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São Paulo
2021
POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO
CENTRO DE ALTOS ESTUDOS DE SEGURANÇA
―CEL PM NELSON FREIRE TERRA‖
São Paulo
2021
POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO
CENTRO DE ALTOS ESTUDOS DE SEGURANÇA
CURSO SUPERIOR DE POLÍCIA – CSP/2021
________________________________________________________
CEL PM MÔNICA PULITI DIAS FERREIRA
Doutora em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública – CAES
_________________________________________________________
CEL PM DÉCIO DOS SANTOS GOMES
Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública – CAES
_________________________________________________________
TEN CEL PM MARCELO ALVES DOS SANTOS
Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública – CAES
_________________________________________________________
TEN CEL PM HUGO ARAÚJO SANTOS
Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública – CAES
_________________________________________________________
MAJ PM ADRIANA NUNES NOGUEIRA
Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública – CAES
Dedico este trabalho a todos os agentes do Sistema de Saúde Mental da
Polícia Militar do Estado de São Paulo que, a cada dia, se esmeram para fazer
frente à angústia e sofrimentos dos policiais militares.
Ao amigo e irmão, Major PM Luiz Claudio Rodrigues Alves (in memorian).
Aos meus pais, Yoko e Nelson (in memorian); e irmãos, Marie, Marcelo (in
memorian) e Maurício.
Em especial, à minha esposa Daniela e aos meus filhos Julia, Isabela e
Mateus!
AGRADECIMENTOS
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 19
6.7 Outras recomendações a partir dos achados desta pesquisa ............. 170
1 INTRODUÇÃO
1
Cabe sempre ressaltar que foram adotadas medidas visando a reduzir a possibilidade de
identificação dos policiais militares constantes nos registros.
20
A morte por suicídio implica, portanto, a ação direta contra si. Diante da
inevitabilidade do morrer, a pessoa age de modo incisivo para antecipar a própria
morte. Embora muitos não venham a consumar o ato, não é incomum pensar sobre
ele, o que traz implicações psicológicas mais amplas:
Tive vários amigos que se suicidaram. Outros, que não foram amigos, mas
por quem tive sincera admiração. Para alguns é possível reconstituir a
história. Outros permanecem mergulhados em mistério. O que assusta é
pensar que, quem sabe, o desejo de morrer também more, encolhido,
dentro da gente. Não tenho medo de andar de avião. Pelo contrário, sinto-
me possuído de uma grande tranquilidade ao olhar para a terra, lá das
alturas. Mas meus sentimentos são diferentes quando me debruço sobre a
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(bom ou mau), mas na motivação, razão pela qual exaltava alguns e condenava
outros (SILVA, Maria, 2009). Desse modo, nos anos de Guerra Civil e no começo do
Império eram comuns os suicídios de cunho político:
Estes suicídios, relatados com admiração pelos historiadores romanos, a
exemplo de Tácito, são considerados heroicos e ilustrariam a suprema
liberdade dos indivíduos, superiores ao próprio destino. Catão, Cássio,
Bruto, Antonio, Cleópatra tornam-se modelos lendários constantemente
citados por humanistas e filósofos dos séculos XVII e XVIII. (SILVA, Maria,
2009, p. 15).
3
A Lei das XII Tábuas teria sido criada a partir da intensa pressão da plebe, que se sentia totalmente
alijada do processo social. As leis eram secretas e aplicadas contra plebe que exigiu normas
escritas. A Lei das XII Tábuas, desse modo, retrataria o meio social e suas ―[...] normas definem
um período da vida romana. E a crer na afirmativa de Pompônio [...] de que teria sido a codificação
dos costumes anteriores — representaria, também, uma rica fonte de investigação e
conhecimento do direito anterior ao século V a.C.‖ (MEIRA, 2021, p. 41).
32
Concílio de Toledo ―estabelece o tipo de castigo para quem tentasse se matar, bem
como a excomunhão para todos os sobreviventes de tentativas de suicídio‖ (SILVA,
Maria, 2009, p. 18).
Assim, a partir do século V, o Estado Romano, governado por Constantino:
Retirou do indivíduo comum o direito de dispor da própria vida. Havia fome,
epidemias, guerras. Havia baixa natalidade, e faltavam alimentos e mão de
obra. A vida dos colonos e dos escravos pertencia ao seu senhor. O suicida
passou a ser culpabilizado, e seus familiares tinham os bens confiscados.‖
(BOTEGA, 2015, p. 18).
Sobre esse mesmo período, a Idade Média, Botega (2015) assinala que a
Europa era predominantemente cristã e, embora não houvesse uma expressa e
clara repulsa bíblica, o suicídio passou a ser penalizado em função do panorama
que se apresentava, decorrente de crises econômica e demográfica. Dependendo
da localidade, ao praticar suicídio, o corpo teria de ser retirado da casa pela janela
ou por algum buraco, não podendo fazer uso da porta. Em outros locais ―o cadáver
era arrastado por um cavalo até uma forca, onde era pendurado com a cabeça para
baixo. As mãos eram decepadas e enterradas separadamente. Os enterros
deveriam ser feitos em uma estrada ou encruzilhada, nunca no cemitério do
povoado‖ (BOTEGA, 2015, p. 18).
Na Renascença, a literatura e as artes passaram a representar o suicídio de
outra maneira, amenizando a visão de pecado que predominou na Idade Média.
Erasmo de Roterdã, Michel Montaigne, Shakespeare são exemplos destacados
desse novo período, muito embora a visão religiosa reforçasse a interdição do
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suicídio, não somente pelos católicos, mas também pelos protestantes, como Lutero
e Calvino (SILVA, Maria, 2009).
No século XVII passa a haver uma nova perspectiva. ―As interdições
tradicionais em torno da morte voluntária eram desafiadas‖ (BOTEGA, 2015, p. 21).
No campo das ciências, o divino foi sendo superado pelo aspecto humano; um novo
tempo que desafiou os valores tradicionais em busca de novas referências. A
melancolia começou a protagonizar as discussões. Já no século XVIII, a
condenação aos suicidas, de fato, começa a ocorrer:
Na França, a prioridade agora é a discrição, com a polícia tendo o cuidado
de esconder do povo os casos de suicídio: o inquérito é estabelecido sem
dar muito nas vistas e o morto é enterrado sem ruído. O mesmo é
observado na Inglaterra, onde as reações são cada vez mais hostis à
confiscação dos bens dos suicidas. A exceção, tanto na França como na
Inglaterra, fica por conta dos condenados e acusados que se matam para
escapar da justiça. A criação de associações de auxílio na reintegração dos
que escapam da morte voluntaria. é outra prova da mudança de atitude
para com o suicídio. O papel do diabo vai, pouco a pouco, sendo eliminado
e o ato passa a ser encarado como uma tentativa racional. (SILVA, Maria,
2009, p. 25).
Como assinala Botega (2015), nos tempos atuais, por vezes o suicídio é
encarado como um fenômeno abstrato e desconfortante; muitas vezes,
[...] pode haver a infeliz espetacularização midiática de mortes violentas,
incluindo-se casos de suicídio. As novas tecnologias, representadas pela
internet e pelas redes sociais virtuais, ao reverberarem o suicídio, reativam
e alimentam várias fantasias e tradições arcaicas armazenadas em nossa
mente, ligadas, por exemplo, à imortalidade, à morte gloriosa ou à vingança.
Em contrapartida, na volatilidade da internet, a realidade dramática de um
suicídio, e de uma pessoa em particular, muitas vezes se esvai em uma
rede de personae virtuais não vinculadas afetivamente. (BOTEGA, 2015, p.
24).
São os desafios da contemporaneidade para os quais a Instituição, também,
precisa se preparar.
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Contudo, como visto no curso da história, o suicídio tem sido um tema dos
mais controversos. Muitas vezes, os transtornos mentais e a morte por suicídio
foram condenados e estigmatizados. Diante desse paradoxo, ou seja, a
possibilidade de se constituir em um importante fator de proteção ou, em algumas
circunstâncias, em riscos, necessário se faz uma breve consideração sobre este
aspecto.
Como assinala Bertolote (2012, p. 15), em quase todos ―os antigos livros
sagrados (a Bíblia, o Mahabharata, o Gilgamesh etc) e na mitologia da maioria dos
povos antigos, há inúmeros relatos de casos de suicídio‖, representados, muitas
vezes, como ato heroico ou praticado por um ser mítico ou superior, como salvação
de seu povo ou para se livrar de uma situação sem alternativas.
Com relação às religiões, o hinduísmo, segundo Bertolote (2012), mostra-se
ambíguo, pois ora condena o suicídio, ora aceita, por vezes promovendo. Nery
(2013) também destaca a aparente ambivalência existente no hinduísmo, já que na
Índia, por exemplo, a tentativa de suicídio sujeita o indivíduo à aplicação de
reprimenda. Na mesma linha, Botega (2015, p. 32) assinala que a filosofia hindu
―descreve a vida e a morte como uma pessoa que tira uma roupa velha e põe uma
nova. Todas as ações de uma vida formam a base para a próxima‖ e, embora seja
condenada veementemente, a morte por inanição é aceita por determinados grupos
religiosos.
35
4
O Talmude é uma coletânea de ensinamentos judaicos antigos.
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sem ser claramente somado, como pecado, a seu crime de traição. Apenas mais tarde
é que seu suicídio foi considerado, pelos teólogos católicos, um pecado maior do que a
traição.‖
Bertolote (2012, p. 28), no mesmo sentido, assinala que a ―Bíblia relata
diversos casos de suicídio, aparentemente sem condenar nenhum deles‖. Ambos os
autores também concordam que não haveria intenção suicida quando da morte de
Sansão, mas o objetivo de provocar a morte dos filisteus que estavam no templo
(BERTOLOTE, 2012; BOTEGA, 2015).
Nessa perspectiva, segundo narra o texto bíblico (BÍBLIA SAGRADA, 1990,
p. 276), Sansão estaria amarrado entre duas colunas em um templo, onde também
estavam muitas pessoas, dentre as quais, todos os chefes dos filisteus, quando
invocando a Deus,
gritou: ‗Que eu morra junto com os filisteus‘. Empurrou as colunas com toda
a força, e o templo desabou sobre os chefes e todo o povo que aí se
encontrava. Desse modo, ao morrer, Sansão matou muito mais gente do
que tinha matado durante toda a sua vida‖ (Jz 16, 30-31).
De fato, aqui, ao menos três elementos parecem se reunir, a junção entre o
destemor ante a morte (talvez como redenção), o desejo de vingança e o desejo de
matar. Menninger (2004, p. 80-82, apud MINGUETTI; KANAN, 2014) assinala que o
suicídio seria antecedido de, ao menos, três desejos: o desejo de morrer, o desejo
de matar e o desejo de ser morto. Com relação ao desejo de matar, destaca que
todo suicídio seria um homicídio (um homicídio de si próprio). Em uma perspectiva
psicanalítica, ―o desejo de matar seria resultante da destrutividade primária. Deste
modo ninguém se mata a menos que esteja ao mesmo tempo, matando um objeto
com quem se identificou, voltando contra si próprio um desejo de morte antes
dirigido contra outrem;‖ (MENINGER, 2004, p. 80-82, apud MINGUETTI; KANAN,
2014, p. 13).
Compreender a natureza do suicídio, portanto, perpassa por uma ampla
gama de elementos circunstâncias, sociais, psicológicos, dentre outros.
Prosseguindo na análise do texto bíblico, elementos como a vergonha e o
sentimento de derrocada, são variáveis presentes nesses relatos, como em
Abimelec. Importante destacar que, assim como a morte de Sansão é discutida em
função da questionável intencionalidade, é necessário, neste caso, observar que o
ato não é praticado por si próprio, mas por meio de um aliado que acata a
determinação exarada por Abimelec, após um mal sucedido ataque a Tebes. Ao
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chegar perto da porta de uma torre fortificada para onde as pessoas se refugiaram
com a intenção de atear fogo, uma mulher teria lhe fraturado o crânio jogando um
objeto. Segundo assinala a Bíblia (1990, p. 268), ―Abimelec chamou logo o
escudeiro e disse: ‗Pegue a espada e mate-me, para não dizerem que uma mulher
me matou‘. O escudeiro o atravessou com a espada, e ele morreu.‖ (Jz, 9, 54).
O Rei Saul, por sua vez, foi atingido por um inimigo. Ciente de que morreria,
também ordenou ao seu escudeiro que o transpassasse a espada. Como não foi
atendido, atirou-se, ele próprio Saul sobre a espada. Assim é descrito (BÍBLIA, 1990,
p. 421):
Os atiradores [filisteus] descobriram onde ele estava e lhe acertaram
flechas. Saul disse ao seu escudeiro: ‗Puxe a sua espada e me mate, senão
esses incircuncisos vão rir de mim‘. O escudeiro não quis fazer isso, pois
teve muito medo. Então Saul pegou a sua própria espada e se jogou sobre
ela. O escudeiro ficou apavorado e, ao ver que Saul tinha morrido, jogou-se
também sobre a própria espada e morreu. Dessa forma, morreram Saul e
seus três (1 Cr 10, 3-5).
Vale destacar que a vergonha também parece estar presente neste trecho;
contudo, de modo diverso do escudeiro que atingiu Abimelec, o que estava ao lado
de Saul teve ‗medo‘ de matá-lo, sucedendo-se, em seguida, outro suicídio. Os outros
dois casos de suicídio citados por Botega (2015), a de Aquitofel e Judas Iscariotes,
ocorreram por meio de enforcamento. O primeiro aconselhou Absalão a promover
um ataque a Davi, a quem havia servido antes de conspirar contra o rei; diz o texto
(BÍBLIA, 1990, p. 336) que, ―Quando Aquitofel percebeu que o seu conselho não
fora seguido, selou o jumento, montou e foi para sua casa na cidade. Colocou a
casa em ordem e depois se enforcou e morreu.‖ (2 Sm 17,23). Assim como a
concisa descrição da morte de Aquitofel, o de Judas é assim descrito nas Escrituras
(BÍBLIA, 1990, p. 1217):
Então Judas, o traidor, ao ver que Jesus fora condenado, sentiu remorso, e
foi devolver as trinta moedas de prata aos chefes dos sacerdotes e anciãos,
dizendo: ‗Pequei, entregando à morte sangue inocente.‘ Eles responderam:
‗E o que temos nós com isso? O problema é seu. Judas jogou as moedas
no santuário, saiu, e foi enforcar-se. (Mt 27, 3-5).
É nessa perspectiva que Botega (2015) ressalta a rápida descrição da morte
de Judas Iscariotes, em que se apresenta a narrativa da traição, contudo, sem ser
especificamente descrito a condição de pecado, o que mais tarde viria a acontecer,
segundo o autor, por meio da interpretação de teólogos.
Embora não tenha sido descrito por Botega (2015), durante esta pesquisa
localizou-se outro relato bíblico em que se pode caracterizar a morte auto inflingida.
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É o de Zambri (ou Zinri)5, cujo reinado fora curto, de cerca de sete dias, mas de
grande crueldade. O povo teria sido informado das atrocidades e então tornaram o
comandante do exército de Israel em rei, iniciando uma retaliação contra Zambri,
que se sentiu cercado. A Bíblia (1990, p. 370) assim descreve o episódio: ―Quando
Zambri percebeu que a cidade ia ser tomada, fechou-se na torre do palácio, colocou
fogo no palácio e morreu aí dentro. Isso aconteceu por causa do pecado que havia
cometido [...]‖ (1Rs 16, 18-19).
No caso de Zambri, interessante notar a noção de se sentir sem alternativas,
cercado. É presente em muitos casos de suicídio um sentimento parecido. Não
cercado exatamente por inimigos, mas por dificuldades que parecem superar o
maior dos exércitos.
A religiosidade e a fé, independentemente de denominações, são
circunstâncias relevantes e, por vezes, favorecem a superação das dificuldades;
mas, ao mesmo, tempo, por outra perspectiva, mais incisiva, é o dilema imposto a
determinadas seitas ou movimentos religiosos que estabelecem uma rigorosa
relação com o transcendente, exigindo, por vezes, sacrifício da própria vida em prol
dos benefícios espirituais a serem colhidos na eternidade.
Nery (2013), ao conduzir uma revisão sistemática sobre a religiosidade na
determinação do comportamento suicida, observou a ambivalência existente, pois
parte dos estudos indicavam tratar-se de fator protetivo e, outros, como fator de
risco. Durante o curso da citada revisão, a autora também constatou a ausência de
conceitos homogêneos sobre religiosidade e, também, sobre o comportamento
suicida, o que poderia, de fato, trazer inconsistências e estimativas fragilizadas. Em
linhas gerais, contudo, reforçou-se a hipótese de que se reduz o risco de
comportamento suicida nos indivíduos que exercitam a fé.
De qualquer modo, a religiosidade deve ser considerada a partir dessas
perspectivas, ou seja, como assinala Botega (2015, p. 31) ―como um sistema de
crenças e o estabelecimento de uma rede de apoio social‖, esta última, fortalecedora
da coesão grupal. A fé, portanto, acaba por operar em duas instâncias, ao promover
um importante fator protetivo contra o suicídio, quando gerador de comportamentos
5
As versões bíblicas também trazem a denominação ―Zinri‖, que estaria mais próximo do hebraico,
para designar ―Zambri‖. Como a proposta deste trabalho é utilizar os registros bíblicos apenas como
ilustração para contextualizar o suicídio a partir de referências religiosas, estas diferenças
conceituais não serão abordadas.
39
técnica formada.‖ (BRASIL, 2018, p. 2657). Tal decisão se mostra relevante, já que
dirimiu as discussões sobre a voluntariedade do suicídio:
Desta feita, inconteste admitir que o STJ tornou inócua qualquer discussão
a respeito da voluntariedade ou não do ato suicida e consolidou o
entendimento de que após os dois anos de carência estabelecidos na lei, a
boa fé do que pratica o ato de autodestruição é presumida, consolidando
assim a regra de que a prática do suicídio após o período de carência
estipulado em lei, sempre se dará de forma involuntária, obrigando assim o
pagamento da indenização estipulada. (SANTOS, Alex, 2020, p. 69).
Bertolote (2012), por seu turno, ensina que, desde o século XIX,
pesquisadores tem se debruçado sobre os fatores de risco, buscando identificá-los,
produzindo um vasto rol que abrangem os ―domínios biológico, psicológico, social e
espiritual, revelando as várias áreas de atuação e interesse desses escritores‖
(BERTOLOTE, 2012, p. 69) e, embora tenha lastro na realidade empírica, na maioria
das vezes esses autores deixam de controlar as múltiplas variáveis implicadas no
fenômeno. Desse modo, postula que:
Tanto do ponto de vista conceitual quanto do ponto de vista prático, é
importante diferenciar fatores predisponentes - que criam o terreno no qual
vai se instalar um processo suicida (por exemplo, determinadas
constituições genéticas ou genótipos, certos traços de personalidade) - de
fatores precipitantes (por exemplo, perdas significativas emprego, posição
social, honra -, rupturas amorosas e afetivas ou situações de humilhação),
que, agindo em terreno propício, provocam a sequência final de
comportamentos que levam ao suicídio. Os primeiros são também
chamados de ‗fatores distais‘ por agirem muito antes do ato suicida, ao
passo que os últimos são chamados de ‗fatores proximais‘, pela
proximidade temporal com o ato suicida, e são os que mais comumente são
percebidos, de maneira errónea, pelo público leigo (e por muitos jornalistas)
como as ‗causas do suicídio‘. (BERTOLOTE, 2012, p. 69-70)
Bertolote (2012) sistematizou e enquadrou os principais fatores de risco,
conforme se apresenta na tabela 1.
Tabela 1 - Fatores de risco do comportamento suicida
Fatores Predisponentes Fatores Precipitantes
(distais em relação ao ato suicida) (proximais em relação ao ato suicida)
Fatores sociodemográficos e individuais Fatores ambientais Estressores recentes
87,3% dos casos. Localização geográfica e sexo também foram variáveis que
apresentaram diferenças significativas.
De acordo com a cartilha ―Prevenção do Suicídio: Manual dirigido a
profissionais das equipes de saúde mental‖, do Ministério da Saúde, um dos
principais fatores de risco é transtorno mental, embora participação decrescente nos
casos de suicídio. Destaca-se, contudo, os transtornos do humor (ex.: depressão),
os associados ao uso de substâncias psicoativas (ex.: alcoolismo), os transtornos de
personalidade (principalmente borderline, narcisista e anti-social), a esquizofrenia e
os transtornos de ansiedade. A comorbidade, como por exemplo a presença de
alcoolismo associada à depressão, potencializa riscos (BRASIL, 2006).
Em revisão que incluiu artigos publicados entre 1959 e 2001 em todo o
mundo, em que se identificou 15.629 casos de suicídio na população em geral. Os
estudos referiam-se a pessoas com história de admissão em hospitais psiquiátricos
(47,5%) ou sem internação (52,5%). Nos casos em que não havia diagnóstico
estabelecido, foram aceitos aqueles feitos após a morte, por meio de métodos
específicos, como as autópsias psicológicas (BERTOLOTE; FLEISCHMANN; 2002).
Figura 1 – Distribuição de diagnóstico de transtornos mentais em casos de suicídio
Em grande parte dos estudos sobre os riscos de morte por suicídio, o álcool
é associado a transtornos mentais. Contudo, pode se apresentar como fator
precipitante (uso de álcool no momento do ato) e, também, como fator
predisponente (dependentes de álcool). Botega (2015, p. 118) assinala que pessoas
que fazem uso nocivo do álcool, o risco de suicídio se aproxima dos 15% ao longo
da vida.
Seus efeitos estão ligados ao aumento da impulsividade, prejuízo da crítica e
aumento no grau de letalidade nas tentativas (BOTEGA, 2015). A influência de
álcool e outras substâncias psicoativas podem agravar os riscos. ―A intoxicação por
álcool contribui consideravelmente para o comportamento suicida. Parece haver
aumento na taxa de comportamento suicida, bem como de suicídio consumado,
entre pessoas intoxicadas por álcool‖. (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION,
2014, p. 498).
7
Trata-se de uma tradução do autor. No artigo original, Phillips (1974, p. 341) escreve textualmente:
―It seems appropriate to call this increase in suicides ‗the Werther effect‘‖.
51
Segundo Werlang e Botega (2004, p. 29), o conceito envolve ―[...] todo ato
pelo qual um indivíduo causa lesão a si mesmo, qualquer que seja o grau de
intenção letal e de conhecimento do verdadeiro motivo desse ato‖. Verifica-se,
portanto, que a ação deve ser praticada por determinada pessoa e dirigida a si
mesma. Outro aspecto conceitual é que deve haver, independentemente do grau,
uma intencionalidade de produzir a morte, ainda que o motivo não esteja claro para
a pessoa que o praticou.
Os comportamentos suicidas, contudo, não se restringem ao desfecho fatal,
pois também compreendem a ideação suicida e as tentativas, resultando em morte
ou não. Em termos conceituais e fenomenológicos:
Do ponto de vista fenomenológico, o suicídio é um processo que se inicia
com considerações mais ou menos vagas sobre a morte e sobre morrer
(ideação suicida), as quais podem adquirir consistência (persistente ou
recorrente, flutuante), evoluir elaboração de um plano (plano suicida) e
num ato suicida, cujo desfecho poder ser fatal (suicídio) ou não (tentativa
de suicídio). (BERTOLOTE, 2012, p. 21-22, grifos do autor).
2.9 Epidemiologia
Figura 2 – Mortalidade por suicidio (número de óbitos e taxas brutas por 100 mil habitantes) no
estado de São Paulo, no período de 2010 a 2019.
3 O SUICÍDIO DE POLICIAIS
décadas, a taxa de suicídio entre os policiais de Nova York revelou-se igual ou até
inferior à taxa de suicídio da população residente na cidade (MARZUK el al, 2002).
Contudo, segundo Santos, Marcelo (2020), esse coeficiente de suicídios para os
policiais de Nova York em 2017 foi de 13,8 para cada grupo de 100 mil pessoas,
enquanto a população geral daquela cidade apresentou taxas 6,7 por 100 mil, ou
seja, mais que o dobro. Os dados aqui levantados poderiam constituir um outlier
(ponto fora da curva) ou, de fato, demonstrar a significativa elevação de risco de
policiais. Santos, Marcelo (2020) também assinala que em 2018, nos Estados
Unidos da América, o coeficiente de mortalidade por suicídio foi de 17 para cada
grupo de 100 mil pessoas, ou seja, também superior à taxa da sociedade americana,
que registrou 13 por 100 mil.
Os estudos também têm demonstrado que as taxas de suicídio podem diferir
entre departamentos de polícia de diferentes tamanhos. Um estudo que contemplou
298 departamentos de polícia dos EUA descobriu que as organizações menores
tinham as taxas de suicídio mais elevadas, talvez em função da menor
acessibilidade aos serviços de saúde mental, em especial, aqueles mais
abrangentes (que poderiam estar disponíveis em departamentos maiores); outros
fatores associados seriam a carga de trabalho maior e a visibilidade da comunidade
sobre a organização (NACIONAL OFFICER SAFETY INITIATIVES, 2020).
Não haveria como abordar todas as policiais europeias. Apenas para fins de
contextualização, procurou-se estudar os dados publicados em periódicos científicos
(internacionais) que pudessem trazer taxas e comparativos com a população geral
dos respectivos países. Foram localizados artigos da polícia italiana (Polizia di Stato,
já que não foram encontrados estudos sobre os Carabineros), da Polícia Nacional
Portuguesa e das policias alemãs (congregando as duas forças federais e as 16
estaduais).
No que concerne aos policiais italianos, no período de 1995 a 2017,
registrou-se a morte de 271 profissionais do serviço ativo. Variáveis como a idade e
sexo foram comparados entre policiais e a população italiana em geral. Em linhas
gerais, os resultados apontaram que a taxa média de suicídio policial foi de 11,8 por
100 mil indivíduos por ano, dentro de um intervalo de confiança (IC) de 95%
65
8
Dados obtidos no sítio eletrônico do Portal da Transparência do Governo Federal. Disponível em:
http://www.portaldatransparencia.gov.br/servidores/. Acesso em: 09 out. 2021.
69
Figura 4 – Suicídios de policiais militares de Alagoas (ativos e inativos), no período de 2012 a 2020
principais forças para o enfrentamento dos desafios no campo da saúde mental. Não
será possível, contudo, analisar com detalhes a rica história que remonta, em termos
formais, da década de 1940, por meio de duas iniciativas que, no futuro, se
cruzariam.
Em primeiro plano, a Capelania Militar, criada por meio Decreto da Cúria
Metropolitana de São Paulo em junho de 1942, de acordo com Boletim Geral 133
daquele mesmo ano, tinha por objetivo oferecer a ―assistência espiritual e moral‖ aos
militares da Força Policial do Estado (SANTANA, L., 2015), incorporando, mais
tarde, as funções de assistência social, atividade hoje desenvolvida por profissionais
que integram o Sistema de Saúde Mental (SisMen) da Instituição.
Alguns anos adiante, em 24 de outubro de 1949, conforme publicação
inserta no Boletim Geral nº 237, criou-se o Gabinete Psicotécnico da Força Pública
(SANTANA, L., 2015), um grande marco histórico ao expressar, mais uma vez, o
pioneirismo da Instituição, ao utilizar as técnicas da ciência psicológica na seleção
de seus integrantes, visto que, somente treze anos mais tarde, por meio da Lei
Federal n° 4.119, de 27 de agosto de 1962, houve a regulamentação da profissão de
psicólogo no nosso país.
Segundo Santana, L. (2015), o organismo central de seleção dos
ingressantes era a Seção de Alistamento que, pouco a pouco, habilitou profissionais
para a aplicação de instrumentos psicológicos, inclusive por meio da designação de
dois oficiais para frequentar o curso de Psicologia Aplicada na Universidade de
Sorbone, em Paris.
Houve então o reaparelhamento do Gabinete Psicotécnico, até que em 03
de julho de 1953, por meio do Boletim Geral nº 121, o Gabinete Psicotécnico
recebeu o nome de Departamento de Seleção e Orientação Profissional (DASOP).
Os candidatos aprovados nos exames de escolaridade pela Seção de Alistamento
eram então apresentados nesse Departamento para serem submetidos aos exames
psicológicos. O emprego das técnicas da psicologia cresceu paulatinamente na
Instituição, em especial por meio do Centro de Seleção, Alistamento e Estudos de
Pessoal (CSAEP), atualmente uma Divisão da Diretoria de Pessoal.
Paralelamente, com a estrutura voltada para a assistência social e religiosa
dos policiais militares, inclusive incorporando a Capelania Militar, foi criado o Centro
de Assistência Social, Religiosa e Jurídica (CASRJ) em 27 de dezembro de 1985,
por meio do Decreto n.º 24.572. O CASRJ ficou subordinado à Diretoria de Pessoal
77
terapêutico. Esse serviço está disponível para todos os policiais militares, tanto da
ativa quanto aos veteranos.
De modo geral, os atendimentos podem ser previamente agendados,
seguindo-se sessões para triagem e encaminhamento; contudo, em casos de
urgência9, permite-se atender o policial militar por intermédio do Plantão Psicológico,
com o objetivo de promover o acolhimento da demanda por meio de uma
intervenção imediata, de modo a buscar o restabelecimento do contato com os seus
recursos e limites e, assim, possibilitar o adequado direcionamento da conduta
psicoterapêutica.
Este Programa foi criado no ano de 2017, por meio da Nota de Instrução nº
PM3-004/03/17, com o objetivo de possibilitar, ao policial militar, um espaço de
acolhimento e socialização em razão dos eventuais receios e anseios que marcam o
período de transição entre o desligamento do ambiente acadêmico e o início dos
novos e intensos desafios profissionais.
Por meio desse Programa, busca-se auxiliar os iniciantes na profissão a
desenvolverem o seu autoconhecimento e a compreender aspectos de sua
9
Em situações ―emergenciais‖, ou seja, estando o policial militar em ―crise‖, o adequado atendimento
se dá por equipe médica do Pronto-Socorro.
85
3.5.3.6 O PROSEN
3.5.3.7 O PPAD
3.5.3.8 O PAAPM
Autor Título
Ano
Cap PM Fernando Estudo sobre o suicídio na Polícia Militar e propostas para
1989
Cristiano Silva de Andrade solução
(2001). As vivências dos autores puderam propiciar importantes reflexões, ainda que
restritos os elementos que pudessem ser evidenciados no curso das pesquisas.
Nesse norte, Santana, J. (2001) discute a questão do estresse no trabalho
do policial militar, já que o profissional ofereceria muito de si à atividade profissional,
causando-lhe desequilíbrio físico e emocional. O autor ainda postula que os
suicídios são causados pelo estresse. Cumpre destacar, contudo, que, atualmente,
predomina a compreensão de que o suicídio decorre de múltiplos fatores, não
havendo relação de causalidade entre uma única variável e o suicídio.
Em outro estudo, com base na revisão de literatura, Dias (2020) buscou
produzir conhecimento com o propósito de instituir uma política de prevenção de
manifestações suicidas focada na Educação Física. Durante o estudo, verificou-se
que rotina de constante tensão e perigo da atividade policial militar, caracterizada
inclusive pelo juramento de sacrificar a própria vida para defender a população
estaria ligada ao alto grau de vulnerabilidade ao sofrimento psíquico desse grupo. As
evidências de que ocorrem alterações bioquímicas quando da exposição aos fatores
de risco, o que poderia incidir na suscetibilidade do profissional ao sofrimento
psíquico fizeram a autora a considerar a prática do exercício físico, por meio de
profissional capacitado, como medida de prevenção ao proporcionar ajustes
fisiológicos que poderiam minimizar tais efeitos deletérios (DIAS, 2020). Nesse
sentido, vale registrar que Costa, Soares e Teixeira (2007), por meio de uma
pesquisa bibliográfica, constataram que a prática de exercícios regulares é relevante
no contexto da prevenção pois, além dos benefícios fisiológicos, teria sido
observada melhoria na sensação de bem estar, no humor e na autoestima dos
praticantes, assim como a redução da ansiedade, da tensão e da depressão.
Na tese de doutoramento, Santos, Marcelo (2020) estabeleceu três eixos de
pesquisa. A primeira, a pesquisa em materiais já existentes (documental ou
bibliográfica) sobre a prevenção do suicídio; o segundo eixo constituiu-se na
elaboração de dois questionários de pesquisa encaminhados a especialistas, o
primeiro grupo composto por profissionais ligados a gestão de setores, relacionados
à prevenção, da Instituição, autores e pesquisadores do tema e o segundo composto
por psicólogos da PMESP, o terceiro eixo foi a aplicação do questionário atitudes
frente ao comportamento suicida (QACS) a policiais militares de diversas unidades.
O trabalho teve como premissa o conceito de que o suicídio pode ser prevenido.
Como propostas, discorreu sobre a necessidade de se reduzir o estigma e os
91
Uma pesquisa com cunho científico que pretenda enfrentar um tema tão
complexo quanto é o suicídio não se desenha de maneira simplificada. Como se
observou ao longo deste trabalho, esse fenômeno foi encarado de diversas
maneiras, ao longo da história. Cada grupo social, também, criou seus próprios
modelos para lidar com esse polêmico fato. Nos últimos tempos, em especial após a
eclosão de campanhas como o ‗setembro amarelo‘, as pessoas se permitiram
discutir com maior intensidade o suicídio, o que deve possibilitar, no futuro,
compreendê-lo com maior clareza, diminuindo o julgamento com base em crenças
ou preconceitos.
De qualquer modo, ao se desenhar a presente pesquisa, ainda como
projeto, pretendia-se empreender uma análise do banco de dados do PPMS.
Pretendia-se, inclusive, realizar uma pesquisa meramente quantitativa. A utilização
da estatística, portanto, apresentava-se como medida para ampliar o campo de
análise:
Outrora a estatística estava confinada na área das ciências exatas.
Raramente atraía o interesse de pesquisadores de outras áreas, como as
ciências humanas ou biológicas. Atualmente, é considerada um dos mais
úteis instrumentos de trabalho em todos os campos da investigação. E, no
momento em que a computação eletrônica está ao alcance dos
pesquisadores de nível universitário, a estatística atinge um grau de
sofisticação do mais elevado padrão. (CERVO; BERVIAN, 1983, p. 162).
Ao se cogitar desenvolver uma pesquisa quantitativa ou, como postula
Severino (2016, p. 125) uma ―abordagem quantitativa‖, pretendia-se, inicialmente,
utilizar-se de recursos da estatística inferencial; contudo, analisar as relações
causais ou direcionar a pesquisa para generalizações não se mostrou favorável a
partir dos registros existentes e diante da própria complexidade dos suicídios.
Optou-se, portanto, pela estatística descritiva, no âmbito quantitativo, para
buscar compreender as características dos policiais militares que morrem por
suicídio. Paralelamente, a abordagem qualitativa foi a que se mostrou mais
adequada para levantar as reflexões possíveis. E, como pesquisa inicial nesta
perspectiva, acredita-se ter aberto muitos outros campos para discussão, em função
dos inúmeros questionamentos que, por certo, surgiram durante a realização deste
trabalho, muitos dos quais ainda continuam acobertados; e, para de fato descortiná-
los, pesquisas adicionais serão necessárias.
93
extraída a maior parte das informações, é o utilizado pela equipe do PPMS. Como
rotina procedimental dessa equipe, a cada notícia de suicídio, um prontuário
específico é aberto, reunindo-se os documentos alusivos ao policial militar e ao
evento. Há alguma variação desses prontuários, alguns robustos, contendo, por
exemplo, sindicância instaurada, relatórios da equipe acionada para os incidentes
críticos, o demonstrativo de pagamentos utilizado para verificar se a vítima era
associada a alguma entidade com benefícios como auxílio funeral, dentre outros
documentos. Outros prontuários, contudo, possuem poucos dados da vítima e da
própria ocorrência. Esse procedimento surgiu em meados dos anos 2000.
Contudo, também foram levantados os registros anteriores do PPMS, desde
o ano de 1980, os quais foram utilizados apenas para trazer um panorama geral dos
registros existentes na Instituição. Esta restrição de uso foi necessária em função do
limitado e irregular registro dos suicídios do período de 1980 a 2010. Vale lembrar
que o PPMS foi instituído no final de 2003, dando início aos registros mais
consistentes e a efetiva busca dos dados. Com a evolução tecnológica, pouco a
pouco, novos procedimentos foram incorporados, o que propiciou o robustecimento
do banco de dados ao longo dos anos.
Diante do reduzido espaço de tempo para realizar a presente pesquisa,
buscou-se analisar com maior profundidade os casos havidos no período de 2010 a
2020. Inicialmente, esse banco de dados contemplava 270 suicídios, entretanto, três
casos foram desclassificados: um Soldado Temporário PM (função descontinuada
na Instituição); o segundo caso, de um policial militar que no curso da investigação
policial se descobriu que na verdade fora vítima de homicídio praticado por familiar;
o terceiro, de um ex-policial militar que havia solicitado exoneração muitos anos
antes de morrer por suicídio, dentro da empresa da qual era proprietário. Importante
destacar que, periodicamente, os prontuários do PPMS são revistos; e, nesses
momentos, embora incomum, já se constatou outros casos de homicídios, bem
como, registros de não policiais militares.
A junção desse banco de dados a outros se deu em função da necessidade
de viabilizar as análises estatísticas.
Cumpre destacar que, ao banco principal, foi unido um banco de registros
financeiros dos policiais militares que morreram por suicídio. Como sobredito, os
assistentes sociais estão incumbidos de analisar os demonstrativos de pagamento
95
4.5 Riscos
Essa pesquisa não envolveu riscos, visto que não se utilizou nenhuma
técnica invasiva. Ou melhor, não houve contato com nenhum familiar, amigo
enlutado ou pessoas que pudessem se sentir desconfortáveis (despertar
lembranças, sofrimento, dentre outros). Foram analisadas unicamente as
informações já disponíveis em bancos de dados, seja do CAPS ou de órgão
gestores de conhecimentos específicos, como da área da Gestão de Pessoas e de
Finanças. Também se cuidou para não identificar qualquer pessoa que morreu por
suicídio no período analisado.
Por fim, na construção do texto, procurou-se evitar termos que pudessem
trazer maiores desconfortos aos leitores, muito embora o tema, por vezes, possa ser
interpretado de maneira negativa. Os benefícios, contudo, pareceram ser
infinitamente superiores, já que se buscou evidenciar os argumentos e propostas a
partir de elementos da realidade. O potencial benefício para os policiais militares,
para a própria Instituição e, notadamente para a sociedade é que, de fato, seja
possível aperfeiçoar o Programa de Prevenção a Manifestações Suicidas (PPMS).
10
Posteriormente, o arquivo foi localizado e contabilizado na estatística final, representada pelo
gráfico 2.
99
1998
2009
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2010
35
30
25
20
15
10
\
Fonte: CAPS, 2021.
101
11
Por vezes, constatam-se algumas inconsistências, que podem ser atribuídas a eventuais equívocos
no lançamento ou na própria tabulação, aspectos que tem sido objeto de correção. A cultura
organizacional baseada no modelo de excelência na gestão vigente na Instituição tem viabilizado
medidas para a melhoria contínua dos processos, o que não tem sido diferente no CAPS, órgão
responsável pela gestão do PPMS. O volume de dados alusivos aos diversos programas e serviços
tem crescido ao longo dos anos, o que tem demandado a criação de um sistema informatizado para
melhorar não só o gerenciamento dos processos, mas também dos bancos de dados que, hoje,
ainda apresentam fragmentação, em planilhas avulsas, dificultando análises mais consistentes e
possibilitando erros comuns quando manipulados por pessoas diferentes. É comum acontecer em
arquivos em Microsoft Excel esses problemas, quando, ao inserir filtros, fórmulas ou outras ações,
acabam por desdobrar em desalinho dos dados.
102
tempo, buscar ações cada vez mais consistentes no tratamento das demandas
apresentadas pelos policiais militares.
No período de 2010 a 2020, consta o registro de 267 mortes por suicídio de
policiais militares, incluindo ativos e inativos, homens e mulheres. A tabela 7
apresenta, ano a ano, o número de suicídios registrados; também consta a evolução
anual do efetivo (ativos e inativos), por meio do qual foi possível obter as respectivas
taxas anuais. Ao final, consta a taxa geral de suicídios da Polícia Militar,
relativamente ao período estudado (17,1 para cada 100 mil).
Tabela 7 – Suicídio de policiais militares, por ano
Efetivo PM
Ano Suicídios Taxas
(Ativos e Inativos)
2010 133.999 16 11,9
25
20
15 12 12
9 8
10 7 6
5
0
0
-19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-74 75
Fonte: CAPS, 2021
Há que se destacar que o gráfico apresenta tanto os casos de policiais
militares do serviço ativo, como os veteranos. Como se observa, contudo, as ações
de prevenção precisariam contemplar ações que atendessem uma abrangente faixa
de idade, de acordo com as demais características observadas em cada subgrupo.
105
Tabela 10 – Situação conjugal dos policiais militares que morreram por suicídio
Situação conjugal
Tabela 11 – Situação conjugal e o número de filhos de policiais militares que morreram por suicídio
(2010 a 2020)
Situação conjugal e filhos (n=267)
Nº Filhos Solteiro Separado Casado União Estável Viúvo Desconhecido
0 35 7 30 6 0 5
1 8 12 28 5 0 2
2 0 7 60 4 2 2
3 1 2 19 3 0 1
4 ou mais 0 2 11 6 0 0
Sem informação 1 4 2 0 0 2
Total 45 34 150 24 2 12
Fonte: CAPS, 2021.
5.2.1.3 RELIGIÃO
Tabela 12 – Religião dos policiais militares que morreram por suicídio (2010 a 2020)
Religião Total Percentual
Católica Apostólica (Romana ou Brasileira) 198 74,2%
Evangélica (pentecostal, de missão, outras) 36 13,5%
Espírita 6 2,2%
Outras religiosidades (budismo, candomblé, umbanda etc) 11 4,1%
Não Informada ou sem declaração 9 3,4%
Igreja Jesus Cristo dos santos dos Últimos Dias e outras cristãs 2 0,7%
Outras (espiritualista, sem religião, agnóstico, ateu) 5 1,9%
Total 267 100%
Fonte: CAPS, 2021.
Vale lembrar que, conforme critério procedimental deste trabalho, os bancos
de dados da Instituição foram também utilizados como fonte de consulta,
notadamente, de informações sobre a religião dos policiais militares. Em muitos
casos, em especial, nos suicídios consumados, o banco de dados do PPMS já se
servia desse recurso para subsidiar a análise de informações. Em grande parte das
atuações da equipe técnica deslocada para apoiar os familiares em função do
serviço denominado ―Apoio Psicossocial em Incidentes Críticos‖ não há
possibilidade de se verificar essa condição. Ainda que a família seja atuante e
exercite a fé, não é possível resgatar qual a condição e em qual intensidade essa
variável estava presente no íntimo desse policial militar vítima.
Reside aí a dificuldade de se compreender a influência da religião como fator
protetivo ou, eventualmente, de risco para qualquer grupo, inclusive para o
contingente policial-militar. Para maior aprofundamento, relevante seria estabelecer
conceitos padronizados no âmbito da religiosidade e da fé. Neste estudo, não se
buscou, por exemplo, compreender os elementos que permeiam a variáveis mais
específicas, como ―crença‖ e ―fé‖. Da mesma maneira, não há informações se os
policiais militares eram de fato praticantes, em qual intensidade, se durante a vida
houve mudança de religião, o nível do sentimento de pertencer a uma denominação,
além de outras condições relevantes. Nessa esteira, os dados apresentados
constituem apenas um elemento da caracterização do grupo estudado.
Apenas para contextualização, consta na tabela 13 dados relativos à
religião, com base no censo de 2010, levada a efeito pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), comparativamente a população brasileira e paulista.
Conforme se observa, no Brasil, os católicos (romana, brasileira, ortodoxa) ainda
108
categoria está diluída em 1,9% (espiritualista, sem religião, agnóstico, ateu), ou seja,
em número inferior ao da população em geral.
5.2.2 Sexo
Veteranos 79 29,6
14 13
12
10
8 8 8
8
6 6
6 5
4
4 3
2
2
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
Fonte: CAPS, 2021.
13
As condições e aspectos específicos da inatividade dos policiais militares não serão objeto de
análise desta pesquisa.
113
60
50
40
30
20
10
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
Veteranos - suicidio Número de veteranos
Linear (Veteranos - suicidio) Linear (Número de veteranos)
Fontes: CIAF, SPPrev e CAPS, 2021.
2010 4,5
2011 8,7
2012 10,5
2013 12,1
2014 15,5
2015 14,6
2016 10,5
2017 5,0
2018 25,5
2019 12,4
2020 19,6
Tabela 19 – Efetivo de veteranos, suicídios de veteranos e taxas, por graus hierárquicos, no período
de 2010 a 2020.
Efetivo - soma Suicídios de
Grau hierárquico Taxa por 100 mil
(2010 a 2020) Veteranos
Sd PM 1ª Cl 23.918 3 12,5
Cb 63.019 15 23,8
3º Sgt 166.700 24 14,4
2º e 1º Sgt 137.540 18 13,1
Subten 49.996 4 8
2º Ten 85.856 3 3,5
1º Ten 28.731 2 7
Cap 12.519 1 8
Oficiais Superiores 37.156 9 24,2
Outros cargos 170 0 0
TOTAL 605.605 79 13
Fonte: CIAF, SPPrev e CAPS, 2021.
O subgrupo em que estão inseridos os Cb PM tem uma taxa elevada de
suicídios (23,8 para cada 100 mil); contudo, o subgrupo que apresenta maior
vulnerabilidade é dos Oficiais Superiores, com a taxa de 24,2 para cada 100 mil,
número expressivamente superior à média do período para os veteranos (13 para
cada 100 mil). Essas diferenças ressaltam a necessidade de aprofundar o
conhecimento sobre o suicídio entre veteranos, inclusive sobre os aspectos da
vitimização policial tendo como foco os diversos subgrupos (graus hierárquicos),
para que, assim, seja possível levantar hipóteses mais consistentes entre qualidade
de vida e suicídio.
Entre Oficiais Superiores veteranos, a idade média dos que morreram por
suicídio foi de 58,4 anos (n=9); muito próximo da média geral entre inativos, de 59
(n=88). Sobre os possíveis fatores precipitantes, 4 (44,4%) por conflito conjugal, 2
(22,2%) por problemas de saúde, 1 (11,1%) por problema financeiro e 2 (22,2%) não
especificados.
Em posição oposta, os 2º Tenente PM veteranos apresentam as taxas
mais reduzidas (3,5 para cada 100 mil). Os policiais militares, em geral, recebem
uma promoção no momento em que são transferidos para a reserva. Apenas para
os oficiais, nos termos da Lei Complementar nº 1.150, de 20 de outubro de 2011, há
necessidade de cumprir o tempo mínimo de 1 ano no posto; para o Suboficial
115
Tabela 20 – Descrição do tempo de inatividade e o respectivo número de policiais mortos por suicídio
(da respectiva faixa de tempo na inatividade) e idades mínima e máxima
Tempo na Veteranos mortos por suicídio Idades dos
inatividade (2010 a 2020) veteranos
(em anos) Quantidade Percentual (Mínima e Máxima)
Menos de 1 4 5,1% 47 a 50
1 6 7,6% 46 a 51
2a3 8 10,1% 47 a 55
4a6 13 16,5% 49 a 65
7 a 10 11 13,9% 50 a 69
11 a 15 11 13,9% 54 a 66
16 a 20 9 11,4% 59 a 69
21 a 25 8 10,1% 66 a 75
26 a 30 5 6,3% 62 a 79
31 a 34 4 5,1% 72 a 84
Fonte: CAPS, 2021.
116
Tabela 21 – Fatores de risco para o suicídio em veteranos, ao longo dos anos, após a transferência
para a reserva/reforma.
0 a 3 anos 4 a 10 anos 11 a 20 anos 21 a 25 anos 26 a 34 anos
Fatores de (n=18) (n=24) (n=20) (n=8) (n=9)
risco Quanti Perce Quanti Perce Quanti Perce Quanti Perce Quanti Perce
dade ntual dade ntual dade ntual dade ntual dade ntual
Tentativas
e/ou ideação 4 22,2% 3 12,5% 1 5,0% 1 12,5% 1 11,1%
anterior
Possível ação
5 27,8% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0%
impulsiva
Psiquiatria -
passagem, 9 50,0% 8 33,3% 3 15,0% 3 37,5% 1 11,1%
internação etc.
Conflitos
13 72,2% 10 41,7% 6 30,0% 3 37,5% 2 22,2%
conjugais
Financeiro
9 50,0% 2 8,3% 3 15,0% 1 12,5% 0 0,0%
(consignado)
Problemas de
5 27,8% 11 45,8% 5 25,0% 4 50,0% 7 77,8%
saúde
Fonte: CAPS, 2021.
A tabela 21 parece revelar que, ao longo dos anos, agravam-se ou
acumulam-se os problemas de saúde e, nessa nova condição, os conflitos conjugais
deixam de protagonizar os principais fatores de risco (embora ainda seja
preocupante, mesmo nos mais idosos).
Outro ponto que merece destaque é o homicídio seguido de suicídio (ou
suicídio estendido). Vale destacar que na faixa entre 4 e 10 anos após a inatividade
concentrou-se uma tentativa e duas ocorrências (100% dos casos entre inativos) em
que resultou na morte da esposa/companheira (atual ou após separação). Embora
seja um fenômeno de difícil estudo e compreensão, o assunto será novamente
abordado em subseção específica.
119
A taxa, portanto, de mortes por suicídio dos policiais militares da ativa nesse
período foi cerca de 2,4 vezes superior aos dos veteranos. Embora seja um dado
expressivo, nos Estados Unidos essa diferença parece ser superior. Obviamente, há
significativas distinções entre os dois países, mas parece ser oportuno assinalar
que, segundo Violanti et al. (2011), as taxas de suicídio de profissionais do
Departamento de Polícia de Buffalo, Nova York, entre 1950 e 2005, foram 8,4 vezes
mais altas em policiais em serviço quando comparados aos aposentados14,
sugerindo, portanto, um maior risco de suicídio entre os da ativa. Contudo, os
autores ressaltam a necessidade de promover esforços contínuos de prevenção do
suicídio, abrangendo tanto os policiais ativos quanto os que já estão aposentados.
Nesse sentido, visando ao aperfeiçoamento do PPMS, adiante serão
discutidas algumas circunstâncias envolvendo policiais militares da ativa,
notadamente, a variável posto e graduação, o tempo de serviço e a faixa etária
desse grupo.
14
Os autores também inseriram no grupo de aposentados os policiais na condição de ―separados‖,
assim definidos aqueles em um aparente processo de aposentadoria, afastados etc.
120
Tabela 23 – Taxas de suicídio de policiais militares da ativa, por grau hierárquico (2010 a 2020)
Soma dos policiais Taxas por
Grau Hierárquico Suicídios
militares (2010 a 2020) 100 mil
Coronel 690 0 0,0
50
42,2
40 36,9
30
24,3
21,3
19,2
20 17,416,4
14
11,2
9,6
10
0 0 0
0
1 2 3 4 5 6 7
Fonte: CAPS, 2021.
122
Com relação ao tempo de serviço dos policiais militares (do quadro ativo)
que morreram por suicídio, no período de 2010 a 2020, em linhas gerais, a tabela 26
apresenta a média, mediana e moda, além de outras informações:
Tabela 26 - Estatística descritiva sobre o tempo de serviço dos policiais militares do quadro ativo que
morreram por suicídio (2010 a 2020)
Dados gerais Quantitativo
Total de policiais militares do quadro
188 (0 erro)
ativo
Média 13.6 (anos de serviço)
Mediana 13 (anos de serviço)
Moda 12 (anos de serviço)
Desvio Padrão 7.9
Tempo mínimo 1 ano
Tempo Máximo 30 anos
Fonte: CAPS, 2021.
123
Figura 6 – Média e desvio padrão referente ao tempo de serviço dos policiais do serviço ativo que
morreram por suicídio
Gráfico 10 – Tempo de serviço dos policiais militares do quadro ativo mortos por suicídio
(2010 a 2020)
45
39
40
35 36
35
29 30
30
25
19
20
15
10
0
0 a 4 anos 5 a 9 anos 10 a 14 anos 15 a 19 anos 20 a 24 anos 25 ou mais
Dos 188 policiais do serviço ativo que morreram por suicídio no período
estudado, a média de idade foi de 37 anos, com o desvio padrão de 7,5. A tabela 27
apresenta outras informações alusivas à estatística descritiva (mediana e moda, em
especial).
Tabela 27 – Idade dos policiais militares do serviço ativo mortos por suicídio
Idade no suicídio
Média 37
Mediana 36
Moda 35
Mínima 21
Máxima 52
15
Fonte: CAPS, 2021.
Gráfico 11 – Policiais militares do serviço ativo que morreram por suicídio, divididos de acordo com a
faixa etária
50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
20 a 24 25 a 29 30 a 34 35 a 39 40 a 44 45 a 49 50 ou mais
15
Dados obtidos por meio do programa JASP.
125
30 a 34 23 19,2% 50 a 54 9 33,3%
35 a 39 26 21,7% 55 a 60 4 14,8%
40 a 44 26 21,7% 60 a 64 5 18,5%
45 a 49 18 15,0% 65 a 69 1 3,7%
50 ou + 2 1,7% 70 ou + 5 18,5%
Tabela 31 – Média de idade dos policiais militares que morreram por suicídio – precipitante ―conflito
conjugal‖ (2010 a 2020)
Idade Geral Ativos Veteranos
Média 41 (DP=9) 37 (DP=6,2) 59 (DP=7,4)
Mínima 21 21 40
Máxima 79 52 79
Fonte: CAPS, 2021.
Tabela 32 – Estado civil dos policiais militares que morreram por suicídio – precipitante ―conflito
conjugal‖ (2010 a 2020)
Estado Civil Quantidade Percentual
Casados 75 51,0%
União estável 19 12,9%
Solteiro 27 18,4%
Separado 19 12,9%
Desconhecido 7 4,8%
147 100,0%
Fonte: CAPS, 2021.
Tabela 33 – Local em que ocorreram os suicídios com precipitante ―conflito conjugal‖ (2010 a 2020)
Local Quantidade Percentual
Residência 87 59,2%
OPM 7 4,8%
Tabela 36 – Policiais militares com empréstimo consignado em folha de pagamento (2014 a 2020)
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO
ANO EFETIVO PM
N º Policiais Percentual
alguma aquisição relevante; contudo, muitas vezes, servem apenas para saldar
outras despesas, contraindo dívidas e reduzindo o poder de compra. Observam-se,
nos bancos de dados, policiais militares com dezenas de consignados, mas com
prestações mensais reduzidas. Esse comportamento, por exemplo, poderia se referir
ao policial militar que, mês a mês, vê suas despesas superarem os créditos; para
saldá-las, contrata um novo empréstimo consignado. É um fenômeno que precisa
ser mais bem estudado.
O gráfico 12 apresenta, por meio da linha vermelha, a evolução (em termos
percentuais) de policiais militares que morreram por suicídio que possuíam
empréstimo consignado e, por meio da linha azul, o percentual de policiais militares
(geral) que possuíam consignação:
80,0%
70,0%
60,0%
50,0%
PM que
40,0% morreram
por suicídio
30,0%
20,0%
PM Geral
10,0%
0,0%
2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
Fontes: CIAF e CAPS, 2021.
65 (n=188)
(24,3%)
26 inativos (32%)
Como ―fator de risco‖
(n=79)
categorizado como
267
problema de saúde.
8 ativos
12
4 inativos
(4,5%)
sem classificação. E há, ainda, possibilidade de terem sido lançadas de forma geral,
ou seja, como transtorno mental, sem especificação.
Outro aspecto a se verificar é a incidência dessa problemática no contexto
da Polícia Militar. Barros (2011) apresentou a natureza e percentuais de
atendimentos no ambulatório da Divisão de Psiquiatria, no ano de 2010, concernente
aos transtornos mentais decorrentes de substâncias psicoativas. Entre homens
(n=187), foram 51% (n=95) por álcool, 3,6 % por opiáceos (n=3), 4,8% por sedativo
hipnótico (n=9), 19,8% cocaína (n=37), 6 por tabaco (n=6), 1% solventes voláteis
(n=2) e 19% por múltiplas drogas (n=35). Entre as mulheres (n=18), foram 50%
(n=9) por álcool, 5,5 % por opiáceos (n=1), 5,5% por sedativo hipnótico (n=1), 5,5%
cocaína (n=1), 16,6% por tabaco (n=3), 5,5% estimulantes (n=1) e 11% por múltiplas
drogas (n=2).
Para Barros (2011), a elevada incidência de alterações psíquicas como o
alcoolismo seria reflexo do que já ocorre no país, especialmente entre homens,
talvez como ―forma de autoafirmação, ou como estratégia de superação das
dificuldades emocionais, ambas muito presentes na pessoa do policial militar‖
(BARROS, 2011, p. 48). E, como assinala Botega (2015), os usuários crônicos têm
risco aumentado de suicídio, pois:
[...] com frequência, possuem saúde física comprometida, sentimentos
depressivos, vida pessoal conturbada e caótica, história de perdas
pessoais, desemprego ou baixo rendimento funcional. Além disso, podem
agir de forma impulsiva durante períodos de fissura e, no caso dos
dependentes de álcool, desenvolver síndrome de abstinência, com quadros
agudos de confusão mental, desorientação e até mesmo sintomas
psicóticos [...] (BOTEGA, 2015, p. 120).
Por essa razão, Barros (2011) propõe ações preventivas, de modo a
minimizar os impactos negativos do uso abusivo e da dependência de substâncias
de natureza psicoativa, notadamente, do álcool:
O alcoolismo, assim como ocorre no mundo civil, também na PMESP se
mostra como um problema de saúde pública e as ações preventivas devem
ser prioridade para todas as décadas de serviço, mas com maior ênfase na
segunda, entre os Sargentos e Subtenentes, peças importantes de
comando e exemplo para a tropa. (BARROS, 2011, p. 93).
Embora esta análise tenha permitido contextualizar a questão do álcool e
das substâncias psicoativas na complexa dinâmica que envolve o suicídio, é
importante salientar a necessidade de se buscar conhecimentos aprofundados sobre
essa problemática, em especial nas forças policiais.
138
Como assinala Botega (2015, p. 119), em ―pessoas que fazem uso nocivo de
bebidas alcóolicas, o risco de suicídio, ao longo da vida, chega a 15%‖; não há,
portanto, como desconsiderar essa variável no contexto policial militar como um
importante fator de risco.
Segundo aponta Soares et al. (2021, p. 31), pesquisas tem demonstrado que
―profissionais de saúde, policiais e militares fazem parte de um grupo de risco para
cometimento de suicídio por terem acesso facilitado a meios letais de execução.‖
Em pesquisa levada a efeito na Itália, constatou-se que 81,9% dos suicídios
de policiais naquele país foram cometidos com a arma pertencente à organização e
outros 5,5% com a arma particular do agente; no cômputo geral, a arma de fogo
representou o meio mais utilizado (87,45%) entre os policiais italianos (GRASSI et
al, 2019).
Nessa mesma direção, como se observa na figura 10, dos 17 suicídios que
ocorreram em Alagoas no período de 2012 a 2020 envolvendo policiais militares, 15
(88,2%) tiveram emprego de arma de fogo.
Arma PM 92 34,5%
Enforcamento 35 13,1%
Precipitação 6 2,2%
ser totalmente restrito: um sinal de tristeza seria suficiente? Quem deveria restringir,
e por quanto tempo? Em uma emergência, desde o superior imediato até o médico,
passando pelo psicólogo, até que um colegiado (junta técnica) pudesse avalizar?
São questões que devem ser objeto de reflexões que permitam o
desenvolvimento do Sistema de Saúde Mental da Instituição e, ao mesmo tempo,
propiciar a proteção institucional ao profissional que, diante de um dilema, precisa
adotar uma séria deliberação.
5 5 5
3 3 3 3
2 2 2 2 2
1 1
0 0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020
Fonte: CAPS, 2021.
Dos 28 casos, 2 foram protagonizados por inativos, com idade variando
entre 52 e 53 anos (um deles foi reformado por incapacidade física definitiva).
Ambos haviam sido transferidos para a inatividade há menos de 10 anos, mas a
mais de 5. Esses casos ocorreram entre 2011 e 2015. Nas duas ocorrências, foram
vitimadas pessoas com quem mantinham ou mantiveram relações e, em uma delas,
a tragédia foi maior: no total, foram cinco pessoas do círculo familiar do autor, além
dele próprio.
Miranda et al (2020) assinalam que, internacionalmente, pesquisadores
consideram fenômenos independentes a morte por suicídio e as mortes por
homicídio seguido por suicídio. Com base nesse argumento, esses autores
procuraram identificar, em uma base de dados própria, cujo total contemplava 30
casos, características que os diferenciavam dos suicídios e, também, as
similaridades entre os dois tipos de fenômenos. Alguns fatores comuns foram
encontrados, a saber: ―a arma de fogo como principal instrumento; os problemas
conjugais, a presença de sofrimento psíquico, local da ocorrência (residência/na
rua), sinais de alerta e fatores organizacionais.‖ (MIRANDA et al, 2020, p. 18-19). Os
pesquisadores ressaltam que os suicídios estendidos não aconteceram no local de
trabalho, mas na rua e nas residências das vítimas. Tal circunstância confirmaria
145
17
Importante destacar que o texto se encontra assim redigido: ―Esse fato confirma a literatura
internacional que sublinha que os casos de H/S são fenômenos motivados por questões de
gênero‖ (MIIRANDA et al, 2020, p. 19). Procurou-se não utilizar, neste trabalho, termos como
―motivado‖ e ―causado‖ que poderiam sugestionar a existência de um nexo de causalidade, o que
confronta a perspectiva predominante de que, a despeito de haverem fatores de risco ou
circunstâncias comuns, trata-se de um fenômeno complexo e multifatorial.
146
Fonte: OMS, 2015, p.31; traduzido e adaptado por Scavacini (2018, p. 45).
Talvez, nessa linha, a proposta mais viável seria aplicar também o modelo
de prevenção de cobertura de risco populacional para todo o Sistema de Saúde
Mental, de modo a organizar as ações e de reforçar a integração das ações. Em
termos de situação funcional dos policiais militares, o SiSMen segue a configuração
demonstrada na figura 12.
Figura 12 – Serviços e programas do SiSMen de acordo com a situação funcional do policial militar
Universal, Seletiva, e
PPMS Todos os policiais militares
Indicada.
Universal, Seletiva, e
PPAD Todos os policiais militares
Indicada.
Subgrupo: proximidade do
PROSEN Seletiva
encerramento da carreira
Subgrupo: envolvimento em
PAAPM Seletiva ocorrência potencialmente traumática,
estresse ou outros.
APOIO Subgrupo: pessoas impactadas por
PSICOSSOCIAL EM Seletiva mortes inesperadas, trágicas (de
INCIDENTE CRÍTICO familiar)
Fonte: o autor, 2021.
Dentro dessa perspectiva, o próprio SiSMen teria essa cobertura por níveis
de prevenção, com estratégias gerais, de prevenção universal; mas também
atendendo a segmentos específicos, de acordo com os riscos próprios de cada
subgrupo, como no PrAp e no Prosen, ou pela situação vivenciada, como no
PAAPM, todos eles classificados como prevenção seletiva. De qualquer modo,
observa-se o amplo portfólio de programas e serviços postos à disposição dos
policiais militares.
Figura 15 - Campanhas
19
Nick Vujicic nasceu sem braços e pernas em função de uma rara síndrome, a tetra-amelia.
Atualmente, dedica-se a palestras motivacionais, abordando temas como esperança, sentido da
vida, deficiência e, portanto, na prevenção do suicídio.
159
6.4 Posvenção
Shneidman (1973, apud SCAVACINI, 2018, p. 49), por sua vez, destaca que
―posvenção é prevenção para futuras gerações‖, o que contemplaria qualquer ato ou
ajuda destinado aos sobreviventes, realizado de modo apropriado, que aconteça
após o suicídio, com o propósito de auxiliá-los a viverem mais e da melhor forma
possível, dentro das condições existentes.
20
Este termo também é empregado para designar o estado emocional decorrente da perda de
objetos ou de outras circunstâncias altamente significativas, mas não será objeto de discussões
neste trabalho.
167
21
A inspiração seja, talvez, a já extinta ―comissão de análise‖ do PAAPM. Realizava-se logo após o
encerramento da 2ª fase do Programa (estágio de desenvolvimento psicoemocional), para verificar
a proposta de prescrição para o retorno ou não do policial militar às atividades operacionais;
contava com a participação de oficial designado pelo Chefe do então CASJ (ou ele próprio), o
psicólogo responsável pelo estágio, um Oficial da Corregedoria e o Comandante direto do policial
militar implicado. Atualmente, a reunião de mitigação de riscos parece suprir parte da demanda.
Hoje, em uma configuração robusta, reúnem-se comandantes e envolvidos, para estudar possível
adequação procedimental para a resolução de ocorrências de alta gravidade.
170
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tal razão, três medidas são fundamentais para minimizar os riscos de
subnotificação: elevar a confiança dos policiais militares nos serviços de atenção à
saúde mental (a confidencialidade se mostra de fundamental relevância, assim como
a excelência nos atendimentos), sensibilizar o efetivo sobre a importância de solicitar
ajuda especializada e, por fim, criar mecanismos de comunicação adequados.
Com relação à existência de um meio eficaz em disponibilidade dos policiais
militares, há que se destacar que a especialização do policial militar (notadamente o
bombeiro) o faz dispor de conhecimentos para utilizar-se de meios letais, além da
própria arma de fogo, como, por exemplo, o uso de cordas para enforcamento. De
qualquer modo, é um ponto que carece de medidas adicionais: nos cursos de tiro,
reforçar as noções de segurança no porte e na guarda de armas, além de
orientações sobre a saúde mental. E, também, o estabelecimento de um grupo
multidisciplinar, compostos por especialistas em legislação, saúde mental,
instrutores de tiros, oficiais do quadro de saúde, dentre outros, para estudar
possibilidades de ampliar a restrição ao uso de armas de fogo em casos
emergenciais e fundamentados em critérios de risco.
Aliás, os riscos específicos envolvendo policiais militares também era um
aspecto a ser estudado. De fato, há casos graves que requerem um
acompanhamento permanente, como a esquizofrenia; contudo, ao que parece, não
são estes os casos que preponderam na PMESP, apesar de requererem a máxima
atenção. O processo seletivo, embora não se destine a diagnosticar transtornos
mentais, poderia ser considerado um fator decisivo. Entretanto, observa-se um
subgrupo que merece atenção: os dependentes de álcool e, eventualmente, de
outras substâncias psicoativas. Não se aprofundou na epidemiologia dessa questão,
muito embora Santana, L. (2015) tenha já trazido consistentes dados sobre o
assunto que, inclusive, culminaram na proposta de criação de uma rede de apoio
entre pares, projeto em fase de implementação na PMESP. A proposta, aqui, é de
se rever os exames toxicológicos para ingresso na Instituição. Utilizando-se de
modernas técnicas e de maior amplitude, poderia, de fato, contribuir para minimizar
os riscos de ampliação dessa problemática nos próximos anos.
Como fator de proteção, de fato, a Instituição, assim como apontaram
Stanley , Hom e Joiner (2016), parecem carregar em sua cultura potenciais fatores
de proteção contra transtornos psiquiátricos, como a camaradagem, o suporte social
e organizacional, além do senso de propósito, aspectos que devem,
175
poderia trazer custos adicionais para o policial militar, já que os psicofármacos mais
modernos e sofisticados podem ter alto custo.
Aliás, as estruturas de atenção à saúde mental são fundamentais para lidar
com os casos cujo risco de suicídio é maior. Transtornos mentais, como o bipolar, de
personalidade, a dependência do álcool (e de outras substâncias psicoativas) e
também a depressão podem agravar ainda mais a situação. Importante destacar que
muitas pessoas sentem obliteradas as suas chances de superar a dor que
vivenciam:
[...] não podemos esquecer que a depressão diminui a capacidade da
pessoa em perceber a ajuda que tem disponível e ter esperança, então
mesmo que muitos tenham oferecido ajuda, ela pode não ter sido percebida
ou sentida. (SCAVACINI, 2018, p. 121)
Há, de fato, pessoas que não conseguem perceber a oferta de ajuda, como
bem assinalou Scavacini (2018). E não conseguem ter esperança. Portanto, a
associação de inúmeros protocolos, atuando de forma concatenada, deve ser
priorizada. Paralelamente, a criação de fluxos de atendimentos mais céleres e
dinâmicos precisa ser objeto de atenção institucional, de modo a comportar desde
estratégias de promoção da saúde (prevenção universal), passando pelo rastreio e
atendimento de subgrupos vulneráveis (prevenção seletiva), até o cuidado
direcionado aos policiais militares em risco (prevenção indicada).
Como assinala Violent et al (2011), o suicídio de policiais está diretamente
associado a diversas influências, abrangendo as áreas médica, psicológica e social;
e o conhecimento dessas influências é necessário para facilitar os esforços de
prevenção.
Portanto, um corpo normativo também integrando as diversas áreas da
Instituição, como comunicação social, ensino, tecnologia, logística, saúde, pessoas,
dentre outros, poderia se traduzir em significativos benefícios em prol do policial
militar e, consequentemente, da sociedade.
Como observado, o Sistema de Saúde Mental da Instituição é abrangente;
não se mostra viável, portanto, criar inúmeros outros programas, mas direcionar a
gestão para integrar os serviços e ações já existentes, de modo a contribuir para a
prevenção do suicídio. Adicionalmente, ações ora em desenvolvimento parecem
alinhar-se à nova estratégia de promover a saúde. Projetos como o ―CAPS na OPM‖
têm levado aos policiais militares informações importantes e, concomitantemente,
178
REFERÊNCIAS