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POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO

CENTRO DE ALTOS ESTUDOS DE SEGURANÇA (CAES)


―CEL PM NELSON FREIRE TERRA‖

MAJ PM MÁRIO KITSUWA

IMPLEMENTAÇÃO DE ESTRATÉGIAS VISANDO À PREVENÇÃO DE SUICÍDIOS


NA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO

São Paulo
2021
POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO
CENTRO DE ALTOS ESTUDOS DE SEGURANÇA
―CEL PM NELSON FREIRE TERRA‖

MAJ PM MÁRIO KITSUWA

IMPLEMENTAÇÃO DE ESTRATÉGIAS VISANDO À PREVENÇÃO DE SUICÍDIOS


NA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO

Tese apresentada no Centro de Altos


Estudos de Segurança ―Coronel PM
Nelson Freire Terra‖ como parte dos
requisitos para a aprovação no Doutorado
em Ciências Policiais de Segurança e
Ordem Pública.

Orientadora: CEL PM MÔNICA PULITI DIAS FERREIRA

São Paulo
2021
POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO
CENTRO DE ALTOS ESTUDOS DE SEGURANÇA
CURSO SUPERIOR DE POLÍCIA – CSP/2021

MAJ PM MÁRIO KITSUWA

IMPLEMENTAÇÃO DE ESTRATÉGIAS VISANDO À PREVENÇÃO DE SUICÍDIOS


NA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO

Tese apresentada no Centro de Altos


Estudos de Segurança ―Coronel PM
Nelson Freire Terra‖ como parte dos
requisitos para a aprovação no Doutorado
em Ciências Policiais de Segurança e
Ordem Pública.

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São Paulo, ____ de novembro de 2021.

________________________________________________________
CEL PM MÔNICA PULITI DIAS FERREIRA
Doutora em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública – CAES

_________________________________________________________
CEL PM DÉCIO DOS SANTOS GOMES
Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública – CAES

_________________________________________________________
TEN CEL PM MARCELO ALVES DOS SANTOS
Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública – CAES

_________________________________________________________
TEN CEL PM HUGO ARAÚJO SANTOS
Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública – CAES

_________________________________________________________
MAJ PM ADRIANA NUNES NOGUEIRA
Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública – CAES
Dedico este trabalho a todos os agentes do Sistema de Saúde Mental da
Polícia Militar do Estado de São Paulo que, a cada dia, se esmeram para fazer
frente à angústia e sofrimentos dos policiais militares.
Ao amigo e irmão, Major PM Luiz Claudio Rodrigues Alves (in memorian).
Aos meus pais, Yoko e Nelson (in memorian); e irmãos, Marie, Marcelo (in
memorian) e Maurício.
Em especial, à minha esposa Daniela e aos meus filhos Julia, Isabela e
Mateus!
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por tudo que proporciona!


À Cel PM Mônica Puliti Dias Ferreira, Diretora-Geral do Sistema de Saúde
Mental. Agradeço pela confiança, apoio nos momentos difíceis desta jornada e por
me conduzir com maestria neste percurso acadêmico. As orientações cuidadosas
que recebi foram fundamentais para a construção desta tese.
Ao Cel PM Leandro Gomes Santana, pela amizade de longa data e por me
mostrar a importância do Sistema de Saúde Mental.
Aos membros da banca de qualificação e examinadora, Cel PM Décio dos
Santos Gomes, Ten Cel PM Marcelo Alves dos Santos, Ten Cel PM Hugo Araújo
Santos e Maj PM Adriana Nunes Nogueira, sempre dispostos a ajudar na construção
deste trabalho e profundos conhecedores da alma humana.
A todos os agentes do Sistema de Saúde Mental da Polícia Militar do Estado
de São Paulo que, a cada dia, se esmeram para fazer frente à angústia e
sofrimentos dos policiais militares.
Aos oficiais e praças do CAPS por todo o empenho para bem cumprir a
missão de promover a saúde mental e prevenir o adoecimento dos policiais militares.
Peço escusas por não nominá-los, mas o espaço seria insuficiente para expressar
toda a minha admiração e os meus mais profundos agradecimentos!
À Maj PM Daniele Almeida e equipe; e à Maj PM Jussara Tavares Lopes e
equipe; vocês foram fundamentais nesta trajetória.
Aos amigos e irmãos Maj PM Alex Mena Barreto, que ajudou nos mistérios
das configurações e na formatação deste trabalho e Maj PM Alex Coschitz Terra. E,
especialmente, ao Maj PM Luiz Claudio Rodrigues Alves (in memorian), por tanto me
inspirar nos estudos! Schwerpunkt!
Aos meus irmãos, Marie, Marcelo (in memorian) e Maurício; e,
especialmente aos meus pais, Yoko e Nelson (in memorian), por toda a
generosidade e amor. Meu pai lutou bravamente durante toda a vida, contudo, foi
chamado por Deus no mesmo período em que eu escrevia esta tese; mas, por certo,
continua a me inspirar e a me ensinar sobre as coisas da vida!
Em especial, à minha esposa Daniela e aos meus filhos Julia, Isabela e
Mateus! Tiveram muita paciência e me entregam muito amor!
Muito obrigado!
RESUMO
O suicídio é um fenômeno complexo, multideterminado e sobre o qual ainda recaem
dúvidas sobre a possibilidade de preveni-lo. O objetivo principal desta pesquisa foi
mapear as características dos suicídios de policiais militares e, paralelamente,
apresentar propostas alinhadas à perspectiva de promover a Valorização do Policial
Militar. Como método, optou-se por empreender uma pesquisa exploratória e
descritiva. O banco de dados do Centro de Atenção Psicológica e Social constituiu a
base deste trabalho, ao qual foram agregadas informações do Sistema Integrado de
Recursos Humanos e do Sistema de Gestão de Pessoas, ambos da Diretoria de
Pessoal. Complementarmente, foram adicionados informações sobre empréstimos
consignados, do Centro Integrado de Apoio Financeiro (CIAF). Seguindo a
recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), buscou-se extrair, quando
possível, o coeficiente de suicídios de policiais militares por grupos de 100 mil
pessoas. Para tanto, utilizou-se dados de efetivo fornecidos pela 1ª Seção do
Estado-Maior, pelo CIAF e pela São Paulo Previdência. Os números absolutos
também foram expressos por se tratar de população abaixo de 250 mil pessoas,
conforme recomendações da OMS. Com relação à amostra, baseou-se em 267
casos referentes ao período de 2010 a 2020. Desse total, 188 eram do serviço ativo
e 79 de policiais militares inativos (veteranos). As taxas médias de suicídio para
cada grupo de 100 mil pessoas foi de: 17,1 (abrangendo ativos e veteranos, homens
e mulheres); 20,8 para homens; 11,8 para mulheres; 13,0 para veteranos; 19,9 para
os do serviço ativo; 22,2 para os oficiais e, para as praças, 19,6. O conflito conjugal
(55,1%) como fator precipitante mais comum alerta para a necessidade de
prevenção, especialmente quanto aos suicídios estendidos (homicídio e suicídio
sequencial). Variáveis como abuso de álcool e empréstimos consignados em folha
de pagamento também foram analisadas. Na PMESP os suicídios consumados com
arma de fogo (79,8%) foram sensivelmente inferiores aos da Polícia Italiana (87,5%)
e da PMAL (88,2%), mas desperta preocupação. Propostas como a integração dos
demais programas e serviços de atenção à saúde mental em prol da prevenção do
suicídio, o desenvolvimento de campanhas, o uso de redes sociais para orientações,
a necessidade de manter e aperfeiçoar a estrutura de saúde mental, a ampliação da
modalidade psicoterapia on-line, dentre outras, foram discutidas. Pesquisas
complementares são necessárias.
Palavras-chave: Polícia Militar. Suicídio. Prevenção. Saúde mental.
ABSTRACT
Suicide is a complex, multi-determined phenomenon on which there are still doubts
about the possibility of preventing it. The main objective of this research was to map
the characteristics of the suicides of military police officers and, in parallel, to present
proposals aligned with the perspective of promoting the Valorization of the Military
Police. As a method, it was decided to undertake an exploratory and descriptive
research. The database of the Psychological and Social Care Center constituted the
basis of this work, to which information from the Integrated Human Resources
System and the Personnel Management System, both from the Personnel
Directorate, were added. In addition, information on payroll-deductible loans from the
Integrated Financial Support Center (CIAF) was added. Following the
recommendation of the World Health Organization (WHO), we sought to extract,
when possible, the coefficient of suicides by military police officers by groups of
100,000 people. To do so, we used headcount data provided by the 1st Section of
the General Staff, by CIAF and by São Paulo Previdência. Absolute numbers were
also expressed because it is a population below 250,000 people, as recommended
by the WHO. Regarding the sample, it was based on 267 cases referring to the
period 2010 to 2020. Of this total, 188 were active duty and 79 inactive military police
(veterans). The average suicide rates for each group of 100,000 people was: 17.1
(covering actives and veterans, men and women); 20.8 for men; 11.8 for women;
13.0 for veterans; 19.9 for those in active service; 22.2 for Officers and 19.6 for
Squares. Marital conflict (55.1%) as the most common precipitating factor alerts to
the need for prevention, especially regarding extended suicides (homicide and
sequential suicide). Variables such as alcohol abuse and payroll loans were also
analyzed. At PMESP, suicides carried out with firearms (79.8%) were significantly
lower than those of the Italian Police (87.5%) and PMAL (88.2%), but this requires
concern. Proposals such as the integration of other mental health care programs and
services in favor of suicide prevention, the development of campaigns, the use of
social networks for guidance, the need to maintain and improve the mental health
structure, the expansion of the modality online psychotherapy, among others, were
discussed. Further research is needed.
Keywords: Military Police. Suicide. Prevention. Mental health.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Distribuição de diagnóstico de transtornos mentais em casos de


suicídio.............................................................................................. 44
Figura 2 – Mortalidade por suicídio (número de óbitos e taxas brutas por 100
mil habitantes) no estado de São Paulo, entre 2010 a 2019).......... 66
Figura 3 – Evolução dos suicídios no Exército Brasileiro................................... 67
Figura 4 – Suicídios de policiais militares de Alagoas (ativos e inativos), no
período de 2012 a 2020..................................................................... 74
Figura 5 – Linha do tempo do suicídio de veteranos (idade, estado civil, local,
instrumento)...................................................................................... 117
Figura 6 – Média e desvio padrão referente ao tempo de serviço dos policiais
do serviço ativo que morreram por suicídio ..................................... 123
Figura 7 – Suicídio de policiais militares com informação de atendimentos
psiquiátrico prévio............................................................................. 133
Figura 8 – Ocorrências diagnósticas de homens, entre 0 a 10 anos de
serviço, em 2010 (804 pacientes e 1296 ocorrências)..................... 134
Figura 9 – Ocorrências diagnósticas em mulheres entre 0 a 10 anos de
serviço, em 2010 (448 pacientes e 751 ocorrências) ...................... 135
Figura 10 – Instrumentos e meios utilizados em suicídio de policiais militares
de Alagoas (2012 a 2020)................................................................ 138
Figura 11 – Principais fatores de risco para suicídio, alinhados com
intervenções relevantes ................................................................... 148
Figura 12 – Serviços e programas do SiSMen de acordo com a situação
funcional do policial militar ............................................................... 149
Figura 13 – Modelo conceitual de esboço aprimorado de prevenção de
suicídios no Canadá......................................................................... 151
Figura 14 – Quadro esquemático de um modelo de prevenção de suicídios...... 154
Figura 15 – Campanhas........................................................................................ 157
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Suicídio de policiais militares no período de 1999 a 2019................. 80


Gráfico 2 – Suicídios de policiais militares (1980 a 2010).................................... 99
Gráfico 3 – Série histórica de suicídios de policiais militares (1980 a 2020) ...... 100
Gráfico 4 – Suicídio de policiais militares (geral), de 2010 a 2020.......................103
Gráfico 5 – Faixa etária das vítimas de suicídio, no período de 2010 a 2020..... 104
Gráfico 6 – Registros de suicídio de policiais militares veteranos (2010 a 2020). 112
Gráfico 7 – Relação entre o número de veteranos e o número de suicídios de
veteranos, no período de 2010 a 2020 ............................................ 113
Gráfico 8 – Distribuição da faixa de tempo de inatividade dos veteranos que e
morreram por suicídio (2010 a 2020) ............................................... 116
Gráfico 9 – Suicídios de policiais militares, por nível hieráquico das carreiras.. 121
Gráfico 10 – Tempo de serviço dos policiais militares do quadro ativo
mortos por suicídio (2010 a 2020)................................................... 123
Gráfico 11 – Policiais militares do serviço ativo que morreram por suicídio,
divididos de acordo com a faixa etária............................................. 124
Gráfico 12 – Comparativo entre percentuais de empréstimos consignados entre
os policiais militares em geral e policiais militares que morreram
por suicídio (2014 a 2020)................................................................ 130
Gráfico 13 – Homicídio seguido de suicídio por ano............................................. 144
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Fatores de risco do comportamento suicida.......................................42


Tabela 2 – Suicídio em países do mundo em taxas por 100 mil ........................58
Tabela 3 – Número absoluto de suicídios por estado .........................................70
Tabela 4 – Taxas de suicídios por estado ............................................................72
Tabela 5 – Dados sobre suicídios de instituições militares estaduais................73
Tabela 6 – Trabalhos acadêmicos da PMESP contendo o termo ―suicídio‖ no
Título...................................................................................................88
Tabela 7 – Suicídio de policiais militares, por ano................................................102
Tabela 8 – Totais de policiais militares ativos e inativos da PMESP (2010 a 2020)
..........................................................................................................102
Tabela 9 – Distribuição dos suicídios por faixa etária (geral)..............................104
Tabela 10 – Situação conjugal dos policiais militares que morreram por suicídio
........................................................................................................106
Tabela 11 – Situação conjugal e o número de filhos de policiais militares que
morreram por suicídio (2010 a 2020)................................................106
Tabela 12 – Religião dos policiais militares que morreram por suicídio (2010 a
2020).................................................................................................107
Tabela 13 – Religião no Brasil e em São Paulo.....................................................108
Tabela 14 – Suicídio de policiais militares, por sexo..............................................110
Tabela 15 – Taxas de suicídio de policiais militares da ativa, por sexo...............110
Tabela 16 – Atendimentos, divididos entre homens e mulheres, pela psiquiatria do
CMed em 2010..................................................................................111
Tabela 17 – Situação funcional, divididos entre ativos e veteranos (2010 a 2020)...
..........................................................................................................111
Tabela 18 – Taxas de suicídios de veteranos, por ano, no período de 2010 a 2020
..........................................................................................................113
Tabela 19 – Efetivo de veteranos, suicídios de veteranos e taxas, por graus
hierárquicos, no período de 2010 a 2020.........................................114
Tabela 20 – Descrição do tempo de inatividade e o respectivo número de policiais
mortos por suicídio (da respectiva faixa de tempo na inatividade) e
idades mínima e máxima.................................................................115
Tabela 21 – Fatores de risco para o suicídio em veteranos, ao longo. dos anos,
após a transferência para a reserva/reforma....................................118
Tabela 22 – Suicídios por situação funcional, no período de 2010 a 2020.........119
Tabela 23 – Taxas de suicídio de policiais militares da ativa, por grau hierárquico
(2010 a 2020).......................................................................................120
Tabela 24 – Taxas de suicídio sintetizada (2010 a 2020) ....................................120
Tabela 25 – Suicídios de policiais militares por grau hieráquico descrescente...121
Tabela 26 – Estatística descritiva sobre o tempo de serviço dos policiais militares
do quadro ativo que morreram por suicídio (2010 a 2020)...............122
Tabela 27 – Idade dos policiais militares do serviço ativo mortos por suicídio....124
Tabela 28 – Fatores precipitantes (2010 a 2020)...................................................125
Tabela 29 – Suicídio de policiais militares do serviço ativo - precipitante ―conflito
conjugal‖...........................................................................................126
Tabela 30 – Faixa etária dos policiais militares que morreram por suicídio (2010 a
2020).................................................................................................126
Tabela 31 – Média de idade dos policiais militares que morreram por suicídio,
precipitante ―conflito conjugal‖ (2010 a 2020)....................................127
Tabela 32 – Estado civil dos policiais militares que morreram por suicídio,
precipitante ―conflito conjugal‖ (2010 a 2020)....................................127
Tabela 33 – Local em que ocorreram os suicídios com precipitante ―conflito
conjugal‖ (2010 a 2020)...................................................................128
Tabela 34 – Instrumentos utilizados quando o principal precipitante é o conflito
conjugal ...........................................................................................128
Tabela 35 – Policiais militares do serviço ativo que morreram por suicídio, geral e
com empréstimo consignado em folha de pagamento (2014-2020).129
Tabela 36 – Policiais militares com empréstimo consignado em folha de
pagamento (2014 a 2020)................................................................129
Tabela 37 – Policiais militares com empréstimos consignados e pensão
alimentícia, com comparativos entre grupos (2014 a 2020)............131
Tabela 38 – Policiais militares com empréstimo consignado e precipitante de
Suicídio............................................................................................132
Tabela 39 – Instrumentos utilizados para consumação do suicídio.....................139
Tabela 40 – Diferenças entre tentativas e suicídios consumados.......................141
Tabela 41 – Ideação e tentativa de suicídio em policiais militares participantes do
projeto CAPS na OPM.....................................................................141
Tabela 42 - Homicídio seguido de suicídio por ano.............................................. 143
Tabela 43 – Programas de prevenção do suicídio por nível de cobertura
populacional.....................................................................................147
Tabela 44 – Programas de apoio da PMESP.........................................................150
Tabela 45 – Propostas de organizamos internacionais de prevenção de suicídios
para policias e as ações correspondentes do SiSMen ....................155
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APA American Psychological Association


APA American Psychiatric Association
Bol G Boletim Geral
CAES Centro de Altos Estudos de Segurança
CAPS Centro de Atenção Psicológica e Social
CAS Centro de Apoio Social
CASJ Centro de Assistência Social e Jurídica (CASJ)
CASRJ Centro de Assistência Social, Religiosa e Jurídica
CBMDF Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal
CBMERJ Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro
CBMPE Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco
CBMRR Corpo de Bombeiros Militar de Roraima
CBMRS Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul
CIAF Centro Integrado de Apoio Financeiro
CMed Centro Médico
CPA Comando de Policiamento de Área
CPI Comando de Policiamento do Interior
CSAEP Centro de Seleção, Alistamento e Estudos de Pessoal
Cr Crônicas (Bíblia sagrada)
DASOP Departamento de Seleção e Orientação Profissional
DATASUS Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde
DP Diretoria de Pessoal
DS Diretoria de Saúde
DSA/DP Divisão de Seleção e Alistamento, da Diretoria de Pessoal
DSM- V Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais
– 5ª edição
EB Exército Brasileiro
EUA Estados Unidos da América
FBSP Fórum Brasileiro de Segurança Pública
FGV Fundação Getúlio Vargas
GESPOL Sistema de Gestão da Polícia Militar do Estado de São Paulo
IACP International Association of Chiefs of Police
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Jz Juízes (bíblico)
LTS Licença para tratamento de saúde
Mt Mateus (bíblico)
NAPS Núcleo de Atenção Psicossocial
NOSI National Officers Safety Initiatives
NR Nova redação
OC Órgão Central do Sistema de Saúde Mental da Polícia Militar do
Estado de São Paulo
OMS Organização Mundial da Saúde
OPAS Organização Pan Americana de Saúde
OPM Organização Policial Militar
Órgão Técnico-Executivo do Sistema de Saúde Mental da
OTE
Polícia Militar do Estado de São Paulo
PAAPM Programa de Acompanhamento e Apoio do Policial Militar
PAHO Pan American Health Organization
PF Polícia Federal
PPI Programa de Preparação para a Inatividade
PPAD Programa de Prevenção ao Uso Abusivo de Álcool e Outras
Drogas
PPMS Programa de Prevenção às Manifestações Suicidas
PrAp Programa de Aconselhamento Psicológico
Prosen Programa de Sensibilização para o Encerramento da Carreira
Policial-Militar
PMAL Polícia Militar de Alagoas
PMAP Polícia Militar do Amapá
PMERJ Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro
PMESP Polícia Militar do Estado de São Paulo
PMPA Polícia Militar do Pará
PMPB Polícia Militar da Paraíba
PMPI Polícia Militar do Piauí
PMRN Polícia Militar do Rio Grande do Norte
PMTO Polícia Militar de Tocantins
PRF Polícia Rodoviária Federal
PTSD Pós-traumatic stress disorder
QPO Quadro Particular de Organização da Polícia Militar do Estado
de São Paulo
RI-25-PM Regimento Interno do Sistema de Saúde Mental da Polícia
Militar do Estado de São Paulo
Rs Reis (livro bíblico)
SGP Sistema de Gestão de Pessoas
SIM Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde
Sindpolf-SP Sindicato dos Servidores Públicos Civis Federais do
Departamento de Polícia Federal do Estado de São Paulo
SIRH Sistema Integrado de Recursos Humanos
SiSMen Sistema de Saúde Mental da Polícia Militar do Estado de São
Paulo
Sm Samuel (bíblia)
SPPrev São Paulo Previdência
STJ Superior Tribunal de Justiça
TEPT Transtorno de estresse pós-traumático
WHO World Health Organization
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 19

2 NOÇÕES SOBRE O SUICÍDIO .................................................................... 28

2.1 Um breve esboço histórico ........................................................................ 28

2.2 A perspectiva religiosa .............................................................................. 34

2.3 A perspectiva jurídica ................................................................................ 39

2.5 Os fatores de risco: elementos predisponentes e precipitantes............ 41

2.5.1 Tentativas precedentes ................................................................................ 43

2.5.2 Transtornos mentais ..................................................................................... 43

2.5.3 Álcool e outras substâncias .......................................................................... 46

2.5.4 Situação conjugal ......................................................................................... 46

2.5.5 Riscos sociodemográficos ............................................................................ 46

2.5.6 Riscos Psicológicos ...................................................................................... 47

2.5.7 Riscos em função de condições clínicas incapacitantes .............................. 47

2.5.8 Risco ocupacional......................................................................................... 47

2.6 Os impactos da divulgação: do risco à prevenção. ................................ 49

2.7 Fatores de proteção ................................................................................... 53

2.8 Delimitação conceitual ............................................................................... 53

2.9 Epidemiologia ............................................................................................. 55

2.9.1 Suicídios no mundo ...................................................................................... 57

2.9.2 Os suicídios no Brasil ................................................................................... 58

2.9.3 Os suicídios em São Paulo ........................................................................... 61

3 O SUICÍDIO DE POLICIAIS ......................................................................... 62

3.1 As policiais americanas ............................................................................. 63

3.2 As polícias europeias ................................................................................. 64

3.3 Os militares das Forças Armadas ............................................................. 67

3.4 Suicídios das forças de segurança no Brasil........................................... 68


3.4.1 Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal ................................................ 69

3.4.2 Panorama geral nos órgãos estaduais de Segurança Pública ..................... 70

3.4.3 Policiais Militares do Brasil ........................................................................... 73

3.5 A PMESP e a prevenção dos suicídios ..................................................... 75

3.5.1 Um pouco de história .................................................................................... 75

3.5.2 Sistema de Saúde Mental da PMESP .......................................................... 78

3.5.3 Programas e serviços do Sistema de Saúde Mental da PMESP .................. 80

3.5.3.1 PROGRAMA DE PREVENÇÃO A MANIFESTAÇÕES SUICIDAS (PPMS) . 80

3.5.3.2 SERVIÇO SOCIAL ....................................................................................... 83

3.5.3.3 PSICOLOGIA CLÍNICA ................................................................................ 83

3.5.3.4 APOIO PSICOSSOCIAL EM INCIDENTES CRÍTICOS ................................ 84

3.5.3.5 PROGRAMA DE ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO (PRAP) ................ 84

3.5.3.6 O PROSEN ................................................................................................... 85

3.5.3.7 O PPAD ........................................................................................................ 86

3.5.3.8 O PAAPM ..................................................................................................... 86

3.5.4 Pesquisas internas sobre o suicídio ............................................................. 87

4 O MÉTODO: DESCRIÇÃO E PROCEDIMENTOS ...................................... 92

4.1 Bancos de dados ........................................................................................ 93

4.2 Organização do banco de dados desta pesquisa .................................... 93

4.3 Descritores para padronização ................................................................. 95

4.4 Dados gerais ............................................................................................... 96

4.5 Riscos .......................................................................................................... 96

4.6 Recursos e programas eletrônicos ........................................................... 96

4.7 Limitações da pesquisa ............................................................................. 97

5 A ANÁLISE DOS DADOS............................................................................ 98

5.1 Os suicídios ocorridos entre 1980 e 2010 ................................................ 98

5.2 Generalidades sobre os suicídios entre 2010 a 2020 ............................ 101


5.2.1 Os principais dados sociodemográficos ..................................................... 103

5.2.1.1 FAIXA ETÁRIA ........................................................................................... 103

5.2.1.2 CONSTITUIÇÃO FAMILIAR ....................................................................... 105

5.2.1.3 RELIGIÃO ................................................................................................... 106

5.2.2 Sexo ........................................................................................................... 109

5.3 Os policiais militares veteranos .............................................................. 111

5.4 O suicídio de policiais militares do quadro ativo .................................. 119

5.4.1 Variável posto e graduação ........................................................................ 120

5.4.2 Tempo de serviço ....................................................................................... 122

5.4.3 Faixa etária ................................................................................................. 124

5.5 Descrição dos fatores de risco................................................................ 125

5.5.1 Conflitos conjugais...................................................................................... 126

5.5.2 Aspectos financeiros (2014 a 2020) ........................................................... 128

5.5.3 Aspectos psiquiátricos e os transtornos mentais ........................................ 132

5.5.4 Álcool e outras drogas: abuso e dependência ............................................ 136

5.5.5 Meios empregados e o paradoxo da arma de fogo .................................... 138

5.5.6 Tentativas e a ideação suicida ................................................................... 140

5.6 O crime antecedente ao suicídio: o homicídio e a agressão ................ 142

6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E PROPOSIÇÕES ............................. 146

6.1 O modelo e a estrutura de prevenção do PPMS .................................... 146

6.2 Remodelagem da perspectiva preventiva do SiSMen ........................... 149

6.3 Estratégias de integração entre o PPMS e outras iniciativas ............... 151

6.3.1 No nível de prevenção universal ................................................................ 157

6.3.1.1 RESPOSTA INSTANTÂNEA APÓS NOTÍCIA DE SUICÍDIO ..................... 160

6.3.1.2 CAMPANHAS CONTRA PRECONCEITO SOBRE A SAÚDE MENTAL .... 160

6.3.1.3 UTILIZAÇÃO DE REDES SOCIAIS PARA A PREVENÇÃO ...................... 161

6.3.1.4 ESTRUTURA DE PSIQUIATRIA E PSICOLOGIA ...................................... 162


6.3.1.5 FOMENTO À PESQUISA E CAPACITAÇÃO DA EQUIPE DO SISMEN .... 163

6.3.1.6 ESTRATÉGIAS COMPLEMENTARES: ―PROJETO CAPS NA OPM‖ ........ 164

6.3.2 Prevenção seletiva e indicada: ................................................................... 164

6.4 Posvenção ................................................................................................. 165

6.5 Atendimento psicológico on-line ............................................................ 169

6.6 Modelo participativo ................................................................................. 169

6.7 Outras recomendações a partir dos achados desta pesquisa ............. 170

6.8 Importância de normatizar o PPMS......................................................... 171

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 173

REFERÊNCIAS ......................................................................................... 179


19

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem a finalidade de desenvolver uma perquirição relativa


ao fenômeno do suicídio no âmbito da Polícia Militar do Estado de São Paulo. O
aspecto propositivo do trabalho fica patente já no tema, qual seja, a ―Implementação
de estratégias visando à prevenção de suicídios na Polícia Militar do Estado de São
Paulo (PMESP)‖, estando, desse modo, alinhado à área de conhecimento ―Recursos
Humanos‖, habitualmente designada, também, como Gestão de Pessoas.
Pretende-se, portanto, levantar considerações que possam, de fato,
contribuir para a implementação de estratégias de prevenção dos suicídios de
policiais militares. Contudo, não se trata de tarefa fácil. Ao contrário, levanta-se a
reflexão para um assunto inquietante e que, por vezes, se apresenta de forma
perturbadora. Ver os rostos de quem morreu por suicídio nos arquivos existentes
traz à tona a história de vida de cada uma dessas pessoas1.
A reflexão sobre a morte, por si só, já pode ser bastante aflitivo.
Preliminarmente, há que se considerar a inexorável relação em que se há vida,
haverá morte. Embora seja natural aos seres vivos, para o ser humano a morte é
carregada de um complexo conjunto de elementos, estando assim presentes as
crenças, os fatores culturais, as emoções etc. Freud (1996) apontou as três
principais fontes do sofrimento humano:
O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo,
condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar
o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo,
que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e
impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros
homens. (FREUD, 1996, p. 50).
Freud (1996), portanto, enfatiza que a dissolução e a decadência do próprio
corpo constitui uma significativa fonte do sofrimento humano. Nesse sentido, o
destino que se apresenta é a morte, condição inevitável da qual o ser humano é
conhecedor. Esse mesmo autor, ao estudar os elementos que superariam qualquer
possibilidade de controle humano, indica, dentre outros, ―(...) o penoso enigma da
morte, contra o qual remédio algum foi encontrado e provavelmente nunca será‖
(FREUD, 1996, p. 11).

1
Cabe sempre ressaltar que foram adotadas medidas visando a reduzir a possibilidade de
identificação dos policiais militares constantes nos registros.
20

Ter a noção da finitude da vida, uma das principais características da


humanidade, torna a experiência do viver em algo único, moldando nossa
subjetividade. Dentro desse contexto, a morte passa a ser objeto de análises e
estudos, mas, pela sua própria dimensão, traz consigo um penoso dilema.
Estudar o morrer é como olhar para uma poça de água. Nela vemos o
reflexo do tipo de gente que viemos a ser. Por trás das imagens frágeis e
transitórias do nosso eu individual que aparecem na superfície, existem
sugestões de companhia menos familiar: estranhas marés de história,
ressacas culturais que fluem e refluem abruptamente na vida. As
ondulações dessas forças tangem e trabalham a nossa identidade, primeiro
para criá-la, e depois para testá-la antes da sua destituição final na morte.
(KELLEHEAR, 2016, p. 13).
Estudar a morte é, portanto, mergulhar em profundas e complexas reflexões.
Contudo, ao perscrutar o suicídio, adicionam-se outros elementos de elevada
intensidade. Há que se lembrar da eutanásia, do homicídio precipitado pela vítima, a
exposição desnecessária ao risco de morte, os quais são objetos de debates
intensos. Em diferentes épocas, em diferentes circunstâncias, a interrupção
voluntária da própria vida tem acompanhado a humanidade. O suicídio, contudo, traz
em seu bojo elementos intrigantes. Oliveira (2018, p. 84), professor da Universidade
Federal do Piauí, destacando o alarmante número de suicídios entre alunos, muitos
dos quais próximos ao autor, buscou aprofundar a reflexão sobre esse fenômeno,
com supedâneo na filosofia, estabelecendo como ponto de partida a visão de que o
suicídio seria decidir antecipar a própria morte, já que o morrer é circunstância
inevitável:
Eles me forneceram alguns elementos fundamentais para que eu pudesse
repensar as razões que levam um ser humano a ―escolher‖ a morte pelas
próprias mãos. E mais, mostraram-me que a questão, na verdade, não era a
de escolher a morte, uma vez que esta não constitui uma escolha, pois
todos morreremos. O problema é o aspecto voluntário de se decidir pela
morte agora, neste momento, e pelas próprias mãos. (OLIVEIRA, 2018, p.
84).

A morte por suicídio implica, portanto, a ação direta contra si. Diante da
inevitabilidade do morrer, a pessoa age de modo incisivo para antecipar a própria
morte. Embora muitos não venham a consumar o ato, não é incomum pensar sobre
ele, o que traz implicações psicológicas mais amplas:
Tive vários amigos que se suicidaram. Outros, que não foram amigos, mas
por quem tive sincera admiração. Para alguns é possível reconstituir a
história. Outros permanecem mergulhados em mistério. O que assusta é
pensar que, quem sabe, o desejo de morrer também more, encolhido,
dentro da gente. Não tenho medo de andar de avião. Pelo contrário, sinto-
me possuído de uma grande tranquilidade ao olhar para a terra, lá das
alturas. Mas meus sentimentos são diferentes quando me debruço sobre a
21

sacada de um apartamento do 18º andar... Estranho, não? Pois não é muito


mais seguro o edifício? Por que o medo? Onde a diferença? Não está na
altura. Está no fato de que no avião estou protegido contra o meu desejo.
Não posso saltar, ainda que queira. Mas, na sacada do edifício, sinto que há
apenas o meu desejo a me separar da morte. É muito fácil... Quem já não
teve fantasias de suicídio? Eu já. (ALVES, 1991, p. 13)
De fato, as fantasias e as ideias de morte por suicídio podem perpassar pela
mente das pessoas. Contudo, mecanismos internos, comumente, fazem as pessoas
se afastarem desses pensamentos. Nos profissionais que atuam na área da saúde,
agentes muitas vezes colocados à frente dessa questão, também parecem
suscetíveis a mecanismos de defesa:
Em geral, lutamos pela vida e pensamos na morte de forma genérica e
abstrata, como algo distante. O paciente suicida é ameaçador, fere
devoções e expectativas. Ao trazer a morte para mais perto, ele desafia
subterfúgios existenciais de quem o atende. Por isso, vários mecanismos de
defesa psicológica são ativados e se combinam com a finalidade de evitar a
percepção esse drama humano e proteger-nos. Aí entram os preconceitos,
as crenças, a repulsa automática e a noção que construímos a respeito do
que deve permanecer fora de nossa responsabilidade profissional
(BOTEGA, 2015, p. 13).
Ao se perguntar, portanto, ―por que as pessoas se matam?‖, há que se
considerar a forte possibilidade de uma resposta enviesada por uma perspectiva
cultural, religiosa, histórica, psicológica, dentre outros fatores, fazendo-se disparar
esses mecanismos de defesa, como forma de manter a própria integridade psíquica.
Aliás, esse questionamento não é incomum. Bertolote (2012, p. 67) registra
que:
Diante da noticia de um caso de suicídio, uma reação bastante comum – e
natural – é indagar sobre o que o teria causado. Contudo, pouca vezes
pode-se responder com certeza e precisão a esse tipo de ‗por que?‘,
mesmo nos casos em que o suicida tenha deixado alguma nota ou
mensagem ‗explicando‘ as razões de seu ato final.
O suicídio não tem uma causa, mas múltiplas circunstâncias envolvidas no
fenômeno2. Muitas vezes, o suicídio é obliterado por familiares. Por vergonha,
preconceito, receio do julgamento social, enfim, inúmeras razões. Contudo, nas
mídias em geral, suicídios de personalidades são difundidas, gerando reflexões e
debates. No mundo artístico, morreram por suicídio os cantores Chester Bennington,
vocalista do Linkin Park; Chris Cornell, vocalista do Soundgarden e Audioslave; o
vocalista da banda Nirvana, Kurt Cobain; Ian Curtis, vocalista do Joy Division;
Michael Hutchence, vocalista do INXS, além do chef e apresentador Anthony
Bourdain e também o DJ Avicii.
2
Pela sua complexidade, trata-se de um fenômeno multicausal. Por isso, não há como especificar
―a‖ causa. Para a implementação de políticas para a prevenção do suicídio, procura-se identificar
os possíveis fatores de risco, aspecto que será discutido na seção 2 deste trabalho.
22

Atores que traziam um toque de humor às suas interpretações, como Robin


Williams; ou mesmo, comediantes como Fausto Fanti, que se notabilizou com o
―Renato‖ da dupla com ―Hermes‖; Champignon, baixista da banda Charlie Brown Jr;
os atores Flávio Migliaccio e Walmor Chagas. As personalidades históricas como
Santos-Dumont e Cleópatra. Obviamente a morte dessas pessoas foi resultante de
um complexo de fatores, muito embora, por vezes, circunstâncias isoladas sejam
apresentadas de forma exemplificativa. Cassorla (2019), por exemplo, ao procurar
evidenciar as fantasias inconscientes envoltas no suicídio, destaca o do então
presidente do Brasil, Getúlio Vargas:
O suicídio de Getúlio Vargas é demonstrativo: o presidente se vinga de seus
inimigos fazendo com que se sintam responsáveis e culpados por sua
morte. Ao mesmo tempo, escreve em sua carta-testamento: "Saio da vida
para entrar na história", evidenciando sua fantasia de que continuará a
influenciar a nação. É como se continuasse vivo, talvez mais vivo que antes
de seu suicídio. (CASSORLA, 2019, p. 32)

O suicídio de pessoas midiáticas, de fato, pode impressionar pelo amplo


alcance. Importante salientar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) produziu,
por essa razão, um manual para profissionais da mídia, orientando-os a evitar a
glamourização ou a glorificação de quem comete o suicídio, em função do risco
existente de estimular outras pessoas a fazerem o mesmo. E, com relação às
celebridades, recomenda-se redobrar o cuidado ao noticiar suicídios, pois o efeito de
repetição, especialmente entre os mais jovens, é maior (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL
DA SAÚDE, 2000).
O suicídio é um grave problema social e de saúde pública, que atinge todos
os países do mundo. A OMS aponta que mais de 800 mil pessoas tiram a própria
vida, todos os anos, sendo, portanto, um tema prioritário na agenda pública
(WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2014).
O suicídio, como dito, é um fenômeno complexo, multifatorial, multicausal e,
desse modo, envolvem variáveis diversas, exigindo, portanto, um conjunto de ações
para fazer frente a essa realidade; as carreiras policiais, pela sua própria natureza,
parecem apresentar vulnerabilidade.
De fato, o exercício das atividades constitucionais de polícia ostensiva e de
preservação da ordem pública, bem como, as ações de defesa civil – aí
inclusas as atribuições de resgate e salvamento de vítimas de acidentes,
catástrofes e incêndios – por, invariavelmente, envolver o enfrentamento de
situações de perigo e implicar na exposição do policial militar ao confronto
direto com indivíduos transgressores da lei, traz a esse profissional uma
peculiar especificidade de atuação.
23

Notadamente, o profissional de Polícia Militar desempenha um relevante


papel social, posto que suas incessantes intervenções objetivam –
prioritariamente - proteger o cidadão; de modo a preservar a paz, a
tranquilidade, a salubridade - atributos esses também qualificadores da
ordem pública. (SANTANA, 2011, p. 17).
Um trabalho nobre, mas que lida com as agruras da sociedade. O policial
militar, no desempenho de suas atribuições, vivencia momentos extremante críticos;
em contraponto, a valorização e o cuidado dirigidos ao profissional de segurança
pública tem conquistado maior espaço no plano organizacional das instituições.
A Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) está presente nos 645
municípios do estado, 24 horas por dia. Atende a uma população estimada de 46
milhões de pessoas, distribuídas em uma área de quase 250 milhões de km². Para
fazer frente a essa realidade, é fundamental que haja investimentos em tecnologia e
em equipamentos; todavia, de nada adiantaria dispor dos mais modernos recursos
materiais se não houvesse quem os operasse. O ―capital humano‖ é, portanto,
imprescindível em qualquer instituição, em especial, nas atividades ligadas à
Segurança Pública.
E, como fenômeno complexo e multideterminado, exige-se, também, ações
de amplo espectro, de abrangência institucional. Constituem, portanto, problemas
de pesquisa, adiante descritos;
1. Diante da complexidade do fenômeno, é realmente possível prevenir o
suicídio, inclusive nos casos em que ocorre o homicídio seguido de suicídio? A
reorganização das diversas ações e programas no campo da saúde mental pode
colaborar para a prevenção do suicídio?
2. O mapeamento das características dos policiais militares que praticaram
suicídio pode apresentar correlações entre variáveis que sejam relevantes para o
estabelecimento de políticas de prevenção?
3. Embora o número de suicídios seja proporcionalmente maior entre
policiais militares, esse fenômeno não acontece com as tentativas registradas. É
resultado de subnotificação ou de alguma outra circunstância?
4. Os principais fatores de risco e os fatores predisponentes presentes nos
suicídios e nos homicídios seguidos de suicídio praticados por policiais militares se
equivalem à população geral? Se houver diferenças, há como escalonar esses
fatores? Há fatores de proteção que são próprios dos policiais militares?
5. É relevante instituir um corpo normativo sobre o Programa de Prevenção
às Manifestações Suicidas? A implementação de estratégias de prevenção
24

universal, se aplicadas de modo inadequado, podem trazer consequências como o


Efeito Werther?
Os pressupostos adiante apresentados poderão ser confirmados ou
refutados ao final. Constituem, portanto, as hipóteses sobre as quais este estudo se
assenta:
1. É possível estabelecer uma política de saúde mental que contemple a
prevenção do suicídio, a partir de medidas que possam fazer frente à complexidade
do fenômeno, inclusive nos casos em que há homicídio imediatamente antecedente,
mediante o mapeamento de ambas as circunstâncias. A reorganização de
programas, como, por exemplo, a intervenção em incidente crítico nos casos de
suicídio poderia ser o primeiro passo para a posvenção ao suicídio, ofertando apoio
social e psicológico em um primeiro momento e, tornar um protocolo de prevenção.
2. As tentativas de suicídio de policiais militares estariam ligadas a duas
hipóteses: a primeira, a subnotificação das ocorrências; a segunda em função da
disponibilidade de um meio eficaz aos policiais militares.
3. Os principais fatores de risco envolvendo policiais militares, assim como
os fatores de proteção, diferem da população geral, citando-se, por exemplo, os
possíveis transtornos mentais (fator de risco) e o apoio institucional (fator de
proteção).
4. Um corpo normativo sobre o Programa de Prevenção às Manifestações
Suicidas pode ajudar a consolidar práticas gerenciais e operacionais, além de
propiciar elementos para a implementação de políticas de prevenção e indicadores
gerenciais de desempenho.
5. As implementações de estratégias de prevenção universal devem
obedecer a premissas técnicas, para que sejam eficientes e, ao mesmo, não
induzam a riscos como, por exemplo, o ―Efeito Werther‖.
O objetivo geral desta pesquisa consiste em compreender as
características próprias dos suicídios e dos homicídios seguidos de suicídio de
policiais militares, além de apresentar propostas, alinhadas à perspectiva estratégica
da Polícia Militar do Estado de São Paulo de promover a Valorização do Policial
Militar.
Como objetivos específicos, pretende-se:
25

1. Realizar levantamento das características dos suicídios e dos homicídios


seguidos de suicídio praticados por policiais militares, mediante cruzamento das
diversas variáveis;
2. Possibilitar, a partir dos achados científicos, medidas que favoreçam o
manejo clínico dos casos de ideação e tentativa de suicídio de policiais militares;
3. Mapear e analisar os dados alusivos às ocorrências de suicídio e de
homicídio seguido de suicídio perpetrados por policiais militares, bem como de
características pessoais que possam contribuir para associar as variáveis referentes
aos fatores de risco e de proteção próprios desses profissionais;
4. No campo da gestão dos recursos e do tempo, a partir do mapeamento a
ser realizado, propor medidas visando a estabelecer diferentes iniciativas, de acordo
com as exigências, a saber: prevenção indicada (emergencial, atendimento de
urgência, risco elevado), prevenção seletiva (risco moderado, follow up) e prevenção
universal.
5. Buscar a integração dos diversos serviços e programas, facilitando o
acesso dos policiais militares;
Em alinhamento com o Plano Plurianual do Governo Estadual (PPA), a
Política Estadual de Segurança Pública, nos termos da Resolução SSP-99, de
25NOV19, estabelece como Objetivo Estratégico ―Valorizar os servidores da
Segurança Pública‖ e, no inciso ―V‖ do artigo 8º, define as Ações Estratégicas,
relacionadas ao aludido objetivo:

AE 5.4. aperfeiçoar os programas de cuidados biológicos, psíquicos e


sociais voltados aos servidores da Segurança Pública e seus familiares.
AE 5.7. efetivar medidas para melhoria da qualidade de vida dos servidores
da Segurança Pública. (SÃO PAULO, 2019).
Ainda nessa direção, vale destacar que o Sistema de Gestão da Polícia
Militar do Estado de São Paulo (GESPOL), cuja representação ―contempla o inter-
relacionamento das diversas ações insertas em sua estrutura gerencial‖ (POLÍCIA
MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2010b, p.11), dispõe, no campo da Gestão
de Pessoas, a Administração de Pessoas como uma de suas Diretivas, valendo-se
dos denominados ―Programas de Apoio‖, destinados a atender o policial militar em
uma perspectiva integral.
Além disso, o Sistema de Saúde Mental da Polícia Militar do Estado de São
Paulo (SiSMen), criado a partir da Lei Estadual n° 9.628, de 06MAI97 (SÃO PAULO,
1997), regulamentado pelo Decreto n° 46.039, de 23AGO01 (SÃO PAULO, 2001), o
26

que consubstanciou o Regimento Interno do Sistema de Saúde Mental da PMESP


(RI-25-PM), de 15ABR02 (POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2002),
permitiu consolidar um campo de assistência e apoio ao policial militar de forma
bastante abrangente.
À Diretoria de Pessoal é atribuída a Direção Geral do SiSMen, cabendo à
Diretoria de Saúde a Direção Técnica. Nesse Sistema, o CAPS é Órgão Técnico-
Executivo e o ―responsável pela gestão do sistema de saúde mental e pela
execução das atividades de apoio social‖, conforme dispõe a alínea ―a‖, do inciso IV,
do artigo 4º do Decreto nº 63.784, de 08NOV18, que dispõe sobre a estruturação da
Polícia Militar (SÃO PAULO, 2018).
O Sistema também é composto pelos Núcleos de Atenção Psicossocial
(NAPS), que realizam os atendimentos no campo da psicologia e do serviço social,
conforme embasamento institucional previsto no Bol G nº 70, de 15 de abril de 2010
(POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2010a). Atualmente, há 42
NAPS, o que permitiu descentralizar os atendimentos e regionalizar os serviços.
É, preciso, contudo, avançar no processo de aperfeiçoamento contínuo, seja
quanto às práticas da ciência psicológica e do serviço social, como nas ações
gerenciais que permitam integrar a promoção da saúde, a qualidade de vida e o
manejo clínico das manifestações suicidas. Musumeci (2007, p. 110) destaca que,
para a modernização das forças de segurança pública, fundamentalmente está o
gerenciamento de seus integrantes, o que, por sua vez, ―pressupõe um
conhecimento detalhado e atualizado da composição dos efetivos existentes em
cada momento e em cada organização‖. Por essa razão, compreender os fatores de
risco, os precipitantes e os fatores de proteção, é de imperiosa relevância para
definir estratégias institucionais.
A justificativa, portanto, para o desenvolvimento deste trabalho, concentra-
se na possibilidade de promover ações concretas de prevenção. Na maior parte das
vezes, a pessoa quer se ver livre do problema, não da vida. Policiais militares que
tentaram suicídio e passaram por acompanhamento psicológico no CAPS, muitas
vezes, relatam ―arrependimento‖. Há, portanto, circunstâncias que podem minimizar
ainda mais os riscos, se compreendidas cientificamente. É o vetor e a motivação
principal para este estudo.
O assunto é perturbador, doloroso, mas precisa ser enfrentado. O presente
estudo, portanto, também se justifica por buscar a implementação de medidas que
27

viabilizem e orientem a formulação, efetivação e avaliação de políticas sobre a


saúde mental, no âmbito da prevenção do suicídio e do homicídio seguido de
suicídio. Trata-se de uma trajetória em que a morte, o luto, o sofrimento, a dor e a
angústia estão presentes, mas, sem dúvida, carregadas também de futuro,
promoção da vida e, acima de tudo, de esperança.
Na seção 2, pretende-se apresentar um panorama geral sobre o suicídio,
contemplando um breve passeio histórico, a percepção do fenômeno no âmbito das
religiões e da ciência, os dados epidemiológicos sobre o suicídio no mundo, no
Brasil e em São Paulo, os fatores protetivos e os fatores de risco.
Na seção 3, discute-se o suicídio nas policiais, inicialmente sobre o
panorama mundial (Estados Unidos da América e Europa), passando pelo contexto
brasileiro, para, depois, apresentar, brevemente, a situação na Polícia Militar do
Estado de São Paulo, com relação aos números e aos programas de prevenção.
Na seção 4, descrevem-se o método e os procedimentos de pesquisa, cuja
análise e discussão serão apresentadas na seção 5. Na seção 6, por seu turno,
reserva-se a sintetizar os principais achados e propostas de atuação. Ao final, na
seção 7, as considerações finais sobre o fenômeno suicida da Polícia Militar do
Estado de São Paulo.
28

2 NOÇÕES SOBRE O SUICÍDIO

Ao longo da história humana, o suicídio foi percebido de maneira diferente.


Aceito em algumas sociedades, estimulado em outras, punido e carregado de
preconceitos por outros grupos. Percebe-se, portanto, a forte presença de aspectos
culturais, envolvendo religião, justiça e ciência. É a reflexão que se pretende
despertar ao longo desta seção.

2.1 Um breve esboço histórico

Embora o suicídio seja um fenômeno tipicamente humano, presente em


praticamente todos os povos, a forma como é compreendido é bastante plural. Não
se pretende contemplar todos os elementos ou fatos com valor histórico sobre o
suicídio ou sobre o sofrimento humano neste trabalho, mas tão somente trazer à
reflexão os aspectos culturais, religiosos e políticos que, ao longo da história,
moldaram a compreensão contemporânea sobre o suicídio.
A forma com que o suicídio é encarado, no tempo e no espaço, tem
propiciado a criação de mitos e de tabus, os quais precisam ser compreendidos,
para que, de fato, sejam implantadas políticas adequadas para a prevenção desse
fenômeno; e, desde os primórdios, a morte, notadamente por suicídio, esteve
presente no imaginário e na conduta dos grupos sociais.
Nesse sentido, vale dizer, o medo do retorno dos mortos, especialmente por
suicídio, sempre existiu; e, como ―forma de proteção contra o retorno de espíritos
inquietos, elaborou-se, entre os povos primitivos, um intricado complexo de tabus e
rituais‖ (BOTEGA, 2015, p. 14). Nessa perspectiva, registros indicam que o suicídio
poderia, ―magicamente, (....) dar conta de uma tarefa que culminaria na destruição
de um inimigo. Acreditava-se que o espirito do suicida voltaria para destruir seu
inimigo, ou os parentes do falecido eram compungidos a realizar tal tarefa‖
(RETTERSTOL, 1993, apud BOTEGA, 2015, p. 14).
As disputas por territórios e riquezas estão presentes na história humana. E,
em sociedades ditas guerreiras, ―a glorificação da morte violenta constituía, na
verdade, uma estratégia para fomentar na população um espírito combativo‖
(BOTEGA, 2015, p. 14). Assinala o autor que os vikings acreditavam que era a
primeira das honras morrer durante as batalhas e, a segunda, a morte por suicídio.
29

Na antiguidade clássica, Cassorla (2019) destaca o que teria ocorrido em


Mileto, na antiga Grécia, a partir do que descrevera Plutarco:
Moças passam a se enforcar e logo se apresenta uma epidemia de suicídio
entre as jovens. Nenhuma medida consegue cessá-la, até que alguém
propõe que as moças sejam condenadas a terem seu cadáver levado nu,
em passeata, até o cemitério. Com essa medida, a epidemia se extingue.
(CASSORLA, 2019, p. 31).

Para o autor, as jovens, de fato, tentavam se livrar de um sofrimento;


contudo, elas também imaginavam como essa morte seria percebida pelos que
continuavam vivos. Essa fantasia implicaria ―mais vida que morte: a morta poderia
‗ver‘ a reação dos vivos, poderia ‗perceber‘ os sentimentos de tristeza e,
eventualmente, de remorso e culpa por parte dos sobreviventes, como se estivesse
viva‖ (CASSORLA, 2019, p. 31), impedindo-a de compreender com clareza a finitude
da vida e a realidade da morte.
A pretensão de eliminar a própria vida, ainda que inconsciente, estaria
relacionada ao que se sucederia nos demais membros do grupo social. Com a
medida proposta, ―a jovem que fantasia a reação dos outros à sua morte passa a
visualizar também a reação a seu corpo nu, e a vergonha supera as demais
fantasias‖ (CASSORLA, 2019, p. 32).
Aspectos culturais e psíquicos relacionados com o suicídio, portanto, são
observados em diferentes contextos e períodos históricos, revelando a
complexidade em torno da temática e, por consequência, a forma com que cada
sociedade lidou (ou tem lidado) com o assunto. Para Botega (2015, p. 16), por
exemplo, os antigos gregos foram, de forma geral, ―tolerantes em relação ao
suicídio, em uma atitude de moderação e nobreza de espírito‖. Segundo o autor,
A discussão filosófica sobre o suicídio foi equilibrada e desapaixonada,
esvaziada dos terrores primitivos. No entanto, o ato não seria tolerado se
parecesse desrespeito gratuito aos deuses. Neste caso, as honras da
sepultura regular eram vedadas, e a mão do cadáver era decepada e
enterrada à parte (BOTEGA, 2015, p. 16)

Em linhas gerais, portanto, o suicídio era tolerado; entretanto, em alguns


casos, os antigos gregos posicionavam-se de maneira distinta:
Cada escola filosófica tinha sua própria opinião sobre a questão, que ia
desde a oposição categórica dos pitagóricos à aprovação dos epicuristas.
Algumas cidades, como Atenas, Esparta e Tebas, previam sanções sobre
os corpos dos suicidas, enquanto noutras a prática parecia ser mais
indulgente, o que demonstra que essa diversidade de opiniões encontrava-
se também no Direito. (SILVA, Maria, 2009, p. 14)
30

O pensamento grego representado pelos cínicos, epicuristas e estóicos


postulavam que a liberdade de decisão sobre a própria vida e a morte era um valor
de cada indivíduo; nesse sentido, a vida mereceria ser conservada se ―for um bem,
se proporciona mais satisfação do que males e se está de acordo com a razão e
com a dignidade humana. Do contrário, conservá-lo seria uma loucura‖ (SILVA,
Maria, 2009, p. 13).
O pensamento pitagórico, contudo, se posicionava de modo diametralmente
oposto. Silva, Maria (2009) assinala que, para essa corrente, a alma deveria sofrer a
expiação até o fim; além disso, o suicídio poderia quebrar a harmonia existente em
função das relações numéricas que regeriam a associação entre alma e corpo.
A discussão sobre o suicídio entre Sócrates e seus discípulos antes de o
pensador ingerir o veneno, na visão de Silva, Maria (2009, p. 14), enfatiza a
compreensão de que ―o suicídio não pode ser desejável, mas que a morte é
inteiramente desejável se tal for a vontade do filósofo, passando uma mensagem
cheia de ambiguidades‖. Para Botega (2015, p.17), ―Sócrates, ao mesmo tempo em
que repudiou o suicídio, fez a morte parecer algo desejável e tomou cicuta com
entusiasmo‖.
Em Atenas era comum os magistrados disponibilizarem veneno para
aqueles que desejassem morrer:
Aquele que não quer viver mais tempo exponha suas razões ao Senado e
deixe a vida, se tiver autorização para partir. Se a existência te é odiosa,
morre; se o destino te é opressivo, bebe cicuta. Se o peso da dor te faz
andar curvado, abandona a vida. Que o infeliz relate seus infortúnios, que o
magistrado lhe forneça o remédio e a miséria cessará (DURKHEIM, 1996,
apud BOTEGA, 2015, p. 16):

Platão compreendia o homem como um ser social e que, portanto, não


deveria priorizar o interesse pessoal, mas os deveres para com as divindades
(SILVA, M., 2009). Contudo, o filósofo ―defendia o suicídio quando as circunstâncias
externas tornam-se intoleráveis‖ (BOTEGA, 2015, p. 17). Aristóteles, por sua vez,
declara que o dever seria a de enfrentar as vicissitudes enfrentadas na vida (SILVA,
Maria, 2009). Botega (2015) acrescenta que Aristóteles classificava o
comportamento suicida como uma ofensa ao Estado, constituindo irresponsabilidade
social.
Já na Roma antiga, a vida não era tida como algo sagrado, dom divino ou
direito do homem. Cícero assinalava que não havia valoração no ato do suicídio
31

(bom ou mau), mas na motivação, razão pela qual exaltava alguns e condenava
outros (SILVA, Maria, 2009). Desse modo, nos anos de Guerra Civil e no começo do
Império eram comuns os suicídios de cunho político:
Estes suicídios, relatados com admiração pelos historiadores romanos, a
exemplo de Tácito, são considerados heroicos e ilustrariam a suprema
liberdade dos indivíduos, superiores ao próprio destino. Catão, Cássio,
Bruto, Antonio, Cleópatra tornam-se modelos lendários constantemente
citados por humanistas e filósofos dos séculos XVII e XVIII. (SILVA, Maria,
2009, p. 15).

Contudo, duas categorias sociais, quais sejam, os soldados e os escravos,


não poderiam praticar suicídio, em função de aspectos econômicos e patrióticos
(SILVA, Maria, 2019). Botega (2015) acrescenta, nesse rol, os criminosos, a quem,
do mesmo modo, era vedado o suicídio.
Vale lembrar que na Lei das XII Tábuas3, instituída no ano 451 a.C.
(Mendes, 2009) e vigente até por volta de 533 d.C., data em que se promulgou as
Pandectas (MEIRA, 2021), não se proibia o suicídio expressamente e, portanto, os
funerais ocorriam normalmente (SILVA, Maria, 2009). Embora longevo, esse
regramento de mais de mil anos testemunhou mudanças significativas na cultura
romana ao longo dos séculos, notadamente, a partir do século II, quando passa a
ocorrer um progressivo endurecimento contra o suicídio. Seguindo nessa linha, em
348, no Concílio de Cartago, a morte voluntária passa a ser condenado e, ―em 381,
o bispo de Alexandria, Timóteo, proíbe orações em favor dos suicidas‖ (SIILVA,
Maria, 2009, p. 16).
Segundo Silva, Maria (2009), Santo Agostinho (354-430) postulava que as
pessoas não poderiam dispor da sua própria vida, dom sagrado originário de Deus,
razão pela qual o suicídio constituiria pecado. No mesmo sentido, Botega (2015)
assinala que esse teólogo medieval teria se inspirado em Platão ao afirmar que ―a
vida é um presente de Deus, desfazer-se dela é o mesmo que contrariar Sua
vontade e, como consequência, rejeitá-lo.‖ (BOTEGA, 2015, p. 20).
Em 452, o Concílio de Arles ―proclama que o suicídio é um crime, resultado
de uma fúria demoníaca‖ (SILVA, Maria, 2009, p. 17; BOTEGA, 2015). Em 693, o

3
A Lei das XII Tábuas teria sido criada a partir da intensa pressão da plebe, que se sentia totalmente
alijada do processo social. As leis eram secretas e aplicadas contra plebe que exigiu normas
escritas. A Lei das XII Tábuas, desse modo, retrataria o meio social e suas ―[...] normas definem
um período da vida romana. E a crer na afirmativa de Pompônio [...] de que teria sido a codificação
dos costumes anteriores — representaria, também, uma rica fonte de investigação e
conhecimento do direito anterior ao século V a.C.‖ (MEIRA, 2021, p. 41).
32

Concílio de Toledo ―estabelece o tipo de castigo para quem tentasse se matar, bem
como a excomunhão para todos os sobreviventes de tentativas de suicídio‖ (SILVA,
Maria, 2009, p. 18).
Assim, a partir do século V, o Estado Romano, governado por Constantino:
Retirou do indivíduo comum o direito de dispor da própria vida. Havia fome,
epidemias, guerras. Havia baixa natalidade, e faltavam alimentos e mão de
obra. A vida dos colonos e dos escravos pertencia ao seu senhor. O suicida
passou a ser culpabilizado, e seus familiares tinham os bens confiscados.‖
(BOTEGA, 2015, p. 18).

Entre os séculos VIII e X, a Igreja passa a explicar que a loucura e a


possessão seriam as causas do desejo de uma pessoa se matar. Para a loucura,
não haveria alternativa que não fosse absolver o morto e eximir a família; contudo, o
desespero deveria ser contido pela penitência, não havendo perdão para quem
praticasse o suicídio, visto que ―pecava, ao mesmo tempo contra Deus (...) e contra
a Igreja‖ (SILVA, Maria, 2009, p. 18).

A atitude medieval perante o suicídio decerto não é benevolente com os


suicidas: crença popular, religião oficial e poder civil partilham de um
mesmo sentimento sobre um ato que é, ao mesmo tempo, contra a
Natureza, contra a sociedade e contra Deus, somente podendo ser
explicado pela intervenção do diabo ou da loucura. No primeiro caso, a
igreja oferece o auxílio da confissão e da penitência; no segundo, por não
ser responsável pelo seu ato, o infeliz poderia ser salvo (SILVA, Maria,
2009, p. 18).

Sobre esse mesmo período, a Idade Média, Botega (2015) assinala que a
Europa era predominantemente cristã e, embora não houvesse uma expressa e
clara repulsa bíblica, o suicídio passou a ser penalizado em função do panorama
que se apresentava, decorrente de crises econômica e demográfica. Dependendo
da localidade, ao praticar suicídio, o corpo teria de ser retirado da casa pela janela
ou por algum buraco, não podendo fazer uso da porta. Em outros locais ―o cadáver
era arrastado por um cavalo até uma forca, onde era pendurado com a cabeça para
baixo. As mãos eram decepadas e enterradas separadamente. Os enterros
deveriam ser feitos em uma estrada ou encruzilhada, nunca no cemitério do
povoado‖ (BOTEGA, 2015, p. 18).
Na Renascença, a literatura e as artes passaram a representar o suicídio de
outra maneira, amenizando a visão de pecado que predominou na Idade Média.
Erasmo de Roterdã, Michel Montaigne, Shakespeare são exemplos destacados
desse novo período, muito embora a visão religiosa reforçasse a interdição do
33

suicídio, não somente pelos católicos, mas também pelos protestantes, como Lutero
e Calvino (SILVA, Maria, 2009).
No século XVII passa a haver uma nova perspectiva. ―As interdições
tradicionais em torno da morte voluntária eram desafiadas‖ (BOTEGA, 2015, p. 21).
No campo das ciências, o divino foi sendo superado pelo aspecto humano; um novo
tempo que desafiou os valores tradicionais em busca de novas referências. A
melancolia começou a protagonizar as discussões. Já no século XVIII, a
condenação aos suicidas, de fato, começa a ocorrer:
Na França, a prioridade agora é a discrição, com a polícia tendo o cuidado
de esconder do povo os casos de suicídio: o inquérito é estabelecido sem
dar muito nas vistas e o morto é enterrado sem ruído. O mesmo é
observado na Inglaterra, onde as reações são cada vez mais hostis à
confiscação dos bens dos suicidas. A exceção, tanto na França como na
Inglaterra, fica por conta dos condenados e acusados que se matam para
escapar da justiça. A criação de associações de auxílio na reintegração dos
que escapam da morte voluntaria. é outra prova da mudança de atitude
para com o suicídio. O papel do diabo vai, pouco a pouco, sendo eliminado
e o ato passa a ser encarado como uma tentativa racional. (SILVA, Maria,
2009, p. 25).

Em 1897, Emile Durkheim deslocou o foco do suicídio para a sociedade e


dos problemas dele decorrentes, por meio de sua obra ―O suicídio‖. Em linhas
gerais, o autor aborda a relevância da integração nas mortes por suicídio. Segundo
Botega (2015, p. 23) ―a Família, o Estado e a Igreja deixaram de funcionar como
fatores de integração social e nada foi encontrado para substituí-los‖.
Progressivamente a ciência avança nesse campo:
O número de estudos científicos sobre o suicídio nas ciências humanas, na
estatística, na bioética e na neurociência cresceu de modo considerável.
Nos tempos modernos, sob o olhar das ciências, o julgamento moral e as
penalidades legais e religiosas em torno do ato suicida deram lugar à
constatação de um problema científico. (BOTEGA, 2015, p. 23).

Como assinala Botega (2015), nos tempos atuais, por vezes o suicídio é
encarado como um fenômeno abstrato e desconfortante; muitas vezes,
[...] pode haver a infeliz espetacularização midiática de mortes violentas,
incluindo-se casos de suicídio. As novas tecnologias, representadas pela
internet e pelas redes sociais virtuais, ao reverberarem o suicídio, reativam
e alimentam várias fantasias e tradições arcaicas armazenadas em nossa
mente, ligadas, por exemplo, à imortalidade, à morte gloriosa ou à vingança.
Em contrapartida, na volatilidade da internet, a realidade dramática de um
suicídio, e de uma pessoa em particular, muitas vezes se esvai em uma
rede de personae virtuais não vinculadas afetivamente. (BOTEGA, 2015, p.
24).
São os desafios da contemporaneidade para os quais a Instituição, também,
precisa se preparar.
34

2.2 A perspectiva religiosa

Na perspectiva religiosa, há que se considerar o aspecto da espiritualidade


relacionada à resiliência, cujo conceito está relacionado ao processo por meio do
qual o indivíduo revela-se capaz de superar e de se recuperar dos resultados
danosos das adversidades, bem como, de se transformar e ser fortalecido a partir
das dificuldades vivenciadas (CHEQUINI, 2007). Para a autora:
A espiritualidade é entendida pela maioria dos estudiosos como
característica intrínseca do ser humano, que busca sentido e significado
para a existência e considera fatores como o nível de conhecimento
pessoal, o reconhecimento de uma verdade universal ou de um poder
superior capaz de nos remeter a uma sensação de plenitude e bem-estar
com o mundo, de unidade com o cosmos e com a natureza. Como tal, a
espiritualidade tem sido apontada como a pedra angular da resiliência,
capaz de promovê-la e mediá-la (CHEQUINI, 2007, p. 95).

Contudo, como visto no curso da história, o suicídio tem sido um tema dos
mais controversos. Muitas vezes, os transtornos mentais e a morte por suicídio
foram condenados e estigmatizados. Diante desse paradoxo, ou seja, a
possibilidade de se constituir em um importante fator de proteção ou, em algumas
circunstâncias, em riscos, necessário se faz uma breve consideração sobre este
aspecto.
Como assinala Bertolote (2012, p. 15), em quase todos ―os antigos livros
sagrados (a Bíblia, o Mahabharata, o Gilgamesh etc) e na mitologia da maioria dos
povos antigos, há inúmeros relatos de casos de suicídio‖, representados, muitas
vezes, como ato heroico ou praticado por um ser mítico ou superior, como salvação
de seu povo ou para se livrar de uma situação sem alternativas.
Com relação às religiões, o hinduísmo, segundo Bertolote (2012), mostra-se
ambíguo, pois ora condena o suicídio, ora aceita, por vezes promovendo. Nery
(2013) também destaca a aparente ambivalência existente no hinduísmo, já que na
Índia, por exemplo, a tentativa de suicídio sujeita o indivíduo à aplicação de
reprimenda. Na mesma linha, Botega (2015, p. 32) assinala que a filosofia hindu
―descreve a vida e a morte como uma pessoa que tira uma roupa velha e põe uma
nova. Todas as ações de uma vida formam a base para a próxima‖ e, embora seja
condenada veementemente, a morte por inanição é aceita por determinados grupos
religiosos.
35

Para Nery (2013) o budismo apresenta maior aceitabilidade à ideia de


suicídio. Segundo Botega (2015), tanto no budismo e quanto no xintoísmo, o suicídio
está vinculado a uma complexa sistemática sobre a honra. No Japão, há um forte
sentimento de responsabilidade do indivíduo em relação ao seu grupo e, nesse
sentido, o fracasso constituiu uma falta irremediável. Bertolote (2012, p. 28) assinala
que,
Para o budismo, o Primeiro Preceito é a abstenção de destruir a vida,
incluindo a própria. Contudo, fiel à sua tendência de compaixão, o budismo,
diferentemente de outras religiões, não condena o suicídio, mas o considera
uma ação negativa, que não se coaduna com a via da iluminação, a meta
do budismo.
Já no judaísmo há proibição de se matar, mas não se especifica se isso é
aplicável à própria vida; contudo, o ―Talmud4 condena o suicídio e impede rituais
fúnebres para o falecido, porém, atualmente, consideram-se exceções, como em
casos de doença mental, tortura, honra e castidade‖ (BOTEGA, 2015, p. 31). No
mesmo sentido, Bertolote (2012, p. 27) destaca que a ―lei judaica condena o
suicídio, porém o considera uma alternativa aceitável frente à ocorrência de certos
pecados capitais‖, entretanto, os sepultamentos ainda são feitos em local separado
dos demais mortos.
No islamismo, o Alcorão condena enfaticamente o suicídio. Os países cuja
população é predominantemente muçulmana, as taxas de suicídio são baixas; há,
contudo, grupos que veem no suicídio um ato de heroísmo e uma espécie de
redenção (BOTEGA, 2015).
No protestantismo, a ―libertação da tutela da Igreja, a interpretação pessoal
dos textos bíblicos, a aguda consciência da fraqueza humana, o livre-arbítrio, a
supressão da confissão‖ (BOTEGA, 2015, p. 31-32) poderiam constituir elementos
contribuintes para elevar as taxas de suicídio desse grupo. Para o autor, os
evangélicos pentecostais condenam o suicídio.
Relevante, aqui, refletir sobre suicídio no texto bíblico. Botega (2015, p. 19)
destaca que ―no Antigo Testamento, registram-se quatro suicídios - Sansão, Saul,
Abimelec e Aquiofel - e nenhum deles é motivo de reprovação.‖ Para o autor, no Novo
Testamento, não há referencias diretas ao suicídio, contudo, destaca a visão
transmitida, em diversos trechos, quanto à condição abjeta da vida terrena. Sobre o
suicídio de Judas Iscariotes, Botega (2015, p. 19) afirma que ―é relatado com concisão,

4
O Talmude é uma coletânea de ensinamentos judaicos antigos.
36

sem ser claramente somado, como pecado, a seu crime de traição. Apenas mais tarde
é que seu suicídio foi considerado, pelos teólogos católicos, um pecado maior do que a
traição.‖
Bertolote (2012, p. 28), no mesmo sentido, assinala que a ―Bíblia relata
diversos casos de suicídio, aparentemente sem condenar nenhum deles‖. Ambos os
autores também concordam que não haveria intenção suicida quando da morte de
Sansão, mas o objetivo de provocar a morte dos filisteus que estavam no templo
(BERTOLOTE, 2012; BOTEGA, 2015).
Nessa perspectiva, segundo narra o texto bíblico (BÍBLIA SAGRADA, 1990,
p. 276), Sansão estaria amarrado entre duas colunas em um templo, onde também
estavam muitas pessoas, dentre as quais, todos os chefes dos filisteus, quando
invocando a Deus,
gritou: ‗Que eu morra junto com os filisteus‘. Empurrou as colunas com toda
a força, e o templo desabou sobre os chefes e todo o povo que aí se
encontrava. Desse modo, ao morrer, Sansão matou muito mais gente do
que tinha matado durante toda a sua vida‖ (Jz 16, 30-31).
De fato, aqui, ao menos três elementos parecem se reunir, a junção entre o
destemor ante a morte (talvez como redenção), o desejo de vingança e o desejo de
matar. Menninger (2004, p. 80-82, apud MINGUETTI; KANAN, 2014) assinala que o
suicídio seria antecedido de, ao menos, três desejos: o desejo de morrer, o desejo
de matar e o desejo de ser morto. Com relação ao desejo de matar, destaca que
todo suicídio seria um homicídio (um homicídio de si próprio). Em uma perspectiva
psicanalítica, ―o desejo de matar seria resultante da destrutividade primária. Deste
modo ninguém se mata a menos que esteja ao mesmo tempo, matando um objeto
com quem se identificou, voltando contra si próprio um desejo de morte antes
dirigido contra outrem;‖ (MENINGER, 2004, p. 80-82, apud MINGUETTI; KANAN,
2014, p. 13).
Compreender a natureza do suicídio, portanto, perpassa por uma ampla
gama de elementos circunstâncias, sociais, psicológicos, dentre outros.
Prosseguindo na análise do texto bíblico, elementos como a vergonha e o
sentimento de derrocada, são variáveis presentes nesses relatos, como em
Abimelec. Importante destacar que, assim como a morte de Sansão é discutida em
função da questionável intencionalidade, é necessário, neste caso, observar que o
ato não é praticado por si próprio, mas por meio de um aliado que acata a
determinação exarada por Abimelec, após um mal sucedido ataque a Tebes. Ao
37

chegar perto da porta de uma torre fortificada para onde as pessoas se refugiaram
com a intenção de atear fogo, uma mulher teria lhe fraturado o crânio jogando um
objeto. Segundo assinala a Bíblia (1990, p. 268), ―Abimelec chamou logo o
escudeiro e disse: ‗Pegue a espada e mate-me, para não dizerem que uma mulher
me matou‘. O escudeiro o atravessou com a espada, e ele morreu.‖ (Jz, 9, 54).
O Rei Saul, por sua vez, foi atingido por um inimigo. Ciente de que morreria,
também ordenou ao seu escudeiro que o transpassasse a espada. Como não foi
atendido, atirou-se, ele próprio Saul sobre a espada. Assim é descrito (BÍBLIA, 1990,
p. 421):
Os atiradores [filisteus] descobriram onde ele estava e lhe acertaram
flechas. Saul disse ao seu escudeiro: ‗Puxe a sua espada e me mate, senão
esses incircuncisos vão rir de mim‘. O escudeiro não quis fazer isso, pois
teve muito medo. Então Saul pegou a sua própria espada e se jogou sobre
ela. O escudeiro ficou apavorado e, ao ver que Saul tinha morrido, jogou-se
também sobre a própria espada e morreu. Dessa forma, morreram Saul e
seus três (1 Cr 10, 3-5).
Vale destacar que a vergonha também parece estar presente neste trecho;
contudo, de modo diverso do escudeiro que atingiu Abimelec, o que estava ao lado
de Saul teve ‗medo‘ de matá-lo, sucedendo-se, em seguida, outro suicídio. Os outros
dois casos de suicídio citados por Botega (2015), a de Aquitofel e Judas Iscariotes,
ocorreram por meio de enforcamento. O primeiro aconselhou Absalão a promover
um ataque a Davi, a quem havia servido antes de conspirar contra o rei; diz o texto
(BÍBLIA, 1990, p. 336) que, ―Quando Aquitofel percebeu que o seu conselho não
fora seguido, selou o jumento, montou e foi para sua casa na cidade. Colocou a
casa em ordem e depois se enforcou e morreu.‖ (2 Sm 17,23). Assim como a
concisa descrição da morte de Aquitofel, o de Judas é assim descrito nas Escrituras
(BÍBLIA, 1990, p. 1217):
Então Judas, o traidor, ao ver que Jesus fora condenado, sentiu remorso, e
foi devolver as trinta moedas de prata aos chefes dos sacerdotes e anciãos,
dizendo: ‗Pequei, entregando à morte sangue inocente.‘ Eles responderam:
‗E o que temos nós com isso? O problema é seu. Judas jogou as moedas
no santuário, saiu, e foi enforcar-se. (Mt 27, 3-5).
É nessa perspectiva que Botega (2015) ressalta a rápida descrição da morte
de Judas Iscariotes, em que se apresenta a narrativa da traição, contudo, sem ser
especificamente descrito a condição de pecado, o que mais tarde viria a acontecer,
segundo o autor, por meio da interpretação de teólogos.
Embora não tenha sido descrito por Botega (2015), durante esta pesquisa
localizou-se outro relato bíblico em que se pode caracterizar a morte auto inflingida.
38

É o de Zambri (ou Zinri)5, cujo reinado fora curto, de cerca de sete dias, mas de
grande crueldade. O povo teria sido informado das atrocidades e então tornaram o
comandante do exército de Israel em rei, iniciando uma retaliação contra Zambri,
que se sentiu cercado. A Bíblia (1990, p. 370) assim descreve o episódio: ―Quando
Zambri percebeu que a cidade ia ser tomada, fechou-se na torre do palácio, colocou
fogo no palácio e morreu aí dentro. Isso aconteceu por causa do pecado que havia
cometido [...]‖ (1Rs 16, 18-19).
No caso de Zambri, interessante notar a noção de se sentir sem alternativas,
cercado. É presente em muitos casos de suicídio um sentimento parecido. Não
cercado exatamente por inimigos, mas por dificuldades que parecem superar o
maior dos exércitos.
A religiosidade e a fé, independentemente de denominações, são
circunstâncias relevantes e, por vezes, favorecem a superação das dificuldades;
mas, ao mesmo, tempo, por outra perspectiva, mais incisiva, é o dilema imposto a
determinadas seitas ou movimentos religiosos que estabelecem uma rigorosa
relação com o transcendente, exigindo, por vezes, sacrifício da própria vida em prol
dos benefícios espirituais a serem colhidos na eternidade.
Nery (2013), ao conduzir uma revisão sistemática sobre a religiosidade na
determinação do comportamento suicida, observou a ambivalência existente, pois
parte dos estudos indicavam tratar-se de fator protetivo e, outros, como fator de
risco. Durante o curso da citada revisão, a autora também constatou a ausência de
conceitos homogêneos sobre religiosidade e, também, sobre o comportamento
suicida, o que poderia, de fato, trazer inconsistências e estimativas fragilizadas. Em
linhas gerais, contudo, reforçou-se a hipótese de que se reduz o risco de
comportamento suicida nos indivíduos que exercitam a fé.
De qualquer modo, a religiosidade deve ser considerada a partir dessas
perspectivas, ou seja, como assinala Botega (2015, p. 31) ―como um sistema de
crenças e o estabelecimento de uma rede de apoio social‖, esta última, fortalecedora
da coesão grupal. A fé, portanto, acaba por operar em duas instâncias, ao promover
um importante fator protetivo contra o suicídio, quando gerador de comportamentos

5
As versões bíblicas também trazem a denominação ―Zinri‖, que estaria mais próximo do hebraico,
para designar ―Zambri‖. Como a proposta deste trabalho é utilizar os registros bíblicos apenas como
ilustração para contextualizar o suicídio a partir de referências religiosas, estas diferenças
conceituais não serão abordadas.
39

que se traduzem em benefícios ao indivíduo; contudo, pode, também, a partir desse


sistema de crenças, elevar o estigma e dificultar a busca por ajuda especializada.

2.3 A perspectiva jurídica

Uma pesquisa realizada a partir da análise dos códigos penais de 192


países constatou que em 25 deles o suicídio é considerado ilegal e em outros 20
países, ―especialmente aqueles que seguiam o Islamismo ou a Sharia, as pessoas
que tentaram suicídio poderiam ser punidas e presas. Esse é um exemplo da
consequência legal de quebrar um tabu em determinada sociedade‖. (MISHARA;
WEISSTUB, 2016, apud SCAVACINI, 2018, p. 52).
No Brasil, no campo penal, o suicídio não é crime. Contudo, o Código Penal
prevê o delito de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, que consiste no ato
de ajudar alguém a tirar a própria vida. Importante destacar que o dinamismo social
impõe mudanças que podem levar a alterações normativas ou legais. Nesse sentido,
a Lei nº 13.968, de 26 de dezembro de 2019, alterou o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal), modificando o crime de incitação ao suicídio e
incluindo as condutas de induzir ou instigar a automutilação, bem como a de prestar
auxílio a quem a pratique:
Art. 2º (...) Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar
automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
§ 1º Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal
de natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129
deste Código:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 2º Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
§ 3º A pena é duplicada:
I - se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil;
II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade
de resistência.
§ 4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da
rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real.
§ 5º Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de
grupo ou de rede virtual.
§ 6º Se o crime de que trata o § 1º deste artigo resulta em lesão corporal de
natureza gravíssima e é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou
contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário
discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não
pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime descrito no § 2º do
art. 129 deste Código.
§ 7º Se o crime de que trata o § 2º deste artigo é cometido contra menor de
14 (quatorze) anos ou contra quem não tem o necessário discernimento
para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer
40

resistência, responde o agente pelo crime de homicídio, nos termos do art.


121 deste Código.‖ (NR) (BRASIL, 2019).
. Mudanças na lei ou na própria interpretação normativa não estão restritos ao
direito penal. No campo do direito privado, há que se destacar, também, aspectos
que orbitam em torno do suicídio. Scavacini (2018), ao desenvolver sua tese de
doutoramento, trouxe à tona um problema presente na sociedade, quanto ao
benefício decorrente de seguro de vida. Para a autora, é um campo em que também
se expressa o tabu em relação à morte por suicídio. Ao discutir sobre a problemática
vivenciada por um dos participantes da pesquisa, assinala que:
Outro problema identificado foi relacionado ao direito ou não do seguro de
vida, que denuncia outros locais em que o tabu está enraizado, neste caso,
usado a favor das seguradoras. Uma batalha jurídica longa e sem certeza
de sucesso é vivida por quem decide receber o seguro de vida de quem
morreu por suicídio, causando ainda mais dor naqueles que ficam e
precisam provar que a pessoa que faleceu não estava com má-fé contra a
seguradora e não fez isso só para receber o seguro [...] (SCAVACINI, 2018,
p. 90-91).
Importante registrar que a previsão contida no Código Civil de 1916
estabelecia a indenização por morte de segurado, entretanto, desde que a morte
ocorresse involuntariamente. A citada lei também descrevia o que se considerava
morte voluntária: as decorrentes de duelo e o suicídio premeditado por pessoa que
estivesse consciente de seus atos:
Art. 1.440. A vida e as faculdades humanas também se podem estimar
como objeto segurável, e segurar, no valor ajustado, contra os riscos
possíveis, como o de morte involuntária, inabilitação para trabalhar, ou
outros semelhantes.
Parágrafo único. Considera-se morte voluntária a recebida em duelo, bem
como o suicídio premeditado por pessoa em seu juízo. (BRASIL, 1916)
Passados 86 anos, o Novo Código Civil, assim chamado a Lei nº 10.406/02
(BRASIL, 2002), alterou as condições para a indenização do seguro de vida em caso
de suicídio:
Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o
segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato,
ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no
parágrafo único do artigo antecedente.
Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a
cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do
segurado. (BRASIL, 2002).
Em termos jurisprudenciais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar a
Súmula 610, de 25 de abril de 2018, posicionou-se de modo a admitir que o:
―suicídio não é coberto nos dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de
vida, ressalvado o direito do beneficiário à devolução do montante da reserva
41

técnica formada.‖ (BRASIL, 2018, p. 2657). Tal decisão se mostra relevante, já que
dirimiu as discussões sobre a voluntariedade do suicídio:
Desta feita, inconteste admitir que o STJ tornou inócua qualquer discussão
a respeito da voluntariedade ou não do ato suicida e consolidou o
entendimento de que após os dois anos de carência estabelecidos na lei, a
boa fé do que pratica o ato de autodestruição é presumida, consolidando
assim a regra de que a prática do suicídio após o período de carência
estipulado em lei, sempre se dará de forma involuntária, obrigando assim o
pagamento da indenização estipulada. (SANTOS, Alex, 2020, p. 69).

2.5 Os fatores de risco: elementos predisponentes e precipitantes

Ao receber a notícia de que uma pessoa morreu por suicídio, a reação


bastante comum, como assinala Bertolote (2012, p. 67) é no sentido de ―indagar
sobre o que o teria causado‖; entretanto, mesmo que a pessoa que se matou tenha
deixado alguma carta, nota ou mensagem, em raras oportunidades pode-se
responder com exatidão a essa dúvida.
Não parece possível isolar um único fator causal para o suicídio, já que
―resulta de uma convergência complexa de muitas possíveis complicações
neurobiológicas, fatores socioculturais e genéticos, cuja composição exata irá variar
em cada caso‖ (SILVA; ZANLUQUI, 2017, p. 6). Nessa mesma direção, Bertolote
(2012) esclarece que:
o suicídio constitui o que se considera uma condição com multicausalidade,
ou seja, mais de um fator – ou vários deles – contribui para a sua
ocorrência. Em linguagem técnica, diz-se que o suicídio é um
comportamento multifatorial e multideterminado resultante de uma complexa
teia de fatores de risco e de fatores protetores que interagem de uma forma
que dificulta a identificação e a precisão do peso relativo de cada um deles.
(BERTOLOTE, 2012, p. 67-68)
Há outras formas de classificação dos fatores de risco, a exemplo da
divisão em três grupos:
1. Fatores constitucionais e hereditários, não passíveis de intervenção,
como idade, sexo, história familiar, genética;
2. Fatores ligados a condições endógenas, passíveis de serem controlados,
como doenças físicas e mentais, com ênfase na neurobiologia das afecções
e no desequilíbrio dos neurotransmissores, bem como os transtornos de
personalidade, que envolvem características como impulsividade,
agressividade, perfeccionismo, insegurança, baixa tolerância à frustração,
personalidade limítrofe e
3. Fatores ligados a hábitos e ambientes, passíveis de serem mudados ou
corrigidos, como estado civil, isolamento social, religião, classe social,
profissão, desemprego, aposentadoria, família suicidogênica, abuso de
álcool e outras substâncias psicoativas, acesso aos métodos e seu grau de
letalidade. (FOSTER; WU, 2002, apud SILVA, Viviane, 2006, P. 51).
42

Bertolote (2012), por seu turno, ensina que, desde o século XIX,
pesquisadores tem se debruçado sobre os fatores de risco, buscando identificá-los,
produzindo um vasto rol que abrangem os ―domínios biológico, psicológico, social e
espiritual, revelando as várias áreas de atuação e interesse desses escritores‖
(BERTOLOTE, 2012, p. 69) e, embora tenha lastro na realidade empírica, na maioria
das vezes esses autores deixam de controlar as múltiplas variáveis implicadas no
fenômeno. Desse modo, postula que:
Tanto do ponto de vista conceitual quanto do ponto de vista prático, é
importante diferenciar fatores predisponentes - que criam o terreno no qual
vai se instalar um processo suicida (por exemplo, determinadas
constituições genéticas ou genótipos, certos traços de personalidade) - de
fatores precipitantes (por exemplo, perdas significativas emprego, posição
social, honra -, rupturas amorosas e afetivas ou situações de humilhação),
que, agindo em terreno propício, provocam a sequência final de
comportamentos que levam ao suicídio. Os primeiros são também
chamados de ‗fatores distais‘ por agirem muito antes do ato suicida, ao
passo que os últimos são chamados de ‗fatores proximais‘, pela
proximidade temporal com o ato suicida, e são os que mais comumente são
percebidos, de maneira errónea, pelo público leigo (e por muitos jornalistas)
como as ‗causas do suicídio‘. (BERTOLOTE, 2012, p. 69-70)
Bertolote (2012) sistematizou e enquadrou os principais fatores de risco,
conforme se apresenta na tabela 1.
Tabela 1 - Fatores de risco do comportamento suicida
Fatores Predisponentes Fatores Precipitantes
(distais em relação ao ato suicida) (proximais em relação ao ato suicida)
Fatores sociodemográficos e individuais Fatores ambientais Estressores recentes

Tentativa(s) prévia(s) de suicídio


Transtornos psiquiátricos
(principalmente depressão, alcoolismo,
Separação conjugal
esquizofrenia, certos transtornos de
Luto
personalidade)
Conflitos familiares
Doenças física (terminais, dolorosas,
Fácil acesso a Mudança de situação empregatícia
debilitantes, incapacitantes,
métodos de ou financeira
desaprovadas socialmente)
suicídio Rejeição por parte de pessoa
História familiar de suicídio, alcoolismo
significativa
ou outros transtornos psiquiátricos
Vergonha e temor de ser
Estado civil divorciado, viúvo ou solteiro
considerado culpado
Desempregado ou aposentado
Luto ou abuso sexual na infância
Alta recente de internação psiquiátrica

Fonte: Bertolote (2012, p. 73).


Como parte das ações da Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, no
ano de 2006 foi lançado a cartilha ―Prevenção do Suicídio: Manual dirigido a
profissionais das equipes de saúde mental‖, em que são listados os principais
fatores de risco associados ao suicídio, a partir de quatro áreas principais, a saber:
43

transtornos mentais; sócio demográficos; psicológicos; condições clínicas


incapacitantes (BRASIL, 2006).

2.5.1 Tentativas precedentes

A tentativa de suicídio, para Scavacini (2018, p. 38),―ainda é o maior


indicador de vulnerabilidade em relação ao suicídio e envolve seu maior risco‖.
Nesse sentido, Meleiro (2013, apud SCAVACINI, 2018, p. 38), ―após uma tentativa
15% daqueles que foram internados, fizeram outra tentativa no período de um ano‖.
Os riscos ficam evidenciados, já que 1% teria morrido por suicídio nesse período e
―outros 10 % a 50%, dependendo de suas características, vão tentar novamente,
sendo que o período de maior risco é no primeiro ano após a tentativa,
especialmente nos três primeiros meses‖ (RETTERSTOL; MEHLUM, 2001, apud
SCAVACINI, 2018, p. 38). A própria cartilha ―Prevenção do Suicídio: Manual dirigido
a profissionais das equipes de saúde mental‖, do Ministério da Saúde, apresenta um
destaque: ―Atenção! Os principais fatores de risco para o suicídio são: história de
tentativa de suicídio; transtorno mental.‖ (BRASIL, 2006, p. 17).
Kesseler e colaboradores (1999) realizaram uma pesquisa entre 1990 a
1992 em uma amostra de 5.877 pessoas; desses participantes, 13,5% relataram
ideação, 3,9% desenvolveram um plano e 4,6% relataram tentativa de suicídio. As
probabilidades cumulativas para a transição da ideação para um plano foram de
34%; por sua vez, 72% de um plano para uma tentativa e 26% da ideação para uma
tentativa não planejada. Aproximadamente 90% das primeiras tentativas não
planejadas e 60% das planejadas ocorreram dentro de um ano do início da
ideação. Diferentemente dos suicídios consumados, a pesquisa apontou que as
mulheres apresentavam maior risco. Os autores recomendaram, ao final, que as
ações de prevenção deveriam se concentrar nas tentativas planejadas, devido ao
célere início e à imprevisibilidade das tentativas não planejadas.

2.5.2 Transtornos mentais

Arsenault-Lapierre, Kim e Turecki (2004), ao analisarem os estudos


publicados no período de 1986 a 2002 e que abrangeu o total de 3.275 pessoas que
cometeram suicídio, verificaram a presença de disfunções psiquiátricas diversas em
44

87,3% dos casos. Localização geográfica e sexo também foram variáveis que
apresentaram diferenças significativas.
De acordo com a cartilha ―Prevenção do Suicídio: Manual dirigido a
profissionais das equipes de saúde mental‖, do Ministério da Saúde, um dos
principais fatores de risco é transtorno mental, embora participação decrescente nos
casos de suicídio. Destaca-se, contudo, os transtornos do humor (ex.: depressão),
os associados ao uso de substâncias psicoativas (ex.: alcoolismo), os transtornos de
personalidade (principalmente borderline, narcisista e anti-social), a esquizofrenia e
os transtornos de ansiedade. A comorbidade, como por exemplo a presença de
alcoolismo associada à depressão, potencializa riscos (BRASIL, 2006).
Em revisão que incluiu artigos publicados entre 1959 e 2001 em todo o
mundo, em que se identificou 15.629 casos de suicídio na população em geral. Os
estudos referiam-se a pessoas com história de admissão em hospitais psiquiátricos
(47,5%) ou sem internação (52,5%). Nos casos em que não havia diagnóstico
estabelecido, foram aceitos aqueles feitos após a morte, por meio de métodos
específicos, como as autópsias psicológicas (BERTOLOTE; FLEISCHMANN; 2002).
Figura 1 – Distribuição de diagnóstico de transtornos mentais em casos de suicídio

Fonte: Adaptado de Bertolete e Fleischmann (2012, p. 184).

Nesse sentido, na quinta edição do ―Manual diagnóstico e estatístico de


transtornos mentais‖ (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014), os riscos
de suicídio são apontados quando da descrição de alguns transtornos. Exemplo
disso é a esquizofrenia: por volta de 5 a 6% das pessoas com esquizofrenia morrem
por suicídio. Por vezes, o comportamento suicida decorre das alucinações. Quando
45

há outros fatores como sintomas depressivos, sentimentos de desesperança, estar


desempregado, no período após um episódio psicótico ou de alta hospitalar há
elevação no risco. (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
Outros transtornos também são destacados. Segundo a American
Psychiatric Association (2014, p. 70) o ―transtorno específico da aprendizagem está
associado a risco aumentado de ideação e tentativas de suicídio em crianças,
adolescentes e adultos‖.
Além disso, assinala-se que o ―risco de suicídio ao longo da vida em
pessoas com transtorno bipolar é estimado em pelo menos 15 vezes o da população
em geral. Na verdade, o transtorno bipolar pode responder por um quarto de todos
os suicídios.‖ (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. 131). Aponta-se,
ainda, que o histórico de tentativa de suicídio e o percentual de dias passados em
depressão no ano anterior elevam o risco de tentativas em pessoas com quadro de
transtorno bipolar.
Com relação à depressão, a American Psychiatric Association (2014, p. 167)
aponta que:
A possibilidade de comportamento suicida existe permanentemente durante
os episódios depressivos maiores. O fator de risco descrito com mais
consistência é história prévia de tentativas ou ameaças de suicídio, porém
deve ser lembrado que a maioria dos suicídios completados não é
precedida por tentativas sem sucesso. Outras características associadas a
risco aumentado de suicídio completado incluem sexo masculino, ser
solteiro ou viver sozinho e ter sentimentos proeminentes de desesperança.
A presença de transtorno da personalidade borderline aumenta
sensivelmente o risco de tentativas de suicídio futuras.

A depressão estaria presente em ao menos 50% dos casos de suicídio,


aumentando em 25 vezes a ideação suicida em relação à população de forma geral
(AMERICAN ASSOCIATION OF SUICIDOLOGY, 2014).
Outro transtorno associado a ideação suicida e tentativas de suicídio são
aqueles associados a ―eventos traumáticos, como abuso infantil, [que] aumentam o
risco de suicídio de uma pessoa. ‖ (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION,
2014, p. 279). ―Mais de 70% dos pacientes ambulatoriais com transtorno dissociativo
de identidade tentaram suicídio; múltiplas tentativas são comuns, e outros
comportamentos de autoagressão são frequentes.‖ (AMERICAN PSYCHIATRIC
ASSOCIATION, 2014, p. 296).
Na edição vigente do ―Manual diagnóstico e estatístico de transtornos
mentais‖ da Associação de Psiquiatria dos Estados Unidos da América não foi
46

incluído o ―Transtorno do comportamento suicida‖, pois a ―força-tarefa determinou


que havia evidências insuficientes para garantir a inclusão dessas propostas como
diagnósticos oficiais de transtornos mentais (...)‖ (AMERICAN PSYCHIATRIC
ASSOCIATION, 2014, p. 897), contudo, esse aspecto ainda encontra-se em
discussão, para inclusão em versão posterior.

2.5.3 Álcool e outras substâncias

Em grande parte dos estudos sobre os riscos de morte por suicídio, o álcool
é associado a transtornos mentais. Contudo, pode se apresentar como fator
precipitante (uso de álcool no momento do ato) e, também, como fator
predisponente (dependentes de álcool). Botega (2015, p. 118) assinala que pessoas
que fazem uso nocivo do álcool, o risco de suicídio se aproxima dos 15% ao longo
da vida.
Seus efeitos estão ligados ao aumento da impulsividade, prejuízo da crítica e
aumento no grau de letalidade nas tentativas (BOTEGA, 2015). A influência de
álcool e outras substâncias psicoativas podem agravar os riscos. ―A intoxicação por
álcool contribui consideravelmente para o comportamento suicida. Parece haver
aumento na taxa de comportamento suicida, bem como de suicídio consumado,
entre pessoas intoxicadas por álcool‖. (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION,
2014, p. 498).

2.5.4 Situação conjugal

Viúvos, separados e divorciados possuem 4 (quatro) vezes mais chances


que os casados. Já os solteiros, o dobro em relação aos casados. Filhos pequenos
parecem ser fatores protetivos para as mulheres (BOTEGA, 2015).

2.5.5 Riscos sociodemográficos

A cartilha ―Prevenção do Suicídio: Manual dirigido a profissionais das


equipes de saúde mental‖, do Ministério da Saúde, destaca os riscos
sociodemográficos, a saber: sexo masculino, faixas etárias entre 15 e 35 anos e
acima de 75 anos, estratos econômicos extremos, residentes em áreas urbanas,
47

desempregados (principalmente perda recente do emprego), aposentados,


isolamento social, solteiros ou separados e migrantes (BRASIL, 2006).

2.5.6 Riscos Psicológicos

De acordo com a cartilha ―Prevenção do Suicídio: Manual dirigido a


profissionais das equipes de saúde mental‖, do Ministério da Saúde, fatores
psicológicos como perdas recentes; perdas de figuras parentais na infância;
dinâmica familiar conturbada; datas importantes; reações de aniversário;
personalidade com traços significativos de impulsividade, agressividade e humor
lábil mostram-se como fatores de risco (BRASIL, 2006).
Outro ponto a considerar refere-se à impulsividade. Presente e característico
de alguns tipos de transtorno bipolar (tipo II), em especial quando relacionado com
os transtornos por uso de substância, o transtorno da personalidade (AMERICAN
PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014), esse traço pode, muitas vezes, desencadear
um comportamento explosivo, tendente ao descontrole.

2.5.7 Riscos em função de condições clínicas incapacitantes

Nos termos da cartilha denominada ―Prevenção do Suicídio: Manual dirigido


a profissionais das equipes de saúde mental‖, do Ministério da Saúde, são
apontadas as condições clínicas incapacitantes, como as doenças orgânicas
incapacitantes, a dor crônica, as lesões desfigurantes perenes, a epilepsia, o trauma
medular, as neoplasias malignas e a Aids como fatores de risco (AMERICAN
PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).

2.5.8 Risco ocupacional

Por que escolhemos determinadas profissões? Escolhemos de fato a


atividade profissional? A psicologia tem se debruçado sobre essa temática,
perscrutando nas veredas da ciência a busca por respostas para tais questões. As
mais diferentes abordagens da psicologia consideram aspectos distintos sobre essa
problemática. Mas, em linhas gerais, conclui-se que a atividade profissional constitui
48

um campo para expressar a subjetividade e, ao mesmo tempo, consolidar


transformações nessa mesma subjetividade. A ocupação profissional pode, portanto,
ser um importante fator de proteção, mas também de risco, de acordo com os
aspectos da subjetividade humana implicados.
Nogueira (2020) analisou a aderência de policiais militares à Instituição
concluindo que as variáveis como número de filhos, religião e escolaridade,
apresentaram resultados de maior vinculação6 por comprometimento (forte
identificação com os valores da Instituição e se sentem pertencidos) e por
consentimento. Uma terceira forma de vinculação é o denominado
‗entrincheiramento‘, em que a decisão de dar continuidade à ação profissional
decorre da ausência de opções ou pela sensação de que a alteração resultaria em
perdas ou que haveria um alto custo emocional.
Dentre as formas de vinculação por comprometimento, vale destacar que o
normativo ―constitui-se em uma importante dimensão de troca social entabulada por
empregados com organizações‖. (ZANELLI, 2013, p. 331-332, apud NOGUEIRA,
2020, p.29), o que poderia estar associado com as propostas de apoio social,
insertos nos diversos programas de atenção à saúde mental da PMESP, mas, em
especial, no próprio conceito do projeto em curso, o ―Programa Rede de Apoio entre
Pares na Promoção da Vida‖, decorrente dos resultados da pesquisa levada a efeito
por Santana (2015).
Há, contudo, possibilidade de haver, em função da atividade profissional,
riscos em relação à saúde emocional. Muito em função do sofrimento no cotidiano
ocupacional. Cury (2013, p. 35) avaliou que:
O sofrimento no trabalho está calcado em dois aspectos maiores, quais
sejam o medo e o tédio, e os trabalhadores elaboram, consciente ou
inconscientemente, procedimentos defensivos para enfrentá-los. O
sofrimento só pode ser captado por meio das defesas, ou seja, através dos
sinais físicos e sintomas emocionais dos indivíduos, ao ponto da
psicopatologia do trabalho interessar-se, finalmente, mais pelas defesas do
que pelo próprio sofrimento.

Como visto, as taxas de suicídio variam de acordo com características como


faixa etária, gênero, localidade. Com relação às atividades profissionais, os agentes
6
Segundo Nogueira (2020), os vínculos organizacionais estão associados com a maneira pela qual
os componentes estabelecem as relações com a organização da qual fazem parte. Essas relações,
no início, dirigem-se para o alcance dos objetivos definidos pela organização, contudo,
paulatinamente, voltam-se para outros objetivos (não somente os da organização). ―Essas relações
são dinâmicas e se transformam: ora as relações priorizam questões organizacionais, ora priorizam
questões que envolvem os colaboradores em si.‖ (NOGUEIRA, 2020, p. 33)
49

de segurança pública, por exemplo, têm se mostrado como um subgrupo vulnerável.


Nesse contexto, segundo Miranda et al (2020, p. 14), as ―mortes por suicídio entre
policiais são fenômenos numericamente significativos no mundo‖, muito embora as
dificuldades em acessar dados sociodemográficos desses profissionais, as taxas de
suicídio não apresentam a adequada padronização. No que concerne aos dados da
PMESP, serão discutidos no Capítulo 5.

2.6 Os impactos da divulgação: do risco à prevenção.

A complexidade do suicídio se estende por aspectos internos do indivíduo,


assim como por aspectos da realidade externa, trazendo à tona inúmeros elementos
constituintes do sujeito. De fato, inúmeras circunstâncias precisam ser observadas
para minimizar os riscos de suicídio; é preciso, portanto, também pensar nos
processos de comunicação e de difusão dos casos de suicídio, eis que,
aparentemente, podem desencadear em riscos:
O suicídio é talvez a forma mais trágica de alguém terminar a vida. A
maioria das pessoas que consideram a possibilidade de cometer o suicídio
são ambivalentes. Elas não estão certas se querem realmente morrer. Um
dos muitos fatores que podem levar um individuo vulnerável a efetivamente
tirar sua vida pode ser a publicidade sobre os suicídios. A maneira como os
meios de comunicação tratam casos públicos de suicídio pode influenciar a
ocorrência de outros suicídios (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE,
2000, p. 3).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (2000, p. 3), ―uma das primeiras
associações conhecidas entre os meios de comunicação de massa e o suicídio‖
decorre da obra ―Os Sofrimentos do Jovem Werther‖ (Die Leiden des Jungen
Werther), de Goethe, publicada em 1774, cujo protagonista morre por suicídio, após
um amor mal sucedido. A obra chegou a ser proibida em alguns locais, pois
começaram a surgir na Europa vários relatos de jovens que, usando o mesmo
método, também morreram por suicídio.
Embora pesquisas anteriores já admitissem a possibilidade de ocorrer
imitação ou contágio, outros estudos se mostravam inconclusivos ou com
argumentos insuficientes para sustentar a existência desses efeitos. Contudo,
duzentos anos depois da publicação da obra de Goethe, Phillips (1974), utilizando-
se de estatísticas americanas e britânicas, procurou associar o aumento do número
de suicídios quando a história de uma morte nessas circunstâncias era publicada em
destaque em jornais. O autor assinalou que as vítimas eram provavelmente
50

influenciadas pela sugestão sobre o suicídio e, assim, cunhou o termo: ―parece


apropriado chamar este aumento de suicídios de ‗o efeito Werther‘‖ (PHILLIPS,
1974, 341)7.
Essa imitação parecia apresentar algumas associações, dentre as quais,
que o aumento era tanto maior quanto maior fosse o tamanho da matéria na capa;
quando presentes algumas características comuns à vítima, como gênero e faixa
etária; bem como, o suicídio de celebridades, cujo impacto parecia ser
significativamente forte. No período imediatamente posterior à morte de Marilyn
Monroe, houve um incremento de 12% n taxa de suicídios nos Estados Unidos e de
10% na Inglaterra (PHILLIPS, 1974). A OMS, décadas depois, aponta que há
poucos estudos tratando da associação entre peças de teatro ou músicas no
comportamento suicida; contudo, ―existe evidência suficiente para sugerir que
algumas formas de noticiário e coberturas televisivas de suicídios associam-se a um
excesso de suicídios estatisticamente significativo; o impacto parece ser maior entre
os jovens. ‖(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2000, p. 4).
Segundo aquela organização, de fato, o suicídio possui interesse jornalístico,
tendo a mídia o direito de noticiá-lo; entretanto, a maioria dos suicídios não é
apresentada pelos meios de comunicação, exceção feita aos casos que fogem dos
padrões usuais, que parecem atrair a atenção midiática:
Na verdade, chama a atenção o fato de que os casos mostrados na mídia
são quase que invariavelmente atípicos ou incomuns. Então, mostrá-los
como típicos perpetua ainda mais a desinformação sobre o suicídio. Os
clínicos e os pesquisadores sabem que não é a cobertura jornalística do
suicídio per se, mas alguns tipos de cobertura, que aumentam o
comportamento suicida em populações vulneráveis. Por outro lado, alguns
tipos de cobertura podem ajudar a prevenir a imitação do comportamento
suicida. Ainda assim, há sempre a possibilidade de que a publicidade sobre
suicídios possa fazer com que a ideia pareça ―normal‖. Coberturas de
suicídios repetidas e continuadas tendem a induzir e a promover
preocupações suicidas, particularmente entre adolescentes e adultos
jovens. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2020, p. 4, grifos do autor).
A mera veiculação de atos suicidas na mídia não constitui, portanto, fator de
risco, mas a forma com que se noticia e se explora o tema. Por tal motivo, a OMS
sugere atuar sempre em conjunto com autoridades de saúde na apresentação dos
fatos, destacar as alternativas ao suicídio, fornecer informações sobre números de
telefones e endereços de grupos de apoio e serviços em que se possa obter ajuda e
apresentar os sinais de risco e de alerta sobre comportamento suicida. Além disso,

7
Trata-se de uma tradução do autor. No artigo original, Phillips (1974, p. 341) escreve textualmente:
―It seems appropriate to call this increase in suicides ‗the Werther effect‘‖.
51

recomenda não publicar: fotografias do falecido ou de cartas suicidas, informar


detalhes do método utilizado, explicações simplistas, a glorificação do suicídio, bem
como, fazer sensacionalismo sobre o caso, utilizar estereótipos religiosos e culturais
ou, ainda, atribuir culpas. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2000, p. 9).
Niederkrotenthaler et al. (2010) procuraram testar hipóteses de que
determinado conteúdo midiático estaria de fato associado ao comportamento
suicida. O estudo sugere que a prevenção de comportamentos suicidas por parte
dos meios de comunicação seria possível. Esse efeito preventivo foi conceituado
como ―Efeito Papageno‖. Os autores destacam que se inspiraram em ―Papageno‖,
personagem da ópera ―A Flauta Mágica‖, de Mozart, que sofre por temer a perda de
sua amada ―Papagena‖, mas que desiste de se suicidar por causa de três seres
mágicos que o ajudam a superar a crise suicida. O conceito refere-se a qualquer
impacto com função protetora contra o suicídio decorrente de divulgação midiática.
Os achados apontam que as notícias repetitivas do mesmo suicídio e de
mitos de suicídio estariam positivamente associadas às taxas de suicídio. Em
algumas circunstâncias, a opinião de especialistas e divulgação de fatos
epidemiológicos com características potencialmente nocivas, referindo-se, por
exemplo, como uma epidemia de suicídio ou uma declaração de que os problemas
sociais relacionados com o suicídio estão se tornando cada vez mais intensos, não
se mostrariam favoráveis (NIEDERKROTENTHALER et al, 2010).
Por outro lado, as coberturas jornalísticas que destacavam as pessoas que
adotaram estratégias de enfrentamento positivo para fazer frente a circunstâncias
adversas foram negativamente associadas ao suicídio, o que sugere o potencial
preventivo desse tipo de comportamento. (NIEDERKROTENTHALER et al, 2010).
Importante lembrar que, atualmente, as novas mídias, especialmente
aquelas relacionadas à rede mundial de computadores e acessíveis pelos telefones
celulares, passaram a protagonizar a divulgação dos mais diversos conteúdos.
Desse modo, assim como a cobertura midiática tradicional pode impactar nos
suicídios, por analogia, as mídias sociais podem trazer significativo impacto, em
função de seu alcance e abrangência.
Scavacini (2018, p. 94) destaca que os ―comentários preconceituosos feitos
quando uma foto de um suicídio é postada e rapidamente espalhada nas redes
sociais também revelam o preconceito velado que o tema suscita‖. Dois elementos
se encontram nesse processo: a inadequada divulgação de um suicídio e o
52

julgamento posterior, muitas vezes revelando o preconceito existente, o que agrava


ainda mais a situação.
Scavacini (2018) destaca que os canais virtuais, aqui entendidos os
buscadores eletrônicos, jornais, revistas, noticiários, grupos de discussão, blogs e
redes sociais, produzem impactos em diversas dimensões, exercendo influência na
comunicação e, mais do que isso, na vida das pessoas e de diversas maneiras.
Muitas vezes, esses canais criam a ilusão de vida perfeita das outras pessoas, as
quais parecem não ter problemas, vivendo em plena felicidade e prazer sempre. A
autora traz à tona um exemplo de um chefe que demite uma funcionária ao julgar o
luto por uma foto publicada nas redes sociais, tomando esse fato como o todo (e não
como fragmento, já que as pessoas não levam a vida da forma com que publicam).
Os colaboradores da pesquisa da autora lembram que o suicídio do ator Robin
Willians os fez se sentirem chocados, pois o consideravam uma ―pessoa alegre e
seus filmes eram ‗alto astral‘ (...). Ele escancarou o fato de que a imagem que se
passa, muitas vezes, é diferente da realidade da pessoa.‖ (SCAVACINI, 2018, p.
112).
Com relação ao suicídio de pessoas famosas, em razão da grande
repercussão e visibilidade, permite-se discutir o assunto, de modo a ampliar a
compreensão de que as pessoas, em geral, estariam sujeitos ao adoecimento.
Tomar conhecimento do suicídio de alguém famoso ou saber que eles
lidaram com transtornos mentais ou passaram por tratamentos, pode ajudar
a discutir o assunto e a perceber que o suicídio pode acontecer com
qualquer um, até com aqueles que têm a vida ―perfeita‖. Ao tornar o assunto
público, por ter ocorrido com uma personalidade, fica difícil esconder da
mídia e as pessoas fingirem que não estão sabendo de nada, facilitando o
contato com o tema. (SCAVACINI ,2018, p. 112).

Scavacini (2018) traz uma importante observação, alertando sobre a difusão


de um sentimento de culpa e de incompetência, ainda que bem intencionados:
Informações que falam que o suicídio pode ser prevenido em mais de 90%
dos casos ou que ele é resultado de falta de carinho e amor acabam
produzindo culpa nas pessoas que estavam próximas de quem morreu,
como os familiares, apontando que não foram capazes de prevenir o
suicídio ou que viraram as costas para quem precisava, que se sentem
incompetentes por não terem evitado o ato. Há um risco nesses
comentários, embora bem-intencionados, tendo em vista que o suicídio
pode ser prevenido em alguns casos, mas não em todos. (SCAVACINI,
2018, p. 110)
Embora a autora destaque que as postagens mais bem aceitas pelas
pessoas são ―aquelas que expõem a tragédia pessoal e tem como resposta
mensagens de solidariedade, [mas] quando a postagem é sobre prevenção e
53

posvenção do suicídio [...] a quantidade de curtidas e comentários é menor‖


(SCAVACINI, 2018, p. 109), é importante destacar que essa estratégia, a de utilizá-
las como canais de comunicação de grande abrangência, podem trazer impactos
positivos ao divulgar informações pertinentes.
É importante destacar, portanto, que as mídias sociais carregam a
ambivalente posição de, talvez, contribuir para um eventual aumento de casos, mas,
também, poderia ser utilizada como uma importante ferramenta de prevenção desse
complexo fenômeno.

2.7 Fatores de proteção

Em geral, os pesquisadores são convergentes em definir, como principais


fatores protetores para o comportamento suicidia: a ausência de transtorno mental,
gravidez, senso de responsabilidade para com a família, suporte social positivo,
religiosidade, estar empregado, satisfação elevada com a vida, presença de criança
na família, capacidade de resolução de problema positiva, capacidade de adaptação
positiva, teste de realidade intacto e relação terapêutica positiva (BERTOLOTE;
MELLO-SANTOS; BOTEGA, 2010).
No que concerne às atividades policiais e de bombeiros, Stanley, Hom e
Joiner (2016) apontam que também carregam potenciais fatores de proteção
específicos. Um rol não exaustivo inclui: a camaradagem; suporte social e familiar;
suporte organizacional; e senso de propósito.

2.8 Delimitação conceitual

Embora possa parecer um conceito simples, na realidade uma definição


precisa de suicídio ainda suscita divergências (BERTOLOTE, 2012, p. 21). Para
Cassorla (2019) a definição de suicídio como ―morte de si mesmo‖ parece ser
suficiente à primeira vista, contudo, ao aprofundar a reflexão sobre os diversos
fatores envoltos no fenômeno, percebe-se a limitação desse conceito.
A perspectiva de antecipar a própria morte é um elemento a se considerar.
Cassorla (2019) traz exemplos de situações em que se percebe a amplitude da
discussão: o fumante inveterado com diagnóstico de problemas pulmonares e
cardíacos que sabe que morrerá se não interromper o consumo dessa substância.
54

Segundo Werlang e Botega (2004, p. 29), o conceito envolve ―[...] todo ato
pelo qual um indivíduo causa lesão a si mesmo, qualquer que seja o grau de
intenção letal e de conhecimento do verdadeiro motivo desse ato‖. Verifica-se,
portanto, que a ação deve ser praticada por determinada pessoa e dirigida a si
mesma. Outro aspecto conceitual é que deve haver, independentemente do grau,
uma intencionalidade de produzir a morte, ainda que o motivo não esteja claro para
a pessoa que o praticou.
Os comportamentos suicidas, contudo, não se restringem ao desfecho fatal,
pois também compreendem a ideação suicida e as tentativas, resultando em morte
ou não. Em termos conceituais e fenomenológicos:
Do ponto de vista fenomenológico, o suicídio é um processo que se inicia
com considerações mais ou menos vagas sobre a morte e sobre morrer
(ideação suicida), as quais podem adquirir consistência (persistente ou
recorrente, flutuante), evoluir elaboração de um plano (plano suicida) e
num ato suicida, cujo desfecho poder ser fatal (suicídio) ou não (tentativa
de suicídio). (BERTOLOTE, 2012, p. 21-22, grifos do autor).

Jans et al (2020, p. 2, grifos dos autores) trazem as seguintes definições:


Suicidalidade se refere à cognição e às atividades de pessoas que buscam
sua própria morte, incluindo pensamentos, ações ou omissões;
O suicídio (do latim sui caedere, matar a si mesmo) significa o ato
intencional de uma pessoa que causa sua própria morte;
Tentativa de suicídio envolve os atos ou preparações não fatais com a
intenção de ter como resultado a morte. O ato suicida deve ter sido
abandonado, interrompido ou malsucedido;
Parassuicídio refere-se a um comportamento não habitual, potencialmente
com risco de autoagressão, o qual é realizado sem a intenção de morte. Por
causa do comportamento não suicida, alguns autores preferem os termos
―autolesão deliberada‖, ―autoagressão deliberada‖ ou ―autolesão não
suicida‖ (NSSI, em inglês). Nesse capítulo, o termo ―autolesão não suicida‖
será utilizado.
Os termos ―autolesão deliberada‖ ou ―autoagressão deliberada‖ são
tipicamente usados sem distinguir a NSSI da tentativa de suicídio não fatal.
(JANS ET AL, 2020, p. 2, grifos dos autores)

Há, portanto, uma série de elementos que, como se percebe, dificultam a


exata definição do suicídio. Scavacini (2018) alerta para a importância de contemplar
ações que envolvam o comportamento em sentido amplo:
Vale lembrar que a suicidalidade tem diversas formas, uma forma não
necessariamente leva à outra. Não há uma vítima típica, embora seja
possível prevenir o suicídio em muitos casos, ainda não é possível prever
quem, como e quando irá cometer suicídio. O comportamento suicida não
fatal é comum, o suicídio completo é sua forma mais rara, que demonstra a
importância da discussão e do tratamento para o comportamento suicida,
que pode ser em muitos casos evitado.(SCAVACNI, 2018, p. 38)
55

Não é objetivo deste trabalho se debruçar sobre esses dois fenômenos,


contudo, importa destacar que na PMESP os números de tentativas de suicídio e de
ideação suicida não se apresentam nas mesmas proporções que a população em
geral. Diversos fatores podem colaborar para essa condição, como a aparente
subnotificação das tentativas, a eficácia do método utilizado pelos policiais militares,
a inexistência de uma política interna de notificação (o que se pretende alterar por
meio de normatização, proposta que seguirá oportunamente), dentre outros.
Com relação à eficácia do método e meio, também seguirá uma breve
análise, adiante, quando se discutirá essa circunstância em função da importante
participação da arma de fogo nos casos de suicídio, o que indica que, ao policial
militar há um risco aumentando ou a impossibilidade de uma segunda chance.
De qualquer modo, em linhas gerais, alguns elementos se apresentam de
forma preponderante para definir uma morte como decorrente de suicídio: a
intencionalidade, a voluntariedade, a consciência e a ação letal dirigida contra si
mesmo. Obviamente, não se trata de uma definição estanque. Além disso, há que se
observar que esses elementos podem variar em graus. Por exemplo, a pessoa sob
efeito de alguma substância psicoativa pode ter a consciência limitada; a ação, por
envenenamento, embora letal, exigiria uma dosagem específica para a consumação
do ato. Scavacini (2018, p. 28), já havia assinalado que:
A depressão ou uma dor existencial profunda podem influenciar o raciocínio
lógico de uma pessoa, fazendo que ela não tenha uma clareza de
pensamentos suficiente para ter consciência do ato e de suas repercussões,
bem como de quais outros caminhos teria para resolver seus problemas ou
a sua dor, que não fossem pela morte. Assim, compreendemos que a
intencionalidade de provocar a morte seja mais presente que ter a
consciência plena desse ato. (SCAVACINI, 2018, p. 28).

Em termos práticos, o PPMS tem caracterizado com maior amplitude os atos


suicidas, em especial os consumados, registrando-os como tal no banco de dados.
Por vezes, acaba por ser descaracterizado quando a apuração criminal desvenda
um homicídio em que o autor simula um suicídio. Mas é a exceção.

2.9 Epidemiologia

As pesquisas em epidemiologia, embora relevantes, há que se


considerarem, em função da complexidade do suicídio, as dificuldades de identificá-
lo e de registrá-lo corretamente; ademais, em função do julgamento moral e
56

religioso, ao qual o suicídio apresenta-se suscetível, há um sério agravo no processo


de classificação desse fenômeno, obstaculizando, portanto, reflexões definitivas em
torno dos números oficiais divulgados:
Frequentemente são feitas comparações entre dados de diferentes países,
mas deve-se levar em consideração que os procedimentos de registro de
dados de mortalidade variam amplamente de país para país, e isto
compromete seriamente qualquer comparação direta. (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE, 2000, p. 6)
Os dados na sequência apresentados, portanto, constituem parâmetros
preliminares visando à contextualização que, no longo prazo, tendem a se
consolidar. É de se destacar que, além da natural variação entre países, o suicídio
parece ser muitas vezes subnotificado:
O número de suicídios frequentemente é subestimado. A extensão deste
viés varia de acordo com o país, dependendo principalmente da maneira
como o suicídio é registrado. Razões para a subestimação incluem
estigmas, fatores políticos e sociais e regulações de agências seguradoras,
o que significa que alguns suicídios podem ser registrados como acidentes
ou mortes por causa indeterminada. Pensa-se que o suicídio é subestimado
numa taxa de 20-25% no idoso e de 6-12% em outras faixas etárias. Não
existem registros mundiais oficiais de comportamentos suicidas não-fatais
(tentativas de suicídio), principalmente devido ao fato de que somente cerca
de 25% dos que tentam o suicídio precisam e/ou buscam atenção médica. A
maioria das tentativas de suicídio, portanto, permanece não relatada e não
registrada. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2000, p. 6)
Há que se alertar sobre o problema adicional existente no Brasil: a
subnotificação e os registros equivocados. Como observa Scavacini (2018), durante
as atividades realizadas com os colaboradores da pesquisa que realizava, notou
que, aparentemente, as regras eram inexistentes acerca dos registros sobre
suicídios, resultando em interpretações amplas (e por vezes equivocadas) e em
subnotificações:
Os dados de mortalidade enviados ao DATASUS, que geram as taxas de
mortalidade, baseiam-se na causa de morte presente no atestado de óbito.
Como só há a liberação do corpo com um atestado de óbito, muitos casos
de suicídio vão a inquérito policial, é comum que apareça no atestado de
óbito ―causas indefinidas‖. Após o inquérito, o atestado pode ou não ser
alterado para suicídio, porém o dado que gera as taxas de mortalidade
mantém a causa original. Entre os colaboradores, houve o relato de apenas
um caso em que o suicídio constava como causa de morte no atestado de
óbito, o que nos apresenta o tamanho do problema. (SCAVACINI, 2018, p.
208-209).
Para a autora, os números e as taxas, quando precisos, mostram-se
relevantes para subsidiar a elaboração de planos, direcionando adequadamente os
esforços de prevenção. O conhecimento de dados estatísticos poderia também
viabilizar o desenvolvimento de programas e concretizar medidas de
57

conscientização voltadas para o público alvo. Além disso, possibilitaria demonstrar o


quão frequente é o suicídio, possibilitando promover a empatia em função dessas
experiências de perda e de superação (SCAVACINI, 2018).
Em que pese haver significativa instabilidade nos números e, portanto, nas
taxas, pretende-se, nesta seção, analisar a abrangência do problema do suicídio, de
modo a levantar reflexões que possam desencadear medidas de prevenção desse
fenômeno.
Para tanto, partir-se-á dos números globais, passando pelos nacionais até o
estudo da realidade que se tem no estado de São Paulo. Na seção seguinte, serão
discutidos os números disponíveis sobre os policiais, categoria muitas vezes
apontada como de maior vulnerabilidade ao suicídio.
Com relação à oscilação das taxas, importante destacar que estão
diretamente atreladas ao recorte temporal considerado. A evolução dos índices de
suicídio é caracterizada por ondas de movimento, dificultando estabelecer um
parâmetro, seja nos diversos países do mundo, como no Brasil e, também, na
Polícia Militar do Estado de São Paulo. Contudo, faz-se necessário estudá-los, para
que a prevenção seja o mais proficiente quanto possa ser.

2.9.1 Suicídios no mundo

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mais de 800 mil


pessoas tirem a própria vida, todos os anos, sendo, portanto, um tema prioritário na
agenda pública (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2014). ―Nos últimos 45 anos
observou-se que as taxas de suicídio aumentaram 60% e representam a 13ª causa
de morte da população mundial‖ (BARBOSA; TEIXEIRA, 2021, p. 2). Do mesmo
modo, Mello-Santos et al (2005) apontam o crescimento das taxas de suicídio no
mundo, ao estudarem o período de 1980 a 2000.
Muitos dos casos são subnotificados. Com base na série histórica, acredita-
se que o número de tentativas seja de 10 a 20 vezes maior, o que dá uma ideia da
dimensão do problema: uma tentativa de suicídio a cada 3 segundos. A tabela 2
apresenta as taxas de suicídios, já ponderadas para cada grupo de 100 mil pessoas,
de alguns países do mundo.
58

Tabela 2 - Suicídio em países do mundo em taxas por 100 mil


TOTAL Feminino Masculino
PAIS
Taxas por 100 mil Taxas por 100mil Taxas por 100 mil
LITUANIA 31,9 9,5 58,1
BIELORRUSSIA 26,2 8,2 46,9
SURINAME 22,8 10,9 34,7
JAPÃO 18,5 11,4 26,0
AUSTRIA 15,6 7,7 23,9
ESTADOS UNIDOS 15,3 7,2 23,6
SUECIA 14,8 10,5 19,1
PORTUGAL 14,0 6,5 22,2
DINAMARCA 12,8 8,2 17,3
CHINA 9,7 10,3 9,1
ITÁLIA 8,2 4,5 12,1
BRASIL 6,5 3,1 10,0
Fonte: World Health Organization, 2019.

A Lituânia e outro país do leste europeu, a Bielorrússia, apresentam as


maiores taxas. A lista é meramente exemplificativa, para contextualização do
problema. Observa-se a predominância dos suicídios de homens, exceção feita à
China, país em que o coeficiente de suicídios das mulheres é maior.

2.9.2 Os suicídios no Brasil

No mundo, ocorre uma morte por suicídio a cada 40 segundos; no Brasil, a


cada 46 minutos (BARBOSA; TEIXEIRA, 2021). Embora o Brasil não esteja entre os
países com as taxas mais elevadas de suicídio, atingindo uma taxa de 6,5 casos
para cada 100 mil (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2019), os números podem
estar subnotificados. Há casos, por vezes, que são classificados como homicídio,
ficando fora das estatísticas, sendo que as tentativas que não geram lesão nem
sempre são informadas pelos familiares ou registradas oficialmente.
Scavacini (2018), ao participar de encontros com grupos focais para
subsidiar tese de doutoramento, os quais eram integrados por sobreviventes, assim
chamadas as pessoas impactadas por suicídio de pessoas próximas, constatou que
muitos dos casos não havia sido registrado como suicídio.
59

Existem inúmeras dificuldades para se obter informações seguras sobre as


ocorrências, trazendo significativas implicações nas estatísticas. Os dados oficiais
sobre a mortalidade por suicídio no nosso país, por exemplo, ―derivam de
informações constantes de atestados de óbitos compiladas pelo Sistema de
Informação de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde. Esses dados costumam
estar subestimados‖ (BOTEGA, 2014, p. 232).
Nessa perspectiva, tendo como base os dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), ao serem comparadas as projeções demográficas
com o total de óbitos registrados nos cartórios brasileiros, estimou-se que o sub-
registro seria superior aos 15% (BOTEGA, 2014, p. 232). As estatísticas nacionais
também apresentam outro desafio:
Além de sub-registro e de subnotificação, há o problema dos suicídios que
‗se escondem‘ sob outras denominações de causa de morte, como, por
exemplo, acidente automobilístico, afogamento, envenenamento acidental e
‗morte de causa indeterminada‘ (GOTSENS et al., 2011, apud BOTEGA,
2014, p. 232).
Com relação à implementação de estratégias para a prevenção, a OMS
lançou o Plano de Ação sobre Saúde Mental 2013-2020, estabelecendo como meta
a redução da taxa de suicídios em 10%, até o ano de 2020 (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2013), entretanto, o que se tem observado no Brasil é um
agravamento da problemática:
Apesar do Brasil ser signatário do plano de ação, a meta em questão não foi
cumprida: nos últimos 20 anos, o suicídio cresceu 53%. Em 2018, o último
ano disponível, o país registrou mais de 13.463 casos, o equivalente a 37
casos por dia na população geral segundo o Ministério da Saúde. Esse
dado é ainda mais grave, quando analisamos as mortes por suicídio entre
os homens. (MIRANDA et al, 2020, p. 14).
Cerqueira et al (2007) destacam que o suicídio parece se tratar de uma
questão invisível socialmente no Brasil e, ainda que a amplitude dessas ocorrências
seja inferior, por exemplo, aos homicídios e acidentes de transporte, o contingente
de pessoas mortas anualmente por suicídio é algo considerável; além disso, a
elevação no número de mortes por suicídios ―desde 1990 de 59,2% superaram
mesmo o crescimento dos homicídios (55,2%) e dos acidentes de transporte (17%),
indicando tratar-se de um problema sério de saúde pública, para o qual não há
política clara.‖ (CERQUEIRA et al, 2007, p. 7).
Por meio de análise descritiva dos dados sobre o suicídio obtidos do banco
de dados ―DATASUS‖, referente ao período de 1980 a 2000, examinou-se as
tendências de suicídio no Brasil, em especial, quanto à distribuição etária e gênero,
60

verificando-se, ao final, um crescimento de 21% da taxa global de suicídio nessas


duas décadas. Entre os jovens (15 a 24 anos), esse aumento representou 1.900%.
Os homens se suicidaram de 2,3 a 4 vezes mais que as mulheres (MELLO-SANTOS
et al., 2005).
Segundo Dantas et al. (2018), entre os anos de 2010 e 2014, a taxa média
de mortalidade por suicídio foi de 5,23 (para cada grupo de 100 mil habitantes),
contudo, alguns municípios obtiveram taxas superiores a 50 mortes por 100 mil
habitantes.
Em estudo mais recente, contemplando o total de 195.440 óbitos por suicídio
havidos no Brasil no período de 1996 a 2016, constatou-se diferentes taxas de
mortalidade por suicídio entre regiões, sexo e grupos etários. Adotando-se a análise
de regressão linear segmentada para calcular a variação anual e alterações
significativas na tendência, verificou-se um aumento significativo na taxa de
mortalidade por suicídio: para os adolescentes (nas regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste), em adultos do sexo feminino (região Nordeste), para o sexo
masculino (Norte e Nordeste) e para idosos (≥ 60 anos), na região Norte. A
tendência de redução nas taxas foi observada nas idosas (≥ 60 anos) do Sudeste e
Sul, homens adultos e idosos (≥ 60 anos) da região Sul (CONFORTIN et al., 2021).
Os autores ressaltam a limitação do estudo, decorrente da qualidade dos registros
no país.
Nesse sentido, vale assinalar, o Rio Grande do Sul apresenta as maiores
taxas de suicídio. Em análise do perfil epidemiológico e toxicológico dos casos de
suicídio ocorridos entre 2017 e 2018, por meio de um estudo transversal com dados
das ocorrências policiais e laudos do Instituto-Geral de Perícias daquele estado,
verificou-se o registro de 2.564 suicídios, o que representaria o coeficiente de 11,3
para cada 100 mil habitantes/ano. As vítimas eram majoritariamente do sexo
masculino (79,4%) e na faixa etária de 50 a 54 anos (10,3%); o principal meio
utilizado foi o enforcamento (72,5%). Também se constatou que em 29,1% dos
casos, houve resultado positivo para etanol e, em 36,1%, para outros psicotrópicos
(CONFORTIN et al., 2021).
Especificamente entre jovens (15 a 24 anos), os dados de 1996 apontavam
uma relativa uniformidade na distribuição de casos de suicídio, diferentemente dos
homicídios, cuja incidência se dava mais nas capitais e regiões metropolitanas
(WAISELFISZ, 1998, p. 120).
61

De fato, dependendo do recorte e da metodologia aplicada, as pesquisas


apontam taxas oscilantes, o que não diminui o caráter trágico do suicídio para a
sociedade brasileira.

2.9.3 Os suicídios em São Paulo

No período de 1993 a 2003, houve uma diminuição absoluta de 1,6% dos


casos de suicídios no estado de São Paulo, especialmente na capital, com uma
redução de 17,7% (WAISELFISZ, 2005). Contudo, ao analisar a série histórica
alusiva ao período de 2010 a 2019, representada por meio da figura 2, constata-se
que, na realidade, embora oscilante, sugere-se uma elevação.

Figura 2 – Mortalidade por suicidio (número de óbitos e taxas brutas por 100 mil habitantes) no
estado de São Paulo, no período de 2010 a 2019.

Fonte: Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, 2020.

As taxas de suicídio no Estado, portanto, apresentam-se menores do que a


do país, de 6,5 para cada 100 mil pessoas (WORLD HEALTH ORGANIZATION,
2019). Em 2017, contudo, pico das ocorrências, o número foi bastante próximo.
62

3 O SUICÍDIO DE POLICIAIS

As taxas de suicídio, como visto, variam de acordo com características como


faixa etária, gênero, localidade, ocupação dentre outras circunstâncias. No que
tange às atividades profissionais, muito tem sido apontado em relação aos agentes
de segurança pública como um subgrupo vulnerável. Nesse contexto, segundo
Miranda et al (2020, p. 14), as ―mortes por suicídio entre policiais são fenômenos
numericamente significativos no mundo‖. Contudo, assinala a autora que, em função
das dificuldades em acessar dados sociodemográficos, as taxas de suicídio de
profissionais de segurança não apresentam padronização por variáveis como sexo e
idade.
Importante destacar que, ao longo dos anos, diversas campanhas, a
exemplo do ―Setembro Amarelo‖, têm direcionado a atenção sobre o suicídio. Do
mesmo modo, o suicídio praticado por policiais tem sido cada vez mais foco de
atenção em todo o mundo. Reis (2020), ao colocar o tema sob perspectiva
internacional, destaca o evento sobre segurança pública organizado pela
International Association of Chiefs of Police (IACP), que ocorreu em outubro de
2019, nos Estados Unidos da América:
Neste evento, foi possível verificar a importância dada ao tema suicídio,
especificamente dos agentes de segurança, pois contou com mais de 100
palestras dos mais variados temas, sendo que em aproximadamente 60%
delas, os temas estavam relacionados com a saúde mental ou com o
suicídio de agentes de segurança. (REIS, 2020, p. 24).
Nas linhas a seguir, pretende-se discutir brevemente os principais estudos e
levantamentos sobre o suicídio de agentes das forças de segurança pública, a
começar por alguns países do mundo, como Estados Unidos da América, Portugal,
Itália, Áustria. Na sequência, uma rápida análise sobre o suicídio de policiais e de
militares no Brasil. Ao final desta Seção, será apresentado o panorama geral de
suicídios da PMESP, discutindo-se ainda o modelo de prevenção de suicídios
atualmente vigente e os principais serviços e programas voltados aos cuidados da
saúde mental dos policiais militares.
63

3.1 As policiais americanas

É relativamente comum verificarmos generalizações sobre a ―polícia


americana‖. Muitas vezes, é representada como uma instituição única. O modelo
americano, contudo, é amplo. Cabe destacar que os Estados Unidos da América
(EUA) são constituídos pela própria federação, pelos estados, além dos condados e
das cidades. Nessa perspectiva, estima-se haver entre 13,5 a 40 mil agências
policiais naquele país (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 2004).
Violanti (2010) aponta haver, em termos estatísticos, indicadores de risco,
não podendo, contudo, tais dados serem definitivamente interpretados como o
estabelecimento de uma relação causal entre o trabalho policial e o suicídio, já que
os registros das ocorrências podem trazer inconsistências. Contudo, ao comparar,
por exemplo, o índice de suicídios entre policiais e bombeiros (estadunidenses),
constatou que, no geral, a taxa entre policiais foi quatro vezes maior que a dos
bombeiros.
Muito pouco se sabe sobre os riscos de saúde no longo prazo associados à
ocupação de policial. Um estudo retrospectivo de mortalidade relacionada ao
trabalho abrangendo 2.376 policiais americanos atuantes no período de janeiro de
1950 e outubro de 1979 realizado por Vena et al. (1986) revelou elevadas taxas de
neoplasias malignas combinadas, câncer de esôfago, câncer de cólon e de suicídio,
se comparadas com as de outros funcionários municipais. No mesmo sentido,
Stanley, Hom e Joiner (2016, p. 41), empreenderam uma ampla revisão sistemática,
cujos achados revelaram, em linhas gerais, que policiais, bombeiros e paramédicos
teriam risco elevado de ideação e comportamento suicida.
Segundo MacCafferty et al (apud GRASSI et al, 2019, p. 20), nos Estados
Unidos, alguns fatores como turnos e atribuições irregulares de trabalho, o estigma
resultante da desconfiança da população em geral e a falta de apoio institucional
podem também ser vistos como fatores contribuintes para o risco de suicídio.
As taxas de suicídio de policiais da cidade de Nova York durante o período
de 1977 a 1996 (n = 668) foi de 14,9 por 100 mil pessoas-ano. As taxas de suicídio
de policiais (masculino) eram comparáveis à sua população de referência, enquanto
as policiais do sexo feminino tiveram as taxas mais elevadas. A taxa de suicídio
demograficamente ajustada de residentes da cidade de Nova York foi de 18,3 por
100 mil pessoas/ano, no mesmo período; ou seja, se consideradas essas duas
64

décadas, a taxa de suicídio entre os policiais de Nova York revelou-se igual ou até
inferior à taxa de suicídio da população residente na cidade (MARZUK el al, 2002).
Contudo, segundo Santos, Marcelo (2020), esse coeficiente de suicídios para os
policiais de Nova York em 2017 foi de 13,8 para cada grupo de 100 mil pessoas,
enquanto a população geral daquela cidade apresentou taxas 6,7 por 100 mil, ou
seja, mais que o dobro. Os dados aqui levantados poderiam constituir um outlier
(ponto fora da curva) ou, de fato, demonstrar a significativa elevação de risco de
policiais. Santos, Marcelo (2020) também assinala que em 2018, nos Estados
Unidos da América, o coeficiente de mortalidade por suicídio foi de 17 para cada
grupo de 100 mil pessoas, ou seja, também superior à taxa da sociedade americana,
que registrou 13 por 100 mil.
Os estudos também têm demonstrado que as taxas de suicídio podem diferir
entre departamentos de polícia de diferentes tamanhos. Um estudo que contemplou
298 departamentos de polícia dos EUA descobriu que as organizações menores
tinham as taxas de suicídio mais elevadas, talvez em função da menor
acessibilidade aos serviços de saúde mental, em especial, aqueles mais
abrangentes (que poderiam estar disponíveis em departamentos maiores); outros
fatores associados seriam a carga de trabalho maior e a visibilidade da comunidade
sobre a organização (NACIONAL OFFICER SAFETY INITIATIVES, 2020).

3.2 As polícias europeias

Não haveria como abordar todas as policiais europeias. Apenas para fins de
contextualização, procurou-se estudar os dados publicados em periódicos científicos
(internacionais) que pudessem trazer taxas e comparativos com a população geral
dos respectivos países. Foram localizados artigos da polícia italiana (Polizia di Stato,
já que não foram encontrados estudos sobre os Carabineros), da Polícia Nacional
Portuguesa e das policias alemãs (congregando as duas forças federais e as 16
estaduais).
No que concerne aos policiais italianos, no período de 1995 a 2017,
registrou-se a morte de 271 profissionais do serviço ativo. Variáveis como a idade e
sexo foram comparados entre policiais e a população italiana em geral. Em linhas
gerais, os resultados apontaram que a taxa média de suicídio policial foi de 11,8 por
100 mil indivíduos por ano, dentro de um intervalo de confiança (IC) de 95%
65

(variando entre 11,18-12,06). Análises estatísticas demonstraram que as taxas de


suicídio de policiais italianos foram significativamente maiores em relação à
população geral ajustada por idade (p <0,001). Também foram maiores, em cerca de
1,7 vezes, as taxas de policiais masculinos em relação aos italianos do sexo
masculino com menos de 65 anos (p <0,001) e 2,7 vezes maior para policiais do
sexo feminina comparativamente à população geral feminina ajustada por idade (p
<0,05). (GRASSI et al., 2019).
Segundo Grassi et al. (2019) existem, provavelmente, vários determinantes,
como o estresse relacionado ao trabalho, talvez relacionado à exposição do policial
a eventos potencialmente traumáticos e à morte nas mãos de outros. Problemas
conjugais, alcoolismo e suspensões do emprego foram os fatores mais marcantes
associados com suicídios policiais, a maioria cometida com armas de fogo,
notadamente com as armas utilizadas em serviço. Com relação à idade, etnia e anos
de serviço, não foram encontradas associações. Os autores também constataram a
diminuição nas taxas de suicídio de policiais no período de 1995 a 2007, seguidos
por um platô.
A polícia italiana teria, também, patrocinado programas de aconselhamento
para policiais, mas constatou-se barreiras para a procura de cuidados psiquiátricos,
uma vez que os profissionais temem que uma avaliação psiquiátrica possa resultar
em sanções de trabalho, restrição de arma de fogo, promoções perdidas e
estigmatização (GRASSI et al., 2019).
Embora não seja escopo deste trabalho abordar os eventuais impactos da
pandemia por Sars-Cov2 (que desde o início de 2020 atinge o mundo) sobre a
saúde mental dos profissionais de segurança pública e, notadamente, como fator de
risco adicional de suicídio, vale registrar que Garbarino et al (2021) destacam a
intensa e rápida propagação da doença no território italiano; a Polícia Estadual
italiana, portanto, segundo os autores, muito possivelmente experimentaram
estresse intenso e prolongado. Com relação aos dados sobre o suicídio desses
agentes, os autores apontam que:
A Polícia Estadual italiana se aproxima de 100.000 pessoas com idades
entre 25-65 anos: 14 indivíduos (homens = 13, mulheres = 1; idade média =
43,64 anos) cometeram suicídio no ano de 2015.
Correspondentemente, 7 pessoas (homens = 7, mulheres = 1 ; idade média
= 47,5 anos) em 2016;
13 pessoas (homens = 13, idade média = 45,62 anos) em 2017;
10 pessoas (homens = 10, idade média = 48,1 anos) em 2018;
66

18 pessoas (homens = 16, mulheres = 2, idade média 46,78 anos) em 2019,


e 12 pessoas (homens = 12, idade média = 52) em 2020 cometeram
suicídio. (GARBARINO et al, 2021, p. 2).
Embora não tenha havido aumento nos números absolutos, os autores ainda
não dispunham de informações para calcular os coeficientes de mortalidade de
suicídio e compará-los com a da população em geral. Mas os autores continuam a
postular pelo fortalecimento dos programas de prevenção de suicídios, pois a
pandemia poderia produzir impactos quanto a esse fenômeno, mas em função de
outras circunstâncias, já que causou intensa miséria humana; nesse sentido, alertam
que durante a crise econômica de 2008, houve uma elevação de 12% nas mortes
por suicídio (entre homens italianos com idades entre 25 e 69 anos).
Também fundamentado na premissa de que os policiais são os primeiros a
atuar nas mais difíceis e graves situações, além de disporem de uma ferramenta
letal (armas de fogo), tornando-os vulneráveis e com maior risco de suicídio, Costa,
Passos e Queiros (2019) produziram um estudo para calcular a taxa de suicídio de
agentes da Polícia Nacional Portuguesa (PSP) e compará-la com a população
portuguesa em geral. O período estudado compreendeu as mortes ocorridas entre
2005 e 2014, quando foram identificados 39 suicídios. A taxa média para policiais
(masculinos) foi de 20,6 por 100 mil pessoas-ano (IC de 95% = 14,2–27,1) e para a
população em geral foi de 13,9 por 100 mil pessoas-ano (IC 95% = 13,5–14,3). As
taxas, de fato, para policiais se apresentaram mais altas, contudo, os autores
alertam que algumas dificuldades foram enfrentadas, como a falta de informação
sobre aposentados ou demitidos. Outra constatação, alinhada às pesquisas sobre
suicídio policial, é a de que os policiais portugueses também morrem mais
frequentemente com emprego de armas de fogo (34 casos ou 87,2%).
Também na Alemanha, as taxas de suicídios entre policiais são superiores à
da população em geral (em comparação com as taxas do grupo de idade
comparável), atingido o coeficiente de 25 por 100 mil para esses agentes e 20 por
100 mil para a sociedade alemã. Embora em proporção um pouco menor em relação
às demais forças policiais europeias, o método de suicídio mais frequente foi a arma
de fogo (66–71%). As hipóteses também seguem as constatações internacionais
que atribuem as altas taxas de suicídio entre os policiais ao maior estresse no
trabalho do que em outras profissões. Outras hipóteses envolvem variáveis
individuais, como doenças psiquiátricas, alcoolismo e problemas interpessoais e
conjugais (SCHMIDTKE; FRICKE; LESTER, 1999).
67

3.3 Os militares das Forças Armadas

Em que pese não estarem inseridas no rol de órgãos de Segurança Pública,


as Forças Armadas têm atuação no âmbito da Segurança Nacional e,
subsidiariamente, nas ações de garantia da lei e da ordem:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e
pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares,
organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade
suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à
garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da
lei e da ordem. (BRASIL, 1988).

Com relação aos militares das Forças Armadas há posições divergentes, já


que algumas pesquisas ―descobriram que a taxa de morte por suicídio foi menor do
que na população em geral, enquanto outros estudos encontraram taxas mais altas
e outros não encontraram diferença‖ (SAREEN, 2009, apud FURTADO;
ORLANDINI, 2020, p.79).
No âmbito do Exército Brasileiro, os números de suicídios no período de
2010 a 2015 estão representados na figura 3, conforme imagem extraída da Cartilha
do Usuário do Serviço de Assistência Social do Comando da 5ª Região Militar:
Figura 3 – Evolução dos suicídios no Exército Brasileiro

Fonte: Exército Brasileiro (2016).

Em complemento, Silva, G. (2017) assinala que, no ano de 2016, ocorreram


em torno de 13 suicídios. O autor também destaca que:
Considerando os últimos dados acerca do número de militares em território
brasileiro, temos aproximadamente 219.585 soldados e 280.000 reservistas,
sem contar os oficiais, sargentos e seus dependentes. Desta forma, em tal
68

quantidade expressiva de pessoas que compõe a ―família militar‖, é possível


inferir que as diversas patologias que encontramos e tratamos no meio civil
afetarão sobremaneira essa parcela da população brasileira. Logicamente,
o suicídio neste meio é uma das principais causas de óbitos entre os
militares da ativa e reserva. Diante disso, nos últimos anos, o Exército
intensificou sua preocupação com o problema do suicídio, uma vez que
desde 2010 tal fato vem aumentando dentro da Instituição, inclusive a ponto
de ceifar vidas de comandantes de grandes Unidades. (SILVA, G., 2017, p.
31).
Não há detalhamento sobre os dados contidos na figura 3; contudo, ao que
parece, referem-se a números absolutos de suicídios e não o coeficiente ponderado
para cada 100 mil. Apenas para contextualização, vale considerar que, caso esses
números se refiram apenas aos da ativa e, tendo como base o efetivo de 223.058
militares do Exército da ativa8; e considerando que no período de 2010 a 2016
ocorreram 112 mortes por suicídio, com a média para o período de 16 casos anuais,
o coeficiente seria de 7,2 para cada 100mil. Mas se os números considerassem
também os inativos, seriam adicionados à base de cálculo cerca de 280 mil
reservistas (Silva, G., 2017), o que representaria uma taxa de aproximadamente 3,2
casos para cada 100 mil, números inferiores ao registrado para a população
brasileira de 6,5 para cada grupo de 100 mil (WORLD HEALTH ORGANIZATION,
2019).
Não foram localizadas, em relação ao Exército Brasileiro, pesquisas que
abordem a subnotificação. De qualquer modo, esses dados indicam que a mera
condição de militar não seria um fator de risco (talvez de proteção, a depender de
quem está contemplado nos números sobre o suicídio naquela Força).

3.4 Suicídios das forças de segurança no Brasil

O modelo de segurança pública brasileiro contempla diversos órgãos, com


características, cultura, origens e finalidades distintas. Não se pretende aqui
reflexões mais profundas, mas tão somente refletir sobre os dados de suicídios de
diversos órgãos, para compreender o panorama dessa problemática no Brasil.
Importante ressalvar que, conforme Miranda e Guimarães (2016) os dados oficiais
de suicídio no Brasil constantes no Sistema de Informações de Mortalidade (SIM)
tem sua confiabilidade muitas vezes problematizada, aspecto que, também parece

8
Dados obtidos no sítio eletrônico do Portal da Transparência do Governo Federal. Disponível em:
http://www.portaldatransparencia.gov.br/servidores/. Acesso em: 09 out. 2021.
69

presente nas organizações policiais que, em geral, também possuem registros


instáveis, dificultando pesquisas e análises consistentes.

3.4.1 Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal

A partir de um levantamento do Sindicato dos Servidores Públicos Civis


Federais do Departamento de Polícia Federal do Estado de São Paulo (Sindpolf-
SP), Albuquerque, F. (2017) publicou que entre 1999 e 2015 houve 42 casos de
suicídio entre policiais federais.
Outra publicação assinala que a situação na Polícia Federal é grave,
especialmente se comparada com a população em geral do país. A matéria assinala
que, ao cruzar os dados do Ministério da Saúde e do Ministério do Planejamento, em
2016 o coeficiente no Brasil seria de 5,8 para cada grupo de 100 mil; a projeção
proporcional para os casos de suicídio entre policiais federais a taxa seria de 23,13
por 100 mil, ou seja, quatro vezes mais do que na população brasileira (VELEDA,
2019).
Com relação à Polícia Rodoviária Federal, Martins (2016) ao estudar a
vitimização fatal de agentes daquele órgão, alarmou-se quando constatou que o
suicídio ocupava a quarta colocação em causas de mortes violentas, com 11 casos
em 10 anos; e 5 destes óbitos ocorreram entre 2014 a 2016, o que revelaria um
aumento desse tipo de vitimização. Ao atualizar a citada pesquisa, Martins (2020)
verificou que o suicídio passou a ocupar a segunda causa de vitimização de agentes
(espaço amostral 2007 a 2020), o que confirmou a tendência já levantada em estudo
anterior. Mais do que isso, entre os anos de 2017 até o mês de janeiro de 2020, as
mortes por suicídio correspondem a 50% de todas as vitimizações fatais ocorridas
com os PRF e, atualmente, é a maior causa de mortes de policiais rodoviários
federais.
Outra constatação relevante refere-se ao instrumento utilizado: ―em 100%
dos casos de suicídio foram utilizadas armas de fogo, sendo a maioria da própria
instituição.‖ (MARTINS, 2020, p. 41).
70

3.4.2 Panorama geral nos órgãos estaduais de Segurança Pública

Paulatinamente, algumas pesquisas com foco na vitimologia policial, tem


contemplado, como uma das facetas, o suicídio desse grupo ocupacional. O Fórum
Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), na 13ª edição do Anuário Brasileiro de
Segurança Pública, passou a monitorar esses dados, apontando que, no ano de
2018, houve ―mais policiais vítimas de suicídio do que assassinados no horário de
trabalho‖ (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2019, p. 8).
A tabela 3 foi elaborada a partir dos dados dos anuários do FBSP de 2020 e
2021. Estão, lado a lado, o conteúdo das duas edições:
Tabela 3 – Número absoluto de suicídios por estado
Suicídio de Policiais da Ativa
Brasil, União e Polícia Militar Polícia Civil
Unidades da Nº Nº Nº Nº
Federação Absolutos Absolutos Absolutos Absolutos
2018 2019 2019 2020 2018 2019 2019 2020
ANUÁRIO (2020) (2021) (2020) (2021)
Brasil 67 65 69 40 26 26 13 10
Acre ... ... 1 - ... ... - -
Alagoas ... ... 2 1 0 0 - -
Amapá 0 0 - - 1 0 - -
Amazonas 1 1 1 ... 0 0 ... ...
Bahia 3 6 6 6 1 0 - -
Ceará 2 7 7 ... 0 4 - 1
Distrito Federal 7 2 - 3 1 2 2 -
Espírito Santo ... ... - 1 ... ... - 1
Goiás ... ... 3 ... ... ... - 1
Maranhão ... ... ... ... ... ... - -
Mato Grosso 0 1 1 1 0 1 1 -
Mato G. do Sul 3 5 5 1 0 0 - -
Minas Gerais 0 0 ... ... 4 2 2 2
Pará 3 1 1 - 1 0 - -
Paraíba 3 0 - - 1 1 1 -
Paraná 8 6 6 7 3 2 2 1
Pernambuco 6 3 1 2 ... ... 1 2
Piauí ... 3 4 - ... 0 - -
Rio de Janeiro 3 4 4 7 0 2 2 -
Rio G. do Norte ... ... ... ... ... ... ... ...
Rio G. do Sul 6 4 5 3 1 1 1 1
Rondônia 0 0 - 4 ... ... ... ...
Roraima ... ... ... ... ... 1 1 ...
Santa Catarina 2 2 2 3 0 0 - 1
São Paulo 20 18 18 ... 12 10 ... ...
Sergipe 0 0 - - 0 0 - -
Tocantins 0 2 2 1 1 0 - -
Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2020, 2021.
71

Observou-se na tabela 3, contudo, certa discrepância entre os dados, cuja


justificativa ou explicação não foi encontrada ao longo do texto de 2021. De qualquer
modo, vale destacar que tais discrepâncias podem ser observadas, em síntese, já
na linha que trata da somatória dos dados, denominada ―Brasil‖: na edição de 2020
constava o total de 65 suicídios nas Polícias Militares e, em 2021, o total de 69; essa
elevação é perfeitamente plausível pelo acréscimo de estados que não haviam
enviados os dados, como Acre, Alagoas, Goiás, dentre outros; mas há, também
aqueles que reduziram esses números, como Distrito Federal, Paraíba,
Pernambuco. E, nas Polícias Civis, essa redução é razoavelmente brusca, na
medida em que o ano de 2019 sai de 26 para 13 casos.
Os anuários apresentam, também, o coeficiente de mortalidade por suicídio
para cada grupo de 1000, o que difere da convenção estabelecida pela OMS, que
recomenda expressar o número de mortes por 100 mil habitantes, no período de um
ano (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2000).
De qualquer modo, a tabela 4, também formada a partir da junção dos
anuários do Fórum Brasileiro de Segurança Pública dos anos de 2020 e 2021,
expressa as taxas de mortes de suicídio por estado, não havendo a distinção entre
as forças policiais implicadas no estudo.
Nesse sentido, indica que as maiores taxas estão no Mato Grosso do Sul
(somatória entre policiais civis e militares), no ano de 2019 (0,7 casos para cada
1000) mas que, em 2020, apresentou um decréscimo de 80% nas taxas, ao cair
para 0,1 para cada mil. Já no ano de 2020, Rondônia apresentou as maiores taxas,
qual seja, de 0,5 para cada grupo de 1000 pessoas, estado em que, em 2019,
nenhum suicídio fora registrado.
Seguindo os dados constantes da mesma tabela 4, tem-se que de 2018 a
2019, houve uma redução geral de -2,5 % e, entre os anos de 2019 a 2020, um
redução geral, somando-se as forças policiais dos estados na ordem de -15,6 %.
Obviamente esses dados precisam ser vistos com cautela, pois, como se percebe,
pode haver inconsistências nos dados, tanto pela não adesão de alguns estados, ou
por alterações metodológicas não relatadas.
72

Tabela 4 – Taxas de suicídios por estado


ANUÁRIO 2020 2021
Totais Taxa Variação (%) Totais Taxa Variação (%)
2 2 2 2 2 2 2 2
2018 2019 2018 2019 2019 2020 2019 2020
Brasil 93 91 0,2 0,2 -2,5 82 50 0,2 0,1 -15,6
Acre ... ... ... ... ... 1 - 0,3 0,0 -100,0
Alagoas ... ... ... ... ... 2 1 0,2 0,1 -50,0
Amapá 1 0 0,2 0,0 -100,0 - - - - ...
Amazonas 1 1 0,1 0,1 4,4 1 ... 0,1 ... ...
Bahia 4 6 0,1 0,2 52,7 6 6 0,2 0,2 0,0
Ceará 2 11 0,1 0,5 446,9 7 1 0,3 0,0 -85,7
Distrito Federal 8 4 0,5 0,3 -49,6 2 3 0,1 0,2 50,0
Espírito Santo ... ... ... ... ... - 2 0,0 0,2 ...
Goiás ... ... ... ... ... 3 1 0,2 0,1 -66,7
Maranhão ... ... ... ... ... - - - - ...
Mato Grosso 0 2 0,0 0,2 ... 2 1 0,2 0,1 -50,0
Mato G.do Sul 3 5 0,5 0,7 58,3 5 1 0,7 0,1 -80,0
Minas Gerais 4 2 0,1 0,0 -49,5 2 2 - - ...
Pará 4 1 0,2 0,1 -73,5 1 - 0,1 0,0 -100,0
Paraíba 4 1 0,4 0,1 -75,5 1 - 0,1 0,0 -100,0
Paraná 11 8 0,5 0,3 -24,2 8 8 0,3 0,3 0,0
Pernambuco 6 3 0,2 0,1 -46,0 2 4 0,1 0,2 100,0
Piauí ... 3 ... 0,4 ... 4 - 0,6 0,0 -100,0
Rio de Janeiro 3 6 0,1 0,1 100,5 6 7 0,1 0,1 16,7
Rio G. do Norte ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Rio G. do Sul 7 5 0,3 0,2 -23,7 6 4 0,3 0,2 -33,3
Rondônia 0 0 0,0 0,0 - - 4 0,0 0,5 ...
Roraima ... 1 ... ... ... 1 ... 0,4 ... ...
Santa Catarina 2 2 0,1 0,2 4,0 2 4 0,2 0,3 100,0
São Paulo 32 28 0,3 0,2 -13,3 18 ... 0,2 0,0 -100,0
Sergipe 0 0 0,0 0,0 - - - - - ...
Tocantins 1 2 0,2 0,4 102,8 2 1 0,4 0,2 -50,0

Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2020, 2021.

Em que pese também se tratar de um grave problema nas polícias civis,


poucos estudos focam esse grupo.
No que concerne aos policiais civis do estado de São Paulo, no período de
2017 a 2018, observou-se a taxa média de 30,7 casos de suicídio para cada grupo
de 100 mil, ou seja, ―maior que a taxa média da Polícia Militar, que foi de 21,7‖
(OUVIDORIA DA POLÍCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2019, p. 43), nesse
mesmo período, ao que os autores atribuem, como uma das razões, à tíbia estrutura
de atenção à saúde mental destinado aos integrantes daquela instituição.
73

Segundo Stochero (2021), nos primeiros 8 meses do ano de 2021, foram


contabilizados 6 suicídios entre policiais civis de São Paulo, número três vezes
maior que as de mortes em serviço.

3.4.3 Policiais militares do Brasil

Dias (2020) realizou um levantamento das ações de prevenção do suicídio e


as respectivas taxas entre militares estaduais. Para tanto, a autora enviou
solicitações oficiais a 51 (cinquenta e uma) organizações, entre Policias e Corpos de
Bombeiros Militares, obtendo 12 (23,5%) respostas. Embora reduzido o número de
retornos, permitiu-se obter os dados constantes na tabela 5:
Tabela 5 – Dados sobre suicídios de Instituições Militares estaduais (2015 a 2019)
Suicídio PM e CBM 2015 a 2019
Instituição Suicídio Taxas Programas de prevenção (universal)
PMAL 9 - Sim
PMERJ 25 11,2 Sim
PMPA 6 - Sim
PMPB 2 - Sim
PMPI 7 24,5 Sim
PMRN 3 - Não
PMTO 3 - Apoio na Junta Militar Central de Saúde
CBMCE 1 - Capacitação
CBMMG 3 - Não informado
CBMPE 1 - Sim
CBMRS 2 - Utilizam o serviço da Brigada Militar
CBMRR 1 - Sim
Fonte: adaptado pelo autor de Dias (2020, p. 75-83)
No que concerne aos programas de prevenção, em geral, as Instituições
utilizam recursos como palestras e campanhas específicas, como o ―Setembro
Amarelo‖, oscilando, de acordo com a estrutura, de programas abrangentes a outros
mais restritos (DIAS, 2020).
Recente trabalho desenvolvido por Soares e colaboradores (2021) trouxe à
tona importantes elementos sobre a epidemiologia do suicídio na Polícia Militar de
Alagoas. Foi delimitado o período de 2012 a 2020 (9 anos), em que se totalizou 17
suicídios consumados. A figura 4 traz a distribuição anual desses eventos, que
contemplam tanto policiais militares alagoanos do serviço ativo como, também, os
inativos.
74

Figura 4 – Suicídios de policiais militares de Alagoas (ativos e inativos), no período de 2012 a 2020

Fonte: Soares et al (2021, p. 7)

Observa-se que em 2012 não houve registro; já entre 2013 e 2017 os


eventos variam entre 1 e 2 registros anuais, o que se traduz em uma média anual de
1,6. Assim como no estado de São Paulo, em 2018 é o pico dessa série histórica,
com 4 suicídios registrados. Nos anos subsequentes, houve uma tímida redução:
2019, 3 casos e em 2020 registrou-se 2 suicídios. No período de 2012 a 2020,
portanto, considera-se uma média anual de 1,9 casos registrados (SOARES et al,
2021).
Na Polícia Militar do Paraná (PMPR) os registros referentes ao período de
janeiro de 2013 a julho de 2016, constam 21 policiais militares mortos por suicídio
(SILVA; BUENO, 2017). Ao analisar os dados, os autores puderam observar que:
[...] a maioria dos suicidas estava no serviço ativo da Polícia Militar (76%), e
destes, a maioria (69%) atuava em atividades operacionais. Outra
informação relevante: a maioria possuía até 50 anos (81%), ou seja, uma
faixa etária produtiva e socialmente ativa. Além disso, constata-se que todos
eram praças, e que a grande maioria (13 dos 21, ou 61,9%) utilizou arma de
fogo para concluir o ato fatal, demonstrando que o acesso ao meio é
altamente significativo para a conclusão do intento por policiais militares.
Cabe salientar que nos documentos pesquisados não há análise sobre os
prováveis fatores desencadeantes dos atos finais. (SILVA; BUENO, 2017,
p.12).
Pereira, Madruga e Kawahala (2020) realizaram uma pesquisa sobre o
suicídio de policiais militares do sul do país. Durante a análise dos dados,
verificaram que as 14 vítimas eram do sexo masculino, dos quais 12 (85,7%) tinham
filhos. Com relação à faixa etária, 7 (50%) estavam entre 40 e 47 anos de idade e 4
(28,6%) tinham 51 anos de idade ou mais. Quanto ao estado civil da amostra, 9
(64,3%) eram casados, 3 (21,4%), solteiros e 2 (14,3%), separados. Além disso,
75

todos teriam algum percentual da renda salarial comprometida para o pagamento de


empréstimos ou dívidas financeiras.
Embora seja um desafio verificar os riscos que envolvem os agentes de
segurança pública, os achados da pesquisa de Minayo et al. (2008) sobre policiais
do Rio de Janeiro apresentaram similaridade aos dos estudos americanos,
notadamente quantos aos eventos considerados mais estressantes para os policiais,
dentre os quais, ―acompanhar funeral de companheiros, realizar prisões com
violência, conhecer as vítimas de delinquentes, ouvir notícias contra eles na mídia,
ter chefes com quem não se dão bem, colocar o trabalho acima de tudo e ter pouco
tempo para si e para a família.‖ (MINAYO; SOUZA; CONSTANTINO, 2008, p. 241)

3.5 A PMESP e a prevenção dos suicídios

Como visto, recaem sobre os policiais militares o desempenho das


atribuições constitucionais de exercer a polícia ostensiva e de preservar a ordem
pública, que se consubstancia na missão de proteger pessoas, fazer cumprir as leis
e combater o crime. Trata-se, portanto, de lidar com os mais variados riscos e com
as mais áridas agruras da sociedade. Para fazer frente a esses desafios, a
valorização e o cuidado dirigidos ao profissional de segurança pública tem
conquistado maior espaço no plano Institucional. Nessa mesma direção, algumas
facetas ligadas ao sofrimento humano tem sido, cada vez mais, objeto de alta
preocupação institucional, podendo-se destacar o suicido. É, preciso, contudo,
avançar ainda mais, sedimentando as premissas da melhoria contínua, tão caro ao
modelo de excelência na gestão, que constitui um dos pilares organizacionais
(POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2010b).
Nas linhas seguintes, serão discutidos os elementos estruturantes do
SiSMen, por meio de um breve resgate histórico e de reflexões sobre o aludido
sistema, assim como de alguns programas e serviços existentes.

3.5.1 Um pouco de história

Em breve passeio histórico pretende-se apresentar parte dos condicionantes


do atual SiSMen e, em especial, demonstrar como, já no passado, a Instituição se
preocupava com seus integrantes. E essa característica, talvez, seja uma das
76

principais forças para o enfrentamento dos desafios no campo da saúde mental. Não
será possível, contudo, analisar com detalhes a rica história que remonta, em termos
formais, da década de 1940, por meio de duas iniciativas que, no futuro, se
cruzariam.
Em primeiro plano, a Capelania Militar, criada por meio Decreto da Cúria
Metropolitana de São Paulo em junho de 1942, de acordo com Boletim Geral 133
daquele mesmo ano, tinha por objetivo oferecer a ―assistência espiritual e moral‖ aos
militares da Força Policial do Estado (SANTANA, L., 2015), incorporando, mais
tarde, as funções de assistência social, atividade hoje desenvolvida por profissionais
que integram o Sistema de Saúde Mental (SisMen) da Instituição.
Alguns anos adiante, em 24 de outubro de 1949, conforme publicação
inserta no Boletim Geral nº 237, criou-se o Gabinete Psicotécnico da Força Pública
(SANTANA, L., 2015), um grande marco histórico ao expressar, mais uma vez, o
pioneirismo da Instituição, ao utilizar as técnicas da ciência psicológica na seleção
de seus integrantes, visto que, somente treze anos mais tarde, por meio da Lei
Federal n° 4.119, de 27 de agosto de 1962, houve a regulamentação da profissão de
psicólogo no nosso país.
Segundo Santana, L. (2015), o organismo central de seleção dos
ingressantes era a Seção de Alistamento que, pouco a pouco, habilitou profissionais
para a aplicação de instrumentos psicológicos, inclusive por meio da designação de
dois oficiais para frequentar o curso de Psicologia Aplicada na Universidade de
Sorbone, em Paris.
Houve então o reaparelhamento do Gabinete Psicotécnico, até que em 03
de julho de 1953, por meio do Boletim Geral nº 121, o Gabinete Psicotécnico
recebeu o nome de Departamento de Seleção e Orientação Profissional (DASOP).
Os candidatos aprovados nos exames de escolaridade pela Seção de Alistamento
eram então apresentados nesse Departamento para serem submetidos aos exames
psicológicos. O emprego das técnicas da psicologia cresceu paulatinamente na
Instituição, em especial por meio do Centro de Seleção, Alistamento e Estudos de
Pessoal (CSAEP), atualmente uma Divisão da Diretoria de Pessoal.
Paralelamente, com a estrutura voltada para a assistência social e religiosa
dos policiais militares, inclusive incorporando a Capelania Militar, foi criado o Centro
de Assistência Social, Religiosa e Jurídica (CASRJ) em 27 de dezembro de 1985,
por meio do Decreto n.º 24.572. O CASRJ ficou subordinado à Diretoria de Pessoal
77

(SÃO PAULO, 1985). Importante destacar que o Setor de Orientação Jurídica


realizava atendimentos de orientação psicológica e social aos casais que estavam
se separando. Havia uma psicóloga e uma assistente social, ambas policiais
militares, responsáveis pelos atendimentos. Aos poucos, a psicologia clínica até que
em 23 de maio de 1994, por meio do Boletim Geral nº 96, estabelece-se oficialmente
na Polícia Militar o atendimento em psicologia clínica aos policiais militares, e em
situações especiais, a seus familiares (SANTANA, L., 2015).
Já com uma estrutura já sedimentada, aplicando os serviços e programas de
atenção psicológica e social, o Centro teve outras denominações, como Centro de
Assistência Social e Jurídica (CASJ), de acordo com o Decreto Estadual nº 44.447,
de 24 de novembro de 1999 (SÃO PAULO, 1999); o Centro de Apoio Social (CAS),
nos termos do Decreto Estadual n.º 55.742, de 27 de abril de 2010; e, finalmente,
Centro de Atenção Psicológica e Social (CAPS), conforme Decreto nº 62.103, de 13
de julho de 2016 (SÃO PAULO, 2016), que embora revogado, teve os termos
mantidos na alínea ―a‖, inciso V do artigo 4º do Decreto nº 65.096, de 28 de julho de
2020 (SÃO PAULO, 2020).
Observa-se, portanto, à primeira vista, uma perspectiva de concentração das
atividades de saúde mental, ao atribuir ao mesmo Centro, ao longo dos anos, a
missão de exercer o apoio social e psicológico. Contudo, a perspectiva de
desconcentração ou descentralização, idealizada pela Instituição, fundamenta-se
também por meio das normas que não só alteraram a nomenclatura para CAPS,
mas também delinearam sua principal atribuição, como Órgão de Apoio de Pessoal,
tornando-o ―responsável pela gestão do sistema de saúde mental e pela execução
das atividades de apoio social‖ (SÃO PAULO, 2016, 2020).
Essa perspectiva de desconcentração, porém, já se delineava na própria
origem da normatização do Sistema de Saúde Mental da Polícia Militar do Estado de
São Paulo (SiSMen), com a publicação da Lei Estadual n° 9.628, de 6 de maio de
1997 (SÃO PAULO, 1997), regulamentada pelo Decreto nº 46.039, de 23 de agosto
de 2001 (SÃO PAULO, 2001), consubstanciando no respectivo Regimento Interno
(RI-25-PM), de 15 de abril de 2002 (POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO
PAULO, 2002). Adiante, essas estratégias serão objeto de discussão.
78

3.5.2 Sistema de Saúde Mental da PMESP

A evolução histórica apresentada neste trabalho buscou trazer à tona o


pioneirismo da Polícia Militar do Estado de São Paulo em alinhavar ações voltadas
ao tema da saúde mental e, mais do que isso, aplicar os conhecimentos da
psicologia e do serviço social, além da própria estrutura de saúde física, em prol dos
policiais militares, configurando-se em uma importante estratégia institucional.
Os já citados documentos legais e normativos propiciaram sedimentar a
organização de ações, serviços e programas de apoio e de atendimento; e, como
assinala Santana, L. (2015, p. 32-33), ―levou os gestores desta Instituição a se
debruçarem em torno da construção de um sistema norteador de todas as atividades
voltadas para a promoção da saúde mental dos policiais militares‖. Desse modo,
No delinear de sua estrutura, o SISMEN, incorporou, como peças chaves
para a sua sustentação, os chamados Órgãos Centrais (OC) e Órgãos
Técnicos-Executivos (OTE).
Segundo o Regimento Interno em alusão, os OC congregam: a Diretoria de
Pessoal (DP), responsável pela direção geral, e a Diretoria de Saúde (DS),
organismo responsável pela direção técnica do Sistema. (SANTANA, L.,
2015, p. 33).
Atualmente, os Órgãos Técnico-Executivo são: o CAPS, o Centro Médico da
Polícia Militar (CMed); e a Divisão de Seleção e Alistamento, da Diretoria de Pessoal
(DSA/DP). E, ao atribuir à Diretoria de Pessoal a direção geral, observa-se o caráter
prioritário da prevenção nas medidas em curso, com foco na pessoa (e não na
doença). Vale destacar que nos casos mais graves (e que percentualmente são
menores), há uma importante interlocução com área de saúde tradicional, mas,
preponderantemente, as ações voltam-se à prevenção nos níveis universal, seletiva
e indicada, com maior enfoque da psicologia e do serviço social, áreas autônomas
nesse processo, que englobam categoricamente atividades da área de ―pessoas‖,
incluídas aí a seleção, a orientação, a psicoeducação dentre outros diversos
serviços e práticas.
Nessa perspectiva, que nitidamente traz a necessidade de ações integradas,
mas de ramos distintos:
Guardadas as nítidas diferenciações existentes entre a ciência psicológica e
a psiquiatria, essa última, diga-se ramo integrante das ciências médicas;
cabe aqui salientar que o Sistema de Saúde Mental, por escudar-se em
uma perspectiva biopsicossocial de atenção ao ser humano, também
contempla os serviços especializados praticados pelo Centro Médico (...)
(SANTANA, L., 2015, p. 34).
79

O Sistema, focando na descontração dos atendimentos, mas com a


estrutura bem coordenada e gerenciada pelos órgãos centrais e técnico-executivos,
tem ampliado a rede de assistência aos policiais militares, por meio de organismos
celulares: os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) que, ―achando-se em franca
atuação, têm alavancado os processos de gestão de pessoas, conferindo maior
dinamismo às práticas de atenção à saúde mental dos policiais militares.‖
(SANTANA, L., 2015, p. 35).
Os Núcleos, já existentes em algumas regiões, funcionavam, por vezes, de
forma autônoma. Com a criação do Programa de Acompanhamento e Apoio ao
Policial Militar (PAAPM), por meio da já revogada Nota de Instrução nº PM3-
002/03/02, de 22 de fevereiro de 2002, que permitia o monitoramento de policiais
militares envolvidos em ocorrências potencialmente traumáticas por profissionais de
psicologia na região dos Comandos de Policiamento do Interior. Mas o
desenvolvimento dos Núcleos teve outro importante marco:
Em que pese o SISMEN ter sido internamente regulamentado no ano de
2002, quando da edição do RI-25-PM, o efetivo desencadeamento de suas
atividades passou por um considerável período de maturação - até, de fato,
eclodir no ano de 2010. Nesse ano, e aqui cabe uma especial deferência à
publicação inserta no Boletim Geral PM N° 070, foi dado o primeiro passo
prático, rumo à execução de ações do Sistema de Saúde Mental,
particularmente, por meio do ato administrativo firmado pelo Comando
Geral, que criou os chamados Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) e
nomeou policiais militares, formados nas áreas de Psicologia e de Serviço
Social, denominando-os ―Agentes do SISMEN‖. (SANTANA, L., 2015, p.
39).
E, ao longo dos anos, os Núcleos tem ganhado cada vez mais protagonismo
e, atualmente, há 41 NAPS em pleno funcionamento, distribuídas nas mais diversas
regiões do estado, capilarizando as práticas e possibilitando a oferta dos serviços de
atenção à saúde mental aos policiais militares.
Tal progressão decorre também de outras importantes decisões históricas
que permitiram esse avanço, como, por exemplo, a capacitação dos profissionais
credenciados por meio Estágio de Operador do Sistema de Saúde Mental, a
incorporação inicial de 26 (vinte e seis) NAPS existentes à época na ―estrutura
organizacional da PMESP, prevista nos respectivos Quadros Particulares de
Organização (QPO), conforme a publicação inserta no Boletim Geral PM 111, de 16
de junho de 2014‖ (SANTANA, L., 2015, p. 39) foram preponderantes para o
reconhecimento e valorização desse importante sistema.
80

Tais ações têm conquistado maior amplitude, notadamente, por meio do


aperfeiçoamento de práticas que buscam promover a saúde mental dos policiais
militares e, como consequência, preservar a força disponível para o exercício da
atividade policial-militar, possibilitando otimizar e aperfeiçoar cada vez mais a
prestação de serviços à sociedade.

3.5.3 Programas e serviços do Sistema de Saúde Mental da PMESP

Em primeiro plano, serão apresentadas as linhas gerais do PPMS.


Obviamente, tem-se percebido a importância da interação dos diversos programas e
serviços voltados à saúde mental que, por sua vez, precisam se integrar às diversas
àreas da Instituição, para que, assim, seja possível fazer frente ao suicídio, um
grave problema complexo e multifacetado. Por essa razão, também serão
brevemente apresentados as principais ações do SiSMen.

3.5.3.1 PROGRAMA DE PREVENÇÃO A MANIFESTAÇÕES SUICIDAS (PPMS)

Pretende-se, aqui, promover uma breve contextualização sobre o PPMS.


Importante destacar que a origem do Programa se deu em função dos índices de
suicídio que a PMESP enfrentava, conforme se observa no gráfico 1 que ilustra, no
período de 1999 a 2003, em números absolutos, as ocorrências envolvendo tanto
policiais militares da ativa quanto de veteranos (dados atualizados e maior
detalhamento serão apresentados no Capítulo 5 deste trabalho).

Gráfico 1 – Suicídio de policiais militares no período de 1999 a 2019

Fonte: CAPS, 2020.

Com relação aos dados, vale destacar que, em função da complexidade do


fenômeno, é impossível atribuir a efetiva relação de causa e efeito entre a
81

implantação do Programa de Prevenção a Manifestações Suicidas (PPMS), ainda


como projeto, entre o final de 2003 e início de 2004, e a sensível redução no número
de casos, com elevações em 2006, 2009 e 2014. Contudo, há que se registrar que o
ano de 2018 representou o maior número de casos absolutos. Entre 2011 e 2014,
também houve uma tendência de elevação, rompida em 2015 e 2016.
O Programa foi instituído tendo como base o estudo ―Suicídio: o final de um
processo autodestrutivo‖ (POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2003),
elaborado pela equipe técnica do então Centro de Assistência Social e Jurídica
(CASJ). Foram adotadas ações iniciais, voltadas prioritariamente à conscientização,
além de, internamente, organizar a sistemática de atenção, de acordo com os riscos
envolvidos. Também se focou na busca por melhorar os registros dos casos, de
modo a propiciar elementos para o aperfeiçoamento do Programa. As intervenções
realizadas por esse Programa, portanto, se serviram da recomendação técnica
preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que contempla a
prevenção nos níveis: Universal, Seletiva e Indicada.
Atualmente, o PPMS tem como público alvo, policiais militares do estado de
São Paulo ativos e veteranos. As ações, portanto, de caráter preventivo, visam a
identificar e minimizar, o quanto possível, eventuais fatores de risco que possam
favorecer tanto as tentativas como a própria consumação do suicídio. A principal
norma sobre o Programa de Prevenção a Manifestações Suicidas está assentada na
publicação inserta no Boletim Geral PM (Bol G PM) 148/06, de 04 de agosto de
2006, que prevê, como Plano Estratégico:
1.4. Plano Estratégico:
1.4.1. O PPMS propõe as seguintes intervenções preventivas e de
tratamento em saúde mental, com palestras que abordam aspectos
referentes à prevenção em saúde mental (duração: 1h30min);
1.4.2. Psicoterapia individual;
1.4.3. Psicoterapia em grupo com ênfase em prevenção e tratamento em
comportamento suicida. (POLICIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO,
2006).

Na prática, portanto, a equipe técnica não se limitava à previsão normativa


quanto à realização de palestras e atendimentos individuais e em grupo. De
qualquer modo, parece ser uma sinalização que, de fato, uma norma reguladora
poderia melhor estruturar o programa. A relevância do trabalho das equipes tem sido
fundamental para a prevenção do suicídio, mas há necessidade de dar maior
consistência às ações. Ao longo dos anos, o contexto social, familiar, a visão de
82

saúde, enfim, diversas mudanças foram observadas. Essa dinâmica precisa,


também, estar contemplada em aperfeiçoamentos do Programa. É a melhoria
contínua.
Importante consignar que os projetos, programas e serviços disponibilizados
pela PMESP, por meio da Diretoria de Pessoal (DP) e do Centro de Atenção
Psicológica e Social (CAPS), são vistos como ações relevantes na promoção da
saúde mental. Pesquisadores também, ao compararem as iniciativas de outras
forças com as existentes na PMESP, passam a reconhecer o esforço institucional
em promover a saúde mental dos policiais militares. Ao longo dos anos, a coleta e o
registro dos dados forma se aperfeiçoando e novas práticas incorporadas. Esse
percurso permitiu consolidar o PPMS como uma das principais iniciativas em curso
no âmbito das forças policiais, estritamente direcionada à prevenção do suicídio.
Nesse sentido, uma pesquisa diagnóstica sobre o comportamento suicida na
Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) apresenta propostas de
intervenção e cita, como referência, o trabalho executado na PMESP:
A Polícia Militar do Estado de São Paulo, através do Centro de Apoio Social
(CAS), implementou o Programa de Prevenção em Manifestações Suicidas
(PPMS) há mais de década. Esta iniciativa faz parte de um conjunto de
programas desenvolvidos pelo CAS com objetivo de atender às demandas
psicossociais do policial militar. Como por exemplo o Programa de
Valorização da Vida (PVH). Esse programa produziu um diagnóstico das
condições psicossociais do policial, através de visitas e avaliações
psicológicas, com posterior produção de relatórios sobre o perfil da unidade
da polícia militar e devolutivas realizadas no nível individual e coletivo
(MIRANDA et al, 2016, p. 115, grifos nossos).

Os esforços, contudo, tem sido no sentido de trazer significativas melhorias


ao Programa, cuja finalidade precípua está em oferecer recursos de informação e
conscientização, destinados a sensibilizar e ampliar as possibilidades do policial
militar, enfatizando-se, sobretudo, os fatores de proteção em saúde mental e, assim,
contribuir para a melhoria da qualidade de vida do policial militar. O suicídio é a
máxima expressão da angústia humana. E, como fenômeno complexo e
multideterminado, exige, também, ações de amplo espectro, de abrangência
institucional. Por essa razão, necessário se faz um abrangente Sistema de Saúde
Mental e não apenas um programa preventivo. A seguir, os demais programas e
serviços que compõem a estrutura da PMESP para fazer frente a essa realidade.
83

3.5.3.2 SERVIÇO SOCIAL

O profissional responsável para exercer esse serviço é o assistente social.


Os atendimentos são protegidos pela confidencialidade, conforme disposição do
Código de Ética do Assistente Social. Na PMESP esses atendimentos estão
voltados para os policiais militares da ativa, veteranos e familiares, por meio de
modalidades interventivas que compreendem os atendimentos individuais, as
visitações domiciliares ou hospitalares, palestras e orientações em geral.
Os atendimentos, de um modo geral, visam ao reconhecimento da
problemática vivenciada pelo policial militar e as necessárias intervenções, mediante
orientações, acompanhamento ou encaminhamentos. As naturezas desses
atendimentos são as mais variadas, podendo se destacar as intervenções em
situação de desiquilíbrio financeiro (a depender da situação, medidas de caráter
emergencial são adotadas, como a oferta de cestas básicas), em razão de conflitos
conjugais e familiares (orientação sobre divórcio, pensão alimentícia,
reconhecimento de paternidade, guarda e visitação de filhos), condição de
habitação, orientações sobre o sistema de proteção social e pensão por morte,
sobre o seguro de vida e de acidentes pessoais, problemas decorrentes do uso de
substância psicoativa, dentre outras diversas demandas.
A equipe de assistentes sociais também atua no campo preventivo, por meio
de orientações e palestras, notadamente, sobre administração financeira familiar,
com a finalidade conscientizar sobre a importância da educação financeira, de modo
a minimizar os riscos de oscilações econômicas que possam trazer prejuízos à
convivência familiar e comprometer a saúde mental do policial militar.

3.5.3.3 PSICOLOGIA CLÍNICA

Mediante a utilização de técnicas e métodos da ciência psicológica, permite-


se, de acordo com as circunstâncias, o atendimento na modalidade individual ou em
grupo, com o propósito de reconhecer e tratar de eventuais demandas de ordem
psíquica. Os atendimentos psicológicos são protegidos pela confidencialidade,
conforme prevê o Código de Ética Profissional do Psicólogo, sendo, também,
requerida a disponibilidade interna do policial militar de se submeter ao processo
84

terapêutico. Esse serviço está disponível para todos os policiais militares, tanto da
ativa quanto aos veteranos.
De modo geral, os atendimentos podem ser previamente agendados,
seguindo-se sessões para triagem e encaminhamento; contudo, em casos de
urgência9, permite-se atender o policial militar por intermédio do Plantão Psicológico,
com o objetivo de promover o acolhimento da demanda por meio de uma
intervenção imediata, de modo a buscar o restabelecimento do contato com os seus
recursos e limites e, assim, possibilitar o adequado direcionamento da conduta
psicoterapêutica.

3.5.3.4 APOIO PSICOSSOCIAL EM INCIDENTES CRÍTICOS

O Programa de Apoio Psicossocial em Incidentes Críticos é um relevante


instrumento de suporte emergencial, que visa, por meio do pronto atendimento
psicológico e de serviço social, viabilizar o acolhimento e apoio aos enlutados, em
razão da morte traumática de policiais militares ou de seus familiares em primeiro
grau. As equipes de saúde mental, aqui abrangidos psicólogos e assistentes sociais
do CAPS/NAPS, permanecem em sobreaviso para promoverem a intervenção
nesses chamados Incidentes Críticos, ou seja, o falecimento decorrente de
intervenção durante o serviço policial-militar ou em razão da função, de acidente de
trânsito, de suicídio, dentre outras. Esse Programa é regido pela Nota de Instrução
nº DP-001/511/2016, 20ABR16.

3.5.3.5 PROGRAMA DE ACONSELHAMENTO PSICOLÓGICO (PRAP)

Este Programa foi criado no ano de 2017, por meio da Nota de Instrução nº
PM3-004/03/17, com o objetivo de possibilitar, ao policial militar, um espaço de
acolhimento e socialização em razão dos eventuais receios e anseios que marcam o
período de transição entre o desligamento do ambiente acadêmico e o início dos
novos e intensos desafios profissionais.
Por meio desse Programa, busca-se auxiliar os iniciantes na profissão a
desenvolverem o seu autoconhecimento e a compreender aspectos de sua

9
Em situações ―emergenciais‖, ou seja, estando o policial militar em ―crise‖, o adequado atendimento
se dá por equipe médica do Pronto-Socorro.
85

personalidade, além de propiciar o fortalecimento de sua confiança, autocontrole e


senso crítico e, desse modo, minimizar os riscos de provocar eventuais danos a si
próprios, aos seus familiares e à sociedade, para quem são voltadas as ações de
polícia ostensiva e de preservação da ordem pública.

3.5.3.6 O PROSEN

Como sucessor do Programa de Preparação para a Inatividade (PPI), o


Programa de Sensibilização para o Encerramento da Carreira Policial-Militar
(PROSEN), reconhecidamente, constitui uma medida de caráter essencial, no
sentido de proporcionar ao policial militar – ora em vias de concluir a etapa de
serviço - condições adequadas para a nova fase de vida que se aproxima.
O Programa, regulado pela Nota de Instrução nº DP-001/511/15, consiste
em um programa de caráter preventivo, que busca sensibilizar, conscientizar e
preparar o profissional para as mudanças que, diante da transferência para a
reserva, ocorrerão em sua vida futura.
O objetivo está, portanto, em promover a preparação de policiais militares da
ativa, incluindo-se oficiais e praças, e que se encontrem há pelo menos um ano de
completar o período de atividade profissional na Polícia Militar. O PROSEN está
estruturado para acontecer em doze encontros semanais, algumas delas, inclusive,
com a possibilidade de participação de familiares.
Por meios desses encontros, objetiva-se proporcionar informações, reflexões
e vivências sobre saúde física e mental; possibilitar a conscientização quanto ao
caráter transitório dos diferentes papéis sociais desempenhados ao longo da vida;
explorar as possibilidades, expectativas e desejos diante de uma nova fase da
existência humana; refletir quanto aos aspectos psicológicos envolvidos nos
relacionamentos, familiar e social; buscar o equilíbrio nas relações consigo e com o
outro; levar a percepção de que a inatividade pode ser também uma etapa plena de
realizações; e, também, contribuir com informações para a melhoria da
administração financeira familiar.
86

3.5.3.7 O PPAD

Iniciado no ano de 2005, o Programa de Prevenção ao Uso Abusivo de


Álcool e Outras Drogas (PPAD) propõe o exercício de ações preventivas e
terapêuticas, destinadas a identificar, conscientizar e de desenvolver a habilidade de
recusa, frente às ocasionais ofertas para o consumo de álcool e de outras
substâncias psicoativas. As intervenções visam identificar, avaliar e eliminar, tão
precocemente quanto possível, os fatores que possam acometer os policiais
militares dos sérios danos decorrentes do abuso, ou mesmo, da dependência de tais
substâncias.
Seus objetivos alinham-se às medidas de prevenção e, em última instância,
abrangem os tratamentos frente ao uso abusivo de álcool e de outras drogas. Para
tanto, seus protocolos interventivos se baseiam em níveis de prevenção universal,
seletivo e indicado.
O PPAD, portanto, se expressa, em um primeiro momento, em ações de
orientação e de transmissão de conhecimentos, mediante palestras e campanhas
específicas, com ênfase nos fatores de proteção e na melhoria da qualidade de vida.
Busca-se, assim, ofertar instrumentos que promovam a reflexão do policial militar
sobre o consumo, o uso abusivo e a dependência, buscando despertar as
possibilidades de autoconhecimento e autoavaliação. Por meio de psicoterapia ou
da psicoeducação, são abrangidos pelo PPAD atendimentos individuais e em grupo.
Embora a problemática do uso abusivo seja persistente, importa destacar
que, com base dos estudos de Santana (2015, p. 153) tem se buscado a ―adoção de
um novo conceito para a oferta desse relevante serviço a ser prestado - não apenas
para os ‗acometidos por problemas‘ -, mas para todos os profissionais‖, ou seja, tem
sido delineada uma nova estratégia interventiva, assumindo o caráter não só
preventivo, mas, efetivamente, promotor da saúde mental, baseada na Rede de
Apoio entre Pares, que será melhor discutido adiante.

3.5.3.8 O PAAPM

O Programa de Acompanhamento e Apoio do Policial Militar (PAAPM) se


destina a avaliar as condições psicoemocionais do policial militar envolvido em
situações potencialmente traumática, ou seja, que impliquem risco à sua integridade
87

física e psíquica, acolhendo as eventuais demandas surgidas durante o processo, de


modo a propiciar o adequado retorno às suas atividades profissionais.
Dada a importância desse acolhimento inicial, a norma prevê a apresentação
do policial militar no prazo de três dias úteis no CAPS/NAPS. Também é possível a
apresentação voluntária e espontânea do próprio policial militar que sinta a
necessidade de apoio.
Com relação aos resultados, a técnica de atenção psicológica aplicada
durante a 2ª fase do Programa de Acompanhamento e Apoio ao Policial Militar
(Estágio de Desenvolvimento Psicoemocional) mostrou-se eficaz quanto à
terapêutica das memórias traumáticas dos policiais militares que a receberam
(PERES et al, 2012). A mesma pesquisa apurou que os policiais são, em sua maior
parte, clinicamente saudáveis e psicologicamente resilientes (PERES et al., 2012).
Também foi possível trazer conhecimentos sobre as subjacências neurais da
resiliência, especialmente quanto à possibilidade de ser aprendida por meio da
psicoterapia. Portanto, há que se considerar um importante campo de atuação,
notadamente, na prevenção.

3.5.4 Pesquisas internas sobre o suicídio

Estudos, de uma forma geral, fornecem esteio para a implementação de


políticas, ações, projetos e programas, inclusive no campo da saúde mental. Nesse
sentido, embora seja escassa a produção acadêmica na Instituição sobre o tema,
percebe-se ultimamente o recrudescimento de pesquisas sobre o suicídio.
Em consulta ao acervo de trabalhos acadêmicos produzidos em nível de
mestrado e doutorado disponibilizado pelo Centro de Altos Estudos de Segurança
(CAES), por meio da palavra-chave ―suicídio‖, constou-se a existência de 6 (seis)
trabalhos realizados no período de 1989 a 2020, todos eles em nível de pós-
graduação (mestrado e doutorado profissional), conforme se observa na tabela 6,
por meio do qual se constata que, nos últimos anos, o suicídio, em especial dos
policiais militares, tem emergido substancialmente nas pesquisas institucionais.
88

Tabela 6 – Trabalhos acadêmicos da PMESP contendo o termo ―suicídio‖ no título

Autor Título
Ano
Cap PM Fernando Estudo sobre o suicídio na Polícia Militar e propostas para
1989
Cristiano Silva de Andrade solução

Cap PM Julio Carlos


2001 O estresse como fator de suicídio entre policiais militares
Fernandes Santana

Cap PM Diógenes Proposta de capacitação ao efetivo do Corpo de Bombeiros


2016
Martins Munhoz para o atendimento a ocorrências de tentativa de suicídio

Suicídio de Policial Militar e o Pagamento da Indenização


Cap PM Alex Prevista na Lei 14.984/13 em face do Disposto no Artigo 798
2020
Negredo Santos e Parágrafo Único do Código Civil de 2002: Proposta de
Padronização Hermenêutica

Cap PM Damaris Gilceli Resiliência Policial-Militar: O Desenvolvimento da Saúde


2020
Dos Santos Dias Física como Ferramenta de Prevenção ao Suicídio.

Gestão de Pessoas Voltada à Prevenção ao Suicídio na


Ten Cel PM Marcelo PMESP com o Escopo de Desenvolver Estratégias de
2020
Alves dos Santos Aprendizado Organizacional e Individual para a Identificação
e Acolhimento de Potenciais Tentantes
Fonte: CAES, 2021.

Dos trabalhos encontrados, verifica-se, na tabela 6, que um foi produzido no


ano de 1989, dois entre 2001 e 2016; e, no último ano (2020), foram três produções,
talvez como reflexo da maior discussão sobre o tema em específico. Essa crescente
preocupação em estudar o fenômeno do suicídio não parece estar circunscrita à
área acadêmica policial-militar. Santos, Mauren (2019) realizou pesquisas em um
importante depósito de trabalhos acadêmicos de pós-graduação do país, o Banco de
Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
fundação ligada ao Ministério da Educação (MEC), utilizando também a palavra-
chave ‗suicídio‘, obtendo 1.028 resultados em outubro de 2017; após pouco mais de
um semestre, em maio de 2018, houve repetição desse procedimento, resultando
em um acréscimo de 116 estudos, o que, de fato, parece constituir um indicador de
que o tema tem despertado maior interesse e atenção no meio acadêmico em geral.
Dos trabalhos encontrados no banco de trabalhos de pós-graduação do
CAES, dois não se voltam a estudar o suicídio de policiais militares ou eventuais
medidas de prevenção no campo institucional. No primeiro, Munhoz (2016) propõe
implementar um curso modular destinado a capacitar o efetivo operacional do Corpo
89

de Bombeiros do Estado de São Paulo a atender as ocorrências de tentativa de


suicídio de acordo com os pressupostos da psicologia e da psiquiatria. Vale lembrar
que o termo ―suicídio‖ foi utilizado na consulta ao banco de dados; contudo, mesmo
não havendo no título do trabalho o aludido termo, ressalte-se que já havia proposta
anterior de padronização e de atualização da doutrina de atuação operacional nas
ocorrências envolvendo tentativas de suicídio, tendo como esteio a doutrina de
gerenciamento de crises (SANTOS, Hugo, 2013). Este trabalho não foi incluído na
tabela 6, pois o termo ―suicídio‖ não foi empregado no título.
O segundo trabalho dessa natureza refere-se ao estudo sobre a
aplicabilidade da Lei 14.984/13, que trata do pagamento de indenização por morte
ou invalidez aos policiais militares, em decorrência de suicídios (ou tentativa). O
citado ordenamento legal foi analisado pelo autor, de modo a se verificar a
possibilidade de integração com o disposto no art. 798 e parágrafo único da Lei
10.406/2002. Ao final, concluiu que o pagamento às famílias dos policiais mortos por
suicídio se daria de modo similar àqueles ocorridos em função de acidentes ou de
homicídios, quando em serviço ou em in itinere (SANTOS, Alex, 2020).
Os demais trabalhos, por sua vez, voltavam-se à tentativa de compreender o
fenômeno suicida na Instituição, com eventuais propostas e medidas para mitiga-lo.
Nessa direção, a pesquisa levada a efeito por Andrade (1989) contemplou reflexões
presentes à época – e que de fato parecem contemporâneos, propondo as seguintes
medidas para a ‗solução‘: ações preventivas, contratação de psicólogo para cada
Unidade Operacional, reabilitação psicológica (após ocorrência grave e punições
com privação de liberdade), inserir assuntos no currículo no Curso de Formação de
Oficiais, criar um plantão de valorização da vida para atuar no Centro de Operações,
propiciar opções de lazer, incremento de vivência política, definir as funções, política
salarial e a valorização do sorriso, em contraponto à condição apontada pelo autor
como sisudez do policial militar.
Necessário refletir sobre a realidade imposta quando da realização do
trabalho. Os dados eram escassos e de difícil obtenção. Como visto, praticamente
durante todo o percurso histórico da humanidade, o suicídio foi visto de variadas
maneiras, mas produzindo tabus e preconceitos, medo e resistência. As limitações
impostas aos pesquisadores não impediram, contudo, de promoverem analises e,
acima de tudo, de exporem o que compreendiam sobre o fenômeno, a partir de um
olhar de comandante ou de administrador, como chegou a apontar Santana, J.
90

(2001). As vivências dos autores puderam propiciar importantes reflexões, ainda que
restritos os elementos que pudessem ser evidenciados no curso das pesquisas.
Nesse norte, Santana, J. (2001) discute a questão do estresse no trabalho
do policial militar, já que o profissional ofereceria muito de si à atividade profissional,
causando-lhe desequilíbrio físico e emocional. O autor ainda postula que os
suicídios são causados pelo estresse. Cumpre destacar, contudo, que, atualmente,
predomina a compreensão de que o suicídio decorre de múltiplos fatores, não
havendo relação de causalidade entre uma única variável e o suicídio.
Em outro estudo, com base na revisão de literatura, Dias (2020) buscou
produzir conhecimento com o propósito de instituir uma política de prevenção de
manifestações suicidas focada na Educação Física. Durante o estudo, verificou-se
que rotina de constante tensão e perigo da atividade policial militar, caracterizada
inclusive pelo juramento de sacrificar a própria vida para defender a população
estaria ligada ao alto grau de vulnerabilidade ao sofrimento psíquico desse grupo. As
evidências de que ocorrem alterações bioquímicas quando da exposição aos fatores
de risco, o que poderia incidir na suscetibilidade do profissional ao sofrimento
psíquico fizeram a autora a considerar a prática do exercício físico, por meio de
profissional capacitado, como medida de prevenção ao proporcionar ajustes
fisiológicos que poderiam minimizar tais efeitos deletérios (DIAS, 2020). Nesse
sentido, vale registrar que Costa, Soares e Teixeira (2007), por meio de uma
pesquisa bibliográfica, constataram que a prática de exercícios regulares é relevante
no contexto da prevenção pois, além dos benefícios fisiológicos, teria sido
observada melhoria na sensação de bem estar, no humor e na autoestima dos
praticantes, assim como a redução da ansiedade, da tensão e da depressão.
Na tese de doutoramento, Santos, Marcelo (2020) estabeleceu três eixos de
pesquisa. A primeira, a pesquisa em materiais já existentes (documental ou
bibliográfica) sobre a prevenção do suicídio; o segundo eixo constituiu-se na
elaboração de dois questionários de pesquisa encaminhados a especialistas, o
primeiro grupo composto por profissionais ligados a gestão de setores, relacionados
à prevenção, da Instituição, autores e pesquisadores do tema e o segundo composto
por psicólogos da PMESP, o terceiro eixo foi a aplicação do questionário atitudes
frente ao comportamento suicida (QACS) a policiais militares de diversas unidades.
O trabalho teve como premissa o conceito de que o suicídio pode ser prevenido.
Como propostas, discorreu sobre a necessidade de se reduzir o estigma e os
91

preconceitos relativos à saúde mental, o adoecimento e a busca por ajuda. Os


objetivos da pesquisa se assentaram na promoção do aprendizado organizacional
sobre o suicídio e os respectivos fatores de risco e de proteção; determinar quais as
atitudes dos policiais militares frente ao comportamento suicida e, por fim,
estabelecer a melhor forma de transformar esses saberes em conhecimentos de fácil
difusão. Durante o curso do trabalho, discutiu o problema do suicídio em
organizações policiais, como a de Nova York, a arma de fogo como um elemento
potencialmente letal e as propostas de prevenção mediante a rede de proteção entre
pares, a disseminação de conhecimentos sobre saúde mental e qualidade de vida e
a ampliação da rede de atendimento da PMESP.
Observa-se, portanto, a consolidação de um vasto campo de pesquisa
associado ao suicídio, obviamente, com preponderância para assinalar ações
voltadas à prevenção de suicídios de policiais militares. E, nessa mesma direção,
caminha este trabalho. No Capítulo seguinte, serão descritos os procedimentos e
métodos utilizados na coleta, organização e análise dos dados.
92

4 O MÉTODO: DESCRIÇÃO E PROCEDIMENTOS

Uma pesquisa com cunho científico que pretenda enfrentar um tema tão
complexo quanto é o suicídio não se desenha de maneira simplificada. Como se
observou ao longo deste trabalho, esse fenômeno foi encarado de diversas
maneiras, ao longo da história. Cada grupo social, também, criou seus próprios
modelos para lidar com esse polêmico fato. Nos últimos tempos, em especial após a
eclosão de campanhas como o ‗setembro amarelo‘, as pessoas se permitiram
discutir com maior intensidade o suicídio, o que deve possibilitar, no futuro,
compreendê-lo com maior clareza, diminuindo o julgamento com base em crenças
ou preconceitos.
De qualquer modo, ao se desenhar a presente pesquisa, ainda como
projeto, pretendia-se empreender uma análise do banco de dados do PPMS.
Pretendia-se, inclusive, realizar uma pesquisa meramente quantitativa. A utilização
da estatística, portanto, apresentava-se como medida para ampliar o campo de
análise:
Outrora a estatística estava confinada na área das ciências exatas.
Raramente atraía o interesse de pesquisadores de outras áreas, como as
ciências humanas ou biológicas. Atualmente, é considerada um dos mais
úteis instrumentos de trabalho em todos os campos da investigação. E, no
momento em que a computação eletrônica está ao alcance dos
pesquisadores de nível universitário, a estatística atinge um grau de
sofisticação do mais elevado padrão. (CERVO; BERVIAN, 1983, p. 162).
Ao se cogitar desenvolver uma pesquisa quantitativa ou, como postula
Severino (2016, p. 125) uma ―abordagem quantitativa‖, pretendia-se, inicialmente,
utilizar-se de recursos da estatística inferencial; contudo, analisar as relações
causais ou direcionar a pesquisa para generalizações não se mostrou favorável a
partir dos registros existentes e diante da própria complexidade dos suicídios.
Optou-se, portanto, pela estatística descritiva, no âmbito quantitativo, para
buscar compreender as características dos policiais militares que morrem por
suicídio. Paralelamente, a abordagem qualitativa foi a que se mostrou mais
adequada para levantar as reflexões possíveis. E, como pesquisa inicial nesta
perspectiva, acredita-se ter aberto muitos outros campos para discussão, em função
dos inúmeros questionamentos que, por certo, surgiram durante a realização deste
trabalho, muitos dos quais ainda continuam acobertados; e, para de fato descortiná-
los, pesquisas adicionais serão necessárias.
93

Quanto aos objetivos, procurou-se empreender uma pesquisa exploratória


(SEVERINO, 2016, p. 132), na medida em que se buscou ―[...] levantar informações
sobre um determinado objeto, delimitando assim um campo de trabalho, mapeando
as condições de manifestação desse objeto.‖ Este tipo de estudo estaria também
associado à pesquisa descritiva, pois objetiva ―descobrir, com a precisão possível, a
frequência com que um fenômeno ocorre, sua relação e conexão com outros, sua
natureza e características‖ (CERVO; BERVIAN, 1983, p. 55).
Além disso, quanto à natureza das fontes de pesquisa, o presente trabalho
intencionou fazer uso da pesquisa bibliográfica, na medida em que, nos termos
apontados por Severino (2016, p. 131), se dá ―a partir do registro disponível,
decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos,
teses etc.‖ Do mesmo modo, far-se-á uso da pesquisa documental. Para Severino
(2016, p. 131), os documentos constituem ―[...] matéria-prima, a partir da qual o
pesquisador vai desenvolver sua investigação e análise‖. Nas linhas a seguir, serão
discutidos os parâmetros desta pesquisa e os procedimentos adotados.

4.1 Bancos de dados

A pesquisa quantitativa foi realizada a partir da extração de informações dos


bancos de dados institucionais. Foram utilizados os bancos de dados do CAPS,
notadamente o do Programa de Prevenção a Manifestações Suicidas como base
deste trabalho (PPMS). Outros bancos, como o Sistema Integrado de Recursos
Humanos (SIRH) e o Sistema de Gestão de Pessoas (SGP), ambos da Diretoria de
Pessoal (DP), bem como, da Folha de Pagamentos do Centro Integrado de Apoio
Financeiro (CIAF) e da 1ª Seção do Estado Maior (1ª EM/PM) complementaram as
análises.
Adicionalmente, dados oriundos da São Paulo Previdência (SPPrev),
notadamente sobre o quantitativo de policiais militares na inatividade, permitiu
consolidar os cálculos proporcionais de suicídio nesse subgrupo.

4.2 Organização do banco de dados desta pesquisa

O trabalho se baseou na junção desses variados bancos de dados, de modo


a tornar possível realizar as análises. O banco de dados principal, do qual foi
94

extraída a maior parte das informações, é o utilizado pela equipe do PPMS. Como
rotina procedimental dessa equipe, a cada notícia de suicídio, um prontuário
específico é aberto, reunindo-se os documentos alusivos ao policial militar e ao
evento. Há alguma variação desses prontuários, alguns robustos, contendo, por
exemplo, sindicância instaurada, relatórios da equipe acionada para os incidentes
críticos, o demonstrativo de pagamentos utilizado para verificar se a vítima era
associada a alguma entidade com benefícios como auxílio funeral, dentre outros
documentos. Outros prontuários, contudo, possuem poucos dados da vítima e da
própria ocorrência. Esse procedimento surgiu em meados dos anos 2000.
Contudo, também foram levantados os registros anteriores do PPMS, desde
o ano de 1980, os quais foram utilizados apenas para trazer um panorama geral dos
registros existentes na Instituição. Esta restrição de uso foi necessária em função do
limitado e irregular registro dos suicídios do período de 1980 a 2010. Vale lembrar
que o PPMS foi instituído no final de 2003, dando início aos registros mais
consistentes e a efetiva busca dos dados. Com a evolução tecnológica, pouco a
pouco, novos procedimentos foram incorporados, o que propiciou o robustecimento
do banco de dados ao longo dos anos.
Diante do reduzido espaço de tempo para realizar a presente pesquisa,
buscou-se analisar com maior profundidade os casos havidos no período de 2010 a
2020. Inicialmente, esse banco de dados contemplava 270 suicídios, entretanto, três
casos foram desclassificados: um Soldado Temporário PM (função descontinuada
na Instituição); o segundo caso, de um policial militar que no curso da investigação
policial se descobriu que na verdade fora vítima de homicídio praticado por familiar;
o terceiro, de um ex-policial militar que havia solicitado exoneração muitos anos
antes de morrer por suicídio, dentro da empresa da qual era proprietário. Importante
destacar que, periodicamente, os prontuários do PPMS são revistos; e, nesses
momentos, embora incomum, já se constatou outros casos de homicídios, bem
como, registros de não policiais militares.
A junção desse banco de dados a outros se deu em função da necessidade
de viabilizar as análises estatísticas.
Cumpre destacar que, ao banco principal, foi unido um banco de registros
financeiros dos policiais militares que morreram por suicídio. Como sobredito, os
assistentes sociais estão incumbidos de analisar os demonstrativos de pagamento
95

com o propósito inicial de apoiar familiares em eventuais benefícios existentes,


oriundo das associações consignatárias.
Importante destacar que, complementarmente, foram solicitados ao Centro
Integrado de Apoio Financeiro (CIAF) os dados relativos aos vencimentos brutos,
vencimentos líquidos, número de pensões alimentícias, valor do somatório das
pensões, número de empréstimos consignados em folha de pagamento, total dos
empréstimos consignados, relativos aos policiais militares que faleceram em função
do suicídio.
Observação relevante refere-se aos policiais militares veteranos, já que
passaram a receber seus proventos pela São Paulo Previdência (SPPrev), nos
termos da Lei nº 1.010, de 1 de junho de 2007 (SÃO PAULO, 2007), cuja transição
só foi concluída em 2013.
Esses registros foram integrados ao banco de dados principal. Um terceiro
arquivo também foi importado do sistema informatizado em construção, que
integrará os registros do SiSMen. Embora ainda experimental, este banco de dados
novo contém informações extraídas do Sistema de Gestão de Pessoas (SGP), da
DP. Do ponto de vista gerencial, a integração dos diversos sistemas, respeitando os
critérios éticos e técnicos necessários, é de fundamental relevância para o
fortalecimento e ampliação da gestão das pessoas.

4.3 Descritores para padronização

Seguindo a recomendação da OMS, os dados serão apresentados de forma


absoluta e, sempre que possível, ponderados para cada 100 mil pessoas que se
enquadram naquele grupo:
As taxas de suicídio normalmente são expressas como o número de mortes
por 100 mil habitantes no período de um ano. Se as taxas referem-se a
populações pequenas (cidades pequenas, províncias, até mesmo pequenos
países), sua interpretação requer cautela extra, uma vez que poucas mortes
podem influenciar radicalmente o quadro. Para populações abaixo de 250
mil habitantes, em geral são usados números absolutos. Algumas taxas
podem ser mostradas de forma ponderada pela idade, o que pode excluir os
suicídios de indivíduos com menos de 15 anos de idade, devido à sua baixa
frequência, mas em muitos países se nota um aumento alarmante nas taxas
de suicídio neste grupo etário (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE,
2000, p. 6-7).
96

4.4 Dados gerais

Com relação à amostra desta pesquisa, baseou-se em 267 casos referentes


ao período de 2010 a 2020 como base principal de discussão. Desse total, 188 do
serviço ativo e 79 de policiais militares inativos. Vale aqui destacar que, muitas
vezes, será utilizada a designação não necessariamente legal (inativos), mas a que
comumente tem sido para designá-los, ou seja, como ―veteranos‖. Outras
circunstâncias, como sexo, estado civil, número de filhos, dentre outros dados
sociodemográficos, serão apresentados ao longo da seção 5.

4.5 Riscos

Essa pesquisa não envolveu riscos, visto que não se utilizou nenhuma
técnica invasiva. Ou melhor, não houve contato com nenhum familiar, amigo
enlutado ou pessoas que pudessem se sentir desconfortáveis (despertar
lembranças, sofrimento, dentre outros). Foram analisadas unicamente as
informações já disponíveis em bancos de dados, seja do CAPS ou de órgão
gestores de conhecimentos específicos, como da área da Gestão de Pessoas e de
Finanças. Também se cuidou para não identificar qualquer pessoa que morreu por
suicídio no período analisado.
Por fim, na construção do texto, procurou-se evitar termos que pudessem
trazer maiores desconfortos aos leitores, muito embora o tema, por vezes, possa ser
interpretado de maneira negativa. Os benefícios, contudo, pareceram ser
infinitamente superiores, já que se buscou evidenciar os argumentos e propostas a
partir de elementos da realidade. O potencial benefício para os policiais militares,
para a própria Instituição e, notadamente para a sociedade é que, de fato, seja
possível aperfeiçoar o Programa de Prevenção a Manifestações Suicidas (PPMS).

4.6 Recursos e programas eletrônicos

Os bancos de dados foram prioritariamente organizados por meio do


programa Microsoft Excel versão 2010. Complementarmente, quadros esquemáticos
foram produzidos pelo software Creately, uma ferramenta de colaboração visual com
97

recursos de diagramação e design. Por fim, para algumas análises estatísticas


utilizou-se o programa JASP, de código aberto criado com o apoio da Universidade
de Amsterdã.

4.7 Limitações da pesquisa

Existem algumas limitações para o presente estudo. Como os dados são


retrospectivos, os resultados puderam sugerir talvez algumas associações, mas não
relações causais. Como acontece com a maioria dos projetos baseados em
mortalidade retrospectiva, os dados disponíveis eram limitados quanto aos fatores
relacionados ao estilo de vida, etnia, uso de álcool, classe social e condições de
trabalho. Embora consistente em alguns aspectos, os bancos eram limitados em
outros.
Além disso, a própria natureza do suicídio, resultado de múltiplos fatores, já
constitui um forte limitador. De qualquer modo, procurou-se buscar compreender as
circunstâncias que envolvem os suicídios de policiais militares, a partir desses dados
existentes, o que permitiu profundas reflexões para, assim, subsidiar a política de
prevenção das manifestações suicidas e de intervenção psicológica e social na
Instituição.
98

5 A ANÁLISE DOS DADOS

Pretende-se explorar, nesta seção, as principais informações existentes nos


bancos de dados institucionais, de modo a mapear indicadores que permitam
subsidiar a implementação de estratégias visando à prevenção do suicídio. Na
primeira parte, serão apresentados os dados históricos, concernente ao período de
1980 a 2010, cujos registros não permitiram aprofundar a análise. Na segunda parte,
serão discutidos os dados gerais, incluindo-se as taxas e características
sociodemográficas, referentes aos casos de suicídio ocorridos no período de 2010 a
2020.
Referentes ao mesmo período, de 2010 a 2020, serão discutidos, na terceira
parte, os suicídios de veteranos; seguindo-se, na quarta parte, os dados relativos
aos suicídios dos policiais militares do quadro ativo. Na quinta parte, a descrição de
alguns fatores de risco e, por fim, na sexta parte, serão analisadas algumas
circunstâncias específicas, dentre as quais o suicídio estendido (homicídio seguido
de suicídio).

5.1 Os suicídios ocorridos entre 1980 e 2010

O suicídio, desde sempre, preocupou a PMESP. Embora haja registros


esparsos de tais ocorrências nos diversos órgãos da Instituição, no banco de dados
do CAPS há arquivos de mais de 4 décadas. Contudo, muitas informações
apresentam inconsistências, o que dificulta sobremaneira a análise dessas
informações.
Como exemplo, em uma tentativa de melhor explorar e analisar os dados
existentes, a relação de casos, de 1980 ao ano de 1998, foi unificada em um único
arquivo, o que totalizou, no período, 332 policiais militares que morreram por
suicídio. Desse total, foi possível estabelecer uma relação com 306 nomes. Os
outros 26 registros eram de casos ocorridos no ano de 1994, contudo, até o
fechamento da pesquisa quantitativa, não havia sido localizada10. Com o apoio da
área de tecnologia da informação da Diretoria de Pessoal, consultou-se o banco de
dados da Instituição, o SIRH. Consultou-se o total de 306 nomes constantes de uma

10
Posteriormente, o arquivo foi localizado e contabilizado na estatística final, representada pelo
gráfico 2.
99

relação, localizando-se apenas 227 registros de policiais militares. Supõe-se que os


demais casos não tenham sido adequadamente lançados por ocasião do fato.
Importante também lembrar que muitos desses casos aconteceram anos antes da
popularização dos computadores; portanto, durante as transcrições ou em função de
algum procedimento interno, os dados também poderiam ter sofrido alguma
alteração. Desses 227 registros, 24 casos não tinham informações mínimas, nem
mesmo a data do fato.
Em linhas gerais, nesse período, a depender do quantitativo considerado,
306 ou 227 suicídios, teriam ocorrido, em média, 17 a 12,6 casos de morte por
suicídio por ano. Inexistindo, também, elementos que pudessem descartar esses
dados, agregou-se outro período, o que permitiu consolidar uma série histórica de 31
anos.
Nesse período de 31 anos (1980-2010), constam 618 registros de mortes de
policiais militares por suicídio, o que se traduz em uma média anual de 19,9 casos
registrados por ano. Em quatro oportunidades, o número de registros superou mais
de 30 casos em um único ano: em 1992 e em 2003, foram 33 registros. Em 1998, 34
casos registrados; e, em 1999, foram constados 31 registros. O gráfico 2 – traz a
representação dos registros de suicídios de policiais militares de São Paulo, no
período de 1980 a 2010.
Gráfico 2 – Suicídios de policiais militares (1980 a 2010)
40
35
30
25
20
15
10
5
0
1987

1998

2009
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986

1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997

1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008

2010

Fonte: CAPS, 2021.


Não se sabe se de fato houve o aumento. Ao que parece, os registros foram
se aperfeiçoando ao longo dos anos, mediante controle na coleta e na busca dos
dados sobre a mortalidade por suicídio na Instituição. E, diante da melhora desse
processo, a surpresa com o elevado número fez com que a equipe de saúde mental
da Instituição buscasse conhecer melhor o fenômeno. No final do mês de outubro de
100

2003, a equipe do então Centro de Assistência Social e Jurídica (atual CAPS),


propôs a criação do ―Programa de Prevenção a Manifestações Suicidas‖ (POLÍCIA
MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2003, p. 23). Nos anos seguintes, passou-
se a realizar um intenso trabalho de sensibilização em todo o estado de São Paulo.
Protocolos diversos foram criados, de modo a propiciar a prevenção universal,
seletiva e indicada, aspectos já abordados neste trabalho.
Não há, contudo, como estabelecer se a redução percebida a partir daquele
ano foi decorrência desse trabalho, em função da complexidade que caracteriza o
suicídio e as múltiplas circunstâncias que o circundam. Mas, ao analisar o gráfico 2,
a linha de tendência por média móvel (linha na cor preta) pelo período de 3 anos,
traz essa indicação.
Em uma série mais longa, de mais de quatro décadas, tem-se um ápice no
período de 1998 a 2004, quando se inicia um processo de declínio já mencionado,
ainda que oscilante se verificadas de ano a ano. Por essa razão, o gráfico 3
apresenta a linha de tendência por média móvel de 4 anos (em preto); contudo, a
partir de 2018, observa-se uma nova direção, que aponta para o recrudescimento do
número do total de casos (mas não necessariamente quanto às taxas, quando
ponderadas). A inversão dessa tendência é o foco de atenção do PPMS, ainda que
a situação pós-pandemia possa elevar o nível desse desafio.

Gráfico 3 – Série histórica de suicídios de policiais militares (1980 a 2020)


40

35

30

25

20

15

10

\
Fonte: CAPS, 2021.
101

Seguindo o desenho deste trabalho, serão enfatizados os dados relativos


aos anos de 2010 a 2020, por meio de procedimentos que permitam melhor
compreensão do fenômeno.

5.2 Generalidades sobre os suicídios entre 2010 a 2020

Ao longo dos anos, houve um significativo amadurecimento institucional na


promoção da busca ativa de dados sobre o suicídio, com a colaboração dos mais
diferentes órgãos da PMESP no sentido de minimizar os riscos de subnotificação.
Com relação ao período de 2010 a 2020, o banco de dados se mostra consistente 11
quanto aos casos de suicídio. As subnotificações, portanto, são reduzidas;
entretanto, com relação aos veteranos, o risco de que a equipe do PPMS não seja
informada pode ser maior. De qualquer modo, como as informações procedem de
diversas origens, aquelas notificações que aportam tempos depois da consumação
do suicídio, em regra, já estavam no rol existente do CAPS. Talvez em função do
apoio psicossocial em incidentes críticos, os eventos são imediatamente informados
às equipes de saúde mental da Instituição.
Nesta primeira parte desta seção serão apresentados, brevemente, os
dados gerais e sociodemográficos para, na seção seguinte, viabilizar reflexões mais
específicas, notadamente para supedanear o aperfeiçoamento do PPMS. Importante
destacar que, em função dos prazos impostos para a conclusão desta tese, a massa
de dados existentes não foi totalmente analisada. Porém, a gestão do SiSMen tem
se utilizado cada vez mais de evidências para orientar os serviços e programas de
atenção disponibilizados aos policiais militares, para que, de fato, seja possível
promover a saúde mental e minimizar as chances de adoecimento; e, ao mesmo

11
Por vezes, constatam-se algumas inconsistências, que podem ser atribuídas a eventuais equívocos
no lançamento ou na própria tabulação, aspectos que tem sido objeto de correção. A cultura
organizacional baseada no modelo de excelência na gestão vigente na Instituição tem viabilizado
medidas para a melhoria contínua dos processos, o que não tem sido diferente no CAPS, órgão
responsável pela gestão do PPMS. O volume de dados alusivos aos diversos programas e serviços
tem crescido ao longo dos anos, o que tem demandado a criação de um sistema informatizado para
melhorar não só o gerenciamento dos processos, mas também dos bancos de dados que, hoje,
ainda apresentam fragmentação, em planilhas avulsas, dificultando análises mais consistentes e
possibilitando erros comuns quando manipulados por pessoas diferentes. É comum acontecer em
arquivos em Microsoft Excel esses problemas, quando, ao inserir filtros, fórmulas ou outras ações,
acabam por desdobrar em desalinho dos dados.
102

tempo, buscar ações cada vez mais consistentes no tratamento das demandas
apresentadas pelos policiais militares.
No período de 2010 a 2020, consta o registro de 267 mortes por suicídio de
policiais militares, incluindo ativos e inativos, homens e mulheres. A tabela 7
apresenta, ano a ano, o número de suicídios registrados; também consta a evolução
anual do efetivo (ativos e inativos), por meio do qual foi possível obter as respectivas
taxas anuais. Ao final, consta a taxa geral de suicídios da Polícia Militar,
relativamente ao período estudado (17,1 para cada 100 mil).
Tabela 7 – Suicídio de policiais militares, por ano
Efetivo PM
Ano Suicídios Taxas
(Ativos e Inativos)
2010 133.999 16 11,9

2011 135.922 23 16,9

2012 136.555 24 17,6

2013 137.464 26 18,9

2014 140.608 27 19,2

2015 144.325 22 15,2

2016 144.770 18 12,4

2017 145.019 20 13,8

2018 145.730 36 24,7

2019 149.696 22 14,7

2020 147.859 33 22,3

2010 a 2020 1.561.947 267 17,1


Fontes: EM/PM, CIAF, SPPrev e CAPS, 2021.

Esta pesquisa também utilizou como base de estudo os dados fornecidos


pelo CIAF, a partir da folha de pagamentos da Polícia Militar: de 2010 a 2013
oriundos do CIAF e a partir de 2014, da SPPrev. Seguindo esse procedimento os
dados gerais não tiveram alteração significativa, conforme se constata na tabela 8.

Tabela 8 – Totais de policiais militares ativos e inativos da PMESP (2010 a 2020)


Situação Efetivo Taxa suicídio
___
Ativos 943.432

Inativos 605.605 ___


Total 1.549.037 17,2
Fontes: CIAF, SPPrev e CAPS, 2021.
103

Nesse período, a média de casos, em termos absolutos, foi de 24,3 casos


para cada 100 mil por ano, com o pico em 2018 (total de 36 suicídios), o maior da
série histórica. Em 2010, foram registrados 16 casos, o menor número. O gráfico 4
evidencia essa oscilação havida entre os anos de 2010 a 2020.
Gráfico 4- Suicídio de policiais militares (geral), de 2010 a 2020.
40
35
30
25
20
15
10
5
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
Fonte: CAPS, 2021.
A seguir, pretende-se analisar alguns aspectos relacionados aos suicídios
ocorridos no período, iniciando-se com a apresentação de alguns dados
sóciodemográficos.

5.2.1 Os principais dados sociodemográficos

Nesta primeira parte, serão apresentados os levantamentos sobre a faixa


etária, a situação conjugal e a religião de todos os policiais militares que, ao longo
da última década (2010 a 2020), morreram por suicídio.

5.2.1.1 FAIXA ETÁRIA

A tabela 9 apresenta a distribuição dos casos de policiais militares que


morreram por suicídio, abrangendo policiais militares do serviço ativo e veteranos,
no período de 2010 a 2020, divididos por faixa etária, em um recorte de cinco anos;
nota-se, portanto, que o grupo com idades entre 35 a 39 anos apresentam o maior
número de casos (n= 47), com 17,6%.
104

Tabela 9 – Distribuição dos suicídios por faixa etária (geral)


Faixa etária Quantidade Percentual
20-24 7 2,6%
25-29 28 10,5%
30-34 35 13,1%
35-39 47 17,6%
40-44 37 13,9%
45-49 35 13,1%
50-54 31 11,6%
55-59 9 3,4%
60-64 12 4,5%
65-69 12 4,5%
70-74 8 3,0%
+ 75 6 2,2%
Total 267 100,0%
Fonte: CAPS, 2021

A representação gráfica (gráfico 5) demonstra que o ponto mais elevado, em


termos absolutos, de fato, está na faixa dos 35 aos 39 anos:

Gráfico 5 – Faixa etária das vítimas de suicídio, no período de 2010 a 2020


50 47
45
40 37
35 35
35 31
30 28

25
20
15 12 12
9 8
10 7 6
5
0
0
-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-74 75
Fonte: CAPS, 2021
Há que se destacar que o gráfico apresenta tanto os casos de policiais
militares do serviço ativo, como os veteranos. Como se observa, contudo, as ações
de prevenção precisariam contemplar ações que atendessem uma abrangente faixa
de idade, de acordo com as demais características observadas em cada subgrupo.
105

5.2.1.2 CONSTITUIÇÃO FAMILIAR

A família pode constituir um importante fator de proteção contra o suicídio;


mas, de acordo com a dinâmica de funcionamento, pode também ser um fator de
risco de considerável gravidade.
Dos policiais militares que morreram por suicídio, no período de 2010 a
2020, a maior parte era casada. Vale, entretanto, ressaltar um aspecto metodológico
importante, notadamente no contexto da situação conjugal. Os dados constantes na
tabela 10 foram obtidos de fontes diversas. A rigor, o registro existente no SGP foi a
base deste estudo; contudo, em algumas circunstâncias, os diversos registros
existentes, como os prontuários dos policiais militares com histórico de atendimento
no CAPS, os relatórios das equipes de apoio psicossocial designados para a pronta
intervenção após a consumação do suicídio, os registros policiais eventualmente
existentes, dentre outros documentos, foram também analisados e comparados aos
banco de dados, o que permitiu constatar a necessidade de estudos
complementares para aprofundar o conhecimento sobre o fenômeno.
Com relação às informações sobre o estado civil, em alguns casos, embora
ainda registrado como casado no SGP constatou-se que, na realidade, estava em
curso um processo de separação, muitas vezes carregadas de um intenso conflito.
Por vezes, nesse período de regularização, o policial militar já estava convivendo
maritalmente com outra pessoa.
A formalização dos registros não consegue acompanhar a dinâmica da vida.
Considerando este aspecto, sempre que possível, buscou-se seguir as informações
mais recentes, muitas vezes obtidas pela equipe de sobreaviso designada para o
apoio psicossocial. Dados de autópsias psicológicas realizadas também permitiram
atualizar os dados.
De qualquer modo, embora haja necessidade de pesquisas mais
aprofundadas, a tabela 10 apresenta um panorama da situação conjugal entre as
vítimas do suicídio.
106

Tabela 10 – Situação conjugal dos policiais militares que morreram por suicídio

Situação conjugal

Situação Quantidade Percentual


Solteiro 45 16,85%
Casado 150 56,18%
União Estável 24 8,99%
Separado 34 12,73%
Viúvo 2 0,75%
Sem informação/desconhecido 12 4,49%
Total 267 100,00%
Fonte: CAPS, 2021

A complexidade da dinâmica familiar não se limita à situação conjugal,


mas também os filhos. Ao agregar essa variável, a tabela 11 contempla o número de
filhos, de acordo com a situação conjugal dos policiais militares que morreram por
suicídio, no período de 2010 a 2020. É possível observar que 19 (7,1%) policiais
militares tinham 4 ou mais filhos; outros 26 (9,7%) tinham 3 filhos; o total de 75
policiais militares tinham 2 (28%) filhos; apenas um filho, eram 55 (20,6%) policiais
militares; em 9 casos (3,4%) essa situação era desconhecida. A maior parte dos
policiais militares, ou seja, o total de 83 (31%) não possuíam filhos.

Tabela 11 – Situação conjugal e o número de filhos de policiais militares que morreram por suicídio
(2010 a 2020)
Situação conjugal e filhos (n=267)
Nº Filhos Solteiro Separado Casado União Estável Viúvo Desconhecido
0 35 7 30 6 0 5
1 8 12 28 5 0 2
2 0 7 60 4 2 2
3 1 2 19 3 0 1
4 ou mais 0 2 11 6 0 0
Sem informação 1 4 2 0 0 2
Total 45 34 150 24 2 12
Fonte: CAPS, 2021.

5.2.1.3 RELIGIÃO

A religiosidade se apresenta de forma ambivalente, figurando como fator


protetivo e, por vezes, como fator de risco (BOTEGA, 2015; NERY, 2013). Os dados
abaixo apresentados, contudo, constituem um ponto inicial para melhor
compreensão de tal variável, exigindo maior aprofundamento na compreensão desta
perspectiva no contexto em que estão inseridos os policiais militares:
107

Tabela 12 – Religião dos policiais militares que morreram por suicídio (2010 a 2020)
Religião Total Percentual
Católica Apostólica (Romana ou Brasileira) 198 74,2%
Evangélica (pentecostal, de missão, outras) 36 13,5%
Espírita 6 2,2%
Outras religiosidades (budismo, candomblé, umbanda etc) 11 4,1%
Não Informada ou sem declaração 9 3,4%
Igreja Jesus Cristo dos santos dos Últimos Dias e outras cristãs 2 0,7%
Outras (espiritualista, sem religião, agnóstico, ateu) 5 1,9%
Total 267 100%
Fonte: CAPS, 2021.
Vale lembrar que, conforme critério procedimental deste trabalho, os bancos
de dados da Instituição foram também utilizados como fonte de consulta,
notadamente, de informações sobre a religião dos policiais militares. Em muitos
casos, em especial, nos suicídios consumados, o banco de dados do PPMS já se
servia desse recurso para subsidiar a análise de informações. Em grande parte das
atuações da equipe técnica deslocada para apoiar os familiares em função do
serviço denominado ―Apoio Psicossocial em Incidentes Críticos‖ não há
possibilidade de se verificar essa condição. Ainda que a família seja atuante e
exercite a fé, não é possível resgatar qual a condição e em qual intensidade essa
variável estava presente no íntimo desse policial militar vítima.
Reside aí a dificuldade de se compreender a influência da religião como fator
protetivo ou, eventualmente, de risco para qualquer grupo, inclusive para o
contingente policial-militar. Para maior aprofundamento, relevante seria estabelecer
conceitos padronizados no âmbito da religiosidade e da fé. Neste estudo, não se
buscou, por exemplo, compreender os elementos que permeiam a variáveis mais
específicas, como ―crença‖ e ―fé‖. Da mesma maneira, não há informações se os
policiais militares eram de fato praticantes, em qual intensidade, se durante a vida
houve mudança de religião, o nível do sentimento de pertencer a uma denominação,
além de outras condições relevantes. Nessa esteira, os dados apresentados
constituem apenas um elemento da caracterização do grupo estudado.
Apenas para contextualização, consta na tabela 13 dados relativos à
religião, com base no censo de 2010, levada a efeito pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), comparativamente a população brasileira e paulista.
Conforme se observa, no Brasil, os católicos (romana, brasileira, ortodoxa) ainda
108

constituem maioria (64,8%), assim como no estado em São Paulo (60,2%); e,


naturalmente, a maior parte dos policiais militares que praticaram suicídio também
eram católicos, com o percentual de 74,2%, tendo como referência o período de
2010 a 2020. Essa diferença poderia estar relacionada, eventualmente, com o maior
risco desse grupo ou, simplesmente, decorrer de eventual inconsistência no registro
dos dados.

Tabela 13 – Religião no Brasil e em São Paulo


BRASIL SÃO PAULO
RELIGIÃO
Pessoas % Pessoas %

Católica Apostólica (Romana, Brasileira, Ortodoxa) 123972524 64,8 24894716 60,2


Espírita 3848876 2,0 1356193 3,3
Espiritualista 61739 0,0 20375 0,0

Evangélica 42275440 22,1 9937853 24,0


Hinduísmo 5675 0,0 1822 0,0
Islamismo 35167 0,0 14778 0,0
Judaísmo 107329 0,1 51050 0,1
Não determinada e múltiplo pertencimento 643598 0,3 214332 0,5
Novas religiões orientais, tradições indígenas,
293046 0,2 93274 0,2
esotéricas
Testemunhas de Jeová, I. Jesus Cristo S. Últimos
1619717 0,8 510524 1,2
Dias
Umbanda, Candomblé 1163491 0,6 281663 0,7
Outras religiosidades 1496579 0,8 447555 1,1

Não sabe 196099 0,1 50153 0,1


Sem religião 15335510 8,0 3357862 8,1
Budismo 243966 0,1 153564 0,4

Totais 191298756 100,0 41385714 100,0


Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2010.

Outra circunstância a ser observada na tabela 13 é o índice de policiais


militares que morreram por suicídio e que constam como evangélicos no banco de
dados da Instituição, cujo índice foi de 13,5% (média do período de 2010 a 2020);
contudo, o percentual de evangélicos no Brasil e em São Paulo no ano de 2010 era
de 22,1% e 24%, respectivamente.
Por fim, aqueles que se consideram sem religião estão na faixa dos 8% no
Brasil e em São Paulo; dos policiais militares que faleceram por suicídio, essa
109

categoria está diluída em 1,9% (espiritualista, sem religião, agnóstico, ateu), ou seja,
em número inferior ao da população em geral.

5.2.2 Sexo

O número de suicídios envolvendo homens é maior tanto nas polícias, como


na sociedade em geral. A estimativa geral de suicídios ocorridos no mundo,
conduzida pela OMS, aponta a China como uma rara exceção: naquele país, os
registros indicam que em 2016 a taxa bruta de suicídios para homens foi de 9,1,
enquanto que, para as mulheres, foi de 10,3 (WORLD HEALTH ORGANIZATION,
2019).
Na Polícia Militar de Alagoas, da mesma maneira, observou-se um salto no
número de policiais militares femininas que morreram por suicídio, atingindo o ápice
em 2018, ano em que o número de mortes no grupo de mulheres foi superior ao de
homens (3 mulheres e 1 homem). Analisando o contexto dessas ocorrências, a
equipe de saúde mental da PMAL faz as seguintes considerações:
Por não conhecer a vida interior das mulheres em situação de sofrimento
psíquico, alguns só se dão conta que a dor era tanta, quando elas decidem
expor isso pelo comportamento autodestrutivo. O que fica implícito e, talvez,
para a prevenção do suicídio seja muito relevante, é o fato de que até
chegar nessa resolução, essas mulheres já passaram por uma longa
trajetória de resignação e auto anulação. Sabe-se que as mulheres tentam o
suicídio por motivos diferentes dos homens, por uma série de fatores
distintos. Esses estão associados à violência física, simbólica, incluindo
pressões culturais e institucionais, assim como violências intrafamiliar,
sexual e matrimonial no decorrer da vida e no presente. O suicídio estaria
inserido em três dimensões principais - dor, perturbação e pressão - que ao
atingir a intensidade máxima o suicídio passaria a ser encarado como única
saída para tais situações (SOARES et al, 2021, p. 37)
De fato, a complexidade do suicídio se traduz em circunstâncias como as
apontadas, carregadas também de fatores psicológicos, sociais e culturais. Não é
incomum que a violência doméstica, por exemplo, culmine em tragédias. Não só o
próprio suicídio de mulheres, mas, também, são as principais vítimas do suicídio
estendido ou homicídio seguido de suicídio, notadamente aquelas que mantinham
ou mantiveram relação com os autores. Esse tema será discutido posteriormente,
em subseção apartada.
Retomando a análise dos casos de suicídio na PMESP, com destaque para
o sexo da vítima, os dados parecem alinhados à tendência mundial de haver uma
predominância de homens, como se observa na tabela 14.
110

Tabela 14 – Suicídio de policiais militares, por sexo


Sexo
Variável Quantidade Proporção
Masculino 253 0.948 (94,8%)
Feminino 14 0.052 (5,2%)
Total 267 100%
Fonte: PPMS, CAPS, 2021.

Segundo Botega (2015), as taxas de mortalidade por suicídio entre homens


são cerca de 3 a 4 vezes maiores, na maior parte do mundo. No Brasil, essa relação
é de 3,8, ou seja, aproximadamente 79% das mortes por suicídio são atribuídos aos
homens. Na PMESP, quase 95% dos suicídios são de pessoas do sexo masculino,
ou seja, índice superior ao da população geral. Além disso, do total de 14 suicídios
de policiais militares femininos, 1 já estava na reserva.
A tabela 15 apresenta as bases para calcular o coeficiente de suicídio para
cada grupo de 100 mil, propiciando dimensionar esse fenômeno, de acordo com o
sexo das vítimas. Importante destacar que os cálculos envolvem apenas os policiais
militares do serviço ativo. As taxas, calculadas para ambos os sexos, foram de 20,8
para homens e 11,8 para mulheres.

Tabela 15 – Taxas de suicídio de policiais militares da ativa, por sexo.


Efetivo Ativo/ano Suicídio Ativo/ano Taxas de suicídio por 100 mil

Ano Masculino Feminino Masculino Feminino Masculino Feminino

2010 79.796 8.761 14 0 17,5 0,0


2011 79.680 8.869 17 2 21,3 22,6
2012 78.743 8.663 19 0 24,1 0,0
2013 78.439 9.430 20 0 25,5 0,0
2014 79.196 9.669 17 2 21,5 20,7
2015 79.029 10.454 11 3 13,9 28,7
2016 76.973 10.468 11 1 14,3 9,6

2017 74.179 10.473 16 1 21,6 9,5


2018 72.456 10.588 19 1 26,2 9,4
2019 73.699 11.554 13 1 17,6 8,7
2020 70.422 11.242 18 2 25,6 17,8

2010-2020 842.612 110.171 175 13 20,8 11,8


Fonte: EM/PM e CAPS, 2021.
111

Embora os homens tenham uma predominância nas taxas de suicídio, as


mulheres parecem se preocupar mais com o autocuidado, evidenciado no número
de atendimentos psiquiátricos de mulheres. No ano de 2010, foram atendidos 1.252
pacientes, com até 10 anos de serviço, em primeiro atendimento no ambulatório
psiquiátrico do CMéd. Desses,
[...] dois terços foram homens e um terço das mulheres, porém, quando se
compara com os percentuais do contingente policial militar ativo de 90 mil
indivíduos, sendo 10% mulheres, conclui-se que uma policial feminina
possui mais chance de procurar ajuda psiquiátrica na primeira década de
serviço do que um policial masculino (BARROS, 2011, p. 66):

Portanto, como já era de se esperar, a maioria dos pacientes atendidos pela


psiquiatria era do sexo masculino. Contudo, é significativo o número de mulheres
que passaram por consulta psiquiátrica. A tabela 16 traz essa proporção, referente
ao ano de 2010, em pacientes atendidos (primeira consulta) no ambulatório da
Divisão de Psiquiatria.
Tabela 16 – Atendimentos, divididos entre homens e mulheres, pela psiquiatria do CMed em 2010.
Sexo Quantidade Percentual

Masculino 804 64,2 %

Feminino 448 35,8 %

Fonte: Adaptado pelo autor de Barros (2011, p. 66)


Tal circunstância merece, também, ser objeto de estudos específicos para
compreender o que parece ser um fator protetivo das mulheres em relação aos
homens. Talvez pelo menor receio em buscar assistência especializada.

5.3 Os policiais militares veteranos

Do total de 267 casos de suicídio registrados no período de 2010 a 2020,


29,6% vitimaram os policiais militares veteranos. A tabela 17 apresenta o
comparativo entre os policiais militares da ativa e os inativos (veteranos):

Tabela 17 – Situação funcional, divididos entre ativos e veteranos (2010 a 2020)


Situação funcional Quantidade Percentual

Ativos 188 70,4 %

Veteranos 79 29,6

Total 267 100%


Fonte: CAPS, 2021.
112

Ao longo dos anos, houve um acréscimo no número total de policiais


militares transferidos para a reserva (ou reformados), assumindo a condição de
inativos (veteranos)13. Por essa razão, haveria a possibilidade de também haver um
processo de recrudescimento no número de suicídios nesse grupo, acompanhando
esse crescimento. A partir dessa perspectiva, levantou-se o número de policiais
militares veteranos que compunham a folha de pagamentos, no período estudado
(2010 a 2020). Para tanto, os dados do período de 2010 e 2013, foram obtidos no
CIAF; e, do período de 2014 a 2020, na SPPrev.
Paralelamente, o número de suicídios nesse período também cresceu.
Importante destacar que, além do crescimento do número de policiais militares
veteranos, houve, também, ações internas que, possivelmente, redundaram na
redução de subnotificações. A primeira, a divulgação dos contatos para o apoio
psicossocial a incidentes críticos, o que permite que a notícia sobre a morte por
circunstâncias trágicas trafegue com maior celeridade; e, como ação complementar,
realiza-se o rastreio nos atestados de óbito que são encaminhados para a equipe
que realiza o processamento dos pedidos de auxílio funeral.
O gráfico 6 traz a evolução nos registros de suicídio de policiais militares
veteranos, no período de 2010 a 2020:

Gráfico 6 - Registros de suicídio de policiais militares veteranos, no período de 2010 a 2020


18
16
16

14 13

12

10
8 8 8
8
6 6
6 5
4
4 3
2
2

0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
Fonte: CAPS, 2021.

13
As condições e aspectos específicos da inatividade dos policiais militares não serão objeto de
análise desta pesquisa.
113

O gráfico 7 refere-se ao comparativo entre as duas variáveis, ou seja, o


crescimento no número de inativos e nos registros de suicídio desse grupo:

Gráfico 7 – Relação entre o número de veteranos e o número de suicídios de veteranos, no período


de 2010 a 2020
70

60

50

40

30

20

10

0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
Veteranos - suicidio Número de veteranos
Linear (Veteranos - suicidio) Linear (Número de veteranos)
Fontes: CIAF, SPPrev e CAPS, 2021.

Diante dessa perspectiva, calculou-se também a taxa de suicídios, por ano e


a média do período de 2010 a 2020. Os dados estão representados na tabela 18.

Tabela 18 – Taxas de suicídios de veteranos, por ano, no período de 2010 a 2020


Ano Taxa

2010 4,5
2011 8,7
2012 10,5
2013 12,1
2014 15,5
2015 14,6
2016 10,5
2017 5,0
2018 25,5
2019 12,4
2020 19,6

2010 -2020 13,0


Fontes: SPPrev, CIAF e CAPS, 2021.
114

Nesse mesmo período (2010 a 2020), as taxas de suicídio de policiais


militares veteranos foram calculadas por grau hierárquico, conforme se apresenta na
tabela 19; ao final, a taxa média para esse grupo (13 para cada 100mil):

Tabela 19 – Efetivo de veteranos, suicídios de veteranos e taxas, por graus hierárquicos, no período
de 2010 a 2020.
Efetivo - soma Suicídios de
Grau hierárquico Taxa por 100 mil
(2010 a 2020) Veteranos
Sd PM 1ª Cl 23.918 3 12,5
Cb 63.019 15 23,8
3º Sgt 166.700 24 14,4
2º e 1º Sgt 137.540 18 13,1
Subten 49.996 4 8
2º Ten 85.856 3 3,5
1º Ten 28.731 2 7
Cap 12.519 1 8
Oficiais Superiores 37.156 9 24,2
Outros cargos 170 0 0
TOTAL 605.605 79 13
Fonte: CIAF, SPPrev e CAPS, 2021.
O subgrupo em que estão inseridos os Cb PM tem uma taxa elevada de
suicídios (23,8 para cada 100 mil); contudo, o subgrupo que apresenta maior
vulnerabilidade é dos Oficiais Superiores, com a taxa de 24,2 para cada 100 mil,
número expressivamente superior à média do período para os veteranos (13 para
cada 100 mil). Essas diferenças ressaltam a necessidade de aprofundar o
conhecimento sobre o suicídio entre veteranos, inclusive sobre os aspectos da
vitimização policial tendo como foco os diversos subgrupos (graus hierárquicos),
para que, assim, seja possível levantar hipóteses mais consistentes entre qualidade
de vida e suicídio.
Entre Oficiais Superiores veteranos, a idade média dos que morreram por
suicídio foi de 58,4 anos (n=9); muito próximo da média geral entre inativos, de 59
(n=88). Sobre os possíveis fatores precipitantes, 4 (44,4%) por conflito conjugal, 2
(22,2%) por problemas de saúde, 1 (11,1%) por problema financeiro e 2 (22,2%) não
especificados.
Em posição oposta, os 2º Tenente PM veteranos apresentam as taxas
mais reduzidas (3,5 para cada 100 mil). Os policiais militares, em geral, recebem
uma promoção no momento em que são transferidos para a reserva. Apenas para
os oficiais, nos termos da Lei Complementar nº 1.150, de 20 de outubro de 2011, há
necessidade de cumprir o tempo mínimo de 1 ano no posto; para o Suboficial
115

inexiste esse requisito, estabelecendo, ainda, o § 2º do artigo 2º desse diploma legal


que ―para fins do disposto neste artigo, por posto imediatamente superior ao posto
de Subtenente PM entende-se o de 2º Tenente PM‖ (SÃO PAULO, 2011). Portanto,
uma significativa parte desse subgrupo é formada por profissionais que receberam a
aludida promoção. Dois aspectos emergem a partir desse ponto: a primeira, uma
possível melhoria da qualidade de vida em função dessa promoção ou o mero
reforço da condição já preexistente, já que, entre os policiais militares do quadro
ativo, não há registro de suicídio entre os subtenentes. De fato, são aspectos que
merecem estudo complementar e acompanhamento das taxas futuras, as quais
podem se alterar sem que haja uma circunstância causal que possa ser objeto de
prevenção.
Outro aspecto a ser considerado é o tempo na inatividade. A tabela 20
traz, na primeira coluna, o tempo (em anos) em que o policial militar encontra-se na
inatividade; na segunda coluna, o quantitativo de policiais militares veteranos nessa
faixa de tempo, seguido do respectivo percentual; na quarta coluna, as idades
mínima e máxima dos policiais militares (neste último caso, foi excluído um policial
militar com idade reduzida, haja vista sua reforma por questões de saúde). Significa
dizer que, por exemplo, alguns meses antes de completar 1 ano na inatividade, 4
policiais militares veteranos (5,1%), com idades entre 47 a 50 anos, morreram por
suicídio.

Tabela 20 – Descrição do tempo de inatividade e o respectivo número de policiais mortos por suicídio
(da respectiva faixa de tempo na inatividade) e idades mínima e máxima
Tempo na Veteranos mortos por suicídio Idades dos
inatividade (2010 a 2020) veteranos
(em anos) Quantidade Percentual (Mínima e Máxima)
Menos de 1 4 5,1% 47 a 50
1 6 7,6% 46 a 51
2a3 8 10,1% 47 a 55
4a6 13 16,5% 49 a 65
7 a 10 11 13,9% 50 a 69
11 a 15 11 13,9% 54 a 66
16 a 20 9 11,4% 59 a 69
21 a 25 8 10,1% 66 a 75
26 a 30 5 6,3% 62 a 79
31 a 34 4 5,1% 72 a 84
Fonte: CAPS, 2021.
116

O gráfico 8 traz a representação visual dos dados apresentados,


notadamente, quanto ao tempo de inatividade dos policiais militares veteranos que
morreram por suicídio no período de 2010 a 2020. Observa-se que 12,7% dos
suicídios ocorreram até o final do primeiro ano de inatividade; e, nos seis primeiros
anos de inatividade há uma concentração de quase 40% dos casos.
Gráfico 8 – Distribuição da faixa de tempo de inatividade dos veteranos que morreram por suicídio
(2010 a 2020)

Fonte: CAPS, 2021.


Nos primeiros anos após a inatividade, questões financeiras (número de
consignados), ideações e tentativas de suicídios anteriores, as dificuldades
conjugais e os aspectos psiquiátricos se apresentam como fatores de risco.
Ao que parece, com o passar dos anos, passam a prevalecer os problemas
de saúde, inclusos os transtornos psiquiátricos, como depressão e problemas
relacionados ao abuso e a dependência do álcool. Nessa esteira, parece haver
relação entre a saúde debilitada como fator de risco e o instrumento utilizado para a
consumação (enforcamento), aspecto que deverá, em breve, ser estudado a partir
de procedimentos estatísticos mais avançados pela equipe do PPMS. Do mesmo
modo, o presente estudo não se aprofundou na questão do consumo do álcool, o
que, por certo, protagonizará estudos posteriores.
A figura 5 sintetiza as principais características dos suicídios, relativos aos
policiais militares veteranos, seguindo uma linha do tempo. Como se observa,
algumas circunstâncias, de fato, se alteram ao longo dos anos. Após a transferência
para a reserva, a cada período, as características do suicídio vão assumindo
características próprias. Há um limitador por não estarem disponíveis os dados para
117

analisar a proporcionalidade, por meio da ponderação em relação ao grupo


estudado. Por exemplo: espera-se que, ao longo dos anos, reduza-se o universo de
pessoas naquele subgrupo, o que propiciaria uma avaliação mais consistente.
Contudo, algumas considerações são possíveis de extrair.
Figura 5 – Linha do tempo do suicídio de veteranos (idade, estado civil, local, instrumento)

Fonte: CAPS, 2021.

Com relação ao estado civil, preponderam em todas as faixas os casados,


mas, na faixa de 21 a 25 anos após a transferência para a reserva, 29% dos casos
envolvem viúvos. Quanto ao local onde os suicídios são consumados, até 20 anos
após a inatividade, há uma variação nos locais, embora já exista uma incidência
maior de casos nas respectivas residências, o que chega a 100% nos anos
subsequentes, permitindo, assim, considerar que, talvez, seja em decorrência de
eventual dificuldade de locomoção, comum aos mais idosos. Aspecto também
observado é o instrumento utilizado pelos policiais militares na inatividade: o uso da
arma de fogo é menor, em todas as faixas, em relação à média geral do período
analisado (79,8%) considerados todos os policiais militares do serviço ativo e
veteranos (n=267). Ao mesmo tempo, o enforcamento, embora oscilante, parece
tender ao crescimento ao longo dos anos de inatividade; o pico constatado foi na
faixa dos 21 a 25 anos após a transferência para a reserva, quando 57% dos casos
ocorreram dessa forma, caindo, contudo, na faixa seguinte (25 a 34 anos) para 11%
(1 caso dentre 9 ocorrências).
118

A tabela 21 traz uma distribuição de alguns fatores de risco identificados


pela equipe técnica do PPMS (na primeira coluna). As colunas seguintes referem-se
ao tempo decorrido após a transferência para a reserva, o que está subdividida na
quantidade absoluta de cada fator e o percentual respectivo (do alusivo período).
Significa dizer, por exemplo, que as tentativas ou ideações anteriores como fator de
risco do suicídio decresceram ao longo dos anos (sempre do período de 2010 a
2020). E, do mesmo modo, aqueles suicídios caracterizados por forte impulso (no
curso de uma discussão, por exemplo), ocorreram somente até o terceiro ano.

Tabela 21 – Fatores de risco para o suicídio em veteranos, ao longo dos anos, após a transferência
para a reserva/reforma.
0 a 3 anos 4 a 10 anos 11 a 20 anos 21 a 25 anos 26 a 34 anos
Fatores de (n=18) (n=24) (n=20) (n=8) (n=9)
risco Quanti Perce Quanti Perce Quanti Perce Quanti Perce Quanti Perce
dade ntual dade ntual dade ntual dade ntual dade ntual
Tentativas
e/ou ideação 4 22,2% 3 12,5% 1 5,0% 1 12,5% 1 11,1%
anterior
Possível ação
5 27,8% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0%
impulsiva
Psiquiatria -
passagem, 9 50,0% 8 33,3% 3 15,0% 3 37,5% 1 11,1%
internação etc.
Conflitos
13 72,2% 10 41,7% 6 30,0% 3 37,5% 2 22,2%
conjugais

Financeiro
9 50,0% 2 8,3% 3 15,0% 1 12,5% 0 0,0%
(consignado)

Financeiro 0 0,0% 2 8,3% 1 5,0% 0 0,0% 0 0,0%

Problemas de
5 27,8% 11 45,8% 5 25,0% 4 50,0% 7 77,8%
saúde
Fonte: CAPS, 2021.
A tabela 21 parece revelar que, ao longo dos anos, agravam-se ou
acumulam-se os problemas de saúde e, nessa nova condição, os conflitos conjugais
deixam de protagonizar os principais fatores de risco (embora ainda seja
preocupante, mesmo nos mais idosos).
Outro ponto que merece destaque é o homicídio seguido de suicídio (ou
suicídio estendido). Vale destacar que na faixa entre 4 e 10 anos após a inatividade
concentrou-se uma tentativa e duas ocorrências (100% dos casos entre inativos) em
que resultou na morte da esposa/companheira (atual ou após separação). Embora
seja um fenômeno de difícil estudo e compreensão, o assunto será novamente
abordado em subseção específica.
119

Encerrando o estudo sobre os policiais militares veteranos, há de se


destacar que, do total de 79 suicídios registrados, em um deles a vítima era uma
policial militar feminina (menos de 1%).

5.4 O suicídio de policiais militares do quadro ativo

Os suicídios de policiais militares do quadro ativo representam 70,4% de


todos os suicídios no período de 2010 a 2020. Na tabela 22 são apresentados os
números absolutos e proporcionais de tais ocorrências.
Tabela 22 – Suicídios por situação funcional, no período de 2010 a 2020.
Situação Funcional
Variável Quantidade Proporção
Ativos 188 0.704 (70,4%)
Inativos 79 0.296 (29,6%)
Total 267 100%
Fonte: CAPS, 2021.

A taxa, portanto, de mortes por suicídio dos policiais militares da ativa nesse
período foi cerca de 2,4 vezes superior aos dos veteranos. Embora seja um dado
expressivo, nos Estados Unidos essa diferença parece ser superior. Obviamente, há
significativas distinções entre os dois países, mas parece ser oportuno assinalar
que, segundo Violanti et al. (2011), as taxas de suicídio de profissionais do
Departamento de Polícia de Buffalo, Nova York, entre 1950 e 2005, foram 8,4 vezes
mais altas em policiais em serviço quando comparados aos aposentados14,
sugerindo, portanto, um maior risco de suicídio entre os da ativa. Contudo, os
autores ressaltam a necessidade de promover esforços contínuos de prevenção do
suicídio, abrangendo tanto os policiais ativos quanto os que já estão aposentados.
Nesse sentido, visando ao aperfeiçoamento do PPMS, adiante serão
discutidas algumas circunstâncias envolvendo policiais militares da ativa,
notadamente, a variável posto e graduação, o tempo de serviço e a faixa etária
desse grupo.

14
Os autores também inseriram no grupo de aposentados os policiais na condição de ―separados‖,
assim definidos aqueles em um aparente processo de aposentadoria, afastados etc.
120

5.4.1 Variável posto e graduação

Quando se verificam as taxas de suicídio no período de 2010 a 2020, entre


os policiais militares do serviço ativo, nota-se uma variação entre os diversos graus
hierárquicos. A tabela 23 evidencia essa situação:

Tabela 23 – Taxas de suicídio de policiais militares da ativa, por grau hierárquico (2010 a 2020)
Soma dos policiais Taxas por
Grau Hierárquico Suicídios
militares (2010 a 2020) 100 mil
Coronel 690 0 0,0

Tenente Coronel 2571 0 0,0

Major 5422 2 36,9

Capitão 17213 3 17,4

1. Tenente 23482 5 21,3

2. Tenente 4744 2 42,2

Al Of PM e Asp Of 3783 2 52,9

Subtenente 12361 0 0,0

1. Sargento 44664 5 11,2

2. Sargento 41630 4 9,6

3. Sargento 30546 5 16,4

Cabo 311764 60 19,2

Soldado 1C 365891 89 24,3

Soldado 2C 78671 11 14,0

Total 943432 188 19,9


Fontes: CAPS e CIAF, 2021.

A tabela 24 traz a síntese, reunindo os diversos graus hierárquicos nos


seus quadros (oficiais, praças especiais e praças).

Tabela 24 – Taxas de suicídio sintetizada (2010 a 2020)


Efetivo Suicídios
Taxas
2010 a 2020 2010 a 2020
Oficiais 54.122 12 22,2

Praças Especiais (Al Of PM e Asp Of PM) 3783 2 52,9

Praças 885527 174 19,6

Total 943432 188 19,9


Fontes: CAPS e CIAF, 2021.
121

Por meio da Tabela 25 é possível observar que, dentre as respectivas


carreiras, de oficiais e praças, há 7 níveis, destacados como ―referência‖, o que
permitirá compreender o gráfico 25. Optou-se por inserir as praças especiais (Al Of
PM e Asp Of PM) no grupo analítico dos oficiais pelo seu caráter transitório,
referente ao período de preparação para o oficialato. O correspondente das praças,
ou seja, os que estão em formação e estágio probatório são os Sd PM 2ª Cl.

Tabela 25 – Suicídios de policiais militares por grau hieráquico descrescente


Por grau hierárquico em cada carreira
Oficiais Praças
Taxa por Taxa por 100
Grau Referência Grau Referência
100 mil mil
Al Of PM 1 52,9 Sd PM 2ª Cl 1 14
2º Ten PM 2 42,2 Sd PM 1ª Cl 2 24,3
1º Ten PM 3 21,3 Cb PM 3 19,2
Cap PM 4 17,4 3º Sgt PM 4 16,4
Maj PM 5 36,9 2º Sgt PM 5 9,6
Ten Cel PM 6 0 1º Sgt PM 6 11,2
Cel PM 7 0 Subten PM 7 0
Fonte: CAPS, 2021.

Na coluna referência da tabela 25 consta a progressão numérica que se


associa com a progressão do grau hierárquico de cada carreira, nos sete níveis. No
gráfico 9 as referências estão no eixo das absissas.

Gráfico 9 – Suicídios de policiais militares, por nível hieráquico das carreiras


60
Oficiais Praças
52,9

50
42,2
40 36,9

30
24,3
21,3
19,2
20 17,416,4
14
11,2
9,6
10

0 0 0
0
1 2 3 4 5 6 7
Fonte: CAPS, 2021.
122

Os dados até aqui apresentados apontam que, no geral, o risco de suicídio


entre oficiais é superior ao de praças. Exceção feita ao sexto nível (Ten Cel e 1º
Sgt), em todos os demais, a taxa entre os oficiais é superior. No sétimo nível (Cel
PM e Subten PM), não houve registro de casos.
Vale destacar, contudo, os dados indicados na referência 1, que
corresponde aos Alunos-Oficiais, Asp Of PM e Sd PM de 2ª Cl; nesse nível, há uma
alta taxa de mortes por suicídio entre os Al Of PM, o que, de fato, exigiria uma
pesquisa qualitativa específica destinada a melhor compreender esse índice. De
qualquer modo, em relação aos dados ora apresentados, vislumbra-se que, nesse
subgrupo, ocorreram dois suicídios no período de 2010 a 2020; contudo, as taxas
foram as mais elevadas (52,9 para cada 100 mil) em função do número reduzido de
pessoas que integra esse grupo (n= 3.783), o que torna a situação preocupante.
Adiantando as propostas (a serem apresentadas no Capítulo 6 deste trabalho), tem-
se que o CAPS, órgão responsável pela gestão do SiSMen, tem buscado rever o
papel dos NAPS, de modo a especializar alguns Núcleos que possuem
características próprias, em especial, os pertencentes aos Órgãos de Ensino.

5.4.2 Tempo de serviço

Com relação ao tempo de serviço dos policiais militares (do quadro ativo)
que morreram por suicídio, no período de 2010 a 2020, em linhas gerais, a tabela 26
apresenta a média, mediana e moda, além de outras informações:
Tabela 26 - Estatística descritiva sobre o tempo de serviço dos policiais militares do quadro ativo que
morreram por suicídio (2010 a 2020)
Dados gerais Quantitativo
Total de policiais militares do quadro
188 (0 erro)
ativo
Média 13.6 (anos de serviço)
Mediana 13 (anos de serviço)
Moda 12 (anos de serviço)
Desvio Padrão 7.9
Tempo mínimo 1 ano
Tempo Máximo 30 anos
Fonte: CAPS, 2021.
123

Com relação à média, a figura 6 traz a representação por meio de bloxplot,


em que se observa graficamente a média e o desvio padrão (m=13,6; DP=7,9).

Figura 6 – Média e desvio padrão referente ao tempo de serviço dos policiais do serviço ativo que
morreram por suicídio

Fonte: CAPS, 2021.

A distribuição das faixas, organizadas de 5 em 5 anos, encontra-se


representada no gráfico 10.

Gráfico 10 – Tempo de serviço dos policiais militares do quadro ativo mortos por suicídio
(2010 a 2020)
45
39
40
35 36
35
29 30
30

25
19
20

15

10

0
0 a 4 anos 5 a 9 anos 10 a 14 anos 15 a 19 anos 20 a 24 anos 25 ou mais

Fonte: CAPS, 2021.

Não há grande diferença entre as faixas compreendidas entre 5 a 19 anos,


mas concentra o maior número de ocorrências.
124

5.4.3 Faixa etária

Dos 188 policiais do serviço ativo que morreram por suicídio no período
estudado, a média de idade foi de 37 anos, com o desvio padrão de 7,5. A tabela 27
apresenta outras informações alusivas à estatística descritiva (mediana e moda, em
especial).

Tabela 27 – Idade dos policiais militares do serviço ativo mortos por suicídio
Idade no suicídio

Média 37

Mediana 36

Moda 35

Desvio Padrão 7,5

Mínima 21

Máxima 52
15
Fonte: CAPS, 2021.

No gráfico 11 tem-se a distribuição da amostra por faixa etária. Observa-se


que, de fato, há uma concentração na faixa dos 35 a 39 anos.

Gráfico 11 – Policiais militares do serviço ativo que morreram por suicídio, divididos de acordo com a
faixa etária
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
20 a 24 25 a 29 30 a 34 35 a 39 40 a 44 45 a 49 50 ou mais

Fonte: CAPS, 2021.

15
Dados obtidos por meio do programa JASP.
125

5.5 Descrição dos fatores de risco

Pretende-se, a seguir, listar algumas circunstâncias que podem elevar a


vulnerabilidade ao suicídio, notadamente de policiais militares. Importante alerta,
contudo, refere-se ao limitado número de variáveis analisadas e o nível de
profundidade, o que, por certo, terá de ser desdobrado em outras pesquisas. As
divisões têm mera finalidade didática e analítica, pois, vale insistir, o suicídio é um
fenômeno complexo, portanto, desfecho de um conjunto de circunstâncias. Essas
divisões constituem tentativa de reflexão e de compreensão dessas variáveis
envolvidas, de modo a subsidiar programas de prevenção.
Preliminarmente, importante destacar que a tabela 28 apresenta alguns
fatores de riscos observados no banco de dados do PPMS. Adicionalmente, alerta-
se que não são causas ou motivos, o que deve sempre ser consignado. Aliás, em
muitos casos, observa-se a conjugação de duas ou mais variáveis. Exemplo disso é
o policial militar que retorna à sua residência embriagado e, após uma dura
discussão com a esposa, consuma esse trágico desfecho. Não se trata de uma
descrição rara, contudo, se observados apenas os dados quantitativos, em apenas
um caso é registrado a embriaguez.

Tabela 28 – Fatores precipitantes (2010 a 2020)


Ativos Veteranos Total
Precipitantes Casos % Casos % Casos %
Conflito conjugal 120 63,8% 27 34,2% 147 55,1%
Problemas de saúde 27 14,4% 39 49,4% 66 24,7%
Financeiro 6 3,2% 1 1,3% 7 2,6%
Trabalho 5 2,7% 0 0,0% 5 1,9%
Álcool (embriaguez) 1 0,5% 0 0,0% 1 0,4%
Outros/desconhecido 29 15,4% 12 15,2% 41 15,4%
Total 188 100,0% 79 100,0% 267 100,0%
Fonte: CAPS, 2021.

Pretende-se, agora, analisar, nas subseções seguintes, este levantamento,


adicionando-se outros dados para aprofundar as reflexões.
126

5.5.1 Conflitos conjugais

Os conflitos conjugais compreendem um amplo conjunto de situações; mas


ao se considerar o precipitante, ou seja, a circunstância proximal ao suicídio,
constata-se, na maioria das vezes, uma discussão intensa entre o casal, o
rompimento da relação, a tentativa frustrada de restabelecer e, também, uma
relação marcada por contínuo conflito. Observa-se, conforme tabela 29, a
prevalência desse precipitante entre os policiais militares do serviço ativo:
Tabela 29 – Suicídio de policiais militares do serviço ativo - precipitante ―conflito conjugal‖

Ativos Veteranos Total

Precipitante Casos % Casos % Casos %


Conflito conjugal 120 63,8% 27 34,2% 147 55,1%
Fonte: o autor, 2021.
Como observado na subseção anterior, ao que parece, ao longo dos anos, o
precipitante deixa de ser predominantemente associado ao conflito conjugal e
passam a prevalecer aqueles associados a problemas de saúde. Talvez, a faixa
etária esteja relacionada com essa variável. A tabela 30 traz esse comparativo.
Tabela 30 – Faixa etária dos policiais militares que morreram por suicídio (2010 a 2020)
Fator precipitante "conflito conjugal"
Ativos Veteranos
Faixa etária Quantidade Percentual Faixa etária Quantidade Percentual
20 a 24 6 5,0% 40 a 44 1 3,7%
25 a 29 19 15,8% 45 a 49 2 7,4%

30 a 34 23 19,2% 50 a 54 9 33,3%
35 a 39 26 21,7% 55 a 60 4 14,8%
40 a 44 26 21,7% 60 a 64 5 18,5%

45 a 49 18 15,0% 65 a 69 1 3,7%
50 ou + 2 1,7% 70 ou + 5 18,5%

Total 120 100% Total 27 100,0%


Fonte: CAPS, 2021.
As médias de idade, entre os policiais militares do quadro ativo e veteranos
que morreram por suicídio, no período de 2010 a 2020, em que se observou que o
precipitante seria ―conflito conjugal‖, estão demonstrados na tabela 31, que também
127

contempla a idade mínima e a idade máxima, de acordo com a situação funcional


(ativo e veterano).

Tabela 31 – Média de idade dos policiais militares que morreram por suicídio – precipitante ―conflito
conjugal‖ (2010 a 2020)
Idade Geral Ativos Veteranos
Média 41 (DP=9) 37 (DP=6,2) 59 (DP=7,4)
Mínima 21 21 40
Máxima 79 52 79
Fonte: CAPS, 2021.

Ao se considerar o possível precipitante ―conflito conjugal‖, necessário se faz


destacar o estado civil dos policiais militares que morreram por suicídio. A tabela 32
apresenta tal informação. Vale, contudo, ressalvar que, durante a atuação da equipe
de apoio psicossocial em incidentes críticos, muitas vezes, a condição formalmente
descrita não corresponde à realidade fática, talvez pela demora em cumprir os
procedimentos normativos ou mesmo pela pouca importância dada pelos envolvidos
em formalizar a condição. Por essa razão, estudo especificamente sobre essa
condição se mostra relevante. De qualquer modo, os dados trazidos apontam
considerações importantes para este trabalho. De fato, preponderantemente, os
policiais militares eram casados.

Tabela 32 – Estado civil dos policiais militares que morreram por suicídio – precipitante ―conflito
conjugal‖ (2010 a 2020)
Estado Civil Quantidade Percentual
Casados 75 51,0%
União estável 19 12,9%
Solteiro 27 18,4%
Separado 19 12,9%
Desconhecido 7 4,8%
147 100,0%
Fonte: CAPS, 2021.

Quanto ao local, a tabela 33 demonstra que em 59,2% dos casos de suicídio


em que havia a indicação de que o conflito conjugal fora um dos fatores
precipitantes ocorreu na residência do policial militar; contudo, vale destacar que a
variável ―via pública‖ também abrange as proximidades da residência, seja do
policial militar ou da pessoa com quem mantinha ou manteve relacionamento.
128

Tabela 33 – Local em que ocorreram os suicídios com precipitante ―conflito conjugal‖ (2010 a 2020)
Local Quantidade Percentual

Residência 87 59,2%

Outros locais 20 13,6%

OPM 7 4,8%

Via pública 33 22,4%

Total 147 100,0%


Fonte: CAPS, 2021
Quanto aos instrumentos ou meios utilizados para consumar os suicídios, a
tabela 34 traz os principais quando o principal precipitante, de acordo com os
registros, é o ‗conflito conjugal‘.

Tabela 34 – Instrumentos utilizados quando o principal precipitante é o conflito conjugal


Instrumento ou meio empregado Quantidade Percentual
Arma da PM 57 38,8%
Arma Particular 69 46,9%
Arma de Terceiros 1 0,7%
Enforcamento 13 8,8%
Outros (precipitação, envenenamento etc) 7 4,8%
Total 147 100,0%
Fonte: CAPS, 2021.

As armas de fogo, portanto, representaram 86,4% dos casos, quando, na


média, a utilização desse instrumento no mesmo período foi de 79,8%. Talvez esse
pequeno aumento esteja atrelado a uma resposta impulsiva, observadas em 42,9%
(na maioria das vezes, consumou o ato na frente da pessoa com quem mantinha ou
manteve relacionamento); essas ações ocorreram muitas vezes depois de uma
discussão ou de uma tentativa de reconciliação fracassada.

5.5.2 Aspectos financeiros (2014 a 2020)

Ao verificar os registros existentes sobre os suicídios de policiais militares,


observou-se o volume de empréstimos consignados em folha de pagamento. A
tabela 35 apresenta esses indicadores. O período de análise compreende os anos
de 2014 a 2020, em face do Decreto nº 60.435, de 13 de maio de 2014, que dispõe
sobre as consignações em folha de pagamento (SÃO PAULO, 2014), de modo a
129

padronizar os critérios de comparação. A restrição para acessar a folha de inativos


também forneceu diretrizes para que o procedimento metodológico se dirigisse aos
policiais militares do quadro ativo.
Tabela 35 – Policiais militares do serviço ativo que morreram por suicídio, geral e com empréstimo
consignado em folha de pagamento (2014 a 2020)
Suicídios PM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO
ANO
(ativos) Policiais com empréstimo Percentual
2014 19 9 47,4%
2015 14 9 64,3%
2016 12 7 58,3%
2017 17 12 70,6%
2018 20 13 65,0%
2019 14 11 78,6%
2020 20 13 65,0%
2014 -2020 116 75 64,6%
Fontes: CAPS e CIAF, 2021.
Percebe-se, assim, que há um significativo número de policiais militares que
morreram por suicídio que mantinham um empréstimo consignado. Contudo,
visando verificar se tal variável se restringia a esse grupo, especificamente, ou se tal
circunstância é característico da Instituição, buscou-se informações
complementares, oriundas da folha de pagamentos da Instituição, cujos dados são
apresentados na tabela 36.

Tabela 36 – Policiais militares com empréstimo consignado em folha de pagamento (2014 a 2020)
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO
ANO EFETIVO PM
N º Policiais Percentual

2014 86082 51.478 59,8%


2015 87235 55.204 63,3%
2016 87691 57.880 66,0%
2017 83021 55802 67,2%
2018 80949 54010 66,7%
2019 82622 53578 64,8%
2020 81752 52.757 64,5%
2014 a 2020 589352 380.709 64,6%
Fonte: CIAF, 2021.

Conforme se observa, o percentual de policiais militares com empréstimo


consignado em folha também é elevado. Os empréstimos consignados, cujos juros
são reduzidos em relação ao mercado em geral, podem servir para alavancar
130

alguma aquisição relevante; contudo, muitas vezes, servem apenas para saldar
outras despesas, contraindo dívidas e reduzindo o poder de compra. Observam-se,
nos bancos de dados, policiais militares com dezenas de consignados, mas com
prestações mensais reduzidas. Esse comportamento, por exemplo, poderia se referir
ao policial militar que, mês a mês, vê suas despesas superarem os créditos; para
saldá-las, contrata um novo empréstimo consignado. É um fenômeno que precisa
ser mais bem estudado.
O gráfico 12 apresenta, por meio da linha vermelha, a evolução (em termos
percentuais) de policiais militares que morreram por suicídio que possuíam
empréstimo consignado e, por meio da linha azul, o percentual de policiais militares
(geral) que possuíam consignação:

Gráfico 12 – Comparativo entre percentuais de empréstimos consignados entre os policiais militares


em geral e policiais militares que morreram por suicídio (2014 a 2020)
90,0%

80,0%

70,0%

60,0%

50,0%
PM que
40,0% morreram
por suicídio
30,0%

20,0%
PM Geral
10,0%

0,0%
2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
Fontes: CIAF e CAPS, 2021.

Outro elemento a ser estudado são as pensões alimentícias. No período de


2014 a 2020, mais de 12% dos policiais militares apresentavam descontos de
pensão alimentícia, dos quais, quase 9% com pensão e empréstimo consignado
concomitantemente, gerando uma massa de mais de 85% dos policiais militares com
descontos significativos em seus vencimentos.
131

Tabela 37 – Policiais militares com empréstimos consignados e pensão alimentícia, com


comparativos entre grupos (2014 a 2020)
Policiais com Pensão e consignado Policiais comprometido com
Efetivo pensão (concomitante) pensão, consignado ou ambos
Ano
PM Percentu
Nº PM Nº PM Percentual Nº PM Percentual
al
2014 86082 11503 13,4% 7436 8,6% 70.417 81,8%

2015 87235 11058 12,7% 7744 8,9% 74.006 84,8%

2016 87691 10673 12,2% 7906 9,0% 76.459 87,2%

2017 83021 10193 12,3% 7601 9,2% 73.596 88,6%

2018 80949 9956 12,3% 7484 9,2% 71.450 88,3%

2019 82622 9727 11,8% 7321 8,9% 70.626 85,5%

2020 81752 9456 11,6% 6996 8,6% 69.209 84,7%


Fontes: CAPS e CIAF, 2021.

Uma ação importante são as palestras da equipe de serviço social do CAPS


sobre a ―Administração Financeira Familiar‖, contudo, novos multiplicadores
precisam ser formados, como uma forma de ampliar as orientações e de minimizar,
naquilo que for possível, essa problemática.
Além disso, dos 116 policiais militares da ativa que morreram por suicídio
entre os anos de 2014 a 2020, 15 (13%) apresentavam problemas financeiros no rol
de riscos. Desses 15 policiais militares, 11 (73%) também tinham ao menos um
empréstimo consignado.
A derrocada financeira é um dos principais fatores de risco de suicídio.
Constituiu um dos ―precipitantes‖ listados por Botega (2015, p. 149). Essas
circunstâncias abrem espaço para pesquisas que devam aprofundar essa reflexão.
Não só para limitar a questão financeira como um fator precipitante para o suicídio,
em função da ‗derrocada financeira‘, mas compreender a conexão dessa variável
com tantas outras. Outras hipóteses passam a emergir quando tal aspecto é
observado a partir de lentes mais refinadas. A tabela 38 revela que em 68,9% dos
casos em que o precipitante estaria associado a um conflito conjugal (discussão,
tentativa de reatar relação, relação conturbada etc), o policial militar tinha também
um empréstimo consignado.
132

Tabela 38 – Policiais militares com empréstimo consignado e precipitante de suicídio


Precipitantes de PM com consignado
Suicídios de PM ativos
Período Conflito conjugal Saúde Outros
Total PM com Qde
Qde PM % % Qde PM %
suicídios consignado PM
2014 a
116 74 51 68,90 11 14,9 12 16,2
2020
Fonte: CIAF e CAPS, 2021.

Abre-se um vasto e abrangente campo para ser aprofundado e, do ponto de


vista gerencial, a ser monitorado; compreender, inicialmente, a relação entre os
problemas financeiros e as demais variáveis, identificando o peso relativo dessa
circunstância, assim como os impactos de longo prazo, dentre outras relações,
parecem ser altamente significativas para a prevenção do suicídio e, principalmente,
na avaliação da qualidade de vida dos policiais militares.

5.5.3 Aspectos psiquiátricos e os transtornos mentais

Os transtornos mentais são um importante fator de risco para o suicídio.


Segundo Botega (2015), a partir de diversos estudos, constatou-se que os mais
prevalentes são os transtornos de humor (depressão, transtorno bipolar), a
dependência de álcool e outras substâncias psicoativas, os transtornos de
personalidade (com características de agressividade, impulsividade) e a
esquizofrenia.
Além disso, o ―diagnóstico tardio, a carência de serviços de atenção à saúde
mental e a inadequação do tratamento agravam a evolução da doença e, em
consequência, o risco de suicídio‖ (BOTEGA, 2015, p. 108).
Embora o CMed tenha uma Divisão de Psiquiatria, Barros (2011) assinala o
desafio de atender, de modo permanente, a demanda de pacientes com alterações
psíquicas naquela Divisão, especialmente pela oscilação do número de psiquiatras,
aspecto que será brevemente explorada no Capítulo 6 deste trabalho.
Outro fator importante a ser observado é o de que não há como associar ou
confundir esses atendimentos psiquiátricos com transtornos mentais, estes últimos
dependentes de diagnóstico médico levado a efeito por psiquiatra, após uma
aprofundada análise dos sintomas e da reação dos pacientes diante do tratamento
133

atribuído. De qualquer modo, percebe-se que, em parcela dos suicídios de policiais


militares, houve um atendimento prévio por parte de psiquiatras, conforme se
apresenta na figura 7.

Figura 7 – Suicídio de policiais militares com informação de atendimentos psiquiátrico prévio.


"Notíciais" de
atendimentos psiquiátricos
Total de (internações, consultas,
Suicidios entre atendimentos, Situação funcional
acompanhamentos,
2010 a 2020 passagens etc) , seja na 39 Entre ativos
PMESP como particulares.
(20,7%)

65 (n=188)
(24,3%)
26 inativos (32%)
Como ―fator de risco‖
(n=79)
categorizado como
267
problema de saúde.
8 ativos
12
4 inativos
(4,5%)

Fonte: CAPS, 2021.


Sobre os números apresentados, a figura 7 revela que, dos 267 policiais
militares que morreram por suicídio no período 2010 a 2020, o total de 65 teria
recebido atendimento por profissional de psiquiatria 16 em algum momento da vida.
Essa informação foi obtida a partir da leitura dos relatórios, prontuários e outros
documentos que compõem o banco de dados físico do PPMS. Contudo, ao analisar
o lançamento desses registros no banco quantitativo, observou-se que em apenas
12 casos o lançamento foi associado a fatores de risco (neste caso, ligados à
saúde).
Apesar de possibilitar inúmeras variantes interpretativas, há de se ressaltar
que os dados permitem aprofundar um pouco mais as reflexões sobre essa
condição. Ao que parece, os policiais militares veteranos estão mais vulneráveis, já
que, dos 79 suicídios contabilizados no período, 26 (32%) tiveram atendimento
16
Estes dados foram obtidos a partir da leitura dos históricos, das autópsias psicológicas (quando
feito), dos prontuários psicológicos (daqueles que realizam acompanhamento), de informações
contidas em relatórios (quando familiares citavam essa circunstância espontaneamente aos
psicólogos que eram designados para o pronto atendimento em função do incidente crítico), enfim,
das mais variadas fontes. Muitas vezes, essa informação era apresentada de forma muito sutil.
São também dados de difícil confirmação, em função do sigilo profissional que via de regra
envolvem tais temas.
134

psiquiátrico prévio; já nos policiais militares do quadro ativo, houve 39 registros, o


que representa 20,7% dos casos.
Esses dados permitem reforçar o caráter complexo do suicídio e, portanto,
dos elementos constituintes desse fenômeno, ao trazer os dados relativos a duas
variáveis diferentes, embora pareçam estar no mesmo campo (atendimento
psiquiátrico e transtorno mental).
Ao analisar qualitativamente os dados levantados, observa-se que muitos
policiais militares tiveram crises ou situações episódicas que culminaram em um
único atendimento psiquiátrico; alguns, contudo, chegaram a ficar internados depois
de atendidos em pronto-socorro. Há também situações em que o diagnóstico se
fecha para alguns transtornos, como, por exemplo, a esquizofrenia, com tendência
ao delírio persecutório, condição que requer um cuidado e monitoramento
permanente, procurando-se minimizar os riscos de crise.
Especificamente no que concerne aos diagnósticos da área psiquiátrica da
Instituição, notadamente no ano de 2010, Barros (2011), aponta que para o grupo
dos homens com até 10 anos de serviço, do total de 804 pacientes, somaram-se
1.296 ocorrências diagnósticas, ―indicando uma média de comorbidade da ordem de
1,6 diagnósticos por paciente (...). De todos os transtornos mentais diagnosticados,
os relacionados à ansiedade predominam.‖ (BARROS, 2011, p. 68). A figura 8,
extraída do trabalho do autor, é possível verificar os principais diagnósticos daquele
ano, para o grupo de homens:
Figura 8 – Ocorrências diagnósticas de homens, entre 0 a 10 anos de serviço, em 2010.
(804 pacientes e 1296 ocorrências)

Fonte: Barros (2011, p. 68).


135

Com relação às mulheres, Barros (2011, p. 69) apontou a realização de


diagnósticos em 448 pacientes, somando 751 ocorrências diagnósticas (média de
comorbidade de 1,6 diagnósticos por paciente). Essa média foi idêntica ao obtido no
grupo do sexo masculino. Dos transtornos mentais diagnosticados, os relacionados
ao humor predominaram naquele ano.

Figura 9 – Ocorrências diagnósticas – mulheres entre 0 a 10 anos de serviço, em 2010.


(448 pacientes e 751 ocorrências)

Fonte: Barros (2011, p. 69)

Como já discutido ao longo deste trabalho, pesquisadores internacionais


sobre a saúde mental das policiais apontam que, por se tratar de um grupo de
trabalho saudável e psicologicamente testado, quando as taxas de suicídio desse
contingente profissional se assemelham ao da população em geral, sugere-se, na
realidade, um aumento do risco de suicídio entre os policiais (COSTA, T.;PASSOS;
QUEIROS, 2019; KAPUSTA et al 2010; VIOLENT, 2004). Os registros existentes
apontam que, de fato, em termos de transtornos mentais, os números são
possivelmente inferiores se comparados com a da população geral; contudo, esses
indicadores apontam a necessidade de aprofundar a atuação multiprofissional, em
termos de prevenção seletiva e indicada. Embora o trabalho psicológico na
Instituição tenha buscado a prevenção universal, especialmente no campo da
promoção da saúde, é necessário aperfeiçoar, também, os processos gerenciais e
operacionais que se voltem ao tratamento das diversas demandas no campo da
saúde mental.
136

5.5.4 Álcool e outras drogas: abuso e dependência

As drogas e, principalmente, o álcool, são fatores de risco que se


apresentam de maneira multifacetada, envolvendo aspectos culturais, sociais,
biológicos, psicológicos, dentre outras, o que amplia o espectro de variáveis que
envolvem esta problemática. Por essa razão, será analisada de forma apartada,
ainda que brevemente, e não somente como um transtorno mental.
Segundo Botega (2015, p. 12, itálico do autor) ―o uso abusivo de substâncias
psicoativas em padrão de binge (altas doses em curtos intervalos) é bastante
associado a transtornos depressivos e a comportamentos impulsivos‖. Essas
associações parecem ser um fator complicador. Com relação ao uso abusivo, estudo
fortalecem a premissa de que o álcool e outras drogas elevam a impulsividade e
reduzem a crítica, além de potencializar a letalidade nas tentativas de suicídios.
Botega (2015) também destaca o uso nocivo do álcool e de outras drogas,
os quais podem estar comumente associados com condições que podem elevar o
risco de suicídio, como, por exemplo, a disfunção da dinâmica familiar, o isolamento
social e o consumo simultâneo de outras drogas. Também pode estar associado a
psicopatologias como a depressão, o transtorno bipolar, o transtorno de ansiedade e
de personalidade.
Diversas pesquisas indicam que essa problemática se relaciona com o
suicídio. Nesse sentido, Botega (2015), assinala que estudos de autópsia
psicológica estimam que pelo menos um quarto dos suicídios estaria associado a
transtornos decorrentes do uso de drogas ou de álcool. Em necropsias, constatou-se
a presença de álcool em um terço a 50% das vítimas.
No âmbito da PMESP, o banco de dados do PPMS indica que em apenas
uma situação o álcool foi o fator precipitante; de qualquer modo, em análises
qualitativas, verifica-se que, por vezes, há associação entre o conflito conjugal
(discussões ou tentativa de reconciliação) e a embriaguez.
Ao analisar os dados de fatores de risco, contudo, os números são mais
expressivos. Dos 267 casos, cita-se o problema com álcool e drogas, nas mais
variadas condições (uso abusivo e dependência), por 33 vezes, o que representa
12,4 %. Ressalte-se que os números podem ser muito maiores, pois, destes
mesmos 267 casos, 210 (78,6%) não tinham informações suficientes ou estavam
137

sem classificação. E há, ainda, possibilidade de terem sido lançadas de forma geral,
ou seja, como transtorno mental, sem especificação.
Outro aspecto a se verificar é a incidência dessa problemática no contexto
da Polícia Militar. Barros (2011) apresentou a natureza e percentuais de
atendimentos no ambulatório da Divisão de Psiquiatria, no ano de 2010, concernente
aos transtornos mentais decorrentes de substâncias psicoativas. Entre homens
(n=187), foram 51% (n=95) por álcool, 3,6 % por opiáceos (n=3), 4,8% por sedativo
hipnótico (n=9), 19,8% cocaína (n=37), 6 por tabaco (n=6), 1% solventes voláteis
(n=2) e 19% por múltiplas drogas (n=35). Entre as mulheres (n=18), foram 50%
(n=9) por álcool, 5,5 % por opiáceos (n=1), 5,5% por sedativo hipnótico (n=1), 5,5%
cocaína (n=1), 16,6% por tabaco (n=3), 5,5% estimulantes (n=1) e 11% por múltiplas
drogas (n=2).
Para Barros (2011), a elevada incidência de alterações psíquicas como o
alcoolismo seria reflexo do que já ocorre no país, especialmente entre homens,
talvez como ―forma de autoafirmação, ou como estratégia de superação das
dificuldades emocionais, ambas muito presentes na pessoa do policial militar‖
(BARROS, 2011, p. 48). E, como assinala Botega (2015), os usuários crônicos têm
risco aumentado de suicídio, pois:
[...] com frequência, possuem saúde física comprometida, sentimentos
depressivos, vida pessoal conturbada e caótica, história de perdas
pessoais, desemprego ou baixo rendimento funcional. Além disso, podem
agir de forma impulsiva durante períodos de fissura e, no caso dos
dependentes de álcool, desenvolver síndrome de abstinência, com quadros
agudos de confusão mental, desorientação e até mesmo sintomas
psicóticos [...] (BOTEGA, 2015, p. 120).
Por essa razão, Barros (2011) propõe ações preventivas, de modo a
minimizar os impactos negativos do uso abusivo e da dependência de substâncias
de natureza psicoativa, notadamente, do álcool:
O alcoolismo, assim como ocorre no mundo civil, também na PMESP se
mostra como um problema de saúde pública e as ações preventivas devem
ser prioridade para todas as décadas de serviço, mas com maior ênfase na
segunda, entre os Sargentos e Subtenentes, peças importantes de
comando e exemplo para a tropa. (BARROS, 2011, p. 93).
Embora esta análise tenha permitido contextualizar a questão do álcool e
das substâncias psicoativas na complexa dinâmica que envolve o suicídio, é
importante salientar a necessidade de se buscar conhecimentos aprofundados sobre
essa problemática, em especial nas forças policiais.
138

Como assinala Botega (2015, p. 119), em ―pessoas que fazem uso nocivo de
bebidas alcóolicas, o risco de suicídio, ao longo da vida, chega a 15%‖; não há,
portanto, como desconsiderar essa variável no contexto policial militar como um
importante fator de risco.

5.5.5 Meios empregados e o paradoxo da arma de fogo

Segundo aponta Soares et al. (2021, p. 31), pesquisas tem demonstrado que
―profissionais de saúde, policiais e militares fazem parte de um grupo de risco para
cometimento de suicídio por terem acesso facilitado a meios letais de execução.‖
Em pesquisa levada a efeito na Itália, constatou-se que 81,9% dos suicídios
de policiais naquele país foram cometidos com a arma pertencente à organização e
outros 5,5% com a arma particular do agente; no cômputo geral, a arma de fogo
representou o meio mais utilizado (87,45%) entre os policiais italianos (GRASSI et
al, 2019).
Nessa mesma direção, como se observa na figura 10, dos 17 suicídios que
ocorreram em Alagoas no período de 2012 a 2020 envolvendo policiais militares, 15
(88,2%) tiveram emprego de arma de fogo.

Figura 10 – Instrumentos e meios utilizados em suicídio de policiais militares de Alagoas (2012 a


2020)

Fonte: Soares et al (2021, p. 31)

Na PMESP, os indicadores são um pouco menores. Somadas, as


ocorrências com armas de fogo totalizam 79,8% dos suicídios, no período de 2010 a
2020. Neste percentual, estão inclusas as armas pertencentes à Instituição, as
particulares e aquelas pertencentes a outrem (de propriedade de parentes, de outros
policiais militares ou de outras organizações). A tabela 39 detalha esse aspecto.
139

Tabela 39 – Instrumentos utilizados para consumação do suicídio


Instrumento (ou meio) Quantidade Percentual

Arma Particular 111 41,6%

Arma PM 92 34,5%

Arma de terceiros 10 3,7%

Enforcamento 35 13,1%

Precipitação 6 2,2%

Outros meios 13 4,9%

Total 267 100%


Fonte: CAPS, 2021.

Houve uma classificação especial, denominada ―arma de terceiros‖, em que


se enquadram diversas situações, dentre os quais a utilização de armas de parentes
e de colegas de alojamento. Em algumas dessas situações (em que policial militar
faz uso da arma de terceiros), o próprio comandante ou o profissional da saúde
(médico) recolhem a arma do policial militar por perceberem risco de utilização
inadequada desse instrumento.
Obviamente, a representação simbólica da arma de fogo pode trazer
reflexões interessantes, o que demandaria um estudo específico. Mas,
provavelmente, para o policial militar, a arma de fogo não se limita à condição de
mero instrumento de defesa, mas traz consigo um elemento adicional, já que, no dia
a dia, parece se incorporar à rotina e aos hábitos desse profissional, tornando-se,
aparentemente, uma extensão do próprio corpo. Além disso, poderia ser vista como
um objeto de representação de poder e de potência. A partir dessas duas
considerações, é possível, em hipotética e preliminar reflexão, questionar se, em
determinadas situações, restringir o porte ou a posse da arma poderiam se tornar
também um fator de risco? Não poderia trazer, do ponto de vista psicológico, a ideia
de esvaziamento da potência e a sensação de mutilação? Esses são os paradoxos.
São posições que, no momento, não se pretende responder. Mas, de fato, uma nova
forma de utilizar os mais variados e modernos recursos da ciência para avaliar a
condição para o porte e posse de arma precisaria ser pensada. A questão seria
avaliar ou escalonar as situações em que, de fato, o uso desse instrumento deveria
140

ser totalmente restrito: um sinal de tristeza seria suficiente? Quem deveria restringir,
e por quanto tempo? Em uma emergência, desde o superior imediato até o médico,
passando pelo psicólogo, até que um colegiado (junta técnica) pudesse avalizar?
São questões que devem ser objeto de reflexões que permitam o
desenvolvimento do Sistema de Saúde Mental da Instituição e, ao mesmo tempo,
propiciar a proteção institucional ao profissional que, diante de um dilema, precisa
adotar uma séria deliberação.

5.5.6 Tentativas e a ideação suicida

Dos 267 casos de suicídios registrados, 28 (10,5%) constam tentativas


anteriores, segundo informações obtidas nos bancos de dados do PPMS; e outros
cinco (1,9%), registros de ideação suicida. Portanto, 12,4% dos casos de suicídios
consumados foram antecedidos de comportamentos suicidas.
Desses 33 casos, apenas 5 (15,2%) estavam ou tiveram, em algum
momento da vida, registros de tratamento psiquiátrico, psicológico ou ambos. E, nem
sempre, os comportamentos suicidas eram conhecidos. Um deles, por exemplo, era
paciente oncológico e vivia, ao que parece, uma relação conjugal turbulenta; no dia
anterior, tentou suicídio, sendo socorrido ao pronto-atendimento médico e, após a
alta, discutiu com o cônjuge, consumando o ato. Outros três já eram acompanhados
e, segundo registros existentes no banco de dados, apresentavam outros fatores de
risco. Um deles, com diversas tentativas e o outro, com um transtorno psicótico
significativamente grave.
Desses 5 casos, 4 se deram por meio de enforcamento. Muito
provavelmente porque, nestes casos, já havia uma percepção de risco culminando
em uma eventual restrição médica para o porte de arma de fogo ou, também,
recolhidas por iniciativa do próprio comandante que, possivelmente, teria buscado
medidas iniciais de prevenção.
Embora as tentativas de suicídio não tenham constituído o foco principal
desta pesquisa, há que se destacar que, no banco de dados do CAPS, constam os
registros reproduzidos na tabela 40.
141

Tabela 40 – Diferenças entre tentativas e suicídios consumados


Tentativas de Suicídios Diferença
Ano
suicídios Consumados (Tentativa – Consumado)
2018 22 36 -14
2019 31 22 9
2020 19 33 -14
Fonte: CAPS, 2021.
Observa-se, assim, que em 2018 e 2019 houve mais suicídios consumados
do que tentativas. Essa circunstância parece descrever dois aspectos relevantes: a
primeira, a subnotificação desses eventos (as tentativas), já que, diferentemente do
óbito, que exige a comunicação, a tentativa pode ser ocultada, seja na pretensão de
―proteger‖ a pessoa que tentou suicídio, como pelo fluxo das informações que nem
sempre chegam ao Sistema de Saúde Mental. O segundo aspecto a se levar em
conta é que, também, por dispor de meios eficazes e por possuir conhecimentos e
técnicas que facilitam o uso de outros meios (corda, fogo etc), a letalidade se torna
também potencialmente mais elevada.
Os resultados alusivos às pesquisas feitas por ocasião do projeto ―CAPS na
OPM‖ também sugerem que há de fato policiais militares que tentaram suicídio e
não foram identificados; não se descarta, também, a alta letalidade do
comportamento suicida entre policiais militares.
Como protocolo desse projeto, os psicólogos, após a atividade, encaminham
um link aos policiais militares participantes para que, anonimamente, preencham um
breve questionário. Quase metade dos participantes (47%) responderam as
pesquisas, no período de outubro de 2019 a agosto de 2021. Dos que responderam,
6,3% afirmaram já ter pensado em praticar suicídio e outros 1,6% assinalaram ter,
em algum momento, tentado se matar. A tabela 41 traz esses resultados:

Tabela 41 – Ideação e tentativa de suicídio em policiais militares participantes do projeto CAPS na


OPM
Policiais militares participantes do projeto "CAPS na OPM" (2019 a 2021)
Afirmativo para Afirmativo para
Participantes Responderam % %
ideação tentativa
1674 788 50 6,3 13 1,6
Fonte: CAPS, 2021.
142

Vislumbra-se, portanto, que os suicídios consumados seguem um fluxo de


notificação (ainda que esse processo necessite de aperfeiçoamento), entretanto, as
tentativas de suicídio e as ideações parecem sofrer subnotificação.
Contudo, o baixo registro de tentativas não se circunscreve ao ambiente
policial militar. Estima-se que apenas uma em cada três pessoas que tentam suicídio
são atendidos em serviços de emergência (BRASIL, 2017).
De qualquer modo, há certo consenso sobre a tentativa de suicídio como um
importante fator de risco (SCAVACINI, 2018; BOTEGA, 2015; BERTOLOTE, 2012),
o que exige, para a prevenção dos suicídios, uma atenção especial a esta
circunstância:
As pessoas que chegam a tentar o suicídio devem ser o principal foco das
ações de vigilância e de ações preventivas dos profissionais e serviços de
saúde. A tentativa de suicídio é a expressão de um processo de crise, que
se desenvolve de forma gradual. Portanto, intervir precoce e
adequadamente na situação, envolvendo a pessoa e seu conjunto de
relações, é uma estratégia de prevenção do suicídio (BRASIL, 2017, p. 8)

5.6 O crime antecedente ao suicídio: o homicídio e a agressão

Muitos suicídios ocorrem no contexto familiar, aparentemente depois de uma


explosão de raiva. Nessa circunstância, eleva-se o potencial de risco de ocorrer, em
um primeiro momento, uma agressão, inclusive o homicídio; na sequência, o suicídio
do autor. Não há como definir se o suicídio tem como desencadeante mais próximo
o arrependimento de uma ação impulsiva ou se, de fato, havia se desenhado essa
pretensão anteriormente, ou se há uma conjugação desses dois elementos.
O suicídio, por si só, traz significativos impactos. O homicídio seguido de
suicídio, fenômeno também denominado suicídio estendido (AMERICAN
PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION, 2010), traz consigo uma carga adicional:
O homicídio seguido de suicídio é um tipo impactante de crime que envolve
uma situação na qual uma pessoa tira a vida de outra(s) e, em um período
de no máximo 24 horas, se suicida. Na literatura internacional isto também é
denominado de ―morte diádica‖, ―suicídio estendido‖ ou ainda ―suicídio
ampliado‖. Alguns estudos têm sido realizados sobre essa temática,
principalmente nos Estados Unidos e Europa. (SÁ e WERLANG, 2007, p.
181).
Ao empreender uma revisão bibliográfica dos estudos levados a efeito para
compreender as ocorrências de homicídio seguido de suicídio, Soares (2002, apud
MIRANDA et al, 2020, p. 16) constatou que ―usualmente existe vínculo familiar entre
143

as vítimas, porque as mulheres, em sua grande maioria, são vítimas de maridos,


amantes, companheiros e namorados, e as crianças são vítimas dos seus pais ou
dos parceiros (as) deles‖. Em convergência, Sá e Werlang (2007) constataram que
as ocorrências de homicídio seguido de suicídio no município de Porto Alegre
vitimaram pessoas que se conheciam, em sua maior parte familiares; as mulheres
(87,5%), em sua grande maioria, foram vítimas dos seus cônjuges e as crianças
(12,5%), vítimas de seus pais ou dos parceiros das suas mães.
Miranda e colaboradores (2020) também destacam que tal fenômeno
decorre, muito provavelmente, de sério agravo na hostilidade entre os parceiros, não
havendo, contudo, estudos consistentes que tratem da temática.
O caráter trágico dos homicídios seguidos por suicídio tem sido observado
pela equipe técnica do CAPS que se desloca para o apoio nesses incidentes
críticos. A prevenção desse tipo de ocorrência depende, invariavelmente, de
pesquisas para melhor compreender esse fenômeno e, assim, robustecer com
conhecimento técnico qualquer programa ou serviço destinado a minimizar, o tanto
quanto possível, os fatores de risco.
Dos 267 casos registrados no período de 2010 a 2020, impressionantes 28
tiveram um homicídio anteriormente ao suicídio. Dos casos que culminaram em
morte (28 casos), a tabela 42 apresenta a distribuição por anos (referente ao período
de 2010 a 2020).
Tabela 42 - Homicídio seguido de suicídio por ano
Ano Ocorrências
2010 3
2011 5
2012 3
2013 2
2014 2
2015 2
2016 1
2017 0
2018 2
2019 3
2020 5
Total 28
Fonte: CAPS, 2021.
144

Observa-se que, somente em 2017 não se registrou ocorrência dessa


natureza, havendo, em média, 2,5 casos por ano (m=2,5; DP=1,5). O gráfico 13 traz
o quantitativo, ano a ano (2010 a 2020).

Gráfico 13- Homicídio seguido de suicídio por ano


6

5 5 5

3 3 3 3

2 2 2 2 2

1 1

0 0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
Fonte: CAPS, 2021.
Dos 28 casos, 2 foram protagonizados por inativos, com idade variando
entre 52 e 53 anos (um deles foi reformado por incapacidade física definitiva).
Ambos haviam sido transferidos para a inatividade há menos de 10 anos, mas a
mais de 5. Esses casos ocorreram entre 2011 e 2015. Nas duas ocorrências, foram
vitimadas pessoas com quem mantinham ou mantiveram relações e, em uma delas,
a tragédia foi maior: no total, foram cinco pessoas do círculo familiar do autor, além
dele próprio.
Miranda et al (2020) assinalam que, internacionalmente, pesquisadores
consideram fenômenos independentes a morte por suicídio e as mortes por
homicídio seguido por suicídio. Com base nesse argumento, esses autores
procuraram identificar, em uma base de dados própria, cujo total contemplava 30
casos, características que os diferenciavam dos suicídios e, também, as
similaridades entre os dois tipos de fenômenos. Alguns fatores comuns foram
encontrados, a saber: ―a arma de fogo como principal instrumento; os problemas
conjugais, a presença de sofrimento psíquico, local da ocorrência (residência/na
rua), sinais de alerta e fatores organizacionais.‖ (MIRANDA et al, 2020, p. 18-19). Os
pesquisadores ressaltam que os suicídios estendidos não aconteceram no local de
trabalho, mas na rua e nas residências das vítimas. Tal circunstância confirmaria
145

pesquisas que indicam tratar-se de um fenômeno associado17 às questões de


gênero (ou sexo). Para os pesquisadores, nos casos de suicídio consumado, os
relatos são permeados de associações ao consumo de drogas, ao luto familiar, ao
envolvimento com o crime e, também, com o indicativo de que houve sinais de
alertas, notadamente quando as instituições conheciam o histórico de adoecimento.
De fato, no período de 2010 a 2020, dos 28 casos registrados na PMESP,
27 (96,4%) foram consumados com o uso de arma de fogo; 22 (78,6%) tiveram
registrados, como precipitantes, o conflito conjugal e os demais (21,4%), por outros
motivos diversos.
Na Polícia Militar de Alagoas, dos 17 suicídios registrados no período de
2012 a 2020, houve um em que o policial militar praticou homicídio antes de se
matar. A vítima era a ex-cônjuge, de 33 anos de idade. Consta que a separação era
recente; segundo Soares (2021, p. 10): ―ela havia anunciado a intenção há apenas 3
meses e após insistentes tentativas de reconciliação por parte do cônjuge policial, foi
morta por ele na residência de sua mãe (sogra do policial).‖
Observa-se, portanto, que o suicídio, agravado pelo homicídio antecedente,
precisa ser mais bem compreendido. Contudo, medidas de prevenção à violência
doméstica ou familiar são urgentes, especialmente quanto à conscientização, sobre
tal problemática, mediante campanhas, capacitações e o emprego do modelo
psicoeducativo.

17
Importante destacar que o texto se encontra assim redigido: ―Esse fato confirma a literatura
internacional que sublinha que os casos de H/S são fenômenos motivados por questões de
gênero‖ (MIIRANDA et al, 2020, p. 19). Procurou-se não utilizar, neste trabalho, termos como
―motivado‖ e ―causado‖ que poderiam sugestionar a existência de um nexo de causalidade, o que
confronta a perspectiva predominante de que, a despeito de haverem fatores de risco ou
circunstâncias comuns, trata-se de um fenômeno complexo e multifatorial.
146

6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E PROPOSIÇÕES

A pesquisa e a análise dos dados colhidos trouxeram interessantes


reflexões. O caráter complexo do suicídio, com suas múltiplas possibilidades,
demonstram que, a despeito de haver um programa especificamente destinado à
prevenção de suicídio, tal condição não parece suficiente, na medida em que são
exigidas múltiplas atividades para a minimização dos fatores de risco e para a
cristalização dos fatores de proteção. Nas linhas a seguir, pretende-se refletir sobre
esses aspectos. Inicialmente sobre o modelo e a estrutura de prevenção, os focos
de atenção em função das variáveis encontradas para subsidiar a normatização do
PPMS, seguindo-se de reflexões complementares.

6.1 O modelo e a estrutura de prevenção do PPMS

Baseando-se na medicina e na saúde pública, Bertolote (2012, p. 81) define


prevenção como ―qualquer medida que vise a interceptar a causa de uma doença
antes que ela atinja um indivíduo, dessa forma prevenindo a sua ocorrência‖.
Embora existam exemplos de medidas preventivas bem sucedidas em doenças cuja
etiologia era desconhecida18, o autor, contudo, ressalta que as intervenções
preventivas ―dependem estritamente da causa em questão, o que significa que só
pode falar de prevenção intencional quando a etiologia de uma doença é conhecida‖
(BERTOLOTE, 2012, p. 81).
Bertolote (2012) apresenta dois modelos conceituais de prevenção. A
primeira, a prevenção de etapas da doença, criado na década de 1960, a partir do
conhecimento acumulado sobre as doenças infecciosas, propondo-se a ampliação
do conceito de prevenção, não se restringindo à interceptação da causa primeira da
patologia, mas em qualquer estágio, ainda que já tenha sido desencadeada. Esse
modelo atua em três instâncias, quais sejam, a primária, a secundária e a terciária.
A prevenção primária, portanto, contemplaria a promoção geral da saúde e a
proteção específica (aqui incluída a imunização por vacinas), caracterizando-se pela
18
O autor destaca como exemplos o caso da malária na Europa Meridional nos primeiros séculos da
era cristã, quando se acreditava que certas substâncias que eram emanadas dos pântanos e
mangues causavam a doença. Não se sabia sobre os mosquitos como vetores de transmissão;
mas, para evitar o adoecimento, realizavam-se as drenagens dos pântanos, eliminando o
criadouro dos vetores. Outro exemplo, da epidemia de cólera em Londres em 1854, quando se
observou que parte significativa dos doentes havia bebido água de algumas fontes, as quais foram
interditadas, debelando assim a propagação da doença (BERTOLOTE, 2012).
147

ideia de ―interceptar o agente antes que esta atingisse uma pessoa e


desencadeasse um processo mórbido‖ (BERTOLOTE, 2012, p. 85). A prevenção
secundária e a prevenção terciária são assim constituídas:
A prevenção secundária corresponde à detecção precoce de um processo
patogênico e à pronta instituição de um tratamento, com o propósito de
interromper e, se possível, reverter aquele processo, desta forma
prevenindo o sofrimento, eventuais incapacidades e, por extensão, o óbito.
Aqui não se trata mais de prevenir a doença, no sentido de impedir que ela
ocorra, mas de prevenir sua evolução e seu agravamento, uma vez que ela
já se tenha iniciado.
Já a prevenção terciária diz respeito a medidas que se tomam, uma vez o
processo patogênico interrompido ou estabilizado, para devolver à pessoa
afetada o máximo possível de sua capacidade funcional que tenha sido
afetada pela doença, ou para evitar mortes prematuras (BERTOLOTE,
2012, p. 86).
A outra perspectiva de prevenção é o modelo atualmente empregado no
PPMS, a baseada em nível de risco. O modelo anterior apresenta algumas
limitações ao não possibilitar a inclusão dos fenômenos em que não se tem definido
um ponto específico que diferencie o normal do patológico. Os níveis de prevenção,
nesse modelo, são o universal, a seletiva e a indicada. A prevenção universal
abrange toda a população, objetivando impedir o início de determinado
comportamento. A prevenção seletiva destina-se a populações de baixo risco,
impedindo a instalação de um determinado comportamento ou o surgimento de
consequências, reduzindo-se os fatores de risco. E, por fim, a prevenção indicada,
para população de risco considerável (BERTOLOTE, 2012, p. 90).
Tabela 43 – Programas de prevenção do suicídio por nível de cobertura populacional
Nível de cobertura Público-alvo Intervenções

Universal Toda a população. Limitação do acesso a substâncias tóxicas

Indivíduos com risco baixo a Tratamento de pessoas com transtornos

Seletiva moderado de comportamentos mentais (incluindo transtornos por uso de

suicidas. substâncias psicoativas)

Seguimento terapêutico frequente de


Indivíduos com risco evidente de portadores de transtorno bipolar ou com
Indicada comportamentos suicidas, ou episódios psicóticos recorrentes
que já os iniciaram. Seguimento psicossocial de pessoas com
história de tentativas prévias de suicídio

Fonte: Bertolote, 2012, p. 90.


148

O modelo de prevenção em nível de risco é o recomendado pela OMS que


estabeleceu, inclusive, o alinhamento de fatores de risco às intervenções relevantes,
conforme se observa na figura 11:
Figura 11 - Principais fatores de risco para suicídio, alinhados com intervenções relevantes.

Fonte: OMS, 2015, p.31; traduzido e adaptado por Scavacini (2018, p. 45).

Como visto, o modelo do Programa de Prevenção às Manifestações


Suicidas (PPMS) é ainda o mais adequado para fazer frente a esse problema. A
reformulação de alguns procedimentos, contudo, é de fundamental relevância,
voltando-se em duas direções principais: na maior integração dos diversos órgãos
149

da Instituição e na remodelagem da estrutura de funcionamento do Programa,


aspectos que serão discutidos adiante.

6.2 Remodelagem da perspectiva preventiva do SiSMen

Talvez, nessa linha, a proposta mais viável seria aplicar também o modelo
de prevenção de cobertura de risco populacional para todo o Sistema de Saúde
Mental, de modo a organizar as ações e de reforçar a integração das ações. Em
termos de situação funcional dos policiais militares, o SiSMen segue a configuração
demonstrada na figura 12.

Figura 12 – Serviços e programas do SiSMen de acordo com a situação funcional do policial militar

Fonte: o autor, 2021.

A figura 12 demonstra que as atividades são segmentadas em função da


necessária especialização das equipes para atender, como maior proficiência, as
demandas específicas. A tabela 44, por sua vez, procura demonstrar o espectro em
que se encontram os principais programas quando vistos dentro do ―todo‖, assim
considerado o Sistema de Saúde Mental:
150

Tabela 44 – Programas de apoio da PMESP

Serviço ou Programa Espectro Abrangência

Universal, Seletiva, e
PPMS Todos os policiais militares
Indicada.

Universal, Seletiva, e
PPAD Todos os policiais militares
Indicada.

Subgrupo: proximidade do
PROSEN Seletiva
encerramento da carreira

Subgrupo: envolvimento em
PAAPM Seletiva ocorrência potencialmente traumática,
estresse ou outros.
APOIO Subgrupo: pessoas impactadas por
PSICOSSOCIAL EM Seletiva mortes inesperadas, trágicas (de
INCIDENTE CRÍTICO familiar)
Fonte: o autor, 2021.

Complementarmente, a clínica psicológica, ao dar seguimento aos


atendimentos muitas vezes originados dos programas de prevenção, é um potencial
instrumento de prevenção indicada. Em alguns casos, a psicoterapia necessita de
uma concomitante intervenção psiquiátrica (mais frequentemente, mas, também, por
vezes, de outras especialidades como neurologia, endocrinologia, fonoaudiologia
etc).
O serviço social também atua, principalmente, na prevenção indicada; mas
as profissionais também são requeridas a exercer suas atividades na prevenção
universal, mediante a realização de palestras e, mais recentemente, no projeto
―CAPS na OPM‖. Além disso, na prevenção seletiva, participam dos programas
preventivos, inclusive do apoio psicossocial em incidentes críticos.
A psiquiatria, atualmente, volta-se à prevenção indicada
preponderantemente, eis que foca suas ações no atendimento de pacientes.
Contudo, importante ressaltar a elevada demanda de atividades periciais, para
subsidiar decisões da Junta Médica e, principalmente, para a instrução de
procedimentos apuratórios.
151

Dentro dessa perspectiva, o próprio SiSMen teria essa cobertura por níveis
de prevenção, com estratégias gerais, de prevenção universal; mas também
atendendo a segmentos específicos, de acordo com os riscos próprios de cada
subgrupo, como no PrAp e no Prosen, ou pela situação vivenciada, como no
PAAPM, todos eles classificados como prevenção seletiva. De qualquer modo,
observa-se o amplo portfólio de programas e serviços postos à disposição dos
policiais militares.

6.3 Estratégias de integração entre o PPMS e outras iniciativas

Por meio de estratégia participativa, Thompson et al (2020) desenvolveram


um esboço final do denominado ‗modelo conceitual consolidado‘, conforme figura 13,
que procura demonstrar como os fatores de risco e de proteção, em todos os níveis,
os quais, aparentemente, influenciam-se mutuamente. Embora não tenha sido
demonstrado por sinais no modelo (como setas, por exemplo), notou-se a influência
dinâmica e contínua em todos os aspectos do modelo.

Figura 13 - Modelo conceitual de esboço aprimorado de prevenção de suicídios no Canadá.

Fonte: Thompson et al, 2020.

Os autores destacam que esse modelo conceitual desenvolvido:


152

[...] é o primeiro de seu tipo que representa uma perspectiva canadense


única sobre comportamentos suicidas e prevenção que vai além do que
está disponível atualmente na literatura científica. Por exemplo, muitos
modelos conceituais de suicídio se concentram em subpopulações
específicas, como aquelas que vivem em ambientes rurais ou são militares,
normalmente enfatizando as interações entre fatores predisponentes e
precipitantes, como conectividade ou doença física. Nosso rascunho de
modelo, em vez disso, é um reflexo dos entendimentos dos participantes de
nosso workshop de construção de modelos, destinado a ser aplicado
amplamente à população em geral do Canadá e incorpora fatores de risco e
proteção, com base nos determinantes sociais da saúde, em vários
níveis. No nível do indivíduo, fatores de interseção como gênero, religião,
deficiência e cultura que podem aumentar o risco ou fornecer proteção por
meio de uma variedade de caminhos estão incluídos. No nível da família,
pesquisas indicaram, por exemplo, que a conexão familiar é um forte
indicador de resultados positivos de saúde mental entre jovens trans,
enquanto maus-tratos contra crianças estão associados a comportamentos
suicidas de adolescentes. Fatores como o contágio do suicídio, ambientes
escolares e ambientes de trabalho (por exemplo, entre os primeiros
respondentes) atuam como fatores de risco e de proteção no nível da
comunidade. No nível da sociedade, nosso esboço de modelo incorpora leis
de restrição de meios, racismo sistêmico e diretrizes de reportagem da
mídia, entre outros, como fatores importantes de risco e proteção para
suicídio. (THOMPSON et al, 2020, p. 7).
Como se percebe, as estratégias precisam ser abrangentes. No modelo
apresentado também se observa a ambiguidade dos fatores de risco e de proteção.
A família, quando bem conectada, torna-se um importante fator protetivo, mas
quando a dinâmica envolve violência e maus tratos, se mostra um fator de risco.
Comunicação e informação também variam de acordo com as circunstâncias
particulares às quais estão vinculadas, ou seja, se bem aplicadas podem atuar na
prevenção de suicídio, contudo, se realizadas, por exemplo, de maneira a cultuar
esse fenômeno, poderia até mesmo desencadear em contágio ou imitação. A busca,
portanto, pelos fatores protetivos e de risco não devem se restringir ao enunciado
(família, comunicação), mas também seus aspectos complementares (organizada,
estruturada), ou seja, devem ser dimensionadas também no campo qualitativo.
No que concerne às instituições ou agências policiais, resultados de
pesquisas em geral sugerem que a identificação de características específicas do
subgrupo e a aplicação de uma combinação de estratégias, notadamente, de
prevenção que abordem o risco e favoreçam o desenvolvimento dos fatores de
proteção são as mais recomendadas. O National Officers Safety Initiatives (2020)
sugere, por exemplo, que as estratégias contemplem aspectos como:
1. envolvimento da liderança (prevenção do suicídio, promoção da saúde
mental e do bem-estar, desenvolvimento de políticas e sistemas
relacionados à saúde mental, dentre outras ações);
153

2. acesso aos serviços de saúde mental (preferencialmente por profissionais


da própria organização capacitados em prevenção do suicídio e com
capacidade de compreensão da cultura policial);
3. prevenção do uso indevido de substâncias e tratamento;
4. assegurar a confidencialidade (minimizar repercussões na procura de
serviços de saúde mental); programas de apoio aos pares (em especial
aqueles que treinam os pares a reconhecer e responder a sinais de risco de
suicídio, conectando-os à rede de assistência);
5. difundir conhecimentos sobre saúde mental, bem estar;
6. desenvolver protocolos de resposta a eventos, incluindo incidentes
críticos e apoios posteriores ao evento;
7. apoio à família;
8. limitação do acesso aos meios letais, mediante a identificação de formas
apropriadas;
9. mensagem e comunicação com cautela para evitar o contágio.
O mesmo National Officers Safety Initiatives (NOSI) integrou o Consórcio
Nacional em Prevenção do Suicídio Policial. Esse projeto também contempla o
Departamento de Justiça dos Estados Unidos, a Associação Internacional de Chefes
de Polícia (IACP), em parceria com Centro de Desenvolvimento Educacional (EDC)
e apoio da Alliance for Suicide Prevention (Action Alliance), visando a aumentar a
conscientização e prevenir o suicídio entre os policiais.
O Consórcio indicou a necessidade de se abordar, também, os vários
componentes da prevenção do suicídio. Elaborou-se, então, um guia para que
agências policiais pudessem implementar prevenção em nível estratégico. As
recomendações se estendem por todos os aspectos da prevenção, passando pela
intervenção e pelas medidas após um suicídio (NATIONAL CONSORTIUM ON
PREVENTING LAW ENFORCEMENT SUICIDE, 2020).
A figura 14 resume as principais recomendações. Segundo esse consórcio,
quando os esforços de prevenção são combinados em múltiplas estratégias
funcionando conjuntamente, abordando diferentes aspectos do problema, há maior
probabilidade de sucesso. O modelo recomendado fornece 11 estratégias, cada um
delas de ampla atuação, que representam uma estrutura abrangente para a
prevenção do suicídio em organizações policiais.
154

Figura 14 – Quadro esquemático de um modelo de prevenção de suicídios

Fonte: National Consortium On Preventing Law Enforcement Suicide, 2020.


A estrutura abrangente recomendada pelo consórcio, visando à prevenção
do suicídio pelas policiais, contempla várias frentes de atuação:
1. Criar uma cultura de liderança que apoie a saúde mental;
2. Divulgar mensagens seguras e positivas;
3. Desenvolver resiliência e habilidades de enfrentamento saudáveis;
4. Mitigar o impacto do trauma e do estresse cumulativo;
5. Melhorar o acesso e diminuir as barreiras aos cuidados de saúde mental;
6. Identificar e auxiliar pessoas em risco;
7. Normalizar e aumentar os comportamentos de busca de ajuda;
8. Desenvolver e fortalecer os apoios de pares;
9. Fortalecer Suportes e Conexões;
10. Prepare-se e forneça suporte durante as transições;
11. Fornecer suporte após uma morte por suicídio ou tentativa;
O quadro esquemático trazido pela tabela 45 cruza as recomendações do
Consórcio Nacional em Prevenção do Suicídio Policial (NATIONAL CONSORTIUM
ON PREVENTING LAW ENFORCEMENT SUICIDE, 2020) e da NOSI, trazendo,
155

lado a lado, as ações atuais do SiSMen e aquelas que se pretende aperfeiçoar ou


implementar.

Tabela 45 – Propostas de organizamos internacionais de prevenção de suicídios para policias e as


ações correspondentes do SiSMen
(continua)
Propostas do
PMESP/SISMEN Plano de ação PPMS
Consórcio Propostas NOSI
Ações existentes ou geral
IACP/NOSI
- Reuniões com o nível
Aulas no Mestrado
Criar uma cultura de intermediário (liderança
Envolvimento da Profissional, que habilita
liderança que apoie futura);
liderança. o Capitão PM ao
a saúde mental; - Simpósios e cursos
Oficialato Superior.
para Oficiais;
-Equipe mista:
profissionais da PMESP
Melhorar o acesso e
e civis;
diminuir as barreiras Acesso aos serviços de Estrutura do SiSMen
-Permanente divulgação
aos cuidados de saúde mental (CAPS, NAPS, CMed)
(contatos e serviços);
saúde mental;
-Controle da fila de
espera;
-Na seleção, incorporar
Prevenção do uso exames toxicológicos
PPAD, ―Projeto CAPS na
indevido de substâncias mais consistentes;
OPM‖, tratamento clínico
e tratamento; -Rede de Apoio (Pares)
Reformulação (PPAD)
Assegurar a Rigoroso cumprimento do -Ênfase no treinamento
confidencialidade Código de Ética dos profissionais
Desenvolver -Palestras: qualidade de
resiliência e Difundir conhecimentos vida, resiliência e
habilidades de sobre saúde mental, estresse; Aulas em EAP; Seguimento às práticas
enfrentamento bem estar; ―CAPS na OPM‖;
saudáveis; PAAPM; Psicoeducação.
Fornecer suporte Desenvolver protocolos
após uma morte por de resposta a eventos, Posvenção (executado,
Apoio psicossocial em
suicídio ou incluindo incidentes mas ainda não
incidentes críticos
tentativa; críticos e apoios normatizado)
posteriores ao evento;
-Serviço social;
A ser estudado
Apoio à família. -Apoio psicossocial em
particularmente
incidentes críticos
Fonte: o autor, 2021.
156

Tabela 45 – Propostas de organizamos internacionais de prevenção de suicídios para policias e as


ações correspondentes do SiSMen
(conclusão)
Propostas do PMESP/SISMEN Plano de ação PPMS ou
Propostas NOSI
Consórcio IACP/NOSI Ações existentes geral
Limitação do acesso
aos meios letais, (recomendação de
Há normatização
mediante a melhor estudar a questão
específica
identificação de da arma de fogo)
formas apropriadas;
-Atuação e campanhas
Mensagem e
esporádicas com o Normatizar campanhas e
Divulgar mensagens comunicação com
CComSoc ; grupos de
seguras e positivas; cautela para evitar o
-Grupo criado no CAPS assessoramento técnico;
contágio.
para avaliar mensagens.
Mitigar o impacto do
Readequações para
trauma e do estresse PAAPM
ampliar alcance.
cumulativo
- Rede de Apoio entre - sedimentação da cultura
Identificar e auxiliar Pares; de ajuda mútua.
pessoas em risco; - Projeto ―CAPS na -Criar atribuições
OPM‖, específicas
Normalizar e aumentar
Campanhas próprias e
os comportamentos de Palestras e orientações
sistematizadas
busca de ajuda;
Desenvolver e
fortalecer os apoios de
Rede de apoio entre Rede de apoio entre
pares; e,
pares pares
Fortalecer Suportes e
Conexões;
Prepare-se e forneça
Readequações para
suporte durante as Prosen e PrAp
ampliar alcance.
transições;
Fonte: o autor, 2021.
Interessante observar que, de fato, ao longo dos anos, foram incorporados
uma série de programas e serviços que cobrem, praticamente todas as
recomendações gerais dos organismos internacionais que se dedicam ao tema.
Ocorre que essa carta de serviços, assim denominado esse conjunto de ações,
necessita ser guiado por uma política de saúde mental que tenha como propósito a
integração e o aperfeiçoamento desses esforços. Não há, dentro da atual estrutura,
possibilidade de incorporar novas práticas sem que alguma outra seja esvaziada;
157

portanto, a estratégia de atuação deveria estar pautada nessa integração dos


diversos serviços, programas e, consequentemente, de órgãos da Instituição e em
ações voltadas a escalar (aumentar a oferta dessas atividades) e, ao mesmo tempo,
garantindo a qualidade na prestação dos serviços.
Nesse sentido, nas subseções seguintes, serão apresentadas algumas
propostas de ações para o aperfeiçoamento técnico do PPMS e, paralelamente, do
SiSMen.

6.3.1 No nível de prevenção universal

Como proposta de intervenção, no nível de prevenção universal, há


inúmeras possibilidades. Scavacini (2018, p. 143) considera as campanhas ―uma
ponte entre a conscientização e a ação, pois hoje são formas mais comuns de
promover a conscientização.‖ A figura 15 refere-se um diagrama apresentado pela
autora, de modo a sistematizar essas ações:

Figura 15 - Campanhas

Fonte: Scavacini (2018, p. 144).


Conforme se observa na figura 15, comportam ações de amplo espectro,
não se restringindo à mera comunicação. Na realidade, como proposta de
intervenção, no nível de prevenção universal, há inúmeras outras possibilidades,
158

como palestras, inserção em cursos de assuntos pertinentes ao problema, difusão


de mensagens periódicas, os quais podem funcionar de modo conjugado.
Com relação às campanhas, necessário se faz a regularidade e um plano de
conteúdo. Ao ouvir ―sobreviventes‖, ou seja, pessoas diretamente afetadas pelo
suicídio, Scavacini (2018) coletou importantes reflexões, como, por exemplo, cautela
com campanhas que causem impacto, pois, de acordo com as condições das
pessoas que são acessadas, podem desdobrar em uma espécie de ‗fechamento‘,
contrariamente à sensibilização (abertura) para o assunto; ao debaterem quais
temas deveriam ser abordados, colaboradores da pesquisa apresentaram
importantes recomendações. Para eles, é importante que as campanhas que:
―tragam histórias reais de pertencimento e superação e que inspirem para o
19
bem, como a do Nick Vujicic . Para eles essa história é de um herói
humano, pois não é de alguém famoso, o que aproxima mais a história da
realidade das pessoas. ‗É fácil de se identificar por ser bonita, tocar e
impressionar, mostra que é possível vencer e gera empatia pela história
difícil‘ (Colaborador 10).
Nick Vujicic fala abertamente sobre os pensamentos suicidas que teve e
como superar isso, ajuda as pessoas a terem exemplos para seguir, pois
mesmo ao atravessar muitos desafios, mostra que é possível ficar tudo
bem.
Os colaboradores falam do desejo de que as campanhas tragam histórias
verídicas e apresentam sugestões de filmes com pessoas que tentaram
suicídio, assim as campanhas podem ser faladas por quem passou pela
situação e atravessou-a. Assim, é mais fácil identificar-se com as histórias e
mexer com a emoção de quem assiste, facilitando o contato e o interesse
no assunto. (SCAVACINI, 2018, p. 145, itálico da autora).
Além disso, os colaboradores da pesquisa sugerem que as campanhas
mostrem que muitas pessoas podem vivenciar o mesmo problema, especialmente
por meio de ações que possam de fato tocar as pessoas, com certo apelo
emocional. Sugerem também reportar histórias verídicas de quem passou pela
situação e atravessou-a. Em geral, as campanhas deveriam abordar: informação de
quem procurar se precisarem de ajuda; orientação sobre quando se deve procurar
ajuda profissional; diminuir o preconceito com relação aos psicólogos e aos
psiquiatras (terapia como autoconhecimento e aliada da saúde mental,
contrariamente à visão associada ao mundo da loucura); falar das emoções,
incluindo a tristeza; por fim, divulgar os contatos do CVV (SCAVACINI, 2018).

19
Nick Vujicic nasceu sem braços e pernas em função de uma rara síndrome, a tetra-amelia.
Atualmente, dedica-se a palestras motivacionais, abordando temas como esperança, sentido da
vida, deficiência e, portanto, na prevenção do suicídio.
159

Campanhas específicas, como o ―setembro amarelo‖, que promovem a


conscientização do suicídio e percebem que ele tem crescido, sendo mais divulgado
a cada ano, oferecendo aos sobreviventes à oportunidade de trabalho voluntário de
conscientização e ajuda. Sentem que no setembro amarelo, o impacto é positivo
uma vez que consegue sensibilizar um grande número de pessoas (SCAVACINI,
2018).
Os colaboradores criticam aquelas organizações e empresas que se
promovem nas redes sociais, mas não estão de fato engajadas, ao não debaterem e
levarem adiante a cultura de prevenção do suicídio. Outro aspecto lembrado é a
periodicidade das campanhas, as quais deveriam ocorrer com mais frequência,
durante o ano todo, com campanhas menores. (SCAVACINI, 2018).
As campanhas seriam um começo, para iniciar uma discussão mais ampla
sobre o assunto. Mas não devem se limitar a esse tipo de ação. Nesse sentido,
alertam que há limitação de pessoas em condições de, ao menos, acolher e ajudar.
Haveria uma percepção dos colaboradores de que profissionais e a sociedade em
geral possuem poucos recursos para lidarem e falarem sobre o tema, razão pela
qual propõem capacitações. Os colaboradores também sugerem cautela em
promover associação com a religião, em função do caráter subjetivo, ou seja, a
percepção é individual. (SCAVACINI, 2018).
Na consecução da prevenção universal, fundamentalmente, precisam ser
observados critérios para que o objetivo principal seja alcançado. Além disso, com a
necessária cautela para não desencadear o chamado ―efeito Werther‖. Há que se
considerar, contudo, que a velocidade com que a informação trafega é
surpreendente. Quase que imediatamente são noticiados nas redes sociais eventos
que, no passado, passariam totalmente despercebidos; com o suicídio não poderia
ser diferente.
Com as parcas pesquisas sobre essa relação, de fato, não há como apontar
a influência dessas informações no ―resultado suicídio‖. Mas, ao analisar os casos
desse fenômeno em policiais militares do quadro feminino em Alagoas, ponderou-se
que:
A partir dos dados coletados pelo CAS/PMAL observou-se que houve um
intervalo de 20 anos sem registro de suicídio entre as policiais femininas
alagoanas. Em 1997 teve registro de 01 suicídio e o outro subsequente foi
no ano de 2018. No ano de 2018 houve três casos e 01 caso em 2019, no
qual todas as vítimas utilizaram arma de fogo. Esses 04 casos representam
a amostra do nosso estudo.
160

O aumento abrupto do número de suicídio de policiais femininas soou um


alarme dentro da instituição. Acreditamos que, possivelmente, aconteceu o
efeito de Werther, no qual após divulgação de um suicídio outros indivíduos
imitam os mesmos moldes para tirar a própria vida. Considerando a
pequena amostra, estatisticamente não é possível tomar padrões como
prevalência, o suicídio como fenômeno social guarda algumas propriedades
típicas de eventos raros. O que se pode fazer é extrair as informações mais
plausíveis da amostra estudada. (SOARES et al, 2021, p. 36).
Como medida de prevenção seletiva, portanto, seguindo as recomendações
descritas ao longo do trabalho, inúmeras possibilidades se apresentam. Na
sequência, algumas sugestões são discutidas:

6.3.1.1 RESPOSTA INSTANTÂNEA APÓS NOTÍCIA DE SUICÍDIO

Criar e manter um folder ou cartaz eletrônico, com indicativo de contatos,


seja do CVV e dos recursos existentes na Instituição para que sejam encaminhados
tão logo uma notícia de suicídio seja comunicada nessas redes sociais. Essas
postagens seriam feitas tantos pelas equipes da área de saúde mental, como pelos
policiais militares que passassem pelas capacitações atinentes à rede de apoio entre
pares, como contraponto à alguma inexatidão ou inadequação da postagem
noticiando o suicídio.

6.3.1.2 CAMPANHAS CONTRA PRECONCEITO SOBRE A SAÚDE MENTAL

O preconceito com relação à saúde mental carrega raízes históricas. Na


Idade Média, por exemplo, era comum as pessoas com severo transtorno mental, os
chamados ―loucos‖, serem trancafiados nas celas com criminosos e outros
prisioneiros. Segundo Barros (2011) esse preconceito também é histórico na
PMESP, notadamente, no serviço de psiquiatria:
Na história da PMESP, a enfermaria psiquiátrica já foi conhecida como ―1ª
Enfermaria‖. Talvez a mais temida pelos policiais militares, chegando a
confundir ela com ―punição eterna‖, pois aquele que pisasse nela seria
taxado para o resto de sua vida como ―1ª enfermaria‖, ―13‖, ―gardenal‖, ou
simplesmente, ―um louco‖. Isso, inevitavelmente, suprimiria qualquer chance
de ascensão profissional na carreira, correndo o risco de uma transferência
de Organização Policial Militar (OPM), além da rejeição e perda da
confiança por parte dos colegas de farda.
A 1ª Enfermaria se tornou algo destrutivo para a carreira do policial militar e
também para a sua pessoa, portanto sempre foi temida e evitada ao
máximo. O que deveria ser algo para ajudar transformou-se em algo para
danar.
O conhecido método terapêutico psiquiátrico, chamado
eletroconvulsoterapia, ou ―eletrochoque‖, também realizado na 1ª
161

Enfermaria da PMESP, deu muito que falar e ―alimentar‖ os temores já


existentes. (BARROS, 2011, p. 47).
Importante considerar, contudo, que o preconceito em relação aos
transtornos mentais não está circunscrita à Polícia Militar. Muito pelo contrário, trata-
se de um fenômeno incrustrado na realidade social. Durante a tese de
doutoramento, Scavacini (2018) constatou que se tratava de um grande desafio:
A não validação das doenças mentais pelas pessoas, pelas empresas e
pela sociedade é fruto do preconceito, do mito e do tabu, como se a pessoa
pudesse ter a escolha de evitar a doença por meio de, por exemplo, ter
ânimo ou ter coisas para fazer. Os sintomas dessas doenças são
geralmente confundidos com falta de atitude ou reação. (SCAVACINI, 2018,
p. 92)
Reforça-se, assim, a necessidade dessas campanhas para fazer frente a
esse desafio. São recomendações de diversos pesquisadores que, de fato, precisam
ser incorporadas cada vez mais nas ações preventivas.

6.3.1.3 UTILIZAÇÃO DE REDES SOCIAIS PARA A PREVENÇÃO

A comunicação, em especial nas mídias digitais, parece ser uma importante


iniciativa. Basta perceber que, ao longo dos anos, as redes sociais têm alcançado
um surpreendente protagonismo na vida das pessoas. Utilizá-las no processo de
conscientização e, portanto, nas estratégias de prevenção universal do PPMS
parece constituir uma vereda essencial. Para tanto, algumas recomendações da
OMS em relação à mídia em geral poderiam ser observadas, minimizando os riscos
de interpretação equivocada sobre as mensagens disparadas. São recomendações
daquela Organização:
Trabalhar em conjunto com autoridades de saúde na apresentação dos
fatos.
Referir-se ao suicídio como suicídio ‗consumado‘, não como suicídio ‗bem
sucedido‘.
Apresentar somente dados relevantes, em páginas internas de veículos
impressos.
Destacar as alternativas ao suicídio.
Fornecer informações sobre números de telefones e endereços de grupos
de apoio e serviços onde se possa obter ajuda.
Mostrar indicadores de risco e sinais de alerta sobre comportamento
suicida. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2000, p. 9)
A OMS também aponta aquilo que não se deve fazer:
Não publicar fotografias do falecido ou cartas suicidas.
Não informar detalhes específicos do método utilizado.
Não fornecer explicações simplistas.
Não glorificar o suicídio ou fazer sensacionalismo sobre o caso.
Não usar estereótipos religiosos ou culturais.
162

Não atribuir culpas (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2000, p. 9)


Embora essas recomendações sejam simples, servem como balizadores de
campanhas e de ações de comunicação, de modo a produzir o chamado ―efeito
Papagino‖, além de minimizar os riscos de se desencadear o denominado ―efeito
Werther‖.

6.3.1.4 ESTRUTURA DE PSIQUIATRIA E PSICOLOGIA

Paralelamente às campanhas e divulgação, deve-se também pensar em


uma permanente estruturação da rede de atenção (psiquiatria, psicologia e serviço
social), em duas frentes principais: ajustar a capacidade de atender a demanda e
treinamento da equipe para melhorar a qualidade de atenção ao ―cliente‖ ou
―paciente‖. Não atender às expectativas propagadas nas divulgações pode também
constituir um fator de risco, ao reforçar a condição de ―abandono‖.
Barros (2011) destaca o desafio de manter uma equipe de psiquiatras para
suprir a demanda de pacientes com alterações psíquicas.
Nos últimos quinze anos, a Área Psiquiátrica da PMESP sofreu ―ondas
perversas‖ caracterizando um círculo vicioso, que inicia com a entrada de
novos médicos psiquiatras na instituição, porém sempre em número aquém
das necessidades reais da mesma, inicialmente seguida de melhora da
qualidade do atendimento médico e crescente demanda de pacientes,
paralelamente ocorrendo atraso ou acomodação na abertura de novo
concurso médico, acarretando na inevitável sobrecarga de atendimentos
dos médicos já ingressados na instituição e por sua vez, na saída dos
mesmos, pelas razões acima apontadas. Logo após esta saída desses
profissionais, piorou-se o atendimento no sentido da maior limitação da
atenção médica com o fechamento das internações na Enfermaria da Área
Psiquiátrica e dos antendimentos ambulatoriais, fato ocorrido no ano de
2008. Esta piora das condições de atenção médica, por sua vez, pressionou
a abertura de novo concurso médico para preenchimento de vagas e
revitalização do serviço de saúde mental e, assim, fecha-se o referido
círculo com a entrada de novos médicos, porém, como acima dito, num
número aquém das necessidades da instituição (BARROS, 2011, p. 14)
A questão que se apresenta são os casos em que demandam ações para
além da área psicológica. Em muitas situações, além do acompanhamento
psicológico, exige-se um tratamento medicamentoso. Assim ocorre quando está
presente um transtorno mental. Esse fator de risco é basicamente mitigado com uma
boa rede de assistência psiquiátrica.
No que concerne aos diagnósticos da área psiquiátrica da PMESP,
notadamente no ano de 2010, para o grupo dos homens, do total de 804 pacientes,
somaram-se 1.296 ocorrências diagnósticas, o que se traduz em ―uma média de
163

comorbidade da ordem de 1,6 diagnósticos por paciente (...).‖ (BARROS, 2011, p.


68). Trata-se, portanto, de um elemento fundamental, que se alicerça na prevenção
indicada, mas com reflexos na prevenção universal. Como assinalou Thompson
(2020) ao elaborar um modelo de prevenção de suicídios no Canadá, há uma
influência mútua entre os diversos fatores que caracterizam a complexidade de lidar
com o fenômeno suicida.

6.3.1.5 FOMENTO À PESQUISA E CAPACITAÇÃO DA EQUIPE DO SISMEN

A pesquisa e a capacitação devem caminhar conjuntamente. Na perspectiva


de modernização do SiSMen, há previsão de que o CAPS, como Órgão Técnico-
Executivo, seja difusor de conhecimento e atue como supervisor dos atendimentos;
contudo, em paralelo, deve esse Centro desenvolver pesquisas com cunho científico
para aperfeiçoar as práticas.
Vale destacar que, no passado, o CAPS dispunha de uma equipe para esse
fim, o que redundou na reformulação de praticamente todo o sistema.
O aprofundamento de pesquisas e redefinição de métodos de coletar,
registrar e analisar os dados se mostram altamente necessárias. E, claro, de forma
contínua e perene. Utilizar ferramentas como a estatística avançada, aplicando-as
aos problemas enfrentados, poderiam facilitar no encontro de soluções.
Com relação aos estudos, importa assinalar que há muitas interrogações
ainda sobre as questões psíquicas. Exemplo disso é a verificação, neste trabalho, de
que predomina como desencadeante do suicídio (alerta-se para que não seja
entendido como causa) a relação conjugal. Mas há diferenças na compreensão
desse fenômeno: traços ou aspectos da personalidade (possessividade,
impulsividade, agressividade, irritabilidade, percepção negativa sobre o mundo,
ciúmes etc) estariam relacionados? E os componentes associados, como a vida
financeira difícil, o abuso ou dependência do álcool (que surge como diversão,
podendo, assim, ser consumida de forma abusiva, facilitando o rompimento de
limites)?
Embora se saiba que essas circunstâncias não aparecem isoladamente,
pesquisas poderiam direcionar ações efetivas para a prevenção do suicídio e, muito
mais do que isso, colaborar para a melhoria da qualidade de vida dos policiais
militares.
164

Do mesmo modo, capacitar profissionais para duas perspectivas: no nível


gerencial, monitorar o desempenho dos diversos programas e serviços; no campo
operacional, aperfeiçoar a aplicação das técnicas mais eficientes e eficazes para
cada demanda, certamente constituem esteio para o aperfeiçoamento contínuo do
SiSMen.

6.3.1.6 ESTRATÉGIAS COMPLEMENTARES: ―PROJETO CAPS NA OPM‖

Adicionalmente, ações ora em experiência parecem alinhar-se à nova


estratégia de promover a saúde. Projetos como o ―CAPS na OPM‖ tem trazido
informações importantes e, concomitantemente, permitido sensibilizar os policiais
militares sobre a importância de cuidar não só da integridade física, mas, também,
da saúde mental.
Requer, contudo, capacitação específica da equipe envolvida, já que, a
tarefa se mostra um grande desafio para os profissionais implicados.
Além disso, é preciso uma infraestrutura que comporte retornos às OPM já
visitadas (com conteúdos diversificados). Importa assinalar que o projeto contempla
a visita de profissional de saúde mental nas preleções, portanto, são várias as visitas
em uma mesma Unidade até que considerável parte do efetivo seja beneficiada por
tal serviço.

6.3.2 Prevenção seletiva e indicada:

Como assinala Scavacini (2018, p. 39) é necessário oferecer ―continuidade


na ajuda e no apoio aos que tentaram suicídio, bem como diminuir o estigma
relacionado a esse comportamento e ao fato de pedir ajuda destacam-se como
fatores importantes para essa população de alto risco.‖ (SCAVACINI, 2018, p. 38). A
proposta de atendimento clínico do Sistema de Saúde Mental da PMESP segue uma
perspectiva de psicoterapia breve focal, possibilitando retorno aos atendimentos
sempre que necessário. Contudo, em muitas circunstâncias, a psicoterapia segue
por anos, de modo a permitir um cuidado e apoio permanente. Há, porém, pessoas
em condições de vulnerabilidade que não revelam interesse no processo
terapêutico. Como deve a equipe proceder?
165

Ainda que tenha havido a desistência, de acordo com o grau de risco,


necessário se faz um acompanhamento, ainda que por telefone. Preferencialmente
contatando em períodos definidos com antecedência, é importante manter esse
seguimento (follow up). Para tanto, os profissionais devem estar capacitados e
conscientizados sobre a importância dessa tarefa.
Outra possibilidade seria instituir um modelo psicoeducativo, já consagrado
no PAAPM, e que trouxe importantes resultados. Estágios bem construídos,
desenhando-se desde o processo de convocação, recepção e sensibilização, podem
trazer benefícios significativos àqueles que apresentaram comportamento suicida.
Obviamente, toda a infraestrutura para tal trabalho precisa sem muito bem
organizada.

6.4 Posvenção

Outra perspectiva, e tão importante quanto, é o que se considera o absurdo


do suicídio, que precisa ser aqui abordado. O trecho é longo, mas traz reflexões
fundamentais:
O absurdo do suicídio traz as questões prevenção x previsão; o não
saber; coisas ruins podem acontecer na vida; limitações; é muita coisa para
fazer e proximidade de suicídios.
Absurdo por trazer a sensação de impotência, de que algo fugiu do
esperado e do controle, de algo que não tem explicação simples e que
deixa mais perguntas que respostas.
O conceito prevenção x previsão trata da grande confusão existente entre
prevenir o suicídio e conseguir prever quem, quando e como irá suicidar-se.
Para o grupo focal, é difícil perceber ideação suicida, a pessoa precisa falar,
pois muitos suicídios ocorrem sem sinais aparentes e em outros casos,
mesmo a pessoa falando e em tratamento, o suicídio pode ocorrer.
Em um dos casos, nem o psiquiatra notou a ideação e deu alta para a
pessoa, que cometeu suicídio pouco tempo depois. Portanto, se a pessoa
não falar ou não der sinais claros, nem especialistas nem leigos conseguem
prever essa tragédia.
A correria do dia a dia também é um fator que dificulta a percepção dos
sinais do suicídio e alguns fatores que seriam de proteção, como a religião e
ter planos para o futuro (SCAVACINI, 2018, p. 132, grifo da autora).
É comum o despertar de uma culpa dos sobreviventes. E, por vezes,
divulgações que assinalam a possibilidade de prevenir mais de 80% dos suicídios
podem agravar essa condição. Deve-se sempre lembrar que, para além dos mortos,
há os que precisam lidar com a dor de carregar, por toda a existência, com o fato de
um familiar, amigo ou colega de trabalho ter morrido em decorrência de um suicídio.
166

A vivência do luto, embora doloroso, é normal. Em algum momento da vida,


o ser humano tem de lidar com a perda de alguma pessoa 20 extremamente
significativa. Observa-se, contudo, que nas mortes por suicídio,
[...] algumas características peculiares que deixam marcas naqueles que
vivem esse tipo de luto, por isso, seu enfrentamento é diferenciado de
outras causas de morte, principalmente na intensidade, estigma, duração e
aumento de sintomas depressivos. Além disso, salienta-se que as mortes
por suicídio também têm grande impacto no sistema familiar. (SCAVACINI,
2018, p. 47).
Algumas diferenças entre grupos populacionais têm sido observadas com
relação às mortes por suicídio:
Diferenças no enfrentamento entre homens e mulheres também são
evidenciadas no luto por suicídio, e em familiares e profissionais da área da
saúde. Mulheres tendem a sentir-se mais culpadas, relatando mais
sentimentos de frustração (Beautrais, 2004; Grad, Zavasnik, Groleger, 1997,
apud SCAVACINI, 2018, p. 48).
Segundo Runeson e Asberg (2003, apud SCAVACINI, 2018, p. 49), o ―risco
de suicídio em sobreviventes pode ser de duas a três vezes maiores quando
comparado a um grupo controle‖. Scavacini (2018) destaca que outros
pesquisadores que se debruçaram sobre o tema explicam que esse risco decorre,
possivelmente, da combinação entre aspectos da genética e do ambiente, ainda que
os resultados sobre a hereditariedade sejam inconclusivos; além disso, parece haver
uma propensão de que sobreviventes, em momentos de estresse, podem apresentar
comportamentos suicidas.
Nesse contexto, uma ferramenta de alta relevância denominada posvenção
apresenta-se como uma importante atividade. Constituem, portanto:
ações, atividades, intervenções, suporte e assistência para aqueles
afetados por um suicídio consumado, é uma ferramenta reconhecida
mundialmente como um componente importante no cuidado da saúde
mental dessas pessoas. O objetivo da posvenção é auxiliar na lida dos
sobreviventes em relação aos efeitos traumáticos da morte de seus entes
queridos. (SCAVACINI, 2018, p. 49).

Shneidman (1973, apud SCAVACINI, 2018, p. 49), por sua vez, destaca que
―posvenção é prevenção para futuras gerações‖, o que contemplaria qualquer ato ou
ajuda destinado aos sobreviventes, realizado de modo apropriado, que aconteça
após o suicídio, com o propósito de auxiliá-los a viverem mais e da melhor forma
possível, dentro das condições existentes.

20
Este termo também é empregado para designar o estado emocional decorrente da perda de
objetos ou de outras circunstâncias altamente significativas, mas não será objeto de discussões
neste trabalho.
167

Em muitos países há programas de apoio aos enlutados. No Brasil, algumas


atividades de posvenção passaram a ser desenvolvidas, contudo, ainda há
necessidade de, progressivamente, abarcarem cada vez mais serviços, de modo a
promover a saúde mental e, ao mesmo tempo, respeitar a singularidade e a
complexidade do processo do luto. (SCAVACINI, 2018). De qualquer modo, há
algumas particularidades que constituem essa prática:
Os serviços de posvenção podem ter uma perspectiva clínica ou de saúde
pública, focando nas necessidades psicossociais dos sobreviventes e na
prevenção de suicídios com atividades, tais como, aconselhamento,
psicoterapia, atividades de suporte, intensificação da conscientização do
tema, criação de campanhas socioeducativas, desenvolvimento das práticas
e promoção da saúde mental em atividades de assistência prática,
assessoria jurídica e financeira, limpeza do local do suicídio (se em casa),
informações gerais, entre outras Wilson e Clark (2005, apud SCAVACINI,
2018, p. 51).
O Sistema de Saúde Mental da Polícia Militar tem convergido seus
programas e serviços para a atuação mais ampla, contemplando ações que
comportem a maior parte das indicações de especialistas, embora, de fato, haja a
necessidade de uma normatização que organize rotinas, defina as atribuições e que
propicie segurança e perenidade de tais serviços, além de propiciar o
acompanhamento institucional (gestão de recursos, melhoria continua etc).
É importante destacar, contudo, a importante iniciativa que se denomina
Programa de Apoio Psicossocial em Incidentes Críticos, ao propiciar apoio imediato
aos familiares e, também, aos policiais militares próximos da vítima. Sua
finalidade é:
2.1. estabelecer procedimentos de intervenções psicossociais em incidentes
críticos, evidenciando o pronto atendimento nos casos em que ocorra a
morte traumática de policiais militares, no desempenho da função policial-
militar ou em razão dela;
2.2. em caso de necessidade e disponibilidade de pessoal, poderá tal
atendimento abranger, subsidiariamente,os policiais militares de folga,
inativos e familiares em primeiro grau (pais, cônjuge, companheira(o), filhos
e irmãos) mortos em situação traumática.(POLÍCIA MILITAR DO ESTADO
DE SÃO PAULO, 2016).
Embora o subitem 2.2. estabeleça que o apoio aos familiares e aos policiais
militares inativos ocorrerá de forma subsidiária, importa destacar que, atualmente,
em função da própria percepção da importância em realizar o pronto atendimento
nas circunstâncias descritas na aludida norma, todos os casos noticiados à equipe
de sobreaviso são imediatamente acolhidos e atendidos, inclusive nos casos de
suicídio.
168

Na perspectiva ―cuidar do cuidador‖, o profissional que é designado para


atuar nesses chamados incidentes críticos, seja de policial militar ou de familiar, bem
como aquele que vivencia o luto em função da perda de algum paciente, recebe o
acolhimento dos pares, processo que se mostra relevante. Complementarmente, tal
preocupação institucional se mostra também presente por meio de apoio da
Associação Beneficente Pró-Saúde da Polícia Militar (Pró-PM), por meio da qual se
disponibiliza supervisão técnica por profissional de psicologia altamente capacitada
na área do luto, bem como, de apoios internos da própria equipe.
Como regra procedimental (mas não normativo), caso o suicídio ocorra no
interior de Unidade Policial-Militar, tem havido um trabalho de posvenção que se
realiza, no mínimo, por uma dupla de psicólogos, os quais são deslocados para o
apoio na própria Unidade, após contato entre as respectivas chefias e comandantes.
É um espaço para expressão da dor, exploração das questões emocionais,
esclarecimentos de dúvidas, dentre outros aspectos.
E, embora haja ações complementares, como o apoio da equipe do Serviço
Social nas orientações sobre benefícios, a atuação da equipe do PAAPM nos casos
de acolhimento de vivências potencialmente traumáticas, da clínica psicológica,
enfim, dos diversos programas e serviços, constata-se a importância de coordenar
essas medidas.
Há, portanto, necessidade de se regular as ações existentes e de promover
outras medidas de posvenção que colaborem para que sejam mitigados os fatores
de risco que eventualmente possam emergir. São, portanto, três os grupos que
constituem o público-alvo dessa atividade, a saber: a família enlutada, os policiais
militares próximos e a equipe de saúde, notadamente, de psicólogos, assistentes
sociais e outros profissionais diretamente envolvidos nesse processo para que, de
fato, haja um ―cuidado com o cuidador‖. Esses cuidados devem variar de acordo
com a intensidade do luto vivido e das perspectivas de enfrentamento que se
vislumbrar.
No que concerne aos familiares, poderia ser incluído, futuramente, em
circunstâncias específicas, como a perda de policiais militares por morte em
circunstâncias trágicas, como seguimento do apoio psicossocial em incidentes
críticos. Nessa direção, vale dizer, há uma proposta de implementar um programa de
atendimento psicológico on-line, que, caso prosperasse, poderia receber esse
complemento.
169

6.5 Atendimento psicológico on-line

A pandemia do vírus Sars Cov-2 que mobilizou o mundo, trouxe ao Sistema


de Saúde Mental da PMESP também consequências. Já no mês março de 2020,
quando surgiram rumores de transmissão comunitária da doença no Brasil, o CAPS
criou 5 protocolos principais: apoio à equipe de saúde do Hospital da Polícia Militar,
disponibilização de linha telefônica para suporte dos policiais militares, contato com
os policiais militares do Prosen e em risco (comorbidades), por meio de follow up,
dentre outras. Contudo, a modalidade de psicoterapia on-line se mostrou uma ótima
oportunidade de evolução no campo da saúde mental.
Desta feita, diante da necessidade de ampliar a rede de assistência
psicológica, percebeu-se a oportunidade de incluir no projeto de expansão do
SiSMen a contratação de psicólogos civis para atender nessa modalidade. As regras
já foram insculpidas em projeto que, espera-se, seja implementado.
Alguns resultados desta pesquisa talvez fortaleçam esse projeto. Observou-
se que as taxas de suicídio entre oficiais são elevadas. Trata-se, contudo, de um
subgrupo que apresenta dificuldade de conciliar agendas e, vale dizer, por vezes
limitado de se servir dos atendimentos dos NAPS, por estarem diretamente ligados
ou na linha hierárquica desses núcleos. A psicoterapia on line, possivelmente, seja
uma importante alternativa que, caso implementada, deve ser amplamente divulgada
para esse subgrupo.

6.6 Modelo participativo

Outra perspectiva que se pretende renovar no PPMS é a de envolver novos


atores21 para fomentar ainda mais a prevenção de suicídios. Idealmente presenciais,
mas, em algumas circunstâncias, mediante emprego de tecnologia da informação,

21
A inspiração seja, talvez, a já extinta ―comissão de análise‖ do PAAPM. Realizava-se logo após o
encerramento da 2ª fase do Programa (estágio de desenvolvimento psicoemocional), para verificar
a proposta de prescrição para o retorno ou não do policial militar às atividades operacionais;
contava com a participação de oficial designado pelo Chefe do então CASJ (ou ele próprio), o
psicólogo responsável pelo estágio, um Oficial da Corregedoria e o Comandante direto do policial
militar implicado. Atualmente, a reunião de mitigação de riscos parece suprir parte da demanda.
Hoje, em uma configuração robusta, reúnem-se comandantes e envolvidos, para estudar possível
adequação procedimental para a resolução de ocorrências de alta gravidade.
170

reuniões técnicas envolvendo múltiplos profissionais poderiam, nos casos de


tentativa de suicídio e ideação, definir melhor estratégia de intervenção.
Por outro lado, percebe-se a dificuldade de padronizar a classificação em
ideação, tentativa e, também, por vezes o próprio suicídio; assim como de classificar
os diversos fatores de risco dos suicídios consumados. Além disso, não se procura
levantar eventuais fatores de proteção, elementos que, no futuro, poderão tornar
mais assertivas as medidas de prevenção.
Propõe-se, portanto, que a norma reguladora crie comissões técnicas para
atuar nessas situações, inclusive com a participação do comandante direto do
policial militar, ou de outros policiais militares relevantes para a salvaguarda ou para
auxiliar na compreensão do suicídio já consumado. Importante destacar que, nessas
condições, notadamente nos casos de tentativas de suicídio (ou planejamento bem
definido), as eventuais quebras de sigilo (obviamente, apenas naquilo que interessar
à efetiva prevenção) devem seguir as recomendações técnicas e as contidas no
Código de Ética do Profissional Psicólogo que, em circunstâncias excepcionais,
autoriza essa prática. Além da normatização geral, Procedimentos Administrativo
Padrão devem direcionar o profissional que decidir sobre essa quebra.
A confidencialidade, um dos principais pilares da psicologia, deve ser
assegurada. Mas, em circunstâncias extremas que envolvam o risco iminente de
morte do policial, de familiar ou de outrem, excepcionalmente devem ser adotadas
medidas que extrapolem o setting terapêutico (em sentido estrito). Aliás, alguns
debates sobre esse tema têm emergido; e, ao que parece, no contrato firmado entre
o profissional e o paciente/cliente, recomenda-se assinalar essa condição.
Outra necessidade é a reunião técnica entre os profissionais, seguindo-se
um roteiro que possibilite definir os fatores de risco e de proteção envolvidos em
cada caso.

6.7 Outras recomendações a partir dos achados desta pesquisa

De fato, a complexidade do suicídio se observa nos resultados, na medida


em que não é possível apontar uma variável causal, mas uma interconexão que
culminam no fenômeno. Pelo método definido para nortear esta pesquisa, há que se
destacar um limitador: não se buscou informações complementares, mediante
entrevistas às pessoas diretamente envolvidas, nem tampouco se debruçou sobre
171

os fatos por um viés psicológico, restringindo-se a levantamentos no banco de dados


existentes. No entanto, em termos gerenciais e, principalmente na área técnica, essa
recomendação será sugerida na proposta de normatização do PPMS, ou seja, o
fortalecimento da área de pesquisa em saúde mental.
A designação ―conflito conjugal‖ foi o fator de risco mais frequentemente
citado; contudo, trata-se de uma definição abrangente que necessita de um olhar
prioritário. A retomada do Pró-Família, projeto que funciona de forma irregular, seria
um ponto de partida importante para a prevenção do suicídio.
Além disso, eleva a preocupação o alto índice de suicídios estendidos ou o
homicídio seguido de suicídio. As vítimas, na maioria das vezes, são os cônjuges ou
pessoas com quem os policiais mantinham algum relacionamento (namorada, ex-
namorada, ex-esposa). Há, portanto, necessidade de elaborar campanhas e ações
de conscientização, de modo a minimizar, o quanto possível os riscos de se
consumar tragédias desta dimensão.
Com relação ao dilema da arma de fogo, embora haja recomendação da
OMS sobre a restrição dos meios letais (SCAVACINI, 2018, p. 45), há que se melhor
compreender e, principalmente, regular essa dinâmica. Recomenda-se também
estudar o fluxo dessa restrição e como ela opera e se organiza (desde os sinais e
comportamentos de risco, como é encaminhado ou se apresenta na consulta
médica, os critérios gerais para a avalição e, principalmente, o fluxo entre a restrição
médica concedida e o recolhimento da arma, partícular e da Instituição). De qualquer
modo, parece ser oportuno seguir a atual normatização sobre armas, até que novos
conhecimentos sejam incorporados.

6.8 Importância de normatizar o PPMS

A PMESP, ao longo dos anos, desenvolveu e implementou uma série de


programas e serviços voltados à prevenção e promoção da saúde; entretanto, por
vezes, redirecionou seus esforços para atender demandas emergenciais. Há,
portanto, dificuldade de dar seguimento a determinadas ações, em especial, aquelas
que carecem de uma normatização consistente, como o Programa de Prevenção a
Manifestações Suicidas.
Por meio da normatização, é possível dar perenidade e constância aos
trabalhos, além de propiciar segurança ao profissional de saúde mental para, por
172

vezes, tem de lidar com as contradições que naturalmente são enfrentadas no


cotidiano. Exemplo disso é o fortalecimento do PAAPM que, embora muito
questionado no início dos anos 2000, tornou-se um respeitado e consistente serviço
de atenção à saúde mental dos policiais militares.
Obviamente, a mera normatização não se sustenta sem outros elementos.
Assim como a proposta da National Officers Safety Initiatives (2020) de envolver as
lideranças, a gestão dos processos é fundamental. A normatização permite designar
atribuições, mas há necessidade de implementar ações que propiciem gerenciar o
programa adequadamente. Outros aspectos fundamentais são a ética profissional
das equipes de saúde mental e dos gestores, de modo a garantir a necessária
confiabilidade; e a capacitação técnica de psicólogos, assistentes sociais e
psiquiatras para que possam dar conta dos mais variados e difíceis casos.
Importante destacar, contudo, que, particularmente quanto ao PPMS, muitos
dos Núcleos ainda não estão totalmente integrados a essa prática, necessitando,
assim, de regramentos para que componham, efetivamente, a rede de prevenção
das manifestações suicidas, recebendo, para tal, orientações administrativas e
técnicas especificamente quanto à problemática.
173

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O suicídio é um fenômeno complexo, resultado de uma multiplicidade de


fatores. É uma morte impactante, que deixa nos enlutados marcas indeléveis.
Embora não haja consenso definitivo, as pesquisas, de um modo geral, apontam
que os policiais, na maior parte do mundo, estão mais suscetíveis ao suicídio.
Ao iniciar a presente pesquisa, partiu-se de um amplo leque de problemas.
Já se conhecia a complexidade do fenômeno, mas seria de fato possível prevenir o
suicídio, inclusive nos casos em que ocorre o homicídio seguido de suicídio? Essa
era problemática principal, entrelaçada com outras, as quais direcionavam para as
hipóteses sobre as quais este estudo se voltou.
A primeira hipótese era que, de fato, seria possível estabelecer uma política
de saúde mental que contemplasse a prevenção do suicídio, a partir de medidas que
pudessem fazer frente à complexidade do fenômeno, inclusive nos casos em que há
homicídio imediatamente antecedente, mediante o mapeamento de ambas as
circunstâncias.
E, de fato, essa hipótese confirmou-se, pois se percebe a necessidade de
um programa abrangente e, mais do que isso, interligado e operando em conjunto
com os demais programas e serviços de saúde mental, de modo a confrontar a
complexidade do suicídio. A cada variável analisada, observou-se uma
multiplicidade de circunstâncias envolvidas. Por exemplo: com relação aos graus
hierárquicos, nota-se um risco adicional entre oficiais (geralmente com mais de 20
anos de serviço) que, pelos encargos, supõe-se, muitas vezes protelam a busca por
ajuda. Como estratégia, pretende-se difundir a orientações específicas para esse
grupo; mas, acima de tudo, viabilizar a oferta de psicoterapia on-line. Talvez sejam
medidas iniciais que podem, no futuro, trazer novas perspectivas de atenção.
Outra questão levantada referia-se às proporções entre tentativas de suicídio
de policiais militares e os suicídios consumados; é esperado que as taxas de
tentativa sejam superiores. Contudo, não é o que ocorre na PMESP, talvez em
decorrência de duas hipóteses: a primeira, a subnotificação das ocorrências; a
segunda em função da disponibilidade de um meio eficaz aos policiais militares.E
embora não se tenha buscado aprofundar as análises sobre as tentativas de
suicídio, aparentemente, ambas são verdadeiras.
174

Por tal razão, três medidas são fundamentais para minimizar os riscos de
subnotificação: elevar a confiança dos policiais militares nos serviços de atenção à
saúde mental (a confidencialidade se mostra de fundamental relevância, assim como
a excelência nos atendimentos), sensibilizar o efetivo sobre a importância de solicitar
ajuda especializada e, por fim, criar mecanismos de comunicação adequados.
Com relação à existência de um meio eficaz em disponibilidade dos policiais
militares, há que se destacar que a especialização do policial militar (notadamente o
bombeiro) o faz dispor de conhecimentos para utilizar-se de meios letais, além da
própria arma de fogo, como, por exemplo, o uso de cordas para enforcamento. De
qualquer modo, é um ponto que carece de medidas adicionais: nos cursos de tiro,
reforçar as noções de segurança no porte e na guarda de armas, além de
orientações sobre a saúde mental. E, também, o estabelecimento de um grupo
multidisciplinar, compostos por especialistas em legislação, saúde mental,
instrutores de tiros, oficiais do quadro de saúde, dentre outros, para estudar
possibilidades de ampliar a restrição ao uso de armas de fogo em casos
emergenciais e fundamentados em critérios de risco.
Aliás, os riscos específicos envolvendo policiais militares também era um
aspecto a ser estudado. De fato, há casos graves que requerem um
acompanhamento permanente, como a esquizofrenia; contudo, ao que parece, não
são estes os casos que preponderam na PMESP, apesar de requererem a máxima
atenção. O processo seletivo, embora não se destine a diagnosticar transtornos
mentais, poderia ser considerado um fator decisivo. Entretanto, observa-se um
subgrupo que merece atenção: os dependentes de álcool e, eventualmente, de
outras substâncias psicoativas. Não se aprofundou na epidemiologia dessa questão,
muito embora Santana, L. (2015) tenha já trazido consistentes dados sobre o
assunto que, inclusive, culminaram na proposta de criação de uma rede de apoio
entre pares, projeto em fase de implementação na PMESP. A proposta, aqui, é de
se rever os exames toxicológicos para ingresso na Instituição. Utilizando-se de
modernas técnicas e de maior amplitude, poderia, de fato, contribuir para minimizar
os riscos de ampliação dessa problemática nos próximos anos.
Como fator de proteção, de fato, a Instituição, assim como apontaram
Stanley , Hom e Joiner (2016), parecem carregar em sua cultura potenciais fatores
de proteção contra transtornos psiquiátricos, como a camaradagem, o suporte social
e organizacional, além do senso de propósito, aspectos que devem,
175

complementarmente, favorecer a implementação da rede de apoio entre pares (em


andamento), como propôs Santana L. (2015), para a prevenção dos transtornos
mentais e comportamentais decorrentes do uso de substância psicoativa. Essa
ação, contudo, deve seguir uma estrutura mais abrangente, focando também em
qualidade de vida, prevenção do suicídio, dentre outras ações. Peres et al (2006,
p.7) também indicou que os policiais militares, em sua maior parte, são
psicologicamente resilientes; aspecto que poderia ser fortalecido, na medida em que
Santana, L. (2011) assinala a possibilidade de a resiliência ser objeto de
aprendizagem.
Tais posicionamentos tem fortalecido a percepção institucional de que há
uma forte rede de apoio entre os policiais, que se expressa pela camaradagem.
Além disso, o senso de propósito, tão presente nos ideais dos policiais militares,
precisam ser incentivados. Para tanto, o suporte organizacional que decorre da
própria estrutura da Polícia Militar, constitui um importante elemento, permitindo
expandir os conceitos de prevenção e de promoção da saúde, expandindo os
conceitos de resiliência e de qualidade de vida.
Outra hipótese referia-se à implementação de estratégias de prevenção
universal, as quais deveriam obedecer a premissas técnicas para que se
mostrassem eficientes e, ao mesmo, não induzissem a riscos como, por exemplo, o
―Efeito Werther‖.De fato, a hipótese parece se confirmar, na medida em que estudos,
ainda que não totalmente evidenciados, apontam para esses riscos. Em
contrapartida, o ―Efeito Papagino‖ indica a necessidade de ampliar ações de
orientação e de conscientização. Portanto, ainda que as campanhas sejam
desenvolvidas pela área de comunicação social, necessária a participação de
especialistas em saúde mental. Nesse sentido, recentemente fora criada uma
comissão, ainda que de funcionamento informal, para promover o devido
assessoramento nessas ações, com bons resultados, o que deve se tornar
procedimento padrão.
Por fim, a hipótese de que um corpo normativo sobre o Programa de
Prevenção às Manifestações Suicidas poderia ajudar a consolidar práticas
gerenciais e operacionais, além de propiciar elementos para a implementação de
políticas de prevenção e indicadores gerenciais de desempenho, de fato, tem se
mostrado fundamental e necessário. Não há como se limitar a campanhas
assistemáticas ou sem estratégias definidas. Além disso, as ações precisam de
176

constância e perenidade, dada a complexidade do suicídio. E, grande parte do que


fora levantado neste estudo, poderia ser contemplada nesse documento que, aliás,
precisaria ser simples e de fácil consulta, para que de fato traga os resultados
pretendidos.
A normatização materializaria algumas pretensões, mas, paralelamente,
exige-se o engajamento dos diversos atores envolvidos nesse processo. Essa ampla
gama de condições e circunstâncias parece ter suscitado reflexões mais amplas,
também sobre temas adjacentes. Trata-se, portanto, de um assunto complexo:
[...] há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis
constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o
psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente,
interativo e inter-retroativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto,
as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. (MORIN, 2005, p.
38).
Ao se lançar lentes para determinado objeto de estudo, certamente, eclodem
outros questionamentos, para que sejam conhecidos sobre outras perspectivas.
Exemplo disso foi a constatação de que, como fator precipitante dos suicídio surge
com frequência os chamados conflitos conjugais, que, em algumas circunstâncias,
culminaram em tragédias ainda mais graves, como o suicídio estendido ou homicídio
seguido de suicídio. Além das campanhas de sensibilização, a reestruturação de
ações como o Pró-Família, parece ser o início de uma trajetória possível para a
prevenção desse fenômeno.
Contudo, não se trata de um fator de risco simplificado; ao contrário, é
imprescindível considerar os inúmeros elementos que podem comportar essa
variável, os quais não aparecem isoladamente. A relação conjugal disfuncional é o
principal risco; mas os traços e os aspectos da personalidade, como possessividade,
impulsividade, agressividade, irritabilidade, percepção negativa sobre o mundo,
ciúmes, enfim, características individuais dos envolvidos podem tornar turbulenta a
relação.
O conflito conjugal, também, pode se associar a outros componentes, como,
por exemplo, o consumo de bebida alcoólica ou o uso de substância psicoativa, (que
surge como diversão, podendo, assim, ser consumida de forma abusiva, facilitando
o rompimento de limites). A vida financeira difícil, que, pouco a pouco acaba por
desgastar a relação ou a deflagrar dificuldades na definição de projetos conjuntos do
casal e da família. Aliás, há também que se considerar que, embora exista uma
estrutura de saúde na Instituição, muitas vezes, o tratamento medicamentoso
177

poderia trazer custos adicionais para o policial militar, já que os psicofármacos mais
modernos e sofisticados podem ter alto custo.
Aliás, as estruturas de atenção à saúde mental são fundamentais para lidar
com os casos cujo risco de suicídio é maior. Transtornos mentais, como o bipolar, de
personalidade, a dependência do álcool (e de outras substâncias psicoativas) e
também a depressão podem agravar ainda mais a situação. Importante destacar que
muitas pessoas sentem obliteradas as suas chances de superar a dor que
vivenciam:
[...] não podemos esquecer que a depressão diminui a capacidade da
pessoa em perceber a ajuda que tem disponível e ter esperança, então
mesmo que muitos tenham oferecido ajuda, ela pode não ter sido percebida
ou sentida. (SCAVACINI, 2018, p. 121)
Há, de fato, pessoas que não conseguem perceber a oferta de ajuda, como
bem assinalou Scavacini (2018). E não conseguem ter esperança. Portanto, a
associação de inúmeros protocolos, atuando de forma concatenada, deve ser
priorizada. Paralelamente, a criação de fluxos de atendimentos mais céleres e
dinâmicos precisa ser objeto de atenção institucional, de modo a comportar desde
estratégias de promoção da saúde (prevenção universal), passando pelo rastreio e
atendimento de subgrupos vulneráveis (prevenção seletiva), até o cuidado
direcionado aos policiais militares em risco (prevenção indicada).
Como assinala Violent et al (2011), o suicídio de policiais está diretamente
associado a diversas influências, abrangendo as áreas médica, psicológica e social;
e o conhecimento dessas influências é necessário para facilitar os esforços de
prevenção.
Portanto, um corpo normativo também integrando as diversas áreas da
Instituição, como comunicação social, ensino, tecnologia, logística, saúde, pessoas,
dentre outros, poderia se traduzir em significativos benefícios em prol do policial
militar e, consequentemente, da sociedade.
Como observado, o Sistema de Saúde Mental da Instituição é abrangente;
não se mostra viável, portanto, criar inúmeros outros programas, mas direcionar a
gestão para integrar os serviços e ações já existentes, de modo a contribuir para a
prevenção do suicídio. Adicionalmente, ações ora em desenvolvimento parecem
alinhar-se à nova estratégia de promover a saúde. Projetos como o ―CAPS na OPM‖
têm levado aos policiais militares informações importantes e, concomitantemente,
178

permitido sensibilizar os policiais militares sobre a importância de cuidar não só da


integridade física, mas, também, da saúde mental.
Embora as recomendações pareçam simples, servem como balizadores de
campanhas e de ações de comunicação, minimizando os riscos de se desencadear
o denominado ―Efeito Werther‖, mas produzindo o chamado ―Efeito Papagino‖.
Observa-se, portanto, que ações proativas, voltadas aos policiais militares, podem
desencadear o fortalecimento dos fatores de proteção: a certeza de que serão
amparados em situações de dificuldade (camaradagem), o desenvolvimento da
resiliência e da empatia, o cuidado com a saúde física e mental, o cultivo da
esperança, dentre outros.
O suicídio é a máxima expressão da angústia humana. E que a dor dos 267
policiais militares que morreram por suicídio entre 2010 e 2020, e os tantos outros
que se foram antes e depois desse recorte temporal, possam se traduzir em
esperança para aqueles que ainda hoje sofrem. A mesma esperança que foi o mote
delineador desta pesquisa. A esperança da qual se falou no início deste trabalho e
que, pretende-se, esteja cada vez mais presente no íntimo dos policiais militares,
guardiões da sociedade paulista!
179

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