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RESUMO
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Trabalho final referente à disciplina “A tese da cidade como negócio” (FLG5167).
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Doutorando em Geografia Humana (PPGH/FFLCH/USP) sob orientação da Prof.ª Dr.ª Ana
Fani Alessandri Carlos.
INTRODUÇÃO
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Aqui, o sentido de absoluto não procura ignorar a existência de tensões ou resíduos no
interior do urbano, mas entende que a própria contradição nasce da tendência
homogeneizante do espaço-mercadoria.
cada vez mais homogênea. O processo a partir da metrópole, portanto,
estabelece novas problemáticas quando pensadas a partir do lugar e de
como desigualmente esta é produzida a cada tempo, mas mais ainda, cada
espaço, atravessando escalas e iluminando as problemáticas das dinâmicas
socioespaciais - o urbano como negócio e a propriedade privada da terra
como ponta do processo.
O espaço urbano da metrópole ganha centralidade no momento da
análise, assume lugar de destaque na conjuntura socioespacial que se
realiza - o que já consolida uma determinada tradição na geografia urbana
brasileira. É preciso, entretanto, assinalar algumas superações:
A primeira, a superação do tempo pelo espaço, evidencia o
deslocamento da problemática do mundo moderno que põe no centro o
urbano, e o espaço da cidade como lugar que totaliza a vida - o cotidiano, os
ritmos, os símbolos. Produto do processo de valorização, o reposicionamento
da dialética se firma sob a tensão posta pelo espaço-mercadoria, resultado
de uma determinada atividade produtiva útil e complexa (CARLOS, 1982). Ao
mesmo tempo em que se identifica o recrudescimento de uma dialética
espacial, o tempo não assume posição marginal na compreensão da
modernidade, mas sim se localiza como um dado fundamental nas
transformações do próprio espaço, como um eixo que permite o testemunho
das mudanças na extensão do social (tanto na dimensão da paisagem
quanto na dimensão dos ritmos da vida cotidiana). É preciso, entretanto,
compreender agora o movimento da sociedade a partir de sua imposição
como sociedade urbana, portanto, na intensificação das formas capitalistas
de cooptação do humano que se realizam pelo e no espaço.
Outra superação que sugerimos realizar no plano do pensamento é a
do fragmento como recorte ao fragmento como elemento revelador da
totalidade. Comum à Geografia de tradição monográfica e posteriormente
quantitativa, convencionou-se a pôr a descrição como fim em si, provocando
confusões entre procedimento e método, instrumento e pensamento,
exposição e compreensão. O fragmento, em uma perspectiva crítica e
radical que se pretende a partir do escopo do materialismo dialético e de
uma leitura lefebvriana do espaço, guarda os elementos da totalidade, ou
seja, os fundamentos globais dos processos que se materializam localmente.
A compreensão da cidade a partir da cotidianidade permite o alcance da
compreensão de processos ainda em movimento, como a periferização (e
sua redefinição na cidade capitalista do século XXI), a constituição de eixos
imobiliários voltados a diferentes rendas, entre outros.
Mais um importante movimento é o que desloca a metrópole como
lugar do negócio a ela em si como o negócio. A leitura da cidade e do urbano
a partir da virada do século se localiza no superlativo metropolitano que
configura às metrópoles do capitalismo (também central, mas
predominantemente periférico) um lugar privilegiado na reprodução das
relações capitalistas. É na metrópole que se materializam as demandas do
capital e sua incessante necessidade de redução do tempo de giro (SIMONI
SANTOS, 2011).
Nesse sentido, o reposicionamento do urbano - e da metrópole em si -
dentro da análise de geografia urbana se dá como um elemento central na
emergência teórica aqui proposta. Tal emergência se dá, justamente pela
transformação nas metrópoles brasileiras nas últimas décadas, o que se
observa tanto nas metrópoles “centrais”, como São Paulo, quanto nas
metrópoles “periféricas”, como Manaus.
Talvez um dos mais recentes movimentos aqui sinalizados tenha sido a
superação da periferia como forma da exclusão à periferia como forma total
(tendencial) da urbanização. De antiga tradição na literatura social
brasileira, a periferia ainda é ponto de disputa no plano das políticas
públicas tanto quanto no campo semântico. Martins (2001) identifica certa
tensão na ideia de periferia, apontando-a ora como o negativo do urbano,
no sentido de uma degradação material, ora como lugar de
instrumentalização de políticas populistas de esquerda e direita. De todo
modo, a periferia desponta como o sentido homogêneo da urbanização do
território, para onde se voltam as políticas habitacionais, os
empreendimentos imobiliários de alto padrão e as ocupações informais,
mediadas muitas vezes por um complexo e confuso conjunto de alianças
entre o Estado e outros sujeitos econômicos, políticos e/ou sociais.
Em um último momento, este de concepção ainda embrionária, surge
o desenvolvimento espacial desigual como possibilidade teórica na tentativa
de compreender a urbanização crítica brasileira, tendo a cidade como
negócio como sua principal imagem e conceito. A cidade como negócio
torna-se, no curso da urbanização contemporânea, uma realidade
homogênea, real e virtual. Os diversos estudos sobre a Grande São Paulo e
sua dinâmica metropolitana colocam-a no ponto do processo de reprodução
das relações sociais de produção capitalistas, o que - também por configurar
uma centralidade nesse sentido - possui diversos feixes de observação dessa
realidade.
É certo, porém, que algumas das características observadas na
metrópole paulistana também se estendem a outros lugares do território
brasileiro, ainda que em um espaço-tempo diferente - desigual. É nesse
sentido que se faz necessária uma emergência do pensamento urbano
crítico radical que contemple também outras realidades urbanas, outras
práxis, para que uma outra teoria seja construída - mais potente, por sinal.
É a partir destas sinalizações - que não pretendem-se novas ou mesmo
despercebidas, mas sim emergentes para a virada teórica da análise - que o
texto aqui envereda, colocando a periferia urbana na centralidade das
discussões.
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A urbanização crítica carrega aqui o sentido trazido por Damiani (2009), de destituição da
humanidade, do homem-habitante e da crise do trabalho contida na crise do capital.
regra - um elemento constitutivo máximo da urbanização atual. Como traz
Rizek (2022), a periferia passa por uma crise - no pensamento e na prática,
por abrigar um rico terreno de elaborações sobre o urbano brasileiro, assim
como também a crise da moradia, do direito e da justiça espacial como
parte inextinguível da dignidade humana. As periferias, segundo a autora,
sinalizam que
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Tal ideia não se esgota neste texto, pela necessidade de maior aprofundamento, o que não
cabe no presente trabalho.
Figura 1: A Cidade Flutuante, em Manaus-AM6
Deslocados para a atual zona sul da cidade, então área mais periférica
de Manaus, os moradores da cidade flutuante inauguraram uma das
paisagens decorrentes do assalto da indústria à cidade, para usar a
expressão de Henri Lefebvre.
A extensão da periferia manauara durante as décadas de 1960, 1970,
1980 e 1990 prosseguiu em direção às zonas norte e leste,
predominantemente. A criação do BNH fomentou a construção de diversos
conjuntos habitacionais nas franjas da cidade, o que se seguiu nas primeiras
décadas do século XXI: foram 28 conjuntos habitacionais construídos entre
2001 e 2016, totalizando 34.118 unidades habitacionais.
Além da expansão dos conjuntos habitacionais promovidos pela
política pública de provisão de moradias, a periferia manauara também se
constituiu como lugar da autoconstrução, abrigando a população
pauperizada que migrava do interior do estado e de outros lugares como o
estado do Pará e Ceará, principalmente.
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https://idd.org.br/reportagens/exotica-cidade-flutuante-de-manaus2/
Figura 2: Extensão da mancha urbana de Manaus - AM em 1984.
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https://bncamazonas.com.br/municipios/prourbis-1122-milhoes-moradias-manaus/
das periferias se revela como um dado interessante não do ponto de vista da
expansão morfológica da cidade, mas como uma volta ao interior da
metrópole.
Em Manaus, que possui uma região metropolitana em crescimento há
10 anos, voltar-se à periferia da capital parece uma contratendência após os
investimentos feitos na construção da Ponte Rio Negro (Ponte Philipe Daou)
e nos diversos empreendimentos imobiliários na rodovia AM-070, verificado
em trabalho anterior (BRAGA, 2019).
De todo modo, a periferia manauara avança sobre espaços verdes e
mesmo culturais, como na recente ocupação do cemitério indígena
localizado no bairro Nova Cidade, na zona norte da capital.8 Assim, “a
reprodução de territórios-reserva, e sua posterior liberação para
investimentos futuros do imobiliário pressupõe a aniquilação de sua história
e conteúdos sociais anteriores” (SIMONI SANTOS, 2006, p. 121).
Outra característica da periferia manauara é a ausência de “favelas”
nas áreas centrais da cidade, sendo este um dos pontos que a difere de
cidades como o Rio de Janeiro. Em Manaus, a característica predominante é
a ocupação das margens dos igarapés, que cortam todo o território da
capital.
Tal paisagem foi objeto de intervenção do estado em projetos como o
Prosamim (Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus), tentativa
já realizada por governos anteriores, mas com insucesso, devido à volta dos
moradores às habitações de palafitas.
8
https://reporterbrasil.org.br/covamedida/historia/manaus-am/
como o piso para as indenizações das casas envolvidas no
PROSAMIM (MOTA, 2019, p. 151).
https://mapbiomas-br-site.s3.amazonaws.com/MapBiomas_Area_Urbanizada_2022_03_11.
pdf /
https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2022/11/04/manaus-foi-a-capital-do-pais-que-
mais-registrou-crescimento-de-favelas-em-37-anos-diz-estudo.ghtml /
https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2021/11/04/area-de-favelas-de-favelas-dobrou
-em-35-anos-aponta-levantamento.ghtml.
em 2021, cerca de 9.549 hectares, dentro de uma área urbanizada que
aumentou 274% de 1985 a 2021.
Tais quantitativos servem apenas para identificarmos a dimensão
espacial do processo de periferização da metrópole de Manaus. Como dito
anteriormente, o que parece estar no horizonte do problema é a associação
do tráfico de drogas com a venda ilegal de lotes em ocupaçõs nas franjas da
cidade.10
Os grupos, que também possuem atuação nacional, como o Primeiro
Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), se tensionam com
poderes locais e regionais, como a Família do Norte (FDN) e Comando do
Norte (CDN).
A combinação entre o crime organizado (tráfico de entorpecentes) e a
venda de lotes na periferia da metrópole já tem sido observada, ainda que
com outros alinhamentos, em São Paulo, especialmente na zona sul da
capital paulista (SIMONI SANTOS, 2020b).
As similitudes na produção da periferia manauara e paulistana
parecem apontar para um acúmulo de elementos que, ao final, demonstram
o processo de urbanização contemporâneo em seu fundamento mais crítico:
a centralidade da periferia como o lugar de realização máxima da cidade
como negócio.
VIAS ENTREABERTAS
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https://todahora.com/em-quatro-anos-manaus-teve-163-invasoes-maioria-e-liderada-por-e
nvolvidos-com-trafico/
O que parece estar posto é que a contradição entre a produção
social do espaço e sua apropriação privada e mediada pela
propriedade, bem como as necessidades e os interesses de classe,
fundamentam o processo de produção da cidade capitalista
(ALVAREZ, 2015, p. 66).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS