santos e Rumel (2006) realizaram um estudo com dentistas do Estado de
Santa Catarina. Os autores observaram que os participantes reconheciam a importância
do tema, mas sentiam-se despreparados para lidar com uma situação de emergência
médica. Neste estudo, as emergências relatadas com maior frequência foram lipotímia,
taquicardia, crise hipertensiva, reação ao anestésico local e hipoglicemia.
Arsati et al. (2010) avaliaram o conhecimento de 498 dentistas brasileiros e o seu preparo
para lidar com emergências médicas e realizar manobras de suporte básico de vida (SBV) e
ressuscitação cardiopulmonar (RCP). Os autores constataram que cerca de 75% dos pro-
fissionais não se sentiam capazes de lidar com situações graves, como anafilaxia, infarto
e acidente vascular cerebral (AVC). Além disso, aproximadamente 60% dos profissionais
afirmou que não sabia realizar manobras de SBV e RCP, justificando essa falha pela falta
de atualização sobre o tema ou simplesmente pela falta de aprendizado durante o curso
de graduação.

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De Mauro et al. (2018) avaliaram o conhecimento teórico e a habilidade de 70 estudantes
de odontopediatria sobre SBV em crianças e bebês por meio de um questionário e de
simulação de manobras em manequins. Os resultados mostraram que 58% dos alunos
nunca recebeu treinamento em SBV e apenas 17,1% se sentia preparado para lidar com
uma emergência médica. Na avaliação prática, 73% e 78% dos participantes não soube-
ram realizar manobras de RCP para crianças e bebês, respectivamente.
A Lei 5.081 de 24 de agosto de 1966, que regulamenta a prática odontológica no país,
afirma que os dentistas brasileiros têm a responsabilidade de iniciar o manejo primário em
pacientes que desenvolvam complicações sistêmicas relacionadas ao tratamento odonto-
lógico ou que ocorram durante sua realização, mas estima-se que este tema ainda não
seja contemplado em todos os cursos de graduação e de pós-graduação em Odontolo-
gia no Brasil (Andrade, Ranali, 2011). Neste contexto, algumas mudanças ocorreram nas
últimas décadas, como a Resolução CFO-25/2002 do Conselho Federal de Odontologia
(combinada com a Resolução CFO-040/2003) que regulamentou a obrigatoriedade de
que a Disciplina de Emergências Médicas em Odontologia deva constar na área conexa
de todos os cursos de especialização. Infelizmente, esta importante medida não se aplica
aos cursos de graduação, e em algumas instituições de Ensino esta disciplina é esquecida
ou pouco explorada.
Adicionalmente, o artigo 135 do Código Penal Brasileiro define que: ‘’deixar de prestar
socorro à vítima de acidentes ou pessoas em perigo eminente, podendo fazê-lo, é crime.’’
Ou seja, é crime de omissão de socorro deixar de prestar socorro a vítima, ainda mais
quando o socorrista é da área de saúde, tendo formação e capacitação para isso, mesmo
que não for causador do evento. Além de ser um crime omitir socorro, a situação pode
ainda se agravar quando se trata de relevância da omissão: No parágrafo 2 deste mesmo
artigo é assim descrito: ‘’A emissão é penalmente relevante quando o omitente devia e
podia agir para evitar o resultado. O dever de agir recai a quem: (a) tenha por lei, obriga-
ção de cuidado, proteção ou vigilância; (b) de outra forma assumiu a responsabilidade de
impedir o resultado; (c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do
resultado’’ (Caputo et al., 2010).
É importante ressaltar que a atuação do cirurgião-dentista é regulamentada pelo Código
de Ética Odontológico, em que os seus deveres e direitos fundamentais são atribuídos
para servirem de base e orientação em diversos aspectos da vida profissional. O fato é
que cirurgiões-dentistas podem enfrentar problemas de ordem ética e legal caso ocorram
episódios de emergências em sua prática clínica.

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Unidade 1 – Conceitos Gerais
A palavra emergência (do latim emergentia) define uma situação crítica, acontecimento
perigoso ou dificuldade súbita. É quase certo que todos os cirurgiões-dentistas já estive-
ram ao menos uma vez envolvidos com intercorrências classificadas como emergências
médicas, antes, durante ou logo após a realização de procedimentos odontológicos. É
importante ressaltar que o cirurgião-dentista pode e deve atuar com determinação, vi-
sando a preservar a integridade física de seu paciente vitimado por uma condição que se
enquadre como emergência médica.
Como já mencionado anteriormente, a Lei 5.081 de 1966 que trata do exercício da profis-
são aponta em seu Artigo 6o – Inciso VIII que: “compete ao cirurgião-dentista prescrever e
aplicar medicação de urgência, no caso de acidentes graves que comprometam a vida e a
saúde do paciente.” É evidente que, para usar “medicação de urgência” há necessidade
de procedimentos invasivos para aplicá-los, como a realização de injeção intramuscular ou
endovenosa, pois a latência longa por via oral e o efeito de primeira passagem hepática
podem prejudicar a eficiência da droga.
Desta forma, também é importante que o cirurgião-dentista tenha conhecimento sobre
o Suporte Básico de Vida (SBV). Ressalta-se que as manobras de suporte básico de vida
foram mundialmente padronizadas para estarem ao alcance de qualquer pessoa, e que
hoje já existem desfibriladores automáticos externos (DEA) que podem ser usados de ma-
neira simples e segura. Portanto, o cirurgião-dentista pode aplicar alguns medicamentos
de urgência, pode usar o desfibrilador, pode dispensar oxigênio e pode aplicar manobras
de ressuscitação cardiopulmonar (RCP). Pode, e considerando o âmbito legal, deve!
Os avanços tecnológicos que cada vez mais permitem que se previnam e que se tratem
doenças variadas implicam também no aumento da expectativa de vida das pessoas. Há
estudos projetando que a pirâmide etária do Brasil em 2050 tenha base estreita e ápice
largo. Assim, é esperado que cada vez mais tenhamos pessoas portadoras de comorbida-
des sistêmicas (principalmente os mais idosos) como pacientes da rotina dos consultórios
odontológicos. Neste contexto, será tanto maior a possibilidade de incidência de emer-
gências médicas quanto maior for a idade dos pacientes ou quanto maior for o número
de pacientes com sobrevida e compensação orgânica garantida pelos modernos recursos
terapêuticos da Medicina.
Desta forma, e considerando o panorama atual, é importante que os profissionais da área
odontológica considerem a possibilidade da ocorrência de situações de emergência médi-
ca (algumas verdadeiramente ameaçadoras à vida) com a prática odontológica

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Unidade 2 – Avaliação Pré-clínica
A avaliação pré-clínica é fundamental para conhecer a identidade fisiopatológica do pa-
ciente. Existem muitos profissionais que ainda realizam procedimentos em pacientes que
apresentam distúrbios sistêmicos sem o devido conhecimento da condição que possuem,
sem análise dos riscos, sem a implementação de medidas de compensação ou sem a
adoção de cuidados preventivos como a avaliação dos sinais vitais do paciente e controle
adequado de estresse, ansiedade e dor. Adicionalmente, e como abordado anteriormen-
te, é cada vez mais comum a presença de pacientes com comorbidades sistêmicas no
consultório odontológico, o que torna de extrema importância a adoção de cuidados
adicionais no atendimento odontológico destes pacientes.
Por mais que possa ser um assunto “repetitivo”, nunca é demais enfatizar a necessidade e
a importância da avaliação pré-clínica e todas as suas vertentes: anamnese, exame clínico,
solicitação de exames complementares, troca de informações com médicos, prescrição de
medicamentos, recomendações específicas, dentre outras.
Quando nos referimos à importância da consulta não nos referimos simplesmente à con-
sulta conduzida pelo profissional quanto à especificidade das condições apresentadas pelo
paciente: doença periodontal, lesão perirradicular, dentre outras. Em cada especialidade,
a consulta é conduzida obedecendo a um raciocínio específico: sondagem na Periodontia,
teste de sensibilidade na Endodontia, qualidade e quantidade de osso na Implantodontia,
e assim por diante. A consulta que aqui desejamos ressaltar tem outro enfoque. Trata-se
da consulta dirigida, saber se o paciente tem história de doenças na família, se tem algum
tipo de alergia, se está usando medicamentos, se a doença crônica está controlada e pos-
síveis hábitos, por exemplo. Neste contexto é importante conhecer a identidade biológica
do cliente e o histórico do processo saúde-doença que estão relacionados com aquelas
perguntas do prontuário que alguns julgam desnecessárias no atendimento. Todas estas
informações são críticas para proteger a integridade do paciente por ocasião do tratamen-
to odontológico. Lembre-se: o assunto é emergências médicas. Nos pacientes de risco, a
anamnese dirigida é ESSENCIAL!
A consulta dirigida tem muitas etapas e começa com a avaliação de sinais vitais. É impera-
tivo aferir a pressão arterial e a frequência cardíaca do paciente. Alterações da normalida-
de podem sinalizar inúmeras realidades e necessidades: avaliação médica, adiamento do
procedimento agendado, uso de medicamentos, substituição do anestésico local, dentre
outros. Os valores aferidos também serão exigidos pela equipe hospitalar que atender um
paciente que estivera sob tratamento odontológico e que foi vitimado por uma emergên-
cia médica.

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As Tabelas 1 e 2 apresentam os valores de referência para a classificação de pressão
arterial (medição casual ou no consultório a partir de 18 anos de idade) e dimensões
adequadas do manguito. O profissional deve se atentar aos valores encontrados para
evitar resultados imprecisos. Se necessário, em casos de valores mais elevados, o paciente
deve ser encaminhado para avaliação médica. Já em casos de emergências hipertensivas
(pressão sistólica acima de 200 mmHg com sinais e sintomas associados, por exemplo), o
profissional deve acionar o serviço médico de urgência.

Tabela 1 Classificação de Pressão Arterial (PA) de acordo com a medição casual ou no consultório a partir
de 18 anos de idade.

Valores de referência
Classificação*
PA Sistólica (mmHg) PA Diastólica (mmHg)
PA Ótima <120 <80
PA Normal 120-129 80-84
Pré-hipertensão 130-139 85-89
Hipertensão estágio 1 140-159 90-99
Hipertensão estágio 2 160-179 100-109
Hipertensão estágio 3 ≥ 180 ≥ 110
Hipotensão ≤ 90 ≤ 60
*Quando a PAS e a PAD situam-se em categorias diferentes, a MAIOR deve ser utilizada para a classificação da Pressão
Arterial.
Fonte: Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial, 2020.

Tabela 2 Dimensões do manguito de acordo com a circunferência do membro.

Circunferência do Denominação do Largura do Comprimento da


braço (cm) manguito manguito (cm) bolsa (cm)
≤6 Recém-nascido 3 6
6 a 15 Criança 5 15
16-21 Infantil 8 21
22-26 Adulto pequeno 10 24
27-34 Adulto 13 30
35-44 Adulto grande 16 38
45-52 Coxa 20 42
Fonte: Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial, 2020.

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As emergências mais prevalentes estão intimamente relacionadas à ausência de contro-
le do medo e ansiedade e podem ser evitadas com cuidados preventivos relativamente
simples. Por exemplo, lipotímia e hiperventilação podem ser prevenidas com adequado
controle do estresse, seja por meio de técnicas de condicionamento, seja pelo uso de
medicamentos como os benzodiazepínicos ou pela sedação inalatória. Estas e outras mo-
dalidades de emergências são totalmente evitadas combinando-se controle de ansiedade
e anestesia local perfeita. O cirurgião-dentista deve sempre considerar que o paciente
não pode sentir dor, sobretudo quando se depara com a possibilidade de emergências
médicas. O controle da dor intraoperatória é fundamental para evitar, por exemplo, epi-
sódios de angina, crises de asma e ocorrência de infarto. Além disso, a seleção correta
e o uso de doses seguras das soluções anestésicas locais previnem outras modalidades
de emergências, como crises hipertensivas, reações alérgicas e acidentes vasculares. En-
fim, esses assuntos (controle de ansiedade e anestesiologia) são próprios da Terapêutica
Medicamentosa, disciplina essencial para a maior segurança e conforto no atendimento
odontológico e que será abordada em outro módulo.
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