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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

REGINALDO EUZÉBIO DA CRUZ

Empresário sem empresa: trabalho desregulamentado,


pejotização e uberização. A precarização do trabalho dos
jornalistas na era digital

Campinas
2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA

REGINALDO EUZÉBIO DA CRUZ

Empresário sem empresa: trabalho desregulamentado,


pejotização e uberização. A precarização do trabalho dos
jornalistas na era digital

Prof. Dr. Márcio Pochmann – orientador

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento


Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção
do título de Mestre em Desenvolvimento Econômico, na área de Economia Social e do
Trabalho.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL


DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO
REGINALDO EUZÉBIO DA CRUZ, ORIENTADA PELO
PROF. DR. MÁRCIO POCHMANN.

Campinas
2019
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Economia
Luana Araujo de Lima - CRB 8/9706

Cruz, Reginaldo Euzébio, 1972-


C889e Empresário sem empresa : trabalho desregulamentado, pejotização e
uberização. A precarização dos jornalistas na era digital / Reginaldo Euzébio
da Cruz. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

Orientador: Márcio Pochmann.


Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Economia.

1. Jornalistas. 2. Pessoa jurídica. 3. Precarização. 4. Relações trabalhistas.


I. Pochmann, Márcio, 1962-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto
de Economia. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Businessman without a company : deregulated work, personal


company and uberization. The precarious work of the journalists in the digital era
Palavras-chave em inglês:
Journalists Juristic
persons
Precariouness
Industrial relations
Área de concentração: Economia Social e do Trabalho
Titulação: Mestre em Desenvolvimento Econômico
Banca examinadora:
Márcio Pochmann [Orientador]
José Dari Krein
José Roberto Cabreira
Data de defesa: 23-09-2019
Programa de Pós-Graduação: Desenvolvimento Econômico

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)


- ORCID do autor: 0000-0001-5827-300X
- Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/9358472834148314
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA

REGINALDO EUZÉBIO DA CRUZ

Empresário sem empresa: trabalho desregulamentado,


pejotização e uberização. A precarização do trabalho dos
jornalistas na era digital

Prof. Dr. Márcio Pochmann – orientador

Defendida em 23/09/2019

COMISSÃO JULGADORA

Prof. Dr. Márcio Pochmann - PRESIDENTE


Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Prof. Dr. José Dari Krein


Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Prof. Dr. José Roberto Cabrera


Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação (ESAMC)

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da


Comissão Examinadora, consta no processo de
vida acadêmica do aluno.
AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento


de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
Ao meu pai, Sr. Rosáris Euzébio da Cruz e à minha mãe, Sra. Teresinha Alves da
Cruz, pessoas que, como muitos de sua geração, migraram do campo para a cidade no final dos
anos 1960 em busca de melhores condições de vida e vivenciaram muito das consequências
econômicas descritas neste trabalho. Pelo apoio, pela confiança e pelo suporte por toda a vida,
não tenho palavras para agradecer. À minha família, obrigado pelo apoio e por sempre
acreditarem.
A lista de amigos é grande e certamente cometerei alguma injustiça pela omissão
de nomes. Começo pelo amigo Paulo Gil Introíni que me incentivou a vir estudar no Instituto
de Economia da Unicamp, apesar da formação em jornalismo, inicialmente no Curso de
Especialização em Economia do Trabalho e Sindicalismo e depois neste mestrado que hora
concluo.
Aos amigos e amigas da “fina flor da análise” pelo bate-papos, discussões, debates,
pelo incentivo, pelos copos e pela convivência que ameniza a vida: Luciana Vieira, Denise
Simeão, Matheus Pazos, Paulo Bufalo, Josiane Parice, Jéssica Vega, Claudinho e uma longa
lista de pessoas queridas deste convívio.
Ao amigo Luís Guilherme Palma e ao escritório B/Palma Contabilidade, pela ajuda
no acesso e interpretação de dados.
Ao Sinait - Carlos Silva, Rosa Jorge e Vera Jatobá, pelo incentivo. Ao Renato
Bignami pelos toques sobre os dados do extinto Ministério do Trabalho. Ao Alex Müller pela
revisão do texto.
Aos colegas da turma de 2017 da pós-graduação no IE. À amiga Paula Freitas,
parceira de trabalhos, artigos, discussões.
Ao pessoal do “V de Várzea”, celeiro de craques incompreendidos do futebol, pelas
caneladas e convivência nas noites de quarta-feira.
Ao Grupo de Trabalho sobre a Reforma Trabalhista, agora sobre o Mundo do
Trabalho, pelo aprendizado no debate constante e qualificado sobre os rumos do Trabalho no
Brasil e no mundo.
Aos colegas jornalistas que gentilmente concederam entrevista para este trabalho:
Michele Costa, Mário Camargo, Cláudio Liza Jr., Nice Bulhões, Alayr Ruiz, Sara Silva,
Luciana Almeida, Rose Guglielminetti. Ao Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo,
em especial ao presidente Paulo Zocchi pela entrevista.
À professora Ivete Cardoso do Carmo-Roldão pelas valiosas indicações na
qualificação desta dissertação que muito contribuíram para essa versão final.
Ao professor José Roberto Cabreira, parceiro de lutas e membro da banca que
avaliou este trabalho.
Aos mestres do Centro do Estudo Sindicais e Economia do Trabalho, CESIT, que
se tornou minha casa de estudos nos últimos anos, desde o Curso de Especialização em
Economia do Trabalho e Sindicalismo e que neste período enriqueceu em muito a minha
compreensão sobre economia, política e sobre os rumos de nosso país e do mundo.
Um agradecimento especial ao professor José Dari Krein, pela inclusão nas
discussões do GT Mundos do Trabalho, pela confiança e pelo incentivo ao desafio de entrar no
mestrado. Ao professor Marcelo Proni, pela ajuda no final.
Ao meu orientador, professor Márcio Pochmann, pela confiança e pelos
apontamentos necessários que ajudaram a estruturar este trabalho.
Por fim, à minha companheira Ana Palmira Arruda Camargo, principal
incentivadora, leitora, amiga, confidente. Obrigado pela paciência, compreensão e por estar
incondicionalmente ao meu lado.
Dedico este trabalho aos que virão depois nós.
Que tenham força para construir uma
sociedade onde a justiça social, a solidariedade,
o respeito à diversidade – humana e da natureza
- sejam valores inegociáveis.

À todas e todos que a cada dia buscam no


trabalho o meio de vida e que cada vez mais
encontram as condições mais precárias de
sobrevivência, de exploração e degradação.
Que possamos transformar essa realidade. À
luta!
Resumo:

Esta dissertação analisa as transformações ocorridas nas relações trabalhistas a


partir da década de 1990 através de um estudo de caso dos jornalistas. Essa categoria de
trabalhadores é bastante representativa dos impactos econômicos e sociais ocorridos no mundo
do trabalho neste período por ser uma das primeiras e uma das mais atingidas pela precarização.
Com o advento das novas tecnologias da informação e comunicação, a produção e
veiculação de informação tornou-se acessível para amplas parcelas de profissionais, ao mesmo
tempo em que a profissão de jornalista passou por um processo de desregulamentação que pode
ser sintetizado pelo fim da obrigatoriedade de diploma específico para o exercício do
jornalismo, em 2009. A crise que atingiu os grandes meios de comunicação levou ao corte de
custos e demissões nas grandes redações.
A proliferação de contratos atípicos de trabalho, como Pessoa Jurídica (PJ),
Microempreendedores Individuais (MEI) e Free Lancers (frilas) vem sendo crescentemente
utilizada pelas empresas de comunicação como forma de contratação, transformando assim
uma relação de trabalho em um contrato entre empresas.
No mesmo sentido, o autoemprego, ou empreendedorismo, vem sendo apontado
como uma saída para profissionais se manterem ativos e competir em um mercado de trabalho
cada vez mais indefinido, restrito pelo lado da oferta de trabalho regulamentado e, por outro
lado, com novas possibilidades de atuação abertas por canais via internet, que por sua vez são
ocupados por uma ampla gama de profissionais na produção de conteúdo de informação.
Assim, a profissão de jornalista passa por um processo de crise, seja através das
demissões, desmonte de grandes redações, da burla de direitos trabalhistas, seja nas formas de
contratação.

Palavras-chave: Pejotização; Precarização; Relações de Trabalho; Reforma Trabalhista,


Novas Tecnologias; Internet; Empreendedorismo; Jornalistas; Jornalismo; Mídia.
Abstract:

This dissertation analyzes the transformations occurred in labor relations from the
1990s through a case study of journalists. This category of workers is quite representative of
the economic and social impacts that occurred in the world labor in this period because it is
one of the first and one of the hardest hits by precariousness.
With the advent of new communication technologies, the production and
dissemination of information became accessible to large numbers of professionals, while the
profession of journalist went through a process of deregulation that can be synthesized by the
end of the obligation of a specific diploma for the practice of journalism, in 2009. The crisis
that hit the mass media led to cost cutting and layoffs in major newsrooms.
The proliferation of atypical work contracts, such as Individual Companies (PJ),
Individual Microentrepreneurs and Free Lancers has been increasingly used by communication
companies as a form of hiring, thus transforming a working relationship in a contract between
companies.
In the same vein, self-employment, or entrepreneurship, has been touted as an
outlet for professionals to stay active and compete in an increasingly undefined labor market,
constrained by the regulated labor supply side and, on the other hand, with new possibilities
with channels opened by internet, which in turn are occupied by a wide range of professionals
in the production of information content.
Thus, the profession of journalist, on the one hand, goes through a crisis process,
either through layoffs, dismantling of large newsrooms, bypass the of labor rights, or in the
forms of hiring.

Keywords: Precariousness; Work relationships; Labor Reform; New Technologies; Internet;


Entrepreneurship; Journalists; Journalism; Media.
SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ pg. 12


Metodologia .............................................................................................................................. pg. 25
CAPÍTULO 1: AS CONDIÇÕES DE TRABALHO NO DESENVOLVIMENTO
CAPITALISTA ATUAL ......................................................................................................... pg. 27
1.1 - Da Ordem Liberal Burguesa ao Estado de Bem-Estar Social ............................ pg. 27
1.2 - Mudanças no mundo do trabalho a partir dos anos 1970 ..................................... pg.29
1.3 - A construção da regulação do trabalho no Brasil a partir de 1930 e a desconstrução
nos anos 1990 ............................................................................................................. pg. 34
1.4 - Terceirização, MEI, Pejotização – mudanças nas ralações de trabalho sem mudar
relação trabalho x capital ............................................................................................ pg. 36
1.5 - Desregulamentação do trabalho e uberização dos trabalhadores ....................... pg. 45

CAPÍTULO 2: O JORNALISMO NO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA ................ pg. 49


2.1 - Breve histórico da imprensa no Brasil ................................................................ pg. 54

CAPÍTULO 3: A CONSTRUÇÃO E REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE


JORNALISTA NO BRASIL ........................................................................................................ pg. 58
3.1 - A luta pela regulamentação e as greves de 1961 (vitoriosa) e de 1979
(derrotada) .......................................................................................................... pg. 61
3.2 - Exigência do diploma e mudança do perfil da categoria ...................................... pg.63
3.3 - As crises do jornalismo e dos jornalistas ............................................................ pg. 67
3.4 - Desregulamentação da profissão e o fim da exigência do diploma em curso
superior .............................................................................................................. pg. 72

Capítulo 4 – MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E PRECARIZAÇÃO DA CONDIÇÃO DE


TRABALHO. UM CENÁRIO DE DÚVIDAS PARA OS JORNALISTAS ............................. pg. 76
4.1 – Demissões e contratos precários ........................................................................ pg. 77
4.2 – Panorama das demissões de jornalistas na década atual .................................... pg. 81
4.3 – Alguns casos recentes e emblemáticos de passaralhos ..................................... pg. 89
4.4 – Precarização do trabalho e as impacto das novas tecnologias na trajetória
profissional .........................................................................................................pg. 93
4.5 - A precarização sentida no dia-dia do trabalho ....................................................pg. 106
4.6 - Impactos das mudanças tecnológicas e no trabalho sobre os
Jornalistas ......................................................................................................... pg. 114

CAPÍTULO 5 - IDENTIDADE PROFISSIONAL E FORMAS DE SOBREVIVÊNCIA NO


MERCADO DE TRABALHO ................................................................................................... pg. 127
5.1 – O trabalho do jornalista em perspectiva – rumo ao precariado? ........................ pg.135
CONSIDERAÇÕES FINAIS: .................................................................................................... pg. 148
Referências Bibliográficas: ........................................................................................................ pg. 151
11

As últimas duas décadas do século XX e os primeiros


anos do século XXI conformam um longo ciclo de
mudanças, que afetou diferentemente as várias
gerações de trabalhadores e suas famílias, mas, para
a maioria, pode ser sintetizado em algumas poucas
palavras: perdas, precariedade, insegurança. 1

1
BORGES, 2007, p. 81.
12

Introdução

As transformações ocorridas no mundo do trabalho a partir da década de 1990 no Brasil


provocaram profundos impactos nas formas de contratação, uso e remuneração da mão-de-
obra. Contratos por tempo indeterminado, regulados pela Consolidação das Leis Trabalhistas
(CLT), com tempo de jornada e salários definidos, característicos do período fordista,
tornaram-se cada vez menos frequentes, sendo substituídos por formas que a Organização
Internacional do Trabalho caracteriza como contratações atípicas2 (ANTUNES, 2005; KREIN,
2007).
Embora nos países centrais do capitalismo essas transformações tenham iniciado em
meados dos anos 1970 (BOLTANSKY & CHIAPELLO, 2009; ANTUNES, 2005; STREEK,
2013), no Brasil estas mudanças se iniciaram na década de 1980, mas tiveram impulso a partir
da década seguinte. Após um período de meio século, entre 1930 e 1980, marcado por um
grande desenvolvimento industrial - mesmo que mantendo a estrutura social altamente desigual
e altos índices de pobreza de sua população – a partir dos anos 1990 o país passa a ser submetido
às políticas de cunho neoliberais, preconizadas no Consenso de Washington (ANTUNES,
2006; BORGES, 2007).
Neste período, o cenário de desemprego impulsionou o discurso de redução dos custos
da mão-de-obra e flexibilização dos direitos trabalhistas como forma das empresas manterem
postos de trabalho. O trabalho regulado característico do período anterior passa a ser substituído
por novas formas de contratação, como as terceirizações e contratos temporários, com direitos
e remuneração reduzidos, conforme observado por Antunes:

Foram profundas as transformações ocorridas no capitalismo recente no Brasil,


particularmente na década de 1990, quando, com o advento do receituário e da
pragmática definidos no Consenso de Washington, desencadeou-se uma onda
enorme de desregulamentações nas mais distintas esferas do mundo do
trabalho (2006, p. 15).

Em estudo sobre a precarização do mercado de trabalho no Brasil neste período, Borges


(2007) observa que, mesmo considerando as diversidades regionais, é possível detectar dois

2 As características principais das relações de trabalho predominantes no pós-guerra são: centralização das
negociações; reconhecimento dos sindicatos; restrição à dispenda de pessoal, subcontratação ou emprego de
pessoa eventual; controle sindical sobre alocação das tarefas, formulação de políticas salariais de longo prazo com
incorporação de parte dos ganhos de produtividade, jornada padrão de 8 horas diárias, sistema de proteção em
caso de doença, desemprego e velhice; e o desenvolvimento de políticas sociais que permitam a elevação indireta
dos salários (cf. KREIN, 2007). Os contratos de trabalhos atípicos são assim chamados porque expressam formas
de prestação de serviços cuja característica fundamental é a falta ou insuficiência de tutela contratual (cf.
ANTUNES, 2005).
13

grandes momentos. O primeiro, ainda na década de 1980, com o fim do modelo de


industrialização que vinha desde a década de 1930, e na sequência, o segundo momento, já nos
anos 1990 e início do século XXI, com a mudança no padrão de desenvolvimento que, nas
palavras da autora, mudaram as formas de inserção e de permanência no mercado de trabalho.
Sinteticamente, em menos de dez anos, passou-se de uma economia fechada e
protegida por todo um arcabouço legal e institucional a uma economia aberta
e totalmente desprotegida, exposta à instabilidade de uma economia
mundializada, sob hegemonia do capital financeiro (BORGES, 2007, p. 82).

O contexto de desregulamentação das relações trabalho na década de 1990 ganha


impulso especialmente a partir de 1995 quando uma Portaria do Ministério do Trabalho e
Emprego - posteriormente referendada por Enunciado do Tribunal Superior do Trabalho -
favoreceu a proliferação de contratações terceirizadas com a diversificação da forma do uso e
remuneração da força de trabalho. Assim, a forma de contratação por tempo indeterminado,
característica das relações regulamentadas pela CLT, pode ser legalmente substituída por
formas diversificadas de regime de trabalho (POCHMANN, 2008).
Conforme Borges, a mudança de correlação de forças entre capital e trabalho, fruto das
transformações na forma de acumulação capitalista, como veremos no capítulo 1 deste
trabalho, facilitou no processo de precarização dos vínculos empregatícios, aprofundados na
década de 1990, sendo fundamental para isso a terceirização e a desregulamentação da
legislação trabalhista vigente.

Para tanto, dois processos que marcaram os anos 1990 foram fundamentais. O
primeiro deles foi a terceirização, que assumiu várias formas, sendo as mais
frequentes a subcontratação de empresas menores, que burlam a lei com mais
facilidade; a contratação de trabalhadores através de cooperativas de trabalho;
e o recurso à trabalhadores “autônomos”, contratados por “prestação de
serviços”, empresas individuais, sendo que estes três últimos foram (e são)
amplamente utilizados para descaracterizar a relação de emprego. O segundo
caminho para a flexibilização-precarização foi o da desregulamentação das
relações de trabalho (BORGES, 2007, p. 84).

Uma das formas precarizadas de contratação que começou a ganhar espaço no período
foi a transformação do trabalhador em Pessoa Jurídica (PJ), que o coloca com o status de uma
empresa que presta ou vende serviços à outra empresa. Tal forma de contratação tem ocorrido
principalmente nos setores de trabalho intelectual, com grande incidência entre os jornalistas e
profissionais da área de comunicação (SILVA, 2014), sendo que nos últimos anos tem havido
14

um crescimento também no setor de ensino superior privado (FACCI et al., 2017; Brasil de
Fato3).
A lei nº 9249/ de 1995, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1996, em seu Artigo
9º estabeleceu que na tributação de Pessoa Jurídica poderia haver dedução da apuração do lucro
real, pagos ou creditados individualmente à titular, sócios e acionistas, como remuneração de
capital próprio calculados sobre o patrimônio líquido.
Conforme disposto no Artigo 10 da mesma lei, os lucros e dividendos poderiam ser
calculados a partir de lucro presumido, não sujeitos à incidência da cobrança do imposto de
renda, nem integrando a base de cálculo para o imposto de renda de pessoa física ou jurídica,
mesmo que residentes no exterior.4
A vantagem na tributação foi fator de incentivos para que vários profissionais com alta
remuneração optassem por abrir empresas prestadoras de serviço ou mesmo abrir uma empresa
individual e atuar como autônomo, mesmo mantendo uma relação de trabalho subordinada.
Nos anos 2000, a Emenda 3 ao Projeto de Lei nº 6.272/05 (que deu origem à Lei
11.457/2007 que fundiu a fiscalização da Receita Federal e da Previdência, criando a chamada
Super Receita), estabelecia que caberia somente ao poder judiciário descaracterizar casos de
contrato pessoa jurídica, ato ou negócio jurídico que implicasse em relação de trabalho 5. Com
isso, o reconhecimento de uma relação de emprego subordinada, mesmo embutida em um
contrato de Pessoa Jurídica, só poderia ser reconhecido através de um processo judicial.
A Emenda 3 foi vetada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo com
forte oposição dos principais meios de comunicação, que na época criaram uma narrativa na
qual tal emenda era um antídoto contra o que chamavam de arbitrariedade dos agentes de
fiscalização. Entretanto, as empresas de comunicação tinham interesse direto na legislação,
uma vez que elas eram um dos principais setores que passaram a utilizar a contratação através
de contratos de Pessoa Jurídica, conforme anotado por Dalossi:

O que ocorre é que justamente nos meios de comunicação, especialmente nos


setores de jornalismo, há muitos trabalhadores que prestam serviços dessa
forma (criando empresas individuais para assinar contratos de prestação de
serviço quando na realidade existe uma relação de emprego regular). Há forte
pressão das empresas da comunicação para a aprovação da emenda e em toda

3 Disponível em https://www.brasildefato.com.br/2017/12/28/2017-e-ao-avanco-da-mercantilizacao-do-ensino-
superior/, acesso em 4 de maio de 2018.
4 Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9249.htm , acesso em 13 de setembro de 2018.
5 HARADA, Kiyoshi. Super-Receita. Veto à Emenda 3. Uma tremenda confusão mental. Disponível em

https://jus.com.br/artigos/9793/super-receita-veto-a-emenda-3, acesso em 13 de setembro de 2018.


15

matéria jornalística referente à Emenda 3 tem-se vilipendiado as graves


consequências que a emenda traria...6

A partir de 2005 a tributação referente às Pessoas Jurídicas sem empregados passou a


ser prevista no artigo 129 da lei 11.196/2005, conhecida como “Lei do Bem”. A legislação
dispõe que a tributação fiscal e previdenciária para prestadores de serviços intelectuais,
artísticas e culturais seria a mesma aplicada à Pessoas Jurídicas, abrindo espaço para
legalização da pejotização individual. Na letra da Lei:

Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços


intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter
personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a
sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta
realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas,
sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de
janeiro de 2002 - Código Civil.7

A extensão da legislação tributária aplicável às Pessoas Jurídicas à prestadores de


serviços intelectuais na prática representou a autorização para a utilização contratos PJ para
ocultar relações típicas de trabalho subordinado, sob a forma de contrato de prestação de
serviços entre sociedades empresariais (RECEITA FEDERAL, 2016)8.
No entanto, mesmo com a aprovação da lei, os contratos como Pessoa Jurídica
continuaram sendo controversos quanto à sua legalidade ou se configurariam um instrumento
de burla a legislação trabalhista, pois o respaldo legislativo levou à proliferação de contratos
que podem ser caracterizados como “fraude de pejotização”, com a subtração dos direitos
trabalhistas e previdenciários. Esse era o entendimento pelo menos até o final de 2017, quando
entrou em vigor a Lei das Terceirizações e a Reforma Trabalhista, conforme veremos abaixo.
No final da década passada, quando as contratações como Pessoa Jurídica começaram
a ser tornar mais comuns, a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho
(ANAMATRA), trazia o seguinte posicionamento:

O uso de PJ é lícito nos casos de contratação para prestação de serviços não


habituais, não subordinados. Mas não quando pessoas são contratadas para
exercer atividades inerentes da empresa. Empregadores propõem a parte de
seus empregados, frequentemente os mais qualificados e que ganham maiores

6
DALOSSI, Bruno Maffin. Emenda 3 – revogação da legislação trabalhista? Disponível em
https://jus.com.br/artigos/9858/emenda-n-3 , acesso em 13 de setembro de 2018.
7 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11196.htm, acesso em 13 de maio

de 2018.
8 O fenômeno da “pejotização” e a motivação tributária. Disponível em
https://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-
estatisticas/estudos-diversos/o-fenomeno-da-pejotizacao-e-a-motivacao-tributaria.pdf , acesso em 18 de maio de
2018.
16

salários, que constituam empresas e passem a figurar como prestadores de


serviços. Um dos motivos alegados é que a redução de impostos e encargos
permitirá pagar um salário maior ao empregado. Este caso, como qualquer
alternativa adotada para fraudar as leis trabalhistas, é analisado por
especialistas do campo jurídico como uma forma de precarização das relações
de trabalho (TURCATO; RODRIGUES, 2008, p. 11).

Desta forma, por desconfigurar uma relação subordinada de trabalho, neste tipo
de contrato cabe ao empegado assumir os riscos, arcar com os tributos e com a própria
contribuição previdenciária, mesmo prestando serviço contínuo à mesma empresa.
Conforme apontado por Krein:

O profissional terá de recolher impostos e a sua própria contribuição


previdenciária se pretende ter cobertura da seguridade social. Na leitura de
algumas entidades de classe, particularmente da CUT e da FENAJ, a lei
representa um perigo, pois sinaliza para a legitimação da “fraude da
pejotização”, que já é objeto do um duro embate, em diversas categorias
(KREIN, 2007, p. 161-162).

Conforme veremos adiante, de fato a fraude da pejotização citada por Krein se


confirmou em diversas categorias, tornando-se praticamente um padrão na forma de
contratação de algumas atividades do jornalismo, o que tem sido objeto de questionamento na
esfera da Justiça do Trabalho, que vinha reconhecendo a pejotização como uma fraude, ou seja,
uma relação normal de trabalho e não como um contrato entre empresas.
Krein & Castro (2015) apontam que a contratação de trabalhadores como Pessoa
Jurídica vem sendo usada como artifício para o barateamento da mão de obra, especialmente
nos chamados setores criativos. A pejotização configura-se, portanto, em um mecanismo de
descaracterização de uma relação de trabalho, transformando o empregado em prestador de
serviço à disposição do empregador, porém numa situação de autônomo.
O processo de pejotização envolve uma série de elementos associado às
transformações do trabalho observadas nas últimas décadas, em uma
perspectiva global; dente elas: 1) as ameaças de desemprego e as consequentes
pressões sobre o trabalhador, que minam as possibilidades de resistência; 2) a
possibilidade de transferir para o trabalhador o próprio gerenciamento sobre
seu trabalho, sem que isso signifique eliminar a relação de subordinação ou a
perda de controle sobre o trabalho; 3) as pressões por desregulamentação da
jornada de trabalho combinada com a crescente indistinção entre o que é e que
não é tempo de trabalho. (KREIN et al., 2018, p. 104).
17

Outro ponto que pode ser acrescentado é o crescimento do número de empresas sem
empregados após a promulgação da lei que criou a figura do Microempreendedor Individual
(MEI), que entrou em vigor em 2009 (Lei Complementar nº 128, de 19 de dezembro de 2008)9.
Criado como mecanismo para formalização de trabalhadores de baixo rendimento que
atuam à margem do mercado de trabalho, o MEI acabou sendo também uma forma de incentivo
para a transformação de trabalhadores em empresários individuais, uma vez que, conforme
aponta estudo do IPEA, 49,7% dos MEIs são formados por trabalhadores demitidos ou que
desistiram de procurar emprego, configurando-se mais como uma estratégia de sobrevivência
do que uma opção de inserção no mercado de trabalho (OLIVEIRA, 2013; KREIN et al.,
2018).
Desta forma, essa legislação também contribuiu para a ampliação das formas de
contratações individualizadas, conforme pode se inferir da análise de dados da RAIS.

Analisando os dados da RAIS é possível apurar – ainda que de forma imprecisa


– a dimensão da pejotização ao longo das décadas de 2000 e 2010 e sua
acentuação com a implementação do MEI. A declaração anual, feita por pessoa
jurídica na “RAIS Negativa”, significa que, naquele ano, o estabelecimento
não fez uso de empregados ou esteve inativo. Essa variável pode ser
interpretada como uma proxy da pejotização, descontando o caso em que o
estabelecimento esteve inativo. (KREIN et al., 2018, p. 105).

Conforme pode ser observado no Gráfico 1, com dados da RAIS e do portal do


empreendedor, a partir de 2009 há um crescimento exponencial de empresas tipo MEI, que
somados às mais de 4 milhões de PJ sem empregados apontam a dimensão do crescimento das
formas de contratação individuais.

Gráfico 1 – Total “PJ zero”, estabelecimentos com um ou mais empregados (“outros”)


e MEI, 2004 - 2014

9Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp128.htm , acesso em 13 de fevereiro de


2019.
18

Fonte: RAIS/TEM e Portal do empreendedor, disponível em: http://www.portaldoempreendedor.gov.br. (KREIN


et al., 2018, p. 106).

Para os empregadores, a contratação em regime de PJ tem vantagem de transformar a


forma de remuneração de fixa para variável, atrelando o salário à produtividade e/ou metas,
além da redução dos encargos sociais, trabalhistas e tributários da folha de pagamento,
limitando os custos da empresa à gestão de um contrato comercial.
Conforme estudo realizado por Krein (2007), com esta forma de contratação as
empresas conseguem economizar em torno de 60% dos custos de mão-de-obra, considerando
que ficam dispensadas do pagamento das contribuições sociais e dos direitos trabalhistas. O
autor aponta também os impactos negativos na arrecadação tributária e custeio de políticas
sociais, em especial a previdência.
Desta forma, a pejotização pode ser entendida dentro dos processos de reestruturação
produtiva, em um contexto econômico e político marcado pela mundialização do capital, pela
difusão das políticas de corte neoliberal e desregulamentação das relações de trabalho.
Os trabalhadores submetidos à contratos como Pessoa Jurídica (PJ), por terem status de
empresa, ficam obrigados a cumprir toda a legislação tributária referente a uma empresa
individual e, por outro lado, ficam privados dos direitos e garantias dos contratos regidos pela
19

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que configura uma burla na legislação trabalhista,
conforme observado por Krein:
A relação de emprego disfarçada (encoberta ou simulada) pode ser considerada
como mais uma iniciativa presente no mercado de trabalho no sentido de
driblar o padrão de regulamentação do emprego vigente no país. Ela ocorre
quando estão presentes características do trabalho assalariado, mas a
contratação da prestação de serviço é feita sem contemplar os direitos
trabalhistas e previdenciários vinculados a ele. Ou seja, está contida uma
relação de subordinação do trabalho, mas a forma de contratação não é dada
por um contrato de trabalho regular, ou seja, trata-se de uma simulação
(KREIN, 2013, p.163).

Pejotização como expressão da precarização no jornalismo

No caso dos jornalistas, a pejotização atinge trabalhadores de faixa salarial próximas


ou que estão no piso salarial da categoria, contrariando uma tendência inicial de restrição
apenas aos contratos com profissionais renomados e com altos rendimentos (SILVA, 2014).
Nos últimos anos a figura do profissional PJ tornou-se praticamente regra em algumas
atividades do jornalismo, como no caso das assessorias de imprensa, conforme anota Mori
(2013):

A figura do jornalista “PJ” proliferou pelas redações, ainda em meados da


década de 90, como a chance de ganhar mais salário e pagar menos imposto.
A “oportunidade única” era oferecida apenas aos jornalistas que ganhavam
salários mais elevados, como editores e chefes de redação – e, portanto,
custavam mais para as redações com encargos sociais, como o INSS. A
fórmula é bastante simples: basta abrir uma empresa de comunicação (em
geral, a mãe que vira sócia e a “sede” da empresa fica na própria casa) e passar
a emitir nota fiscal mensalmente do salário acordado. Hoje o fenômeno “PJ”
proliferou e atinge não apenas os salários elevados, mas cargos de repórteres e
redatores, alguns com vencimentos perto do piso. Em assessorias de imprensa,
então, é quase regra. E o que era uma opção há poucos anos, hoje se tornou
praticamente uma obrigação10.

Conforme análise de Accardo (2007), há um processo de precarização não só no campo


jornalístico, como em todas as profissões ligadas à informação e à comunicação. De acordo
com o autor, o jornalismo precário oferece uma ilustração do fenômeno que caracteriza a
proletarização dos trabalhadores intelectuais mais do que os manuais e estabelece uma relação
de auto exploração ao negar a estes profissionais a condição de trabalhador, forçando-os a se

10
MORI, Kyiomori. Vale a pena ser jornalista PJ?. Artigo publicado no Portal Comunique-se, em 01 de agosto
de 2013. Disponível em https://portal.comunique-se.com.br/vale-pena-para-o-jornalista-ser-pj/, acesso em 16 de
maio de 2016.
20

estabelecerem como empresários de si mesmo e assim substituir uma relação de trabalho por
uma relação interempresarial (SILVA, 2014).
No Brasil, com a Reforma Trabalhista (Lei 13467/2017) em vigor desde novembro de
2017, o quadro tende a se agravar: precarização da jornada de trabalho e o chamado
teletrabalho, que regulamenta o home office, o trabalho intermitente, entre outras, dentro de um
“cardápio” de desregulamentações que devem afetar ainda mais o setor da imprensa e
comunicação, que já é altamente pejotizado e afetado pelo uso de novas tecnologias (GALVÃO
et al., 2017).
Com relação aos contratos Pessoa Jurídica, embora não haja diretamente a legalização
da pejotização na lei, a possibilidade de prevalência da negociação direta entre empregados e
empregadores sobre o legislado tende a dificultar a comprovação e entendimento de fraude.
Além disso, a reforma trabalhista, ao fixar no Artigo 442-B, que “A contratação do
autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de
forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta
Consolidação”, abre-se a possibilidade para interpretação que legitima formas de contratação
que descaracterizam a relação de emprego formal.

A inclusão deste artigo pode ser compreendida como a legalização da


pejotização do trabalhador e a legalização da eliminação de todos os direitos
garantidos na CLT. Esse artigo busca restringir o conceito de empregado, o
que implica, de fato, excluir um vasto contingente da classe trabalhadora da
proteção do direito trabalhista, possibilitando que o trabalhador se torne uma
pessoa autônoma, independentemente de sua dedicação e assiduidade. Os
pilares que estruturam o reconhecimento do vínculo empregatício são assim
eliminados, o que torna cabível a pergunta: para que registrar um trabalhador
se é legal contratá-lo como autônomo? (GALVÃO et al., 2017, p. 72).

Em entrevista ao site do Sindicato dos Jornalistas dos Estado de Minas Gerais, Daniela
Muradas Reis11 apontou que, entre os aspectos da reforma trabalhista que atingem diretamente
os jornalistas estão a precarização da jornada de trabalho e o teletrabalho (home office). “Como
o setor de imprensa já é altamente pejotizado e afetado pelo uso de novas tecnologias, a
informalidade do trabalho agora está amparada por lei e vai valer o que o mercado ditar. Num
setor concentrado como esse as consequências serão muito grandes”12.

11 Professora da Faculdade de Direito e Ciências do Estado da Universidade Federal de Minas Gerais, com
mestrado e doutorado em Direito e pós-doutorado em Sociologia do Trabalho.
12
Em entrevista a site do Sindicado dos Jornalistas Profissionais do Estado de Minas Gerais (SJPMG). Disponível
em www.sjpmg.org.br/2017/07/jornalistas-estao-entre-os-mais-atingidos-pela-reforma-trabalhista-diz-
professora-de-direito-do-trabalho-da-ufmg/ acesso em 30 de abril de 2018.
21

Outro ponto que pode ser observado é que, com a flexibilização das formas de
contratação legalizadas pela reforma trabalhista, o jornalista também passa se sujeitar ao
trabalho uberizado, ou seja, colocando-se à disposição para realização de trabalhos eventuais
através de plataformas digitais, os chamados aplicativos utilizados em smartphones para
prestação de serviços eventuais, os chamados jobs.
De acordo com a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) esta categoria vem
constituindo-se, nos últimos anos, numa das mais atingidas pela onda de demissões e
precarização das relações de trabalho, conforme demonstrado em editorial publicado no site da
entidade por ocasião do Dia do Trabalhador em 2016: “Demissões, atrasos e não pagamento
de direitos trabalhistas, baixos salários, arrocho, assédio e violência, entre outros desrespeitos
aos direitos trabalhistas têm sido frequentes no cotidiano enfrentado pelos jornalistas no
exercício da profissão”13.
Ainda de acordo com a FENAJ, apontado no mesmo editorial citado acima, a categoria
enfrenta problemas trabalhistas crônicos, sendo que os principais podem ser resumidos no
desrespeito à jornada de trabalho – a maioria das empresas não pagam horas extras e sonegam
o vínculo em carteira. Há a generalização do trabalho sem qualquer vínculo empregatício, os
chamados de frilas e frilas-fixos14, além da imposição da situação de Pessoa Jurídica para parte
de categoria.
A pesquisa “Perfil do jornalista Brasileiro” (MICK et al., 2012) realizada com um
universo de 2.731 jornalistas, de todos os estados brasileiros e do exterior, através de
participação voluntária, dentro de um universo estimado de 146 mil jornalistas existentes no
país naquele ano, traz dados sobre a evolução das formas de contratação no jornalismo embora
ainda aponte para a prevalência de contratos CLT naquele ano15.
Assim, no início desta década, conforme a pesquisa citada, dos profissionais que
atuavam em veículos de mídia (excluindo-se, portanto, os que atuam em assessorias de
imprensa, sindicatos e outras entidades não diretamente ligadas ao jornalismo), formavam
54,5% da categoria. Destes, 59,8% trabalhavam sob regime CLT, ao passo que freelancers
eram 11,9%, prestadores de serviços 8,1% e os contratados como Pessoa Jurídica formavam

13
Firmes na luta em defesa a Democracia, dos direitos dos trabalhadores e contra o golpe – A opinião da Fenaj.
Brasília, 1º de maio de 2016. Disponível em www.fenaj.org.br/firmes-na-luta-em-defesa-da-democracia-dos-
direitos-dos-trabalhadores-e-contra-o-golpe/ acesso em 30 de abril de 2018.
14 Contratos sem nenhum vínculo formal. O Frila (corruptela do termo inglês Free Lancer) presta serviços

eventuais à várias empresas, enquanto o frila-fixo é ainda mais precarizado, pois trata-se de um funcionário
subordinado a uma empresa sem qualquer registro formal.
15 Importante ressaltar o caráter voluntário de participação na pesquisa e a metodologia utilizada, a partir da base

de dados de sindicatos e empresas pode ter levado à maior acesso de profissionais que atuam em contratos formais,
sendo que free-lancers e frilas fixos, por atuarem de forma mais difusa e de mais difícil contato.
22

6,8%, somando 26,8% dos trabalhadores no setor de mídia. A mesma amostra apontou que
3,8% eram empresários, enquanto 6,5% atuavam no setor público. Outros tipos de contrato
abrangiam 3,1% dos jornalistas.
Por outro lado, a pesquisa mostrou que os jornalistas que atuavam fora da mídia
formavam 40,3% da categoria e as formas de contratação estavam distribuídas da seguinte
forma: 39,4% CLT; 27,1% no setor público e 4,8% empresários. Os regimes de contratação
que podem ser entendidos como contratos precários respondiam por 28,8% neste setor, sendo
13,7% contratos de prestação de serviços, 5,5% freelancers, 5,4% PJ.
Em um levantamento mais recente, Lelo (2019), em uma Survey realizada com 318
jornalistas no estado de São Paulo apontou o predomínio de formas de contratação precárias,
sendo que dos participantes, 33% disseram atuar em regime CLT e 8% como servidores
públicos, totalizando 43% os contratos formais, ao passo que 18% se declaram freelancers e
18% eram PJ. Outros 9% trabalhavam sob contratos de prestação de serviços, 4% em cargos
de comissão e 1% eram estagiários.
Ao longo das últimas décadas, a categoria dos jornalistas tem passado por uma série de
transformações pelo advento de novas tecnologias de comunicação e pela desregulamentação
da profissão, inclusive com o fim da obrigatoriedade de diploma de nível superior específico
para o exercício da profissão que também impactou no mercado de trabalho, uma vez que
habilitou uma ampla gama de profissionais para o exercício do jornalismo, o que pressiona
ainda mais o mercado de trabalho e salários e contribui para maior precarização das relações
de trabalho neste setor.
O setor de mídia tem passado por várias transformações, como fusões, concentração e
racionalização do trabalho. As redações tradicionais, com repórteres, editores, fotógrafos,
diagramadores, podem ser substituídas por um único indivíduo com um telefone multifuncional
(smartphone) e uma rede e internet. Com essas tecnologias à disposição, as empresas de
comunicação lançaram mão do chamado jornalismo colaborativo, ou seja, o público
(espectador, internauta, leitor, ouvinte) é encorajado a ser o produtor do conteúdo que será
publicado sem que seja remunerado por esta “colaboração”.
Além disso, conforme aponta Ramonet (2013b), com a atual tecnologia de informação
e comunicação, até mesmo a primazia dos meios de comunicação de massa como difusores e
intermediadores de informação para o grande público torna-se secundária, uma vez que existem
meios e instrumentos para que cada pessoa possa produzir e disseminar informação, deixando
de ser um mero receptor/consumidor.
23

[...] Cada cidadão tem acesso à informação sem depender dos grandes meios
de comunicação, como antes. O novo dispositivo tecnológico faz com que cada
cidadão deixe de ser só receptor da informação – acabando, assim, com um
modelo que foi norma durante muito tempo, desde o advento dos meios de
massa. Nunca na história das mídias os cidadãos contribuíram tanto para a
informação. Hoje, quando um jornalista publica um texto on-line, ele pode ser
contestado, completado ou debatido, sobre muitos assuntos, por um enxame de
internautas tão ou mais qualificados que o autor. Assistimos, portanto, a um
enriquecimento da informação graças aos “neojornalistas”, que eu chamo de
amadores profissionais (RAMONET, 2013b, p. 85-86).

Neste cenário de “neojornalistas” acima citados, os “antigos” jornalistas são impactados


em sua rotina de trabalho de diversas formas. Habilidades há muito desenvolvidas deixam de
ter sentido. A polivalência, ou seja, a capacidade de exercer diversas funções, a adaptação às
constantes inovações tecnológicas, a perda de primazia de reportar fatos, a crise do que se pode
chamar de “jornais universais”, ou seja, veículos empresariais que informam sobre todos os
assuntos e que pela forma de produção demandavam um grande número de profissionais, cada
vez mais são substituídos pela segmentação e veiculados online, o que leva a atomização da
profissão, à retração de contratos de trabalho formal e coloca novos desafios a profissão.
Também se observa que, diante do quadro de redução da oferta de vagas trabalho nas
redações e a precarização das condições de trabalho assalariado, muitos profissionais têm
buscado no autoemprego, no empreendedorismo, uma saída para se manterem em atividade.
Essa alternativa tem na internet, através das várias possibilidades de plataformas online,
o seu lócus, criando-se se assim uma nova tendência de trabalho, o jornalismo de nicho, que
busca retomar um espaço de protagonismo na difusão de informações, dominada nestes meios
por novos atores, não necessariamente profissionais de comunicação na origem, mas que
atingem e influenciam uma grande parcela da sociedade com informações segmentadas.
Portanto, mesmo em momento de crise do modelo de comunicação dominado pelos
grandes veículos, de perda de direitos associados ao trabalho formal, o jornalismo enquanto
profissão encara um desafio de se fazer necessário em um mundo no qual a informação circula
ininterruptamente, no ritmo frenético e imediato proporcionado pela rede mundial de
computadores.
Por outro lado, cabe a observação que não se pode compreender essas modificações no
mercado de trabalho do jornalismo sem levar em consideração as mudanças gerais no mercado
de trabalho, na forma de acumulação capitalista nas últimas décadas.
Assim, o objetivo deste trabalho é primeiro analisar as várias formas de precarização
do trabalho dos jornalistas a partir da década de 1990, e observar como as formas de contratação
24

chamada atípicas, como Pessoa Jurídica, freelancers e mesmo o empreendedorismo leva à


individualização das relações de trabalho, atomização da categoria e precarização.
A hipótese levantada é mostrar que o trabalho dos jornalistas vem sofrendo um processo
de precarização, sendo a forma de contratação de profissional autônoma, como Pessoa Jurídica,
MEI ou freelance uma tendência. Entendemos, neste trabalho, que estas formas de contratação
representam precarização da relação de trabalho.
Com a recente aprovação da Reforma Trabalhista, com o desmonte do arcabouço
jurídico de proteção do trabalho, somado à desregulamentação da profissão e às mudanças na
dinâmica do mercado de trabalho na área de comunicação, também buscaremos observar quais
as saídas buscadas pelos profissionais para sobreviverem e se manterem atuando no jornalismo
no contexto apresentado.
25

Metodologia:

Para cumprir os objetivos propostos neste trabalho partiremos de uma revisão


bibliográfica para contextualizar a dinâmica de precarização das relações de trabalho a partir
da década de 1970, com as consequentes mudanças nas formas de contratação, uso e
remuneração da força de trabalho. Na sequência, a pesquisa buscou retratar as transformações
no mercado de trabalho dos jornalistas e por fim descrever os consequentes impactos na
categoria dos jornalistas. Desta forma, o trabalho é apresentado em cinco capítulos, seguidos
de uma conclusão.
O primeiro capítulo apresenta uma revisão bibliográfica com diversas análises, a partir
da visão econômica heterodoxa, das mudanças nas relações de trabalho verificadas
especialmente a partir da década de 1970; neste ponto utilizamos o método histórico, com
objetivo de contextualizar as mudanças econômicas, tecnológicas e o advento do
neoliberalismo que conformou uma nova dinâmica nas relações de trabalho, com a mudança
no padrão de acumulação capitalista e suplantação do modelo taylorista/fordista pelo toyotista,
ou modelo de acumulação flexível. Utilizamos como referências principais as análises de
Harvey (1993), Antunes (2005), Streeck (2013) entre outros autores.
No segundo capítulo apresentamos um breve histórico do surgimento dos meios de
comunicação de massa e da profissão de jornalismo e seu papel intrínseco ao desenvolvimento
do capitalismo, utilizando como base os seguintes autores: Travancas (1992); Kunczik (2002);
Marcondes Filho (1986); Genro Filho (1987), Marshall (2003); Ramonet (2013a; 2013b);
Sodré (1999) entre outros.
Na sequência realizamos um levantamento histórico da constituição e regulamentação
da profissão de jornalista no Brasil.
O terceiro capítulo se constitui em uma caracterização do perfil atual da categoria dos
jornalistas e das transformações na forma de produção de notícias com as novas tecnologias e
a reconfiguração das empresas de comunicação e como tem sido a dinâmica do mercado de
trabalho, tendo como base os trabalhos de Silva (2014); Fígaro (2012; 2013); Mick (2013),
Reimberg (2015).
Ainda neste ponto, buscamos referência na problematização apresentada por Fígaro
(2012), em que as mudanças no mundo do trabalho dos comunicadores e das profissões ligadas
à Internet remodelam a força de trabalho e resultam em novos perfis profissionais exigido pelo
mercado. Este trabalhador deve ser multiplataforma e polivalente, com domínio dos mais
variáveis meios e linguagens, capaz de exercer diversas funções antes desempenhadas por
26

vários profissionais, tais como editores, repórteres (texto, áudio e vídeo) diagramadores,
fotógrafos, entre outros. Acrescento, ainda, a flexibilidade total exigida deste novo perfil de
trabalhador, que reflete nas formas de contração. Aqui também será utilizado como
metodologia a pesquisa descritiva documental.
No capítulo 4 analisamos a desregulamentação da profissão e como as novas
tecnologias impactaram o trabalho dos jornalistas. Para compor um retrato de como a
pejotização/precarização tem impactado a categoria, foram realizadas entrevistas abertas com
profissionais que vivenciam estes processos de mudança.
Por fim, no capítulo 5 abordamos como fenômenos de precarização do trabalho
relacionados às plataformas digitais, a chamada uberização, e mesmo o empreendedorismo que
vem se configurando como uma tendência para se manter no mercado de trabalho. Também
neste capítulo apontamos para possíveis cenários para a profissão nos próximos anos, com base
em trabalhos de Standing (2015), Pochmann (2017), Krein et al. (2018) bem como entrevistas
com profissionais que estão no mercado de trabalho há mais de duas décadas e vivenciaram as
mudanças abordadas neste trabalho.
27

Capítulo 1 – As condições de trabalho no desenvolvimento capitalista atual

Neste capítulo busca-se contextualizar as mudanças ocorridas no mercado de trabalho


na virada do século XX para o século XXI. Partimos de uma breve análise da construção das
políticas de regulação do trabalho, dos compromissos que fundamentaram o estado de bem-
estar social na Europa no segundo pós-guerra e das políticas que levaram à desconstrução dessa
regulação a partir da década de 1970. Também é feita uma breve descrição da construção da
regulação do trabalho no Brasil e sua posterior desregulamentação.
Em seguida, descreve-se as mudanças ocorridas no mundo do trabalho na década de
1970, com a mudança no padrão de produção do fordismo para o taylorismo e os impactos
causados nos trabalhadores por tais transformações.
No ponto seguinte procura-se pontuar como se deram as formas de precarização através
das terceirizações, contratos individuais de trabalho e dos mecanismos que transformam
trabalhadores em empresários, como MEI e PJ, sem, no entanto, mudar a natureza das relações
de trabalho.
Por fim, busca-se observar as recentes formas de inserção no mercado de trabalho que
podem ser consideradas como desregulação e precarização total do trabalho, através dos
serviços prestados para empresas via plataforma digital, ou a chamada uberização, em
referência ao serviço de transporte por aplicativo, cujo modelo espraia-se para vários setores
do mercado de trabalho.
O objetivo deste capítulo é situar a precarização do trabalho dos jornalistas dentro do
contexto das transformações gerais do capitalismo no período recente, não sendo, portanto, um
problema localizado em um setor, mas diretamente relacionado e consequente do atual estágio
de desenvolvimento.

1.1 - Da Ordem Liberal Burguesa ao Estado de Bem-Estar Social


Partindo de uma perspectiva histórica, no Estado Liberal do século XIX não havia
qualquer regulação da relação de trabalho. A institucionalidade era definida pelas leis do livre
mercado. Desta forma, o trabalho era mais uma mercadoria objeto de compra e venda, dentro
das relações entre empresários e trabalhadores. Longas jornadas de trabalho, condições
insalubres, submissão de mulheres e crianças às condições mais degradantes compunham o
28

cenário do mundo do trabalho sob a chamada Ordem Liberal Burguesa 16, período
correspondente ao da consolidação da Revolução Industrial à 1ª Guerra Mundial.
Conforme Abramo (2000), no capitalismo concorrencial e no Estado Liberal do século
XIX não havia qualquer regulação da relação de trabalho. A crescente instabilidade e tensões
sociais e crescimento da organização dos trabalhadores, a fundação da Associação
Internacional do Trabalho (AIT), em 1864 e a crescente influência de organizações socialistas
e anarquistas sobre os trabalhadores levaram à necessidade de imposição de alguns limites à
exploração do trabalho pelo capital.
De uma forma bastante resumida, pode-se destacar alguns marcos que levaram à
regulação das relações do trabalho, como a publicação da encíclica papal Rerum Novarum, em
1891, a criação do Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, que apontava em
seus princípios constitutivos que o trabalho não poderia ser tratado como uma mercadoria
qualquer devido assimetria característica da relação entre capital e trabalho.
Assim, o direito do trabalho estava na raiz do pacto social que sustentou o contrato da
sociedade moderna do século XX, com legitimidade à regulação pela esfera pública, com base
no pacto fordista, que, em linhas gerais, foi a referência de construção do Estado de Bem-Estar
Social (ABRAMO, 2000).
Os pressupostos desta regulação, fundavam-se em duas ideias centrais: a de que os
mercados de trabalho não podiam receber o mesmo tratamento de outros tipos de mercado
devido a sua função de gerador de renda e garantia de sobrevivência para a massa de
trabalhadores e que os mercados de trabalho são caracterizados por um grande desequilíbrio
estrutural entre seus atores - capital e trabalho - e que, portanto, era necessário a constituição
de mecanismos de garantia à proteção da parte mais frágil desta relação, os trabalhadores
(ABRAMO, 2000).
Foi a partir da Grande Depressão na década de 1930 e principalmente ao final da 2ª
Guerra que emergiram as políticas que caracterizaram o Estado de Bem-Estar Social e que
seriam predominantes nos países do centro capitalista até meados da década de 1970. Este
período pode ser considerado um hiato extraordinário na história do capitalismo, embora
restrito aos países do centro capitalista. Foram registradas as maiores taxas de crescimento e

16
A ordem liberal burguesa foi o período marcado pela hegemonia industrial britânica nas décadas iniciais do
século XIX, quando a Inglaterra dominava as tecnologias das primeira Revolução Industrial e controlava o mundo
ocidental e um vasto território de colônias, o chamado longo século XIX, conforme definição de Hobsbawm
(1995).
29

incorporação das massas de trabalhadores à estrutura de consumo e redução das desigualdades


nos países desenvolvidos.
Os fatores que levaram ao prolongado período de prosperidade na Europa ocidental nos
primeiros anos da década de 1950 e início dos anos 1960 foram o rápido crescimento
econômico, da produção e a difusão dos benefícios desta prosperidade – aumento do nível de
emprego e salários e serviços de bem-estar social e pensões aos mais vulneráveis - criaram
condições de crescimento e progresso inédito na história. As características desta nova era do
capitalismo se distinguem pela promoção do pleno emprego e ritmo acelerado do progresso
tecnológico (STREECK, 2013).
Os acordos de Bretton Woods, firmados em 1944, tinham como objetivo estabelecer os
parâmetros de reconstrução das economias dos países capitalistas no pós-guerra e evitar o
retorno ao padrão que havia levado ao colapso da ordem anterior. Com a expansão dos gastos
públicos, o peso grande das políticas sociais garantidas pelo Estado, novo padrão de relação
salarial, política de salário mínimo e redução das disparidades salariais proporcionaram
condições para que o desenvolvimento ocorresse sob bases nacionais.
Neste período foram consolidadas as políticas de regulação do Estado sobre as finanças
e a constituição de uma ampla rede de proteção social e garantia de direitos aos trabalhadores
nas relações com empregadores. Conforme aponta Streeck, a característica do capitalismo do
pós-guerra era a economia subordinada à política, tendo o Estado como agente. Período
caracterizado como um “tempo comprado” (STREECK, 2013), ou seja, o capitalismo regulado,
com a garantia de direitos sociais e protagonismo dos trabalhadores representava um mero
adiamento da crise do sistema e retomada das políticas liberais. Assim, conforme Streeck, a
retomada das políticas neoliberais na década de 1970 foi como o estouro de uma panela de
pressão, com o retorno da primazia do mercado sobre a economia e sobre a política, o que
deixou os Estados Nacionais com pouca margem de ação.

1.2 Mudanças no mundo do trabalho a partir dos anos 1970


No início dos anos 1970, após três décadas de prevalência do Estado de Bem Estar
Social na Europa e EUA e de relações de trabalho caracterizadas pelo que foi chamado
“compromisso fordista”17 (HARVEY, 1993; ANTUNES, 2005; BIHR, 1998; THEBAUD-
MONY & DRUCK, 2007), inicia-se um novo período em que o capital busca a retomada do

17Na análise de Bihr (1998) o “compromisso fordista” poderia ser considerado, do ponto de vista do proletariado,
como um acordo no qual aceitava as formas de dominação capitalista do pós-guerra em troca de sua seguridade
social, abrindo mão da renúncia de sua “aventura histórica”, ou a luta revolucionária.
30

status anterior ao da 2º Guerra Mundial e se livrar da regulação política dos Estados, ou,
conforme as palavras de Streeck (2013), busca sair da “jaula” na qual havia sido colocado pelos
acordos de Bretton-Woods.
Do ponto de vista econômico, no início da década de 1970, aparecem sinais de
esgotamento da economia do pós-guerra, das bases de construção da hegemonia norte-
americana preconizadas em Bretton-Woods. Países como a Alemanha e Japão despontam com
novos sistemas industriais e empresariais com maior capacidade de absorver as mudanças
tecnológicas em curso e novos países industrializados passam a ocupar maior espaço no
comércio internacional, o que ameaçava a hegemonia econômica norte-americana, que
funcionava como alicerce do modelo (BELLUZZO, 2009).
A crise dos anos 1970 levou ao solapamento de Bretton-Woods e do “compromisso
fordista” e viu surgir um novo modelo de acumulação baseado na flexibilidade dos processos
de trabalho, do mercado de trabalho e mudança nos padrões de consumo.
Numa breve contextualização de acumulação flexível, parte-se da definição de Harvey
(1989). Nesta análise, levando-se em conta a periodização do advento do modelo fordista de
produção até sua superação, no início e no final do século XX, respectivamente, é possível
observar que o padrão de acumulação capitalista teve dois grandes paradigmas de produção,
entendendo tais paradigmas conforme Utterback (1996) e Tigre (2005).
Partindo do estudo de Utterback, observamos que os padrões de inovação nos processos
de produção apresentam várias fases distintas até a definição de um projeto padrão, quando as
inovações deixam de ser focadas no produto e se concentram nos processos produtivos. As
fases apresentadas pelo autor demonstram que a estrutura organizacional das firmas varia
conforme a fase em que ela se encontra.
Resumidamente, tais fases são definidas como fluida, transitória e específica. A
primeira fase se caracteriza quando do surgimento de uma nova tecnologia, marcada por
incertezas e alto grau de inovação no produto e a estrutura da empresa é mais horizontal,
produção em pequena escala, hierarquia reduzida e mão de obra mais especializada. Na
segunda fase, quando já existe uma assimilação do novo produto, as inovações são focadas
mais nos processos de produção e a estrutura da empresa passa a ser mais hierarquizada, com
maior importância nas atividades de controle e coordenação da produção. Por fim, na fase
específica surge o que Utterback chamou de projeto dominante, quando determinadas
características e formas de produção adquirem a preferência do mercado e se tornam
hegemônicas. “O surgimento do projeto dominante não é, necessariamente, uma coisa
predeterminada, mas é resultado da interação entre opções técnicas e de mercado, num
31

determinado instante no tempo” (UTTERBACK, 1996, p. 28). Assim, a forma de produção


dominante impacta também as relações de trabalho.
Conforme observa Tigre (2005) a origens e causas do processo de concentração
econômica estão associadas principalmente às inovações tecnológicas e organizacionais. No
último século, levando-se em conta a periodização do advento do modelo fordista de produção
até sua superação, é possível observar que o padrão de acumulação capitalista teve dois grandes
paradigmas de produção.
Primeiramente o modelo de produção fordista, baseado na “cooperação” entre os
principais atores da produção capitalista, (Estado, empresários e trabalhadores), com economia
regulada, relações de trabalho garantidas por legislação e enquadramento das reivindicações
trabalhista aos marcos do capitalismo, o chamado “compromisso fordista”, conforme
observado acima. Este modelo foi superado pela forma de acumulação flexível com base no
sistema toyotista de produção e hegemonia da política neoliberal, que implica
desregulamentação da economia e das relações de trabalho.
Embora os dois modelos tenham origem na indústria automobilística, seus métodos
gerenciais e de produção foram expandidos para amplos setores da produção e representaram,
a seu tempo, profundas transformações nas relações de trabalho e sociais.
Na análise de Harvey (1993) observa-se que, com a volatilidade do mercado de trabalho
e aumento da competição intercapitalista e diminuição das margens de lucro das empresas,
houve uma radical reestruturação das relações de trabalho, com o enfraquecimento do poder
das organizações sindicais e grande excedente de mão-de-obra, seja diretamente desempregado
ou empregados em condições extremamente precárias.
As empresas se aproveitaram deste cenário para impor aos trabalhadores regimes e
contratos mais flexíveis, com objetivo de satisfazer as necessidades específicas de cada
empresa e recompor as taxas de lucro com a redução dos custos de mão-de-obra.
Ainda dentro da análise de Harvey, a transformação da estrutura do mercado de trabalho
é comparável com as mudanças na organização industrial. Este processo leva à redução da
demanda da força de trabalho e abre espaço para a proliferação de formas de contratações
desregulamentadas. Conforme aponta Antunes:

Com a retração do binômio taylorismo/fordismo, vem ocorrendo uma redução


do proletariado industrial fabril, tradicional, manual, estável e especializado,
herdeiro da era da indústria verticalizada do tipo taylorista fordista. Esse
proletariado vem diminuindo com a reestruturação produtiva do capital, dando
lugar às formas mais desregulamentadas de trabalho, reduzindo fortemente o
32

conjunto de trabalhadores estáveis estruturados por meio de empregos formais


(ANTUNES, 2005, p.76).

Assim, as mudanças na estrutura produtiva nas décadas de 1980/1990 causaram


impactos profundos nas relações de trabalho. O território nacional deixou de ser o espaço de
atuação de uma empresa. Um mesmo produto passou ter seus componentes produzidos em
diversas partes do mundo. A estrutura de produção verticalizada é substituída por uma estrutura
horizontalmente integrada. Pochmann, em um estudo sobre o processo de terceirização da mão
de obra, observa que:
Com a maior subordinação do investimento produtivo à lógica financeira, as
empresas capitalistas foram levadas a uma intensa fase de concentração e
centralização, protagonizada por grandes corporações que praticamente
passaram a monopolizar vários setores das atividades econômicas no mundo.
Nesse sentido, o espaço geográfico internacional foi sendo integrado pelo
funcionamento das redes de produção transnacionais, objetivando
potencializar ainda mais os seus rendimentos em escala planetária
(POCHMANN, 2008, p. 44).

Tendo como referência o mercado europeu após a integração econômica,


Hyman (2005) descreve diferentes sistemas de organização social no contexto das relações de
trabalho, derivados das intensificação da concorrência internacional, com decisões estratégicas
das grandes empresas e iniciativas desregulamentadoras de governos, o que acabou levando a
uma situação em que o mercado de trabalho se assemelha cada vez mais aos mercados comuns,
com o desequilíbrio da balança para o lado deste em detrimento de uma economia social.
Hyman observa as relações de trabalho inseridas na economia de mercado, referenciado
em Polanyi (2000) como um sistema econômico controlado, regulado e dirigido apenas para o
mercado. Assim:

(...) dentro de uma sociedade de mercado, tal sistema econômico retira a legitimação
ideológica do predomínio dos valores que exaltam a liberdade individual do máximo
proveito econômico dentro dos mercados competitivos. Nas famosas palavras de Marx,
num tal meio ambiente o ‘fetichismo das mercadorias’ domina as relações sociais.
(HYMAN, 2005, p. 20).

Desta forma, conforme a análise de Hyman, durante as décadas de 1980 e 1990, o


estabelecimento das ideologias neoliberais envolveram esforços semelhantes, com a base
ideológica e ação estatal articulada, e que, portanto, não poderiam ser exatamente chamados de
regulação. O que se destaca é que a criação do “Estado Mínimo” na verdade envolveu um
aumento sem precedentes do poder estatal na sociedade. A constatação de Hyman é que,
mesmo sob o discurso neoliberal de primazia do mercado, o Estado é ator central.
33

Nas economias capitalistas existentes, o Estado tem desempenhado papel


ativo, tanto no que se refere aos estímulos ao funcionamento de mercado, como
aos limites impostos à sua capacidade de moldar as condições de emprego”
(2005, p. 21).

Assim, a prevalência do Estado neoliberal nas últimas décadas, pela ação estatal, levou
ao desmantelamento da institucionalidade construída ao longo do século XX, principalmente
nos anos pós-guerra II, de regulação das relações de trabalho. Os reflexos também foram
sentidos nas formas de organização do movimento sindical, que no período assistiram a
corrosão de sua base, perda de densidade e de capacidade de financiamento, que levaram a uma
estratégia defensiva, realizada para garantir a sobrevivência.
Esse processo rompe com a lógica que no século passado levou à intervenção estatal na
relação entre capital e trabalho, com objetivo de proteger a parte mais frágil, diante da intensa
exploração a que eram submetidos os trabalhadores, no entendimento que o trabalho não
poderia ser considerado um simples fator de produção como outro qualquer.
Os espaços de disputa dessa relação constituíram-se através do Estado e suas
instituições, das negociações e do contrato coletivo, o que envolve diferentes agentes e
diferentes níveis de negociação e as empresas, com determinações unilaterais e discricionárias
(ABRAMO, 2000).
Na conjuntura econômica da América Latina, Abramo (2000) anota que o debate sobre
a flexibilização ocorreu num contexto marcado por profundas transformações na estrutura do
emprego. A crise econômica dos anos 1980 e as medidas de ajustes estruturais adotadas no
período levaram à deterioração das relações de trabalho, com aumento das taxas de desemprego
aberto, queda dos salários, aumento da informalidade e da precarização do trabalho. Esta
situação também teve como consequência o enfraquecimento nas formas tradicionais de
organização sindical e negociação coletiva.
Assim, a elevação dos níveis de desemprego na década de 1990 e a persistência de
instabilidade econômica em vários países da região serviu de combustível ao discurso da
necessidade de flexibilização das relações de trabalho como forma de gerar empregos. O
reajuste das empresas para se adaptar às transformações na forma de produção e recuperar as
margens de lucro foram principalmente na diminuição da mão-de-obra. Estes ajustes
representaram a introdução de mecanismos legais que visavam facilitar as demissões e reduzir
os custos do trabalho.
Abramo (2000) destaca ainda que mesmo no período em que se pode observar um
crescimento do nível de emprego, nos primeiros anos da década de 1990, estes eram
caracterizados pela deterioração da qualidade, ou seja, precarização. No mesmo período,
34

também houve o crescimento das contratações sem qualquer tipo de proteção, que são
classificadas pela OIT como formas atípicas, conforme observado acima.

1.3 A construção da regulação do trabalho no Brasil a partir de 1930 e a


desconstrução nos anos 1990
No Brasil nunca se chegou a configurar algo que se possa parecer com o chamado
Estado de Bem-Estar Social. Foi a partir da década de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas
ao poder que o projeto de industrialização começa a ser traçado de forma mais abrangente e o
arcabouço jurídico de proteção às relações de trabalho que daria origem à Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT) em 1943 é construído. Neste período o Estado passa a ter na regulação
do trabalho um dos elementos básicos para a superação da economia agrária e do liberalismo
então vigente.
Na observação de Gomes (2012), citando Oliveira Vianna, na visão do governo Vargas,
a organização corporativa constituía-se na melhor forma institucional para estabilizar a ordem
político-social e promover o desenvolvimento econômicos do país dentro do paradigma
urbano-industrial.
Assim, conforme a autora, a base do modelo seria a ampliação da participação dos
trabalhadores urbanos organizados em associações profissionais e institucionalização através
do Estado. A concretização de tal projeto exigia a subordinação e tutela das organizações dos
trabalhadores, que em troca, pela primeira vez na história, foram reconhecidas e tiveram seus
direitos sociais garantidos em lei. Conforme Biavaschi:

No período de 1930 a 1942, além de uma normalização dirigida à seguridade


social e aos acidentes de trabalho, verificaram-se: um pujante processo de
institucionalização de regras de proteção ao trabalho – dirigidas à
nacionalização do trabalho, às mulheres, aos menores, aos comerciantes, aos
industriários, aos marítimos, aos mineiros, aos ferroviários, aos bancários, às
estabilidades, ao salário mínimo; a estruturação dos aparelhos de Estado para
fiscalizar e garantir a aplicação dessas regras – Comissões Mistas, Juntas de
Conciliação, Inspetorias Regionais, Justiça do Trabalho, Conselhos Regional e
Nacional do Trabalho; e a positivação de normas destinadas à organização dos
trabalhadores – organização sindical, sindicato único, exigência de
sindicalização para propor reclamações, representação dos trabalhadores nos
pleitos trabalhistas, imposto sindical –, em um processo que culminou na CLT,
em 1943. Em 1946, a Justiça do Trabalho foi definitivamente integrada ao
Poder Judiciário (BIAVASCHI, 2005, p. 122).

Portanto, nos cinquenta anos que caracterizaram o período de industrialização do país,


de 1930 a 1980, foram construídos os marcos da regulação trabalhista que asseguraram alguma
proteção aos trabalhadores urbanos. Essa garantia era simbolizada pelo emprego com registro
35

na Carteira de Trabalho, que representava a formalização da relação de trabalho e acesso aos


direitos existentes na CLT.
A estagnação econômica e crise da dívida externa na década de 1980 teve como saldo
a interrupção do processo de crescimento da economia brasileira e marcou o fim do período de
industrialização. Em artigo publicado na revista Carta Capital, o economista Luiz Gonzaga
Belluzzo aponta que, no período 1930-1980, Brasil construiu um sofisticado sistema de
organização capitalista, com um sistema financeiro público e coordenação entre empresas
estatais, privadas nacionais e estrangeiras. Este modelo, que garantiu a industrialização no país
no período e o desenvolvimento de um complexo parque produtivo, começa a ruir nos anos
1980. Na década seguinte, com a economia fragilizada, alto endividamento público e aumento
considerável nos níveis de desemprego, o país, após a eleição de governos de orientação
neoliberal, aderiu às políticas preconizadas pelo chamado Consenso de Washington. Em linhas
gerais, esse consenso representava a imposição aos países vitimados pela crise da dívida de
uma série de políticas que os subordinavam política e economicamente às instituições
financeiras internacionais. Conforme Belluzzo:

As palavras de ordem do “novo consenso” eram abertura comercial,


liberalização das contas de capital, desregulamentação e “descompressão” dos
sistemas financeiros domésticos, com a liberalização das taxas de juro, reforma
do Estado, incluída a privatização de empresas públicas e da seguridade social,
abandono das políticas “intervencionistas” de fomento às exportações, à
indústria e à agricultura.
As políticas industriais e de fomento coordenadas pelo Estado foram lançadas
no rol dos pecados sem remissão.18

Em um contexto de triunfo da ideologia neoliberal, com o país com a economia


fragilizada e o consequente aumento no nível de desemprego, este agravado também pelas
profundas mudanças no padrão tecnológico e na forma de organização das empresas no
período, foi criado o cenário ideal para, sob o signo da modernidade, legitimar o discurso de
desmonte das instituições de Estado de fomento à economia e à regulação das relações de
trabalho.
No novo mundo que se abria, às portas do século XXI, não haveria mais espaço para
intervenção Estatal na economia. A tese central era que este, pesado, corrupto e anacrônico
representava um entrave à livre ação das forças de mercado e ao desenvolvimento. Da mesma
forma, os mecanismos de regulação das relações de trabalho, assim como as de proteção social,

18 Disponível em https://www.brasil247.com/pt/247/economia/336066/Belluzzo-Brasil-caiu-%C3%A0-
s%C3%A9rie-B-da-economia-global-e-nunca-mais-voltou.htm acesso em 16 de abril de 2019.
36

além de onerar as empresas e a sociedade, impediam os indivíduos de empreender, se qualificar


e mesmo negociar livremente com seus empregadores melhores condições de trabalho.
Após o hiato de relativo crescimento econômico entre 2003-2014, mesmo com
movimentos contraditórios durante os governos do Partido dos Trabalhadores - em que de um
lado houve aumento da renda e formalização do trabalho, e por outro foram implementadas
algumas medidas flexibilizadoras das relações de trabalho que mantiveram as condições de
insegurança e precariedade para um grande contingente de trabalhadores (Krein, 2017) - a
retomada fulminante da agenda neoliberal em 2016 trouxe novamente a pauta de mais
flexibilização e mesmo eliminação dos direitos sociais do trabalho, agora concretizados na
Reforma Trabalhista.
Com o recente avanço das políticas de desregulamentação do mercado de trabalho,
conforme Pochmann (2016), o Brasil entra na “quarta onda de flexibilização do sistema de
proteção social e trabalhista instituído na década de 1930”.
Resumidamente, na definição do autor, desde então o país passou por quatro ondas de
flexibilização, sendo a primeira, com a ascensão dos militares ao poder após o golpe de 1964,
com a implantação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para substituir a
garantia da estabilidade no emprego. Com isso, o mercado de trabalho brasileiro passou a se
caracterizar pela instabilidade, com alta rotatividade na contratação e demissão da mão-de-obra
e perda do poder de compra dos salários. A segunda onda de flexibilização ocorreu com o
deslocamento da evolução dos rendimentos do trabalho do comportamento acelerado da
produtividade, o que provocou a prevalência de uma economia industrial predominantemente
de baixos salários e grande heterogeneidade nos rendimentos intrarrenda do trabalho e renda
do capital. A terceira onda ocorreu na década de 1990, sob os governos de orientação neoliberal
e a implementação das políticas de flexibilização e generalização de contratos extra regulação
prevista na CLT, como a terceirização. A quarta onda foi desencadeada a partir da metade da
década atual, com nova onda de flexibilização das leis sociais e trabalhistas. (POCHMANN,
2016).

1.4 -Terceirização, MEI, Pejotização – mudanças nas relações de trabalho sem


mudar relação trabalho x capital

Levando-se em conta o aumento da competição intercapitalista sem regulamentação e


a inserção subordinada da economia brasileira ao capitalismo globalizado, o processo de
terceirização da mão-de-obra refletiu o ambiente ao qual foi submetido o mercado de trabalho
37

no Brasil no período recente. Conforme estudo de Pochmann (2016), são apontados dois tipos
terceirização dos contratos de trabalho, sendo que o primeiro tipo se refere à terceirização das
atividades externas ao processo produtivo e que pode ser definido como atividades básicas, ou
atividades-meio não diretamente ligadas à produção, tais como limpeza, segurança, transporte,
alimentação entre outros.
O segundo tipo se caracteriza pela terceirização de atividades internas primárias no
interior da empresa, que estão diretamente ligadas à atividade fim e exercido por empresas
parceiras, em contratos de longo prazo. Neste processo, que Pochmann denomina de
superterceirização, as principais atividades estão no núcleo da cadeia produtiva, principalmente
em funções de produção, vendas, logísticas, organização, supervisão e gerência, entre outras.
Ao contextualizar a proliferação da terceirização e a consequente precarização do
trabalho, Druck (2016) aponta que este processo representou uma redefinição da centralidade
do trabalho. Assim, a reestruturação dos processos produtivos inspirados no modelo toyotista
impõe uma reorganização do trabalho, com papel central das redes de subcontratação.
Conforme a autora:

Assim, junto com a mundialização do capital, a terceirização passou a ser a


forma preferida e eficiente de flexibilização do trabalho para o capital, que a
defende como símbolo da modernidade empresarial e das novas bases de
competitividade mundial (DRUCK, 2016, p. 36).

Dentro dessa análise, a terceirização pode ser entendida no marco da reestruturação


produtiva, inserida no fenômeno da globalização financeira e da consequente implementação
das políticas de flexibilização das relações de trabalho no Brasil na década de 1990. A
terceirização se explica como um fenômeno da acumulação flexível, em um contexto
econômico determinado pela lógica financeira de curto prazo, o que leva as empresas a buscar
altos lucros, transferindo aos trabalhadores a necessidade de maior produtividade em menor
tempo, atrelando os salários à produção, e com redução dos custos de mão-de-obra, com as
formas de contratação flexíveis. Com isso, a terceirização adquire papel central para todos os
tipos de empresa, nos diversos setores; indústria, serviços (públicos e privados), comércio, em
todo tipo de trabalho, conforme a análise de Druck:
É o que sintetiza a terceirização, que como nenhuma outra modalidade de
gestão, garante e efetiva essa “urgência produtiva” determinada pelo processo
de financeirização ao qual estão subordinados todos os setores de atividade, já
que são também agentes e sócios acionistas do capital financeiro (2016, p. 36).

Com a descentralização do processo produtivo, há também a descentralização dos


riscos de produção e da distribuição dos bens e serviços. A forma de contratação e utilização
38

da mão-de-obra são refletidas neste processo a partir da externalização de parte da produção


em diversas cadeias de empresas menores e assim, a empresa foca sua produção em seu núcleo
principal, seja no produto, ou meramente no gerenciamento da marca, conforme Pochmann:

Ao invés da verticalização das atividades produtivas, conforme exigia o


modelo de organização taylorista fordista do trabalho para assegurar a
padronização da oferta dos componentes do conjunto das atividades, ganhou
expressão justamente o movimento de desverticalização das atividades. Assim,
cada empresa buscou identificar, inicialmente, o seu núcleo de competência
(core competence) no interior do processo de produção, visando a externalizar
as demais etapas do processo produtivo (2008, p. 53).

A precarização das relações de trabalho é parte indissociável do processo de


reorganização produtiva iniciada a partir dos anos 1970. O controle da mão-de-obra feito
através do medo do desemprego e atrelamento do salário à produtividade individual ou
vinculado à da unidade de produção levam a comportamentos individualistas e cobrança
horizontal, entre os próprios trabalhadores. Uma das consequências desse processo é o
enfraquecimento das entidades associativas, em especial os sindicatos (BOLTANSKI &
CHIAPELLO, 2009).
Vasapollo (2006), numa análise da relação entre o trabalho atípico e precariedade como
elemento estratégico da forma de acumulação pós-fordista, anota que:

A nova organização capitalista do trabalho é caracterizada cada vez mais pela


precariedade, pela flexibilização e desregulamentação, de maneira sem
precedentes para os assalariados. É o mal-estar do trabalho, o medo de perder
o próprio posto, de não poder ter mais uma vida social e de viver apenas do
trabalho e para o trabalho, com a angústia vinculada à consciência de um
avanço tecnológico que não resolve as necessidades sociais. É o processo que
precariza a totalidade do viver social (2006, p.45).

Desta forma, observa-se que além da reorganização dos métodos de trabalho, a


reestruturação produtiva representou um triunfo do capital sobre o trabalho e a captura das
estruturas do Estado, ao lançar sobre elas o peso econômico e social consequente destas
transformações e ainda se beneficiar, por outro lado, de medidas de desonerações criadas com
o discurso de “fomentar” a geração de empregos (BOLTANSKY & CHIAPELLO, 2009).
Neste contexto, a produção das grandes empresas é pulverizada nos locais de menor
custo dos fatores de produção e são terceirizados os processos que não fazem parte do “core”
da empresa, ou os fatores intangíveis como marca, patente e domínio da tecnologia.
Com a pulverização da produção e consequente fragmentação, os novos métodos
gerenciais introduzidos nas empresas confrontam e visam substituir as formas de organização
dos trabalhadores. Dentro da estrutura de produção horizontal, o indivíduo se transforma no
39

centro do processo produtivo. No plano ideológico, o empregado, agora nominado de


colaborador ou parceiro, também passa a ser responsabilizado pelos resultados da empresa e
por seu próprio ganho, conforme observa Antunes:

Hoje, muito mais do que durante a fase de hegemonia taylorista/fordista, o


trabalhador é instigado a se autocontrolar, a auto-recriminar-se19 e, até mesmo,
autopunir-se quando a produção não atinge a meta desejada (chegando até
mesmo, em situações extremas como o desemprego ou fechamento de
empresas, ao suicídio a partir do fracasso do trabalho). Ou se recrimina e se
penitencia quando não se atinge a chamada “qualidade total”, típica da fase da
superficialidade, do caráter involucral e descartável das mercadorias, com suas
marcas e signos, que faz que, muito frequentemente, quanto mais qualidade
total os produtos tenham, menor seja seu tempo de vida útil. (2005, p. 53).

Druck (2016) considera que as transformações no trabalho são decorrentes do processo


de reestruturação financeira e produtiva, do padrão de acumulação flexível (conforme definição
de Harvey (1993) e que a terceirização se insere numa estratégia patronal, de uma maneira
geral apoiada pelo Estado e governos, que tem sido implementada em escala mundial e seus
resultados práticos são diferenciados por conta do contexto histórico de cada país, que reflete
os níveis de democracia e conquista dos trabalhadores. Além dos fatores já colocados, a autora
aponta cinco elementos que explicitam a precarização como um movimento histórico, político
e social, sendo:

i) uma estratégia de dominação do capital num determinado momento


histórico, combinando a crise do fordismo e dos estados de bem-estar
social, a financeirização da economia, as políticas neoliberais e a
reestruturação produtiva, que formam um novo regime de acumulação
flexível;

ii) não é apenas um resultado ou consequência da flexibilização do


trabalho, conforme afirmado em muitos estudos, ela é a própria
flexibilização, pois flexibilizar é precarizar e precarizar é flexibilizar;

iii) além de ser um processo mundial, conforme afirmado, se generaliza


rompendo determinadas dualidades, a exemplo dos excluídos e
incluídos, empregados e desempregados, formais e informais, ou seja,
há um processo de precarização que se estende para todas as regiões e
todos os diferentes segmentos de trabalhadores, mesmo que se
apresentado de forma hierarquizada;

iv) as implicações destas transformações do trabalho atingem todas as


demais dimensões da vida social: a família, o estudo, o lazer, a
restrição do acesso aos bens públicos (especialmente saúde, educação
e moradia); se expressa não apenas no âmbito do mercado de trabalho,
(contratos, inserção ocupacional, níveis salariais), mas em todos os

19
Conforme consta no original (antes da entrada em vigor da reforma ortográfica)
40

campos, como na organização do trabalho e nas políticas de gestão,


nas condições de trabalho e de saúde, nas formas de resistência e no
papel do Estado (DRUCK, 2016, p. 41).

As décadas finais do século XX apresentaram, portanto, não só um salto na tecnologia


e nas mudanças no sistema produtivo. Implicaram também no avanço das políticas neoliberais
que representaram não só consequências econômicas, mas também comportamentais e
ideológicas. Conforme observado por Burawoy (1985), o processo de produção contém tanto
elementos políticos e ideológicos quanto uma dimensão puramente econômica:

Em outras palavras, o processo de produção não se restringe ao processo de


trabalho – as relações sociais estabelecidas entre homens e mulheres, à medida
que transformam matérias-primas em bens úteis, fazendo uso de instrumento
de fabricação. A produção inclui, também, aparelhos políticos que reproduzem
as relações do processo de trabalho através da regulação dos conflitos
(BURAWOY, 1985).

Mattoso (1990), tendo como referência Boyer (1989), observa que as mudanças que
caracterizaram o sistema de produção nas décadas finais do século XX ocorrem num ambiente
de acelerado desenvolvimento tecnológico e alta competitividade:

O paradigma taylorista e fordista é colocado em xeque pela consolidação de


um novo complexo industrial mecatrônico e por um sistema de produção que
depende cada vez mais de sua capacidade de inovação, ou seja, da busca sem
fim de novos e melhores produtos e de melhorias no processo de produção de
maneira a assegurar uma maior flexibilidade e elevação da produtividade. A
isto se acoplariam novos modelos de relações industriais capazes de fazer
frente às novas condições da economia mundial nos anos 90 (MATTOSO,
1990, p. 3).

Neste cenário, o controle da qualidade torna-se vital e fez com que as empresas
buscassem mecanismos de adaptação. Tarefas como o marketing, comunicação e
administração ganharam centralidade no controle do processo de produção.
Dentro da nova estrutura nas relações de trabalho, foram desenvolvidas regras gerais
que podem ser aplicadas em qualquer empresa e na relação trabalho assalariado/capital. Assim,
há relações de trabalho não assalariado, com outras formas de remuneração e transformação
nas relações capital/capital, como ocorre nos processos de terceirizações – quando uma parte
de trabalho indireto é separado e fatiado e assim sai da estrutura da empresa, ou mesmo na
transformação direta do empregado em empresa, através dos contratos Pessoa Jurídica,
colocando assim uma relação de trabalho subordinado em um contrato entre empresas,
conforme observado acima.
41

Moraes (2013), em análise sobre a concentração e oligopolização das empresas de


comunicação anota que, com as novas tecnologias e sistemas de gestão, que podem
acompanhar o desempenho do trabalho em tempo real, não existe a necessidade de proximidade
entre os locais de planejamento, produção e consumo, porém isso não representa a perda do
controle sobre a produção, ao contrário, ela é intensificada através mecanismos de introdução
e acompanhamento das metas de produção. Conforme o autor:

Para se ajustar a mercados geograficamente dispersos, as organizações


passaram a gerir seus empreendimentos a partir de um centro de inteligência -
a holding – incumbindo de estabelecer prioridades, diretrizes, planos de
inovação e parâmetros de rentabilidade para subsidiarias e filiais. A holding
destaca-se como polo de planejamento e decisão ao qual se remetem as
estratégias locais, nacionais e regionais. Ela organiza e supervisiona a
instituição de cima a baixo, em fragmentos e nódulos de uma rede constituída
por eixos estratégicos comuns e hierarquias intermediárias flexíveis. As
tecnologias são insubstituíveis para o exercício do comando à distância, pois
possibilitam a coordenação e a descentralização dos processos decisórios, bem
como a articulação entre procedimentos operacionais de filiais, subsidiárias,
departamentos e áreas de planejamento, execução, controle e integração.
Temos, portanto, uma concentração de poder sem centralização operacional.
Todavia, não nos esqueçamos de que essa flexibilidade é relativa, já que filiais
e subsidiárias permanecem no raio de eventuais reorientações da matriz. A
holding avaliza uma rede corporativa formada por elementos complementares,
mas mantém, graças à informatização, a ascendência sobre o todo, recorrendo
a mecanismos de acompanhamento de metas de produção, custos,
comercialização e receitas (MOARES, 2013, p. 31-32).

Em estudo sobre o impacto das terceirizações nos direitos dos trabalhadores, em uma
análise comparada dos casos do Brasil e da França, Thébaud-Mony & Druck (2007)
demostram que houve grande crescimento das terceirizações em todas as direções, com
expansão em novas modalidades de contratação e sua disseminação tanto no setor público –
que premido pelas políticas de austeridade fiscal imposto pelas políticas neoliberais e assim
impedido de realizar concursos públicos, suprem a necessidade de contratação de servidores
através de contratos terceirizados via Organizações Não Governamentais (ONGs),
Organizações Sociais (OS), Organizações Sociais de Interesse Público (OSCIP), além de
cooperativas e no setor privado, com a externalização das atividades, com novas modalidades
de contratação precarizadas que ganharam destaque. Assim:

Dentre as novas modalidades, cabe destacar as principais, que são as mais


utilizadas hoje no setor público e privado: a primeira diz respeito às empresas
individuais, em geral incentivadas pela ideologia do empreendedorismo, que,
de fato, sustenta a liberdade das empresas de se desobrigar dos compromissos
de gestão do trabalho, de encargos sociais e direitos trabalhistas, pois forçam
os trabalhadores a alterar sua personalidade jurídica, registrando uma empresa
42

em seu nome. Tal situação transforma o assalariado em empresário e, portanto,


faz com que perca todos os seus direitos trabalhistas, sendo o contrato entre
empresas regido pelo direito comercial, numa relação “entre iguais”...
(THÉBAUD-MONY & DRUCK, 2007, p. 46-47).

Desta forma, as regras que regem as ralações de trabalho são alteradas, embora não haja
alteração na relação entre trabalho e capital. Os conflitos passam a ser “administrados” dentro
do âmbito empresarial. Neste contexto, a política de Recursos Humanos transforma as regras
gerais em individuais e padroniza o comportamento dos trabalhadores. Há a eliminação do
controle coletivo – sindicatos, cooperativas. As ações são padronizadas em processos e
procedimentos na empresa.
O tipo de atividade desenvolvida determina o tipo de mão de obra e a tecnologia que é
empregada. A fragmentação da estrutura produtiva leva ao desenvolvimento de economias
baseada em pequenas empresas – produção pequena – que por sua vez contribui para
reprodução do capital das grandes empresas. Essas microunidades de produção, via de regra,
são compostas por trabalhadores informais e/ou pequenas empresas familiares e caracterizam–
se pela baixa produtividade/ baixa remuneração. Neste contexto inserem-se ainda os
trabalhadores por conta própria, como os chamados microempreendedores individuais (MEI)
ou Pessoa Jurídica (PJ) – que, portando, sob a ótica empreendedora, vende produto do trabalho,
não a força de trabalho, o pode servir de argumento para descaracterizar a relação de trabalho
subordinado.
Nos anos 1990, no Brasil, a adoção das políticas neoliberais e a inserção do país na
dinâmica da globalização financeira levou à abertura econômica, com fortes consequências no
mercado de trabalho interno. O desemprego tornou-se fenômeno de massa, com queda dos
salários e aumento da desigualdade social. Neste contexto de desestruturação do mercado de
trabalho começaram a surgir um conjunto de propostas para mudar a forma de regulamentação
das relações trabalhistas, apontadas como rígidas, anacrônicas e inibidoras da criação de
empregos. Dentre as propostas que surgem no período estão as modalidades de contratação
chamadas atípicas20 e flexibilização da jornada e da remuneração (GIMENEZ & KREIN,
2016).

20
Vasapollo e Martufi (2003), citados por Antunes (2005), colocam como trabalho atípico a prestação de serviços
cuja característica fundamental é a falta ou insuficiência de tutela contratual. Conforme os autores, nesta
modalidade estão incluídas todas as formas de prestação de serviços diferentes do chamado modelo-padrão, ou
seja, trabalho efetivo, com garantias formais e contratuais, contratos full-time e por tempo indeterminado. Acerca
de contratos atípicos, ver nota nº2
43

Numa análise das terceirizações no estado de São Paulo no período de 1985 a 200521
Pochmann (2008) observa que houve uma queda de 71% no tamanho das empresas de
terceirização, o que tende a estar relacionado tanto com o avanço da flexibilização da
terceirização quantitativa (atividades de base) como à alteração no tipo de terceirização (para
a superterceirização). Assim, conforme apontado no estudo, há um aumento expressivo de
empresas sem empregados, as chamadas PJ, que passaram a ser contratadas para as atividades
que antes eram desenvolvidas por empregados assalariados com contratos formais. Conforme
observa Pochmann:
Em 2005, por exemplo, quase 1/3 das empresas de terceirização de mão-de-
obra não tinham empregados, enquanto em 1985, menos de 50% do total dos
empreendimentos eram constituídos por “PJ’s”. Ou seja, no prazo de 20 anos,
o número de PJ’s aumentou mais de 174 vezes (POCHMANN, 2008, p. 61).

No mesmo estudo, Pochmann observa que esta modalidade de contratação não se


restringiu aos empregos assalariados e se espraiou para diversos regimes de contratos não
assalariados com o objetivo de reduzir os custos de contratação da mão-de-obra.

Na comparação com o emprego assalariado formal (público ou privado), o peso


da cunha fiscal do contrato PJ (empresa) chega a ser 56,5% inferior e o do
autônomo de 11,7% inferior. Não foi por outro motivo que a explosão da
abertura de novos negócios no Brasil se deu, em grande parte, devido ao
surgimento das empresas sem a presença de empregados, modificando
significativamente a natureza da composição e dos custos de contratação dos
trabalhadores (idem, p. 62).

Observando o período, o autor constata que a política econômica de liberalização


comercial e financeira adotada principalmente após a implementação do Plano Real, em 1994,
representou um importante constrangimento à expansão produtiva. Com isso, naquele período,
as empresas de terceirização de mão-de-obra se colocaram como uma possibilidade de
aumentar a competitividade das empresas através da redução dos custos do trabalho, que
reforça o discurso de então (e retomado recentemente nas discussões para justificar a aprovação
da reforma trabalhista), de que o principal entrave para o crescimento das empresas e para a
geração de empregos estava nos altos custos de contratação/demissão de trabalhadores e
inflexibilidade da legislação trabalhista.
Estava posto assim um cenário amplamente favorável ao crescimento da
superterceirização, como aponta Pochmann, das atividades-fim. Ganham destaque assim a
terceirização de atividades como supervisão, inspeção de qualidade, vendas, análises, gerentes,
técnicos, entre outras.

21
Levantamento completo em POCHMANN (2008).
44

Na maior parte das vezes, a superterceirização identifica-se com as ocupações


mais sofisticadas, responsáveis por atividades que dizem respeito ao núcleo de
competência em cada empresa. Para poder atender às especificidades das
demandas de recursos humanos por parte do núcleo de competência de cada
empresa, o movimento de terceirização da mão-de-obra passou a ser realizado
por micro e pequenas empresas especializadas na subcontratação de
trabalhadores mais qualificados, sobretudo com a difusão dos chamado “PJ’s”
(POCHMANN, 2008, p. 63).

Nos anos 2000, houve crescimento acelerado da terceirização, mesmo que neste período
a legislação permitia somente que ocorresse em funções que não fossem caracterizadas como
atividade principal da empresa, mas em atividade meio. Os setores mais atingidos pela onda de
terceirização no período foram o setor bancário, os serviços públicos e empresas estatais, com
proliferação da substituição de servidores concursados por contratações através de
Organizações Não Governamentais (ONG), Organizações Sociais (OS) e Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). No setor privado, mesmo nas atividades
nucleares das empresas, cresceram as modalidades de contratações atípicas, como as
cooperativas de mão-de-obra e empresas de uma única pessoa, os PJ (DRUCK, 2016).
Com a aprovação da Lei das Terceirizações (Lei 13.429/ 201722), seguida pela Reforma
Trabalhista (13.467/201723), respectivamente, ampliou-se a possibilidade de formas de
contratação chamadas atípicas, como trabalhadores contratados como Pessoa Jurídica, ou
Micro Empreendedor Individual (MEI), entre outras modalidades de contratação precarizadas,
como as cooperativas de trabalhadores, que até então vinham sendo consideradas pela Justiça
do Trabalho como formas de burla à legislação trabalhista. Na análise de Gimenez & Krein:

A liberalização da terceirização ocorre sob uma estrutura econômica muito


assimétrica. De forma objetiva, não se trata de relações entre empresas
tipicamente organizadas, mas regulamentação a ser aplicada no complexo e
desigual quadro das relações entre empresas contratantes de serviços
terceirizados, mais bem organizados, e no universo heterogêneo e com forte
precariedade material e legal dos contratados. Nessas condições de assimetria,
a empresa contratante tem as prerrogativas de definir as condições da relação
com as terceirizadas, numa óbvia relação de subordinação (2016, p. 30-31).

Assim, a aprovação das leis das terceirizações e da reforma trabalhista em 2017


representou o estabelecimento de um novo padrão de relações de trabalho que marca o
rompimento com as regras construídas desde 1930, com o advento da desregulamentação e
flexibilização favorável aos empresários; constituindo-se em um processo sem precedentes de

22
Texto integral disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13429.htm acesso
em 18 de maio de 2018.
23
Texto integral disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm acesso
em 18 de maio de 2018.
45

precarização das relações de trabalho, como uma avalanche que há muito estava represada. O
amplo cardápio de opções colocadas aos empregadores desequilibra a correlação de forças e
torna o trabalhador um mero instrumento de ajuste de custo e produção, submetido
exclusivamente às necessidades do empregador (GALVÃO et al., 2017).
O gráfico 224 abaixo mostra a crescimento do número de MEIs no Brasil na última
década. Observa-se que desde a criação dessa modalidade de inserção no mercado de trabalho,
houve um salto de pouco mais de 44 mil pessoas para mais de oito milhões de trabalhadores
nesta situação.

Gráfico 2

1.5 - Desregulamentação do trabalho e uberização dos trabalhadores

Com a aprovação da lei das terceirizações e da reforma trabalhista abre-se um processo


sem precedentes de precarização que Pochmann (2016) chama de “uberização” da classe
trabalhadora, numa referência ao modo de organização das plataformas de transportes
mediadas por aplicativos instalados em smartphones, cujos motoristas aderem ao serviço como

24
Extraído de ALVARENGA, Darlan Alves. Reportagem “País já tem 8,1 milhões de microempreendedores
formais; veja atividades em alta entre MEIs”, disponível em
https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/04/03/pais-ja-tem-81-milhoes-de-microempreendedores-formais-
veja-atividades-em-alta-entre-meis.ghtml, acesso em 03 de abril de 2019.
46

supostos empreendedores, sem nenhuma relação ou garantia trabalhista. O nome vem da


empresa mais conhecida destes serviços, a Uber.
Conforme Abílio (2017), a uberização, embora um fenômeno recente decorrente do
avanço da tecnologia, tem sua base no processo de precarização do trabalho que transfere ao
trabalhador os riscos e custos do capital, sob o discurso de empreendedorismo.

A uberização, portanto, não surge com o universo da economia digital: suas


bases estão em formação há décadas no mundo do trabalho, mas hoje se
materializam nesse campo. As atuais empresas promotoras da uberização –
aqui serão tratadas como empresas-aplicativo – desenvolvem mecanismos de
transferência de riscos e custos não mais para outras empresas a elas
subordinadas, mas para uma multidão de trabalhadores autônomos engajados
e disponíveis para o trabalho. Na prática, tal transferência é gerenciada por
softwares e plataformas online de propriedade dessas empresas, os quais
conectam usuários trabalhadores a usuários consumidores e ditam e
administram as regras (incluídos aí custos e ganhos) dessa conexão.25

Da mesma forma Antunes (2018), anota a insegurança e precariedade que caracterizam


as novas relações de trabalho, conforme observado nas experiências de reformas ao redor do
mundo.

A instabilidade e a insegurança são traços constitutivos dessas novas


modalidades de trabalho. Vide a experiência britânica do zero hour contract
[contrato de zero hora], o novo sonho do empresariado global. Trata-se de uma
espécie de trabalho sem contrato, no qual não há previsibilidade de horas a
cumprir nem direito assegurados. Quando há demanda, basta uma chamada e
os trabalhadores e as trabalhadoras devem estar on-line para atender o trabalho
intermitente. As corporações se aproveitam: expande-se a “uberização”
amplia-se a “pejotização”, florescendo uma nova modalidade de trabalho: o
escravo digital. Tudo isso para disfarçar o assalariamento (ANTUNES, 2018,
p. 23).

Assim, observa-se que a precarização da mão-de-obra é fruto de processo de mudança


no padrão de acumulação do capitalismo desde a década de 1970 e vem se impondo, com
diferentes formas e modelos desde então. O desenvolvimento da tecnologia no período, com
grande mudança no paradigma nas áreas de comunicação e informação funcionaram como
vetores de estratégias empresariais de redução de custos do trabalho e imposição de novas
formas de uso e remuneração da força de trabalho.

Em pleno século XXI, mais do que nunca, bilhões de homens e mulheres


dependem de forma exclusiva do trabalho para sobreviver e encontram, cada
vez mais, situações instáveis, precárias, ou vivenciam diretamente o flagelo do

25
ABÍLIO, L.K. Uberização do trabalho: subsunção real da viração. Artigo publicado no site Passa Palavra em
19 de fevereiro de 2017. Disponível em http://passapalavra.info/2017/02/110685 , último acesso em 19 de
setembro de 2018.
47

desemprego. Isto é, ao mesmo tempo que se amplia o contingente de


trabalhadores e trabalhadoras em escala global, há uma redução imensa de
empregos; aqueles que se mantém empregados presenciam a corrosão de seus
direitos sociais e a erosão de suas conquistas históricas, consequência da lógica
destrutiva do capital que, conforme expulsa centenas de milhões de homens e
mulheres do mundo produtivo (em sentido amplo), recria, nos mais distantes e
longínquos espaços, novas modalidades de trabalho informal, intermitente,
precarizado, “flexível”, depauperando e ainda mais os níveis de remuneração
daqueles que se mantém trabalhando (ANTUNES, 2018, p. 25).

A crise do capitalismo globalizado após 2008 proporcionou um novo modelo de uso e


remuneração da mão de obra, através de um sistema de coordenação intercapitalista
centralizada das empresas e integração descentralizadas através da produção de bens e serviços
ao redor do mundo. Isso, aliado a tecnologias que permitem o surgimento de controle do
trabalhado através de plataformas virtuais, leva às novas formas de exploração do trabalho,
conforme observam Pochmann & Moraes.

Em relação a isso, identifica-se, por exemplo, a experimentação das formas de


maior exploração capitalista do trabalho humano com a generalização da
terceirização e de sistemas conhecidos como “uberificação” e “nikeficação” ou
“capitalismo de plataforma e empreendedores”. Simultaneamente, a
degradação nas antigas conquistas obtidas pela velha classe trabalhadora
industrial transcorre cada vez mais no ambiente marcado pela flexibilização e
desregulação do sistema de proteção social e trabalhista nas ocupações e
serviços (POCHMAMM & MORAES, 2017, p. 13).

Com isso, as primeiras décadas do século XXI são marcadas pelo paradoxo de uma
extraordinária revolução tecnológica, capaz de colocar o mundo nas mãos de um indivíduo
portando um pequeno equipamento eletrônico pari passu ao crescimento das mais perversas
formas de exploração do trabalho, que remetem às oficinas fabris do século XIX.
Interessante notar que o próprio equipamento que utilizamos como exemplo, reforça
este paradoxo, seja em seu processo de produção, a partir das mais aviltantes condições de
trabalho nas minas de carvão em países subdesenvolvidos (Antunes, 2018), nas condições de
trabalho no processo de desenvolvimento e nas maquiladoras, que também se aproveitam do
trabalho precário nos países pobres; seja como instrumento de perpetuação de uma jornada de
trabalho que não termina, e que as vezes sequer inicia, como ocorre com os trabalhadores zero
hora (intermitentes), os uberizados e os PJ, sempre disponíveis ao trabalho, embora este sempre
incerto.
Abílio (2017), utilizou o termo “viração” para designar a situação em que se encontra
muitos trabalhadores diante do desmonte da desregulação do trabalho e que atinge também os
trabalhadores na área de comunicação e jornalismo. Trata-se da busca de uma forma de
48

inserção no mercado de trabalho, seja através do autoemprego, pequenos negócios e prestação


de serviços, em geral na informalidade.
Conforme mostra a autora, este tipo de inserção no trabalho apresenta um novo estágio
de exploração, uma nova modalidade de terceirizações ao consolidar a mudança do estatuto de
trabalhador para um nanoempresário de si mesmo, sempre disponível para o trabalho, sem
garantias mínimas, mas ainda assim subordinado.
Podemos entender a uberização como um futuro possível para empresas em
geral, que se tornam responsáveis por prover a infraestrutura para que seus
“parceiros” executem seu trabalho; não é difícil imaginar que hospitais,
universidades, empresas dos mais diversos ramos adotem esse modelo,
utilizando-se do trabalho de seus “colaboradores just-in-time” de acordo com
sua necessidade. Este parece ser um futuro provável e generalizável para o
mundo do trabalho (ABÍLIO, 2017)26.

Apesar de ganhar notoriedade planetária com os milhões de motoristas cadastrados na


empresa Uber em todo o mundo, a uberização é resultado de um processo de precarização
associado ao crescimento da massa de desempregados, à desregulamentação do trabalho e às
inovações tecnológicas (KREIN et al., 2018).
Para compreender como a precarização do trabalho dos jornalistas está inserida no
contexto geral de desregulação do trabalho, buscamos, nos capítulos seguintes fazer uma breve
reconstrução do surgimento da imprensa e seu papel no desenvolvimento capitalista, bem como
um breve histórico da imprensa no Brasil, com o surgimento, regulação e posterior
desregulação do exercício da profissão.

26
Abílio, L.C. Uberização do Trabalho: subsunção real da viração. Publicado no site do Instituto Humanitas
Unisinos em 01/03/2017, disponível em http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/565264-uberizacao-do-trabalho-
subsuncao-real-da-viracao, acessado em 28 de abril de 2019.
49

Capítulo 2 – O Jornalismo no desenvolvimento capitalista

Neste capítulo busca-se situar a atividade do jornalismo como fruto do desenvolvimento


do capitalismo e da sociedade urbano-industrial, com a crescente necessidade de circulação de
informação e a transformação desta em uma mercadoria, a notícia, que também passa a ser um
produto de compra e venda.
Embora a comunicação e a troca e circulação de informação possa ser localizada desde
o início da história, o que hoje conhecemos como meios de comunicação de massa surge no
contexto do desenvolvimento capitalista, a partir da Revolução Industrial, no século XVIII
(TRAVANCAS, 1992).
A invenção da imprensa por Gutenberg, em 1454, representou uma revolução na forma
de produção de impressos, mas o jornalismo somente surge como atividade a partir da produção
em grande escala e da necessidade e distribuição e da informação. Inicialmente uma atividade
exercida por letrados, com poucos veículos e público restrito. A partir da Revolução Industrial
vão surgindo os grandes meios, como necessidade de circulação de ideias e informação no
desenvolvimento do capitalismo.

(...) é sem dúvida no século XVIII, com a Revolução Industrial, que a imprensa
vai se desenvolver, ganhar força como resultado de um produto industrial com
profissionais especializados. Os principais interesses dos jornais de então eram
mercantis e políticos. Com a Revolução Francesa, em 1789, começa a se fazer
jornais como se entende hoje, com várias páginas e assuntos diversos: um
espaço de opinião e polêmica (TRAVANCAS, 1992, p.17).

A aceleração da industrialização, no início do século XIX representou também um


grande salto para imprensa, com o surgimento de várias inovações, como a impressora a vapor,
que tinha a capacidade de rodar 1100 folhas por hora, que possibilitou a impressão em larga
escala e a produção dos jornais de grande circulação. É também neste período que os jornais
passam a veicular anúncios pagos (TRAVANCAS, 1992).
Outra inovação que irá transformar a produção de impressos e torná-los veículos de
circulação de massa é a criação da máquina de composição, conhecida como linotipo, que
possibilitou a publicação de jornais com tiragens de milhares de exemplares. Outras invenções
deste período foram fundamentais para a transformar a circulação de informação em um dos
grandes negócios do capitalismo nascente. Também surgem nesse período o telégrafo, a
instalação do primeiro cabo transatlântico e o telefone, que proporcionaram novos recursos
para a produção e distribuição de notícias no mundo todo (TRAVANCAS, 1992).
50

A partir dessas inovações, a publicidade irá se tornar parte fundamental para o


financiamento dos meios de comunicação de massa, uma vez que para atender a demanda
crescente de informações, geradas num ritmo cada vez mais rápido, maior é a necessidade de
estruturas física, de equipamentos, logística de distribuição e recursos humanos (KUNCZIK,
2002).
O encarecimento da produção dos jornais de grande circulação criou uma barreira
econômica à sobrevivência de pequenos jornais e levou à cartelização do setor, que passou a
ser dominado por grandes empresas. Arbex Jr. escreve que:

O desenvolvimento das tecnologias da comunicação (após o telégrafo e o


telefone, o telégrafo sem fio, a telecomunicação e o rádio, o cinema e a
televisão) implicou a unificação tecnológica das formas de produzir e imprimir
a notícia, acelerando processos de cartelização da imprensa: os pequenos
jornais locais tornaram-se dependentes dos jornais urbanos das
circunvizinhanças e passaram a ser incorporados a estes como redações
municipais ou afiliadas. Quanto mais rapidamente um jornal era impresso, e
quanto maior o seu alcance, maior a sua importância para os interesses
econômicos privados que o sustentavam, assim como o seu papel de “pórtico
de entrada” para dar visibilidade social a empresas e anunciantes (ARBEX Jr.,
2001, p. 58).

Genro Filho (1987), por outro, aborda a questão da mercantilização da imprensa do


ponto de vista de uma necessidade do capitalismo:

(...) as empresas precisam vender mercadorias que, antes de se constituírem


como valor de troca, como condição para isso, devem ser valores de uso.
Devem ser objetos ou serviços úteis. Sabemos que o capitalismo cria,
constantemente, novas necessidades, muitas delas falsas e degradantes, e os
produtos correspondentes para supri-las. Seguindo esse raciocínio, só duas
alternativas a serem consideradas. Ou as modernas empresas jornalísticas
criaram nos consumidores a falsa necessidade das notícias e informações, tal
como elaboradas atualmente, ou então seguiram a tendência do mercado que
estava se criando com o surgimento de novas necessidades reais. Quer dizer,
ou os capitalistas inventaram, conforme seu arbítrio, o moderno jornalismo e
as necessidades que ele satisfaz, ou perceberam as novas e reais necessidades
(da informação do tipo jornalístico) e fizeram dela uma fonte de lucros.
(GENRO FILHO, 1987, p. 111, grifos no original).

Assim, a informação passa a ter valor de uso e de troca e cria seu produto de compra e
venda: a notícia. Marcondes Filho (1986) define a notícia como uma mercadoria a ser comprada
e vendida, como qualquer produto disponível em um mercado:

Assim como uma roupa que se pode adquirir numa loja, assim como uma fruta
que se pode obter em uma quitanda, também notícias podem ser compradas.
Elas não são somente produtos, como se supõe a acepção mais ingênua. Elas
são, de fato, “a forma elementar da riqueza no capitalismo” (Marx); são
51

mercadorias. São produzidas para um mercado real e encerram em si a dupla


dimensão da mercadoria: o valor de uso e o valor de troca. (1986, p. 25).

Genro Filho, no trabalho acima citado, observa ainda que:

A mercadoria-notícia, ou seja, a informação jornalística comercializada,


continua tendo um valor de uso cujo conteúdo, por definição, jamais pode ser
dissolvido ou abolido, pois ele é a condição para a realização do valor troca.
Mais concretamente, essa persistência do valor uso da notícia se manifesta do
seguinte modo: o espaço ocupado pelas notícias e reportagens, mesmo que
secundários conforme a ótica econômica, deve corresponder a uma
necessidade ao público consumidor para que o espaço publicitário seja
valorizado. (GENRO FILHO, 1987, p. 112 – grifos no original)

Com a expansão do capitalismo e a consequente necessidade de produção e circulação


de notícias, surgem os grandes conglomerados de comunicação, que irão representar e difundir,
através da produção da notícia, os interesses de outros conglomerados econômicos, que via de
regra os controlam, seja através do aporte econômico, da propriedade direta ou mesmo pela
identidade de classe.

Os jornais nascem arquitetados e vocacionados para a lógica empresarial do


capitalismo e não, como apregoa a historiografia corrente, no sentido de
emergir com uma posição ideológica, voltada para o exercício do poder
político.
O surgimento da imprensa e do jornalismo está associado imanentemente ao
comércio. A atividade comercial, isto é, o interesse em desenvolver um
negócio lucrativo, foi sem dúvida, a mola que ativou o processo de criação dos
jornais (MARSHALL, 2003. p. 71).

A partir da análise de Marcondes Filho (1986) pode-se acrescentar que, com o avanço
das tecnologias de informação e comunicação, a imprensa, entendida neste contexto como
meios de comunicação de massa que englobam os meios disponíveis (rádio, televisão, internet),
se conforma como um centro aglutinador das diversas demandas da sociedade.

Na era tecnológica, [...] emerge a imprensa como único grande canalizador


capaz de “organizar” de alguma maneira as aspirações, as reivindicações ou a
insatisfação de uma sociedade, diante do esvaziamento e mesmo
desaparecimento de algumas instituições intermediárias entre Estado e povo,
especialmente daqueles grupos que lutavam ou se engajavam por uma causa
política, ideológica ou moral. (MARCONDES FILHO, 1993, p. 140).

Com o “poder” de se colocar como intermediadora e porta-voz de uma ampla gama de


interesses sociais, os meios de comunicação construíram a narrativa que busca a legitimação
como uma instituição de interesse comum, isenta de interesses políticos e econômicos e tão
somente o lócus de reinvindicações e debates da sociedade. Conforme observado por Fígaro:
52

O jornalismo está vinculado à determinada lógica de organização empresarial,


que enquadra a informação nos objetivos da lucratividade. Na origem, o
arcabouço discursivo que dá sustentação ao jornalismo está vinculado aos
valores da autonomia e da emancipação do cidadão. O jornalismo nasce
inspirado nos ideais do Iluminismo e do Racionalismo, a partir dos quais o
homem adquire centralidade nas decisões dos rumos da sociedade. É uma
narrativa da urbanidade, da polis, do cidadão e da cidadania, mas sempre
delimitada pelos valores do liberalismo econômico. Ao longo do século XX, o
jornalismo consolidou-se como uma narrativa produzida por profissionais
especializados, dedicados exclusivamente a selecionar os fatos do cotidiano
que merecem, a partir de determinada avaliação, ganhar o status de notícia
(2012, p.7)

Da mesma forma, Marcondes Filho descreve como se processa uma narrativa que tem
por objetivo escamotear o caráter mercadológico que envolve a atividade, o que lhe confere
mais poder e social que lhe caberia, uma vez que se trata de atividade mercadológica, com
objetivo de lucro, como em toda empresa capitalista.

Ela é um meio oportuno, veículo possível para a condução dessas campanhas


e, atuando como que por delegação, acaba por absorver muito mais importância
e não raro poder social do que em princípio lhe cabe. Isso porque, como já dito,
a imprensa é uma instituição de natureza econômica. Sua intenção é manter-se
como empresa no mercado, garantir renda e lucro satisfatório, a ponto de pagar
seus encargos sociais, a manutenção de seus equipamentos, a renovação de
seus sistemas técnicos e, como qualquer outra empresa, não coloca questões
éticas ou morais no produto que faz. Simplesmente vende (MARCONDES
FILHO, 1993, p.141).

Moraes (2013) observa que como proprietários dos meios de produção e de toda
infraestrutura e logística necessária, os grandes grupos midiáticos formam um sistema de
produção material e imaterial, que transmite valores e significados que não são meramente
abstratos. Assim, este sistema interfere na circulação de informação e interpretação e cria
consensos sociais.
No contexto do capitalismo globalizado, das grandes corporações financeiras, os meios
de comunicação de massa não são apenas constituídos de instrumento de dominação
ideológica. Eles são parte do próprio sistema, de uma engrenagem de geração de lucros,
produção e circulação de informações e de construção de consensos dentro dos interesses do
mundo das finanças global.

Os medias [meios de comunicação de massa], numa primeira aproximação,


podem ser localizados, sobretudo em fases mais recentes, sob o capitalismo
monopolista e sob hegemonia no capital financeiro, como parte da base
econômica, à medida que, de um lado, as empresas que os compõem são hoje
grandes conglomerados, envolvidos muitas vezes não só nos negócios da área
de comunicações, como em tantos outros, e de outro lado, pelo fato de tais
meios de comunicação, vistos sob um aspecto mais amplo, são elementos
53

constitutivos, estruturantes deste atual estágio de desenvolvimento do


capitalismo, especialmente se se considera o predomínio do capital financeiro,
dependente da rapidez de informações que só a infraestrutura dos media pode
proporcionar (JOSÉ, 2010, p. 111).

Portanto, não é possível analisar a imprensa e o jornalismo dissociado de seu papel no


sistema capitalista e do processo de industrialização, que proporcionou seu crescimento,
tornando possível colocar a informação como um produto de consumo de massa, e mesmo
como um vetor de construção de narrativa e legitimação do capitalismo. Conforme observa
Marshall (2003), a imprensa como conhecemos hoje é fruto das necessidades de informação
decorrente da sociedade baseada no modo de produção capitalista. Assim, a mídia, que se
traduz por meio, é onde se colocam as informações a serem mercantilizadas, vendida como
produto para o consumo.

Considerando os postulados apresentados por Karl Marx e desenvolvidos por


uma corrente significativa de teóricos, é necessário recuperar-se a
compreensão de que a história da imprensa e do jornalismo encerra, em sua
essência, o modo de produção da sociedade capitalista. Esse é o eixo central.
A imprensa periódica surgiu em decorrência da necessidade de informação
mercantil na florescente sociedade capitalista e, portanto, veio suprir
objetivamente uma necessidade do capitalismo (MARSHALL, 2003, p. 64).

Ainda na análise de Marcondes Filho:

O jornalismo, via de regra, atua junto com as grandes forças econômicas e


sociais: um conglomerado jornalístico raramente fala sozinho. Ele é ao mesmo
tempo a voz de outros conglomerados econômicos ou grupos políticos que
querem dar às suas opiniões subjetivas e particulares o foro da objetividade
(1986, p. 11).

O controle da rentabilidade, os altos lucros financeiros que mantém o sistema de


geração ininterrupta do fluxo de informações requerem que elas recebam o tratamento de uma
mercadoria como quaisquer outras, sujeitas as regras do capitalismo, conforme já assinalado.
Desta forma, conforme Moraes:27

O êxito do sistema corporativo de mídia, em larga medida, vincula-se ao


aprimoramento de tecnologias que favoreçam o comando à distância e a
velocidade circulatória do capital. A produtividade e a competitividade
dependem da capacidade dos agentes econômicos de aplicar, com rapidez
inaudita, os dados e conhecimentos obtidos, de forma sincronizada e em
amplitude global. A informação estratégica nos circuitos digitais torna-se uma
mercadoria como outra qualquer, sujeita à lei da oferta e da procura, ao mesmo

27 Op.cit
54

tempo convertida em precioso insumo básico para a geração de dividendos


competitivos (MORAES, 2013, p.29).

Accardo (2007), anota que, atualmente, mais do que em períodos anteriores, os medias
conformam uma indústria sujeita a todas as limitações e imperativos da economia liberal. No
cenário de avanço da tecnologia, com a hegemonia da indústria audiovisual, e particularmente
da televisão, fortaleceu, através da publicidade, a submissão ao mercantilismo de industriais,
banqueiros e outros grandes investidores que agora detêm a posse de quase todas as
informações e meios de comunicação.
Nas sessões seguintes será feita uma reconstrução histórica de como o jornalismo se
estruturou enquanto atividade profissional no Brasil, passando de um ofício exercido de forma
quase amadora até se tornar uma profissão regulamentada, com a obtenção de algumas
conquistas importantes, como a organização em sindicato, a regulamentação legal, o
estabelecimento da obrigatoriedade do diploma de ensino superior específico para seu exercício
e a criação do piso salarial.
Na sequência, será observado o desmonte dessas conquistas, como o fim da
obrigatoriedade do diploma, a crise nos veículos de comunicação, notadamente os impressos,
as demissões em massa, a crescente onda de contratos de trabalho terceirizados, seja como
Pessoa Jurídica, MEI ou trabalho freelance, os impactos da mídia online e a entrada de novos
atores no mercado de comunicação.

2.1 - Breve histórico da imprensa no Brasil

A história registra como primeiro jornal brasileiro o “Correio Brasiliense”, fundado em


Londres em 1808, por Hipólito José da Costa. O periódico, publicado em língua portuguesa,
chegava ao Brasil de forma clandestina para driblar a censura prévia. Com o fim dessa censura
e a Independência, em 1822, foram surgindo novos jornais, em sua maioria em tom panfletário.
(TRAVANCAS, 1992).
O jornalismo como característica de empresa surge no Brasil no final do século XIX,
principalmente na cidade do Rio de Janeiro, a época capital e centro das decisões políticas e
econômicas do país, recém-saído de um regime monárquico para república.
Medina (1978) anota que neste período foi possível observar duas tendências que
transformaram a atividade jornalística em atividade de exploração comercial e industrial. De
um lado, jornais como a Gazeta de Notícias e Jornal do Comércio, veículos tradicionais que
remontavam ao tempo do Império, se modernizaram do ponto de vista da estrutura econômica,
55

com aquisição de equipamentos e passaram a faturar principalmente com a venda de espaços


publicitários. Por outro lado, os novos órgãos que surgiram no período, como o Jornal do Brasil
e em seguida o Correio da Manhã, já nasceram com estrutura empresarial, voltados ao objetivo
principal de obter lucro, como em qualquer atividade capitalista.
A segunda tendência é refletida em outros centros do país neste período, como é o caso
dos periódicos Diário Mercantil, de São Paulo e Correio do Povo, de Porto Alegre (MEDINA,
1978).
No início do século XX, com a possibilidade de veicular propaganda, a imprensa torna-
se definitivamente um negócio empresarial. Isso reflete também em transformações na forma
de apresentar o conteúdo, para se tornar mais atraente para venda em banca e consequentemente
conseguir mais anunciantes. Assim,

As páginas dos jornais não se destinam apenas à política e a literatura, mas


abrem espaço agora para entrevistas e reportagens ao estilo europeu e
americano, o noticiário esportivo, a crônica. Além dessas inovações, a
fotografia e as cores começam a ser utilizadas pela primeira vez
(TRAVANCAS, 1992, p. 19).

Outra característica que irá marcar profundamente não só a imprensa, mas a sociedade
brasileira, é a forma como se desenvolveu o crescimento das empresas jornalísticas no país,
caracterizado por grandes oligopólios familiares e dinastias regionais que utilizaram esses
meios como uma poderosa ferramenta de influência política, econômica e cultural que
prevalece ainda hoje.
Como consequência desta concentração, cabe registrar também que o contraponto, na
forma de resistência de setores populares também tiveram grande importância na história da
imprensa brasileira, notadamente a imprensa operária que surge entre o final do século XIX e
início do século XX.

Entre o fim do século XIX e começo do século XX, uma imprensa especial
ganha terreno e destaque: a imprensa operária. São muitas publicações, várias
delas em italiano, espanhol e alemão, algumas com tiragem de 4.000
exemplares. É uma imprensa característica de uma época e específica para um
tipo de público, que não se reconhecia na grande imprensa (TRAVANCAS,
1992).

A imprensa operária, também chamada imprensa alternativa, embora minoritária e


muitas vezes atuando de forma clandestina terá importante papel ao longo do século XX, seja
como órgão de divulgação de partidos e correntes políticas de esquerda, como instrumento de
agitação, formação e identidade, sendo que muitas organizações assumiram o nome dos
56

periódicos que editavam. Em alguns momentos de grave repressão política, formavam a


principal voz de oposição, como ocorreu no Brasil no final da década de 1970 e nos anos 1980,
no enfrentamento à ditadura militar e no processo de redemocratização do país28.
Sodré (1999), em análise sobre o desenvolvimento da imprensa no Brasil, anota que,
como ocorreu historicamente, a imprensa nasceu e se desenvolveu com o capitalismo e aqui
ela também apresentou as características do capitalismo dependente. Conforme o autor:

A imprensa, [...], nasceu com o capitalismo e acompanhou seu


desenvolvimento. Ela espelha, atualmente, a ampla crise que caracteriza a atual
etapa do avanço do capitalismo. Etapa bem definida, aliás, pelo extraordinário
surto e influência dos referidos meios de massa. Como estamos às vésperas de
avanço tecnológico de proporções inéditas, nesse terreno, é de crer que
profundas mudanças serão operadas nas atividades dos meios de comunicação,
sempre em detrimento da imprensa. Mas, se a imprensa nasceu com o
capitalismo e acompanhou seu avanço, esse processo assinala, no Brasil, traços
particulares, estritamente ligados aos aspectos que o avanço capitalista
apresentou por aqui (SODRÉ, 1999, p. X).29

O que Sodré aponta como aspectos do avanço do capitalismo no Brasil, reflete-se na


concentração da propriedade dos meios de comunicação no Brasil, perpetuada como
instrumento de dominação política, econômica e cultural que permanecem ainda no período
atual, em que pese a advento de novas tecnologias de difusão e das diversas crises enfrentadas
pelo setor.
Dados apresentados pela ONG Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e
do Media Ownership Monitor Brasil – MOM, frutos de uma pesquisa realizada em 2017,
apontam para a manutenção da alta concentração de audiência, propriedade e concentração
geográfica, numa análise de 50 veículos, nos segmentos rádio, TV, mídia impressa e online
aponta a predominância de grandes grupos econômicos30.

Os 50 meios de comunicação analisados são de propriedade de 26 grupos: 9


pertencem ao Grupo Globo, 5 ao Grupo Bandeirantes, 5 à família Macedo
(considerando o Grupo Record e a Igreja Universal do Reino de Deus - IURD,
ambos do mesmo proprietário), 4 ao grupo de escala regional RBS e 3 ao Grupo
Folha. Outros grupos aparecem na lista com dois veículos cada: Grupo Estado,
Grupo Abril e Grupo Editorial Sempre Editora/Grupo SADA. Os demais
grupos possuem apenas um veículo da lista. São eles: Grupo Sílvio Santos,
Grupo Jovem Pan, Grupo Jaime Câmara, Diários Associados, Grupo de
Comunicação Três, Grupo Almicare Dallevo & Marcelo de Carvalho,
Ongoing/Ejesa, BBC – British Broadcasting Corporation, EBC – Empresa

28 Mais sobre a imprensa operária em: GIANNOTTI (2007; 2014); MOMESSO (2013).
29 O trecho citado encontra-se no artigo “O pensamento de Nelson Werneck Sodré sobre a imprensa e os meios
de comunicação de massa no Brasil, nos últimos anos”, inserido como anexo no livro citado, por isso, apresenta
paginação em numeral romano, diferentemente do restante da obra.
30 A íntegra da pesquisa está disponível em http://brazil.mom-rsf.org/br/midia/, acesso em 25 de março de 2019.
57

Brasil de Comunicação, Publisher Brasil, Consultoria Empiricus, Grupo Alfa,


Grupo Mix de Comunicação/Grupo Objetivo, Igreja Renascer em Cristo, Igreja
Adventista do Sétimo Dia, Igreja Católica/Rede Católica de Rádio e INBRAC
– Instituto Brasileiro de Comunicação Cristã.31

O avanço tecnológico de proporções inéditas apontados por Sodré, às vésperas do


século XXI, se concretizaram nos anos seguintes, com a consolidação da internet, a criação das
redes sociais e o surgimento de equipamentos de comunicação acessíveis a uma grande parte
da população e que a torna capaz de realizar tarefas que antes pareciam ser prerrogativas de
quem atuava no jornalismo.
Obviamente isso impactou profundamente o mercado das empresas de comunicação,
com a crise de antigos modelos de produção de notícia, notadamente os jornais impressos, mas
não só, uma vez que novas tecnologias também possibilitaram a produção de materiais
audiovisuais de alta qualidade, com transmissão via rede de computadores, sem a
intermediação das empresas de comunicação. Como consequência, a profissão de jornalista
também enfrentou essas transformações que modificou, se não a essência, mas a forma de
atuação que se consolidou ao longo do século XX.
Na sequência, buscamos fazer um histórico de como a profissão de jornalista surgiu no
Brasil, como atividade praticamente amadora, se constituiu como uma profissão
regulamentada, vista como prestígio social e o recente processo de desregulamentação,
principalmente a partir da década de 1990.

31 Disponível em http://brazil.mom-rsf.org/br/midia/, acesso em 9 de maio de 2019.


58

Capítulo 3 - A construção e regulamentação da profissão de jornalista no Brasil

A profissão de jornalista no Brasil foi constituída inicialmente como ofício exercido de


forma militante, não caracterizando necessariamente uma profissão ou mesmo a principal fonte
de renda. O reconhecimento do jornalista enquanto profissional só começa a ser reivindicado
no Brasil a partir do século XX, embora a atividade, como visto anteriormente, tenha seus
primeiros registros no país desde 1808. No decorrer do século XIX, mesmo com o surgimento
de publicações periódicas, jornais e gazetas, a atividade era exercida por um profissional
completamente diferente do jornalista profissional que surgiria depois.

Por volta da metade até o final do século XIX, algumas pessoas já eram
consideradas jornalistas, mas o ofício de escrever para jornal não era encarado
como uma profissão. Um dos intelectuais que, em 1908, fez parte da fundação
da Associação Brasileira de Imprensa, ABI, avaliava que as características
heterogêneas daquele conjunto de produtores de conteúdo, bem como suas
condições de trabalho e salários nos veículos impressos do início do século
eram sintoma de uma profunda falta de profissionalização dos jornalistas
(LOPES, 2011, p. 61).

Com o desenvolvimento capitalista no país e o consequente crescimento da difusão de


informação, esse ofício foi se constituindo como profissão, até sua regulamentação,
primeiramente na década de 1930, com o surgimento dos sindicatos da categoria e,
posteriormente na década de 1960, durante o período da ditadura militar, com a exigência de
diploma superior específico para o exercício da atividade e consequente proliferação das
faculdades de jornalismo. Nas últimas três décadas o jornalismo vem passando por uma onda
de desregulamentação, inserido no contexto de desregulamentação dos direitos do trabalho no
Brasil, como veremos abaixo.
Os primeiros passos para a regulamentação do jornalismo enquanto profissão no Brasil
data da década de 1930. Fruto da política adotada por Vargas de incentivo a criação de
sindicatos, além dos trabalhadores jornalistas, surgem também os sindicatos patronais de
jornais, revistas e de rádio da Capital paulista.
Antes, em 1909, foi criada Associação Brasileira de Imprensa (ABI), com o objetivo
de se constituir como uma caixa de assistência aos profissionais, no mesmo momento em que
começava a surgir no Brasil diversas organizações operárias, sendo que no ano anterior havia
sido realizado na cidade do Rio de Janeiro o Congresso Operário Brasileiro (COB).
Neste ponto cabe uma breve contextualização.
59

Na década de 1930, uma das políticas do governo Vargas era inserir a crescente classe
trabalhadora urbana nas políticas sociais definidas pelo Estado e ao mesmo tempo a controlar,
com a criação de entidades associativas e através de seu atrelamento político e econômico a
estrutura do Estado (GOMES, 1988). Numa análise dos estudos de Oliveira Viana, um dos
principais formuladores desta política, Gomes (2012) anota que, dentro do projeto de Vargas,
a organização corporativa dos trabalhadores era a melhor forma de garantir a ordem política e
social e manter as condições para o desenvolvimento urbano e industrial que começava a ser
implementado. Isso envolvia um modelo de organização sindical tutelado pelo Estado, que
serviria inclusive de modelo para a organização da sociedade que se pretendia construir.

A base do modelo era a ampliação da participação do povo, organizado em


associações profissionais, que respondiam ao problema da incorporação de
novos atores à esfera pública, o que era inviável segundo as práticas liberais,
parcamente institucionalizadas e incompatíveis com a realidade nacional. Por
essa razão, tais associações precisavam ser estimuladas e reconhecidas
legalmente pelo Estado para exercerem funções efetivas de canalização e
vocalização dos interesses de um determinado grupo social. Tinham que se
transformar em instituições de direito público, atuando por delegação estatal e
ganhando legitimidade política, além de outros recursos de poder. Entre eles e
com destaque, os financeiros, materializados no recolhimento compulsório de
um tipo de imposto que atingiria a todos os trabalhadores, fossem
sindicalizados ou não: o imposto sindical (GOMES, 2012, p. 80-81, itálico no
original).

Não por acaso, conforme observado por Mendes (1999), o Sindicato dos Jornalistas do
Estado de São Paulo nasceu no mesmo ano em que foi criado o Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), pelo governo Vargas, e, no final do mesmo ano, instituído o Estado Novo.
Na mesma década, em 1935, surge a primeira faculdade voltada para a formação de
jornalistas, na então Universidade do Distrito Federal, com formação voltada principalmente
para as Ciências Sociais e Ética (MENDES, 1999).
Com a imposição do Estado Novo a Universidade foi fechada e somente em maio de
1943 foi editado o Decreto Lei 5480 que criou o ensino de comunicação social em nível
superior.

Porém, foi graças a ação da ABI junto ao governo Getulista, que se iniciou na
Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil, a formação
superior para a área. Os primeiros alunos ingressaram na instituição em 1948,
com apoio da multinacional fabricante de cigarros Souza Cruz e contra a
vontade dos empresários de comunicação (MENDES, 1999).

A criação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, em 1937,


acontece no momento em que, por um lado o governo de Getúlio Vargas intensificava o
60

controle sobre a imprensa e, do lado profissional, o jornalismo ainda se configurava como uma
profissão semiamadora, precária e pouco organizada. Além da ABI, com sede no Rio de
Janeiro, a categoria tinha como representantes a Associação Paulista de Jornalistas (APJ) e a
Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo (ACEESP), todas entidades de
caráter assistencial e previdenciária.

Quando o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo nasceu, jornalismo ainda não
era uma profissão na sua essência. Era um “bico”. Jornalista era chamado de
“militante da imprensa” e não precisava ter formação.
Os salários viviam atrasados e eram minguados. Mulher na redação era coisa
raríssima, porque jornalista era sinônimo de boemia e marginalidade. Férias,
aposentadoria, assistência médica nem existiam para os militantes da imprensa.
Como a penúria era grande, os jornalistas acabaram formando algumas
associações para assistência mútua, antecessoras do Sindicato.32

Com a criação do Sindicato e maior organização da categoria, tem início a um processo


de profissionalização e são obtidas algumas conquistas importantes, como o Decreto-lei
910/38, que determinou a jornada de cinco horas, o registro profissional, as férias remuneradas
e a formação das escolas de jornalismo. Porém, o primeiro curso superior de jornalismo em
São Paulo só seria criado em 1947, na Fundação Cásper Líbero, oferecido em associação com
o curso de Filosofia da PUC-SP33.
Na década de 1950 é que a profissionalização começa a se consolidar com uma série de
mudanças nas redações, que passaram a produzir um tipo de jornal que tinha como objetivo ser
atrativo para conquistar um público mais amplo. Houve assim, um rompimento com o modo
anterior de produção de jornais. A característica de veículos voltados mais para valores da
política, do direito e da literatura foi substituído pelo discurso da objetividade, que levou a
maior autonomização do jornalismo e seu modo de se apresentar ao público (LOPES, 2011).
É nessa fase que, pressionado pelo crescimento do rádio e o surgimento da televisão,
que os jornais impressos adotam o modelo norte-americano de produção de reportagens que se
mantém até os dias atuais. É o modelo da pirâmide invertida, ou seja, com o fato principal da
notícia sendo relatado logo no primeiro parágrafo, também chamado de lead34 (condutor do
texto), com prioridade para textos meramente informativos, em detrimento dos opinativos que

32 Texto da Jornalista Evalise Pacheco na Revista Comemorativa do 70º aniversário do Sindicato dos Jornalistas
Profissionais no Estado de São Paulo, publicada em abril de 2007.
33 Revista comemorativa do 70º aniversário do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, p.

35.
34 O lead é uma técnica de redação jornalística que surgiu nos Estados Unidos e que busca resumir toda a

informação no primeiro parágrafo do texto, baseado na seguinte fórmula: Quem? O que? Quando? Onde?
Consequências. A lógica desta fórmula é dar ao leitor a opção de ser informado do básico sem necessariamente
ler o restante do texto caso não tenha tempo ou interesse. Assim, a notícia perde o perfil analítico, procurando, em
tese, ater-se a objetividade factual.
61

caracterizavam a fase anterior. São valorizadas as fotografias, as ilustrações, gráficos e os


textos opinativos passam a ser exclusivos ou dos donos do jornal ou de articulistas com
prestígio em alguma área de interesse para publicação, da política às artes.
Surgida nos Estados Unidos depois da I Guerra Mundial, numa visão funcionalista da
comunicação social, atribuiu-se uma aura de imparcialidade e objetividade aos meios de
comunicação e do próprio jornalismo, que a passa a reivindicar como mero observador dos
fenômenos sociais, apartados do movimento histórico e de seus blocos de classe (GENRO
FILHO, 1987). Assim, assumem simplesmente a função de “instituição” da sociedade
capitalista contemporânea, assim entendida como “paradigma do progresso e da normalidade”.
Neste novo modelo não caberia mais, portanto, o jornalista semiamador, ou romântico.
Assim, a profissionalização e consequente regulamentação passaram a ser a principal
reclamação tanto dos jornalistas como dos proprietários dos jornais.

Nesse cenário, um dos principais valores a contribuir para a autonomia


jornalística em relação à influência político-jurídica-literária foi a norma da
objetividade, primeiramente adotada pelo Diário Carioca e, em seguida, por
outros jornais do Rio de Janeiro. A institucionalização desse ideal em manuais
de redação e em programas de disciplinas no ensino superior acabou fazendo
com que ele fosse intimamente associado à ideia de profissionalismo e de
jornalismo correto. Não obstante tenham enfrentado resistências por parte dos
jornalistas, as regras da objetividade acabaram sendo reproduzidas por
redações de todo o país, incluindo as de rádio e televisão. Elas serviram não
apenas de orientação pragmática do trabalho, mas se tornaram pilares para a
construção de toda uma deontologia (LOPES, 2011, p. 62).

3.1 A luta pela regulamentação e as greves de 1961 (vitoriosa) e de 1979


(derrotada)

O processo de regulamentação também teve episódios importantes de mobilização


através da entidade sindical. Até o início dos anos 1960, apesar da profissionalização, o
trabalho precarizado ainda era característica da profissão.

Em 61, os jornalistas estavam sendo apresentados a uma gradual


profissionalização da atividade. As redações já não pertenciam mais aos
estudantes de outras áreas ou a servidores públicos que achavam no jornalismo
uma forma de complementar a renda. Os jornais, rádios e TV começavam a
vender um produto novo e diferenciado, um jornalismo profissional. Mas os
62

jornalistas ainda viviam uma realidade próxima à ficção, com salários baixos
e irregulares e com uma jornada extenuante.35

Assim, em dezembro de 1961, foi deflagrada uma greve reivindicando reajuste salarial
de 60% e piso salarial, a época no valor de 26 mil cruzeiros, o que equivalia a dois salários
mínimos de São Paulo. O movimento teve grande adesão dos jornalistas e parte dos gráficos.
A paralisação durou cinco dias, com fortes enfrentamentos com a polícia e com os
empregadores, com piquetes para evitar que os jornais circulassem. O movimento saiu
vitorioso com a decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), que deu ganho de causa aos
jornalistas, como reajustes de 45% no salário e estabeleceu o piso de 22 mil cruzeiros a época36.
Quase duas décadas depois, em 1979, período em que ocorriam as grandes
mobilizações sindicais, principalmente na região do ABC paulista, os jornalistas do estado de
São Paulo realizaram um novo movimento paredista, reivindicando 25% de aumento salário e
imunidade contra dispensa para membros de conselhos consultivos e representantes de redação.
A greve foi decretada em um momento em que os jornalistas vinham de uma grande
mobilização em decorrência do assassinato, sob tortura, pela ditadura militar, do jornalista
Vladimir Herzog, em outubro de 1975.

Em 1979, os jornalistas vinham com a moral alta: há dois anos haviam vencido
o regime militar ao fazê-lo reconhecer a autoria da morte de Vladimir Herzog;
conseguiram aprovar a regulamentação da profissão e acompanhavam os
avanços nas greves do ABC, com o novo ordenamento de forças
capital/trabalho nelas embutido. Neste clima, mais de 1,5 mil jornalistas
realizaram a maior sessão de assembleia dos 42 anos de história do Sindicato,
no dia 16 de maio37.

Porém, diferentemente do que ocorreu em 1961, desta vez a greve foi derrotada. A
movimento não contou com a adesão dos gráficos e de outros setores, como radialistas. Com a
profissionalização havia também mudado o perfil dos jornalistas, com novas funções, “cargos
de confiança” e produção de reportagens por agências. O Tribunal Regional do Trabalho
decretou a ilegalidade da greve e os jornalistas voltaram ao trabalho em seguida.
Em depoimento à Revista Comemorativa de 70 anos do Sindicato dos Jornalistas
Profissionais do Estado de São Paulo, o jornalista Juca Kfouri fez o seguinte relato: “Foi um
aprendizado duríssimo, uma derrota muito grande. A gente prometia que não ia ter jornal no
dia seguinte e teve. Eles saíram com 10 ou 15% dos jornalistas trabalhando, mas saíram”. Na

35 de SANTIS Fernando. Sobre Greves, solidariedade e lições antagônicas. In: Revista comemorativa do 70º
aniversário do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, Abril 2007, p. 42.
36 Idem.
37 Ibidem.
63

mesma reportagem, pode-se destacar a seguinte frase: “As empresas haviam aprendido fazer
jornalismo com bem menos jornalistas”38.
Seria um prenúncio da crise a que categoria iria enfrentar nas décadas seguintes? Esta
foi a última grande mobilização dos jornalistas, que nos anos seguintes entrariam em um
período de perdas e precarização, tanto pelas mudanças que começavam a ocorrer no mercado
de trabalho, quanto pelas grandes transformações tecnológicas na área de comunicação e
também pela perda da obrigatoriedade do diploma de curso superior específico para o exercício
profissional - uma questão se arrastou por anos, sendo constantemente contestada e burlada
por vários veículos de comunicação, notadamente a Folha de São Paulo – até decisão do
Supremo Tribunal Federal em 2009, que aboliu o a obrigatoriedade, como veremos adiante.
Portanto, o período narrado acima marca o momento em que os jornalistas se
conformaram enquanto uma profissão regulamentada, que pode ser resumido nos principais
eventos envolvendo sua entidade sindical no estado de São Paulo, conforme resumido Mendes
(1999):

No mesmo ano em que foi criado o DIP, era fundado o Sindicato dos Jornalistas
Profissionais do Estado de São Paulo. O movimento sindical dos jornalistas
paulistas teve três momentos marcantes: em 1961, uma greve conquistou o
primeiro piso salarial da categoria. Em 1975, a morte do jornalista Vladimir
Herzog - pela ditadura militar - provocou indignação geral e diversas
manifestações. Em 1979, outra greve mobilizou grande parte da categoria,
embora não tenha alcançado êxito quanto às reivindicações.39

3.2 – Exigência do diploma e mudança do perfil da categoria

Outro marco importante na regulamentação da profissão aconteceu em 1960, com a


realização do primeiro congresso sobre o ensino superior de jornalismo. Em 1962 o Decreto
1.177/62 determinou a obrigatoriedade do diploma para a concessão do registro profissional e
a instituição do estágio. Porém, como ainda não havia regulamentação, a exigência do diploma
só foi definitivamente estabelecida através do Decreto-lei 972/69, durante a ditadura militar. O
decreto, ao mesmo tempo em que atendia a uma reivindicação dos jornalistas organizados em
sindicatos, abria mercado para a proliferação das faculdades de jornalismo, num momento em
que a censura cerceava gravemente o exercício livre da profissão.

38Idem, ibidem.
39MENDES, R.F. A profissionalização do jornalismo no Brasil. In. Sala de Prensa – web para profisionales de
comunicación ibero-americanos. Disponível em http://saladeprensa.org/art40.htm acesso em 27 de setembro de
2018.
64

Em artigo publicado na Revista Comemorativa dos 70 anos do Sindicato dos Jornalistas


do Estados de São Paulo, o jornalista José Hamilton Ribeiro faz um duro retrato da profissão
antes da regulamentação, observando que até então o recrutamento dos profissionais pelas
empresas de comunicação não tinha um critério estabelecido, o que, em sua opinião, formava
um quadro desfavorável à valorização e qualificação da profissão. Conforme descrito por
Ribeiro, na época da fundação do SJSP, para exercer o ofício de jornalismo o único requisito
necessário era ter mais de 14 anos de idade.

Repórter era recrutado entre “office-boys”, porteiros, vigias, motoristas,


entregadores de jornal – muitos deles analfabetos. Gente que trabalhava por
um prato de comida e que se punha diante da empresa com absoluta
inferioridade psicológica.
Redação era lugar de boêmio, de falso poeta, de desajustados em geral, de
picaretas e aproveitadores sem nada a perder, a tal ponto que um jornal de São
Paulo – a Folha! – escreveu isso num editorial (dia 29/11/37): “É uma
necessidade a Escola de Jornalismo. Há na imprensa, bem sabemos, uma boa
porcentagem dos que realmente têm vocação, mas, ao lado destes, em não
pequeno número, os fracassados em outras profissões, os que procuram fazer
do jornalismo um negócio, ou os que, por vaidade, aspiram ver o nome em letra
de forma”40.

A exigência do diploma, por outro lado, também criou um impasse para os profissionais
que já exerciam a profissão, mas não tinham formação específica. Cabe ressaltar que em 1969
existiam 18 faculdades com curso de jornalismo autorizada pelo MEC, sendo que algumas
ainda não tinham formado as primeiras turmas.
O impasse foi contornado com a criação da figura do provisionado, ou seja, o jornalista
com registro profissional, mas sem formação específica. Essa solução criou uma divisão entre
os jornalistas, uma vez que o artigo 12 do Decreto 972/69 definia que profissionais nesta
situação não poderia exceder o limite de um terço das novas admissões. Outro decreto
dificultou ainda mais o exercício da profissão sem o diploma ao definir que estes profissionais
não poderiam exercer cargos de chefia (LOPES, 2011).
Kucinsky (2005), por outro lado, observa que o exercício da profissão de jornalista,
além da formação profissional, requer sensibilidade e uma certa vocação. Para o autor, o
argumento de que antes do estabelecimento da exigência do diploma o jornalismo era exercido
apenas por boêmios e românticos fica mais no campo imaginário do que com base na realidade.
Assim, a abertura das escola de jornalismo tinha mais a função de preparar profissionais
para as mudanças ocorridas na década anterior, quando as grandes reportagens, a postura mais

40RIBEIRO, José Hamilton. Sindicato, 60 mais 10: 70. In. Revista comemorativa do 70º aniversário do
Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo. Abril, 2007.
65

crítica, irreverente e desafiadora perante as autoridades e ideologia dominante foi perdendo


espaço para as chamadas reportagens objetivas, simples relatos de fatos descontextualizados,
preso a manuais de redação, o que, por sua vez, fez surgir um profissional com maior
capacidade técnica, porém com postura mais blasé diante dos dramas humanos e sociais e sem
tempo e até mesmo sem vocação para buscar grandes histórias (KUCINSKY, 2005).
Dentro desta análise, a proposta da criação de cursos superiores de jornalismo buscava
a formação de profissionais com o objetivo de suplantar a falta de conhecimento diante do um
mundo que exigia saberes cada vez mais especializados.

[...] Mas o resultado dessa experiência, praticamente única no mundo, foi


constrangedor. O saber e a auto-estima dos jornalistas não aumentaram; ao
contrário, caíram ainda mais. E a vocação deixou de ser critério para o ofício
de jornalista. Vocação vem do latim vocare. Designa, mais do que talento, um
chamado interior sobre o qual não se tem controles, uma urgência de fazer algo
(KUCINSKY, 2005, p. 103).

O fato é que, com a exigência do diploma, houve um grande crescimento da oferta de


cursos universitários, o que consequentemente levou ao aumento de profissionais habilitados
para o exercício da profissão.

Em menos de 20 anos, o número de cursos de jornalismo abertos no Brasil


aumentou mais que cinco vezes. Dados do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Inep, contabilizam que o número de
graduados com essa habilitação em 2001, foi de aproximadamente 13 mil; em
2002, 15 mil e em 2003, 18 mil. Estima-se, com isso, que apenas na primeira
década do século XXI, foram despejados quase 180 mil novos bacharéis em
jornalismo no mercado de trabalho (LOPES, 2011, p. 67).

Dados mais recentes, como mostra o Censo da Educação Superior de 2017 aponta a
existência de 273 Instituições de Ensino Superior de Jornalismo sendo 55 públicas e 218
privadas. Segundo o mesmo levantamento, naquele ano foram formados 8.518 alunos41.
Interessante notar que, desde 2009, o diploma de curso superior específico para exercício da
profissão de jornalista deixou de ser exigido, como veremos mais adiante.
Tabela 1 – Instituições de curso superior e número de formados em 2017

41
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Sinopse Estatística da Educação
Superior. Brasília: Inep, 2018. Disponível em < http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-
educacao-superior> Acesso em 26 de março de 2019.
66

2017 Públicas Privadas Total


Número de 55 218 273
instituições
Número de 2022 6496 8518
formados em 2017

Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Sinopse Estatística da
Educação Superior no Brasil. Elaboração própria.

Com a criação das escolas de jornalismo, ocorreram mudanças importantes no perfil do


jornalista. O que antes era um ofício relacionado à boemia e romantismo, exercido
predominantemente por homens, foi substituído por profissionais com formação superior.
Outra mudança importante neste período é que as mulheres passaram a ser maioria na profissão.
Ribeiro (1998), observa que quando o Sindicato dos Jornalistas foi fundado, em 1937,
dos 303 associados não chegavam a 0,5% de mulheres. O quadro começa a mudar na década
de 1970, quando o exercício do jornalismo deixa de ser “coisa de homem”, muito em função
da regulamentação e do acesso à profissão via diploma universitário.

Com os primeiros passos para a regulamentação da profissão e, basicamente,


com as escolas de Jornalismo, a sindicalização feminina passou a aumentar,
ainda que discretamente. Nas décadas, 50 e 60, as mulheres não passavam de
5% da categoria. A partir de 1970, a presença de mulheres jornalistas
sindicalizadas entrou em curva ascendente (RIBEIRO, 1988, p. 134).

Ainda assim, conforme anota Ribeiro, a taxa sindicalização não constitui o melhor
parâmetro para mostrar o crescimento da presença feminina na profissão, dada a baixa taxa de
sindicalização. Conforme o autor, o número de matrículas na faculdade Cásper Líbero, mais
de 70% das vagas, e a existência de maioria de mulheres em postos de chefia em alguns
veículos, em 1998, eram uma sinalização desta mudança no perfil de gênero da categoria.
Conforme dados da pesquisa “Quem é o Jornalista Brasileiro”, realizado em 2012 pelo
Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), em convênio com a FENAJ42, naquele ano a categoria era composta majoritariamente
por mulheres, que representavam 64% do total, enquanto os homens eram 36%.

42
A pesquisa foi coordenada pelo professor Jack Mick, com participação dos pesquisadores Alexandre Bergamo
e Samuel Lima.
68

Na análise de Lopes (2011), ao centrar a discussão dos problemas enfrentados pelos


jornalistas na questão das mudanças na tecnologia, pode-se distorcer a compreensão que a
atividade jornalística vive em constante instabilidade. Conforme aponta a autora, com base no
que preconiza a École des Annales43 – em que processos históricos ocorrem em conexão e não
como uma reunião de acontecimentos ou feitos de personagens históricos isolados - as crises
são consequências de acirramento de conflitos já existentes, que estão latentes em determinado
momento ou contextos sociais e que confrontam modelo suspostamente estável. Assim ocorreu
e ocorre com o jornalismo.
Neste sentido, a reflexão proposta por Lopes sobre a atual crise do jornalismo e que se
relaciona com o exercício da profissão de jornalista deve ser colocada sob os aspectos de quais
setores estão em crise.
As transformações nas relações de trabalho e mudanças no padrão tecnológico que
afetam a forma de produção de notícias com reflexos na atividade dos jornalistas devem ser
compreendidas dentro da lógica das transformações no modo de produção e na dinâmica do
desenvolvimento capitalista, uma vez que o jornalismo, enquanto atividade profissional é fruto
deste desenvolvimento e os meios de comunicação não diferem das demais empresas
capitalistas, ou seja, comercializam uma mercadoria, a informação, e a vendem com objetivo
de obter lucro.
Obviamente, trata-se de uma mercadoria diferente, pois mais do que valor de troca, ela
também se constitui como um instrumento de difusão de valores sociais e econômicos e cumpre
papel fundamental na dominação de um setor social sobre outro. Mais do que um “quarto
poder”, forma um poder em si própria.
Na análise de Lopes (2011), tanto a modelo de produção baseado na “objetividade”
jornalística, quanto a própria instituição do diploma, embora esta última questão fosse uma
reivindicação de parte dos jornalistas, representaram, ao seu tempo, o que pode ser
caracterizado como uma “crise” da profissão, uma vez que exigiam mudanças no que vinha
sendo feito até então.
Outro ponto apontado por Lopes como uma crise para os jornalistas foi o impacto da
chegada dos computadores, em meados da década de 1980, que provocaram profundas
mudanças no ambiente de trabalho, com a substituição das tradicionais máquinas de escrever

43 Fundada em 1929 por Lucien Febvre e Mark Bloch, a École des Annales foi um movimento historiográfico
francês do século XX que tinha como características a utilização em suas análises, de métodos da Ciências Sociais
e da História. Para ver mais sobre o tema: BRAUDEL (2009) e BURKE (1990).
69

que ditavam o ritmo de trabalho e eram praticamente o símbolo das redações de jornal até
então.

A inserção de tais aparatos tecnológicos impactou o universo jornalístico de


diferentes formas, as quais foram percebidas de maneiras variadas pelos
integrantes do grupo dos jornalistas. As empresas, de modo geral, celebraram
as intervenções pelo fato de terem dado um ar mais clean ao local de trabalho,
além de terem acelerado o processo de fechamento das edições e permitido
maior controle sobre o serviço dos funcionários. Já os sindicatos manifestaram
preocupação com o fim de algumas funções, como, por exemplo, as de
copidesque ou de revisor. Os representantes de classe também questionavam
sobre as pressões sofridas pelos jornalistas no processo de adaptação às novas
exigências, ao novo ritmo, ao novo modo de trabalho (LOPES, 2011, p. 63).

Observa-se assim que, tal como ocorreria nos anos seguintes, as mudanças na
tecnologia utilizada no fazer jornalismo causam impactos e geram “crises” no momento em
que são implementadas. Não se pode dizer que isso ocorre apenas no jornalismo. O que de fato
vai causar grandes mudanças no exercício da profissão, além de todo o processo de
informatização e uso de tecnologias que até então estavam no campo da ficção será
desregulamentação da profissão de jornalista, que não pode ser observada apartada das
mudanças gerais nas relações de trabalho que caracterizaram o período. Como bem observa
Lopes:
De fato, os impactos da tecnologia sobre as profissões são fortes, a ponto de
extinguir funções, alterar modus operandi, conferir novo ritmo, criar novas
ansiedades e diminuir outras, motivar formações em novas competências. Elas
movimentam não apenas o campo dos fazeres, mas também o dos saberes e
dos valores. Contudo, é bom que se deixe extremamente claro que não é a
tecnologia sozinha e autonomamente que provoca tais alterações. Ela possui
tanto um caráter de produtor quanto de produto das ações humanas (LOPES,
2011, p. 64).

Na análise de Dantas et al. (2017) a percepção de precarização da profissão é refletida


na realidade vivida pelos profissionais, cada vez mais exigidos para o desenvolvimento de
novas competências, com prazos cada vez menores para execução do trabalho, acúmulo de
trabalho e a constante ameaça de demissão.
As tecnologias digitais possibilitaram a concentração de funções distintas em um único
profissional, que realiza assim mais etapas da produção da matéria jornalística, que produz para
diversos veículos.
Isso permitiu, por um lado a redução de custos e facilitou a coleta de informações, o
que causou uma mutação no profissional. O estereótipo do intrépido repórter de rua é
substituído pelo jornalista que passa a maior parte do tempo sentado em frente ao computador.
Mesmo confinado ao espaço da redação, ou as vezes de sua casa ou escritório próprio, esse
70

profissional passar a exercer uma série do funções, que lhe vale o rótulo de polivalente, o
desejado multimídia capaz de produzir conteúdo para os mais diferentes meios de difusão.
Ocorre que essas novas funções, com habilidades sem as quais, hoje, impossibilitam
qualquer tipo de inserção no mercado de trabalho, não são remuneradas, ou seja, o
multiprofissional continua a receber como um único trabalhador.

A exploração aumentou e agora os jornalistas trabalham em mais de uma


função e recebem o equivalente a apenas uma. Ou seja, há uma sobrecarga de
trabalho sem remuneração extra. Eles se esgotam mais, bem como estão mais
sujeitos ao estresse (DANTAS et al, 2018, p. 40).

Neste contexto, as empresas de comunicação, como estratégia de redução de custos,


além da redução do número de trabalhadores nas redações e as consequentes ondas de
demissões, da transformação do jornalista em profissionais multitarefas, aproveitam-se da
dinâmicas de aceleração da circulação da informação e impõem um ritmo de trabalho
acelerado, sem tempo para a apuração e checagem devida da informação. Há uma padronização
da linguagem, as vezes estabelecidas em manuais de redação que devem ser seguidos, e a
priorização de conteúdos de pouco interesse jornalístico, voltados para pautas comportamentais
e de entretenimento. Assim, em muitos casos, o jornalismo já não faz mais reportagens, mas
sua atividade se resume a produção de “conteúdos”, ou seja, um conceito abstrato que comporta
quase todo tipo de produção (DANTAS et al., 2017).
É neste contexto que novos atores ocuparam um espaço que antes se pensava
exclusividade do jornalismo e dos jornalistas. A tecnologias de informação de comunicação e
a popularização do acesso à internet possibilitaram o surgimento de novos canais e novas
formas de difusão de informações, não necessariamente matérias jornalísticas – como se define
pelos conceitos de objetividade apontados acima, mas informações que despertam o interesse
e atraem grande parcela do público antes cativos do jornalismo convencional.
Surgem assim os blogueiros e influenciadores digitais, que dominam este novo formato
de comunicação de massa e passam a distribuir conteúdo informativo, não necessariamente
jornalístico, uma vez que são meramente baseados em opiniões pessoais, determinadas visões
de sociedade, sem necessariamente ter compromisso com fatos, o que, em alguns casos, leva
ao surgimento do que tem sido chamado de fakenews.
A pressão do tempo determinada pelo fluxo contínuo de informações no meio digital
coloca também um dilema ético aos jornalistas. Não é incomum que, tendo as informações
71

mínimas, primeiro se publica e assim garante um furo44, ou no mínimo não ser superado pela
concorrência. O processo de apuração e checagem fica num segundo plano, o que não raras
vezes ocasionam as barrigas45 que acabam por comprometer a credibilidade.
Assim, conforme descrito por Dantas, a discussão atual sobre crise no jornalismo reflete
as discussões sobre o modelo de negócios, impactos de novas tecnologias e mudanças nas
práticas profissionais. Acrescento ainda a discussão sobre a concentração dos meios em poucos
grupos empresariais/familiares e seu papel determinante na manutenção da agenda política em
defesa de seus próprios interesses, que no momento atual, pode se fundir com o do capital
financeiro e o modelo neoliberal.

Em linhas gerais, a crise do Jornalismo envolve historicamente razões


políticas, econômicas, tecnológicas e culturais. As reiteradas reflexões sobre
tal crise, as quais parecem atualmente acenar com mais pujança, talvez pelas
constantes reconfigurações tecnológicas que ocorrem em ritmo
demasiadamente acelerado, não são algo novo para o Jornalismo. Afinal,
“crise” ou “crises” não surgem instantaneamente, mas são frutos de processos
contextuais, complexos e dinâmicos (DANTAS et al., 2017, p. 41).

A percepção de crise e precarização do jornalismo ganha maior destaque com o fim da


exigência do diploma de curso superior pelo STF em 2009, mas conforme aponta Dantas,
referenciada em Barsotti (2014), a crise do jornalismo pode ser localizada como uma crise de
modernidade, uma vez que, antes mesmo da popularização do acesso à internet a circulação já
vinha diminuindo, a despeito do aumento do número de jornais, a receita publicitária estava
em queda e já havia cortes nas redações em função de novos meios digitais.
Outro ponto analisado por Dantas sobre a crise no jornalismo é a perda do protagonismo
na produção de notícias e narrativa dos acontecimentos. O surgimento de uma nova dinâmica,
onde não existe mais o mero receptor de informação, mas também um potencial “colaborador”
ou produtor, com meios de interagir no conteúdo apresentado pelos jornalistas, não mais
através dos antigos espaços de carta ao leitor, restritos a alguns assinantes e sujeitos ao processo
de edição do jornal, mas agora diretamente, ao mesmo tempo em que se produz a matéria,
podendo emitir comentários ou até mesmo se contrapor ao conteúdo publicado com a inserção
de novas informações não observadas pelo jornalista autor da matéria. Há, portanto, um
aumento do monitoramento da atividade, perda da “aura” exclusiva de testemunha ocular da

44
Termo utilizado no meio jornalístico para designar o ato de um jornalista, ou um veículo de comunicação,
noticiar algo importante com exclusividade, antes dos concorrentes. É comum entre os jornalistas a busca
constante de um furo que lhe garanta prestígio profissional.
45
Barriga ou barrigadas são jargões utilizados no jornalismo para designar uma matéria publicada com grande
destaque, mas que posteriormente se mostra falsa, ou imprecisa.
72

história, como se proclamava a chamada de um famoso boletim informativo radiofônico e


depois televisivo que marcou a história no Brasil entre as décadas de 1940 e 196046.

3.4 - Desregulamentação da profissão e o fim da exigência do diploma em curso


superior
No dia 17 de setembro de 2009 o Supremo Tribunal Federal (STF), por 8 votos
favoráveis e um contrário decidiu pelo fim da exigência do diploma de curso superior para o
exercício do jornalismo. Antes disso, desde 2006 já era permita a emissão de registro
profissional no Ministério do Trabalho a qualquer pessoa que conseguisse comprovar exercício
regular da profissão.
A decisão do STF foi consequência de um recurso impetrado pelo Sindicato das
Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (Sertesp), que contestava uma decisão
proferida pela Tribunal Regional da 3ª Região, que reconhecia a necessidade da exigência do
diploma, corrigindo decisão de primeira instância de uma ação do Ministério Público Federal
que pedia a revogação do Decreto Lei 972/69 sob o argumento que este não era compatível
com a Constituição de 1988 por ferir a liberdade de expressão.
Junto com o fim da exigência do diploma, também foi revogada a Lei de Imprensa, de
1967, com o mesmo argumento de que representava um obstáculo a plena liberdade de
expressão, até porque tratava-se de uma legislação promulgada no período da ditadura militar,
embora ela não tivesse sido revogada pela Constituição de 1988.
Conforme observado por Cavalcanti Filho, em artigo publicado no jornal Folha de São
Paulo, com o fim da Lei de Imprensa, o Brasil passava a ser o único país da ONU a não ter
nenhuma legislação sobre o assunto.

Dos 191 países da ONU, só um não tem Lei de Imprensa. O Brasil. Alguma
coisa está errada nesses números. Claro que sofremos, por tempo demais, com
a pior Lei de Imprensa do planeta. Mas, pior mesmo, é não ter lei nenhuma. Os
jornais dizem que Inglaterra e Estados Unidos também não têm, só que são
realidades diferentes. Não apenas por serem países da common law (com
menos ênfase nas leis e mais ênfase nas decisões), mas, sobretudo, por não
haver lá, sobre o tema, o vazio que agora passamos a ver por aqui47.

46 Trata-se do Repórter Esso, informativo patrocinado pelo multinacional petroleira Exxon, que foi ao ar pela
primeira vez em 28 de agosto de 1941 pela Rádio Nacional e teve sua última edição em 31 de dezembro de 1968,
na Rádio Globo. Fonte: Acervo do jornal O Globo, disponível https://acervo.oglobo.globo.com/em-
destaque/testemunha-ocular-da-historia-reporter-esso-fez-sucesso-no-radio-na-tv-19930939 acesso em 17 de
abril de 2019.
47 CAVALCANTI FILHO, José Paulo. Jornalistas correm riscos sem lei para recorrer. Artigo publicado

originalmente no jornal Folha de São Paulo, edição de 7 de maio de 2009 e reproduzido pelo site Consultor
73

A perda da exigência do diploma e do retrocesso na regulamentação da profissão pode


ser apontado como um fator que abriu espaço para maior precarização da profissão, com a
proliferação de profissionais autônomos, não necessariamente jornalistas por formação, mas
não só.
Com o fim da Lei de Imprensa, junto com o fim da exigência do diploma específico
para o exercício da profissão, houve um revés nas conquistas pela regulamentação da profissão.
Como nenhuma legislação foi criada para substituí-la e nenhum critério foi estabelecido para
o exercício do jornalismo, na prática houve um retorno à situação anterior ao início da
regulamentação, na década de 1930, ou seja, no Brasil, o simples fato de estar apto a ingressar
no mercado de trabalho habilita qualquer pessoa a exercer a profissão de jornalismo, o que
pode ser um dos fatores que contribuiu com a crescente precarização das relações de trabalho
no setor. Tal situação é colocada nos seguintes termos pelo presidente do Sindicato dos
Jornalistas do Estado de São Paulo (SJSP), Paulo Zocchi:

O jornalismo profissional está sendo atingido porque ele foi desregulamentado.


É importante recuperar o diploma, porque hoje em dia a gente tem o registro
profissional da categoria, mas daqui a pouco a gente pode perder. Isso é uma
questão relevante, porque todos os diretos da nossa categoria estão associados
a uma estruturação legal, como o direito ao sigilo de fonte, o direito trabalhista
de jornada reduzida. Então tem uma série de direitos associados ao registro
profissional. Há uma profissão regulamentada que tem um registro, que não
tendo mais o diploma, se expressa no registro. Mas o registro hoje em dia não
tem regra nenhuma. Qualquer pessoa tira o registro. Não precisa nada. Isso
pode ser usado para outras profissões, por exemplo, delegados, policiais,
advogados, ou qualquer profissional que podem solicitar o registro, pode ter
carteira da FENAJ e usar quando lhes for conveniente. Então nossa profissão
está fragilizada por isso48.

Outro ponto apontado por Zocchi é que, diferentemente de outras profissões, como
advogados, engenheiros e médicos, os jornalistas não conseguiram criar um “Conselho dos
Jornalistas” para estabelecer critérios para o exercício da profissão e defender suas
prerrogativas, uma vez que essa proposta sempre é combatida pelos proprietários dos principais
veículos de comunicação como uma afronta à “liberdade de expressão”, e se apropriam desse
discurso para defesa de seus interesses empresarias.

Não conseguimos aprovar uma “ordem” dos jornalistas, depois caiu o diploma.
Se tivéssemos uma ordem dos jornalistas, teríamos uma entidade stricto sensu
profissional, como a OAB, o CRM, e por outro lado teríamos o sindicato. Como
não temos isso, o sindicato é visto em parte como alguém que pode ocupar o

Jurídico. Disponível em https://www.conjur.com.br/2009-mai-07/jornalistas-correm-riscos-lei-imprensa-recorrer


, último acesso em 10 de outubro de 2018.
48 Em entrevista ao autor, realizada em 16 de outubro de 2018.
74

lugar desta entidade profissional. Só que o sindicato não pode ocupar


plenamente este espaço, ele não tem prerrogativa legal para fazer isso.
Entidades profissionais tem certas maneiras de se colocar. Por exemplo, uma
entidade profissional pode entrar num RH de uma empresa e olhar o registro,
pode fiscalizar os contratos. O sindicato não pode. Então ele não tem meios de
fazer valer a defesa de uma profissão neste sentido. Isso é uma coisa que
permitiu uma empresa como a Folha (Folha de São Paulo), por exemplo, burlar
por 20 anos a regulamentação profissional, porque nós não tínhamos nenhum
mecanismo de defesa contra isso.

Da mesma forma, Leal Filho (2018) destaca que a perda da obrigatoriedade do diploma
também representou um duro golpe para formação do jornalista e para a defesa da profissão.
Assim, conforme observado em entrevista ao jornal da Universidade Estadual de Maringá, os
proprietários dos meios de comunicação não só conseguiram o poder de decisão sobre quem
deve e quem não deve exercer a profissão, bem como começam a se a apoderar das escolas de
comunicação como mais um produto e um espaço para adestramento profissional conforme
suas necessidades:

Nós passamos por muitas dificuldades, a mais recente é a decisão equivocada,


a meu ver, do Supremo Tribunal Federal, acabando com a exigência do
diploma de jornalismo. Há uma série de argumentos que garante que o diploma
é fundamental para a qualidade do jornalismo, para a formação do jornalista e
para a defesa da profissão. Esse foi um baque muito forte que nós sofremos, há
várias faculdades que reduziram turmas ou chegaram, até mesmo, a fechar o
curso e, paralelamente a isso, as empresas de comunicação estão contratando
jornalistas sem diploma ao seu bel prazer e, infelizmente, quem decide quem
vai receber na carteira de trabalho a qualificação de jornalista é simplesmente
o proprietário do meio de comunicação e é ele quem diz quem é jornalista ou
não.49

A questão sobre se o fim da obrigatoriedade do diploma precariza o exercício da


profissão ainda é controverso. Como já citado acima, as novas tecnologias possibilitaram a
entrada de novos atores no universo da comunicação, como blogueiros, youtubers e os
chamados influenciadores digitais, que se utilizam da internet como ferramenta de
comunicação direta com determinado público, em alguns casos com grande audiência.
Ainda em 2008, quando o debate sobre o fim do diploma era discutido no STF e essa
era uma pauta que mobilizava as entidades sindicais da categoria, havia alguns
questionamentos sobre se esse era um debate central. Em artigo publicado no site Observatório
da Imprensa, o jornalista Carlos Castilho defendia que a discussão sobre obrigatoriedade do

49 LEAL FILHO, Laurindo Lalo. O diploma é fundamental para a qualidade do jornalismo, para formação do
jornalista e para a defesa da profissão. Entrevista ao jornal da Universidade Estadual de Maringá (UEM),
reproduzida pelo site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo. Disponível em
http://www.sjsp.org.br/noticias/o-diploma-e-fundamental-para-a-qualidade-do-jornalismo-para-a-formacao-do-
jornal-2a13 acesso em 10 de outubro de 2018.
75

diploma não estava em sintonia com a realidade que já se vivia no jornalismo. Para ele, essa
questão estava centrada numa garantia de exclusividade nas redações, em um momento em que
a profissão estava submetida a pressões que colocavam desafios externos ao mercado de
trabalho, como as inovações tecnológicas que colocavam em crise o modelo tradicional dos
negócios da imprensa e a consequente extinção de postos de trabalho. O que Castilho apontava
era que a garantia do diploma não seria suficiente para garantir emprego formal nos meios de
comunicação.

As questões centrais hoje são o desenvolvimento de um novo modelo de


negócios para a imprensa, o novo relacionamento dos jornalistas com o público
e o novo papel das faculdades. São questões que afetam diretamente a
sobrevivência da categoria, mas são também decisivas para toda a sociedade
que, mais do que nunca, depende das informações produzidas pelos jornalistas,
profissionais ou não.50

O que se observa neste trabalho não é a centralidade ou não do diploma como


prerrogativa para o exercício do jornalismo, mas como esta questão está inserida no contexto
geral de precarização do trabalho.
Partindo da observação de Carlos Castilho, é fato que na última década houve uma
avalanche no mercado de trabalho. As demissões em massa, conhecidas na categoria como
“passaralhos”, tornaram-se constantes. Grandes empresas jornalísticas, que até a pouco tempo
pareciam sólidas começaram a demitir em massa, algumas desapareceram. Neste cenário,
aceitar contratos precarizados, frilas, MEI/PJ, tornou-se quase obrigação para se inserir no
mercado de trabalho. O empreendedorismo também é visto como uma alternativa, em muitos
casos também como último recurso, como procuraremos mostrar nas páginas seguintes.

50
CAVALCANTI FILHO. Obrigatoriedade do diploma: um debate fora de foco. Observatório da Imprensa,
publicado em 15/10/2008, disponível em http://observatoriodaimprensa.com.br/codigo-aberto/obrigatoriedade-
de-diploma-um-debate-fora-de-foco/ acesso em 25 de abril de 2019.
76

Capítulo 4 – Mudanças tecnológicas e precarização da condição de trabalho.


Um cenário de dúvidas para os jornalistas

A desregulamentação profissão tem no fim da exigência do diploma específico de curso


superior para seu exercício como uma questão paradigmática, mas esse fato por si não é
suficiente para explicar a precarização. Conforme observaremos nos relatos de jornalistas
entrevistados para este trabalho e a própria experiência deste autor, a efetividade do diploma
com requisito obrigatório como exercício da profissão, desde sua implementação, esteve como
uma questão a ser resolvida, principalmente nos jornais de menor circulação, de cidades do
interior e em emissoras de rádio, onde a presença de profissionais sem formação específica, ou
mesmo o conflito com outras áreas, como os radialistas, acontecia com frequência.
Mesmo grandes jornais, como a Folha de São Paulo, que citamos acima como uma das
entusiastas da criação do diploma na década de 1960, há muito tempo se conformou como uma
das principais opositoras da obrigatoriedade do diploma, muitas vezes burlando essa exigência,
conforme observado pelo presidente do SJSP.
Há também o fato de que, mesmo antes da decisão do STF sobre o fim da exigência do
diploma, muitos profissionais sem formação específica, estimulados pelos meios de
comunicação nos quais trabalhavam conseguiam o registro provisório no Ministério do
Trabalho com a comprovação de que exerciam alguma atividade relacionada ao jornalismo,
como fotografias e textos publicados em algum veículo de comunicação.
Na experiência vivida pelo autor desta dissertação, ainda como estudante de jornalismo
na década de 1990, quando o estágio não era regulamentado, também houve trabalhos de forma
bastante precária como repórter em alguns jornais de cidades da região de Campinas, ainda
sem o diploma e por isso mesmo sem nenhum registro ou garantia profissional. Era o frila-fixo
sendo utilizado como uma forma de inserção no mercado de trabalho de jornalista, algo
bastante comum entre os estudantes de jornalismo naquele período.
Assim, pode-se afirmar que a questão do fim da exigência do diploma aparece mais
como uma consequência do que como uma causa da precarização do jornalismo. As
transformações decorrentes das constantes inovações tecnológicas, a crise no modelo de
financiamento e o aparecimento de novos atores no mercado de comunicação, assim como a
precarização geral do mercado de trabalho, jogam um papel central neste debate.
Castel (2008) coloca o tema do ponto vista da crise do emprego e da crise da sociedade
baseada no salário como meio de subsistência. Neste contexto, o que se apresenta para o mundo
77

do trabalho é o fim dessa relação com contratos definidos e regras gerais definidas aplicadas
em âmbito coletivo. Conforme o autor:

A segmentação dos empregos, do mesmo modo que o irreversível aumento dos


serviços, acarreta uma individualização dos comportamentos no trabalho
completamente distinta das regulações coletivas da organização “fordista”.
Não basta mais trabalhar, é preciso saber vender e se vender. Assim os
indivíduos são levados a definir, eles próprios, sua identidade profissional e
fazer com que seja reconhecida numa interação que mobiliza tanto um capital
pessoal quanto uma competência técnica geral. Essa diluição dos
enquadramentos coletivos e dos pontos de identificação que valem para todos
e não está limitada à relação de trabalho (CASTEL, 2008, p. 601).

Assim, neste capítulo busca-se descrever os impactos das transformações no mundo do


trabalho no jornalismo, apontando alguns elementos que indicam a precarização do trabalho,
com o aumento das demissões na década atual, bem como os impactos causados pelas novas
tecnologias de informação e comunicação, que além das transformações causadas nas redações,
com a redução de postos de trabalho e extinção de algumas funções relacionadas ao jornalismo,
provocaram uma crise no modelo de negócios de muitos veículos e proporcionaram criação de
novos meios e a entrada de novos atores de mercado de comunicação, que passaram a competir
com os jornalistas.

4.1 – Demissões e contratos precários


Dantas et al. (2017) em artigo sobre crise, precarização e mudanças estruturais no
jornalismo, coloca a precarização como um conjunto de fatores e condições que dificultam o
trabalho. No caso do jornalismo, as longas e intensas jornadas de trabalho, acúmulo de funções
e baixos salários, além da constante pressão por causa das demissões tem sido os principais
problemas, conforme tem sido relatado por profissionais e por representantes das entidades
sindicais, como o SJSP e a FENAJ.
A autora cita um estudo de Druck (2011) com o mapeamento dos seis tipos de
precarização do trabalho por ela detectado a partir do contexto brasileiro, sendo:

➢ Vulnerabilidade das formas de inserção e desigualdades sociais;


➢ Intensificação do trabalho e terceirização;
➢ Insegurança e saúde no trabalho;
➢ Perda das identidades individual e coletiva;
➢ Fragilização da organização dos trabalhadores;
➢ Condenação e descarte do Direito do Trabalho.
78

Para Bulhões, destes pontos indicados por Druck, no caso dos jornalistas o que mais
prevalece é a intensificação e a terceirização do trabalho. No mesmo tema, a autora cita Lima
(2015), que aponta que a precarização dos jornalistas pode ser mais fortemente detectada
através da:
➢ Jornada de trabalho excessiva;
➢ Intensidade do trabalho;
➢ Vínculos empregatícios precários;
➢ Baixos salários;
➢ Indícios de multifunção.

Os constantes passaralhos nas redações também são fundamentais para o aumento da


precarização, uma vez que os jornalistas, sob o constante medo do desemprego, acabam
aceitando condições de trabalho com baixos salários, abaixo do piso estabelecido pelo
sindicato, sem formalização e submetendo-se a longas jornadas, sem recebimento de horas
extras, sem descanso semanal e outros direitos, como ocorre principalmente no caso dos frilas-
fixos, contratados para o trabalho diário, porém sem qualquer vínculo formal com o contratante.
A alta rotatividade da mão de obra e demissão sempre foram umas das características
do mercado de trabalho dos jornalistas. Porém, na última década, com a crise de negócio em
vários setores da comunicação e enxugamento das grandes redações, as demissões se tornaram
endêmicas. Conforme mostra Dantas et al. (2017), citando pesquisa do projeto Jornalismo de
Dados, desenvolvida pela plataforma na internet Volt Data Lab51, organizada por Spagnuolo
(2015):

O estudo mostra que, entre 2012 e junho de 2015, pelo menos 1.084 jornalistas
foram demitidos, de um total de 3.568 trabalhadores dispensados em
aproximadamente 50 empresas de comunicação no Brasil. Entre os que mais
demitiram, está a Editora Abril, que em mais de três anos, mandou embora ao
menos 440 pessoas (163 jornalistas), seguida pela grupo Estado e Folha, com
ao menos 65 demissões cada um. Como os dados da pesquisa foram coletados
a partir de notícias publicadas em sítios especializados na divulgação de
informações sobre a imprensa brasileira, Sérgio Spagnuolo (2015) admite que
provavelmente houve bem mais demissões (DANTAS et al., 2017, p. 44).

Os vínculos precários em 2015 representavam 30% dos jornalistas brasileiros nas


modalidades freelancers ou PJ. Portanto, quase um terço dos jornalistas trabalhavam sob o que

51 VOLT DATA LAB é uma agência independente de jornalismo e tecnologia que produz análises, reportagens,
investigações, relatórios, levantamentos e metodologias baseadas em dados, aplicando esse conhecimento para
redações, ONGs, projetos de mídia, empresas de comunicação e terceiro setor no Brasil e no exterior. Fonte:
https://www.voltdata.info/, acesso 26 de abril de 2019.
79

se pode caracterizar como contrato atípico, ou seja, um vínculo instável e precário, não cobertos
pelas garantias da CLT (DANTAS et al., 2017).
Sobre a pejotização, o trabalho de Silva (2014), constata que ela é percebida pelos
profissionais como uma expressão da precarização, assinalada pelo fato que alguns desses
trabalhadores relatarem que foram obrigados por seus empregadores a abrir uma empresa
individual e mudar a forma de contrato, trocando do vínculo celetista para se transformar em
PJ.
Entre os prejuízos mais evidentes nesta modalidade de contratação é que ele deixa de
ser uma relação entre trabalhador e empregado, tornando-se um contrato entre empresas com
prejuízos na cobertura de direitos garantidos pela CLT. Assim, perde-se o direito ao Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), participação em lucros e resultados, pagamentos de
horas-extras, plano de saúde, seguro desemprego, entre outras. Até mesmo o direito às férias
remuneradas fica comprometido, uma vez que o contrato é por trabalho e se não há período
trabalhado, não há remuneração (SILVA, 2014; DANTAS, 2017).
No mesmo sentido, Silva (op.cit.) aponta outras modalidades de contratação que se
tornaram comum no jornalismo, como contratos temporários (ainda que regidos pela CLT),
utilizados por empresas públicas e privadas para preencher vagas sazonais ou suprir escassez
de profissionais em determinados períodos; o autônomo que presta serviços pontuais de
curtíssimo prazo, as vezes sem vínculo e com o fornecimento de recibos como o RPA (Recibo
de Pagamento Autônomo), sem nenhuma garantia trabalhista e o free lancer e o frila-fixo, já
citados neste trabalho, que podem trabalhar sazonalmente ou como funcionários sem qualquer
registro, no último caso.
A modalidade frila-fixo é muito utilizada para contratação de estudantes de jornalismo
ou profissionais em início de carreira e que buscam inserção no mercado de trabalho. Trata-se
de um contrato extremamente precário, onde muitas vezes sequer é reconhecido o vínculo
trabalhista, seja para o recebimento do piso salarial e outras garantias trabalhistas, seja para
fins de recebimento de benefícios previdenciários e contagem de tempo para a aposentadoria.
O próprio termo, frila-fixo, criado pelos jornalistas, embute uma contradição e ao
mesmo tempo uma naturalização da condição precária de trabalho. Se frila é uma corruptela de
free lancer, que pode ser traduzido do inglês como um contrato livre, ao se acrescentar a palavra
fixo a “liberdade” deixa de existir, pois o profissional passa a estar diariamente à disposição do
contratante e das demandas diárias de trabalho, que são cobradas e devem ser cumpridas dentro
do prazo de fechamento do jornal, ou seja, as mesmas atribuições de um trabalhador
formalizado. Com este tipo de contrato irregular as empresas obviamente deixam de recolher
80

qualquer obrigação trabalhista e previdenciária e não se responsabilizam em caso de acidente


de trabalho. Trata-se do que pode ser chamado de precarização total, um trabalho informal.
Na visão do representante da entidade sindical dos jornalistas do estado de São Paulo,
Paulo Zochi, tanto os contratos PJ, como os frilas representam uma precarização, pois em sua
avaliação os jornalistas configuram uma atividade eminentemente de trabalhadores e não de
profissionais liberais e prestadores de serviços. Na entrevista realizada para este trabalho, foi
formulada a seguinte questão ao presidente do SJSP:

Como o Sindicato enxerga o aumento dos contratos PJ? Eles contribuem para
formalização de uma parcela dos jornalistas ou representam mais precarização das relações
de trabalho?

Abaixo a resposta de Paulo Zochi:

O pejotismo sem sombra de dúvida é majoritariamente um fenômeno de precarização


do trabalho, porque jornalistas não são profissionais liberais. Diferentemente de outras
profissões, principalmente médico e advogado, por exemplo, em que o sujeito abre o
consultório ou uma banca e atende avulso o cidadão, o jornalista não atende avulso cidadão
nenhum. O jornalista só trabalha para empresas. Então o pejotismo mascara relações reais
de trabalho.
Então, primeiro: tem o pejotismo que é a fraude aberta. Nesses casos o sindicato
conseguiu nos últimos anos, nas empresas aqui de São Paulo, reverter de maneira parcial.
Mas por causa de uma campanha aberta contra todas as empresas, com denúncias no
Ministério do Trabalho, um negócio que as vezes demora anos para dar algum resultado, mas
que chega uma hora que dá, eventualmente. Conseguimos, em 2013, fazer a editora Abril
contratar 120 filas fixos. Ela tinha uns 200.
O caso do PJ é ainda mais complicado que o do frila, porque ele tem que abrir empresa,
dar nota fiscal, pagar imposto. Muitas empresas, por exemplo, não aceitam notas sequenciais,
o que obriga o jornalista a fraudar o talonário dele, para não dar nota sequencial e ficar
sujeito a sanções legais. Mas ele só trabalha para essa empresa. Seria para dificultar a prova
do vínculo empregatício. Mas esse profissional está na empresa todo dia trabalhando, tá numa
revista semanal toda semana colaborando, numa revista mensal, todo mês colaborando. É
vínculo empregatício.
81

O que acontece é que, num mercado, sobretudo de assessoria de imprensa, as pessoas


começam a captar clientes avulsos, daí o cara trabalha para uma banca de advogados, para
uma empresa de informática, como assessor de imprensa. Aí, eventualmente ele se estabelece
como um PJ, mas ainda assim, se for observar a natureza econômica, na verdade, esse cara
poderia ser empregado de várias empresas em tempo parcial.
Porém, é bobagem achar que mudou a natureza do trabalho de jornalista, porque ele
sempre presta serviço para empresas, dificilmente ele vai ter um cliente pessoa física.

4.2 – Panorama das demissões de jornalistas na década atual

No ano de 2017 foram registradas no Brasil 380 demissões de jornalistas, o que


correspondeu a um salto de 60% em relação à 2016, conforme aponta a série “A Conta dos
Passaralhos”, projeto realizado pelo Volt Data Lab, que mapeia as demissões no setor de
jornalismo desde 2012 (SPAGNUOLO, 2017)52.
Conforme mostra a série, o pico de demissões aconteceu em 2015, com 685
desligamentos registrados, porém o montante de ocorrência de “passaralhos”, ou seja, demissão
em massa em um mesmo veículo, foi o maior desde que iniciou a série.
O levantamento mostra também que quando se inclui nas demissões outras áreas dentro
das empresas de jornalismo, como administração, marketing e gráfica, entre outros (inclusive
os jornalistas), as demissões somaram 1.063 em 2017.
Com relação às demissões por setor, foi detectado aumento nos segmentos de rádio e
televisão, porém os jornais impressos foram os que mais demitiram jornalistas, algo que vem
se repetindo desde 2013.
Em termos gerais, considerando todos os profissionais que atuam no setor, o segmento
de rádio e TV aparece como o que mais demitiu no período, com 6.813 dispensas entre 2012 e
2017, conforme mostram os gráficos abaixo:

52
Ocorrência de “passaralhos” no Brasil alcança maior patamar desde 2012 – total de demissões de jornalistas em
redações chega a 2º maior nível desde 2012, com 380 dispensas. Por Sérgio Spagnuolo, publicado em 19 de
dezembro de 2017, disponível em https://medium.com/volt-data-lab/passaralhos-2017-feced1e5b0d8 acesso em
18 de abril de 2019.
86

Observando os dados da pesquisa Demografia das Empresas e Estatísticas de


Empreendedorismo – 2016 do IBGE, com base na Classificação de Atividades Econômicas
(CNAE), identificamos seis ramos de atividade ligados à comunicação e jornalismo, conforme
tabela abaixo.

Tabela 2:
Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0) [7/109]
J - Informação e comunicação
58 - Edição e edição integrada à impressão
59 - Atividades cinematográficas, produção de vídeos e de programas de televisão;
gravação de som e edição de música
60 - Atividades de rádio e de televisão
61 - Telecomunicações
62 - Atividades dos serviços de tecnologia da informação
63 - Atividades de prestação de serviços de informação
Fonte: IBGE

Os gráficos abaixo mostram os números de empresas abertas em cada ano existente nos
dados disponíveis entre em 31 de dezembro 2010 e 31 de dezembro de 2016 e a quantidade de
empregados assalariados e não assalariados. Embora a classificação seja bastante genérica,
observando-se as classificações 58 a 60, pode-se fazer uma aproximação das empresas que
tenham maior número de jornalistas em seu quadro. Pelo número de assalariados e não
assalariados, pode se observar o crescimento de contratos não assalariados, que pode configurar
o aumento de contratos tanto como MEI ou PJ.
90

No primeiro caso, relatamos o caso do jornal “Correio Popular”, com sede na cidade de
Campinas e circulação regional. Trata-se mais antigo jornal impresso ainda em circulação
diária na cidade, vinculado à empresa Rede Anhanguera de Comunicação, a RAC.
Entre os meses de fevereiro a setembro de 2018 os jornalistas desta empresa realizaram
uma greve de 220 dias, reivindicando o pagamento dos salários, que estavam em constante
atraso. Conforme relato do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo (SJSP), os salários
não eram pagos desde o mês de fevereiro daquele ano. Além disso, a empresa não havia pago
o 13º Salário de 2017, adicional de um terço de férias, não recolhia o Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço e contribuições previdenciárias.57
A greve foi encerrada no dia 21 de setembro, com a aceitação, por parte dos
trabalhadores, da proposta da empresa para quitação dos débitos e reconhecimento da dívida
que incluía o 13º salário de 2017, mais da metade do salário do fevereiro e os salários entre
março e agosto de 2018.58
Em outro caso, a editora Abril, uma das principais empresas de comunicação do país,
havia anunciado estar em processo de recuperação judicial e demitido mais de 800
trabalhadores, sem o pagamento das verbas indenizatórias. Os jornalistas atingidos por essas
demissões divulgaram o seguinte manifesto:

"Abril demite e não paga


Posição oficial dos jornalistas dispensados pela Editora Abril
Na manhã de 6 de agosto, os funcionários da Editora Abril foram surpreendidos
pelo fechamento de revistas do grupo e pela dispensa em massa de jornalistas,
gráficos e administrativos. Nos dias seguintes, os números estavam em torno
de 800 profissionais. Ao todo, 11 títulos foram encerrados. Na vida particular
dos empregados da Abril, as medidas têm sido devastadoras. A empresa
desligou de forma injusta, sem negociação com as entidades de representação
trabalhista e sem prestar esclarecimentos oficiais. Em 15 de agosto, nove dias
após o início das demissões, a Abril entrou com pedido de recuperação judicial
(acatado pela Justiça) incluindo nesse processo todas as verbas rescisórias dos
dispensados e também a multa de 40% sobre o Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço. Ou seja, um dia antes do prazo final para indenizar integralmente
os ex-funcionários, a empresa realizou a manobra, fazendo crer que as duas
ações (demissão em massa e pedido de recuperação judicial) foram
arquitetadas em conjunto, tendo como um dos seus objetivos não pagar os
empregados.
Além disso, suspendeu a prestação de contas (antiga homologação), não
liberou a chave para o saque do FGTS e as guias do seguro-desemprego,

57
Apoie os grevistas da RAC; paralisação completa mais de 200 dias. Disponível em
http://www.sjsp.org.br/noticias/seja-solidario-e-apoie-os-grevistas-do-correio-popular-cb71, acesso em 05 de
setembro de 2018.
58 Flaviana Serafim: Jornalistas conquistam acordo na RAC após sete meses em greve. Disponível em

http://www.sjsp.org.br/noticias/greve-na-rac-jornalistas-conquistam-acordo-9bc3 acesso em 27 de setembro de


2018.
91

deixando os demitidos sem nenhuma cobertura financeira. Quando tentam


contatar o RH, recebem informações contraditórias – portanto, os demitidos
permanecem no escuro.
A Editora Abril há muito vem descumprindo outros compromissos com as
mulheres e os homens que se doaram e participaram bravamente de um esforço
cotidiano para que a empresa se recuperasse da crise pela qual enveredou. Um
exemplo: os profissionais desligados em 2017 e no começo deste ano viram
suas indenizações sendo pagas em parcelas, algo considerado ilegal. Com a
recuperação judicial, eles tiveram as parcelas finais congeladas. Assim,
pessoas que não mantêm vínculo com a empresa há pelo menos sete meses se
encontram listadas como credoras e impedidas de receber o que resta. Foram
também atingidos fotógrafos, colaboradores de texto, revisão e arte, que,
igualmente, não verão o seu dinheiro.
Deixemos clara nossa profunda indignação com o fato de a família proprietária
da Editora Abril – que durante décadas acumulou com a empresa, e com o
nosso trabalho, uma fortuna na casa dos bilhões de reais – tentar agora
preservar seu patrimônio e não querer usar uma pequena parte dele para
cumprir a obrigação legal de nos pagar o que é devido.
Por fim, é preciso considerar o prejuízo cultural da medida. Com o
encerramento dos títulos Cosmopolitan, Elle, Boa Forma, Viagem e Turismo,
Mundo Estranho, Guia do Estudante, Casa Claudia, Arquitetura&Construção,
Minha Casa, Veja Rio e Bebe.com, milhares de leitoras e leitores ficaram
abandonados. Para a democracia brasileira e para a cultura nacional, a drástica
medida representa um enorme empobrecimento. Morrem títulos que, ao longo
de décadas, promoveram a educação, a saúde, a ciência e o entretenimento;
colaboraram para a tomada de consciência sobre problemas da sociedade;
formaram cidadãos e contribuíram para a autonomia e o desenvolvimento
pessoal de todos os que liam e compartilhavam a caudalosa quantidade de
conteúdos produzidos pelas revistas impressas, suas versões digitais ou redes
sociais. Nada foi colocado no lugar desses veículos, abrindo enorme lacuna na
história da comunicação no nosso país.
Parte da crise, sabe-se, é global e impactou a imprensa do mundo inteiro. Outra
parte deve-se ao fato de a Abril ter perdido o contato com a pluralidade de
opiniões e se afastado da diversidade que caracteriza a população brasileira.
Uma gestão sem interesse no editorial sucateou as redações, não soube investir
em produtos digitais e comprometeu a qualidade de suas publicações sob o
pretexto de “cortar custos”. Além disso, deu ouvidos apenas a executivos e
consultorias, sem levar em consideração os profissionais da reportagem e o
público.
Neste momento difícil para toda a nação, com o desemprego se alargando, nós,
jornalistas demitidos, estamos organizados e contando com o apoio do
Sindicado dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP).
Também estamos unidos às demais categorias – gráficos e funcionários
administrativos. É uma demonstração de tenacidade na defesa da integralidade
dos nossos direitos e um sinal de prontidão para enfrentar as necessárias lutas
que virão. Não pedimos nada além do que o nosso trabalho, por lei, garantiu.
São Paulo, 20 de agosto de 2018
Comitê dos Jornalistas Demitidos da Abril"59

59Abril demite e não paga. Disponível em http://www.sjsp.org.br/noticias/abril-demite-e-nao-paga-9534, acesso


em 5 de setembro de 2018.
92

Ainda no que se refere ao caso das demissões na editora Abril, no dia 25 de setembro
de 2018, a Justiça do Trabalho, em sentença do juiz Eduardo José Matiota, da 61ª Vara do
Trabalho de São Paulo, anulou as demissões realizadas pela empresa desde dezembro de 2017
e determinou a imediata reintegração dos demitidos, com o entendimento de que a empresa não
havia feito qualquer negociação com o sindicato da categoria antes de promover a demissão
em massa de funcionários60, mas a medida não foi cumprida. A empresa foi vendida pelos
proprietários, a família Civita, para um grupo empresarial e a editora entrou em recuperação
judicial61.
Em março de 2019, o jornal Folha de São Paulo realizou uma demissão coletiva
(passaralho) de 15 jornalistas, sem qualquer tipo de negociação com a entidade sindical da
categoria. O presidente do Sindicato, Paulo Zocchi declarou, em entrevista ao jornal do SJSP
que as demissões, além da questão trabalhista, têm levado à uma perda na qualidade das
publicações, uma vez que as vagas não são repostas e há uma sobrecarga de trabalho para quem
fica, precarizando ainda mais as condições de trabalho:

Há um aspecto grave nos cortes de vagas em redações que é prejuízo às


condições de se fazer jornalismo. As demissões afetam duramente a capacidade
de apuração jornalística, além do que, para os profissionais, ampliam a carga
de trabalho, reforçam as condições de assédio moral e disseminam o estresse e
as doenças associadas à piora das condições de vida e trabalho62

Os casos acima citados envolvem, além dos aspectos econômicos que levaram as
referidas empresas à crise financeira, um profundo desrespeito aos profissionais, com a
negação de direitos básicos, como salários e direitos trabalhistas na rescisão do contrato dos
demitidos.
Da nota publicada pelo dos trabalhadores da editora Abril, observa-se, além da
indignação e perplexidade com as demissões, que os motivos que levaram a esta situação vão
além de questões econômicas, e refletem a perda de contato dos proprietários com a realidade
enfrentada pela maioria da população brasileira e a pluralidade existente na sociedade.

60 Justiça anula demissões na Editora Abril. Disponível em http://www.sjsp.org.br/noticias/justica-anula-


demissoes-da-editora-abril-f47b acesso em 27 de setembro de 2018.
61 Conforme cobertura do SJSP sobre as demissões na Editora Abril, disponível em
http://sjsp.org.br/noticias/saiba-tudo-sobre-as-demissoes-em-massa-e-o-calote-da-abril-ffbc, acesso em 09 de
maio de 2019.
62 Entrevista à Flavia Serafim. Sindicato dos jornalistas protesta contra demissões na Folha de S.Paulo. publicado

em 25 de março de 2019. Disponível em https://sp.cut.org.br/noticias/sindicato-dos-jornalistas-protesta-contra-


demissoes-na-folha-de-s-paulo-9279 acesso em 06 de maio de 2019.
93

4.4 – Precarização do trabalho e as impacto das novas tecnologias na trajetória


profissional

O processo de precarização e desmonte que a categoria vem enfrentando nos últimos


anos foi também o tema principal na abertura do 15º Congresso Estadual dos Jornalistas do
Estado de São Paulo, realizado entre os dias 4 e 6 de agosto de 2017. Na abertura do evento, o
presidente do Sindicato dos Jornalistas, Paulo Zocchi, fez a seguinte observação: “Somos uma
das categorias mais precarizadas, sendo que a pejotização tem se tornado epidêmica. Com a
reforma trabalhista as dificuldades devem aumentar, com aumento da perseguição aos
jornalistas e aumento da violência e precarização”63.
Outro ponto observado é que o avanço da tecnologia da informação nas últimas décadas
provocou profundas mudanças no mercado de trabalho dos jornalistas. Grande parte da
categoria hoje está fora das redações, inclusive trabalhando em blogs e mídias independentes.
Conforme aponta Fígaro (2013):

A reestruturação produtiva ocorrida no mundo do trabalho, principalmente a


partir dos anos 1990, transformou as relações de trabalho. Foi a partir dessa
década que aumentou o número de jornalistas contratados sem registro em
carteira profissional, abrindo caminho para novas formas de contratação, como
a terceirização, contratos de trabalho por tempo determinado, contrato pessoa
jurídica (PJ), cooperados, freelancers entre outros. São jovens, não
sindicalizados, que mantém vínculos precários, trabalham entre oito e dez
horas por dia em ritmo acelerado. O fato da maioria dos freelancers receberem
pagamento a partir de nota fiscal fornecida por um terceiro e trabalharem no
setor de revistas e Internet dá indicações claras de onde estão os problemas
contratuais (2013, p. 45).

As significativas mudanças nas últimas décadas devido à introdução de novas


tecnologias e ao redesenho da organização produtiva no mundo trabalho, associadas às
mudanças na forma de acumulação capitalista, do modelo fordista para o modelo flexível,
impactou os jornalistas principalmente a partir da década de 1990. Isso se observa por meio da
flexibilização crescente dos contratos de trabalho e das condições de uso e remuneração da
força de trabalho.
O aumento da terceirização, contratos por tempo determinado e contratos de pessoa
jurídica (PJ), cooperados e freelancer transferiu aos trabalhadores os riscos e as incertezas do
mercado. Assim, “flexibilidade, inovação, criatividade, capacidade de formação permanente e
empreendedorismo são termos que se ajustam a toda uma gramática incorporada no mercado

63
O 15º Congresso Estadual dos Jornalistas foi realizado na sede do SJSP, na cidade de São Paulo, entre os dias
4 e 6 de agosto de 2017. O autor participou do evento como delegado.
94

de trabalho e que também impactam o mundo do jornalista” (OLIVEIRA & GROHMANN,


2015, p. 124).
Para um retrato da atual situação, foram ouvidos nove profissionais que atuam na área
desde a década de 1990, com trajetórias diversificadas e que vivenciaram essas transformações
em suas carreiras. Também buscou-se ouvir o depoimento do representante sindical da
categoria, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, com objetivo de
obter um retrato de como estas questões têm sido enfrentadas e quais a perspectivas futuras
para o jornalismo profissional.64
A seleção dos entrevistados foi baseada na vivência deste autor como colega de
profissão, também jornalista, e que compartilhou muitos dos momentos e experiência
profissional relatados pelos entrevistados.
Primeiramente foi solicitado aos entrevistados que descrevessem sua trajetória na
profissão. O objetivo dessa questão foi extrair das falas, através das diferentes trajetórias
profissionais, como o trabalho no jornalismo se transformou no período de início da carreira
destes entrevistados, em geral na década de 1990, e como isso modificou a forma de atuação e
sobrevivência na profissão. Assim, na seleção dos entrevistados também foi levado em
consideração o recorte proposto nesta dissertação, que é verificar os impactos das mudanças
nas relações de trabalho junto com o surgimento acelerado de novas tecnologias e as mudanças
nas relações de trabalho que ocorreram no período.

As respostas são transcritas abaixo, por ordem cronológica das entrevistas:

Michele Costa, jornalista, 25 anos de profissão65:


Comecei na carreira no segundo ano de faculdade, em 1994. Desde então estou na
categoria, com alguns períodos sem trabalho. Basicamente trabalhei em jornais da região de
Campinas. Comecei em jornais pequenos, em cidades próximas a Campinas, que na época,

64 Optou-se por entrevistar jornalistas que já exerciam profissão na década de 1990 e vivenciaram as
transformações ocorridas no jornalismo desde então. As entrevistas, baseadas em um roteiro prévio, foram
realizadas pessoalmente e gravadas, com exceção da jornalista Nice Bulhões, que respondeu por email e do
jornalista Mauricio Somionato, via WhatsApp. Além das questões formuladas no roteiro, outras perguntas
surgiram conforme as respostas obtidas e não foram necessariamente feitas da mesma forma a todos os
entrevistados. Os depoimentos serão utilizados em outros tópicos desta dissertação. A seleção dos entrevistados
foi feita com base nos contatos profissionais deste autor, com conhecimento prévio da trajetória dos entrevistados.
Por uma questão de logística optou por concentrar em profissionais que atuam na cidade de Campinas, a exceção
do presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo.
65 Em entrevista ao autor, realizada em Campinas, no dia 23 de janeiro de 2019.
95

era que aceitavam os estudantes, pois na época não havia nenhum tipo de intermediação do
sindicato em relação a estágio.
Foi uma opção que fiz na época, porque, realmente trabalhar com jornalismo era
minha escolha de vida. Na época até deixei um trabalho bom que eu tinha, como gerente do
Mcdonalds, para começar a trabalhar na área, ganhando um pouco menos até, aliás, bem
menos, para trabalhar como repórter nessas cidades do interior, de uma forma, naturalmente,
precária. Se a profissão já era um pouco precária na época, trabalhando assim, sem nenhum
apoio, nenhuma regulamentação, como estagiário, era mais ainda né?
Assim foi até o último ano de faculdade, quando tive a primeira contratação como
repórter mesmo em carteira, que foi no jornal Todo Dia, em Americana. Antes mesmo de ser
formada. Estava no meio do último ano. Depois vim para o Diário Popular de São Paulo, na
regional aqui em Campinas, que fazia uns seis meses que tinha aberto. Na época foi bem legal.
Foi uma coisa bem interessante para minha carreira, porque tinha profissionais bem
experientes e qualificados ali. Por esse lado pude aprender, aprender com eles e tal.
Depois do Diário Popular66 eu voltei ao Todo Dia67 depois no O Liberal68 trabalhei
três anos, no começo dos anos 2000.
Então, basicamente, fui de repórter de redação para assessoria de imprensa, tanto na
área empresarial, quanto política. Fiz uma pós-graduação em assessoria de imprensa e foi um
segmento que foi bom para mim, foi um bom período da minha vida, porque remunera melhor
e não tem esse problema de longas jornadas, não tem tanto aquele stress de redação. Tem
stress também, claro, o cliente, o assessorado dá muito trabalho, mas não é igual ao de
redação.
Fiz assessoria para muitos segmentos já, variados mesmo, e já estava começando em
assessoria política, mas em palestra a alunos da PUC, disse que talvez fosse mais interessante
a assessoria empresarial , porque o empresarial tem uma relação com você separada, você
não tem essa ligação que a política as vezes te coloca, essa relação até sentimental com o
trabalho, de identificação. O cliente empresário não tem isso, ele trata você, no caso de uma
contratação sem vínculo empregatício, ele te trata como outro empresário. Trata você como
um profissional liberal, com respeito, com valores razoavelmente justos. Então, a assessoria
de imprensa empresarial é mais interessante neste ponto de vista.

66
Jornal que circulou em São Paulo até o início dos anos 2000 e que posteriormente foi comprado pelo grupo
Folha de São Paulo e passou a se chamar “Agora”. Entre o final da década de 1990 e início dos anos 2000 este
jornal manteve uma sucursal em Campinas.
67
Jornal diário de circulação na Região Metropolitana de Campinas, com sede na cidade de Americana.
68
Jornal diário com sede na cidade de Americana.
96

Então foi isso, redação, assessoria de imprensa em vários segmentos, e agora comecei
uma coisa totalmente diferente. Foi uma fase da minha vida que pensei em fazer alguma coisa
que fosse mais tranquila, que me dê mais prazer do que desgaste. Porque o jornalismo, mesmo
na assessoria de imprensa, de certa maneira, é um desgaste emocional muito grande. Então
esse foi um segmento que eu vi que poderia conciliar alguma coisa, uma área que está me
interessando naquele momento, com algo que pudesse me fazer bem, que não fosse me deixar
doente, que é uma consequência direta do nosso trabalho. Essa coisa do adoecimento.
Ninguém dá muita bola para isso, mas é uma coisa muito séria.
Quando comecei no jornalismo, jamais me via escrevendo, contado histórias de
viagens, histórias de pessoas, de realizações, como eu estou contando hoje. Histórias que eu
imaginava que não tinham impacto direto na sociedade. Então era muito mais emocionante
naquela ocasião e por um bom tempo da minha vida, lidar com coisas mais fortes, mais
imediatistas. Como repórter da área política sempre esteve muito presente e que eu realmente
gostava muito disso. Gosto ainda, mas não tenho mais saúde para isso. Então procurei fazer
algo que me desse um pouco mais de tranquilidade e qualidade de vida mesmo.

Mário Camargo, 27 anos de profissão69:


Iniciei com comunicação com 15 anos, meio que de brincadeira, com o rádio. Depois,
a coisa ficou mais séria a partir de 1989/ 1990, quando comecei a fazer faculdade, depois em
1992 iniciei em redação mesmo e aí não parei mais.
Eu comecei no rádio, num programa de rádio que não era só jornalismo. A minha
primeira redação mesmo, foi no jornal O Diário, de Piracicaba. Eu fiz jornalismo na Unimep
e lá em Piracicaba eu comecei em jornal diário. Fui repórter de polícia, a gente sempre
começa cobrindo polícia, bucha né, depois fui cobrir um pouco mais a área política, que era
mais a minha verve. A coisa do social e da política sempre esteve mais próximo de mim.
Logo em 1993 eu vim para Campinas, eu fiz meu TCC sobre comunicação sindical,
sobre o Sindicato dos Bancários de São Paulo e aí já tinha interesse para a comunicação dos
trabalhadores, obviamente. Eu fui trabalhar no Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp,
onde fiquei por oito anos. Nesse interim também prestei assessoria para outros sindicatos e
também trabalhei em rádio de novo, na rádio Bandeirantes aqui, que na época era rádio
Educadora. Depois me enveredei para comunicação sindical e também comecei a fazer
assessoria de comunicação e de imprensa para candidatos e então acabei fazendo a assessoria

69 Entrevista ao autor, realizada no dia 13 de fevereiro de 2019.


97

de imprensa do então candidato à prefeito, o Toninho. Tinha feito já para deputados, para
vereador, para candidato a prefeito em Votorantim em 1996 e em 2000, fiz a assessoria do
Toninho. A gente ganhou a eleição, e ele me chamou para trabalhar na assessoria da
prefeitura de Campinas. A gente fez um trabalho bem legal de reestruturar a comunicação,
que estava toda detonada. Quando eu cheguei tinha um rapaz que só passava fax para a
imprensa. Então você imagina uma prefeitura de uma cidade com o porte de Campinas, um
polo de tecnologia e a prefeitura mandando release por fax, com um profissional só para isso.
Então a gente fez aquela experiência, trabalhamos em cima de um plano de comunicação.
Depois eu saí da prefeitura de Campinas e fui para Maringá fazer a mesma coisa,
coordenar a comunicação lá, montar a estrutura que também estava desestruturada, fiz um
trabalho bem legal. Também dei aula na universidade para curso de jornalismo lá no Paraná
no tempo que fiquei lá. Nesse interim também fiz um curso de especialização em comunicação
popular comunitária, que realmente era minha praia, conversar com um público que não tem
muito costume de ler e ter pouco acesso à informação e depois em 2006, eu fui para o Rio de
Janeiro, trabalhar na comunicação da Petrobrás, especificamente na subsidiaria Transpetro,
também para iniciar um projeto de comunicação. Então eu fiquei meio que especializado em
montar projetos de comunicação. Campinas acho que foi o mais desafiador, tanto pela minha
inexperiência, quanto pelo desafio mesmo de pegar uma coisa desmontada. Depois eu fiz a
mesma coisa em Maringá e num departamento da Transpetro montando comunicação. Depois
disso eu fui fazer gestão de crise e também fiquei especializado em gestão de crise, porque
prefeitura tem crise toda hora, e fui fazer parte da equipe da gestão de crise na Petrobrás na
época da primeira CPI, em 2009 e a gente criou lá o blog Fatos & Dados que deu uma
repercussão danada, onde a gente desmascarava um pouco a relação da imprensa com a
companhia. A gente publicava as respostas da Petrobrás num blog e comentava e comparava
com o que era publicado no O Globo, na Folha, na Veja. O Globo principalmente tinha um
embate muito forte com a gente lá. Isso teve uma repercussão enorme. Foi a primeira vez que
uma empresa brasileira fez aquele tipo de comunicação, tentando mostrar transparência. A
gente chegou a cobrir oito horas ao vivo da CPI da própria Petrobrás pelo canal da Petrobrás,
algo inimaginável até aquela época.
Depois voltei para São Paulo e fui trabalhar, também para montar um projeto de
comunicação numa indústria farmacêutica. Aí eu mudei. Estava numa empresa estatal e fui
para a iniciativa privada. Fiquei lá por dois anos e meio e estruturei o departamento de
comunicação, depois voltei a Piracicaba onde comecei minha carreira, por questões
familiares. Assessorei um vereador e depois voltei a Campinas, para assessorar outro
98

vereador. É uma trajetória de muitas cidades, alguns estados e bastante eclética. Um pouco
de redação, um pouco de rádio, mas muito na área de assessoria de comunicação.

Cláudio Liza Jr, 22 anos de profissão70:


Comecei antes de me formar, num contrato que não era de jornalista, mas eu exercia
a função de jornalista no Tribuna de Indaiá (Indaiatuba), jornal impresso, que já acabou
inclusive, foi extinto no ano passado.
Sempre estive ligado ao jornalismo impresso, sou da época pré-internet, quando eu
entrei no jornal não tinha, pelo menos na Tribuna de Indaiá não tinha, depois o fui para o
Todo Dia (Americana), no ano 2000, tinha um terminal, um micro com internet, que a gente
podia consultar alguma coisa. Assim, eu sou da época da checagem por telefone, presencial,
muito telefone, pegar carro e ir para a rua. A internet começou neste período aí e logo depois
a gente já começou a ter o problema com o tal “Ctrl C, Crtl V”, lá para os anos 2001/ 2002,
mas não era tanto quanto era hoje.
O jornal impresso era o que mais tinha entrada, era o que mais se lia. Já se falava da
crise do jornalismo impresso, mas os sites não tinham a mesma abrangência, a mesma entrada
com o leitor que tem hoje, que é muito maior que o jornal.
No Tribuna de Indaiá, como repórter eu só fui ser registrado depois de dois anos e aí
logo depois eu já saí. Depois de formado eu fui registrado, mas não por ter sido formado, foi
por ter passado um tempo lá e o pessoal do sindicato ter brigado por mim.
Depois eu fui para o Todo Dia, dez meses, depois Folha de São Paulo, regional
Campinas, quando eles ainda postavam aqui, tinha uma regional, era forte, tinha sete
jornalistas lá. Em 2003 foi o ano que a Folha fechou Campinas, mas eu saí um pouco antes.
Eu fui para o jornal de Piracicaba, do jornal de Piracicaba a gente foi montar o projeto
do jornal “Bom Dia”, em Jundiaí, mas eram vários Bom Dia, - Jundiaí, Sorocaba, Rio Preto
e Bauru. A ideia era um jornal com diferencial, com notícias rápidas e já era para competir
com a internet. Isso em 2005. Também era tabloide, berlinde na verdade, um pouquinho maior
que tabloide. Foi um projeto que era do Matinas Suzuki, o J. Hávila, também acabou ao longo
do tempo sendo enterrado. Se juntou ao grupo Diário de São Paulo e sumiu.
Do Bom Dia eu fui para o Agora São Paulo, em 2008, mais ou menos, para fazer
edição, Brasil, Mundo e depois Cidades, subeditor de Cidades, e depois fui para o Correio
Popular, onde fiquei oito anos, até a crise descambar numa greve e nessa greve eu acabei

70 Entrevista ao autor, realizada em Campinas, no dia 13 de fevereiro de 2019


99

saindo de lá. Uma crise braba, que deixou a gente dois anos com o salário atrasado. Saí de lá
em outubro do ano passado (2018) num acordo judicial depois da greve. Então, eu só fiz
jornalismo impresso na verdade.

Maurício Simionato, 27 anos de profissão71:


Em 1992 entrei na faculdade, PUC-Campinas e costumo dizer que comecei em 1993,
porque considero os estágios que eu fiz, também todos na área. Comecei como estagiário na
extinta redação do jornal O Estado de São Paulo aqui em Campinas, foi bem legal. A redação
já estava em fase final, mas ainda com máquina de escrever. A gente fazia umas notinhas. Eu
fazia checagem, rádio escuta, ligava para as polícias. Fazia o trabalho de rádio escuta mesmo
e passava para os jornalistas o que acontecia, as vezes fazia algumas notinhas e escrevia na
máquina de escrever e passava por fax para a redação em São Paulo.
Depois consegui um estágio na comunicação interna da Mercedes-Benz, em Campinas.
Ainda tinha uma fábrica grande, com 6 mil funcionários, fabricava ônibus e caminhões e
trabalhei dois anos como estagiário, na comunicação interna da Mercedes. Depois deste
estágio eu consegui ir trabalhar no Diário do Povo, em 1996. Aí eu entrei na sessão Disque
Diário, trabalhei ali um ano, mais ou menos, foi um grande aprendizado.
Depois de 1996 acabou esse Disque Diário e eu fui trabalhar no jornal Todo Dia, que
estava nascendo, em 1997, então eu entrei naquela primeira turma de repórteres do Todo Dia,
uma redação bem agitada, muito legal trabalhar, acho que foi uma grande escola. Ali cheguei
escrever dez matérias num dia, enfim, um aprendizado para a vida mesmo de repórter. Cobri
áreas de polícia, cidade, política, esportes; aprendi a trabalhar com redação e produzir com
agilidade e precisão, o máximo possível.
Depois já no final, depois de um ano fui para a Folha Campinas e aí foi uma longa
história. Depois trabalhei como chefe de reportagem já em 2000. Foi aí que abriu uma vaga
da Folha para ser correspondente em Belém do Pará, e aí eu disputei essa vaga e consegui.
Fui para Belém em 2001 e ai eu fiquei lá como correspondente da Folha de São Paulo cobrindo
a Amazônia praticamente até 2004, quase três anos, cobri casos como o julgamento de
Eldorado dos Carajás, esquema Sudam, cobri bastante coisa do Jader Barbalho, cobri muita
coisa de conflito de terra, conheci irmã Dorothy e depois tive a infelicidade de cobrir a morte
dela, enfim, teve fatos, cicatrizes também, porque foi uma cobertura muito duro que eu tive ali
na Amazônia.

71Entrevista ao autor, realizada em Campinas, no dia 28 de fevereiro de 2019


100

Depois em 2004 fechou a agência Folha em Belém, fui dispensado pela Folha, voltei
para Campinas e começou aquela crise ali, acho que em 2004, quando a Folha começou a
fechar várias sucursais, várias agências, vários correspondentes foram demitidos e eu fui
nessa leva. Voltei para Campinas e me chamaram para fazer um frila de novo na Folha
Campinas. Então fiquei até ser contratado de novo pela Folha, seis meses depois de demitido
eu fui contratado de novo, como repórter em Campinas e aí eu fiquei até o final de 2004 que
foi quando fechou de vez a Folha Campinas e aí, para minha surpresa, a Folha demitiu todo
mundo e optou por me deixar. Aí virou agência Folha e eu virei correspondente da Folha em
Campinas.
Nesse meio tempo, nesses seis meses que eu fiquei fora da Folha, eu fiz alguns frilas e
entre eles eu fiz um Frila bem legal no jornal O Globo em São Paulo e aí fiquei lá cobrindo
férias, foi uma experiência bacana também de ter trabalhado no jornal O Globo, e aí, voltei
para Folha, como disse antes, fiquei como correspondente por sete anos aqui, trabalhando
sozinho no escritório. Tudo CLT, até 2011.
Em 2011 fechou a Folha Campinas, eu fui demitido, depois de sete anos e aí acabou
essa longa jornada com a Folha, que se for somar dá quase treze anos. Daí o Uol me contratou,
eu fiquei como correspondente aqui e cobri o impeachment do Dr. Hélio, toda aquela crise de
troca de prefeitos, do Demétrio, depois do Pedro Serafim, enfim, cobri todo esse imbróglio
pelo Uol. Fiquei um ano, até que um amigo me chamou para um projeto bem legal que foi a
implantação do jornal Destak em Campinas. Aí eu deixei o Uol e fui trabalhar na implantação
do jornal Destak, fiquei um ano ali como editor.
Em seguida, aí eu comecei já como PJ. Montei uma empresa e no Destak foi onde eu
comecei como PJ. No Destak em 2012 eu abri uma empresa, eu e um amigo somos sócios de
uma empresa de comunicação, e começamos receber por nota da empresa Destak, então, como
era PJ, eu consegui uma licença, tive uma proposta para fazer a campanha do Márcio
Pochmann para prefeito, e aí para chefiar a campanha e tudo, na assessoria de imprensa. Foi
uma proposta bem legal, e eu aceitei. Então pedi licença do Destak por quatro meses, fiz a
campanha, fomos para o segundo turno, foi uma campanha muito legal. Depois destes quatro
meses eu voltei da licença, para o Destak, trabalhei mais quatro meses e aí tive eu tive esse
convite para trabalhar no Aeroporto de Viracopos, em 2012, dezembro, onde estou até hoje.
Comecei como PJ, tinha uma agência de comunicação que tinha ganho a conta aqui
do aeroporto na época da concessão, e aí essa agência de comunicação que me contratou para
ser o coordenador da assessoria de imprensa do aeroporto. E aí eu fiquei até 2017 na agência,
acabou o contrato da agência em 2017 e o aeroporto me contratou, hoje eu estou como CLT,
101

há um ano, como CLT de novo. Minha agência de comunicação continua aberta, mas hoje eu
estou como CLT.
Resumindo, passei pelo estágio no começo, depois CLT, depois passei uma fase de free
lance pelo Uol, depois passei para a fase PJ no Destak, e voltei para o CLT, então passei por
todos esses estágios. Incrivelmente, no momento mais difícil eu voltei para o CLT, que
atualmente é mais difícil para nossa profissão.

Alayr Ruiz 72 – 32 anos de profissão:


Meu primeiro emprego no jornalismo foi em 1987, na Lótus propaganda, de Campinas,
uma agência de publicidade que não existe mais, mas na época eles tinham um departamento
de assessoria de imprensa, e eu fui trabalhar como assistente de assessoria de imprensa. Em
1989, eu fui trabalhar no Correio Popular, trabalhei no Correio Popular de repórter de
cidades, depois repórter de cultura, saí em novembro de 1992 e aí eu fui trabalhar no extinto
Diário do Povo. Aí houve aquela reviravolta toda, o Correio comprou o Diário do Povo e em
2000 eu fui enviada de volta para trabalhar no Correio Popular e fiquei lá entre editoria de
cultura, editando capa, fiz editoria de economia por um tempo, plantão em esportes, um pouco
de tudo até agosto de 2015, quando eu fui demitida depois de tanto anos de casa.
Hoje, eu criei um site e também estou trabalhando na parte de comunicação numa
ONG com o pessoal do Instituto Anelo, eu comecei como voluntária, mas eles resolveram que
iriam me pagar. Não é um piso salarial de jornalista, mas lá todo mundo ganha igual, todo
mundo ganha R$30,00 por hora trabalhada.

Nice Bulhões, 24 anos de profissão73:


Estou no jornalismo desde 1995. Comecei no extinto Diário Serra, jornal do Mato
Grosso do Sul. Fiquei dois meses na assessoria de imprensa do governo do Estado do Mato
Grosso do Sul. Depois, em 1998, mudei para Campinas e trabalhei no Todo Dia, de Americana.
Em 2000, fui contratada pelo Diário do Povo. Com a compra do Diário pelo jornal Correio
Popular, fui transferida para a Agência Anhanguera de Notícias. Nos jornais, passei por quase
todas as editorias. Hoje estou na assessoria de imprensa do Sinergia CUT (Sindicato dos
Eletricitários do Estado de São Paulo).

72 Entrevista ao autor, realizada no dia 20 de março de 2019


73 Entrevista ao autor, respondida por email, no dia 18 de março de 2019
102

Sara Silva, 29 anos de profissão74:


Eu entrei no primeiro jornal em 1990, como fotógrafa e entrei na faculdade em 1992.
No primeiro ano saí da fotografia e fui para redação. Já comecei a trabalhar como repórter
no meu primeiro ano de faculdade. Era uma época que não existia, por exemplo, estágio. Eu
já fui direto para a redação. Comecei, com máquina de escrever e lauda. Era repórter, ia para
rua, cobria cidades e tal. Isso foi no Jornal de Jundiaí. Em 1994, vim trabalhar na Folha
Sudeste, que era a sucursal da Folha de São Paulo em Campinas. A Folha, já naquela época,
não tinha uma política de contratar só profissionais formados em jornalismo. Meu editor, por
exemplo, não era formado em jornalismo e não era nem formado em curso superior. Ele tinha
abandonado a faculdade. Então, a Folha já tinha um perfil completamente diferente dos
tradicionais veículos de comunicação na época. Eu era estudante e fui contratada como
repórter. Era um trabalho tradicional do jornalismo. A minha escola de jornalismo foi a Folha
de São Paulo. Foi lá que eu aprendi técnicas de apuração, a ser repórter mesmo.
Depois, já me formando, eu entrei no Correio Popular, em 1996. Fiquei menos de um
ano. Também como repórter de cidade. Fiquei pouco, mas não me lembro porque, eu não fui
registrada. Essa coisa do jornalismo sempre foi meio assim, as empresas não formalizavam os
contratos. Entrei como frila, isso aconteceu na Folha também. Fiquei um tempo como frila e
depois tinha uma prova para contratação, que era muito difícil, ainda mais para quem era
estudante, porque tinha toda uma exigência de você ter conhecimento sobre o “Manual de
Redação e Estilo”. Depois fui formalizada, mas eu fiquei uns seis meses trabalhando sem
registro em carteira. No Correio Popular eu trabalhei quase um ano sem registro em carteira.
Depois eu quis tentar outros formatos além do impresso e fui trabalhar na EPTV. Eu
entrei no começo de 1997, como produtora. Foi a empresa mais estruturada que eu trabalhei.
Era CLT, pagavam hora extra, o que nos jornais impressos não ocorria, também quando se
está estudando, você está investindo na formação, está aprendendo. E quando se é jovem, no
jornalismo é a paixão muito o que move.
Fiquei na TV até 2002. É muito diferente da reportagem de jornal. Depois eu adoeci,
fiquei estressada. Como eu tinha um projeto de morar fora do Brasil um tempo, eu saí da TV
e fui para Toronto no Canadá e fiquei até 2004. Só que lá eu trabalhei para jornais e revistas
direcionadas para as comunidades brasileira e portuguesa. Voltei, trabalhei como frila.
Depois trabalhei em uma produtora que fez a campanha do Zica75 em 2004. Em 2005 eu entrei

74 Entrevista concedida ao autor, realizada em Campinas, no dia 13 de abril de 2019


75 Candidato à Prefeito pelo PT em 2004
103

na TV Bandeirantes, trabalhei como editora alguns meses e depois fui para a TV TEM em
Jundiaí. O trabalho era mais pesado, porque era uma estrutura menor, mas com um grande
volume de trabalho e eu acabei ficando doente. Então decidi que não queria mais trabalhar
assim.
E aí uma amiga tinha um projeto para trabalhar com internet, num site sobre um guia
sobre a cidade de Campinas, na área de cultura, o que os veículos tradicionais de comunicação
não tinham, eles ainda não tinham entendido a internet. Não entenderam até hoje né?
Então, abrimos um site segmentado, de turismo e cultura, mostrando o que acontece
em Campinas. Aí me interessou, e aí a gente começou a trabalhar, em 2009 e em julho de 2010
lançamos o Campinas.com.br, que mantemos até hoje. Então, na minha trajetória trabalhei
como CLT, como frila e agora como empreendedora.

Luciana Almeida, 27 anos de profissão76:


Comecei junto com a faculdade, em 1992 e de lá pra cá já são então 27 anos. Meu
primeiro trabalho foi na Folha, na SP Sudeste, como primeiranista de faculdade, fui bater lá
e comecei minha carreira trabalhando na regional da Folha aqui em Campinas. De lá pra cá
eu tive complementos entre empreender e ir para o jornalismo tradicional.
Então hora eu tentava entender que as coisas estavam mudando, já percebendo nos
anos 1990 que tinha oportunidade para empreender. Então logo depois da Folha eu fui fazer
um produto que se chamava “Correio dos Anjos” e era para o segmento de área alternativa
da cidade. A gente se questionava até se era jornalismo, mas que segmento é esse, sobre coisas
que estão se transformando. Foi um projeto que nasceu na faculdade, em jornalismo
comunitário, e havia muito questionamento se era jornalismo, se não era, o que que
segmentação tinha a ver com tudo isso. Então foi uma época que consegui estudar um pouco
sobre segmentação e fazer esse jornalismo para a comunidade exotérica e medicina
alternativa. Na época isso era muito taxado ainda, não era visto com bons olhos como é hoje,
a questão do bem-estar. Mas foi um lugar de experimentação, de entender um segmento, o que
tal segmento quer ver, quais eram as tendências, então eu considero que foi um projeto que
me ajudou a embrionar outros projetos.
Depois, cansada um pouco do empreendedorismo, eu voltei para o jornalismo
tradicional e fui trabalhar na EPTV, e faço uma carreira lá até 2001, onde está começando
um novo movimento, que saia do jornalismo segmentado, revistas aparecendo, projetos

76 Entrevista concedida ao autor, realizada na cidade de Campinas, no dia 13 de abril de 2019


104

segmentados aparecendo e que a gente não via, a gente só via grandes jornais. Mas estava
chegando a internet nas redações, nas grandes redações. E a gente lá na EPTV também tinha
um projeto começando, que era o primeiro portal da EPTV. Na própria EPTV tinha projetos
embrionários também, como o Terra da Gente, que estava começando naqueles anos 1990,
num projeto segmentado para quem pesca. Isso é jornalismo? Isso não é jornalismo? Eles
tinham vários questionamentos sobre isso, mas é um projeto que começou nos anos 1990 nos
segmentos e existe até hoje como um projeto bem-sucedido.
Depois da EPTV eu fui para Brasília, morar lá e foi uma época de parar um pouco
porque eu tive meu segundo filho, e tinha tido uma primeira experiência no jornalismo de não
ter tempo de ficar com filho e vi nesse momento a oportunidade de ficar um pouco cuidando
do filho. Fiquei uns cinco a oito meses parada e foi ótimo para respirar e ver para onde as
coisas estavam indo. Então, lá em Brasília eu resolvi fazer uma nova especialização, pois só
o jornalismo não estava dando conta de tudo isso que estava vindo de mudança. Então
encontrei um curso na Universidade de Brasília que chamava Turismo, Cultura e Lazer. Eu
achava interessante estudar essas perspectivas e como é que elas poderiam ser talvez leituras
interessantes para o Brasil. Então fui assim tentando entender esses segmentos em como eles
se davam, talvez, na minha carreira. Nisso eu tive uma oportunidade de trabalhar no
Ministério do Turismo, na implantação do plano nacional de turismo, e entender um pouco
como era um caminho interessante para o Brasil, o turismo, mas um turismo de experiência,
um turismo de leitura, um turismo de cidade, e como isso poderia ressignificar uma cidade.
Talvez ali começou um embrião do que viria a ser o Campinas.com.br, que é um portal de
turismo, cultura e lazer para a cidade de Campinas. Ele nasce um pouco a partir dessa
experiência.
No Ministério do Turismo eu trabalhava com a comunicação e era já uma outra
atuação, trabalhava fazendo as palestras, como trazer essa comunicação do que o turismo
gostaria de ser para um território. Foi bastante interessante também porque eu tive a
oportunidade de ver a comunicação de uma forma mais ampla, para implantar um plano, por
exemplo. Eu fui convidada depois para ir para a TV Senado, e eu tinha saudade da televisão,
acabei indo para a TV Senado e participando de alguns programas especiais. A TV Senado é
uma tv muito interessante, é uma tv pública onde é possível construir programas ou projetos
editoriais no jornalismo que você não conseguiria construir numa tv aberta. Então eu
participava do projeto de inclusão, discutindo a questão da inclusão através do jornalismo,
foi bem interessante, uma experiência marcante para mim.
105

Depois a gente resolveu voltar para Campinas e aí fiquei bastante em crise, na dúvida
se voltava para o jornalismo tradicional, ou procurar emprego em assessoria de imprensa que
estava crescendo muito ou volto a empreender? E aí a veia da empreendedora estava lá de
novo, e aí que nasce o projeto do Campinas.com.br, um pouco com essa de falar de coisas que
a cidade não está falando sobre si própria, sob um recorte, que é bem a cara da internet.

Rose Guglielminetti, 23 anos de profissão77:


Comecei em 1996, no Diário do Povo, que foi extinto. Aliás, estou começando a achar
que todos os jornais em que trabalhei estão se extinguindo. Entrei lá numa época em que as
redações eram cheias de repórteres. Por exemplo, na editoria de “cidades” nós éramos quase
em dez pessoas. A editoria de “política” eram quatro, a de economia mais quatro, então na
época que eu comecei a trabalhar como jornalista a gente ia literalmente para a rua, então
você tinha uma estrutura da empresa que era muito diferente, tinha o motorista, tinha o
repórter, tinha o fotografo, o arquivista. A gente ainda pegava matérias pelo jornal impresso,
era aquele jornal que eram arquivados, por exemplo, se a gente fosse fazer uma matéria que
precisava rememorar alguma coisa, a gente pedia para o arquivista, ele descia com uma pasta
de papel e a gente consultava. Era uma época em que era mais difícil fazer jornalismo, mas
tinha muito mais vagas de trabalho. Então, quando você ficava desempregado, você nem
chegava a ficar desempregado. Aqui nós tínhamos o Diário do Povo, o Correio Popular, tinha
a Folha de São Paulo, tinha as rádios, as TVs, então quando ficava desempregado, quando
alguém sabia que você estava saindo pra rua, aliás, as vezes o próprio repórter nem esperava
ser demitido, ele ia embora – e logo alguém estava convidando para poder trabalhar. Então,
eu passei pelo Correio Popular, passei pela Agência Anhanguera de Notícia, depois passei
pela Band News, Bandeirantes (rádio e TV) jornal Metro e hoje estou no Grupo Bandeirantes.

O que se depreende destas entrevistas é que os profissionais, com diferentes trajetórias


e experiências, tendo em comum o fato de terem começado na profissão no entre o final da
década de 1980 e início da de 1990, sendo todos com curso superior em jornalismo, é que as
transformações tecnológicas e o advento da internet impactaram diretamente na forma de se
fazer jornalismo, que os levaram a reinventar suas carreiras, uma vez que a maioria não se
encontra mais em uma redação, seja por opção, ou mesmo por falta de espaço profissional,

77 Entrevista concedida ao autor em 07 de maio de 2019


106

embora todos tenham uma extensa trajetória em redações, tendo iniciado a carreira quando
ainda eram estudantes de jornalismo.
Os que afirmaram ainda trabalhar sob contrato CLT são os entrevistados Maurício
Simionato, que atualmente está em uma assessoria de imprensa de uma empresa privada,
embora tenha relatado ter aberto uma microempresa com um colega para prestação de serviços;
Nice Bulhões, que atualmente trabalha em assessoria de imprensa na área sindical e Rose
Guglieminetti, que atua em uma grande empresa de comunicação e jornalismo.
As entrevistadas Sara Silva e Luciana Almeida partiram para o empreendedorismo
como sócias de um portal sobre cultura e lazer na cidade de Campinas.
As entrevistadas Michele Costa e Alayr Ruiz atuam como MEI e criaram blogs pessoais
sendo que a última também presta serviço como freelance para uma ONG.
O entrevistado Mário Camargo atua em assessoria parlamentar na Câmara Municipal
de Campinas, sob contrato especial de trabalho. Cláudio Liza Jr. recentemente deixou a redação
do jornal Correio Popular onde trabalhava como CLT e atualmente tenta viabilizar um blog
direcionado para o terceiro setor.

4.5 A precarização sentida no dia-dia do trabalho


Sobre a questão da precarização, a questão colocada foi a seguinte:
Você concorda que há um processo de precarização da profissão de jornalismo?
Porque?
As respostas são transcritas abaixo:

Michele Costa:
Então, precarização sempre teve. Naquela época, quando começamos nos anos 1990,
já tinha muito frila e frila fixo. Esses casos começaram a chamar atenção poucos anos depois
com a Folha (de São Paulo), com a criação das regionais, principalmente com a Folha de São
Paulo em Campinas. Na época foi a maior notícia de precarização visível, extremamente
visível, de jornalistas, porque realmente eles passaram a não contratar as pessoas, era o tal
do frila- fixo, que não verdade não existia contratação, não existia nenhum vínculo trabalhista
entre a empresa e o jornalista. Isso é muito grave. Nesta época, a gente não tinha contrato
nenhum, nós estudantes. Claro que nas redações, em jornais pequenos devia ter um ou dois
jornalistas contratados, mas a maioria era estudantes, nessas condições precárias, sem
nenhum vínculo, sem nenhum direito, mas tendo que cumprir horário, tendo que cumprir
pautas, regras e tal. O máximo que eles davam era uma marmita.
107

Tem um episódio engraçado, quando trabalhava no Tribuna de Indaiá78, comecei lá,


foi o primeiro jornal que trabalhei. E lá eles não davam almoço. Tinha que levar, tinha que se
virar. E eu lembro, minha vida era muita corrida. Não tinha condição, tempo, porque era o
dia todo lá e a noite em casa com filha pequena, com faculdade a noite, depois chegava para
dormir. Não tinha tempo nem de arrumar uma marmita e lavar e muitas vezes não tinha
dinheiro também para comer. Então, realmente, chegava a passar fome no trabalho. Eu lembro
que eu troquei de emprego, eu larguei o Tribuna de Indaiá pelo Diário Votura79, só pela
diferença que o Diário Votura dava uma marmita, horrorosa, mas pelo menos não passava
fome.
Havia uma expectativa com relação à profissão, havia bastante idealismo ainda com
relação a profissão, no jornalismo. Então a gente tinha essa coisa de fazer muito sacrifício
para estar na área, de aceitar uma série de situações ruins, visivelmente erradas, ilegais até,
para poder fazer o jornalismo.
Então, de um lado, tinha essa coisa da dedicação da profissão, que era bom, mas pela
questão trabalhista, da legislação trabalhista, da precarização era ruim, tipo de aceitar
trabalhar até 14 horas por dia, direto. E já cheguei a ficar mês inteiro sem folga, sem uma
folga, trabalhando no mínimo 12 horas por dia, até mais, principalmente no Diário Popular.
Lá foi o período que eu trabalhei mais, puxado mesmo. Tanto que quando eu saí eu entrei com
processo, por conta de receber as horas extras, adicional noturno, receber o que não era pago.
Teve muita situação, por exemplo, dirigir também. No Todo Dia tinham essa exigência,
de dirigir o veículo do jornal e isso foi um dos motivos de eu sair. Você não ganha para dirigir,
além do que atrapalha o desempenho das funções do jornalista, seja o repórter de texto ou o
fotográfico. No Liberal já era um pouco diferente. Eles exigiam só que os repórteres
fotográficos dirigissem. Mas teve algumas situações em que fui cobrada para pegar o carro,
uma situação que não tinha outra pessoa, não tinha motorista, não tinha “fotorista” para
dirigir e aí, eu neguei, eu me neguei várias vezes de pegar o carro. Na época, claro, essas
coisas vão somando. Não era motivo para cortar alguém, uma situação dessa, mas são coisas
que vão meio que vão desgastando um pouco a relação com o empregador, se você questiona
as coisas.

78
Jornal com sede na cidade de Indaiatuba, deixou de circular em outubro de 2018.
79
Jornal com sede na cidade de Indaiatuba
108

Mário Camargo:
Sim, concordo que houve uma precarização e ela começou definitivamente com uma
redução drástica nas redações, eu acho que no começo de 2002, 2003, nós tínhamos a metade
da redação da década de 1990 já. Uma precarização terrível né. Ai já não se pagava mais
hora extra, fazia banco de horas e a partir daí só vi as redações murchando. As agências de
notícias dominando, mandando a mesma matéria para todo mundo, você abre um jornal do
Rio Grande do Sul, ou um jornal de São Paulo, ou um jornal de Brasília e a matéria é
exatamente a mesma, quando não a foto, então não se tinha mais a apuração local. Isso foi
muito ruim para a profissão, porque aí, junto com isso, a desregulação da profissão, a perda
do diploma, eu sou um cara formado na faculdade, mas vejo muitos colegas hoje que
conseguiram o registro no Ministério do Trabalho80 só com algumas matérias escritas e
passaram a ser jornalistas. Então essa trajetória prejudicou demais a carreira do jornalista e
também prejudicou demais o jornalismo em certo ponto de vista.

Cláudio Liza Jr.:


Sobre a precarização, puxando pela memória, faz uns dez anos que as redações vêm se
enxugando, talvez mais do que isso. Era um processo de acúmulo de trabalho mesmo. Mas isso
recentemente está muito visível, que inclusive está faltando dinheiro para pagar o número de
funcionários correspondente ao jornalismo de qualidade. A qualidade do jornalismo, para
mim, caiu. Tá muito mais reativo do que investigativo. Você está muito mais no declaratório,
muito mais no factual, e as vezes até sem condição de cobrir todo factual que existe. Então, a
precarização é uma realidade sim. Inclusive na foto, tá se apelando muito para imagem de
internet, tá se usando foto de qualquer jeito, e os profissionais da foto estão muito incomodados
com isso. Se usa captura de tela em internet, se usa captura de tela de televisão, leitor que
envia, e isso não é o adequado né. O adequado é você ir lá no local, ver, ter sua apuração a
respeito daquilo e ter uma foto mais realista, de maior qualidade, com um ângulo mais
jornalístico.

Maurício Simionato:
Na questão da precarização, eu acho que sim, há uma precarização da profissão, muito
complexa, mas acho que é por conta, em parte, do fechamento de vagas e crise dos veículos

80
Para o exercício da atividade de jornalista, mesmo com o fim da exigência do diploma, é necessário obter um
registro no antigo Ministério do Trabalho, que foi extinto e incorporado ao Ministério da Economia criado em
Janeiro de 2019.
109

de comunicação. Então, isso gerou essa precarização da profissão, porque tem muita gente da
nossa área que se formou comigo, que estudou, que trabalhou que hoje está desempregado ou
partiu para outra profissão por conta do fechamento de vagas e apesar da explosão da internet,
que foi uma bolha, que logo voltou ao normal né, então você tem hoje gente ainda se formando
em jornalismo e as vagas não estão sendo ampliadas de acordo com a molecada que está vindo
aí se formando. Então, há realmente uma precarização, os jornais oferecem menos e as
pessoas por necessidade, é difícil julgar isso, mas por necessidade acabam aceitando um piso
bem menor do que deveria ser pago né. É difícil julgar isso. As vezes a pessoa tá num
desespero, precisa alimentar o filho, precisa pagar o aluguel e acaba aceitando ganhar menos.
É complicado. A gente vê isso em Campinas, como a questão do jornal Correio Popular, você
vê que tem gente ali de história no jornalismo, que aceitou ir para o jornal, que aceitou voltar
para Correio Popular, com a incerteza de receber, de não receber, ou de receber menos, mas
é difícil a gente julgar, porque são pessoas que tem uma história no jornalismo e estavam sem
colocação no mercado e acabaram aceitando isso, é uma solução complexa e só o tempo vai
dizer se vai ser retomado ou não.
Resumindo, há sim uma precarização, principalmente a questão de muita gente sendo
contratada como PJ, muita gente sendo contratada como frila, na questão de assessoria de
imprensa você também vê muito essa concorrência, ninguém mais paga o que é devido para
um assessor de imprensa, para uma assessoria de imprensa num evento, por exemplo. A
empresa acaba barganhando arruma gente que aceite receber bem menos pelo serviço, até
por conta da necessidade mesmo né?

Alayr Ruiz:
Está havendo precarização, totalmente, principalmente nas poucas redações que ainda
resistem. É muita coisa para a pessoa fazer, é muita cobrança, é muita coisa apertada. E
acredito que tem muita interferência do comercial, é uma coisa que, a gente tem que trabalhar
junto, mas ao mesmo tempo um não pode interferir no outro de uma maneira assim, muito
descarada. E hoje eu acredito que uma das razões da precarização é isso. Eu não sei como
estão os salários hoje em redação, mas muitos jornais estão com problemas de atraso de
pagamentos. Mas eu acredito que eles devam respeitar o mínimo da categoria. Mas nas
assessorias de imprensa, por exemplo, exige-se muito, que você tenha carro, que você fale
inglês, que você seja um ‘xyz megamaster’ em redes sociais e os caras te pagam um salário de
R$1,4 ou R$1,5 mil reais.
110

Nice Bulhões:
Concordo que há sim uma precarização. A prova maior disso é a falta de pagamento
para muitos profissionais da ativa. E o pior é a falta de conscientização do próprio profissional
por acreditar que possa ser responsável pelo fechamento da empresa se parar para cobrar os
seus direitos.

Sara Silva:
Acho que os veículos foram diminuindo cada vez mais suas equipes porque eles foram
perdendo a capacidade de investimento e sustentabilidade dos negócios. As equipes foram
sendo massacradas, sempre foi um volume grande de trabalho, mas hoje em dia acredito que
está pior. Eu não estou atuando em um veículo, mas a gente ouve os relatos de colegas, acho
que os jornalistas também ainda estão tentando se situar nesse universo, porque a gente
aprendeu um pouco isso. A gente aprendeu a ser jornalista, a prezar por isso, a ser um
profissional funcionário, tanto é que a gente não faz greve, e quando faz não dá resultado.
Somos uma categoria que não conseguiu se agrupar quando tudo isso estava acontecendo para
tentar de alguma maneira entender todo esse universo, do ponto de vista do mercado de
trabalho, como a gente ainda está patinando nisso nos últimos tempos. Houve uma
precarização generalizada. Com as novas tecnologias as quantidades de informações vieram
como uma avalanche, um tsunami de informações, a qualidade se perdeu muito. Os jovens
profissionais de hoje provavelmente não leem tanto quanto a gente lia, e liamos de uma forma
mais aprofundada. Houve uma superficialização generalizada, da vida até. Tudo é muito
superficial. Então eu vejo que os jovens que chegam aqui, são pouquíssimos os que chegam
com alguma bagagem, e mais, interesse. Eles são dispersos, não conseguem checar uma
informação na profundidade. É tudo muito superficial e acho que essa precarização vem
bastante dessa superficialidade. Talvez pela quantidade de informação.
Também teve aquele período que ficou a dança do diploma. A exigência do diploma ou
não. Então teve um momento, que os veículos também se aproveitaram disso, do ponto de vista
de contratação, isso também eu acredito que deve ter ajudado a dar uma precarizada no nível
dos profissionais.

Luciana Almeida:
Eu concordo que estão havendo precarização e sinto muito isso. A gente recebe quase
um jornalista por semana perguntando como fazer (empreender), a gente já atendeu muitos
111

amigos, pessoas numa situação de estar a até mesmo passando fome. A gente foi pioneiro nisso
e inspirou muita gente.
Mas a precarização não tem necessariamente um lugar do patrão para o empregado,
é muito mais complexo e muito mais amplo. A gente está vivendo em um mundo em que a nossa
área mudou com impactos da tecnologia e da Internet, a gente demorou muito para ver para
onde estava indo a mudança e se apropriar dela. Os blogueiros, os youtubers e os
influenciadores digitais foram muito rápidos e entenderam muito bem esse campo do
“nichado”. A gente ficou com muito preconceito. Era até um território “os blogueiros” e “os
jornalistas”, e nessa demora a gente perdeu espaço de mercado, na transição de canais de
distribuição. A gente tinha que ter entendido que só a distribuição que mudou, a informação
continuava. A necessidade de informação, a informação segmentada, boa, qualificada
continua, vai sempre continuar. O que tem mudado são as plataformas. E de repente chegou
novas plataformas e continua chegando, e a gente teve muito preconceito; preconceito com
redes sociais, preconceito mesmo e isso atrasou a entrada dos jornalistas nesse universo.
Então essa precarização vem de uma mudança de canais de distribuição, de uma
lentidão do jornalista entender que era só mais um canal de distribuição que a gente tinha que
se apropriar, de um preconceito. Toda mudança gera medo, gera apego nos modelos antigos.
Então a gente teve todo esse medo e esse preconceito; e a mudança econômica mesmo que vem
com a tecnologia, com ferramentas de automação, com desafios de futuro e aí vem a
automação de muita coisa, mudando o lugar das coisas. Então, eu acredito que não é só uma
relação trabalhista, a precarização vem de todo esse contexto.
Por outro lado, mesmo com a perda do diploma, já em 1992 eu trabalhava na Folha,
com o diploma não sendo reconhecido, eu era primeiranista de faculdade. Então é uma
discussão que não é de agora.

Rose Guglielminetti:
Acho que está havendo precarização, mas não sei se é só na nossa profissão. Eu acho
que todo trabalhador, tem sido exigido muito mais dele. Você pega uma área médica, da saúde,
na comunicação, eu vejo minha irmã que é da área de recursos humanos. Então eu acho que
a gente tem sido exigido mais. Agora, se a gente for comparar, por exemplo – eu amo ir para
a rua, quando a gente ia para a rua, eu cobria a Câmara Municipal, passava a tarde toda lá,
ficava até a noite quando tinha sessão legislativa. Só então eu voltava para a redação e
escrevia a matéria. Isso exige um tempo. Na época a gente tinha uns seis repórteres de política,
112

entre repórteres e editores, que cobriam Câmara, Prefeitura e outros órgãos, era muito
definido.
Com a internet, whatsapp e tudo mais, a gente deixou de ir para esses lugares, até
porque as empresas não tem mais condições; até a forma de pagar anúncios está migrando
para as redes sociais, então as próprias empresas de comunicação não tem mais aquela receita
para bancar uma estrutura para poder ter vários jornalistas, com carro e tudo mais. Então eu
consigo entender, assim, ao mesmo tempo que há uma precarização há uma facilitação no
sentido de que você fica mais tempo na redação, não precisa se desgastar para ir para rua.
Mas acho que não é só na profissão de jornalista, acho que são em todas. Inclusive, com a
Reforma Trabalhista, a tendência é que essa coisa de carteira assinada, você ficar um tempo
na empresa, isso está acabando. Por exemplo, hoje, se eu quiser entrar na televisão e no rádio
da minha casa, eu entro. Eu não preciso estar aqui na redação e muitas vezes eu faço isso. Aí
você pode dizer que é complicado, porque o profissional fica fulltime, e fica mesmo. Agora,
médico fica fulltime, economista fica fulltime. Percebe que houve uma exigência maior do
mercado de trabalho e não é só de nossa profissão, e aí ou você se adequa ou fica
desempregado, não tem muita saída.

Das respostas obtidas pelos profissionais é unanime a percepção de que o trabalho no


jornalismo passou por um processo de precarização a partir do final dos anos 1990, embora ela
já fosse uma realidade já naquela época, principalmente através das contratações informais,
dos freelances e frila-fixo. Também pode-se notar nas falas que com o advento das novas
tecnologias houve uma grande redução no quadro de funcionários nas redações e muitos
veículos deixaram de existir. Quem continuou empregado teve de assumir novas funções,
inclusive não necessariamente ligadas ao jornalismo, como a de motorista, por exemplo. A
percepção geral é que atualmente, trabalho regulamentado, com registro CLT é algo cada vez
mais raro. Nota-se uma percepção que, com a diminuição dos profissionais na redação e
acúmulo de tarefas comprometeu a qualidade do que é publicado.
Ainda com a relação a precarização, também foi entrevistado o presidente do Sindicato
dos Jornalistas do Estado de São Paulo, Paulo Zocchi, sendo formulada a seguinte questão81:

“De acordo com a FENAJ, a categoria enfrenta problemas trabalhistas crônicos, sendo
que os principais podem ser resumidos no desrespeito à jornada de trabalho – a maioria das

81 Entrevista concedida ao autor, realizada na cidade de São Paulo, no dia 16 de outubro de 2018
113

empresas não pagam horas extras e sonegam o vínculo em carteira. Há a generalização do


trabalho sem qualquer vínculo empregatício, os chamados de frilas e frilas-fixos, e a imposição
da situação de Pessoa Jurídica para parte de categoria. Qual o panorama da categoria hoje, em
relação as condições de trabalho?”
A resposta foi a seguinte:

As empresas de comunicação estão sob impacto gigante da internet, que é mundial,


transforma a circulação de informação de maneira que uma parcela cada vez maior da
sociedade, da qual a sociedade se apropria, circula na esfera da internet. Isso é geral no
mundo todo hoje. Isso impacta os meios de comunicação de uma maneira profunda. No Brasil
a questão tem uma dimensão particular porque tem uma legislação, que vem desde antes da
ditadura que estabelece que os meios de comunicação têm que ser de brasileiros que a
participação de estrangeiros deve ser limitada a 30%. A base dessa lei é uma ideia de
soberania nacional. O setor de comunicação é estratégico numa sociedade e por isso tem que
ser de propriedade de brasileiros. Mesmo sabendo que hoje em dia, devido a predominância
do capital financeiro, isso tem ficado fácil de burlar, mas corresponde a uma ideia de
soberania nacional.
Com o advento da internet e o fato de que as informações começam a circular cada vez
mais no espaço da internet, tem uma subversão, porque as empresas de internet, para fins
legais, não são empresas de comunicação. Na prática elas são, e elas são estrangeiras, norte-
americanas no nosso caso específico. O Facebook e o Google são os principais atores. Essas
empresas entram no Brasil, como se isso fosse uma porteira aberta, não tem barreira nenhuma,
rentabilizam os meios em que atuam em boa parte com informação jornalística, da qual eles
se apropriam a título gratuito, e fazem isso rentabilizar de maneira importante empresas deles,
não geram praticamente emprego nenhum, e estão demolindo as empresas brasileiras.
Então, tem o aspecto que mostra o caos que a economia funciona num regime como o
nosso que é o fato que os caras faturam horrores com a informação jornalística, mas através
de uma mecânica que destrói a fonte dessa informação a longo prazo. E o pior da história é
que as empresas jornalísticas, sobretudo as de mídia impressa, que estão sendo as mais
atingidas neste momento, veem isso acontecer e não tomam medida nenhuma. Certamente não
é por falta de deputados no Congresso que possam defender o interesse deles. Veja a situação
da editora Abril. A família proprietária da Abril adota uma postura simplesmente de tentar
preservar ao máximo o patrimônio bilionário deles. Blindam o patrimônio, estão vendo a
empresa afundar e vão mudar para fora do país e acabou o assunto. Então os caras nem ao
114

menos resistem. Não tomam nenhuma medida, não fazem nada. A gente está num cenário de
crise importante das empresas. A gente fala de “passaralho” faz tempo. Porque já nos anos
90, as empresas já estavam sob o impacto do que a gente chama de “era da globalização”,
uma era no qual o capital financeiro vai tomando uma importância cada vez maior na roda
geral da economia. As empresas começaram a se guiar cada vez mais por regras de
rentabilidade bancária. A Globo é um exemplo absurdo. Ela tem uma lucratividade do tipo
30% sobre o patrimônio líquido todo ano. Isso é dado público. As demais empresas também
tiveram altos lucros. Então isso fez com que elas passassem a ser gerenciadas por executivos
estranhos à área editorial, adotando preceitos de governança que é o de reduzir violentamente
as redações, expandir ao máximo a lucratividade, em detrimento do negócio em si, que é o
jornalismo. Então a gente fala nas mesas de negociações “se você vai demitir sua redação
pela metade, você vai matar o jornalismo. Se matar o jornalismo, ninguém mais compra jornal.
Então, qual a realidade concreta com as empresas nesse tipo de postura? É essa combinação
disso que já vinha dos anos 1990, com essa crise estrutural, com o cenário da internet, mais a
crise econômica que estamos atravessando.
Primeiro, foi tendo um enxugamento. As grandes empresas, podemos falar da Abril, do
Estadão, da Folha, até mesmo das TVs, mas principalmente da mídia impressa. Demissões em
massa dos jornalistas mais velhos. Aquela velha pirâmide, que se tinha há trinta anos, que era
assim: dois caras com 30 anos de profissão, dois com 20, dois com 10 e dois “focas”, agora
tem um ou dois mais velhos e 10 focas trabalhando. E os caras que entram, por exemplo na
Abril, é um troço desesperador para os jovens jornalistas. O cara entra na empresa, sai da
faculdade, é um cara promissor, começa a fazer o trabalho dele, ganha prêmio de jornalismo,
passa dois anos, passa quatro anos, passa seis anos, o cara não sai do piso. Aí ele muda de
profissão, ele sai e entra outro. Então não tem mais aquela progressão de carreira.
A profissão está atomizada por gente que vai trabalhar muito em assessoria, em
empresas que tendem a não reconhecer assessoria de imprensa como trabalho jornalístico, e
é trabalho jornalístico, enfrentando baixos salários, frequentemente terceirização, pejotismo
e tal.

4.6- Impactos das mudanças tecnológicas e no trabalho sobre os jornalistas


Entre os anos 1990 até a década atual, a forma de produção jornalística passou por
várias transformações, assim como ocorreu de uma forma geral no mundo do trabalho,
ocasionado tanto pelas inovações tecnológicas, como pela forma de organização das empresas,
em função dessas mudanças.
115

Conforme coloca Marcondes Filho (2009), as novas tecnologias de comunicação, se


por um lado facilitaram o trabalho de pesquisa e produção de notícia, elas trouxeram mais
atribuições aos jornalistas, ao mesmo tempo em que levaram ao enxugamento das redações,
com a extinção de funções que perderam sentido, mas com aumento da carga de trabalho e de
responsabilidades.
Atualmente, o repórter não é só repórter. A ele cabe apurar, investigar, checar, escrever,
editar, diagramar - no caso de veículos impressos, - ou produzir para diferentes formatos e
linguagens como áudio, vídeo, sites, blogs, redes sociais, tudo em tempo exíguo. Além da
concorrência de outros veículos, há ainda a pressão de se fazer necessário, uma vez que a
produção de conteúdo deixou de ser prerrogativa do jornalista.
As novas tecnologias foram utilizadas como forma de precarização do trabalho ao
impor, dentro de um contexto de desregulação dos direitos trabalhistas, uma jornada de trabalho
que nunca termina. Assim, com um computador ligado à rede mundial, em sistemas intranet e
mesmo com os smartphones, o jornalista se vê forçado a permanecer plugado 24 horas, com o
trabalho invadindo os espaços privados de descanso, convivência familiar, social e lazer, que
que tem levado ao adoecimento (HELOANI, 2006, p. 192).
Citando Reimberg (2014), Dantas (2017) pontua a questão que, apesar das
consequências negativas para o jornalismo e para a saúde mental dos jornalistas, a precarização
do trabalho é mitigada pelo prazer profissional, que aparece na forma de reconhecimento na
produção jornalística. O estudo mostra que ainda persiste uma vaidade no exercício da
profissão. Em sua pesquisa sobre a questão do sofrimento e prazer no exercício do jornalismo,
Reimberg (2014) detectou em entrevistas com profissionais da área que:
Os jornalistas convivem diariamente com o sofrimento no trabalho. Há um
grande envolvimento com a profissão e não há separação entre trabalho e vida
pessoal. O trabalho dá sentido à vida, e o envolvimento e a mistificação da
profissão fazem com que se aceitem as condições organizacionais, como
excesso de trabalho, longa jornada, ritmo e pressão, ainda que essas condições
sejam fatores de sofrimento (REIMBERG, 2014, p. 265).

Porém, o prazer oriundo dessa “vaidade” pode não ser suficiente para manter ao longo
dos anos condições tão ruins de trabalho. Assim, há muitos jornalistas que já não acreditam
mais no seu trabalho e ou fazem uma produção alienada, simplesmente executando o que lhe é
proposto pelo empregador, fazendo com que o prazer seja substituído pelo sofrimento no
trabalho, e assim acabam por abandonar a profissão (BULHÕES, 2018).
Outro ponto abordado é o conceito de mudanças estruturais, sintetizado pela autora
como um conjunto de transformações que incluem novas formas de produção da notícia,
116

processos de convergência digital e a crise da empresa jornalística enquanto modelo de


negócios.
A questão colocada por Dantas (2017) é até que ponto as mudanças estruturais são “no”,
ou “do” jornalismo. No primeiro caso pode-se dizer que são eventos externos que afetam a
profissão. No segundo caso, as transformações seriam endógenas, que levaria a questões de
mudanças nas concepções técnicas, de prática linguagem. A reflexão é até que ponto a prática
jornalística vem se modificando, uma vez que isso já ocorreu em outras épocas, com o
surgimento, do rádio, depois da televisão, web sites, que a seu tempo demandaram mudanças
na forma de produção e linguagem.
Vizeu & Lordêlo (2015), classificam esse período como uma transição dos modos de
produção fordista e pós-fordista nas redações. Baseados em duas pesquisas realizadas de forma
individual pelos próprios autores, uma em 1990 e outra em 2015, eles observaram que na
transição de um modelo para outro houve severos impactos, como a redução de funções e
tarefas necessárias para a produção jornalísticas, extinção de profissões e, por outro lado
aumento da demanda de notícia em uma sociedade mais conectada, com uma gama maior de
veículos e plataformas de emissão e recepção de notícia, em vários formatos – audiovisual e
em forma de texto – 24 horas por dia.
Para atender essas novas demandas, as empresas de comunicação passaram a exigir
profissionais polivalentes, capazes de realizar várias tarefas, e flexíveis, com horários de
trabalho indefinidos e contratos individualizados.
Conforme mostra a pesquisa realizada em 1990, tendo como base de análise a redação
de um telejornal local de uma emissora de grande audiência transmitido para a cidade do Rio
de Janeiro, a equipe de produção era composta por uma ampla gama de profissionais:

Nos anos 90, a estrutura da redação era composta por um diretor-regional, um


chefe de redação, 12 editores de texto, um chefe de reportagem, quatro
subchefes de reportagem, três assistentes de produção e dez repórteres. Os
quais possuíam funções e meio de distribuição noticiosa fixa, ou seja, restrito
ao meio televisivo: “TV fazia TV” (VIZEU & LORDÊLO, 2015, p. 135).

Na pesquisa realizada em 2015, observando as redações de telejornais de várias


emissoras, constatou-se que as mudanças na rotina reconfiguram a forma de produção
jornalística. Com a convergência de vários meios em uma única empresa, os autores
constataram que houve uma reconfiguração do fazer jornalístico, “sendo agora realizado por
profissionais polivalentes multimídia e distribuídos de modo multiplataforma entre os meios
móveis e fixos observados até a década de 1990 (IDEM, p.136).
117

Nesta nova configuração há a possibilidade de compartilhamento de conteúdo nas


diversas plataformas e assimilação do público também como participante da produção, com o
envio de imagens e áudios para as redações através de dispositivos móveis ou mesmo através
da publicação e reprodução de conteúdo nas redes sociais online.

A operação em mídias digitais abre a possibilidade de busca por perfis de


profissionais polivalentes funcionais para compor as redações. Na rotina
produtiva, em que ocorre colaborações entre profissionais do mesmo meio, as
funções e papeis, muitas vezes apresentam flexibilização de profissionais,
como uma polivalência funcional (IDEM, p. 144).

Moretzsohn (2014), em artigo que analisa as modificações no jornal O Globo ocorridas


em março de 2014, observa as mudanças na rotina de trabalho imposta pela prioridade que o
jornal passou a dar às notícias online, com a integração das redações digital e do jornal
impresso. Tais modificações acabaram por estender a jornada de trabalho, com a antecipação
do horário de chegada à redação e postergação do horário de saída. Isso ocorre porque, no
mundo online, sempre é dia em algum lugar, sempre há um pregão de bolsa de valores
acontecendo. Como se dizia do antigo Império Britânico, o sol nunca se põe no mundo virtual,
ou nunca desliga, como anuncia o slogan de um canal a cabo de notícias 24 horas.
Na análise de Moretzsohn (cit.) a pressão pelo fechamento de matéria e publicação
antes da concorrência, que em muitos casos, como nos diversos veículo do grupo Globo, mas
não só, se dá dentro de veículos de uma mesma empresa, com a audiência medida pela
quantidade de cliques que a matéria recebe acabam por configurar uma rotina estressante, pelo
lado da demanda de trabalho, e ao mesmo tempo frustrante, devido ao fato de que a qualidade
e/ou a importância da notícia seja substituída por textos ocos ou assuntos fúteis, mas que geram
maior número de cliques, ou seja, maior audiência para o veículo.
Aceleração do ritmo de trabalho, acúmulo de funções, exaustão no fim do dia.
A alteração radical das rotinas de produção da notícia, que no Brasil começou
em meados dos anos 1980 com a informatização das redações e aprofundou na
década seguinte com a chegada da internet, atingiu novo patamar em março de
2014, com a mudança através da qual o jornal O Globo pretende estabelecer
um ponto de virada nessa trajetória: o privilégio à informação online, que exige
a antecipação de horários e a extensão da jornada, com reflexos decisivos na
organização da redação, na exploração do trabalho, na competitividade entre
as empresas do mesmo grupo, na forma de se produzir e consumir notícia e nas
expectativas quanto à sobrevivência do meio impresso (MORETZSOHN,
2014, p. 60).

O autor chama atenção também para o fato de que o material produzido online seja
chamado de conteúdo e não de reportagem, pois “conteúdo pode ser qualquer coisa, desde
horóscopo, palavras cruzadas e frivolidades, até informações da mais alta relevância”.
118

Observamos os impactos diretos destas mudanças em depoimentos de jornalistas


entrevistados para esta pesquisa. Entre as falas, é possível observar que há uma percepção clara
de que a forma de se fazer jornalismo hoje é completamente diferente de duas décadas atrás e
isso trouxe como implicações a redução de postos de trabalho nas redações e consequente
aumento da concorrência, com a pressão para a produção da notícia de forma mais ágil para
atender a demanda de notícias full time exigidas pelas plataformas digitais online, o que
contribuiu para a perda de precisão na apuração e confiabilidade das notícias e também com a
precarização dos contratos de trabalho, uma vez que neste período foram sendo paulatinamente
eliminados vários postos de trabalho com vínculo pela CLT, sendo substituídos ou por contrato
individuais, tipo PJ, ou mesmo pelo trabalho informal, os chamados freelance e também com
o empreendedorismo como alternativa de sobrevivência no mercado de trabalho.
Nos depoimentos descritos abaixo, os jornalistas entrevistados relatam como
perceberam essas mudanças e como elas impactaram em suas carreiras:

Michele Costa:
Eu não sou das pessoas mais pessimistas ainda mas tenho colegas mais experientes
que já olham para a profissão há alguns anos já e falam que o jornalismo morreu, que não
existe mais e, naturalmente, a profissão de jornalista também, por conta de vários fatores, não
só por conta das novas mídias, não só por conta da precarização, embora elas estejam
interligadas de alguma forma, mas também porque hoje tem muita gente atuando, se dizendo
jornalista, ou fazendo o que a gente chamaria de jornalismo há tempo atrás, e que não são
jornalistas. Essa era até uma discussão dentro do movimento sindical inclusive, dessas mídias
novas: “jornalistas livres”, “mídia ninja”, entre outros por aí, que tem até alguns jornalistas
que participam desses grupos, mas majoritariamente não. As pessoas que trabalham ali com
comunicação, não são jornalistas. Então você tem essa situação. E as vezes você pega o
material que essas pessoas produzem e são bons materiais. Eu falo que isso é comunicação,
eu vejo dessa maneira, vejo isso como comunicação, como forma de comunicação. Por
exemplo, uma associação de bairro, uma associação de moradores, enfim, entidades que tem
as pessoas que fazem a comunicação e não são jornalistas. Quer dizer, são formas diferentes
de comunicação, mas se você pegar mesmo o conteúdo, dificilmente essas pessoas sabem a
linguagem e todos os pormenores, os cuidados que um jornalista deve ter com notícia. Então,
eles fazem a comunicação, eles até informam, dão informação, mas na maioria dos casos, eu
não chamaria isso de jornalismo.
119

Agora, nas questões das novas tecnologias, eu não peguei este período na redação,
porque, depois do (jornal)O Liberal, eu comecei a pegar frilas a distância.
Trabalhei como assessoria de imprensa bastante tempo. Como assessora de imprensa,
a questão das novas tecnologias ficou bastante evidente, porque é bastante parecida a
situação. Então, você vai querer que o jornalista seja, tanto na função de repórter numa
redação, editor, repórter principalmente. Ou de assessor de imprensa, seja qualquer que seja
o segmento a exigência passou a ser maior, porque você tem que reportar situações, você é
cobrado para reportar situações em vídeo, em foto, em texto, ao mesmo tempo, em caso de
assessoria de imprensa, você tem que fazer o relacionamento com a imprensa, você tem outros
públicos, no caso de assessoria de imprensa também, com os quais você tem que se relacionar,
então a exigência é muito grande, e o curioso que as outras pessoas, principalmente nas
assessorias – porque dentro de uma redação você até consegue compactuar com um colega,
que por mais que ele esteja na chefia, ele também é jornalista, então as vezes ele cede um
pouco – agora, numa assessoria, um segmento que só tem você de jornalista ali, as pessoas
não compreendem o quanto você se desdobra para fazer tudo aquilo e ainda não ter o valor
devido. Claro, deve ter casos que isso acontece, esse valor é reconhecido e tal, mas as minhas
experiências na foram neste sentido não, infelizmente.

Mário Camargo:
Houve uma mudança enorme na categoria. Eu me lembro quando fui contratado no
sindicato, que tinha todo compromisso legal, ou seja, o que eles defendiam para a categoria,
defendiam para quem trabalhava lá também, o que era muito legal. Então tinha uma
consciência de classe muito forte. Isso nos favorecia muito para trabalhar. Eu me lembro que
eu saí de Piracicaba com o salário básico de repórter de redação e fui ganhar o salário da
assessoria, que naquela época tinham pisos bem diferentes, 30% a 40% a mais. Eles
respeitavam horário, pagavam hora extra. Enfim, era uma relação trabalhista muito legal.
Eles davam condições razoáveis de trabalho, até porque o sindicato não era tão rico assim,
mas sempre que possível, traziam mais gente para trabalhar, tinha uma pessoa que cuidava
mais da diagramação, apesar de a gente fazer de tudo, porque a redação era pequena.
Fotografava, escrevia, cheguei a diagramar. Só não colocava o fotolito na máquina, mas as
relações de trabalho eram bastante distintas das que eu vivi na redação do Diário, do que eu
vivi na rádio Bandeirantes, que eram relações mais frias, de uma cobrança – não que o
sindicato não tivesse cobrança, porque a gente trabalhava até de madrugada, mas uma relação
120

mais fria mesmo. Então eu percebi que quando eu comecei na carreira efetivamente, na década
de 1990, as condições das redações eram outras.
Eu me lembro que quando eu vim para Campinas, e, 1993, nós tínhamos o Diário (do
Povo), uma potência, muita gente na redação, tínhamos o Correio Popular, que tinha uma
redação enorme, tinha a sucursal da Folha, que era a Folha Sudeste, que depois virou Folha
Campinas, tinha o Diário Popular, que depois virou o Diário de São Paulo. Tinha uma
sucursal da Gazeta Mercantil aqui, tinha a EPTV com boas equipes de reportagem, tinha a TV
Thati, que era a Manchete, tinha a TV Bandeirantes e o SBT. E rádio tinha a rádio
Bandeirantes, que foi onde eu trabalhei, a rádio Central, que fazia jornalismo, a rádio Cultura,
que depois virou CBN e a rádio Brasil, eram quatro rádios.
Quando a gente ia para as coletivas, por exemplo, ia cobrir uma coletiva do Prefeito,
ficava se empurrando, literalmente se acotovelando, com cinegrafistas, com fotógrafos, porque
não tinha sala para caber tantos jornalistas. E as coletivas viravam né, porque com tantos
jornalistas, cada um perguntava coisas diferentes, então rendia. O bom da coletiva aquela
época era que você pegava até ideia dos outros para publicar sua matéria, além da sua própria
ideia. Então, tinha um calor enorme na cobertura jornalística aqui e as condições de trabalho
eram razoáveis. Você tinha o fotografo que realmente fotografava, não precisava dirigir o
carro, o cinegrafista que não precisava dirigir o carro, só era cinegrafista, até porque a
máquina era enorme, pesava 10, 12 quilos, e o repórter tinha um salário legal, pagava-se
horas extras nas redações naquela época.
Eu percebi que na virada, no final da década de 1990, foi bem isso, já no governo de
Fernando Henrique Cardoso, a coisa começou a mudar, por conta da flexibilização da
legislação que já começava e também por conta da tecnologia. A gente já começou a perceber
notebooks nas entrevistas, que a gente nunca viu isso, era o radinho, um gravadorzinho e o
bloquinho de papel. Começaram a aparecer também as máquinas fotográficas digitais. Então
já se descarregava as fotos ali, já se começava a editar ali. O que se fazia de volta na redação,
já começou a ser feito ali mesmo no local da entrevista, da reportagem. Não tinha internet com
tudo que se tem hoje, então a matéria não era transmitida online, mas ela chegava na redação
praticamente pronta. Já escrita no notebook, com as fotos já escolhidas, e aí o motorista
desapareceu. Raramente se tinha uma equipe com motorista, a não ser TV, e as redações foram
murchando.
Eu percebi também que até na assessoria sindical, que eu trabalhei por muito tempo,
isso também começou a acontecer. Começa muito fortemente a pressão do multitarefa, então
eu tenho que fotografar, eu tenho que diagramar, eu tenho que escrever, eu tenho que fazer
121

assessoria, ou seja, tenho que fazer o relacionamento com a imprensa. Também a relação dos
jornalistas com as assessorias começou a mudar. Como a pressão nas redações era muito
grande, o jornalista queria tudo pronto, então foi o reinado das assessorias, nessa virada do
século. Tudo que a gente escrevia, a gente sabia que os jornais gostavam de receber a matéria
pronta, a gente já fazia o título, já fazia o lead, já mandava foto com legenda e em muitos casos
os jornalistas “compravam” a matéria quase que inteira, as vezes adequavam alguma coisa
com o estilo do jornal e a gente percebia que o jornalista não apurava mais. As assessorias
passaram a apurar, a produzir a matéria pronta e quando é rádio inclusive com a fala já, com
o “off”, e as redações foram murchando.
Em Campinas foi muito evidente isso. Alguns jornais foram fechando, como a Gazeta
Mercantil, o Diário do Povo virou parte de uma rede, que virou a RAC (Rede Anhanguera de
Comunicação) e as redações murcharam porque os jornalistas, alguns ficaram no Diário e
outros ficaram no Correio (Popular) no começo, mas já se criou o núcleo de redação da
agência, que ela produzia para os dois jornais e vendia matéria para fora.
Hoje, o jornalista não sai da redação, antigamente, eu pegava quatro pautas no rádio
e quase morria para fazer as quatro pautas, porque tinha que apurar, eu tinha que ir lá no
Ouro Verde, aí tinha uma outra pauta no São Marcos e outra no Centro e acabava meu dia.
Eu ia escrevendo no colo, tinha o motorista, para poder chegar e gravar a matéria, porque
senão não dava tempo de fechar o jornal. Quer dizer, eu virava essa cidade. Foi bom porque
eu conheci a cidade de cabo a rabo e suas contradições também. Isso para o jornalista é
importantíssimo, ter essa sensibilidade da rua, o cheiro da rua, essa coisa do calor da rua e
entender por que que a instituição não atende. Quando eu estava na Prefeitura, eu estava lá
vendo o problema da prefeitura, mas também estava lá na ponta, vendo o problema do buraco,
o problema da saúde, a questão da educação, quer dizer, isso é ótimo para a apuração do
jornalismo. Hoje o jornalista não sente cheiro de nada mais. Ele sente o cheiro do mouse, do
computador. Isso é muito ruim, perde-se a sensibilidade da vida, que é essencial para a
produção do bom jornalismo.
Eu lembro de um conhecido jornalista, já falecido82, que dizia que surgiu o jornalista
fiteiro, ou seja, se comprava pronto, então essa verve da apuração ficou muito prejudicada,
então compra-se dossiê. Eu me lembro de uma entrevista recente da assessora de imprensa da
Polícia Federal de Curitiba, no The Intercept83, dizendo que ela entregava dossiês prontos

82 O entrevistado se refere ao jornalista Aberto Dines, falecido em maio de 2018.


83 Site de notícias, que edita uma página na internet em português.
122

para os jornalistas e eles aceitavam. Tudo bem que é de um órgão oficial, mas, não vai apurar?
Ou seja, publique-se e depois a gente vai atrás. O jornalismo que apura hoje é a exceção da
exceção.

Cláudio Liza Jr.:


O impacto na tecnologia, para falar a verdade eu senti mais recentemente. Não sei se
o Correio Popular estava um pouco atrasado nisso, mas a gente sentiu recentemente. Primeiro
que os jornais começaram a vender pouco, e aí o que eu vi foi que o leitor comum, que
comprava jornal na banca, começou a comprar só jornal popular84. Os grandes jornais se
mantiveram com sua credibilidade e com anunciantes, mas na banca não vende. Quando eu
fui para um jornal popular, que foi o Agora, foi muito visível. Eles mapeavam qual notícia que
dava mais leitura para só dar esse tipo de notícia, mas só dar esse tipo de notícia mesmo. No
Agora é só aposentado. Por exemplo, chuva, lá eles não dão, porque eles mapearam que não
dá leitura. No Correio dá, por exemplo. Mas migrou muito para o popular. E vi o Correio
abrindo o Notícia Já, e infelizmente não prosseguindo com o projeto, que era um projeto bom.
O jornal popular ainda é lido. Acho que é o único que é bastante lido, de papel.
Eu vi muito a internet tomar conta. Eu vi muito os profissionais que estão entrando
querer dar notícia rapidamente, sem uma checagem muito longa, muita “barriga”, muita
notícia precipitada, mais pela agilidade dos veículos. É uma pressão em cima dos
profissionais, até dos mais experientes mesmo de dar antes. Eu vi isso inclusive em jornais
muito sérios, como no ‘Agora’, que é muito sério, mas eles tentavam dar o mais rápido
possível. Mas a experiência do pessoal de lá segurava um pouco a onda, e a gente via o pessoal
dando antes da gente, dando muita barriga, e órgão de imprensa muito sérios.
A molecada está vindo com muita ansiedade em dar as coisas, o que é comum na nossa
profissão, a gente quer dar o furo, mas a ansiedade, não sei se sou eu que eu era assim e agora
não estou acostumado mais, mas não se pergunta muito, não se tem paciência para entrevistar,
e é com a paciência, com a conversa que você tira as maiores informações. A gente vê muito
imediatismo. Eu vejo muito isso.
Mas, principalmente, vejo a internet tomando conta mesmo. Dos últimos anos para cá
isso foi muito mais visível porque, até mesmo eu, num celular, eu não pego mais um jornal

84O entrevistado refere-se a jornais em formato tabloide, com notícias curtas e manchetes e fotos chamativas,
vendidos em banca a preço baixo, que fez relativo sucesso na década passada. Exemplo deste tipo de publicação
em Campinas foi o Notícia Já, do grupo RAC. O “Agora São Paulo”, do grupo Folha também pode ser
caracterizado como jornal “popular”.
123

para ler. Eu acordo e vou olhar nos grandes sites o que está acontecendo. Sinceramente não
vejo muita necessidade de jornal impresso. Se os jornais não se fizerem necessários, eles não
serão. Porque você vai ver o dia-dia no toque de seu dedo.

Maurício Simionato:
Na questão das mudanças, nós passamos por elas. Comecei numa redação com
máquina de escrever e até então a gente não imaginava o que era tecnologia né? Não tinha
essa noção. Eu vejo hoje, passados todo esse tempo, eu não entendo como até o ano 2000/
2001, a gente trabalhava sem Google, sem internet. Era um desafio realmente, a gente tinha
uma longa agenda e também o que contava muito era seus contatos, o que tinha anotado, os
telefones, tinha muito mais a cobertura in loco, a gente ia no local, não tinha essa apuração
de hoje, por internet. Acho que esse pessoal mais novo, pós 2000, não sabe o que foi essa fase
do jornalismo, que contava muito você ter fontes.

Nice Bulhões:
Nos jornais, as mídias sociais ganharam peso na apuração de notícias. Inclusive, sendo
usadas até para entrevistas. Com isso, a apuração de rua reduziu. Houve redução também no
quadro de pessoal, mas houve um aumento do número de matérias a serem apuradas e
cobrança quanto à rapidez.

Alayr Ruiz:
Foram várias mudanças, uma consequência da outra. A principal foi com o advento da
tecnologia. Quando eu entrei no Correio Popular, em 1989, era máquina de escrever. Já
existia microcomputador, mas naquela época a gente ainda trabalhava na máquina de
escrever, era a lauda de 20 linhas, que a gente datilografava a matéria, com papel carbono,
com cópia. Então existia toda uma gama de funções dentro da redação do jornal. Tinha o
diagramador, o digitador, o revisor, o pestapeiro, tinha toda uma gama de funções. Com a
informatização, que começou aos poucos no início dos anos 1990, foram se eliminado funções
e departamentos, aí a tecnologia, pela minha experiência, que chegou para facilitar a vida,
também complicou, porque a partir do momento em que algumas funções foram sendo extintas,
alguém teve de assumir aquele trabalho, porque a máquina não faz sozinha né. A gente precisa
trabalhar.
Vou dar um exemplo: a gente tinha um departamento de produção, que era a pessoa
que cuidava de coisinhas que ocupam tempo, tipo, verificar se chegou – no meu caso, na
124

editoria de cultura – o pacote do mês de palavra cruzada, de quadrinhos, que vinha pelos
correios, vinha um CD com as imagens, primeiro era disquete, depois CD, então, era a pessoa
que ficava correndo atrás dessas coisas. Quando eles informatizaram toda a redação, eles
eliminaram esse departamento, então, as editoras, editora assistente, além do trabalho de
edição, também tiveram que acumular essa outra função, que é ver se chegou, ficar
controlando, ficar cobrando, a jornada de trabalho ficou mais desgastante, não era tão longa
como era antes, nos tempos mais românticos da máquina de escrever, que a gente ficava na
redação até a hora que precisasse, pela apuração da notícia, mas a gente acabou ficando
escravos de deadline85.
Aquela época de romantismos de “parem das rotativas”, ficou só no romantismo.
Então foi ficando um trabalho cada vez mais mecânico. Eu acho que isso afetou na qualidade
do trabalho. A gente passou a ser multitarefa.

Sara Silva:
Com a internet eu acho que os veículos patinaram muito tempo para entender e criar
novas formas de negócio. Eu acho que estão patinando até hoje. A gente vê a editora Abril e
outros grandes aí que até hoje não sabe qual a melhor forma de se apropriar das novas
tecnologias, porque isso não deixa de ser um negócio né? Eu hoje sou uma empreendedora e
vejo como um negócio. A gente foi formado para ser funcionário. Há uma deficiência muito
grande nas instituições de ensino. Já havia nos anos 1990 um hiato, uma grande distância
entre o que se ensina e o que é praticado no mercado de trabalho. Na época, enquanto jovem,
eu odiava isso, eu aprendi muito mais trabalhando do que na faculdade, isso não tenho a
menor sombra de dúvida. E depois, já trabalhando eu entendi a importância da teoria, de
estudar e se aprofundar nas questões teóricas, até para te orientar na sua profissão. Mas já
na época existia um distanciamento muito grande. E vejo a mesma coisa que acontecia há 30
anos e hoje. O que aconteceu? As novas tecnologias são muito rápidas, exige um
acompanhamento e mesmo que a gente acompanhe a gente tá atrasado. Então, hoje, é
impressionante. Eu não acompanho. A gente recebe os estagiários, eu vejo que há um
distanciamento muito grande das universidades, das instituições de ensino com o mercado de
trabalho.

85 Deadline refere-se ao horário final de entrega das reportagens para edição.


125

Luciana Almeida:
A gente está vivendo uma grande revolução, como foram as revoluções econômicas lá
atrás, que tiveram grandes impactos. Então, mudança de formato de trabalho e é aí que o
empreendedor não é só uma escolha, ele é uma necessidade, as pessoas vão ter que ser
empreendedoras
Recentemente a gente acompanhou a do jornalismo agora de vários especialistas que
vem parar aqui, sejam eles arquitetos, outros, outras áreas, falando que perderam clientes nos
últimos tempos, não sabe o que aconteceu, não sabe o que impactou, mas tem alguém novo,
que começou ontem, mas tem um canal que bomba na internet, tem mais cliente que eles, só
que eles tem mais experiência, e as pessoas, de várias áreas estão surtando com o impacto da
tecnologia nessas áreas. Diz-se que no futuro vão se fazer empresas e desfazer empresa para
realizar um trabalho, que tudo que puder ser automatizado será, então eu acho que a gente
não tem muito mais que ficar brigando com isso. É uma questão até de sobrevivência.

Rose Guglielminetti:
Na minha trajetória eu vi as redações irem se encolhendo aos poucos, vagas sendo
fechadas, um pouco por causa da tecnologia, porque a tecnologia, ela não é ruim, porque ela
facilitou muito o nosso trabalho, por exemplo, se precisa fazer uma pesquisa você dá uma
googada e tá resolvido, você precisa fazer uma entrevista, você faz pelo whatsapp, email,
você recebe muito do leitor, do ouvinte, do telespectador vídeos e imagens que a gente teria
que ir a rua para fazer, e o cara que está lá na cena, ele já te manda, e isso tá fazendo com
que o próprio jornalismo mude um pouco de figura, porque o jornalista antes era o detentor
da informação, porque ele tinha que ir até o local, pegar as informações, levantar, escrever,
ou fazer uma matéria de rádio e de tv. Hoje não, o próprio morador do bairro, a própria pessoa
que está na rua, ela é repórter e tudo isso está fazendo com que nossa profissão tenha que ser
repensada mesmo.
Eu acabei desenvolvendo minha carreira no factual, me adaptando aos novos meios.
Então, a gente percebeu que ter uma coluna no jornal, as pessoas só iriam saber no dia
seguinte. Foi aí que surgiu a ideia do blog, não lembro exatamente em que ano. A gente viu a
necessidade de as pessoas serem informadas imediatamente, porque era a exigência da
internet. Eu estava na Rede Anhanguera quando houve a junção do Correio Popular e do
Diário do Povo, já sendo reflexo da tecnologia, do fechamento de vagas, quando houve a
unificação das redações para poder diminuir os custos mesmo. Então houve perda de trabalho
para jornalista, fotografo, motorista e tudo que envolve essa cadeia de produção jornalística.
126

Naquela época eu acabei montando o blog86, foi uma iniciativa minha, conversei com a direção
da empresa e eles concordaram. Então eu trabalhava como repórter de política do Correio e
montei o blog. Foi um sucesso, todo mundo lê, não é só político, é a população, muita gente se
informa e cobra. Eu descobri que o blog – num primeiro momento ele deu mais trabalho,
porque além de trabalhar como repórter, eu tinha que alimentar o blog e eu não ganhava mais
por isso – mas ele foi um aliado porque ele me trazia notícia, as pessoas que liam notícia, elas
alimentavam, então isso facilitou minha vida. Então eu tenho muitas fontes por causa deste
tipo de repórter que eu acabei sendo, multimídia. Então teve um convite para eu trabalhar no
Grupo Bandeirantes quando eu ainda era do Correio Popular, houve uma autorização. Com
isso acabei me tornando um jornalista multimídia, então hoje faço tv, faço rádio, faço blog e
até a pouco tempo fazia impresso (no jornal Metro, do mesmo Grupo, que deixou de circular
em Campinas no final do mês de abril de 2019) e me possibilitou ter empregabilidade, me
tornou empregável, acabei fazendo tudo.

Paulo Zochi – Presidente do Sindicatos dos Jornalistas do Estado de São Paulo:


O jornalismo está sob impacto da tecnologia, nesse sentido, há adaptações. Se um
sujeito filma um acidente com um celular, captou uma imagem, isso é informação. Isso vira
jornalismo (notícia) quando for parar na mão de um jornalista, for editado e colocado no ar
dentro do contexto, de uma certa explicação, etc. Até então não é jornalismo. E não é uma
discussão semântica, é uma discussão sobre o que é jornalismo. Agora, claro que o jornalismo
profissional está sendo atingido porque ele foi desregulamentado. É importante recuperar o
diploma, porque hoje em dia a gente tem o registro profissional da categoria, mas daqui a
pouco a gente pode perder. Isso é uma questão relevante, porque todos os diretos da nossa
categoria estão associados a uma estruturação legal.

86 A entrevistada é editora de um blog – Blog da Rose, com publicações principalmente sobre a política local.
127

Capítulo 5 - Identidade profissional e formas de sobrevivência no mercado de trabalho

Na análise do professor Laurindo Lalo Leal Filho, os jornalistas são pioneiros em ser
alvo de terceirizações, precarização e pejotização, devido à característica da categoria de se
enxergar mais como profissional liberal do que como trabalhador87.
Conforme anota Accardo (2007), a hegemonia dos meios audiovisuais, em especial com
a televisão, faz com que muitos profissionais, mesmo exercendo o trabalho em condições
precárias e mal remuneradas, sentem-se presos, através da simbologia da imagem pública, a
um prestígio e poder, o dito quarto poder, que compensaria as vicissitudes enfrentadas no
cotidiano do trabalho.
Heloani (2006), em pesquisa sobre a qualidade de vida no trabalho do jornalista,
observou que há um fetiche do profissional em relação ao seu trabalho, seja por um suposto
glamour que envolve a profissão, seja pela sensação de poder, ou mesmo como uma missão, a
de levar a informação à sociedade. Desta forma, enxerga-se como um trabalhador diferenciado,
ou seja, um intelectual com poder de influenciar os rumos da sociedade.
No entanto, essa visão da profissão está associada ao estereótipo clássico do jornalista
que trabalha numa grande redação, com um contrato formal de trabalho, ou mesmo o assessor
de imprensa. Com as mudanças no mundo do trabalho e o surgimento de novas funções e
trabalho de forma independente – e não necessariamente jornalistas - como blogueiros,
empreendedores digitais, influenciadores, entre outras formas de atuação, essa identidade ficou
no campo do imaginário. A nova realidade imposta pela tecnologia estaria colocando o a mídia
outrora chamada quarto poder em xeque. Conforme Ramonet (2012):

A confortável situação das mídias e dos jornalistas, em posição de monopólio


da informação na sociedade, está chegando ao fim. Muitos jornalistas
profissionais se viam como uma elite, pensando em deter o poder exclusivo de
impor e de controlar debates. Esse pecado do orgulho os fazia crer que seus
leitores passivos e cativos estariam sempre a seu favor. Mas esse tempo em
que eles tinham sozinhos o direito de escolher e de publicar informações já
terminou. A internet despojou-os de sua identidade de “padres particulares”
(RAMONET, 2012, p. 21).

Marshall (2003), anota que neste contexto há a construção do que ele chama de
“jornalista pós-moderno”, que substituiu o jornalismo engajado, palco de lutas ideológicas e
de debates sociais, transformando-se assim num mero veículo de venda de informação e de
estilo de vida.

87 Análise feita durante palestra de abertura do 15º Encontro Estadual dos Jornalistas.
128

O jornalista pós-moderno transformou-se numa máquina de produção de


informação, um operário com demandas estipuladas e prazos de entrega a
cumprir. Afinal, as redações dos jornais contemporâneos adotaram projetos
fordistas e tayloristas de produção de notícias, obrigando o jornalista a ser uma
peça maleável capaz de se adaptar a variadas necessidades e situações
(MARSHALL, 2003, p. 32).

Oliveira & Grohmann (2015), chamam atenção para as novas competências exigidas
pelo profissional de jornalismo; a flexibilidade para aceitar diferentes tipos de contrato de
trabalho, a capacidade de inovação e criatividade, que leva a necessidade de atualização e
formação permanente.
Nestes termos, o emprego estável, com carteira de trabalho assinada, horário e salário
definidos, típico do período fordista, vai se tornando algo raro, anacrônico. A palavra chave
para definir essa nova situação profissional é o empreendedorismo. O “novo jornalista’, assim,
não estaria mais preso às redações. Agora ele mesmo vende suas pautas e tem liberdade para
trabalhar onde e quando for mais conveniente.

Fazer sucesso é ter competências ajustadas ao “novo espírito do capitalismo


(Boltanski; Chiapello, 2009), em que a flexibilidade é um imperativo, ao lado
do espírito aventureiro. Nesse zeitgeist, a noção de “carreira, enquanto algo
fixo e estável se esvai, dando lugar a conceitos como “projetos”, “jobs”,
“home-oficce” e “frilas” (Oliveira & Grohmann, 2015, p.125).

Com a individualização das relações de trabalho, triunfa o discurso da autossuficiência


de um profissional que se enxerga como um indivíduo altamente capacitado e portador de uma
missão. O discurso do qual o jornalismo, para além de uma profissão, é encarado como uma
missão de vida, faz com que, para alguns profissionais, não seja admitida a situação de
desemprego. Nessa construção semântica, a situação de desempregado torna-se vexatória e a
palavra desemprego silenciada, proibida, uma vez que o jornalista é um profissional que deve
estar sempre disponível para aceitar um “job”, um “frila” ou aguardando um projeto
interessante ou mesmo trabalhando as próprias pautas (Fígaro, 2008; Oliveira & Grohmamm,
2015).
Na análise de Torres (2012), o empreendedorismo deve ser buscado como uma
necessidade para o desenvolvimento profissional e do próprio jornalismo. Para o autor, as
universidades brasileiras formam empregados para um mercado de trabalho já saturado.

O certo “conforto” e “status” oferecido pelas carteiras profissionais assinadas


com grandes meios de comunicação faz com que uma legião de estudantes
sonhe em repetir o óbvio, evitando uma inovação própria ou um confronto
direto com os moldes jornalísticos vigentes. Perde o estudante, perde o
mercado de comunicação, perde o jornalismo e, principalmente, perde a
129

sociedade, pois não consegue ter um jornalismo inovador com mentes


inovadoras.88

O mesmo autor faz uma comparação crítica da formação do mercado de trabalho


brasileiro em relação ao norte-americano, que em sua avaliação, ao priorizar a formação de
empreendedores, proporciona um ambiente propício para o surgimento de “mentes inquietas”
e tem como resultado a criação de empresas de ponta, estudos e novos padrões de se pensar o
jornalismo, o que levou a uma situação, nos Estados Unidos, de grandes conglomerados de
blogs ou jornalistas individuais a terem peso importante no mercado editorial, diferentemente
do que ocorre no Brasil. Assim, o conselho que ele dá aos profissionais de jornalismo para
enfrentar os desafios dos novos tempos é:
Jornalistas, criem mais. O fato da quase obrigatoriedade de aprenderem noções
de programação, empreendedorismo, design ou outras atividades deveria ser,
por si só, combustível suficiente para que os nossos futuros jornalistas – e os
que já estão no mercado – atuem de maneira mais agressiva. É gratificante
trabalhar para uma grande mídia, porém mais gratificante ainda é criar uma
mídia para chamar de sua.89

Por outro lado, criar uma mídia para chamar de sua pode ser considerado como fazer
jornalismo? Conforme analisa Paulo Zocchi, o empreendedorismo no jornalismo esbarra na
própria característica do trabalho, uma vez que, diferentemente do que ocorre com outras
profissões, o jornalista não é um profissional liberal.
Nesta análise, não basta simplesmente abrir empresa PJ individual, montar um
escritório e/ou uma página na internet e atender clientes. Geralmente o trabalho do jornalista é
negociado com empresas, uma vez que a produção de notícia requer uma estrutura e tempo
para sua produção, o que dificulta que seja suportada por um único indivíduo. O trabalho de
produção de notícia, assim, não se confunde com a criação de um espaço virtual, uma página
na internet, um blog para publicação de artigos e conteúdo de caráter opinativo, o que não
necessariamente é exclusivo de jornalistas.
Entre jornalistas entrevistados para este trabalho, quatro, todas mulheres, passaram a
atuar como empreendedoras depois de uma trajetória trabalhando em veículos de comunicação
e em assessoria de imprensa.
Como se pode observar nos depoimentos abaixo é que o autoemprego pode tanto ser
resultado de uma falta de opção de inserção no trabalho formal, dado a crise nos meios de

88 TORRES, Clayton Carlos. Jornalistas dever ser jornalistas. E empreendedores. Publicado no site Observatório
da Imprensa em 24/04/2012. Disponível em http://observatoriodaimprensa.com.br/feitos-desfeitas/ed691-
jornalistas-devem-ser-jornalistas-e-empreendedores/ acesso em 07 de novembro de 2018.
89
Idem.
130

comunicação tradicional, o reduzido número de vagas o aumento das contratações como PJ;
seja por entender que as mudanças ocorridas são irreversíveis e que é preciso se adaptar a elas
até por uma questão de sobrevivência. Outro ponto que aparece em algumas falas é que, se um
dia a profissão de jornalismo representou algum status social e era romantizada, na visão destes
profissionais, ficou no passado.

Michele Costa:

O jornalista, por conta do status, dessa coisa do ego, essa coisa do “ah, eu sou, eu faço
e aconteço”, carrega muito com ele essa coisa de se achar muito importante, ele não consegue
enxergar que ele é mais uma pessoa apertando um botão numa linha de produção, na prática,
para aquele empregador, claro que em alguns momentos, alguns colegas se destacam, fazem
um nome, crescem e acabam se tornando pessoas conhecidas independente do veículo, mas
isso é muito, muito raro, pessoas que conseguem se destacar desta maneira, independente do
veículo de comunicação. A maioria acaba sendo assim: o fulano, o João da Folha, e quando
ele sai da Folha ele é o João. Aí que ele se dá conta que ele não era realmente uma pessoa
muito importante sem o “sobrenome” Folha, então aí que ele percebe o que ele perdeu, e aí
já se passaram anos de direitos trabalhistas que ele perdeu. É um problema que realmente
acontece.

Mário Camargo:

Eu nunca tive essa coisa do glamour da profissão, eu acho que eu era um operário da
notícia, da informação, em vez de eu estar com uma enxada na roça, minha enxada é uma
caneta, ou um computador agora. Mas já no início da minha carreira, na faculdade, as pessoas
queriam trabalhar na Globo, ou em outra TV, porque achava que aquilo era o máximo, como
se fosse um profissional liberal. Nós não somos profissionais liberais de verdade. Seja
contratado por carteira, seja PJ, nós trabalhamos para uma empresa, diferente de outras
profissões liberais, como médicos, advogados. E sempre grande parte da categoria não
percebia essa coisa – não, nós somos profissionais liberais. Eu nunca gostei dessa frase. Acho
que esse encanto começou a diminuir bastante exatamente no momento dessa mudança nas
redações, dessa modernização, melhor, da tecnologia, do avanço da tecnologia nas redações,
porque aí as redações começaram murchar, os salários começaram a diminuir e acho que caiu
a ficha que realmente a gente era um operário da notícia, um trabalhador que está a serviço
de uma coisa comercial, um prestador de serviço como qualquer outro à empresa. E aí eu acho
131

que a coisa acabou mesmo quando veio essa briga do fim do diploma de jornalismo. Eu acho
que hoje, com quem eu converso, ninguém se sente como profissional liberal, tenho amigos de
longa data, desde quando eu comecei, até antes, hoje a conversa é outra. Hoje a conversa é
mais real, como devia ter sido sempre nessa coisa do glamour, do profissional liberal. A única
coisa é que eu acho que o colunista, não que eu acho que ele seja um profissional liberal, mas
acho que ele tinha mais liberdade de produzir seus próprios conceitos, coisa que você não vê
em outro tipo de empresa, mas os colunistas hoje também são raríssimos né.

Cláudio Liza Jr.:


O que eu senti é que as pessoas estão querendo consumir a informação online, seja
blog, redes sociais. A distinção se é jornalismo ou não, para o público em geral, parece que
nunca fez muita diferença, porque agora é o que você colocar lá e bater com o que você
acredita. O jornalismo é exatamente o contrário, é colocar o contraditório. Mas ali não, é
muita gente querendo usar um veículo, o veículo existe na internet, são as redes sociais, ele
existe. Na nossa época o que existia? Era um veículo profissional. Hoje em dia não. Qualquer
um pode usar. Isso democratiza, mas ao mesmo tempo, qualquer um vai escrevendo e as
pessoas não estão querendo distinguir. Isso está trazendo como consequência para o jornalista
sério, falta de credibilidade, por incrível que pareça. Deveria aumentar. Mas aí, se você
escreve algo que incomoda, você é que está sendo parcial e aqueles que estão sendo parciais
de verdade é que estão ganhando espaço. Eu estou realmente muito preocupado com isso. Não
sei se a população vai depurar, vai conseguir ao longo do tempo saber consumir o que é sério
e ver com reservas o que é fake né. Fakenews sempre existiu, boato sempre existiu, mas do
volume que está acontecendo e servindo a propósitos inclusive políticos e governamentais, isso
realmente está excessivo e a gente está perdendo espaço para isso e não sei se a gente está
sabendo reagir.
A gente demorou para entender que a gente vai ter que se reinventar. Os mais novos já
estão entendendo isso, a gente é que está demorando um pouco. A gente vai ter que migrar dos
grandes veículos para a internet e a gente vai ter que construir de novo a nossa credibilidade.

Maurício Simionato:

Eu que vim do jornalismo impresso e decidi abrir uma janela, do jornalismo


institucional que na verdade nada mais é do que você trabalhar em parceria com o marketing
e com relações públicas. Você acaba agregando, abrindo janelas em relação à comunicação.
132

Então, como eu fiz essa pós em comunicação e marketing e trabalho no aeroporto, numa área
de assessoria de imprensa que atua junto com o departamento de comunicação e marketing,
então foi um grande aprendizado, de participar de eventos, de fazer eventos. Então eu tive que
ampliar meu repertório que era só de reportagem de jornalismo impresso ou partir para um
outro lado também. E aprendi muita coisa com o jornalismo institucional, principalmente
como lidar com pessoas. Acho que jornalismo tem muito disso né. Que é meio que você tem
que aprender a lidar com pessoas. Isso é uma lição muito importante e com o jornalismo
institucional isso se reforçou na minha parte.

Nice Bulhões:
Eu sempre trabalhei com CLT. Acredito que outras formas de contratação, como os
PJ, podem ser importantes para alguns cargos no jornalismo, mas não se pode simplesmente
inverter a proporção. A CLT é primordial e traz garantias ao trabalhador.

Alayr Ruiz:
Eu acho que a geração mais nova deu uma dominada aí, mas a nossa geração foi
ficando mais velha e foi perdendo um pouco de espaço. Mas isso é natural dentro do nosso
esquema de trabalho no país, que você prefere demitir um mais velho, que ganha mais e é mais
experiente e contratar um mais novo, ignorando a importância de ter diferentes gerações
trabalhando no mesmo espaço, porque uma só tem a ganhar trabalhando com a outra. Eu
penso que o jornalismo, de forma geral, está muito chapa branca. As iniciativas mais
indignadas são as vezes sites independentes, que lutam muito para sobreviver porque não é
fácil você manter um site, uma empresa de comunicação tendo de competir com empresas que
estão ali consolidadas com departamentos comerciais, com coisas que tem já um esquema de
trabalho e uma carteira de clientes.

Sara Silva:
A internet permitiu que a gente fosse o “dono” do meio de comunicação. Não só o
dono, mas a gente passou a ter mais possibilidades de se comunicar diretamente com um
público sem intermediário, ou criar o próprio veículo. É você ser seu próprio veículo. Tanto é
que, profissionais de outras áreas que entenderam isso, por exemplo os blogueiros, porque
eles encontraram uma possibilidade de se comunicar direto com o público. Por exemplo, uma
profissional que era terapeuta, para anunciar o tipo de serviço que ela faz, ela tinha que
colocar um anúncio no jornal, fazer um texto, tinha que ter um intermediário.
133

Com a internet ela mesmo fala com o público que está interessado nela, que a “Calda
Longa”90, são os microgrupos de interesses que você atinge num universo de pessoas, você vai
falar com aquele grupo. Por exemplo, você faz um anúncio no jornal, atira para tudo que é
lado, mas se ela “atirar” em dez que está interessado no trabalho dela é muito mais efetivo.
Então, os blogueiros entenderam isso e encontraram aí uma possibilidade de se comunicar
diretamente com um público que é o que ele está querendo atingir, e não precisava mais de
um veículo tradicional. A internet permitiu esse contato direto com o público. Então os
jornalistas que tem uma formação que se preocupa com a formação ideológica, com a questão
técnica, a gente não é a notícia, nós somos os intermediários, a gente é repórter, nós temos a
técnica de reportar o que está acontecendo e a gente sabe quais são as técnicas para levar
essa informação com a maior possibilidade de isenção, coisa que quem produz conteúdo não
tem capacidade para entender isso, para produzir um material nesse sentido.
Então, as novas tecnologias vieram para o bem, mas tem essa questão da
superficialidade que hoje em dia todo mundo faz e é complicado.

Luciana Almeida:
A Internet precisa de recorte, precisa ser segmentada, precisa ser especializada,
precisa ter nicho, senão você é um projeto muito grande e aí exige muito dinheiro. Tudo que é
grande demais exige dinheiro demais para existir e os nichos começaram a aparecer aí e na
questão da “calda longa” os nichos e a internet possibilitaram ter mercado para as pessoas
que nunca teriam mercado em outras circunstâncias. Então, a Internet veio como uma
ferramenta pró jornalista como uma possibilidade de empreender num projeto nichado. Mas
isso já fazia parte da minha discussão de projetos segmentados, então foi só um novo ambiente
para algo que eu já meio que transitava. Então o Campinas.com nasce no meio disso, com um
projeto antes chamado “Tudo de Bom Campinas”, projeto para valorizar a cidade, para
responder o que se tinha nela para fazer, dialogando com uma cidade que tinha uma discussão
do que não tinha, negativa, de baixa autoestima. A gente mostrava que tinha para a cidade se
perceber diferente do que ela se percebia. E aí para mim foi ficando muito claro o papel que
a comunicação pode fazer. Ela tem um papel de ser um ativador, de ser mobilizador, que até
então não parecia para mim tão forte no jornalismo tradicional. Apesar do papel de denúncia,

90O termo cauda longa, traduzido do inglês long tail, é uma ferramenta que vem sendo utilizada cada vez mais
no mercado online por proporcionar resultados positivos na segmentação de conteúdo. Esse é um recurso
econômico da internet representado por um gráfico de curva, por isso o nome cauda longa.
Fonte: https://www.internetinnovation.com.br/blog/entenda-o-que-e-cauda-longa-e-como-a-segmentacao-do-
conteudo-pode-melhorar-seus-resultados/
134

outros papeis que a comunicação pode fazer quando aparece o online, que é esse de
engajamento, e foi ficando isso claro para a gente, porque até hoje quando alguém na internet
fala que não tem nada para fazer, alguém pega o portal e responde: então você não conhece
o portal Campinas.com.br . Então a gente mostrou que através da comunicação é possível
você mobilizar, engajar e mudar até percepções.
Isso foi muito legal. Para fazer o portal a gente teve que aprender negociar, fazer
contratos, aprender várias coisas que não eram habilidades que até então a gente tinha. Foi a
hora que começou o negócio e a gente teve que desenvolver habilidades de administração,
negociação, vendas, um plano de negócios, modelo de negócio, melhorar projetos, tecnologia,
acompanhar equipes que a gente nunca tinha acompanhado na vida, habilidades que até então
o jornalista na faculdade não tem e não era estimulado a ter. E foi muito desafiante, foi a
primeira vez que a gente arriscou tudo, a gente podia perder tudo. Então, entendemos que
empreender significa arriscar, que é um lugar de medo para o jornalista que foi formado na
faculdade. Mas você tem que arriscar.
Então a gente começou a desenvolver um perfil de empresário, foi forjado, lapidado,
dolorido, é até hoje, a gente sempre tem que buscar muito curso e as coisas estão mudando
muito rápido e a gente tem que aprender muito. Então uma questão que acho que se coloca no
presente hoje é o jornalista empreendedor. Até então a gente não precisava ser empreendedor.
E hoje, se você quiser sobreviver no mercado, você vai ter que ser um jornalista empreendedor.
Até então a gente vem empreendendo em novos projetos, entendo que o portal é um
meio e não é o fim, e onde está o negócio então? Um novo modelo de negócio para esses
negócios online ou o jornalismo que foi para o online, já que o online tem uma percepção de
que é gratuito, que as redes sociais são gratuitas, o que é uma falsa percepção, porque na
verdade existe negócio, o Google tá ganhando, o Facebook está ganhando, o Instagram está
ganhando, inclusive com os conteúdos que muitos jornalistas produzem, e o jornalista não está
ganhando com a alimentação dessa rede de distribuição de informação.
Então o empreendedor, como fazer para que o negócio seja financiado e você consiga
continuar produzindo um bom jornalismo, de checagem, de uma informação correta, uma
informação que não seja fake, uma informação que não seja desavisada, que se preocupe com
o outro é um grande desafio.
135

Rose Guglielminetti:
Sempre trabalhei como CLT, nunca fui PJ. Houve uma proposta para vir para o Metro
quando estava chegando em Campinas, mas não tive interesse em ser PJ e aí contrataram
como CLT.
Acho que diante da crise no mercado de trabalho, o empreendedorismo pode ser uma
saída, só que tem de ser pessoas que saibam fazer. Eu, por exemplo não sei fazer. Eu não sei
vender. Meu blog, quem vende é a Band. Mas vamos supor que se eu resolvesse romper com
essa estrutura formal do trabalho, eu teria que ter uma pessoa que vendesse para mim, porque
eu não sei. Então eu acho que essa geração que está chegando agora, de novos jornalistas,
eles não são como a gente.
A velha geração, nós somos formados para denunciar, somos formados para ir contra
interesses, o que mais encantava a gente era denunciar um político corrupto, era fazer
matérias superlegais e tal; essa geração nova foi formada já na mídia social e que interessa
para ela é que a informação chegue a um número “x” de pessoas. Então eles já são youtubers
que não veem problemas em falar de uma coisa e vender ao mesmo tempo. Então talvez, para
essa nova geração o empreendedorismo seja a saída, mas tem que ter vocação.

Encontrar um nicho de atuação dentro do jornalismo online, trabalhar com dados, criar
plataformas digitais, aprender a empreender, pois não haverá mais emprego. Essas são algumas
das alternativas apresentadas nos depoimentos acima como forma de sobrevivência no mercado
trabalho
Como é possível observar nos depoimentos, o empreendedorismo aparece como uma
forma de se manter no mercado de trabalho. A lógica apresentada é: uma vez que não haverá
mais emprego, crie o seu. Porém, é importante notar, neste caso, que não se trata de uma
alternativa.

5.1 – O trabalho do jornalista em perspectiva – rumo ao precariado?


Nos relatos abaixo, os entrevistados responderam sobre qual a perspectiva para o
trabalho dos jornalistas e se, diante das novas tecnologias e das novas formas de comunicação
e difusão de informações, eles ainda viam a profissão como necessária. As respostas foram as
seguintes:
136

Michele Costa:

Então, para falar do futuro do jornalismo, acho que é uma coisa que está entrando em
extinção mesmo, considerando que as novas gerações vão se adaptando a isso, as novas
gerações de jornalistas vão se adaptando a esse mercado, a essa movimentação, a essas
mudanças, e vão mudando o jeito de fazer, que chamam de jornalismo. Mas o jornalismo que
a gente conheceu, o jornalismo que a gente fez com muita dedicação, com muita seriedade, em
alguns momentos da vida até com esperança que isso contribuísse para melhorar um pouco a
sociedade, esse tipo de jornalismo, está mais difícil de esperar que continue com as novas
gerações. Enquanto estiverem os colegas, talvez na nossa faixa etária, da nossa época que
consigam preservar isso de alguma maneira, mas não consigo ver essas novas gerações de
jornalistas levando isso adiante. Só consigo vê-los incorporando a situação atual, ou
moldando isso e fazendo algo novo, algo diferente, que talvez possa receber um novo nome
para os pesquisadores da área comunicação, mas creio que daqui algum tempo não vai ser
chamado de jornalismo não.

Mário Camargo:
Eu acho que o jornalismo sempre será necessário. O que me preocupa, enquanto o
jornalismo e enquanto o profissional, é que tipo de jornalismo estão fazendo hoje. Eu tenho
receio que o jornalismo deixe de ser importante quanto já foi, ou menos importante do que é
hoje, o advento da tecnologia trouxe algo novo, que é a produção de conteúdo. A gente não
produz mais matérias. E sem diploma, hoje qualquer pessoa pode produzir conteúdo. Então
eu acho que nós estamos numa encruzilhada. O jornalismo está numa encruzilhada, porque o
jornalismo que apura, que tem fonte, e que tem método, com todos os problemas que o
jornalismo tem, tem método, a tua ética, enfim, toda uma estrutura redacional de narrativa,
quando você percebe que todo mundo pode produzir conteúdo, que cada um pode criar seu
meio de comunicação na internet, seja ele um blog, ou uma rede social, seja o que for, isso
sem qualquer tipo de consciência da ética, da apuração, você vê esse absurdo dessa avalanche
de fake news. E aí, quem consome informação já não sabe mais, não tem mais condições de
definir se aquela matéria que está, dita que foi no Uol, realmente foi publicada no Uol, porque
ele vai ter que investigar. Antigamente era o jornalista que investigava a notícia. Agora ele, o
público, vai ter que investigar se aquilo é verdade ou não e em muitos casos não consegue.
Então, acho que isso é uma encruzilhada para o jornalismo. O jornalismo perde muito com as
fakenews. Ah, você quer fazer reserva de mercado? Não é isso. É que o bom jornalismo leva
137

tempo, tem que ter estrutura, tem um gasto, você tem gasto para produzir, você tem gasto para
veicular. Então o jornalismo vive uma encruzilhada e eu tenho receio de perder muito a
importância para sociedade. Paralelo a isso, se o jornalismo bem feito perde importância para
a sociedade, obviamente que o jornalista também perde, ainda mais, sem diploma, sem
consciência ética, então eu vejo que, além de a gente ter perdido um glamour que nunca teve
na minha opinião, mas que para muitos teve, eu acho que não corre o risco de ser extinto, mas
corre o risco de perder a importância mesmo, o jornalista enquanto profissional. Hoje eu não
posso me considerar um jornalista mais. Eu faço gestão de redes sociais, eu escrevo matérias,
eu faço vídeos para internet. Esse é um trabalho de jornalismo. O que eu fiz de apuração da
matéria, de conversar com o vereador é, agora de produzir um vídeo para rede social, fazer
gestão dos comentários, isso não é jornalismo. Agora, tem algum jornalista que não faz isso
hoje? Eu acho que não. Então eu acho que ou o jornalismo muda, ou ele perde importância.
Outro dia eu estava conversando com um professor de universidade, da Unimep, e ele me disse
que possivelmente essa universidade não tenha curso do primeiro ano de jornalismo esse ano.
Isso é um problema. Baixa procura, a universidade está em crise, as universidades EAD estão
tomando conta. Então, se você não tem entrada para o primeiro ano do curso de jornalismo,
numa cidade como Piracicaba, que tem 400 mil habitantes, e atende uma região de 600/700
mil habitantes, isso é preocupante, corrobora com a ideia de que a gente vai perder
importância. Então, não sei se a gente vai acabar, mas como existiremos, como nós seremos?
Seremos talvez produtores de conteúdo, talvez não tenha mais o diploma de jornalista, mas
vamos continuar produzindo notícia.

Claudio Liza Jr.


Eu acho que está tudo aberto, e o que vai acontecer na minha opinião é que o jornalista
sério vai entrar nesse mundo virtual e produzir e competir. Vai ser mais individual do que
corporativo, porque as grandes corporações estão sabendo entrar nas redes sociais. Elas vão
sobreviver ainda muito. Mas são poucas, os jornais médios e até alguns jornais grandes que
não estão sabendo lidar com isso eles vão, acho que inevitavelmente, sumir. Eu vejo, mesmo
sem saber como aproveitar, eu vejo oportunidade nisso. Eu acho que a gente vai ter
oportunidade, já tem, de abrir um negócio próprio, ser empreendedor da notícia. O mundo
virtual tá muito movimentado, tá muito presente. Ele é um outro mundo e muita gente tá
ganhando dinheiro com isso. Tá empreendendo. O jornalista não sabe fazer isso, mas vai ter
que saber. Eu estou tentando entrar nisso aí.
138

Produzir notícia tem custo, mas não o mesmo custo que um jornal tem, de comprar
papel, de ter transporte para distribuição, de ter que printar, imprimir, de manter as linhas
telefônicas. Para produzir com qualidade, você vai ter que ter gasto telefônico, vai ter gasto
de internet, gasto de transporte para ir nos lugares. Mas hoje em dia é viável fazer sozinho.
Você vai ter que ter uma pequena retaguarda por trás, que não é a mesma coisa de um grande
jornal. Só que aí vai entrar um outro problema atual, que acho que é a segmentação. Cada um
vai entrar na sua área. Os grandes jornalões universais, que informam você sobre tudo, a
tendência está contra eles, embora eles sejam absolutamente necessários. Eu não vejo isso
mais. As pessoas estão indo mais no seu nicho de interesse e que está abrindo seu negócio está
indo fazer o que sabe fazer, que é mais fácil.

Maurício Simionato:
Os desafios de hoje eu considero que são as formas de fazer uma junção de jornalismo,
com tecnologia de forma que esse jornalismo ele tenha um tom mais aprofundado, ou mais
analítico, do que o jornalismo impresso. O jornalismo impresso traga um tom mais analítico
e com mais fôlego, reportagens especiais, coisas que as pessoas não vão ler na internet. As
pessoas vão procurar um jornal, uma revista, para ler materiais mais aprofundados, de
investigação, com texto mais apurado, com análise e acho que essa, eu vejo isso como o
caminho do jornalismo, para diferenciar do hard news que vai todo, hoje, para o online.
Então eu vejo uma saída aí né, além dessa questão analítica, do jornalismo analítico,
de aprofundar nas questões, eu acho que também o jornalismo de dados, de ter as ferramentas,
de saber pesquisar dados que estão disponíveis na internet, essa é uma grande sacada que
pode alavancar o jornalismo, não só o jornalismo impresso, como o jornalismo online. Esse
jornalismo de dados, saber compilar dados é muito importante, é uma questão que vem se
destacando.

Nice Bulhões:
Acredito que as mídias sociais desafiam os profissionais a todo momento. Hoje, um
profissional bom não é apenas aquele que apura uma boa matéria, já que, além disso, precisa
entender de palavras-chaves, logaritmos, memes... enfim tudo aquilo que envolve os meios
digitais. Sem contar, que a profissão enfrenta a falta de reconhecimento e respeito, seja pela
não obrigatoriedade do diploma para o ofício, pelo registro da profissão para
"pseudojornalistas" e ainda pela confusão entre matérias sérias e as fake news.
139

Alayr Ruiz
O jornalista é muito necessário nos dias de hoje, acho que ele ainda não se deu conta.
As empresas de comunicação ainda não se deram conta do real papel do verdadeiro jornalista,
daquele que é o eterno incomodado, daquele que fica indignado com as coisas, que questiona.
Talvez o principal desafio, além de retomar a relevância que é nossa, que a gente tem essa
importância, principalmente nesse momento político no Brasil, em que qualquer notícia que é
desfavorável ao atual presidente é classificada como fake news e não é. E é um conceito que
se impregnou em sua base eleitoral. Então, de alguma maneira a gente tem que tentar reverter
isso; e como se tornar viável financeiramente. Você tem que ter um suporte, um departamento
jurídico para grandes reportagens investigativa, denúncias. É um desafio, que nós estamos sob
ataques constantes.

Sara Silva:
Eu acho que o jornalista nunca foi tão necessário como agora. A gente é o principal
filtro do dessa avalanche de informação, fake news, por exemplo, que é um fenômeno que veio
com as novas tecnologias e, assim, o jornalista nunca foi tão necessário para ser o filtro de
toda essa avalanche de informação que chega, o jornalista tem a capacidade de traduzir isto
de uma forma mais profissional, com mais qualidade para o público. Eu só acho que os
profissionais da área têm que encontrar o caminho, qual é o caminho? Eu acho que isso vai
começar a se desenhar, os profissionais estão saindo das grandes redações, estão, por
necessidade até, tendo que encontrar novos caminhos e a gente acredita no seguinte, que não
tem mais emprego formal. Eu não acredito mais em emprego formal. Acredito em você abrir
seu próprio terreno, a fórceps, a facão, abrir o terreno e encontrar novos caminhos de
trabalho. Acho que o empreendedorismo chegou no jornalismo, com toda força. Acho que tem
muitos caminhos. Nunca se necessitou tanto de comunicação como hoje. Os nossos clientes,
que são empreendedores também, eles sabem de tudo, menos comunicação. Ninguém sabe
comunicação. Os jornalistas são os únicos que sabem trabalhar a comunicação de forma
profissional, de uma forma que seja de qualidade. Isso em vários setores, a comunicação é o
mais importante hoje para a vida de qualquer profissional.
Então, o empreendedorismo chegou ao jornalismo e acho que cada um vai encontrar,
até por necessidade, novos caminhos para se reinventar. Acho que a gente tá no meio dessa
transição ainda, a gente não tem isso muito definido. O Boni escreveu um livro sobre isso, há
uns cinco anos, e ele defende, como acontece em outros países onde isso está um pouco mais
formatado, que haverá uma cobrança pelo conteúdo na internet, não sabemos se isso pode
140

acontecer. Acho que no Brasil é muito difícil, porque temos a cultura do piratear, de não pagar
pelas coisas, do jeitinho. Mas na música, com Spotfy, o Netflix, a gente paga. Eu acho que
esses formatos, como Uber, Airbnb, talvez esses formatos disruptivos pode chegar na
comunicação de alguma maneira nesses grandes veículos e cobrar por entrega, e isso criar
um mercado novo. Mas estamos num momento de transição e o profissional de comunicação
nunca foi tão necessário.

Luciana Almeida:
Se a gente quer um futuro diferente, a gente tem que entender para onde ele está indo,
quais são as regras e como vamos criar coisas a partir dessa apropriação do que está sendo
colocado, que façam grupos e pessoas e o coletivo e o colaborativo também ficar bem. Todos
os eventos de inovação que eu vou dizem “quem não se inovar, está fora” e eu fico me
perguntando onde é o planeta chamado “tá fora”, que todo mundo será colocado numa nave
e levado para lá, porque não existe “tá fora”, se for isso mesmo a gente tem uma
miserabilização geral, uma situação e uma condição humana muito complicada, e não será só
os jornalistas, serão várias e várias profissões. Eu acho que a nossa categoria começou antes
e também tem chances antes de se apropriar e se reinventar.
Então não e só uma questão de patrão e empregado. Inclusive os próprios veículos
grandes, onde tinha os patrões, eles também estão sendo engolidos. A gente olha aí a Abril, a
gente olha os grandes jornais, não é um problema só do Correio Popular, por exemplo, é um
problema do Correio Brasiliense, de outros e outros, e jornais internacionais. Então, entende
que eles também foram engolidos por essa mudança? Então é uma discussão muito mais
ampla, mas exige o “eu” fazedor, que é uma habilidade que até então muitas carreiras não
tinham, e a gente está tendo que desenvolver de uma forma muito dolorosa, diferente para
gerações novas que estão vindo aí porque parece que eles já vem entendendo isso, mais prontos
para empreender, mas é um cenário do mercado de trabalho muito assustador, porque o
mercado de trabalho como a gente conhece não vai existir.
Mas quem sabe fazer uma curadoria de conteúdo, quem sabe checar, quem sabe
organizar e concatenar as ideias de uma forma lógica, coerente, que dialogue com o outro,
sempre vai ter valor. Então, eu nunca vi na verdade tanto emprego como hoje para jornalista,
porque todo negócio tem um portal que precisa produzir conteúdo, que precisa comunicar esse
conteúdo para seu público, que é um público específico, que está nas redes, que está em vários
lugares. Se a gente for olhar mesmo com uma lupa menos crítica, eu acho que nunca teve tanto
emprego para quem produz conteúdo e para quem sabe fazer conteúdo como jornalista. E vejo
141

muitas pessoas não conseguirem produzir conteúdo, porque falta alguma coisa na organização
das ideias. Então não é uma habilidade para 100% das pessoas. É uma habilidade forjada,
tem processo, tem técnica e tem aprendizado, e ela é uma habilidade que está em alta de
oportunidade de trabalho. Então muda a perspectiva, conteúdo bom, apurado, que fale com o
público, está em alta. Então o jornalista é muito necessário.

Rose Guglielminetti:
O jornalista é necessário porque, como falei, o leitor e o ouvinte te mandam uma foto,
um vídeo, mas você tem que checar. Então o que diferencia um jornalista de um blogueiro e
de uma pessoa que não é formada é checagem da informação e a responsabilidade com aquilo
que você escreve, com aquilo que você fala e com aquilo que você veicula. Essa é a diferença.
Nós vivemos nestas últimas eleições (em 2018), as fake news. Era um negócio
assombroso, então a gente perdia muito tempo. Pela primeira vez a gente teve que formar um
grupo de veículos de imprensa para checar notícias mentirosas. Você imaginava isso em
eleições anteriores? Nunca.
Obviamente a fofoca e a elaboração de relatórios contra candidatos sempre existiram
em campanhas, mas cabia ao jornalista checar a veracidade. Então essa responsabilidade com
a informação é muito do jornalista que é ético, do jornalista sério. Apesar do atual presidente
da república querer desqualificar a imprensa, eu acho que a mídia social tem um poder
incrível, só que o poder de credibilidade dela não chega a 10% de um veículo oficial de
informação. Então a mídia ainda é importante para a democracia. Pode se discutir que ela
está concentrada nas mãos de empresas, que tem interesses, mas aí é outra discussão, mas ela
é necessária para a democracia, e estamos sofrendo ataques.
Há políticos querendo criar uma nova forma de informar, de ir para as redes sociais.
Acho que o país está vivendo tempos nebulosos, sombrios na questão da liberdade. A gente
ainda tem, mas somos atacados. Quando faz uma matéria que não agrada um público, eles
vêm para cima da gente com ameaças, com discurso de ódio, não querem entender nosso papel
de denunciar. Antigamente, se alguém não gostava da matéria ela pedia um outro lado, ela
entrava na justiça. Hoje não, hoje nos desqualificam nas redes sociais. É um negócio absurdo.
As pessoas e as próprias empresas que são essa mídia oficial – jornais, revistas,
televisão, a gente está tentando entender como vai ser esse futuro e como nós vamos sobreviver
no meio das redes sociais. O que a gente tem feito? A gente tem gravado live, então, mais uma
atribuição que se tem. Antes nós tínhamos horários estáticos para entrar no ar. Então eu
entrava no jornal da noite, entrava no jornal da tarde, só que agora não. Agora eu tenho que
142

escrever lives. E tem muito poder. Ontem gravei uma live sobre a questão dos tickets da
Câmara (Municipal) e está com 20 mil visualizações, compartilhamentos, então as pessoas se
informam hoje pelo smartphone. Minha filha de 16 anos lê tudo pelo celular, assiste seriados
pelo celular.
Como a gente vai se adaptar, não sabemos ainda. A gente está descobrindo novos meios
de vender. Então, por exemplo, a gente sabe que se estiver numa live, a pessoa vai querer ver
o que eu vou falar no jornal das sete. Então houve uma inversão, a gente vai para as redes
sociais para trazer o público para o veículo oficial. A gente tá juntando tudo, o blog, estamos
descobrindo como vai ser isso. A gente tá lutando, todos estão lutando, jornalistas, as
empresas. Pois quando fecha um veículo há desemprego, e não vai ter mais aquela vaga. Como
a gente vai se reinventar eu não sei, mas a gente precisa. Quem está no mercado tá com a água
batendo no nariz, e a gente fica tentando não se afundar. Isto é tanto os trabalhadores e as
empresas, eu vejo todo um esforço para pagar os salários em dia, manter o negócio, mas tá
complicado. Mas eu ainda tenho fé na mídia oficial. Nós vamos migrar para os novos meios.
O jornalismo existe. Hoje não existe uma superestrutura por de trás da informação, hoje com
celular você pode fazer.

Paulo Zochi;
Então, para falar sobre o futuro da profissão: o jornalismo exige meios e estrutura
importantes. O jornalismo não pode ser feito, por exemplo, por blogueiros, por mais
importante que seja o trabalho deles, eles não podem ser comparados como fonte de
informação jornalística comparável a um jornal que acaba, porque eles não têm a capacidade
de investigação que tem um jornal. Capacidade econômica, porque fazer jornalismo custa
caro. Para fazer uma reportagem profunda sobre um tema, precisa deixar uma pessoa fazendo
isso, durante algum tempo. As vezes exige viagens, as vezes necessita de várias pessoas. Então,
entendo que neste momento a gente ainda não superou a necessidade de se ter empresas de
comunicação e jornalismo. A via da comunicação pública, com uma empresa forte de
comunicação pública seria uma boa possibilidade. Evidentemente isso depende de meios
políticos para manter de forma autônoma. As próprias empresas de comunicação estão
colocadas no horizonte. Estão aparecendo novos meios de atividade jornalística. A principal
questão, no meu ponto de vista, é que o jornalismo tem que ser uma atividade profissional, ou
seja, “mídia ninja” é jornalismo? Na minha opinião não. Sou a favor da liberdade de
expressão e todo mundo tem direito de se expressar. Um sindicato tem direito de treinar seus
diretores para fotografar, filmar uma manifestação, por exemplo, mas não é jornalismo.
143

Jornalismo é uma atividade profissional, regulamentada, que exige todo um


conhecimento. A gente defende uma informação de nível superior. Tem a questão de
linguagem, a questão ética. Então, eu creio que hoje o jornalismo profissional é mais
necessário do que ele era há trinta anos atrás. A sociedade é mais complexa. Então, o
jornalismo vai resistir, agora como exatamente não está claro ainda, porque aparecem novas
formas de informação, sites investigativos, coisas que são interessantes.

O que se observa a partir dos depoimentos dos jornalistas que vivenciaram as


transformações ocorridas nas últimas décadas é que o jornalismo, enquanto atividade de levar
a informação à sociedade ainda se faz necessário. Mais do que isso, uma vez que, no tsunami
de informações que circulam ininterruptamente, sob vários meios, ele seria mais necessário do
que nunca, pois seria sua expertise, seu compromisso ético, filtrar o que é fato do que não é.
Ao mesmo tempo, observa-se ainda uma perplexidade sobre como atuar e como sobrevier neste
novo cenário.
Como observamos no Capítulo 2 deste trabalho, o jornalismo nasceu e se desenvolveu
como uma necessidade do capitalismo, com a crescente troca comercial e a necessidade de
circulação da informação, esta, por sua vez, transformada em um produto de consumo através
da notícia.
O que ocorreu nas primeiras décadas deste século é que as formas de produção, venda
e consumo da notícia não necessariamente dependem mais da intermediação do jornalista.
Assim, se enquanto profissão ele continua necessário como um filtro do que é realidade e o que
não é, qual seria seu espaço de atuação? Como trabalhador precarizado das grandes empresas
de comunicação, que cada vez mais prescindem de seu trabalho? Como microempresário,
vendedor de notícia? Como agente de marketing, cada vez menos comprometido com sua
autoconcedida missão de contar um acontecimento a um grande público e mais parecido com
um bedel de imagem de celebridades e/ou empresas?
Dentro deste cenário, os jornalistas estão sofrendo grandes impactos. Há a mudança na
base tecnológica, queda de tiragem dos impressos, crise do atual modelo de negócios. As
empresas de mídia colocaram em segundo plano o negócio da comunicação. Na prática
renunciaram ao jornalismo e retiram lucros principalmente na base do rentismo e outros
negócios não necessariamente ligados ao jornalismo91, conforme observado por Ramonet:

91Ver notícia em http://sjsp.org.br/noticias/do-agronegocio-ao-mercado-imobiliario-conheca-os-outros-


negocios-dos-donos-da-mi-39d7, acesso em 10 de setembro de 2018
144

Lembremos que os donos dos meios de comunicação não são nem mesmo
empresários do ramo, mas empórios empresariais com ações e interesses em
todos os setores, desde multinacionais das telecomunicações que controlam os
canais de divulgação da informação até grupos bancários imprescindíveis para
o seu funcionamento. E sua viabilidade depende dos grandes anunciantes,
como as empresas de hidrocarbonetos, automobilística, magazines. Estes
meios não são quarto poder nenhum; são o poder do dinheiro ... (RAMONET,
2013, p. 74).

Neste contexto, como se coloca o jornalismo enquanto profissão que foi criada a partir
da necessidade e produção da notícia – o produto vendável da informação? Com aceleração
das formas de transmissão, o fácil e contínuo acesso, não só para o consumo, mas produção de
conteúdo de notícia por qualquer cidadão portando um smartphone, teriam os jornalistas
perdido sua função enquanto profissionais que reportam determinados acontecimentos ao
público mais amplo? Ramonet (2013) analisa esta questão da seguinte forma:

O que é um jornalista? É o analista de uma jornada, de um período, como a


própria história diz. Mas o período não existe mais e, em consequência, não há
mais jornalismo, mas sim imediatistas que não são capazes de analisar, pois
para isso, é preciso tempo. Se esse tempo desapareceu não há análise. Então a
informação é arrastada por uma aceleração geral que faz com a que a
velocidade intrínseca de cada meio não seja igual, todos se organizam em
função da velocidade dominante – que é a do imediatismo, a da internet, mas
também pode ser a do rádio ou a do canal de televisão com informação
contínua. O único veículo que não pode transgredir ou suprimir o período é a
imprensa escrita – a que mais sofre, entre outras razões, por requerer um
processo industrial, com suas máquinas, papeis, caminhões e operários. Assim
sendo, a rapidez faz com que seja cada vez mais difícil para o jornalista ter um
tempo de análise suficiente (RAMONET, 2013, p. 56).

Desta forma, conforme observado acima, a produção de notícia, como produto da


informação deixa de ser um ofício restrito ao jornalista. Captar imagens e editar em aplicativos
de simples operação e disponíveis de forma gratuita na internet, gravar áudios, escrever
pequenos texto noticiosos e poder difundi-los através de diferentes meios, sem custo, ou mesmo
atuando como cidadão “colaborador”, de forma voluntária para os veículos de comunicação
comerciais, como pode ser observado nos boletins de trânsito nos programas de rádios e nos
telejornais, ou em situações de violência, acidentes ou fenômenos climáticos filmados com
aparelhos de celular e cedidos, sem custo, para transmissão, tornaram-se atividades que têm
dispensado o trabalho profissional do jornalista.
Ainda neste ponto, as novas tecnologias da comunicação proporcionam a uma nova
gama de profissionais, especialistas em determinados assuntos, terem a disposição canais de
difusão sem a necessidade de se recorrer aos “media”. (RAMONET, 2013).
145

Mas, seria isso jornalismo como definido por Ramonet, o analista de uma jornada, ou
de um período? No contexto colocado, de coleta e difusão de informação, com as novas
tecnologias tornaram a profissão redundante nos dias atuais? Essa questão, colocada em
perspectiva, recoloca o jornalista como um agente na manutenção da informação não mais
como mera mercadoria, mas já como um direito social dentro de uma sociedade complexa e
globalmente interligada, em um cenário de circulação ininterrupta e em quantidade incalculável
de informação que, não raras vezes, não tem conexão com fatos.
Outro ponto levantado por Ramonet é que, com o avanço da tecnologia e predominância
dos meios eletrônicos de comunicação, avançamos rumo à extinção da imprensa escrita em
papel. Citando como exemplo o mercado norte-americano, o autor observa que isso tem como
consequência o aumento das demissões e crescimento de contratos de trabalho precarizado,
especialmente entre os mais jovens:

Dezenas de milhares de jornalistas têm perdido seus empregos. Nos Estados


Unidos, foram demitidos 35 mil jornalistas nos últimos anos. A característica
principal da profissão hoje é a precarização. A maioria dos jovens jornalistas é
muito mal paga. Trabalha por tarefa, muitas vezes em condições pré-
industriais. Mais de 80% dos jornalistas recebem baixos salários. A profissão
vive sob ameaça constante do desemprego e, a despeito disso, as faculdades de
jornalismo e Comunicação da Europa e Estados Unidos continuam formando,
todos os anos, centenas de milhares de profissionais que, não raro, vão ser
explorados pelo mercado. (2013, p. 89).

A situação colocada por Ramonet, em análise sobre a situação dos jornalistas nos
Estados Unidos e na Europa, se reproduz no Brasil com as características econômicas e
culturais do país.
Neste cenário, o trabalho do jornalista poderia estar se configurando no que Standing
(2015) define como precariado?
Em termos gerais, Standing define o precariado como uma classe de trabalhadores
marcados pela permanente insegurança, não só no mercado de trabalho, mas em função disso,
em todos os aspectos da vida. Nesta análise, os jornalistas poderiam ser definidos no que o
autor chama de proficians (profissionais) e technician (técnico), que detém um conjunto de
habilidades que podem ser vendidas através de contratos autônomos ou consultorias.
Com isso, há cada vez menos sentimento de pertencimento a uma categoria
profissional, pois o trabalho solitário, muitas vezes realizado na própria residência, a falta de
segurança de renda a partir do trabalho – geralmente os contratos, ainda que possam ser bem
remunerados, tem duração definida. Assim, o trabalho caracterizado pelo precariado carece de
uma identidade profissional (STANDING, 2015).
146

A reforma na legislação do trabalho, principalmente a partir da Reforma Trabalhista e


da Lei das Terceirizações, em 2017, tem levado à substituição, involuntária por parte dos
trabalhadores, de contratos formais por formas flexíveis de trabalhos sem vínculos formais, que
os obriga a se tornarem empreendedores ou Pessoa Jurídica para se manter ativo em sua
atividade laboral e mesmo como necessidade de sobrevivência.
Essas transformações, como procuramos demostrar neste trabalho, representam
claramente uma precarização das relações do trabalho e mais do que isso, precarização das
relações socais. Com isso, conforme apontou o antropólogo Carlos Gutierrez em entrevista ao
site de notícias Nexo Jornal, sobre o avanço do empreendedorismo como forma de
sobrevivência no mercado de trabalho e o impacto disso no discurso político da esquerda, “Há
uma tendência para que todos sejam empreendedores, uma vez que as regras coletivas de
negociação passam a ser individuais” 92.
No jornalismo, essa tendência aparece com a generalização dos contratos Pessoa
Jurídica e MEI, que leva à conversão quase compulsória dos trabalhadores em empreendedores.
Como é possível observar nas entrevistas realizadas para este trabalho, mesmo as profissionais
que se tornaram microempresárias por opção, há a seguinte constatação: “nós fomos formados
para ser trabalhadores, a gente sabe apurar uma reportagem, escrever, editar, não administrar
uma empresa”.
Com a dupla desregulamentação enfrentada pelos jornalistas – a da própria profissão,
com a perda do diploma e da primazia na divulgação de informações com as novas tecnologias,
não dissociada das ocorridas no mercado de trabalho, com as crescentes formas precárias de
contratação, que passaram em muitos casos a ser legalizadas pela Reforma Trabalhista - o
cenário torna cada vez mais estreita a inserção no mercado via emprego formal, com garantias
da CLT, ainda que profundamente modificada com as recentes leis da terceirização e reforma
trabalhista.
Conforme observa Pochmann (2017), essa forma de (des)organização do trabalho torna
o sistema de assalariamento com contratos regulares de trabalho cada vez menos frequente.
Assim, a insegurança passa a ser a tônica das relações laborais.

A atualidade da reformulação encontra-se inserida na lógica a desconstituição


do trabalho tal como se conhece, pois integra o novo sistema de UBERização

92
Como a substituição do ‘trabalhador’ pelo ‘empreendedor’ afeta a esquerda. Entrevista ao site do antropólogo
Carlos Gutierrez à João Paulo Charleux, publicada no site de notícias Nexo Jornal em 1 de novembro de 2016,
atualizada em 2 de novembro de 2016. Acesso em 3 de julho de 2019. Disponível em:
https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2016/11/01/Como-a-substitui%C3%A7%C3%A3o-do-
%E2%80%98trabalhador%E2%80%99-pelo-%E2%80%98empreendedor%E2%80%99-afeta-a-esquerda
147

do trabalho no início do século XXI. Isso porque o modo UBER de organizar


e remunerar a força de trabalho distancia-se crescentemente da regularidade do
assalariamento formal, acompanhado geralmente pela garantia dos direitos
sociais e trabalhistas (POCHMANN, 2017, p. 277).

Além das já descritas formas precárias de contratação, seja as informais, como freelance
e frila-fixo, seja as formalizadas, como a pejotização e MEI subordinadas a um único
empregador, as novas formas de contratação previstas nas Reforma Trabalhista, como o
contrato intermitente, em que o trabalhador fica à disposição do empregador para realizar
trabalhos just in time, ou seja, na exata necessidade do empregador, recebendo somente pelas
horas efetivamente trabalhadas, se encaixam nas possibilidades abertas com posição de
microempreendedor. Neste caso, se trataria da venda direta de um serviço ao cliente. Não mais
um contrato de trabalho.
148

Considerações finais:

As mudanças na regulação do trabalho, a partir da década de 1970 e o advento das


políticas de cunho neoliberal tiveram como objetivo a submissão do trabalho pelo capital após
o breve período em que esta relação estava sob regulação estatal. Foi o fim do chamado pacto
fordista.
Assim, o processo de desregulamentação que se assiste desde então está baseado no
discurso no qual a rigidez das legislações trabalhistas e a intervenção estatal na relação entre
empresários e trabalhadores era nociva, uma vez que inibia o investimento, impedia uma livre
negociação entre iguais e assim atravancava o desenvolvimento e a consequente geração de
empregos.
Obviamente, esta narrativa encontrou eco nos altos índices de desemprego verificados
neste período, em grande parte como consequência dos próprios ajustes neoliberais da
economia, com os cortes em investimentos públicos e primazia em gerar superávits fiscais
como metas dos diferentes governos como única forma de garantir crescimento econômico.
Nesse cenário, cria-se uma profecia autorrealizável, baixo investimento, baixo
crescimento, baixo consumo, alto desemprego. Aos trabalhadores é apresentado o binômio:
direitos é igual a desemprego. Assim, cabe a renúncia ao trabalho regulado para a flexibilização
e insegurança, em troca de garantia de trabalho, o que geralmente não ocorre, como pode ser
observado no Brasil após a aprovação da Reforma Trabalhista, ou quando há emprego é de
forma extremamente precária.
Do mesmo modo a mudança nos padrões de produção, com a fantástica velocidade de
inovações tecnológicas sugam profissões que há não muito tempo pareciam promissoras e
estáveis.
Para os jornalistas essas transformações os atingiram em duas frentes:
Enquanto trabalhadores, viram a profissão passar por um processo de
desregulamentação, seja com a perda do diploma, o fechamento de redações, os constantes
“passaralhos” e o crescimento das formas de contratação precárias, como free lance, frila fixo,
PJ e empreendedores, mesmo que, no último caso, as vezes sem vocação ou preparo para isso.
Do ponto de vista da tecnologia, a extinção de antigas funções, o enxugamento das
redações, a necessidade do trabalho multimídia, a constante necessidade de atualização
profissional.
Há ainda, do ponto de vista da identidade, a perda da primazia de ser o portador da
notícia, a testemunha ocular dos acontecimentos, filtro e tradutor das informações para a
149

sociedade. Sofre agora a concorrência de novos atores e sente-se como quem chegou atrasado
à festa da era digital.
Neste trabalho, ao situarmos o jornalismo moderno como uma criação do capitalismo,
e o jornalista como um trabalhador que produz uma mercadoria, a notícia. Ttambém situamos
a atual crise do setor como consequência da crise do capitalismo.
O fim das grandes redações, o enxugamento dos postos de trabalho, as fusões
interempresariais são reflexo de movimentos do capital, que cria a partir de suas crises novas
possibilidades de acumulação, de extrair lucros. Assim a desregulamentação e a insegurança
são as atuais formas de manter o trabalho subordinado, pelo medo do desemprego e da
precarização da vida.
Quando iniciei esta pesquisa, em março de 2017, o foco principal de análise da
precarização era como os contratos de Pessoa Jurídica para jornalistas representavam uma burla
à legislação trabalhista ao impor este tipo de contrato a amplos setores da categoria, mesmo
estes realizando um trabalho subordinado a uma mesma empresa. Assim, uma relação normal
de trabalho transforma-se numa relação entre empresas, com prejuízos ao trabalhador quanto
às garantias de seus direitos previstos na CLT, bem como estabelece uma falsa relação entre
empresas, inclusive com fraudes no recolhimento de impostos.
Durante o andamento da pesquisa, tivemos a aprovação da Lei das Terceirizações e da
Reforma Trabalhista, que subverteu todo o arcabouço protetivo da CLT e abriu um amplo
cardápio de possibilidades aos empresários para dispor do uso e remuneração da mão-de-obra.
Contratações através de MEI, pejotização, trabalho intermitente, temporários, terceirizados e
outras formas de contratações atípicas deixaram de ser exceções e passaram a ser possibilidades
concretas, amparadas pela legislação, como mecanismos de redução de custos de trabalho.
Assim, entendemos que a pejotização é um dos elementos da precarização da profissão
de jornalista e um subterfugio de burla da legislação trabalhista. Mas no cenário atual, a própria
legislação do trabalho vem sendo desmontada. Portanto, trata-se de um desmonte mais
complexo.
Com o crescimento do desemprego, o fechamento de grandes redações, por um lado, e
as possibilidades de trabalho abertas pela internet, compreendemos que a profissão hoje vive
um momento de redefinição. Os contratos PJ, MEI e o empreendedorismo sinalizam o
momento de individualização das relações de trabalho. As possibilidades abertas pela internet
colocam à produção de conteúdo informativo ao alcance de uma ampla parcela de pessoas e ao
jornalista caberia se estabelecer neste novo cenário e fazer-se necessário.
150

Na fala da uma das entrevistadas para esse trabalho, questiona-se o mantra dos
vendedores das maravilhas deste novo cenário: “quem não se adaptar está fora”. A questão é:
onde é o fora?
Talvez a respostas para essa questão esteja nos milhões de trabalhadores precarizados
ao redor do mundo, tentando sobreviver como se fossem empreendedores, mas na realidade
apenas empregados de ninguém, a serviço de um algoritmo que o conecta com outros milhões
de pessoas que demandam seu serviço e que pagam para um aplicativo, que lucra com essa
transação, mas que no entanto se exime de qualquer responsabilidade sobre o trabalhador, uma
vez que se coloca apenas como intermediador.
O que apresentamos aqui foram as consequências das mudanças ocorridas no mundo
do trabalho especificamente numa categoria profissional de cunho intelectual, que ainda detém
grande poder de influência na formação da opinião pública e que vem passando por um
processo de desregulação e precarização. Entretanto, não se pode observar essas mudanças
dissociadas do movimento geral da desregulamentação das relações entre capital e trabalho
observados nas últimas três décadas e do triunfo das políticas neoliberais.
151

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