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ANÁLISE CINEMÁTICA 3D DA MOVIMENTAÇÃO DA CAIXA

TORÁCICA: VALIDAÇÃO USANDO RESSONÂNCIA MAGNÉTICA

Karine Jacon Sarro 1, Andrea Aliverti 2, Ricardo Machado Leite de Barros1


1
Laboratório de Instrumentação para Biomecânica – Faculdade de Educação Física – Universidade Estadual de
Campinas – UNICAMP – Campinas (SP) - Brasil.
2
Departamento de Bioengenharia – Escola Politécnica de Milão – Milão – Itália.

Resumo: Este trabalho tem como objetivo a validação, usando ressonância magnética, de uma metodologia para análise
cinemática 3D da movimentação da caixa torácica. Foram realizados testes para avaliar variáveis relacionadas aos erros
de medição do sistema de análise cinemática utilizado e imagens de ressonância magnética do tórax em capacidade
residual funcional (CRF) e em capacidade pulmonar total (CPT) foram utilizadas para calcular a movimentação relativa
entre os marcadores de superfície e as costelas (deslizamento de pele). Os resultados revelaram um erro sistemático de
-0,9mm e um desvio padrão experimental de 2,5mm, o que gerou erros máximos de 2 graus na medição da variação
angular das costelas. A movimentação relativa média entre os marcadores, assumida como a distância entre o marcador
e a costela em CPT menos a distância entre o marcador e a costela em CRF, foi igual a -2,1mm. Esse valor é menor que
os relatados na literatura para os membros inferiores ou coluna vertebral. Os resultados suportam a conclusão de que a
metodologia proposta é adequada para a análise tridimensional da movimentação da caixa torácica.
Palavras Chave: Análise cinemática, costelas, deslizamento de pele, ressonância magnética.

Abstract: This work aims to validate, using magnetic resonance images (MRI), a methodology to the 3D kinematic
analysis of the motion of the rib cage. Tests were made to evaluate variables related to the errors of measurement of the
kinematic analysis system used and MRI of the chest at functional residual capacity (FRC) and at total lung capacity
(TLC) were used to calculate the relative motion between the markers and the ribs (skin movement artifact). The results
revealed a systematic error of -0.9mm and a experimental standard deviation of 2.5mm, leading to 2 degrees of
maximal error in the angular variation of the ribs. The mean relative motion, defined as the distance between the
marker and the rib at TLC minus the distance between the marker and the rib at FRC, was -2.1mm. This value is
smaller than the results presented in the literature to the inferior limbs or vertebral column. The results lead to the
conclusion that the proposed methodology is suitable to the 3D analysis of the movements of the rib cage.
Keywords: Kinematic analysis, ribs, skin artifact, MRI.

INTRODUÇÃO
levando à necessidade de validação dos sistemas
A análise cinemática de movimentos de análise cinemática baseados em marcadores de
geralmente considera os segmentos estudados superfície.
como corpos rígidos determinando sua posição e A movimentação relativa entre marcadores e
orientação a partir da posição tridimensional de estruturas ósseas foi avaliada por diversos métodos
marcadores posicionados sobre a pele. A e os membros inferiores são freqüentemente os
movimentação relativa entre esses marcadores e a mais considerados. Os métodos mais comumente
estrutura óssea que eles representam, utilizados para a análise do deslizamento da pele
freqüentemente referido como deslizamento da são invasivos, como o uso de pinos intracorticais,
pele, acaba sendo desconsiderada, introduzindo fixadores externos, raio-x e videofluoroscopia [1].
erros de medida. A magnitude desses erros Atualmente, a ressonância magnética também vem
depende de quanto o marcador sobre a pele desliza sendo usada com esse fim, por ser um método não
em relação ao osso. Isso é variável de acordo com invasivo capaz de fornecer imagens de estruturas
os tecidos moles interpostos entre essas estruturas, ósseas bem como de tecidos moles. Sangeux et al
[2] utilizaram esse método para analisar a
movimentação relativa de marcadores
posicionados na coxa e na perna durante diferentes
graus de flexão do joelho, enquanto Ciavarro et al
[3] avaliaram marcadores posicionados nas
vértebras lombares durante movimentos de flexão
e extensão do tronco.
Em trabalhos anteriores [4-6] foram
Figura 1 – Modelo de marcação da caixa torácica.
apresentadas análises cinemáticas da
movimentação tridimensional da caixa torácica,
A caracterização dos movimentos de cada
utilizando modelos de representação da caixa
uma das costelas durante a respiração é feita a
torácica baseados em marcadores posicionados no
partir da evolução temporal de quatro ângulos
esterno, costelas e vértebras torácicas. Não foram
articulares: três ângulos de rotação (ângulos de
encontrados na literatura trabalhos que tenham
Euler), αi, i e i, calculados entre o sistema de
quantificado o deslizamento da pele nessa região.
coordenadas associado ao plano que representa o i-
Com base nessa afirmação, este trabalho tem como
ésimo par de costelas e o sistema de coordenadas
objetivo a validação da metodologia utilizada para
associado ao tronco; ângulo θi, formado entre os
análise cinemática tridimensional da
planos associados a i-ésima costela direita e a i-
movimentação da caixa torácica, através do uso de
ésima esquerda. Os ângulos αi, i e i
ressonância magnética para a avaliação da
movimentação relativa entre os marcadores de
representam, respectivamente, os movimentos

superfície e as costelas. de elevação, inclinação direita e esquerda e


rotação direita e esquerda do par de costelas.
MATERIAIS E MÉTODOS Para a validação desta metodologia
foram realizados três testes: o primeiro avaliou
Movimentação da caixa torácica a os erros de medição do sistema, o segundo
A metodologia proposta para a análise avaliou a sensibilidade das variáveis angulares
cinemática da movimentação da caixa torácica [4]
aos erros do sistema, e o terceiro mediu a
é baseada na reconstrução tridimensional da
movimentação relativa entre os marcadores e
posição de marcadores localizados nas seguintes
as costelas.
referências anatômicas (figura 1): processos
espinhosos das vértebras torácicas (10
Erros de medição
marcadores), região lateral da primeira à décima
Para verificar os erros de medição do
costela direita e esquerda (20 marcadores), esterno
sistema foi realizado um experimento em que foi
(6 marcadores), espinhas ilíacas póstero-superiores
reconstruído o movimento no espaço de um corpo
(2 marcadores).
rígido com marcadores fixos sobre ele. Foi, então,
calculada a distância entre os dois marcadores de
maneira direta, assumida como valor verdadeiro
convencional, e a partir das coordenadas experimento no Hospital Niguarda (Milão/Itália)
tridimensionais obtidas em função do tempo utilizando ressonância magnética.
(medidas experimentais). Foi calculada a média Considerando o propósito metodológico
das medidas experimentais, o erro sistemático deste estudo, foi analisado um sujeito do sexo
(média das medidas experimentais menos o valor masculino, com 34 anos de idade, 78 kg e 1,83 m,
verdadeiro convencional), o desvio padrão informado previamente sobre os procedimentos a
experimental (s) e o desvio padrão experimental da ser submetido.
média [7]. O modelo de representação da caixa torácica
O desvio padrão experimental é uma medida utilizado foi inicialmente proposto por Sarro et al.
da dispersão dos resultados em n medidas, [4] (figura 1). Para que pudessem ser identificados

∑ (x )
determinado por: nas imagens de ressonância magnética os

−x
n
2
marcadores foram compostos por esferas de

s= i =1
i
borracha preenchidas com sabonete líquido.
n −1 Foram obtidas imagens de ressonância
,onde xi representa o resultado da iésima magnética do tórax (cortes no plano frontal com

medição e x a média dos n resultados 8mm de espessura) com o sujeito posicionado em


supino durante apnéia em 2 volumes pulmonares
considerados.
distintos, capacidade pulmonar total (CPT) e
O desvio padrão experimental da média é
capacidade residual funcional (CRF). Essas
dado por s / n .
imagens foram utilizadas para a obtenção da
posição das costelas e dos marcadores no espaço.
Sensibilidade
A medição das estruturas de interesse nas
A fim de estimar a sensibilidade das
imagens de ressonância magnética foi feita através
variáveis angulares ao erro padrão do sistema,
do software CTMRedit [8]. O contorno de cada
neste caso dado pela sua acurácia, realizou-se a
costela e seus marcadores correspondentes foram
seguinte simulação: às coordenadas
identificados manualmente em todos os cortes. As
tridimensionais dos pontos representando um par
coordenadas de tela de cada ponto selecionado e a
de costelas foram somados erros aleatórios de
posição de cada corte no espaço permitiram a
distribuição normal em cada coordenada, com
obtenção das coordenadas tridimensionais das
média zero e desvio padrão igual a acurácia do
regiões de interesse, representando a posição
sistema. Este procedimento foi simulado para 100
dessas regiões no espaço.
repetições. A partir destes dados, foram calculados
Foram, então, selecionados todos os
os ângulos α e θ e analisou-se, então, a variação
contornos correspondentes a uma mesma costela.
dos valores medidos.
O centro de cada contorno foi obtido pelo vetor
posição média. Os centros obtidos nos diversos
Movimentação entre os marcadores e as
contornos foram interpolados, formando uma curva
costelas
que representa a costela no espaço. O centro do
Para a análise da movimentação relativa
marcador (m) correspondente foi calculado pela
entre os marcadores e as costelas foi realizado um
média dos pixels correspondentes, selecionados sistema igual a 137,3 mm. Foi estimado um erro
nas imagens. Foi encontrado o ponto (p) na curva sistemático de -0,9mm, um desvio padrão
interpolada com distância mínima até o centro do experimental de 2,5mm e um desvio padrão
marcador. A distância entre esse ponto (p) e o experimental da média igual a 0,1mm.
centro do marcador (m) (figura 2) foi calculada. Através da simulação realizada, foi possível
estimar erros máximos na medida da variação
angular de até dois graus.
Em relação ao estudo da movimentação
relativa entre os marcadores e as costelas, puderam
ser identificados nas imagens de ressonância
magnética os contornos das costelas 5 a 8
bilateralmente. A tabela 1 mostra a distância
encontrada entre a costela e o marcador
correspondente nos dois volumes pulmonares
estudados (CPT e CRF) e a diferença entre elas,
representando o deslizamento entre o marcador e a
Figura 2 – Esquema mostrando os contornos de
costela.
uma costela, a curva representando seu
centro e a distância (di) entre o
Tabela 1: Distância encontrada entre a costela e o
marcador (mi) e o centro da costela
marcador correspondente, obtidas em
(pi).
capacidade pulmonar total (CPT) e
capacidade residual funcional (CRF) e a
Esse procedimento foi realizado para as
diferença entre elas. Medidas em mm.
imagens correspondentes à CPT e à CRF, sendo
obtidas duas distâncias, dCPT e dCRF. A diferença
Dist Dist
entre essas duas distâncias (dCPT-dCRF) foi assumida Costela Diferença
CPT CRF
como representativa da movimentação relativa
5 esquerda 3 1 .8 3 4 .4 -2 . 6
entre o marcador e a costela. Esse procedimento
5 direita 3 1 .5 2 8 .7 2 .7
foi repetido para todas as costelas que puderam ser
6 esquerda 2 3 .3 2 5 .0 -1 . 7
identificadas nos cortes adjacentes ao corte
6 direita 2 2 .9 2 1 .9 1 .0
contendo o marcador correspondente.
7 esquerda 2 2 .2 2 5 .1 -2 . 9
7 direita 1 8 .0 1 8 .7 -0 . 6
RESULTADOS
8 esquerda 2 0 .8 2 4 .6 -3 . 9
8 direita 1 4 .6 2 2 .6 -8 . 4
Média±desvio 23.1±5.9 25.1±4.7 -2.1±3.3
No tocante aos erros de medição do sistema,
a análise da distância entre dois pontos situados em
padrão
um corpo rígido teve valor verdadeiro
convencional, medido diretamente, igual a
138,25mm e valor médio das medidas feitas pelo
A diferença média entre as distâncias Alguns métodos foram utilizados para
obtidas para todas as costelas foi igual a -2,1mm. minimizar o erro gerado pelo deslizamento da pele.
A maior diferença foi encontrada para a costela 8 Os valores RMS dos erros de posicionamento dos
direita (-8,4mm), enquanto a menor diferença foi marcadores foram reduzidos de 15mm para 10mm
encontrada para a costela 7 direita (-0,6mm). A na determinação na posição do trocanter maior, e
maioria das diferenças apresentou valores de 7mm para 4,5mm na determinação da posição
negativos, indicando que a distância em CPT foi do fêmur [1]. Como pôde ser observado, o valor
menor que a distância em CRF. médio encontrado neste trabalho (-2,1mm)
Em relação ao posicionamento dos referente ao deslizamento da pele foi menor que os
marcadores, foi verificado que um deles foi fixado relatados na literatura, mesmo quando foram
sobre o oitavo espaço intercostal no lado esquerdo usados métodos para minimizar o efeito deste
ao invés da costela. Uma vez que esse marcador deslizamento na determinação da posição dos
não representava a posição de uma costela ele foi membros inferiores.
desconsiderado nos cálculos das distâncias.
CONCLUSÃO

DISCUSSÃO A partir dos resultados alcançados pode-se


concluir que a metodologia proposta é adequada
Embora a maioria dos estudos na literatura para a análise tridimensional da movimentação da
reporte dados referentes aos membros inferiores, caixa torácica.
os valores sobre a movimentação relativa entre o
marcador e a costela encontrados neste trabalho AGRADECIMENTOS
foram menores ou similares aos relatados para
outros segmentos. Fuller et al [9], utilizando pinos Financiado por Capes e Fapesp (00/01293-
inseridos em proeminências ósseas e análise 1).
cinemática, encontraram deslizamentos entre os
marcadores sobre a perna e o osso por volta de REFERÊNCIAS
20mm, enquanto Sangeux et al [2] encontraram
diferenças máximas de 20mm de translação e 15º [1] Leardini A, Chiari L, Della Croce U,
Cappozzo A. Human movement analysis
de rotação na posição e orientação da coxa e da using stereophotogrammetry Part 3. Soft
perna calculada através de clusters de marcadores e tissue artifact assessment and
da posição tridimensional do fêmur e da tíbia,
compensation. Gait Posture 2005;21:212-
225.
obtidas por imagens de ressonância magnética.
Comparando a posição relativa dos marcadores [2] Sangeux M, Marin F, Charleux F, Durselen
L, Ho Ba Tho M. Quantification of the 3D
com respeito às vértebras obtidas em imagens de
relative movement of external marker sets
ressonância magnética, Ciavarro et al [3] vs. bones based on magnetic resonance
encontraram uma diferença de até 35 mm. imaging. Clin. Biomech. (Bristol, Avon)
2006;21(9):984-91.
[3] Ciavarro GL, Santambrogio GC, Andreoni e-mail:
G. Assessment of soft tissue artifacts for ksarro@fef.unicamp.br
flexion/extension movements of the
lumbar spine. J. Biomech. Abstracts of the ricardo@fef.unicamp.br
5th World Congress of Biomechanics;
2006;39(Supplement 1):S172-S173.

[4] Sarro KJ, Silvatti AP, Barros RML.


Metodologia para análise da
movimentação da caixa torácica durante a
respiração. Proc of X Congresso
Brasileiro de Biomecânica; 2003. p. 132 -
136.

[5] Sarro KJ, Silvatti AP, BARROS RML.


Análise cinemática dos padrões de
movimentação da caixa torácica de
nadadores durante a respiração. Proc of XI
Congresso Brasileiro de Biomecânica;
2005. p. 132 - 136.

[6] Sarro KJ, Silvatti AP, BARROS RML.


Separate trunk volumes and ribs motion
correlations in swimmers. Proc of XXIV
International Symposium on Biomechanics
in Sports; 2006. p. 108 - 111.

[7] INMETRO. Vocabulário internacional de


termos fundamentais e gerais de
metrologia. 3 ed. Rio de Janeiro, 2003.

[8] Hasegawa-Johnson M, Cha JS, Haker K.


CTMRedit: a Matlab-Based Tool for
Segmenting and Interpolating MFU and
CT Images in Three Orthogonal Planes.
Proc of 1999 IEEE ENGINEERING IN
MEDICINE AND BIOLOGY 2lST
ANNUAL CONFERENCE AND THE 1999
ANNUAL FALL MEETING OF THE
BIOMEDICAL ENGINEERING SOCIETY;
1999. p. 1170.

[9] Fuller J, Liu L-J, Murphy MC, Mann RW.


A comparison of lower-extremity skeletal
kinematics measured using skin- and pin-
mounted markers. Hum. Mov. Sci.
1997;16:219-242.

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