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Yi-Fu Tuan é um geógrafo cultural e filósofo humanista americano de origem chinesa.

Ele é
conhecido por seus estudos sobre a relação entre a cultura e o ambiente, a geografia humana
e a fenomenologia da percepção espacial. Yi-Fu Tuan nasceu em 5 de dezembro de 1930, na
China, mas emigrou para os Estados Unidos em 1951. Ele é professor emérito de Geografia na
University of Wisconsin-Madison, onde lecionou por muitos anos. Seus livros incluem
"Topofilia: Um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente" e "Espaço e lugar: A
perspectiva da experiência".

Cap. 13 – TEMPO E O LUGAR

O lugar é um mundo de significados organizados. É essencialmente um conceito estático. Se


víssemos o mundo como processo, em constante mudança, não seriamos capazes de
desenvolver nenhum sentido de lugar (Pg. 198)

A maioria dos movimentos não são grandes empreendimentos estruturados ao redor dos
pontos antípodas do lar e da meta. A maioria dos movimentos completa um caminho mais o
menos circular, ou oscila para trás e para frente, como um pêndulo. No lar, os móveis como
uma escrivaninha, uma poltrona, a pia da cozinha e a cadeira de balanço na varanda são
pontos ao longo de um complexo caminho de movimento que é seguido dia após dia. Estes
pontos são lugares, centros para organizar mundos. Como um resultado do uso habitual, o
próprio caminho adquire uma densidade de significado e uma estabilidade que são traços
característicos de lugar. O caminho e as pausas ao longo dele, juntos, constituem um lugar
maior. (Pg. 200)

O mundo nômade consiste em lugares conectados por caminhos (...) Os nômades se deslocam,
mas se deslocam dentro de uma área circunscrita (...) os nômades descansam e acampam
quase que nos mesmos lugares (paisagens e cacimbas) ano após ano, os caminhos que seguem
mostram poucas mudanças. Para os nômades, as exigências cíclicas da vida produzem uma
sensação de lugar em duas escalas: os acampamentos e o território muito maior no qual se
movimentam. (Pg. 200)

Na sociedade moderna a relação entre mobilidade e sensação de lugar pode ser complicada
(...) Não se faz confusão entre o trabalho mais ou menos enfadonho no escritório e assistir à
televisão em casa; e as duas semanas de férias na praia, são um acontecimento muito
esperado. Os lugares de importância pessoal não mudam com o passar dos anos; a família vai
pra Bringhton no verão. Com o tempo, a sensação de lugar se estende além das localidades
individuais para uma região definida por essas localidades. (Pg. 202)

O segundo tema, intimamente relacionado com o primeiro, é “quanto demos para se conhecer
um lugar”? O homem moderno se movimenta tanto, que não tem tempo de criar raízes; sua
experiência e apreciação de lugar é superficial. (...) Mas “sentir” um lugar leva mais tempo: se
faz de experiências, em sua maior parte fugazes e pouco dramáticas, repetidas dia após dias e
através de anos. É uma mistura singular de vistas, sons e cheiros, uma harmonia impar de
ritmos naturais e artificiais, como a hora do sol nascer e se pôr, de trabalhar e brincar. (Pg.
203)

A afeição, por uma pessoa ou uma localidade, raramente é adquirida de passagem. No


entanto, o filosofo James K. Feibleman observou: “A importância dos acontecimentos na vida
de qualquer pessoa está mais diretamente relacionada com a sua intensidade do que com a
sua extensão...”. (Pg. 203)

Uma experiência breve mas intensa é capaz de anular o passado, de moda que estamos
dispostos a abandonar o lar pela terra prometida. Ainda mais curioso é o fato de que as
pessoas podem desenvolver uma paixão por um certo tipo de ambiente sem terem tido um
contato direto com ele. (Pg. 204)

A experiência de tempo de uma criança pequena difere da de um adulto. Para a criança


pequena, o tempo não “flui”; ela fica no tempo como se estivesse fora dele, permanecendo
como criança aparentemente para sempre. Para o adulto o tempo corre, empurrando-o para
frente quer queira, quer não. (Pg. 205)

A sensação de tempo afeta a sensação de lugar. Na medida em que o tempos de uma criança
pequena não é igual ao de um adulto, tampouco é igual sua experiência de lugar. (Pg. 206)

À medida que se vive, o passado aumenta. (Pg. 206)

Os objetos seguram o tempo. É claro que eles não precisam ser haveres pessoais. Podemos
tentar reconstruir nosso passado com breves visitas ao nosso velho bairro e ao local de
nascimento dos nossos pais. (...) Os haveres pessoais – cartas velhas e o canapé da família –
são objetos aos quais estão emocionalmente apegados, o sabor do passado rondando sobre
eles. (Pg. 207)

Os jovens vivem no futuro; eles fazem, em vez do que eles possuem, define seu sentido de
personalidade. No entanto, os jovens ocasionalmente olham para o passado; podem sentir
saudades do seus curto passado e sentirem-se donos das coisas (Pg. 207 e 208)

Algumas pessoas se empenham em recordar o passado. Outras, ao contrário, procuram apagá-


lo, achando-o um peso como os haveres materiais. A afeição pelas coisas e a veneração pelo
passado frequentemente vão juntas. (Pg. 208)

As sociedades, como os indivíduos, têm atitudes diferentes em relação a tempo e lugar. (Pg.
208)

Entre os povos pré-letrados, faltam não somente os meios, mas também a vontade de pensar
historicamente. (Pg. 209)

A história tem profundidade e o tempo confere valor. Estas ideias provavelmente se


desenvolvem nas pessoas que vivem rodeadas de artefatos que sabem ter custado muito
tempo para serem feitos. (Pg. 211)

As mudanças notáveis no estilo arquitetônico estimulam a seletividade do olho para ver a


história como uma longa crônica com argumentos que não se repetem. Entretanto, uma
paisagem desfigurada com velhos edifícios não convida ninguém a interpretá-la
historicamente; precisa-se de um “olho seletivo” para essa interpretação. (Pg, 213)

O conceito de ‘antiguidade’ é moderno, como também a ideia de que os móveis e prédios


velhos têm um valor especial conferido pelo tempo e que devem ser preservados. (Pg. 213)
O interesse pelo passado aumentou como desejo de colecionar e possuir objetos materiais e
com o crescente prestígio da curiosidade educada. (Pg. 213)

Ainda na idade média as pessoas ricas é que se deram início a constituição de acervos
pessoais, pautados na raridade e não na idade das peças, que incluíam raridades naturais e
feitas pelo homem. No começo, a coleção visava apenas o prazer, orgulho e esclarecimento de
um grupo seleto. Durante o século XVIII é que o público teve acesso aos museus. (Pg. 214)

No período iluminista, os europeus cultos demonstravam uma crescente fascinação pelo


passado, pela ideia de desenvolvimento e de memória. (Pg. 214)

Na filosofia, nessa época, um dos maiores interesses era o fenômeno da memória. Os filósofos
apontavam que, lembrando, o homem poderia evitar as sensações meramente momentâneas,
o nada que o espera de emboscada entre os momentos de sua existência. E que melhor auxílio
para a memória do que as evidências tangíveis do passado – móveis antigos, prédios antigos e
coleções de museu? (Pg. 214)

O culto ao passado, como tornou-se evidente com a criação de museus e com a preservação
de velhos prédios, foi um tipo de consciência que surgiu em determinada etapa da história da
Europa. Pouco tem a ver com o fato de se estar enraizado no lugar. O arraigamento é
essencialmente subconsciente. (Pg. 214)

O culto ao passado requer ilusão em vez de autenticidade. (...) Uma função importante dos
museus é produzir ilusões didáticas. (Pg. 215)

Quando um povo deliberadamente muda seu ambiente e sente que controla o seu destino,
tem poucos motivos para sentir saudade. As sociedades históricas nãos precisam estar
voltadas para o passado, podem ser fundadas para preservar materiais que marcam as etapas
de um crescimento tranquilo e que apontam para o futuro. Quando, por outro lado, um povo
percebe que as mudanças estão ocorrendo muito rapidamente, rodando sem controle, a
saudade de um passado idílico aumenta sensivelmente. (Pg. 216)

As sociedades históricas e os museus proliferaram para atender às duas percepções de tempo.


Na década de 1960 foram inaugurados cerca de 2.500 museus de história, nos Estados Unidos,
em comparação com os 274 museus que funcionam no subcontinente indiano. (Pg. 216)

As autoridades urbanas e os cidadão se deparam com um problema essencialmente


interessante. Quais as facetas do passado urbano que devem ser preservadas? Com certeza
não serão as evidências de fracasso social, como velhas prisões, hospícios e casas de correção.
Estas são eliminadas sem remorso ou preocupação com a natureza sagrada da história. As
obras de arte e os livros são conservados em galerias e bibliotecas. (Pg. 217)

O entusiasmo pela preservação nasce da necessidade de ter objetos tangíveis nos quais se
possa apoiar o sentimento de identidade. (Pg. 217)

Por que mudar? O passado realmente existiu. Tudo o que somos devemos ao passado. O
presente também tem valor; é nossa realidade experiencial, o ponto sensível da existência
com sua mistura rudimentar de alegria e tristeza. O futuro, ao contrário, é uma expectativa.
(Pg. 218)

Examinamos sucintamente ceras relações entre tempo e a experiencia com lugar. Os pontos
principais são: 1) Se o tempo for concebido como fluxo ou movimento, então lugar é pausa. De
acordo com esse enfoque, o tempo humano está marcado por etapas, assim como o
movimento do homem no espaço está marcado por pausas. Do mesmo modo como o tempo
pode ser representado por uma flecha, uma orbita circular ou o caminho de um pêndulo
oscilante, assim também os movimentos no espaço; e cada representação tem seu conjunto
característico de pausas ou lugares. 2) se bem que leva tempos para se sentir afeição por um
lugar, a qualidade e a intensidade da experiência é mais importante do que a simples duração.
3) Estar arraigado em um lugar é uma experiência diferente da de ter e cultivar um “sentido de
lugar”. (Pg. 219)

Até onde o esforço é consciente, é a mente que trabalha, e a mente – se lhe permitirmos
exercer seu domínio imperial – anulará o passado, transformando tudo em conhecimento
presente. (Pg. 219)

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