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LIMA, Cárita Portilho de (Org.). Educação em Debate: em defesa da
dimensão pública da educação brasileira. NO PRELO.
1 Introdução
É possível perceber uma relação de coexistência histórica entre crises
orgânicas resolvidas pelo alto (sem a participação popular) e reformas de
caráter autoritário no sistema de ensino, que afetam a educação em todos os
seus níveis. Esta coexistência histórica, contudo, não é mera coincidência. Em
contextos de crises estruturais e prolongadas, caracterizadas pela
instabilidade econômica e institucional, frequentemente acompanhadas pelo
reavivamento de crenças reacionárias, as políticas de Estado para educação
passam a atuar de forma mais direta e imediata sobre as relações de forças
político-ideológicas para produção de conformismo social. As reformas do
ensino nestes contextos constituem, assim, parte da solução pelo alto para
crises orgânicas.
As crises orgânicas atingem a estrutura do modo de produção em suas
determinações econômicas, políticas e ideológicas. Não se definem, portanto,
apenas pela sua duração, mas principalmente pela profundidade e extensão
do abalo estrutural e superestrutural de uma formação social (CASTELO,
2012). Antonio Gramsci, analisando o cenário do primeiro pós-guerra e a
posterior ascensão do fascismo na Itália, definiu a crise orgânica – em um
contexto de profunda crise econômica – como a perda da capacidade de direção
do Estado, de modo que o elemento de consenso se torna apenas um aspecto
da coerção (Q. 3, § 34, p. 3111). Esta situação ocorre
1Adotamos aqui o padrão internacional de citação de A. Gramsci nos Quaderni del Cárcere
na Edição Crítica organizada por Valentino Gerratana utilizando a letra “Q”, seguida do
parágrafo e da página de referência.
ou porque a classe dirigente fracassou em algum grande
empreendimento político para o qual pediu ou impôs pela
força o consenso das grandes massas (como a guerra), ou
porque amplas massas (sobretudo de camponeses e de
pequeno-burgueses intelectuais) passaram subitamente da
passividade política para certa atividade e apresentam
reivindicações que, em seu conjunto desorganizado,
constituem uma revolução (Q. 13, §23, p. 1603).
3 Entre os mais graves a carestia de gêneros alimentícios básicos e a inflação que corroía
salários. De acordo com Galastri (2015, p. 51) a guerra custou aos “cofres italianos 157 bilhões
de liras e, em relação a 1914, o débito público quadruplicara, enquanto a renda nacional teria
caído de 94 bilhões para cerca de 75 bilhões”.
direções das classes subalternas ação organizada suficiente para transformá-
las em um movimento consciente e combativo. Pelo contrário, o Partido
Socialista Italiano (PSI) estava cindido internamente entre uma ala à direita
e outra à esquerda. As lideranças à direita, os reformistas (tanto do Grupo
Parlamentar Socialista – Cláudio Treves, Filippo Turati, entre outros)
procuravam, desde as primeiras manifestações, conter as mobilizações e
canalizar institucionalmente as tensões sociais, o que levou a revolta operária
ao fracasso (DIAS, 2000, p. 254-255).
A partir desta derrota os industriais partiram para a ofensiva no
intuito de restabelecer sua autoridade, que eles entendiam ter perdido. Numa
série de atos que buscavam coibir a autonomia dos trabalhadores, da
demissão dos membros das comissões internas das fábricas ao acionamento
da “serrata”4 (idem, p. 262-266). Em setembro de 1920, contudo, estouram as
ocupações de fábrica, em Turim o movimento se massifica e a liderança do
movimento são os grupos ligados à esquerda do PSI (da qual Gramsci fazia
parte) e a Il Soviet (ligado a Amadeo Bordiga, extrema esquerda do PSI)
(idem, p. 268-269). A resistência, contudo, durou até início de outubro de 1920,
quando o governo e as lideranças reformistas do movimento socialista fazem
um acordo pelo qual os industriais cedem mais que pretendiam. De acordo
com Dias, estes eventos revelam às classes dominantes italianas os limites do
Estado liberal, que a rigor consiste no limite da própria dominação de classe
que em momentos de crise de hegemonia rompe o consenso para se valer do
uso direto da força. De modo que a partir desta percepção “estavam criadas
as condições para o fortalecimento do fascismo” (DIAS, 2000, p. 270).
O fascismo nasce como ideologia no contexto da Primeira Guerra
Mundial e da crise engendrada por ela, assume um caráter de massa e a partir
daí se apresenta como solução da crise e alcança o Estado. O processo de
ascensão do fascismo foi definido como “golpe de Estado” do rei
(SALVATORELLI apud D’ORSI, 2010, p. 168) justamente porque “chega ao
poder graças a recusa do rei em assinar o decreto de estado de assédio”
5 É preciso observar, contudo, que a política cultural do fascismo foi muito além da já ampla
Reforma do Ensino. Mussolini exigiu a adesão dos intelectuais na Universidade ao regime,
por meio do Manifesto dos intelectuais italianos aos intelectuais de todas as nações, redigido
por Giovanni Gentile, que marcou o desejo de iniciar uma verdadeira política cultural pelo
governo fascista. De acordo com D’Orsi (2013), “em resposta ao Manifesto de Gentile houve
um ‘contramanifesto’” (escrito por Benedetto Croce). “Além de recusar se arregimentar sob
as insígnias de Mussolini, o documento defendia a liberdade da cultura contra as intromissões
da política” (idem). No geral, é possível afirmar que “a política do fascismo em relação aos
intelectuais – combinou cooptação e repressão, controle e apaziguamento (ou seja, troca de
favores)” (Idem).
3 Crise orgânica e Reforma Universitária no Brasil (1967-1969)
No início dos anos 1960 a crise econômica se aprofunda no Brasil, o
PIB passa a apresentar uma queda sensível, chegando a atingir apenas 0,6
de crescimento em 1963. Por outro lado, a inflação, que em 1961 era de 51,6%,
em 1962 aumenta para 80% e em 1963 chega a 93%. A crise, que segundo as
análises da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL)
demonstrariam o esgotamento da política de substituição de importações,
tinha fortes rebatimentos na concentração de renda e nas disparidades
regionais, o que dificultava ainda mais a capacidade de recuperação do país
(BUGELLI, 2008, p. 8, 42).
Do ponto de vista da organização das classes subalternas, o Partido
Comunista do Brasil (PCB) vinha se rearticulando desde seu breve retorno à
legalidade (entre 1945 e 1947), elegendo 14 deputados federais, um senador e
nas eleições municipais de 1947 conquista a maior bancada na Câmara
Municipal do Distrito Federal6. No campo as associações de trabalhadores
rurais, que vieram a constituir as Ligas Camponesas criadas a partir de 1955
(permanecendo ativas até 1964), estavam presentes inicialmente no estado de
Pernambuco, depois na Paraíba, Rio de Janeiro, Goiás e posteriormente em
outras regiões do Brasil7. A este cenário some-se a política internacional
polarizada pela Guerra Fria e pela Revolução Cubana (1959).
Navarro (2004, p. 13) sintetiza o que chama de “um novo contexto
político-social” que emerge no país início da década de 1960 do seguinte modo:
10O Centro Popular de Cultura foi constituído em 1962 no Rio de Janeiro “por um grupo de
intelectuais de esquerda em associação com a União Nacional dos Estudantes (UNE), com o
objetivo de criar e divulgar uma ‘arte popular revolucionária’” (cf.
https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/Centro_Popula
r_de_Cultura)
O Regime militar tinha interesse na reforma da Educação, e
concretamente a fez a partir de 1967 (SAVIANI, 2008, p. 298), a reforma
12Alguns exemplos desta nova fase de exploração financeira podem ser citados. De 1990 a
2004, por exemplo, o pagamento de rendas cresceu de U$ 432,5 milhões para U$ 11,2 bilhões.
De 2006 a 2007 – os títulos públicos renderam 42% sobre o valor aplicado a investidores
residentes no Brasil e 89% do valor aplicado a investidores estrangeiros (PAULANI, 2008, p.
143, nota 5).
atualmente o setor privado de educação – especialmente de educação superior
– é controlado por corporações e fundos de investimento com grande
participação de capital estrangeiro. Os novos organizadores dessa
mercantilização são organizações de natureza financeira, particularmente os
chamados fundos de investimento (LEHER, 2016). De acordo com Leher, esse
processo de financeirização da educação levou a Kroton e a Anhanguera,
respectivamente detentoras do fundo Advent e do fundo Pátria, a se fundirem
e constituírem no Brasil a maior empresa educacional do mundo, um
conglomerado que hoje já possui mais de 1,2 milhão de estudantes, “mais do
que todas as universidades federais juntas” (LEHER, 2015)13.
O que estamos assistindo, portanto, é a financeirização da educação no
Brasil, movida pelo capital estrangeiro, redundando na concentração das
empresas do setor educacional, organizado sob o controle dos fundos, a partir
de “uma racionalidade das finanças” (idem). Como ressalta Leher, os grupos
empresariais na área de educação não são formados por administradores
educacionais, mas por “gestores de finanças”, “operadores do mercado
financeiro” (idem). A universidade pública representa hoje, portanto, um
entrave para o lucro destes gestores na medida em que constitui uma barreira
para o crescimento deste mercado. Por este motivo busca-se, por meio dos
grandes aparelhos de opinião, desacreditar a universidade pública como
ineficiente, impondo, assim, uma racionalidade de mercado, distorcendo o
caráter público da produção de conhecimento não imediatamente interessado,
isto é, não submetido ao mercado.
O processo privatização da educação que se desenvolve desde o período
da ditadura civil-militar, agravado e aprofundado pela atual financeirização,
ganha maior fôlego com o novo governo que assumiu em janeiro de 2019.
Como no passado ditatorial, além de uma pauta privatizadora, a nova gestão
do Estado brasileiro também sustenta um discurso baseado em franco ataque
14 Sobre isto ver, por exemplo, "Presidente quer reduzir investimentos em faculdades de
filosofia e sociologia. Faz sentido?". Disponível em
https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/presidente-quer-reduzir-investimentos-em-
faculdades-de-filosofia-e-sociologia-faz-sentido/. Bolsonaro sugere reduzir verbas para cursos de
filosofia e sociologia, disponível em https://exame.abril.com.br/brasil/bolsonaro-sugere-reduzir-
verba-para-cursos-de-filosofia-e-sociologia/. “Filosofia não serve para nada? Governo
Bolsonaro reduzirá investimento em cursos de filosofia e sociologia”, disponível em
https://observatoriog.bol.uol.com.br/noticias/2019/04/filosofia-nao-serve-para-nada-governo-
bolsonaro-reduzira-investimento-em-cursos-de-filosofia-e-sociologia.
15 Sobre isso consultar, por exemplo, “Em plena ONU, Bolsonaro defende a ditadura militar!”
disponível em https://www.conversaafiada.com.br/politica/em-plena-onu-bolsonaro-defende-a-
ditadura-militar; “Veja 10 frases polêmicas de Bolsonaro sobre o golpe de 1964 e a ditadura
militar”. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/03/veja-10-frases-
polemicas-de-bolsonaro-sobre-o-golpe-de-1964-e-a-ditadura-militar.shtml; “Bolsonaro diz
que não teriam ocorrido mortes na ditadura se não houvesse 'vontade de implantar
comunismo'”. Disponível em https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-diz-que-nao-teriam-
ocorrido-mortes-na-ditadura-se-nao-houvesse-vontade-de-implantar-comunismo-1-
23849666.
16 A crise econômica mundial que se desenvolve a partir de 2008, de caráter eminentemente
financeiro, se espraia de seu centro nevrálgico nos Estados Unidos para todo o mundo,
causando impactos sobre os sistemas econômicos reais (produção, investimento, emprego
etc.), inserindo a economia mundial em uma fase de desaceleração e, em alguns países,
recessão. Sobre este assunto consultar Mazzucchelli (2008).
investimentos deprimidos” e a economia se desindustrializando. Em suma, “a
economia estagnou-se” (idem). A situação foi agravada quando os EUA
anunciam a intenção de elevar juros no segundo trimestre de 2013 (idem, p.
178). Deste modo, as melhorias conquistadas com as políticas sociais durante
os governos do Partido dos Trabalhadores (PT) muito rapidamente se
dissolvem:
17 Este termo tem sido utilizado pelos próprios movimentos que se identificam como uma
forma mais radicalizada de neoliberalismo. Entre estes pode-se citar: Instituto Liberal,
Movimento Renovação Liberal/ Movimento Brasil Livre, Movimento Liberal Acorda Brasil,
Instituto Mises Brasil, entre outros. Sobre isto consultar Rocha (2019).
mobilização das massas foi mais uma vez resolvida pelo alto com a deposição
da presidenta, apoiada por setores expressivos identificados com as pautas de
direita acima descritas. Destarte, conclui-se, assim, que o lulismo18 e o PT não
se apresentavam mais como soluções viáveis para a crise de hegemonia, ou,
dito de outra forma, não eram mais capazes de manter o conformismo social.
No contexto neoliberal, a crise de hegemonia foi resolvida sem uma
ditadura aberta, contudo, com inequívocos contornos autoritários. O novo
governo eleito em 2018 se apoia nas forças acumuladas desde 2013, que
permitiram o reaparecimento e a afirmação dos movimentos de direita e de
extrema-direita (reacionários). Por esta razão carrega em seu bojo fortes
acentos autoritários, que em grande medida retomam pautas
antidemocráticas do pré-1964, legitimadas pelo discurso do perigo comunista.
A partir desta justificativa reaparecem no cenário atual discursos, grupos e
atores que defendem a necessidade de proteger os valores da família cristã, a
restrição das liberdades e dos direitos civis (principalmente dos LGBT e as
pautas de gênero, as liberdade de ensino nas escolas e universidades), bem
como a reivindicação da volta da ditadura militar no Brasil19.
5 Future-se (2019)
A primeira versão preliminar da minuta de projeto de lei (PL) que
institui o Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e
Inovadoras, o “Future-se”, foi apresentada pelo MEC no dia 17 de julho de
18 Este termo se refere ao protagonismo político do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva
destacado e acima do próprio partido – o PT. O termo foi cunhado por André Singer (2009)
em diálogo crítico com Francisco de Oliveira, segundo o qual a hegemonia no período dos
governos Lula seria uma “hegemonia às avessas”.
19 Conferir, entre outros, “Protesto 'contra o comunismo' na UnB acaba em ato 'contra
20 Até o momento da finalização da redação deste artigo foram apresentadas quatro versões
preliminares da referida minuta. As diferentes versões expressam tanto a recepção das
críticas feitas por diferentes setores da sociedade civil, em especial aqueles ligados a educação
superior, como a necessidade de adequar o PL à legislação vigente, haja vista que o mesmo
foi objeto de ação do Ministério Público, que acusou ilegalidades no texto da minuta
(http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/pfdc/noticias/mpf-pede-a-justica-que-ministerio-
da-educacao-refaca-consulta-publica-sobre-o-future-se-observando-normas-legais). Todas as
versões, contudo, mantêm o princípio da financeirização – e privatização – do financiamento
das Instituições Federais de Ensino, bem como ferem os princípios básicos da autonomia
didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial das IFES (para uma
análise detalhada das três primeiras versões consultar Ximenes, Stuchi e Rodrigues (2019).
Uma das diferenças significativas entre a primeira e as demais é que as últimas inserem a
ressalva de que os recursos provenientes da adesão ao programa serão complementares e não
substituem os valores definidos pelo orçamento da União, destinado ao financiamento das
IFES, assim como as instituições de ensino que aderirem ao programa terão preferência no
recebimento de recursos adicionais do MEC (Cap. II, seção I, art. 6º; Cap. VII, artº 26 -
http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/despacho-236403674). Contudo, é preciso considerar que o
orçamento da União vem destinando cada vez menos recursos para as IFES, impactando
diretamente na precarização da sua infraestrutura e das suas condições de funcionamento.
Por exemplo, entre 2013 e 2017 o orçamento para gastos não obrigatórios, repassado pelo
MEC, diminuiu 28,5% (http://www.andifes.org.br/repasses-mec-para-universidades-federais-
chegam-ao-menor-patamar-em-sete-anos/). Sendo assim, uma vez implementado o programa,
diante dos recorrentes cortes orçamentários que já ocorreram e com o congelamento do
orçamento, a adesão tornar-se-á a única saída viável para a manutenção das IFES, tornando-
se, portanto, impositiva.
Tal alteração constitucional exigiria, em um regime democrático, um
longo processo de avaliação e diagnóstico do sistema universitário, amplas
discussões entre professores, estudantes, servidores e gestores das
universidades e dos institutos federais, com a inclusão de representação da
sociedade civil, mediante pareceres técnicos que pudessem orientar as
discussões. No entanto, o MEC não apresentou nenhum diagnóstico ou estudo
técnico sobre o sistema universitário. Informa que “especialistas foram
consultados”, mas de fato nenhum membro da comunidade acadêmica foi
efetivamente consultado em fase preliminar.
Como dissemos, o Future-se foi lançado pelo MEC no dia 17 de julho de
2019 e neste mesmo dia abriu consulta pública até 15 de agosto por meio de
um questionário eletrônico no site do MEC, posteriormente esta consulta foi
prorrogada até 29 de agosto21, perfazendo um total de 42 dias de consulta
pública. Após a publicação da quarta versão da minuta, no dia 03 de Janeiro
de 2020, um novo período de consulta foi aberto, entre 03 e 24 de janeiro de
2020, somando mais 21 dias de consulta22. Ainda que modificações tenham
sido inseridas nas subsequentes versões da minuta do Future-se, tanto para
adequá-la à legislação vigente quanto para contornar as críticas recebidas,
principalmente pelos reitores das universidades federais contrárias ao
programa23, este procedimento é autoritário pelo menos por três razões.
Primeiro porque a consulta não foi feita anteriormente à formulação do
documento, com tempo e meios para uma discussão pública consistente e bem
fundamentada. Em segundo lugar porque esse método plebiscitário de
consulta pública individual consiste num dispositivo recorrente de governos
autoritários. Na aparência ele é democrático, mas na prática trata os cidadãos
como massa, não permite modificações estruturais no programa e impede o
21 Conferir http://portal.mec.gov.br/component/content/article/212-noticias/educacao-
superior-1690610854/79091-consulta-publica-do-future-se-e-prorrogada-ate-29-de-
agosto?Itemid=164
22 Conferir http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/despacho-236403674.
23 Até 25 de setembro de 2019, 54% das Universidades Federais (ao todo 34 universidades,
24 http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=78211:mec-
lanca-programa-para-aumentar-a-autonomia-financeira-de-universidades-e-
institutos&catid=212&Itemid=86
tornarão investidoras no mercado financeiro. Isto está em aberto confronto
com o projeto de universidade desenhado pela CF, “que recusou a proposição
de que as universidades deveriam buscar meios de autofinanciamento para
assegurar suas atividades” (LEHER, 2019, s/p.).
A submissão de projetos de pesquisa ao mercado para
autofinanciamento das universidades toca no segundo problema indicado
acima, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Em todas as
versões da minuta do PL a pesquisa está imediatamente vinculada à
inovação, com o pressuposto de que se esta vinculação for efetivada,
automaticamente o retorno financeiro estaria garantido, o que é falso.
Primeiro porque cada pesquisa tem seu tempo específico de desenvolvimento
e os resultados não são imediatos, por exemplo, não é incomum que uma
pesquisa que não seja aplicável diretamente ao mercado, depois de muito
tempo sirva de base para que outros projetos proponham uma aplicação
imediata que possa atrair o interesse comercial.
Para além do problema do tempo e do caráter específico da pesquisa é
preciso considerar também que o conhecimento não pode ser entendido
apenas como uma mercadoria negociável, um dos elementos mais importantes
que constitui a base da pesquisa e da inovação é o vínculo entre pesquisa e
ensino. Isto significa que nem toda pesquisa é imediatamente aplicável, ela é
também instrumento de formação desde a graduação. O mesmo pode-se dizer
sobre a os projetos de extensão, que têm por finalidade a participação da
sociedade nos programas desenvolvidos pela universidade, isto faz parte do
compromisso social da universidade pública e está profundamente ligado à
formação dos estudantes. Este vínculo entre ensino, pesquisa e extensão não
é sequer esboçado nas minutas do PL – cuja superficialidade com que tratam
problemas complexos é constrangedora –, pelo contrário, a premissa da
pesquisa inteiramente voltada para o mercado destrói o vínculo com a
formação de base e com o compromisso social da universidade pública.
Analisando a primeira versão da minuta do PL, pode-se constatar que
o termo “pesquisa” aparece 15 vezes nas 11 páginas de texto (ao todo são 18
páginas, mas 7 páginas são empregadas para exposição das leis federais que
sofrerão alteração), quase todas as vezes o termo está vinculado à inovação e
ao desenvolvimento. Na última versão, de janeiro de 2020, que é um pouco
maior, o termo “pesquisa” aparece 23 vezes, das quais 14 ocorrências estão
vinculadas à inovação. Por outro lado, a palavra “ensino” aparece 8 vezes na
primeira versão e 11 vezes na última, das quais 6 vezes na primeira e 5 na
última versão apenas nominalmente, para se referir à instituições de
“ensino”. Nenhuma vez o ensino é qualificado ou definido no Future-se. O
termo “extensão” aparece apenas 2 vezes na primeira versão e 4 na última, de
passagem, sem tratamento específico25. Esta breve análise das minutas do PL
Future-se demonstra tanto o desconhecimento dos processos, temporalidades
e especificidades da pesquisa, quanto uma flagrante desvalorização do ensino
e da extensão, que são caros à universidade pública na medida em que
constituem suas bases.
A ausência de um diagnóstico que justifique uma mudança substantiva
no marco legal da educação superior, a forma autoritária como o programa foi
formulado e apresentado, a desinformação do ministro da educação sobre a
situação atual das universidades brasileiras26, bem como o próprio conteúdo do
PL deixa a nu os seus objetivos não professados abertamente: privatização e
financeirização do sistema público universitário.
Bibliografia
BIANCHI, G. Reação. BOBBIO, N., MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. (Org.).
Dicionário de política. Vol. I, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.
27Esta é uma interpretação de Maquiavel em Il Principe, capítulo XVIII, onde o autor afirma:
“Deveis, portanto, saber como são os dois os gêneros de combate: um com as leis, outro com a
força. O primeiro é próprio do homem, e o segundo dos animais, mas porque o primeiro muitas
vezes não basta, convém recorrer ao segundo: portanto, a um príncipe é necessário saber usar
o animal e o homem. [...] Sendo, pois, necessário a um príncipe saber bem usar o animal, deve
tomar deste por modelos a raposa e o leão: porque o leão não se defende das armadilhas, e a
raposa não se defende dos lobos” (MACHIAVELLI, 1971, p. 283). Para Maquiavel a política
não é apenas arte do convencimento e da diplomacia, mas também a esfera da força. No que
toca a força (a face animal da política), o príncipe deve, sempre que possível, usar a astúcia
da raposa, a fraude antes de lançar mão do último recurso que é a violência, atribuída aos
leões. Ambas, contudo, fazem parte da arte política para o autor.
CARMO, J. C. Giovanni Gentile e a Reforma da Escola Italiana nos
Primórdios do Fascismo. (Dissertação de Mestrado). Campinas: FE/
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Documentos
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Texto
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http://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_18.02.2016/CON
1988.pdf