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1. Introdução
A língua Citshwa pertence ao Grupo S.51 Tshwa-Ronga (cf. Guthrie 1948). De acordo
com os dados do Censo de 2007, essa língua é falada por 693.386 indivíduos (INE 2010), os
Há ainda alguns indícios de que essa língua ainda é falada nas regiões meridionais da
República do Zimbabwe e da República da África do Sul (cf. Ngunga & Faquir 2011). O
Citshwa divide-se em seis dialetos (cf. Ngunga & Faquir 2011), a saber: Xikhambane,
objeto de pesquisa a variante Cidzivi, por ter sido adotada como variante padrão.
causativização morfológica e analítica, as quais são produtivas na língua. Outro objetivo será
investigar a natureza semântica da causação: se ela é direta ou indireta (cf. Whaley 1997).
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O presente trabalho faz parte do Projeto “Descrição e Documentação de Línguas Moçambicanas”, o qual é
coordenado pelo Prof. Dr. Fábio Bonfim Duarte (UFMG-Brasil) e pelo Prof. Dr. Armindo Ngunga (UEM-
Moçambique). Esse projeto é financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES/Brasil), por meio do Edital n o 33/2012 (Programa Internacional de Apoio à Pesquisa e ao Ensino por
meio da Mobilidade Docente e Discente Internacional – Pró-Mobilidade Internacional).
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Quesler Fagundes Camargos é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da
Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil). E-mail: queslerc@yahoo.com.br.
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Indra Marrime Manuel é licenciada em Ensino de Línguas Bantu da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da
Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique). E-mail: marrimemanuel2013@gmail.com.
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Domingas Machavele é aluna do curso de Licenciatura em Ensino de Línguas Bantu da Faculdade de Letras e
Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique). E-mail: domingasmachavele@gmail.com.
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III Conferência Internacional sobre Dinâmicas Sociais em África: rupturas e continuidades
Maputo (Moçambique), 19 a 20 de dezembro de 2014
Este trabalho está divido quatro seções, incluindo esta introdução. Na seção 2,
As línguas naturais, de modo geral, são ricas e diversas com relação aos mecanismos
de mudança de valência verbal (cf. Whaley 1997). Talvez um dos processos de aumento de
valência provavelmente mais comum nas línguas naturais seja a causativização. Este
fenômeno linguístico envolve uma estrutura causativa que corresponde a uma expressão
linguística de causação. É necessário ressaltar que causação, por sua vez, é um conceito
epifenômeno que envolve duas microssituações, a saber: a causa e o efeito dessa causa.
Assim, um determinando agente causador deve ser o responsável por desencadear um evento
(=evento da causação) que causa outro evento (=evento causado). Vale notar que não é
sempre claro o modo como um evento pode causar outro evento, uma vez que a conexão entre
Tendo em vista que a causação não é concreta, é esperado que haja nas línguas
humanas diferentes estruturas para expressar a causativização. De modo geral, de acordo com
Comrie (1981), as expressões causativas se apresentam, pelo menos, em três formas: lexical,
morfológica e analítica. O autor ainda afirma que todas as línguas apresentam ao menos um
tipo de estrutura causativa. Apesar dessa variação tipológica, todas estas estruturas
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Em uma perspectiva puramente semântica, Whaley (1997) afirma ainda que as línguas
imprescindível observar que essa relação provavelmente já tenha sido lexicalizada ao longo
da evolução da língua (cf. Lyons 1979). Veja a seguir dois exemplos que ilustram esse
fenômeno no português:
valência por meio da causação, sem que haja alteração na forma verbal, conforme os
exemplos abaixo (as causativas homônimas também são chamadas pela literatura linguística
de alternância incoativa-causativa):
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Note que, nos exemplos em (3) e (4), os verbos abrir e quebrar apresentam a mesma
meio de morfologia causativa. Conforme Comrie (1981), há, pelo menos, duas situações
possíveis. Primeiro, o verbo causativo está relacionado com um predicado não causativo,
conforme os exemplos5 do turco em (5) e (6), retirados de Çetinoğlu et al. (2010: 44):
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Abreviaturas utilizadas neste trabalho: ACC: Caso acusativo; APPL: morfema aplicativo; CAUS: morfema
causativo; DAT: Caso dativo; INF: infinitivo; LOC: sufixo de locativo; MO: marca de objeto; MS: marca de sujeito;
NOM: Caso nominativo; PASS: morfema de passiva; PAST: marca de tempo passado; VF: vogal final.
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inacusativo uyu ‘dormir’ no verbo transitivo uyu-t ‘fazer dormir’. Para isso, esse causativo
que o sujeito inicial, a saber: o DP kedi ‘o gato’, passa a exercer a função de objeto.
Paralelamente, em (6), o verbo transitivo kovala ‘perseguir’ também pode receber o morfema
A segunda situação, proposta por Comrie (1981), diz respeito ao contexto no qual um
verbo causativo é formado a partir de outro verbo causativo – dupla causativização. De acordo
com Pylkkänen (2002, 2008), apesar de haver certas limitações semânticas, esse processo é
Vemos que, em (7a), figura o verbo inacusativo nak ‘chorar’ que seleciona o DP
sujeito kodomo-ga ‘criança’. Já em (7b), por ter recebido o causativo {-asi}, o novo predicado
kodomo-o ‘a criança’. Esse transitivo causativo pode receber ainda outro morfema causativo
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sintática de sujeito; o argumento John-ni ‘John’ que recebe a marca de dativo; e, por fim, o
contração do elemento causativo com o verbo da oração não causativa. Dizendo de outra
forma: a estrutura causativa não é realizada por meio de uma oração simples. Assim, o
predicado que expressa a noção de causação e o predicado do efeito dessa causação estão
sintaticamente separados. As orações não causativas em (8a) e (9a) terão, como causativo
3. Causativização em Citshwa
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há a contração do elemento causativo com o verbo da oração não causativa. Assim, a estrutura
causativa não é realizada por meio de uma oração simples. Veja que o predicado que expressa
Note que, nos dois exemplos acima, os verbos inacusativo e inergativo são
causativizados por meio do verbo kumaha ‘fazer’. O resultado, como pode-se ver, é a
realização de uma causativização analítica, uma vez que o evento causativo e o evento
causado são introduzidos por unidades lexicais distintas. Veja a seguir um exemplo de
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causativizados por meio do verbo kumaha ‘fazer’. Como pode-se notar, o resultado é a
realização de uma causativização analítica, visto que o evento causativo e o evento causado
a qual pode se juntar a verbos inacusativos, inergativos e transitivos. De modo geral, quando
um predicado verbal recebe esse morfema, seu sujeito passa a exercer a função sintática de
objeto, ao passo que um novo argumento é inserido na estrutura argumental com a função
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Note que, nos dois exemplos acima, os verbos inacusativo e inergativo, após
receberem a morfologia causativa {-is}, aumentam sua valência verbal, tornando-se verbos
transitivos. Nesse processo, o sujeito, nos exemplos em (a), passam a exercer a função
sintática de objeto, nos exemplos em (b). Além disso, um novo sujeito é inserido na estrutura
argumental. Em termos semânticos, vale a pena ressaltar que esse novo sujeito exerce a
função de agente, o qual tem a função de desencadear o evento da causação. Observe que é o
evento da causação, por sua vez, o responsável por “causar” o evento causado. Veja a seguir
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No exemplo acima, o verbo transitivo, depois de receber a extensão {-is}, aumenta sua
valência verbal, tornando-se um verbo bitransitivo causativo. Nesse processo, o sujeito passa
argumental. Semanticamente, esse novo sujeito exerce a função de agente, o qual tem a
função desencadear o evento da causação. O evento da causação, por sua vez, é o responsável
lexicais hererônimas. Note que, nos exemplos abaixo, a forma não causativa não apresenta
nenhuma relação fonológica com sua contraparte causativa. Mais precisamente, a forma
causativa e a forma não causativa são realizadas por itens lexicais distintos:
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morfossintática de causativização lexical, de tipo heterônima. Isso fica evidente, visto que o
predicado não causativo, em (a), e sua contraparte causativa, em (b), não possuem nenhuma
relação morfológica entre si. Não é possível identificar nos exemplos em (b) nenhuma adição
de morfologia causativa.
causativização lexical que se caracteriza pela mudança fonológica de parte do radical, a qual,
no entanto, não corresponde à adição de uma morfologia causativa específica. Ao passo que a
lexical não produtiva apresenta uma variedade significativa de formas. Pode-se dizer que
todas as causativas que não são realizadas com o morfema {-is}, exceto as analíticas
(perifrásticas), são na verdade causativas lexicais não produtivas. Vejam os exemplos abaixo:
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Note nos exemplos acima que o predicado não causativo em (a), após a causativização
em (b), apresenta uma mudança na estrutura fonológica do seu radical. Contudo, diferente do
que ocorre com a causativa morfológica produtiva, essa mudança fonológica parecer ser
semânticos.
processo causativo é compreendido como uma estrutura bieventiva, tendo em vista que
envolve a realização de dois eventos que ocorrem em momentos distintos. Dessa forma, o
elemento causador que desencadeia o evento da causação, o qual induz o elemento causado a
Segundo Whaley (1997), a natureza semântica da causação pode ser de dois tipos, a
saber: direta ou indireta. Na causação direta, o causador realiza um evento da causação que
tem impacto direto e imediato sobre o elemento causado. Nesse contexto, o causador
causador realiza um evento da causação mais distante do evento causado. Logo não tem um
impacto direto e imediato sobre o elemento causado. Nesse contexto, o causador pode atuar
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de forma deliberada mas não manipulativa. Diferente da causação direta, o elemento causado
não apresenta necessariamente propriedades semânticas de afetação. Ele poder ser um agente.
(1997) e Pylkkänen (2002, 2008), nossa hipótese é que a língua Citshwa utiliza as causativas
lexicais para codificar a causação direta e usa as causativas morfológicas produtivas para
seguir:
Observe que, no exemplo (23a), há o verbo monoeventivo kuhuma ‘sair’, o qual possui
(23c), o verbo kuhuma ‘sair’ é causativizado, tornando-se uma estrutura bieventiva: com um
exemplo (23b) ilustra a causativização lexical não produtiva, uma vez que a causativização
não envolve a adição da extensão verbal causativa {-is}. Assim, a natureza semântica do
evento da causação deve ser direta, ou seja, o DP wasati ‘mulher’ exercer um ação que tem
impacto imediato e direto sobre o DP mufana ‘menino’. O exemplo (23c), por sua vez,
causação deve ser indireta. Dessa forma, o evento desencadeado pelo DP wasati ‘mulher’ não
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tem um impacto direto sobre o DP mufana ‘menino’. Veja outro exemplo abaixo que ilustra a
Note que, no exemplo (24a), temos o verbo transitivo kuyambala ‘calçar’, o qual
apresenta dois argumentos nucleares. No exemplo (24b), esse predicado apresenta uma forma
bitransitiva causativa lexical. Logo, sua semântica deve ser de causação direta: a ação
efetuada pelo DP Maria tem um impacto direto e imediato sobre o DP nwana ‘criança’. O
predicado no exemplo (24c), no entanto, por ter sido causativizado pelo morfema {-is},
apresenta uma semântica de causação indireta: a ação efetuada pelo DP Maria não tem um
recebe distintos papéis temático em cada uma das causativizações. Na causativização lexical
em (24c), todavia, esse DP recebe a propriedade semântica de agente, uma vez que exerce a
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5. Considerações finais
Vimos que essa língua apresenta, com base em Comrie (1981), as causativizações lexicais,
morfológicas e analíticas. Nas causativas lexicais, o predicado não causativo e sua contraparte
causativa não apresentam uma correspondência fonológica regular, mas sim idiossincrática.
Nas causativas morfológicas, a língua disponibiliza a extensão verbal {-is}, a qual pode se
juntar a verbos inacusativos, inergativos e transitivos. Nas caustivas analíticas, por fim, a
língua utiliza um verbo causativo pleno, a saber: kumaha ‘fazer’, o qual seleciona como
A partir dos trabalhos de Shibatani (1976), Whaley (1997) e Pylkkänen (2002, 2008),
outro objetivo foi investigar a natureza semântica da causação. O intuito era verificar se o
indireta. De modo geral, notamos que a causativa morfológica produtiva é invariante: seu
sufixo causativo será sempre {-is}. Além do mais, essa causativa produtiva está diretamente
direto e imediato sobre o causado. Por sua vez, a causativização lexical não produtiva pode
ser identificada de duas maneiras, a saber: (i) em termos morfológicos, ela é frequentemente
Bibliografia
Comrie, B. (1981). Language universals and linguistic typology: syntax and morphology.
Chicago: University of Chicago Press.
Guthrie, M. (1948). The classification of the Bantu languages. London: Oxford University
Press for the International African Insitute.
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Whaley, L. (1997). Introduction to typology: the unity and diversity of language. Newbury
Park: Sage Publications.
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