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INSTITUTO DE ECONOMIA
Campinas
2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
Campinas
2019
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Economia
Luana Araujo de Lima - CRB 8/9706
Defendida em 23/09/2019
COMISSÃO JULGADORA
This dissertation analyzes the transformations occurred in labor relations from the
1990s through a case study of journalists. This category of workers is quite representative of
the economic and social impacts that occurred in the world labor in this period because it is
one of the first and one of the hardest hits by precariousness.
With the advent of new communication technologies, the production and
dissemination of information became accessible to large numbers of professionals, while the
profession of journalist went through a process of deregulation that can be synthesized by the
end of the obligation of a specific diploma for the practice of journalism, in 2009. The crisis
that hit the mass media led to cost cutting and layoffs in major newsrooms.
The proliferation of atypical work contracts, such as Individual Companies (PJ),
Individual Microentrepreneurs and Free Lancers has been increasingly used by communication
companies as a form of hiring, thus transforming a working relationship in a contract between
companies.
In the same vein, self-employment, or entrepreneurship, has been touted as an
outlet for professionals to stay active and compete in an increasingly undefined labor market,
constrained by the regulated labor supply side and, on the other hand, with new possibilities
with channels opened by internet, which in turn are occupied by a wide range of professionals
in the production of information content.
Thus, the profession of journalist, on the one hand, goes through a crisis process,
either through layoffs, dismantling of large newsrooms, bypass the of labor rights, or in the
forms of hiring.
1
BORGES, 2007, p. 81.
12
Introdução
2 As características principais das relações de trabalho predominantes no pós-guerra são: centralização das
negociações; reconhecimento dos sindicatos; restrição à dispenda de pessoal, subcontratação ou emprego de
pessoa eventual; controle sindical sobre alocação das tarefas, formulação de políticas salariais de longo prazo com
incorporação de parte dos ganhos de produtividade, jornada padrão de 8 horas diárias, sistema de proteção em
caso de doença, desemprego e velhice; e o desenvolvimento de políticas sociais que permitam a elevação indireta
dos salários (cf. KREIN, 2007). Os contratos de trabalhos atípicos são assim chamados porque expressam formas
de prestação de serviços cuja característica fundamental é a falta ou insuficiência de tutela contratual (cf.
ANTUNES, 2005).
13
Para tanto, dois processos que marcaram os anos 1990 foram fundamentais. O
primeiro deles foi a terceirização, que assumiu várias formas, sendo as mais
frequentes a subcontratação de empresas menores, que burlam a lei com mais
facilidade; a contratação de trabalhadores através de cooperativas de trabalho;
e o recurso à trabalhadores “autônomos”, contratados por “prestação de
serviços”, empresas individuais, sendo que estes três últimos foram (e são)
amplamente utilizados para descaracterizar a relação de emprego. O segundo
caminho para a flexibilização-precarização foi o da desregulamentação das
relações de trabalho (BORGES, 2007, p. 84).
Uma das formas precarizadas de contratação que começou a ganhar espaço no período
foi a transformação do trabalhador em Pessoa Jurídica (PJ), que o coloca com o status de uma
empresa que presta ou vende serviços à outra empresa. Tal forma de contratação tem ocorrido
principalmente nos setores de trabalho intelectual, com grande incidência entre os jornalistas e
profissionais da área de comunicação (SILVA, 2014), sendo que nos últimos anos tem havido
14
um crescimento também no setor de ensino superior privado (FACCI et al., 2017; Brasil de
Fato3).
A lei nº 9249/ de 1995, que entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1996, em seu Artigo
9º estabeleceu que na tributação de Pessoa Jurídica poderia haver dedução da apuração do lucro
real, pagos ou creditados individualmente à titular, sócios e acionistas, como remuneração de
capital próprio calculados sobre o patrimônio líquido.
Conforme disposto no Artigo 10 da mesma lei, os lucros e dividendos poderiam ser
calculados a partir de lucro presumido, não sujeitos à incidência da cobrança do imposto de
renda, nem integrando a base de cálculo para o imposto de renda de pessoa física ou jurídica,
mesmo que residentes no exterior.4
A vantagem na tributação foi fator de incentivos para que vários profissionais com alta
remuneração optassem por abrir empresas prestadoras de serviço ou mesmo abrir uma empresa
individual e atuar como autônomo, mesmo mantendo uma relação de trabalho subordinada.
Nos anos 2000, a Emenda 3 ao Projeto de Lei nº 6.272/05 (que deu origem à Lei
11.457/2007 que fundiu a fiscalização da Receita Federal e da Previdência, criando a chamada
Super Receita), estabelecia que caberia somente ao poder judiciário descaracterizar casos de
contrato pessoa jurídica, ato ou negócio jurídico que implicasse em relação de trabalho 5. Com
isso, o reconhecimento de uma relação de emprego subordinada, mesmo embutida em um
contrato de Pessoa Jurídica, só poderia ser reconhecido através de um processo judicial.
A Emenda 3 foi vetada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo com
forte oposição dos principais meios de comunicação, que na época criaram uma narrativa na
qual tal emenda era um antídoto contra o que chamavam de arbitrariedade dos agentes de
fiscalização. Entretanto, as empresas de comunicação tinham interesse direto na legislação,
uma vez que elas eram um dos principais setores que passaram a utilizar a contratação através
de contratos de Pessoa Jurídica, conforme anotado por Dalossi:
3 Disponível em https://www.brasildefato.com.br/2017/12/28/2017-e-ao-avanco-da-mercantilizacao-do-ensino-
superior/, acesso em 4 de maio de 2018.
4 Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9249.htm , acesso em 13 de setembro de 2018.
5 HARADA, Kiyoshi. Super-Receita. Veto à Emenda 3. Uma tremenda confusão mental. Disponível em
6
DALOSSI, Bruno Maffin. Emenda 3 – revogação da legislação trabalhista? Disponível em
https://jus.com.br/artigos/9858/emenda-n-3 , acesso em 13 de setembro de 2018.
7 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11196.htm, acesso em 13 de maio
de 2018.
8 O fenômeno da “pejotização” e a motivação tributária. Disponível em
https://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-
estatisticas/estudos-diversos/o-fenomeno-da-pejotizacao-e-a-motivacao-tributaria.pdf , acesso em 18 de maio de
2018.
16
Desta forma, por desconfigurar uma relação subordinada de trabalho, neste tipo
de contrato cabe ao empegado assumir os riscos, arcar com os tributos e com a própria
contribuição previdenciária, mesmo prestando serviço contínuo à mesma empresa.
Conforme apontado por Krein:
Outro ponto que pode ser acrescentado é o crescimento do número de empresas sem
empregados após a promulgação da lei que criou a figura do Microempreendedor Individual
(MEI), que entrou em vigor em 2009 (Lei Complementar nº 128, de 19 de dezembro de 2008)9.
Criado como mecanismo para formalização de trabalhadores de baixo rendimento que
atuam à margem do mercado de trabalho, o MEI acabou sendo também uma forma de incentivo
para a transformação de trabalhadores em empresários individuais, uma vez que, conforme
aponta estudo do IPEA, 49,7% dos MEIs são formados por trabalhadores demitidos ou que
desistiram de procurar emprego, configurando-se mais como uma estratégia de sobrevivência
do que uma opção de inserção no mercado de trabalho (OLIVEIRA, 2013; KREIN et al.,
2018).
Desta forma, essa legislação também contribuiu para a ampliação das formas de
contratações individualizadas, conforme pode se inferir da análise de dados da RAIS.
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que configura uma burla na legislação trabalhista,
conforme observado por Krein:
A relação de emprego disfarçada (encoberta ou simulada) pode ser considerada
como mais uma iniciativa presente no mercado de trabalho no sentido de
driblar o padrão de regulamentação do emprego vigente no país. Ela ocorre
quando estão presentes características do trabalho assalariado, mas a
contratação da prestação de serviço é feita sem contemplar os direitos
trabalhistas e previdenciários vinculados a ele. Ou seja, está contida uma
relação de subordinação do trabalho, mas a forma de contratação não é dada
por um contrato de trabalho regular, ou seja, trata-se de uma simulação
(KREIN, 2013, p.163).
10
MORI, Kyiomori. Vale a pena ser jornalista PJ?. Artigo publicado no Portal Comunique-se, em 01 de agosto
de 2013. Disponível em https://portal.comunique-se.com.br/vale-pena-para-o-jornalista-ser-pj/, acesso em 16 de
maio de 2016.
20
estabelecerem como empresários de si mesmo e assim substituir uma relação de trabalho por
uma relação interempresarial (SILVA, 2014).
No Brasil, com a Reforma Trabalhista (Lei 13467/2017) em vigor desde novembro de
2017, o quadro tende a se agravar: precarização da jornada de trabalho e o chamado
teletrabalho, que regulamenta o home office, o trabalho intermitente, entre outras, dentro de um
“cardápio” de desregulamentações que devem afetar ainda mais o setor da imprensa e
comunicação, que já é altamente pejotizado e afetado pelo uso de novas tecnologias (GALVÃO
et al., 2017).
Com relação aos contratos Pessoa Jurídica, embora não haja diretamente a legalização
da pejotização na lei, a possibilidade de prevalência da negociação direta entre empregados e
empregadores sobre o legislado tende a dificultar a comprovação e entendimento de fraude.
Além disso, a reforma trabalhista, ao fixar no Artigo 442-B, que “A contratação do
autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de
forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta
Consolidação”, abre-se a possibilidade para interpretação que legitima formas de contratação
que descaracterizam a relação de emprego formal.
Em entrevista ao site do Sindicato dos Jornalistas dos Estado de Minas Gerais, Daniela
Muradas Reis11 apontou que, entre os aspectos da reforma trabalhista que atingem diretamente
os jornalistas estão a precarização da jornada de trabalho e o teletrabalho (home office). “Como
o setor de imprensa já é altamente pejotizado e afetado pelo uso de novas tecnologias, a
informalidade do trabalho agora está amparada por lei e vai valer o que o mercado ditar. Num
setor concentrado como esse as consequências serão muito grandes”12.
11 Professora da Faculdade de Direito e Ciências do Estado da Universidade Federal de Minas Gerais, com
mestrado e doutorado em Direito e pós-doutorado em Sociologia do Trabalho.
12
Em entrevista a site do Sindicado dos Jornalistas Profissionais do Estado de Minas Gerais (SJPMG). Disponível
em www.sjpmg.org.br/2017/07/jornalistas-estao-entre-os-mais-atingidos-pela-reforma-trabalhista-diz-
professora-de-direito-do-trabalho-da-ufmg/ acesso em 30 de abril de 2018.
21
Outro ponto que pode ser observado é que, com a flexibilização das formas de
contratação legalizadas pela reforma trabalhista, o jornalista também passa se sujeitar ao
trabalho uberizado, ou seja, colocando-se à disposição para realização de trabalhos eventuais
através de plataformas digitais, os chamados aplicativos utilizados em smartphones para
prestação de serviços eventuais, os chamados jobs.
De acordo com a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) esta categoria vem
constituindo-se, nos últimos anos, numa das mais atingidas pela onda de demissões e
precarização das relações de trabalho, conforme demonstrado em editorial publicado no site da
entidade por ocasião do Dia do Trabalhador em 2016: “Demissões, atrasos e não pagamento
de direitos trabalhistas, baixos salários, arrocho, assédio e violência, entre outros desrespeitos
aos direitos trabalhistas têm sido frequentes no cotidiano enfrentado pelos jornalistas no
exercício da profissão”13.
Ainda de acordo com a FENAJ, apontado no mesmo editorial citado acima, a categoria
enfrenta problemas trabalhistas crônicos, sendo que os principais podem ser resumidos no
desrespeito à jornada de trabalho – a maioria das empresas não pagam horas extras e sonegam
o vínculo em carteira. Há a generalização do trabalho sem qualquer vínculo empregatício, os
chamados de frilas e frilas-fixos14, além da imposição da situação de Pessoa Jurídica para parte
de categoria.
A pesquisa “Perfil do jornalista Brasileiro” (MICK et al., 2012) realizada com um
universo de 2.731 jornalistas, de todos os estados brasileiros e do exterior, através de
participação voluntária, dentro de um universo estimado de 146 mil jornalistas existentes no
país naquele ano, traz dados sobre a evolução das formas de contratação no jornalismo embora
ainda aponte para a prevalência de contratos CLT naquele ano15.
Assim, no início desta década, conforme a pesquisa citada, dos profissionais que
atuavam em veículos de mídia (excluindo-se, portanto, os que atuam em assessorias de
imprensa, sindicatos e outras entidades não diretamente ligadas ao jornalismo), formavam
54,5% da categoria. Destes, 59,8% trabalhavam sob regime CLT, ao passo que freelancers
eram 11,9%, prestadores de serviços 8,1% e os contratados como Pessoa Jurídica formavam
13
Firmes na luta em defesa a Democracia, dos direitos dos trabalhadores e contra o golpe – A opinião da Fenaj.
Brasília, 1º de maio de 2016. Disponível em www.fenaj.org.br/firmes-na-luta-em-defesa-da-democracia-dos-
direitos-dos-trabalhadores-e-contra-o-golpe/ acesso em 30 de abril de 2018.
14 Contratos sem nenhum vínculo formal. O Frila (corruptela do termo inglês Free Lancer) presta serviços
eventuais à várias empresas, enquanto o frila-fixo é ainda mais precarizado, pois trata-se de um funcionário
subordinado a uma empresa sem qualquer registro formal.
15 Importante ressaltar o caráter voluntário de participação na pesquisa e a metodologia utilizada, a partir da base
de dados de sindicatos e empresas pode ter levado à maior acesso de profissionais que atuam em contratos formais,
sendo que free-lancers e frilas fixos, por atuarem de forma mais difusa e de mais difícil contato.
22
6,8%, somando 26,8% dos trabalhadores no setor de mídia. A mesma amostra apontou que
3,8% eram empresários, enquanto 6,5% atuavam no setor público. Outros tipos de contrato
abrangiam 3,1% dos jornalistas.
Por outro lado, a pesquisa mostrou que os jornalistas que atuavam fora da mídia
formavam 40,3% da categoria e as formas de contratação estavam distribuídas da seguinte
forma: 39,4% CLT; 27,1% no setor público e 4,8% empresários. Os regimes de contratação
que podem ser entendidos como contratos precários respondiam por 28,8% neste setor, sendo
13,7% contratos de prestação de serviços, 5,5% freelancers, 5,4% PJ.
Em um levantamento mais recente, Lelo (2019), em uma Survey realizada com 318
jornalistas no estado de São Paulo apontou o predomínio de formas de contratação precárias,
sendo que dos participantes, 33% disseram atuar em regime CLT e 8% como servidores
públicos, totalizando 43% os contratos formais, ao passo que 18% se declaram freelancers e
18% eram PJ. Outros 9% trabalhavam sob contratos de prestação de serviços, 4% em cargos
de comissão e 1% eram estagiários.
Ao longo das últimas décadas, a categoria dos jornalistas tem passado por uma série de
transformações pelo advento de novas tecnologias de comunicação e pela desregulamentação
da profissão, inclusive com o fim da obrigatoriedade de diploma de nível superior específico
para o exercício da profissão que também impactou no mercado de trabalho, uma vez que
habilitou uma ampla gama de profissionais para o exercício do jornalismo, o que pressiona
ainda mais o mercado de trabalho e salários e contribui para maior precarização das relações
de trabalho neste setor.
O setor de mídia tem passado por várias transformações, como fusões, concentração e
racionalização do trabalho. As redações tradicionais, com repórteres, editores, fotógrafos,
diagramadores, podem ser substituídas por um único indivíduo com um telefone multifuncional
(smartphone) e uma rede e internet. Com essas tecnologias à disposição, as empresas de
comunicação lançaram mão do chamado jornalismo colaborativo, ou seja, o público
(espectador, internauta, leitor, ouvinte) é encorajado a ser o produtor do conteúdo que será
publicado sem que seja remunerado por esta “colaboração”.
Além disso, conforme aponta Ramonet (2013b), com a atual tecnologia de informação
e comunicação, até mesmo a primazia dos meios de comunicação de massa como difusores e
intermediadores de informação para o grande público torna-se secundária, uma vez que existem
meios e instrumentos para que cada pessoa possa produzir e disseminar informação, deixando
de ser um mero receptor/consumidor.
23
[...] Cada cidadão tem acesso à informação sem depender dos grandes meios
de comunicação, como antes. O novo dispositivo tecnológico faz com que cada
cidadão deixe de ser só receptor da informação – acabando, assim, com um
modelo que foi norma durante muito tempo, desde o advento dos meios de
massa. Nunca na história das mídias os cidadãos contribuíram tanto para a
informação. Hoje, quando um jornalista publica um texto on-line, ele pode ser
contestado, completado ou debatido, sobre muitos assuntos, por um enxame de
internautas tão ou mais qualificados que o autor. Assistimos, portanto, a um
enriquecimento da informação graças aos “neojornalistas”, que eu chamo de
amadores profissionais (RAMONET, 2013b, p. 85-86).
Metodologia:
vários profissionais, tais como editores, repórteres (texto, áudio e vídeo) diagramadores,
fotógrafos, entre outros. Acrescento, ainda, a flexibilidade total exigida deste novo perfil de
trabalhador, que reflete nas formas de contração. Aqui também será utilizado como
metodologia a pesquisa descritiva documental.
No capítulo 4 analisamos a desregulamentação da profissão e como as novas
tecnologias impactaram o trabalho dos jornalistas. Para compor um retrato de como a
pejotização/precarização tem impactado a categoria, foram realizadas entrevistas abertas com
profissionais que vivenciam estes processos de mudança.
Por fim, no capítulo 5 abordamos como fenômenos de precarização do trabalho
relacionados às plataformas digitais, a chamada uberização, e mesmo o empreendedorismo que
vem se configurando como uma tendência para se manter no mercado de trabalho. Também
neste capítulo apontamos para possíveis cenários para a profissão nos próximos anos, com base
em trabalhos de Standing (2015), Pochmann (2017), Krein et al. (2018) bem como entrevistas
com profissionais que estão no mercado de trabalho há mais de duas décadas e vivenciaram as
mudanças abordadas neste trabalho.
27
cenário do mundo do trabalho sob a chamada Ordem Liberal Burguesa 16, período
correspondente ao da consolidação da Revolução Industrial à 1ª Guerra Mundial.
Conforme Abramo (2000), no capitalismo concorrencial e no Estado Liberal do século
XIX não havia qualquer regulação da relação de trabalho. A crescente instabilidade e tensões
sociais e crescimento da organização dos trabalhadores, a fundação da Associação
Internacional do Trabalho (AIT), em 1864 e a crescente influência de organizações socialistas
e anarquistas sobre os trabalhadores levaram à necessidade de imposição de alguns limites à
exploração do trabalho pelo capital.
De uma forma bastante resumida, pode-se destacar alguns marcos que levaram à
regulação das relações do trabalho, como a publicação da encíclica papal Rerum Novarum, em
1891, a criação do Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, que apontava em
seus princípios constitutivos que o trabalho não poderia ser tratado como uma mercadoria
qualquer devido assimetria característica da relação entre capital e trabalho.
Assim, o direito do trabalho estava na raiz do pacto social que sustentou o contrato da
sociedade moderna do século XX, com legitimidade à regulação pela esfera pública, com base
no pacto fordista, que, em linhas gerais, foi a referência de construção do Estado de Bem-Estar
Social (ABRAMO, 2000).
Os pressupostos desta regulação, fundavam-se em duas ideias centrais: a de que os
mercados de trabalho não podiam receber o mesmo tratamento de outros tipos de mercado
devido a sua função de gerador de renda e garantia de sobrevivência para a massa de
trabalhadores e que os mercados de trabalho são caracterizados por um grande desequilíbrio
estrutural entre seus atores - capital e trabalho - e que, portanto, era necessário a constituição
de mecanismos de garantia à proteção da parte mais frágil desta relação, os trabalhadores
(ABRAMO, 2000).
Foi a partir da Grande Depressão na década de 1930 e principalmente ao final da 2ª
Guerra que emergiram as políticas que caracterizaram o Estado de Bem-Estar Social e que
seriam predominantes nos países do centro capitalista até meados da década de 1970. Este
período pode ser considerado um hiato extraordinário na história do capitalismo, embora
restrito aos países do centro capitalista. Foram registradas as maiores taxas de crescimento e
16
A ordem liberal burguesa foi o período marcado pela hegemonia industrial britânica nas décadas iniciais do
século XIX, quando a Inglaterra dominava as tecnologias das primeira Revolução Industrial e controlava o mundo
ocidental e um vasto território de colônias, o chamado longo século XIX, conforme definição de Hobsbawm
(1995).
29
17Na análise de Bihr (1998) o “compromisso fordista” poderia ser considerado, do ponto de vista do proletariado,
como um acordo no qual aceitava as formas de dominação capitalista do pós-guerra em troca de sua seguridade
social, abrindo mão da renúncia de sua “aventura histórica”, ou a luta revolucionária.
30
status anterior ao da 2º Guerra Mundial e se livrar da regulação política dos Estados, ou,
conforme as palavras de Streeck (2013), busca sair da “jaula” na qual havia sido colocado pelos
acordos de Bretton-Woods.
Do ponto de vista econômico, no início da década de 1970, aparecem sinais de
esgotamento da economia do pós-guerra, das bases de construção da hegemonia norte-
americana preconizadas em Bretton-Woods. Países como a Alemanha e Japão despontam com
novos sistemas industriais e empresariais com maior capacidade de absorver as mudanças
tecnológicas em curso e novos países industrializados passam a ocupar maior espaço no
comércio internacional, o que ameaçava a hegemonia econômica norte-americana, que
funcionava como alicerce do modelo (BELLUZZO, 2009).
A crise dos anos 1970 levou ao solapamento de Bretton-Woods e do “compromisso
fordista” e viu surgir um novo modelo de acumulação baseado na flexibilidade dos processos
de trabalho, do mercado de trabalho e mudança nos padrões de consumo.
Numa breve contextualização de acumulação flexível, parte-se da definição de Harvey
(1989). Nesta análise, levando-se em conta a periodização do advento do modelo fordista de
produção até sua superação, no início e no final do século XX, respectivamente, é possível
observar que o padrão de acumulação capitalista teve dois grandes paradigmas de produção,
entendendo tais paradigmas conforme Utterback (1996) e Tigre (2005).
Partindo do estudo de Utterback, observamos que os padrões de inovação nos processos
de produção apresentam várias fases distintas até a definição de um projeto padrão, quando as
inovações deixam de ser focadas no produto e se concentram nos processos produtivos. As
fases apresentadas pelo autor demonstram que a estrutura organizacional das firmas varia
conforme a fase em que ela se encontra.
Resumidamente, tais fases são definidas como fluida, transitória e específica. A
primeira fase se caracteriza quando do surgimento de uma nova tecnologia, marcada por
incertezas e alto grau de inovação no produto e a estrutura da empresa é mais horizontal,
produção em pequena escala, hierarquia reduzida e mão de obra mais especializada. Na
segunda fase, quando já existe uma assimilação do novo produto, as inovações são focadas
mais nos processos de produção e a estrutura da empresa passa a ser mais hierarquizada, com
maior importância nas atividades de controle e coordenação da produção. Por fim, na fase
específica surge o que Utterback chamou de projeto dominante, quando determinadas
características e formas de produção adquirem a preferência do mercado e se tornam
hegemônicas. “O surgimento do projeto dominante não é, necessariamente, uma coisa
predeterminada, mas é resultado da interação entre opções técnicas e de mercado, num
31
(...) dentro de uma sociedade de mercado, tal sistema econômico retira a legitimação
ideológica do predomínio dos valores que exaltam a liberdade individual do máximo
proveito econômico dentro dos mercados competitivos. Nas famosas palavras de Marx,
num tal meio ambiente o ‘fetichismo das mercadorias’ domina as relações sociais.
(HYMAN, 2005, p. 20).
Assim, a prevalência do Estado neoliberal nas últimas décadas, pela ação estatal, levou
ao desmantelamento da institucionalidade construída ao longo do século XX, principalmente
nos anos pós-guerra II, de regulação das relações de trabalho. Os reflexos também foram
sentidos nas formas de organização do movimento sindical, que no período assistiram a
corrosão de sua base, perda de densidade e de capacidade de financiamento, que levaram a uma
estratégia defensiva, realizada para garantir a sobrevivência.
Esse processo rompe com a lógica que no século passado levou à intervenção estatal na
relação entre capital e trabalho, com objetivo de proteger a parte mais frágil, diante da intensa
exploração a que eram submetidos os trabalhadores, no entendimento que o trabalho não
poderia ser considerado um simples fator de produção como outro qualquer.
Os espaços de disputa dessa relação constituíram-se através do Estado e suas
instituições, das negociações e do contrato coletivo, o que envolve diferentes agentes e
diferentes níveis de negociação e as empresas, com determinações unilaterais e discricionárias
(ABRAMO, 2000).
Na conjuntura econômica da América Latina, Abramo (2000) anota que o debate sobre
a flexibilização ocorreu num contexto marcado por profundas transformações na estrutura do
emprego. A crise econômica dos anos 1980 e as medidas de ajustes estruturais adotadas no
período levaram à deterioração das relações de trabalho, com aumento das taxas de desemprego
aberto, queda dos salários, aumento da informalidade e da precarização do trabalho. Esta
situação também teve como consequência o enfraquecimento nas formas tradicionais de
organização sindical e negociação coletiva.
Assim, a elevação dos níveis de desemprego na década de 1990 e a persistência de
instabilidade econômica em vários países da região serviu de combustível ao discurso da
necessidade de flexibilização das relações de trabalho como forma de gerar empregos. O
reajuste das empresas para se adaptar às transformações na forma de produção e recuperar as
margens de lucro foram principalmente na diminuição da mão-de-obra. Estes ajustes
representaram a introdução de mecanismos legais que visavam facilitar as demissões e reduzir
os custos do trabalho.
Abramo (2000) destaca ainda que mesmo no período em que se pode observar um
crescimento do nível de emprego, nos primeiros anos da década de 1990, estes eram
caracterizados pela deterioração da qualidade, ou seja, precarização. No mesmo período,
34
também houve o crescimento das contratações sem qualquer tipo de proteção, que são
classificadas pela OIT como formas atípicas, conforme observado acima.
18 Disponível em https://www.brasil247.com/pt/247/economia/336066/Belluzzo-Brasil-caiu-%C3%A0-
s%C3%A9rie-B-da-economia-global-e-nunca-mais-voltou.htm acesso em 16 de abril de 2019.
36
no Brasil no período recente. Conforme estudo de Pochmann (2016), são apontados dois tipos
terceirização dos contratos de trabalho, sendo que o primeiro tipo se refere à terceirização das
atividades externas ao processo produtivo e que pode ser definido como atividades básicas, ou
atividades-meio não diretamente ligadas à produção, tais como limpeza, segurança, transporte,
alimentação entre outros.
O segundo tipo se caracteriza pela terceirização de atividades internas primárias no
interior da empresa, que estão diretamente ligadas à atividade fim e exercido por empresas
parceiras, em contratos de longo prazo. Neste processo, que Pochmann denomina de
superterceirização, as principais atividades estão no núcleo da cadeia produtiva, principalmente
em funções de produção, vendas, logísticas, organização, supervisão e gerência, entre outras.
Ao contextualizar a proliferação da terceirização e a consequente precarização do
trabalho, Druck (2016) aponta que este processo representou uma redefinição da centralidade
do trabalho. Assim, a reestruturação dos processos produtivos inspirados no modelo toyotista
impõe uma reorganização do trabalho, com papel central das redes de subcontratação.
Conforme a autora:
19
Conforme consta no original (antes da entrada em vigor da reforma ortográfica)
40
Mattoso (1990), tendo como referência Boyer (1989), observa que as mudanças que
caracterizaram o sistema de produção nas décadas finais do século XX ocorrem num ambiente
de acelerado desenvolvimento tecnológico e alta competitividade:
Neste cenário, o controle da qualidade torna-se vital e fez com que as empresas
buscassem mecanismos de adaptação. Tarefas como o marketing, comunicação e
administração ganharam centralidade no controle do processo de produção.
Dentro da nova estrutura nas relações de trabalho, foram desenvolvidas regras gerais
que podem ser aplicadas em qualquer empresa e na relação trabalho assalariado/capital. Assim,
há relações de trabalho não assalariado, com outras formas de remuneração e transformação
nas relações capital/capital, como ocorre nos processos de terceirizações – quando uma parte
de trabalho indireto é separado e fatiado e assim sai da estrutura da empresa, ou mesmo na
transformação direta do empregado em empresa, através dos contratos Pessoa Jurídica,
colocando assim uma relação de trabalho subordinado em um contrato entre empresas,
conforme observado acima.
41
Em estudo sobre o impacto das terceirizações nos direitos dos trabalhadores, em uma
análise comparada dos casos do Brasil e da França, Thébaud-Mony & Druck (2007)
demostram que houve grande crescimento das terceirizações em todas as direções, com
expansão em novas modalidades de contratação e sua disseminação tanto no setor público –
que premido pelas políticas de austeridade fiscal imposto pelas políticas neoliberais e assim
impedido de realizar concursos públicos, suprem a necessidade de contratação de servidores
através de contratos terceirizados via Organizações Não Governamentais (ONGs),
Organizações Sociais (OS), Organizações Sociais de Interesse Público (OSCIP), além de
cooperativas e no setor privado, com a externalização das atividades, com novas modalidades
de contratação precarizadas que ganharam destaque. Assim:
Desta forma, as regras que regem as ralações de trabalho são alteradas, embora não haja
alteração na relação entre trabalho e capital. Os conflitos passam a ser “administrados” dentro
do âmbito empresarial. Neste contexto, a política de Recursos Humanos transforma as regras
gerais em individuais e padroniza o comportamento dos trabalhadores. Há a eliminação do
controle coletivo – sindicatos, cooperativas. As ações são padronizadas em processos e
procedimentos na empresa.
O tipo de atividade desenvolvida determina o tipo de mão de obra e a tecnologia que é
empregada. A fragmentação da estrutura produtiva leva ao desenvolvimento de economias
baseada em pequenas empresas – produção pequena – que por sua vez contribui para
reprodução do capital das grandes empresas. Essas microunidades de produção, via de regra,
são compostas por trabalhadores informais e/ou pequenas empresas familiares e caracterizam–
se pela baixa produtividade/ baixa remuneração. Neste contexto inserem-se ainda os
trabalhadores por conta própria, como os chamados microempreendedores individuais (MEI)
ou Pessoa Jurídica (PJ) – que, portando, sob a ótica empreendedora, vende produto do trabalho,
não a força de trabalho, o pode servir de argumento para descaracterizar a relação de trabalho
subordinado.
Nos anos 1990, no Brasil, a adoção das políticas neoliberais e a inserção do país na
dinâmica da globalização financeira levou à abertura econômica, com fortes consequências no
mercado de trabalho interno. O desemprego tornou-se fenômeno de massa, com queda dos
salários e aumento da desigualdade social. Neste contexto de desestruturação do mercado de
trabalho começaram a surgir um conjunto de propostas para mudar a forma de regulamentação
das relações trabalhistas, apontadas como rígidas, anacrônicas e inibidoras da criação de
empregos. Dentre as propostas que surgem no período estão as modalidades de contratação
chamadas atípicas20 e flexibilização da jornada e da remuneração (GIMENEZ & KREIN,
2016).
20
Vasapollo e Martufi (2003), citados por Antunes (2005), colocam como trabalho atípico a prestação de serviços
cuja característica fundamental é a falta ou insuficiência de tutela contratual. Conforme os autores, nesta
modalidade estão incluídas todas as formas de prestação de serviços diferentes do chamado modelo-padrão, ou
seja, trabalho efetivo, com garantias formais e contratuais, contratos full-time e por tempo indeterminado. Acerca
de contratos atípicos, ver nota nº2
43
Numa análise das terceirizações no estado de São Paulo no período de 1985 a 200521
Pochmann (2008) observa que houve uma queda de 71% no tamanho das empresas de
terceirização, o que tende a estar relacionado tanto com o avanço da flexibilização da
terceirização quantitativa (atividades de base) como à alteração no tipo de terceirização (para
a superterceirização). Assim, conforme apontado no estudo, há um aumento expressivo de
empresas sem empregados, as chamadas PJ, que passaram a ser contratadas para as atividades
que antes eram desenvolvidas por empregados assalariados com contratos formais. Conforme
observa Pochmann:
Em 2005, por exemplo, quase 1/3 das empresas de terceirização de mão-de-
obra não tinham empregados, enquanto em 1985, menos de 50% do total dos
empreendimentos eram constituídos por “PJ’s”. Ou seja, no prazo de 20 anos,
o número de PJ’s aumentou mais de 174 vezes (POCHMANN, 2008, p. 61).
21
Levantamento completo em POCHMANN (2008).
44
Nos anos 2000, houve crescimento acelerado da terceirização, mesmo que neste período
a legislação permitia somente que ocorresse em funções que não fossem caracterizadas como
atividade principal da empresa, mas em atividade meio. Os setores mais atingidos pela onda de
terceirização no período foram o setor bancário, os serviços públicos e empresas estatais, com
proliferação da substituição de servidores concursados por contratações através de
Organizações Não Governamentais (ONG), Organizações Sociais (OS) e Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). No setor privado, mesmo nas atividades
nucleares das empresas, cresceram as modalidades de contratações atípicas, como as
cooperativas de mão-de-obra e empresas de uma única pessoa, os PJ (DRUCK, 2016).
Com a aprovação da Lei das Terceirizações (Lei 13.429/ 201722), seguida pela Reforma
Trabalhista (13.467/201723), respectivamente, ampliou-se a possibilidade de formas de
contratação chamadas atípicas, como trabalhadores contratados como Pessoa Jurídica, ou
Micro Empreendedor Individual (MEI), entre outras modalidades de contratação precarizadas,
como as cooperativas de trabalhadores, que até então vinham sendo consideradas pela Justiça
do Trabalho como formas de burla à legislação trabalhista. Na análise de Gimenez & Krein:
22
Texto integral disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13429.htm acesso
em 18 de maio de 2018.
23
Texto integral disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm acesso
em 18 de maio de 2018.
45
precarização das relações de trabalho, como uma avalanche que há muito estava represada. O
amplo cardápio de opções colocadas aos empregadores desequilibra a correlação de forças e
torna o trabalhador um mero instrumento de ajuste de custo e produção, submetido
exclusivamente às necessidades do empregador (GALVÃO et al., 2017).
O gráfico 224 abaixo mostra a crescimento do número de MEIs no Brasil na última
década. Observa-se que desde a criação dessa modalidade de inserção no mercado de trabalho,
houve um salto de pouco mais de 44 mil pessoas para mais de oito milhões de trabalhadores
nesta situação.
Gráfico 2
24
Extraído de ALVARENGA, Darlan Alves. Reportagem “País já tem 8,1 milhões de microempreendedores
formais; veja atividades em alta entre MEIs”, disponível em
https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/04/03/pais-ja-tem-81-milhoes-de-microempreendedores-formais-
veja-atividades-em-alta-entre-meis.ghtml, acesso em 03 de abril de 2019.
46
25
ABÍLIO, L.K. Uberização do trabalho: subsunção real da viração. Artigo publicado no site Passa Palavra em
19 de fevereiro de 2017. Disponível em http://passapalavra.info/2017/02/110685 , último acesso em 19 de
setembro de 2018.
47
Com isso, as primeiras décadas do século XXI são marcadas pelo paradoxo de uma
extraordinária revolução tecnológica, capaz de colocar o mundo nas mãos de um indivíduo
portando um pequeno equipamento eletrônico pari passu ao crescimento das mais perversas
formas de exploração do trabalho, que remetem às oficinas fabris do século XIX.
Interessante notar que o próprio equipamento que utilizamos como exemplo, reforça
este paradoxo, seja em seu processo de produção, a partir das mais aviltantes condições de
trabalho nas minas de carvão em países subdesenvolvidos (Antunes, 2018), nas condições de
trabalho no processo de desenvolvimento e nas maquiladoras, que também se aproveitam do
trabalho precário nos países pobres; seja como instrumento de perpetuação de uma jornada de
trabalho que não termina, e que as vezes sequer inicia, como ocorre com os trabalhadores zero
hora (intermitentes), os uberizados e os PJ, sempre disponíveis ao trabalho, embora este sempre
incerto.
Abílio (2017), utilizou o termo “viração” para designar a situação em que se encontra
muitos trabalhadores diante do desmonte da desregulação do trabalho e que atinge também os
trabalhadores na área de comunicação e jornalismo. Trata-se da busca de uma forma de
48
26
Abílio, L.C. Uberização do Trabalho: subsunção real da viração. Publicado no site do Instituto Humanitas
Unisinos em 01/03/2017, disponível em http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/565264-uberizacao-do-trabalho-
subsuncao-real-da-viracao, acessado em 28 de abril de 2019.
49
(...) é sem dúvida no século XVIII, com a Revolução Industrial, que a imprensa
vai se desenvolver, ganhar força como resultado de um produto industrial com
profissionais especializados. Os principais interesses dos jornais de então eram
mercantis e políticos. Com a Revolução Francesa, em 1789, começa a se fazer
jornais como se entende hoje, com várias páginas e assuntos diversos: um
espaço de opinião e polêmica (TRAVANCAS, 1992, p.17).
Assim, a informação passa a ter valor de uso e de troca e cria seu produto de compra e
venda: a notícia. Marcondes Filho (1986) define a notícia como uma mercadoria a ser comprada
e vendida, como qualquer produto disponível em um mercado:
Assim como uma roupa que se pode adquirir numa loja, assim como uma fruta
que se pode obter em uma quitanda, também notícias podem ser compradas.
Elas não são somente produtos, como se supõe a acepção mais ingênua. Elas
são, de fato, “a forma elementar da riqueza no capitalismo” (Marx); são
51
A partir da análise de Marcondes Filho (1986) pode-se acrescentar que, com o avanço
das tecnologias de informação e comunicação, a imprensa, entendida neste contexto como
meios de comunicação de massa que englobam os meios disponíveis (rádio, televisão, internet),
se conforma como um centro aglutinador das diversas demandas da sociedade.
Da mesma forma, Marcondes Filho descreve como se processa uma narrativa que tem
por objetivo escamotear o caráter mercadológico que envolve a atividade, o que lhe confere
mais poder e social que lhe caberia, uma vez que se trata de atividade mercadológica, com
objetivo de lucro, como em toda empresa capitalista.
Moraes (2013) observa que como proprietários dos meios de produção e de toda
infraestrutura e logística necessária, os grandes grupos midiáticos formam um sistema de
produção material e imaterial, que transmite valores e significados que não são meramente
abstratos. Assim, este sistema interfere na circulação de informação e interpretação e cria
consensos sociais.
No contexto do capitalismo globalizado, das grandes corporações financeiras, os meios
de comunicação de massa não são apenas constituídos de instrumento de dominação
ideológica. Eles são parte do próprio sistema, de uma engrenagem de geração de lucros,
produção e circulação de informações e de construção de consensos dentro dos interesses do
mundo das finanças global.
27 Op.cit
54
Accardo (2007), anota que, atualmente, mais do que em períodos anteriores, os medias
conformam uma indústria sujeita a todas as limitações e imperativos da economia liberal. No
cenário de avanço da tecnologia, com a hegemonia da indústria audiovisual, e particularmente
da televisão, fortaleceu, através da publicidade, a submissão ao mercantilismo de industriais,
banqueiros e outros grandes investidores que agora detêm a posse de quase todas as
informações e meios de comunicação.
Nas sessões seguintes será feita uma reconstrução histórica de como o jornalismo se
estruturou enquanto atividade profissional no Brasil, passando de um ofício exercido de forma
quase amadora até se tornar uma profissão regulamentada, com a obtenção de algumas
conquistas importantes, como a organização em sindicato, a regulamentação legal, o
estabelecimento da obrigatoriedade do diploma de ensino superior específico para seu exercício
e a criação do piso salarial.
Na sequência, será observado o desmonte dessas conquistas, como o fim da
obrigatoriedade do diploma, a crise nos veículos de comunicação, notadamente os impressos,
as demissões em massa, a crescente onda de contratos de trabalho terceirizados, seja como
Pessoa Jurídica, MEI ou trabalho freelance, os impactos da mídia online e a entrada de novos
atores no mercado de comunicação.
Outra característica que irá marcar profundamente não só a imprensa, mas a sociedade
brasileira, é a forma como se desenvolveu o crescimento das empresas jornalísticas no país,
caracterizado por grandes oligopólios familiares e dinastias regionais que utilizaram esses
meios como uma poderosa ferramenta de influência política, econômica e cultural que
prevalece ainda hoje.
Como consequência desta concentração, cabe registrar também que o contraponto, na
forma de resistência de setores populares também tiveram grande importância na história da
imprensa brasileira, notadamente a imprensa operária que surge entre o final do século XIX e
início do século XX.
Entre o fim do século XIX e começo do século XX, uma imprensa especial
ganha terreno e destaque: a imprensa operária. São muitas publicações, várias
delas em italiano, espanhol e alemão, algumas com tiragem de 4.000
exemplares. É uma imprensa característica de uma época e específica para um
tipo de público, que não se reconhecia na grande imprensa (TRAVANCAS,
1992).
28 Mais sobre a imprensa operária em: GIANNOTTI (2007; 2014); MOMESSO (2013).
29 O trecho citado encontra-se no artigo “O pensamento de Nelson Werneck Sodré sobre a imprensa e os meios
de comunicação de massa no Brasil, nos últimos anos”, inserido como anexo no livro citado, por isso, apresenta
paginação em numeral romano, diferentemente do restante da obra.
30 A íntegra da pesquisa está disponível em http://brazil.mom-rsf.org/br/midia/, acesso em 25 de março de 2019.
57
Por volta da metade até o final do século XIX, algumas pessoas já eram
consideradas jornalistas, mas o ofício de escrever para jornal não era encarado
como uma profissão. Um dos intelectuais que, em 1908, fez parte da fundação
da Associação Brasileira de Imprensa, ABI, avaliava que as características
heterogêneas daquele conjunto de produtores de conteúdo, bem como suas
condições de trabalho e salários nos veículos impressos do início do século
eram sintoma de uma profunda falta de profissionalização dos jornalistas
(LOPES, 2011, p. 61).
Na década de 1930, uma das políticas do governo Vargas era inserir a crescente classe
trabalhadora urbana nas políticas sociais definidas pelo Estado e ao mesmo tempo a controlar,
com a criação de entidades associativas e através de seu atrelamento político e econômico a
estrutura do Estado (GOMES, 1988). Numa análise dos estudos de Oliveira Viana, um dos
principais formuladores desta política, Gomes (2012) anota que, dentro do projeto de Vargas,
a organização corporativa dos trabalhadores era a melhor forma de garantir a ordem política e
social e manter as condições para o desenvolvimento urbano e industrial que começava a ser
implementado. Isso envolvia um modelo de organização sindical tutelado pelo Estado, que
serviria inclusive de modelo para a organização da sociedade que se pretendia construir.
Não por acaso, conforme observado por Mendes (1999), o Sindicato dos Jornalistas do
Estado de São Paulo nasceu no mesmo ano em que foi criado o Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), pelo governo Vargas, e, no final do mesmo ano, instituído o Estado Novo.
Na mesma década, em 1935, surge a primeira faculdade voltada para a formação de
jornalistas, na então Universidade do Distrito Federal, com formação voltada principalmente
para as Ciências Sociais e Ética (MENDES, 1999).
Com a imposição do Estado Novo a Universidade foi fechada e somente em maio de
1943 foi editado o Decreto Lei 5480 que criou o ensino de comunicação social em nível
superior.
Porém, foi graças a ação da ABI junto ao governo Getulista, que se iniciou na
Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil, a formação
superior para a área. Os primeiros alunos ingressaram na instituição em 1948,
com apoio da multinacional fabricante de cigarros Souza Cruz e contra a
vontade dos empresários de comunicação (MENDES, 1999).
controle sobre a imprensa e, do lado profissional, o jornalismo ainda se configurava como uma
profissão semiamadora, precária e pouco organizada. Além da ABI, com sede no Rio de
Janeiro, a categoria tinha como representantes a Associação Paulista de Jornalistas (APJ) e a
Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo (ACEESP), todas entidades de
caráter assistencial e previdenciária.
Quando o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo nasceu, jornalismo ainda não
era uma profissão na sua essência. Era um “bico”. Jornalista era chamado de
“militante da imprensa” e não precisava ter formação.
Os salários viviam atrasados e eram minguados. Mulher na redação era coisa
raríssima, porque jornalista era sinônimo de boemia e marginalidade. Férias,
aposentadoria, assistência médica nem existiam para os militantes da imprensa.
Como a penúria era grande, os jornalistas acabaram formando algumas
associações para assistência mútua, antecessoras do Sindicato.32
32 Texto da Jornalista Evalise Pacheco na Revista Comemorativa do 70º aniversário do Sindicato dos Jornalistas
Profissionais no Estado de São Paulo, publicada em abril de 2007.
33 Revista comemorativa do 70º aniversário do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, p.
35.
34 O lead é uma técnica de redação jornalística que surgiu nos Estados Unidos e que busca resumir toda a
informação no primeiro parágrafo do texto, baseado na seguinte fórmula: Quem? O que? Quando? Onde?
Consequências. A lógica desta fórmula é dar ao leitor a opção de ser informado do básico sem necessariamente
ler o restante do texto caso não tenha tempo ou interesse. Assim, a notícia perde o perfil analítico, procurando, em
tese, ater-se a objetividade factual.
61
jornalistas ainda viviam uma realidade próxima à ficção, com salários baixos
e irregulares e com uma jornada extenuante.35
Assim, em dezembro de 1961, foi deflagrada uma greve reivindicando reajuste salarial
de 60% e piso salarial, a época no valor de 26 mil cruzeiros, o que equivalia a dois salários
mínimos de São Paulo. O movimento teve grande adesão dos jornalistas e parte dos gráficos.
A paralisação durou cinco dias, com fortes enfrentamentos com a polícia e com os
empregadores, com piquetes para evitar que os jornais circulassem. O movimento saiu
vitorioso com a decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), que deu ganho de causa aos
jornalistas, como reajustes de 45% no salário e estabeleceu o piso de 22 mil cruzeiros a época36.
Quase duas décadas depois, em 1979, período em que ocorriam as grandes
mobilizações sindicais, principalmente na região do ABC paulista, os jornalistas do estado de
São Paulo realizaram um novo movimento paredista, reivindicando 25% de aumento salário e
imunidade contra dispensa para membros de conselhos consultivos e representantes de redação.
A greve foi decretada em um momento em que os jornalistas vinham de uma grande
mobilização em decorrência do assassinato, sob tortura, pela ditadura militar, do jornalista
Vladimir Herzog, em outubro de 1975.
Em 1979, os jornalistas vinham com a moral alta: há dois anos haviam vencido
o regime militar ao fazê-lo reconhecer a autoria da morte de Vladimir Herzog;
conseguiram aprovar a regulamentação da profissão e acompanhavam os
avanços nas greves do ABC, com o novo ordenamento de forças
capital/trabalho nelas embutido. Neste clima, mais de 1,5 mil jornalistas
realizaram a maior sessão de assembleia dos 42 anos de história do Sindicato,
no dia 16 de maio37.
Porém, diferentemente do que ocorreu em 1961, desta vez a greve foi derrotada. A
movimento não contou com a adesão dos gráficos e de outros setores, como radialistas. Com a
profissionalização havia também mudado o perfil dos jornalistas, com novas funções, “cargos
de confiança” e produção de reportagens por agências. O Tribunal Regional do Trabalho
decretou a ilegalidade da greve e os jornalistas voltaram ao trabalho em seguida.
Em depoimento à Revista Comemorativa de 70 anos do Sindicato dos Jornalistas
Profissionais do Estado de São Paulo, o jornalista Juca Kfouri fez o seguinte relato: “Foi um
aprendizado duríssimo, uma derrota muito grande. A gente prometia que não ia ter jornal no
dia seguinte e teve. Eles saíram com 10 ou 15% dos jornalistas trabalhando, mas saíram”. Na
35 de SANTIS Fernando. Sobre Greves, solidariedade e lições antagônicas. In: Revista comemorativa do 70º
aniversário do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, Abril 2007, p. 42.
36 Idem.
37 Ibidem.
63
mesma reportagem, pode-se destacar a seguinte frase: “As empresas haviam aprendido fazer
jornalismo com bem menos jornalistas”38.
Seria um prenúncio da crise a que categoria iria enfrentar nas décadas seguintes? Esta
foi a última grande mobilização dos jornalistas, que nos anos seguintes entrariam em um
período de perdas e precarização, tanto pelas mudanças que começavam a ocorrer no mercado
de trabalho, quanto pelas grandes transformações tecnológicas na área de comunicação e
também pela perda da obrigatoriedade do diploma de curso superior específico para o exercício
profissional - uma questão se arrastou por anos, sendo constantemente contestada e burlada
por vários veículos de comunicação, notadamente a Folha de São Paulo – até decisão do
Supremo Tribunal Federal em 2009, que aboliu o a obrigatoriedade, como veremos adiante.
Portanto, o período narrado acima marca o momento em que os jornalistas se
conformaram enquanto uma profissão regulamentada, que pode ser resumido nos principais
eventos envolvendo sua entidade sindical no estado de São Paulo, conforme resumido Mendes
(1999):
No mesmo ano em que foi criado o DIP, era fundado o Sindicato dos Jornalistas
Profissionais do Estado de São Paulo. O movimento sindical dos jornalistas
paulistas teve três momentos marcantes: em 1961, uma greve conquistou o
primeiro piso salarial da categoria. Em 1975, a morte do jornalista Vladimir
Herzog - pela ditadura militar - provocou indignação geral e diversas
manifestações. Em 1979, outra greve mobilizou grande parte da categoria,
embora não tenha alcançado êxito quanto às reivindicações.39
38Idem, ibidem.
39MENDES, R.F. A profissionalização do jornalismo no Brasil. In. Sala de Prensa – web para profisionales de
comunicación ibero-americanos. Disponível em http://saladeprensa.org/art40.htm acesso em 27 de setembro de
2018.
64
A exigência do diploma, por outro lado, também criou um impasse para os profissionais
que já exerciam a profissão, mas não tinham formação específica. Cabe ressaltar que em 1969
existiam 18 faculdades com curso de jornalismo autorizada pelo MEC, sendo que algumas
ainda não tinham formado as primeiras turmas.
O impasse foi contornado com a criação da figura do provisionado, ou seja, o jornalista
com registro profissional, mas sem formação específica. Essa solução criou uma divisão entre
os jornalistas, uma vez que o artigo 12 do Decreto 972/69 definia que profissionais nesta
situação não poderia exceder o limite de um terço das novas admissões. Outro decreto
dificultou ainda mais o exercício da profissão sem o diploma ao definir que estes profissionais
não poderiam exercer cargos de chefia (LOPES, 2011).
Kucinsky (2005), por outro lado, observa que o exercício da profissão de jornalista,
além da formação profissional, requer sensibilidade e uma certa vocação. Para o autor, o
argumento de que antes do estabelecimento da exigência do diploma o jornalismo era exercido
apenas por boêmios e românticos fica mais no campo imaginário do que com base na realidade.
Assim, a abertura das escola de jornalismo tinha mais a função de preparar profissionais
para as mudanças ocorridas na década anterior, quando as grandes reportagens, a postura mais
40RIBEIRO, José Hamilton. Sindicato, 60 mais 10: 70. In. Revista comemorativa do 70º aniversário do
Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo. Abril, 2007.
65
Dados mais recentes, como mostra o Censo da Educação Superior de 2017 aponta a
existência de 273 Instituições de Ensino Superior de Jornalismo sendo 55 públicas e 218
privadas. Segundo o mesmo levantamento, naquele ano foram formados 8.518 alunos41.
Interessante notar que, desde 2009, o diploma de curso superior específico para exercício da
profissão de jornalista deixou de ser exigido, como veremos mais adiante.
Tabela 1 – Instituições de curso superior e número de formados em 2017
41
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Sinopse Estatística da Educação
Superior. Brasília: Inep, 2018. Disponível em < http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-
educacao-superior> Acesso em 26 de março de 2019.
66
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Sinopse Estatística da
Educação Superior no Brasil. Elaboração própria.
Ainda assim, conforme anota Ribeiro, a taxa sindicalização não constitui o melhor
parâmetro para mostrar o crescimento da presença feminina na profissão, dada a baixa taxa de
sindicalização. Conforme o autor, o número de matrículas na faculdade Cásper Líbero, mais
de 70% das vagas, e a existência de maioria de mulheres em postos de chefia em alguns
veículos, em 1998, eram uma sinalização desta mudança no perfil de gênero da categoria.
Conforme dados da pesquisa “Quem é o Jornalista Brasileiro”, realizado em 2012 pelo
Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), em convênio com a FENAJ42, naquele ano a categoria era composta majoritariamente
por mulheres, que representavam 64% do total, enquanto os homens eram 36%.
42
A pesquisa foi coordenada pelo professor Jack Mick, com participação dos pesquisadores Alexandre Bergamo
e Samuel Lima.
68
43 Fundada em 1929 por Lucien Febvre e Mark Bloch, a École des Annales foi um movimento historiográfico
francês do século XX que tinha como características a utilização em suas análises, de métodos da Ciências Sociais
e da História. Para ver mais sobre o tema: BRAUDEL (2009) e BURKE (1990).
69
que ditavam o ritmo de trabalho e eram praticamente o símbolo das redações de jornal até
então.
Observa-se assim que, tal como ocorreria nos anos seguintes, as mudanças na
tecnologia utilizada no fazer jornalismo causam impactos e geram “crises” no momento em
que são implementadas. Não se pode dizer que isso ocorre apenas no jornalismo. O que de fato
vai causar grandes mudanças no exercício da profissão, além de todo o processo de
informatização e uso de tecnologias que até então estavam no campo da ficção será
desregulamentação da profissão de jornalista, que não pode ser observada apartada das
mudanças gerais nas relações de trabalho que caracterizaram o período. Como bem observa
Lopes:
De fato, os impactos da tecnologia sobre as profissões são fortes, a ponto de
extinguir funções, alterar modus operandi, conferir novo ritmo, criar novas
ansiedades e diminuir outras, motivar formações em novas competências. Elas
movimentam não apenas o campo dos fazeres, mas também o dos saberes e
dos valores. Contudo, é bom que se deixe extremamente claro que não é a
tecnologia sozinha e autonomamente que provoca tais alterações. Ela possui
tanto um caráter de produtor quanto de produto das ações humanas (LOPES,
2011, p. 64).
profissional passar a exercer uma série do funções, que lhe vale o rótulo de polivalente, o
desejado multimídia capaz de produzir conteúdo para os mais diferentes meios de difusão.
Ocorre que essas novas funções, com habilidades sem as quais, hoje, impossibilitam
qualquer tipo de inserção no mercado de trabalho, não são remuneradas, ou seja, o
multiprofissional continua a receber como um único trabalhador.
mínimas, primeiro se publica e assim garante um furo44, ou no mínimo não ser superado pela
concorrência. O processo de apuração e checagem fica num segundo plano, o que não raras
vezes ocasionam as barrigas45 que acabam por comprometer a credibilidade.
Assim, conforme descrito por Dantas, a discussão atual sobre crise no jornalismo reflete
as discussões sobre o modelo de negócios, impactos de novas tecnologias e mudanças nas
práticas profissionais. Acrescento ainda a discussão sobre a concentração dos meios em poucos
grupos empresariais/familiares e seu papel determinante na manutenção da agenda política em
defesa de seus próprios interesses, que no momento atual, pode se fundir com o do capital
financeiro e o modelo neoliberal.
44
Termo utilizado no meio jornalístico para designar o ato de um jornalista, ou um veículo de comunicação,
noticiar algo importante com exclusividade, antes dos concorrentes. É comum entre os jornalistas a busca
constante de um furo que lhe garanta prestígio profissional.
45
Barriga ou barrigadas são jargões utilizados no jornalismo para designar uma matéria publicada com grande
destaque, mas que posteriormente se mostra falsa, ou imprecisa.
72
Dos 191 países da ONU, só um não tem Lei de Imprensa. O Brasil. Alguma
coisa está errada nesses números. Claro que sofremos, por tempo demais, com
a pior Lei de Imprensa do planeta. Mas, pior mesmo, é não ter lei nenhuma. Os
jornais dizem que Inglaterra e Estados Unidos também não têm, só que são
realidades diferentes. Não apenas por serem países da common law (com
menos ênfase nas leis e mais ênfase nas decisões), mas, sobretudo, por não
haver lá, sobre o tema, o vazio que agora passamos a ver por aqui47.
46 Trata-se do Repórter Esso, informativo patrocinado pelo multinacional petroleira Exxon, que foi ao ar pela
primeira vez em 28 de agosto de 1941 pela Rádio Nacional e teve sua última edição em 31 de dezembro de 1968,
na Rádio Globo. Fonte: Acervo do jornal O Globo, disponível https://acervo.oglobo.globo.com/em-
destaque/testemunha-ocular-da-historia-reporter-esso-fez-sucesso-no-radio-na-tv-19930939 acesso em 17 de
abril de 2019.
47 CAVALCANTI FILHO, José Paulo. Jornalistas correm riscos sem lei para recorrer. Artigo publicado
originalmente no jornal Folha de São Paulo, edição de 7 de maio de 2009 e reproduzido pelo site Consultor
73
Outro ponto apontado por Zocchi é que, diferentemente de outras profissões, como
advogados, engenheiros e médicos, os jornalistas não conseguiram criar um “Conselho dos
Jornalistas” para estabelecer critérios para o exercício da profissão e defender suas
prerrogativas, uma vez que essa proposta sempre é combatida pelos proprietários dos principais
veículos de comunicação como uma afronta à “liberdade de expressão”, e se apropriam desse
discurso para defesa de seus interesses empresarias.
Não conseguimos aprovar uma “ordem” dos jornalistas, depois caiu o diploma.
Se tivéssemos uma ordem dos jornalistas, teríamos uma entidade stricto sensu
profissional, como a OAB, o CRM, e por outro lado teríamos o sindicato. Como
não temos isso, o sindicato é visto em parte como alguém que pode ocupar o
Da mesma forma, Leal Filho (2018) destaca que a perda da obrigatoriedade do diploma
também representou um duro golpe para formação do jornalista e para a defesa da profissão.
Assim, conforme observado em entrevista ao jornal da Universidade Estadual de Maringá, os
proprietários dos meios de comunicação não só conseguiram o poder de decisão sobre quem
deve e quem não deve exercer a profissão, bem como começam a se a apoderar das escolas de
comunicação como mais um produto e um espaço para adestramento profissional conforme
suas necessidades:
49 LEAL FILHO, Laurindo Lalo. O diploma é fundamental para a qualidade do jornalismo, para formação do
jornalista e para a defesa da profissão. Entrevista ao jornal da Universidade Estadual de Maringá (UEM),
reproduzida pelo site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo. Disponível em
http://www.sjsp.org.br/noticias/o-diploma-e-fundamental-para-a-qualidade-do-jornalismo-para-a-formacao-do-
jornal-2a13 acesso em 10 de outubro de 2018.
75
diploma não estava em sintonia com a realidade que já se vivia no jornalismo. Para ele, essa
questão estava centrada numa garantia de exclusividade nas redações, em um momento em que
a profissão estava submetida a pressões que colocavam desafios externos ao mercado de
trabalho, como as inovações tecnológicas que colocavam em crise o modelo tradicional dos
negócios da imprensa e a consequente extinção de postos de trabalho. O que Castilho apontava
era que a garantia do diploma não seria suficiente para garantir emprego formal nos meios de
comunicação.
50
CAVALCANTI FILHO. Obrigatoriedade do diploma: um debate fora de foco. Observatório da Imprensa,
publicado em 15/10/2008, disponível em http://observatoriodaimprensa.com.br/codigo-aberto/obrigatoriedade-
de-diploma-um-debate-fora-de-foco/ acesso em 25 de abril de 2019.
76
do trabalho é o fim dessa relação com contratos definidos e regras gerais definidas aplicadas
em âmbito coletivo. Conforme o autor:
Para Bulhões, destes pontos indicados por Druck, no caso dos jornalistas o que mais
prevalece é a intensificação e a terceirização do trabalho. No mesmo tema, a autora cita Lima
(2015), que aponta que a precarização dos jornalistas pode ser mais fortemente detectada
através da:
➢ Jornada de trabalho excessiva;
➢ Intensidade do trabalho;
➢ Vínculos empregatícios precários;
➢ Baixos salários;
➢ Indícios de multifunção.
O estudo mostra que, entre 2012 e junho de 2015, pelo menos 1.084 jornalistas
foram demitidos, de um total de 3.568 trabalhadores dispensados em
aproximadamente 50 empresas de comunicação no Brasil. Entre os que mais
demitiram, está a Editora Abril, que em mais de três anos, mandou embora ao
menos 440 pessoas (163 jornalistas), seguida pela grupo Estado e Folha, com
ao menos 65 demissões cada um. Como os dados da pesquisa foram coletados
a partir de notícias publicadas em sítios especializados na divulgação de
informações sobre a imprensa brasileira, Sérgio Spagnuolo (2015) admite que
provavelmente houve bem mais demissões (DANTAS et al., 2017, p. 44).
51 VOLT DATA LAB é uma agência independente de jornalismo e tecnologia que produz análises, reportagens,
investigações, relatórios, levantamentos e metodologias baseadas em dados, aplicando esse conhecimento para
redações, ONGs, projetos de mídia, empresas de comunicação e terceiro setor no Brasil e no exterior. Fonte:
https://www.voltdata.info/, acesso 26 de abril de 2019.
79
se pode caracterizar como contrato atípico, ou seja, um vínculo instável e precário, não cobertos
pelas garantias da CLT (DANTAS et al., 2017).
Sobre a pejotização, o trabalho de Silva (2014), constata que ela é percebida pelos
profissionais como uma expressão da precarização, assinalada pelo fato que alguns desses
trabalhadores relatarem que foram obrigados por seus empregadores a abrir uma empresa
individual e mudar a forma de contrato, trocando do vínculo celetista para se transformar em
PJ.
Entre os prejuízos mais evidentes nesta modalidade de contratação é que ele deixa de
ser uma relação entre trabalhador e empregado, tornando-se um contrato entre empresas com
prejuízos na cobertura de direitos garantidos pela CLT. Assim, perde-se o direito ao Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), participação em lucros e resultados, pagamentos de
horas-extras, plano de saúde, seguro desemprego, entre outras. Até mesmo o direito às férias
remuneradas fica comprometido, uma vez que o contrato é por trabalho e se não há período
trabalhado, não há remuneração (SILVA, 2014; DANTAS, 2017).
No mesmo sentido, Silva (op.cit.) aponta outras modalidades de contratação que se
tornaram comum no jornalismo, como contratos temporários (ainda que regidos pela CLT),
utilizados por empresas públicas e privadas para preencher vagas sazonais ou suprir escassez
de profissionais em determinados períodos; o autônomo que presta serviços pontuais de
curtíssimo prazo, as vezes sem vínculo e com o fornecimento de recibos como o RPA (Recibo
de Pagamento Autônomo), sem nenhuma garantia trabalhista e o free lancer e o frila-fixo, já
citados neste trabalho, que podem trabalhar sazonalmente ou como funcionários sem qualquer
registro, no último caso.
A modalidade frila-fixo é muito utilizada para contratação de estudantes de jornalismo
ou profissionais em início de carreira e que buscam inserção no mercado de trabalho. Trata-se
de um contrato extremamente precário, onde muitas vezes sequer é reconhecido o vínculo
trabalhista, seja para o recebimento do piso salarial e outras garantias trabalhistas, seja para
fins de recebimento de benefícios previdenciários e contagem de tempo para a aposentadoria.
O próprio termo, frila-fixo, criado pelos jornalistas, embute uma contradição e ao
mesmo tempo uma naturalização da condição precária de trabalho. Se frila é uma corruptela de
free lancer, que pode ser traduzido do inglês como um contrato livre, ao se acrescentar a palavra
fixo a “liberdade” deixa de existir, pois o profissional passa a estar diariamente à disposição do
contratante e das demandas diárias de trabalho, que são cobradas e devem ser cumpridas dentro
do prazo de fechamento do jornal, ou seja, as mesmas atribuições de um trabalhador
formalizado. Com este tipo de contrato irregular as empresas obviamente deixam de recolher
80
Como o Sindicato enxerga o aumento dos contratos PJ? Eles contribuem para
formalização de uma parcela dos jornalistas ou representam mais precarização das relações
de trabalho?
52
Ocorrência de “passaralhos” no Brasil alcança maior patamar desde 2012 – total de demissões de jornalistas em
redações chega a 2º maior nível desde 2012, com 380 dispensas. Por Sérgio Spagnuolo, publicado em 19 de
dezembro de 2017, disponível em https://medium.com/volt-data-lab/passaralhos-2017-feced1e5b0d8 acesso em
18 de abril de 2019.
86
Tabela 2:
Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0) [7/109]
J - Informação e comunicação
58 - Edição e edição integrada à impressão
59 - Atividades cinematográficas, produção de vídeos e de programas de televisão;
gravação de som e edição de música
60 - Atividades de rádio e de televisão
61 - Telecomunicações
62 - Atividades dos serviços de tecnologia da informação
63 - Atividades de prestação de serviços de informação
Fonte: IBGE
Os gráficos abaixo mostram os números de empresas abertas em cada ano existente nos
dados disponíveis entre em 31 de dezembro 2010 e 31 de dezembro de 2016 e a quantidade de
empregados assalariados e não assalariados. Embora a classificação seja bastante genérica,
observando-se as classificações 58 a 60, pode-se fazer uma aproximação das empresas que
tenham maior número de jornalistas em seu quadro. Pelo número de assalariados e não
assalariados, pode se observar o crescimento de contratos não assalariados, que pode configurar
o aumento de contratos tanto como MEI ou PJ.
90
No primeiro caso, relatamos o caso do jornal “Correio Popular”, com sede na cidade de
Campinas e circulação regional. Trata-se mais antigo jornal impresso ainda em circulação
diária na cidade, vinculado à empresa Rede Anhanguera de Comunicação, a RAC.
Entre os meses de fevereiro a setembro de 2018 os jornalistas desta empresa realizaram
uma greve de 220 dias, reivindicando o pagamento dos salários, que estavam em constante
atraso. Conforme relato do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo (SJSP), os salários
não eram pagos desde o mês de fevereiro daquele ano. Além disso, a empresa não havia pago
o 13º Salário de 2017, adicional de um terço de férias, não recolhia o Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço e contribuições previdenciárias.57
A greve foi encerrada no dia 21 de setembro, com a aceitação, por parte dos
trabalhadores, da proposta da empresa para quitação dos débitos e reconhecimento da dívida
que incluía o 13º salário de 2017, mais da metade do salário do fevereiro e os salários entre
março e agosto de 2018.58
Em outro caso, a editora Abril, uma das principais empresas de comunicação do país,
havia anunciado estar em processo de recuperação judicial e demitido mais de 800
trabalhadores, sem o pagamento das verbas indenizatórias. Os jornalistas atingidos por essas
demissões divulgaram o seguinte manifesto:
57
Apoie os grevistas da RAC; paralisação completa mais de 200 dias. Disponível em
http://www.sjsp.org.br/noticias/seja-solidario-e-apoie-os-grevistas-do-correio-popular-cb71, acesso em 05 de
setembro de 2018.
58 Flaviana Serafim: Jornalistas conquistam acordo na RAC após sete meses em greve. Disponível em
Ainda no que se refere ao caso das demissões na editora Abril, no dia 25 de setembro
de 2018, a Justiça do Trabalho, em sentença do juiz Eduardo José Matiota, da 61ª Vara do
Trabalho de São Paulo, anulou as demissões realizadas pela empresa desde dezembro de 2017
e determinou a imediata reintegração dos demitidos, com o entendimento de que a empresa não
havia feito qualquer negociação com o sindicato da categoria antes de promover a demissão
em massa de funcionários60, mas a medida não foi cumprida. A empresa foi vendida pelos
proprietários, a família Civita, para um grupo empresarial e a editora entrou em recuperação
judicial61.
Em março de 2019, o jornal Folha de São Paulo realizou uma demissão coletiva
(passaralho) de 15 jornalistas, sem qualquer tipo de negociação com a entidade sindical da
categoria. O presidente do Sindicato, Paulo Zocchi declarou, em entrevista ao jornal do SJSP
que as demissões, além da questão trabalhista, têm levado à uma perda na qualidade das
publicações, uma vez que as vagas não são repostas e há uma sobrecarga de trabalho para quem
fica, precarizando ainda mais as condições de trabalho:
Os casos acima citados envolvem, além dos aspectos econômicos que levaram as
referidas empresas à crise financeira, um profundo desrespeito aos profissionais, com a
negação de direitos básicos, como salários e direitos trabalhistas na rescisão do contrato dos
demitidos.
Da nota publicada pelo dos trabalhadores da editora Abril, observa-se, além da
indignação e perplexidade com as demissões, que os motivos que levaram a esta situação vão
além de questões econômicas, e refletem a perda de contato dos proprietários com a realidade
enfrentada pela maioria da população brasileira e a pluralidade existente na sociedade.
63
O 15º Congresso Estadual dos Jornalistas foi realizado na sede do SJSP, na cidade de São Paulo, entre os dias
4 e 6 de agosto de 2017. O autor participou do evento como delegado.
94
64 Optou-se por entrevistar jornalistas que já exerciam profissão na década de 1990 e vivenciaram as
transformações ocorridas no jornalismo desde então. As entrevistas, baseadas em um roteiro prévio, foram
realizadas pessoalmente e gravadas, com exceção da jornalista Nice Bulhões, que respondeu por email e do
jornalista Mauricio Somionato, via WhatsApp. Além das questões formuladas no roteiro, outras perguntas
surgiram conforme as respostas obtidas e não foram necessariamente feitas da mesma forma a todos os
entrevistados. Os depoimentos serão utilizados em outros tópicos desta dissertação. A seleção dos entrevistados
foi feita com base nos contatos profissionais deste autor, com conhecimento prévio da trajetória dos entrevistados.
Por uma questão de logística optou por concentrar em profissionais que atuam na cidade de Campinas, a exceção
do presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo.
65 Em entrevista ao autor, realizada em Campinas, no dia 23 de janeiro de 2019.
95
era que aceitavam os estudantes, pois na época não havia nenhum tipo de intermediação do
sindicato em relação a estágio.
Foi uma opção que fiz na época, porque, realmente trabalhar com jornalismo era
minha escolha de vida. Na época até deixei um trabalho bom que eu tinha, como gerente do
Mcdonalds, para começar a trabalhar na área, ganhando um pouco menos até, aliás, bem
menos, para trabalhar como repórter nessas cidades do interior, de uma forma, naturalmente,
precária. Se a profissão já era um pouco precária na época, trabalhando assim, sem nenhum
apoio, nenhuma regulamentação, como estagiário, era mais ainda né?
Assim foi até o último ano de faculdade, quando tive a primeira contratação como
repórter mesmo em carteira, que foi no jornal Todo Dia, em Americana. Antes mesmo de ser
formada. Estava no meio do último ano. Depois vim para o Diário Popular de São Paulo, na
regional aqui em Campinas, que fazia uns seis meses que tinha aberto. Na época foi bem legal.
Foi uma coisa bem interessante para minha carreira, porque tinha profissionais bem
experientes e qualificados ali. Por esse lado pude aprender, aprender com eles e tal.
Depois do Diário Popular66 eu voltei ao Todo Dia67 depois no O Liberal68 trabalhei
três anos, no começo dos anos 2000.
Então, basicamente, fui de repórter de redação para assessoria de imprensa, tanto na
área empresarial, quanto política. Fiz uma pós-graduação em assessoria de imprensa e foi um
segmento que foi bom para mim, foi um bom período da minha vida, porque remunera melhor
e não tem esse problema de longas jornadas, não tem tanto aquele stress de redação. Tem
stress também, claro, o cliente, o assessorado dá muito trabalho, mas não é igual ao de
redação.
Fiz assessoria para muitos segmentos já, variados mesmo, e já estava começando em
assessoria política, mas em palestra a alunos da PUC, disse que talvez fosse mais interessante
a assessoria empresarial , porque o empresarial tem uma relação com você separada, você
não tem essa ligação que a política as vezes te coloca, essa relação até sentimental com o
trabalho, de identificação. O cliente empresário não tem isso, ele trata você, no caso de uma
contratação sem vínculo empregatício, ele te trata como outro empresário. Trata você como
um profissional liberal, com respeito, com valores razoavelmente justos. Então, a assessoria
de imprensa empresarial é mais interessante neste ponto de vista.
66
Jornal que circulou em São Paulo até o início dos anos 2000 e que posteriormente foi comprado pelo grupo
Folha de São Paulo e passou a se chamar “Agora”. Entre o final da década de 1990 e início dos anos 2000 este
jornal manteve uma sucursal em Campinas.
67
Jornal diário de circulação na Região Metropolitana de Campinas, com sede na cidade de Americana.
68
Jornal diário com sede na cidade de Americana.
96
Então foi isso, redação, assessoria de imprensa em vários segmentos, e agora comecei
uma coisa totalmente diferente. Foi uma fase da minha vida que pensei em fazer alguma coisa
que fosse mais tranquila, que me dê mais prazer do que desgaste. Porque o jornalismo, mesmo
na assessoria de imprensa, de certa maneira, é um desgaste emocional muito grande. Então
esse foi um segmento que eu vi que poderia conciliar alguma coisa, uma área que está me
interessando naquele momento, com algo que pudesse me fazer bem, que não fosse me deixar
doente, que é uma consequência direta do nosso trabalho. Essa coisa do adoecimento.
Ninguém dá muita bola para isso, mas é uma coisa muito séria.
Quando comecei no jornalismo, jamais me via escrevendo, contado histórias de
viagens, histórias de pessoas, de realizações, como eu estou contando hoje. Histórias que eu
imaginava que não tinham impacto direto na sociedade. Então era muito mais emocionante
naquela ocasião e por um bom tempo da minha vida, lidar com coisas mais fortes, mais
imediatistas. Como repórter da área política sempre esteve muito presente e que eu realmente
gostava muito disso. Gosto ainda, mas não tenho mais saúde para isso. Então procurei fazer
algo que me desse um pouco mais de tranquilidade e qualidade de vida mesmo.
de imprensa do então candidato à prefeito, o Toninho. Tinha feito já para deputados, para
vereador, para candidato a prefeito em Votorantim em 1996 e em 2000, fiz a assessoria do
Toninho. A gente ganhou a eleição, e ele me chamou para trabalhar na assessoria da
prefeitura de Campinas. A gente fez um trabalho bem legal de reestruturar a comunicação,
que estava toda detonada. Quando eu cheguei tinha um rapaz que só passava fax para a
imprensa. Então você imagina uma prefeitura de uma cidade com o porte de Campinas, um
polo de tecnologia e a prefeitura mandando release por fax, com um profissional só para isso.
Então a gente fez aquela experiência, trabalhamos em cima de um plano de comunicação.
Depois eu saí da prefeitura de Campinas e fui para Maringá fazer a mesma coisa,
coordenar a comunicação lá, montar a estrutura que também estava desestruturada, fiz um
trabalho bem legal. Também dei aula na universidade para curso de jornalismo lá no Paraná
no tempo que fiquei lá. Nesse interim também fiz um curso de especialização em comunicação
popular comunitária, que realmente era minha praia, conversar com um público que não tem
muito costume de ler e ter pouco acesso à informação e depois em 2006, eu fui para o Rio de
Janeiro, trabalhar na comunicação da Petrobrás, especificamente na subsidiaria Transpetro,
também para iniciar um projeto de comunicação. Então eu fiquei meio que especializado em
montar projetos de comunicação. Campinas acho que foi o mais desafiador, tanto pela minha
inexperiência, quanto pelo desafio mesmo de pegar uma coisa desmontada. Depois eu fiz a
mesma coisa em Maringá e num departamento da Transpetro montando comunicação. Depois
disso eu fui fazer gestão de crise e também fiquei especializado em gestão de crise, porque
prefeitura tem crise toda hora, e fui fazer parte da equipe da gestão de crise na Petrobrás na
época da primeira CPI, em 2009 e a gente criou lá o blog Fatos & Dados que deu uma
repercussão danada, onde a gente desmascarava um pouco a relação da imprensa com a
companhia. A gente publicava as respostas da Petrobrás num blog e comentava e comparava
com o que era publicado no O Globo, na Folha, na Veja. O Globo principalmente tinha um
embate muito forte com a gente lá. Isso teve uma repercussão enorme. Foi a primeira vez que
uma empresa brasileira fez aquele tipo de comunicação, tentando mostrar transparência. A
gente chegou a cobrir oito horas ao vivo da CPI da própria Petrobrás pelo canal da Petrobrás,
algo inimaginável até aquela época.
Depois voltei para São Paulo e fui trabalhar, também para montar um projeto de
comunicação numa indústria farmacêutica. Aí eu mudei. Estava numa empresa estatal e fui
para a iniciativa privada. Fiquei lá por dois anos e meio e estruturei o departamento de
comunicação, depois voltei a Piracicaba onde comecei minha carreira, por questões
familiares. Assessorei um vereador e depois voltei a Campinas, para assessorar outro
98
vereador. É uma trajetória de muitas cidades, alguns estados e bastante eclética. Um pouco
de redação, um pouco de rádio, mas muito na área de assessoria de comunicação.
saindo de lá. Uma crise braba, que deixou a gente dois anos com o salário atrasado. Saí de lá
em outubro do ano passado (2018) num acordo judicial depois da greve. Então, eu só fiz
jornalismo impresso na verdade.
Depois em 2004 fechou a agência Folha em Belém, fui dispensado pela Folha, voltei
para Campinas e começou aquela crise ali, acho que em 2004, quando a Folha começou a
fechar várias sucursais, várias agências, vários correspondentes foram demitidos e eu fui
nessa leva. Voltei para Campinas e me chamaram para fazer um frila de novo na Folha
Campinas. Então fiquei até ser contratado de novo pela Folha, seis meses depois de demitido
eu fui contratado de novo, como repórter em Campinas e aí eu fiquei até o final de 2004 que
foi quando fechou de vez a Folha Campinas e aí, para minha surpresa, a Folha demitiu todo
mundo e optou por me deixar. Aí virou agência Folha e eu virei correspondente da Folha em
Campinas.
Nesse meio tempo, nesses seis meses que eu fiquei fora da Folha, eu fiz alguns frilas e
entre eles eu fiz um Frila bem legal no jornal O Globo em São Paulo e aí fiquei lá cobrindo
férias, foi uma experiência bacana também de ter trabalhado no jornal O Globo, e aí, voltei
para Folha, como disse antes, fiquei como correspondente por sete anos aqui, trabalhando
sozinho no escritório. Tudo CLT, até 2011.
Em 2011 fechou a Folha Campinas, eu fui demitido, depois de sete anos e aí acabou
essa longa jornada com a Folha, que se for somar dá quase treze anos. Daí o Uol me contratou,
eu fiquei como correspondente aqui e cobri o impeachment do Dr. Hélio, toda aquela crise de
troca de prefeitos, do Demétrio, depois do Pedro Serafim, enfim, cobri todo esse imbróglio
pelo Uol. Fiquei um ano, até que um amigo me chamou para um projeto bem legal que foi a
implantação do jornal Destak em Campinas. Aí eu deixei o Uol e fui trabalhar na implantação
do jornal Destak, fiquei um ano ali como editor.
Em seguida, aí eu comecei já como PJ. Montei uma empresa e no Destak foi onde eu
comecei como PJ. No Destak em 2012 eu abri uma empresa, eu e um amigo somos sócios de
uma empresa de comunicação, e começamos receber por nota da empresa Destak, então, como
era PJ, eu consegui uma licença, tive uma proposta para fazer a campanha do Márcio
Pochmann para prefeito, e aí para chefiar a campanha e tudo, na assessoria de imprensa. Foi
uma proposta bem legal, e eu aceitei. Então pedi licença do Destak por quatro meses, fiz a
campanha, fomos para o segundo turno, foi uma campanha muito legal. Depois destes quatro
meses eu voltei da licença, para o Destak, trabalhei mais quatro meses e aí tive eu tive esse
convite para trabalhar no Aeroporto de Viracopos, em 2012, dezembro, onde estou até hoje.
Comecei como PJ, tinha uma agência de comunicação que tinha ganho a conta aqui
do aeroporto na época da concessão, e aí essa agência de comunicação que me contratou para
ser o coordenador da assessoria de imprensa do aeroporto. E aí eu fiquei até 2017 na agência,
acabou o contrato da agência em 2017 e o aeroporto me contratou, hoje eu estou como CLT,
101
há um ano, como CLT de novo. Minha agência de comunicação continua aberta, mas hoje eu
estou como CLT.
Resumindo, passei pelo estágio no começo, depois CLT, depois passei uma fase de free
lance pelo Uol, depois passei para a fase PJ no Destak, e voltei para o CLT, então passei por
todos esses estágios. Incrivelmente, no momento mais difícil eu voltei para o CLT, que
atualmente é mais difícil para nossa profissão.
na TV Bandeirantes, trabalhei como editora alguns meses e depois fui para a TV TEM em
Jundiaí. O trabalho era mais pesado, porque era uma estrutura menor, mas com um grande
volume de trabalho e eu acabei ficando doente. Então decidi que não queria mais trabalhar
assim.
E aí uma amiga tinha um projeto para trabalhar com internet, num site sobre um guia
sobre a cidade de Campinas, na área de cultura, o que os veículos tradicionais de comunicação
não tinham, eles ainda não tinham entendido a internet. Não entenderam até hoje né?
Então, abrimos um site segmentado, de turismo e cultura, mostrando o que acontece
em Campinas. Aí me interessou, e aí a gente começou a trabalhar, em 2009 e em julho de 2010
lançamos o Campinas.com.br, que mantemos até hoje. Então, na minha trajetória trabalhei
como CLT, como frila e agora como empreendedora.
segmentados aparecendo e que a gente não via, a gente só via grandes jornais. Mas estava
chegando a internet nas redações, nas grandes redações. E a gente lá na EPTV também tinha
um projeto começando, que era o primeiro portal da EPTV. Na própria EPTV tinha projetos
embrionários também, como o Terra da Gente, que estava começando naqueles anos 1990,
num projeto segmentado para quem pesca. Isso é jornalismo? Isso não é jornalismo? Eles
tinham vários questionamentos sobre isso, mas é um projeto que começou nos anos 1990 nos
segmentos e existe até hoje como um projeto bem-sucedido.
Depois da EPTV eu fui para Brasília, morar lá e foi uma época de parar um pouco
porque eu tive meu segundo filho, e tinha tido uma primeira experiência no jornalismo de não
ter tempo de ficar com filho e vi nesse momento a oportunidade de ficar um pouco cuidando
do filho. Fiquei uns cinco a oito meses parada e foi ótimo para respirar e ver para onde as
coisas estavam indo. Então, lá em Brasília eu resolvi fazer uma nova especialização, pois só
o jornalismo não estava dando conta de tudo isso que estava vindo de mudança. Então
encontrei um curso na Universidade de Brasília que chamava Turismo, Cultura e Lazer. Eu
achava interessante estudar essas perspectivas e como é que elas poderiam ser talvez leituras
interessantes para o Brasil. Então fui assim tentando entender esses segmentos em como eles
se davam, talvez, na minha carreira. Nisso eu tive uma oportunidade de trabalhar no
Ministério do Turismo, na implantação do plano nacional de turismo, e entender um pouco
como era um caminho interessante para o Brasil, o turismo, mas um turismo de experiência,
um turismo de leitura, um turismo de cidade, e como isso poderia ressignificar uma cidade.
Talvez ali começou um embrião do que viria a ser o Campinas.com.br, que é um portal de
turismo, cultura e lazer para a cidade de Campinas. Ele nasce um pouco a partir dessa
experiência.
No Ministério do Turismo eu trabalhava com a comunicação e era já uma outra
atuação, trabalhava fazendo as palestras, como trazer essa comunicação do que o turismo
gostaria de ser para um território. Foi bastante interessante também porque eu tive a
oportunidade de ver a comunicação de uma forma mais ampla, para implantar um plano, por
exemplo. Eu fui convidada depois para ir para a TV Senado, e eu tinha saudade da televisão,
acabei indo para a TV Senado e participando de alguns programas especiais. A TV Senado é
uma tv muito interessante, é uma tv pública onde é possível construir programas ou projetos
editoriais no jornalismo que você não conseguiria construir numa tv aberta. Então eu
participava do projeto de inclusão, discutindo a questão da inclusão através do jornalismo,
foi bem interessante, uma experiência marcante para mim.
105
Depois a gente resolveu voltar para Campinas e aí fiquei bastante em crise, na dúvida
se voltava para o jornalismo tradicional, ou procurar emprego em assessoria de imprensa que
estava crescendo muito ou volto a empreender? E aí a veia da empreendedora estava lá de
novo, e aí que nasce o projeto do Campinas.com.br, um pouco com essa de falar de coisas que
a cidade não está falando sobre si própria, sob um recorte, que é bem a cara da internet.
embora todos tenham uma extensa trajetória em redações, tendo iniciado a carreira quando
ainda eram estudantes de jornalismo.
Os que afirmaram ainda trabalhar sob contrato CLT são os entrevistados Maurício
Simionato, que atualmente está em uma assessoria de imprensa de uma empresa privada,
embora tenha relatado ter aberto uma microempresa com um colega para prestação de serviços;
Nice Bulhões, que atualmente trabalha em assessoria de imprensa na área sindical e Rose
Guglieminetti, que atua em uma grande empresa de comunicação e jornalismo.
As entrevistadas Sara Silva e Luciana Almeida partiram para o empreendedorismo
como sócias de um portal sobre cultura e lazer na cidade de Campinas.
As entrevistadas Michele Costa e Alayr Ruiz atuam como MEI e criaram blogs pessoais
sendo que a última também presta serviço como freelance para uma ONG.
O entrevistado Mário Camargo atua em assessoria parlamentar na Câmara Municipal
de Campinas, sob contrato especial de trabalho. Cláudio Liza Jr. recentemente deixou a redação
do jornal Correio Popular onde trabalhava como CLT e atualmente tenta viabilizar um blog
direcionado para o terceiro setor.
Michele Costa:
Então, precarização sempre teve. Naquela época, quando começamos nos anos 1990,
já tinha muito frila e frila fixo. Esses casos começaram a chamar atenção poucos anos depois
com a Folha (de São Paulo), com a criação das regionais, principalmente com a Folha de São
Paulo em Campinas. Na época foi a maior notícia de precarização visível, extremamente
visível, de jornalistas, porque realmente eles passaram a não contratar as pessoas, era o tal
do frila- fixo, que não verdade não existia contratação, não existia nenhum vínculo trabalhista
entre a empresa e o jornalista. Isso é muito grave. Nesta época, a gente não tinha contrato
nenhum, nós estudantes. Claro que nas redações, em jornais pequenos devia ter um ou dois
jornalistas contratados, mas a maioria era estudantes, nessas condições precárias, sem
nenhum vínculo, sem nenhum direito, mas tendo que cumprir horário, tendo que cumprir
pautas, regras e tal. O máximo que eles davam era uma marmita.
107
78
Jornal com sede na cidade de Indaiatuba, deixou de circular em outubro de 2018.
79
Jornal com sede na cidade de Indaiatuba
108
Mário Camargo:
Sim, concordo que houve uma precarização e ela começou definitivamente com uma
redução drástica nas redações, eu acho que no começo de 2002, 2003, nós tínhamos a metade
da redação da década de 1990 já. Uma precarização terrível né. Ai já não se pagava mais
hora extra, fazia banco de horas e a partir daí só vi as redações murchando. As agências de
notícias dominando, mandando a mesma matéria para todo mundo, você abre um jornal do
Rio Grande do Sul, ou um jornal de São Paulo, ou um jornal de Brasília e a matéria é
exatamente a mesma, quando não a foto, então não se tinha mais a apuração local. Isso foi
muito ruim para a profissão, porque aí, junto com isso, a desregulação da profissão, a perda
do diploma, eu sou um cara formado na faculdade, mas vejo muitos colegas hoje que
conseguiram o registro no Ministério do Trabalho80 só com algumas matérias escritas e
passaram a ser jornalistas. Então essa trajetória prejudicou demais a carreira do jornalista e
também prejudicou demais o jornalismo em certo ponto de vista.
Maurício Simionato:
Na questão da precarização, eu acho que sim, há uma precarização da profissão, muito
complexa, mas acho que é por conta, em parte, do fechamento de vagas e crise dos veículos
80
Para o exercício da atividade de jornalista, mesmo com o fim da exigência do diploma, é necessário obter um
registro no antigo Ministério do Trabalho, que foi extinto e incorporado ao Ministério da Economia criado em
Janeiro de 2019.
109
de comunicação. Então, isso gerou essa precarização da profissão, porque tem muita gente da
nossa área que se formou comigo, que estudou, que trabalhou que hoje está desempregado ou
partiu para outra profissão por conta do fechamento de vagas e apesar da explosão da internet,
que foi uma bolha, que logo voltou ao normal né, então você tem hoje gente ainda se formando
em jornalismo e as vagas não estão sendo ampliadas de acordo com a molecada que está vindo
aí se formando. Então, há realmente uma precarização, os jornais oferecem menos e as
pessoas por necessidade, é difícil julgar isso, mas por necessidade acabam aceitando um piso
bem menor do que deveria ser pago né. É difícil julgar isso. As vezes a pessoa tá num
desespero, precisa alimentar o filho, precisa pagar o aluguel e acaba aceitando ganhar menos.
É complicado. A gente vê isso em Campinas, como a questão do jornal Correio Popular, você
vê que tem gente ali de história no jornalismo, que aceitou ir para o jornal, que aceitou voltar
para Correio Popular, com a incerteza de receber, de não receber, ou de receber menos, mas
é difícil a gente julgar, porque são pessoas que tem uma história no jornalismo e estavam sem
colocação no mercado e acabaram aceitando isso, é uma solução complexa e só o tempo vai
dizer se vai ser retomado ou não.
Resumindo, há sim uma precarização, principalmente a questão de muita gente sendo
contratada como PJ, muita gente sendo contratada como frila, na questão de assessoria de
imprensa você também vê muito essa concorrência, ninguém mais paga o que é devido para
um assessor de imprensa, para uma assessoria de imprensa num evento, por exemplo. A
empresa acaba barganhando arruma gente que aceite receber bem menos pelo serviço, até
por conta da necessidade mesmo né?
Alayr Ruiz:
Está havendo precarização, totalmente, principalmente nas poucas redações que ainda
resistem. É muita coisa para a pessoa fazer, é muita cobrança, é muita coisa apertada. E
acredito que tem muita interferência do comercial, é uma coisa que, a gente tem que trabalhar
junto, mas ao mesmo tempo um não pode interferir no outro de uma maneira assim, muito
descarada. E hoje eu acredito que uma das razões da precarização é isso. Eu não sei como
estão os salários hoje em redação, mas muitos jornais estão com problemas de atraso de
pagamentos. Mas eu acredito que eles devam respeitar o mínimo da categoria. Mas nas
assessorias de imprensa, por exemplo, exige-se muito, que você tenha carro, que você fale
inglês, que você seja um ‘xyz megamaster’ em redes sociais e os caras te pagam um salário de
R$1,4 ou R$1,5 mil reais.
110
Nice Bulhões:
Concordo que há sim uma precarização. A prova maior disso é a falta de pagamento
para muitos profissionais da ativa. E o pior é a falta de conscientização do próprio profissional
por acreditar que possa ser responsável pelo fechamento da empresa se parar para cobrar os
seus direitos.
Sara Silva:
Acho que os veículos foram diminuindo cada vez mais suas equipes porque eles foram
perdendo a capacidade de investimento e sustentabilidade dos negócios. As equipes foram
sendo massacradas, sempre foi um volume grande de trabalho, mas hoje em dia acredito que
está pior. Eu não estou atuando em um veículo, mas a gente ouve os relatos de colegas, acho
que os jornalistas também ainda estão tentando se situar nesse universo, porque a gente
aprendeu um pouco isso. A gente aprendeu a ser jornalista, a prezar por isso, a ser um
profissional funcionário, tanto é que a gente não faz greve, e quando faz não dá resultado.
Somos uma categoria que não conseguiu se agrupar quando tudo isso estava acontecendo para
tentar de alguma maneira entender todo esse universo, do ponto de vista do mercado de
trabalho, como a gente ainda está patinando nisso nos últimos tempos. Houve uma
precarização generalizada. Com as novas tecnologias as quantidades de informações vieram
como uma avalanche, um tsunami de informações, a qualidade se perdeu muito. Os jovens
profissionais de hoje provavelmente não leem tanto quanto a gente lia, e liamos de uma forma
mais aprofundada. Houve uma superficialização generalizada, da vida até. Tudo é muito
superficial. Então eu vejo que os jovens que chegam aqui, são pouquíssimos os que chegam
com alguma bagagem, e mais, interesse. Eles são dispersos, não conseguem checar uma
informação na profundidade. É tudo muito superficial e acho que essa precarização vem
bastante dessa superficialidade. Talvez pela quantidade de informação.
Também teve aquele período que ficou a dança do diploma. A exigência do diploma ou
não. Então teve um momento, que os veículos também se aproveitaram disso, do ponto de vista
de contratação, isso também eu acredito que deve ter ajudado a dar uma precarizada no nível
dos profissionais.
Luciana Almeida:
Eu concordo que estão havendo precarização e sinto muito isso. A gente recebe quase
um jornalista por semana perguntando como fazer (empreender), a gente já atendeu muitos
111
amigos, pessoas numa situação de estar a até mesmo passando fome. A gente foi pioneiro nisso
e inspirou muita gente.
Mas a precarização não tem necessariamente um lugar do patrão para o empregado,
é muito mais complexo e muito mais amplo. A gente está vivendo em um mundo em que a nossa
área mudou com impactos da tecnologia e da Internet, a gente demorou muito para ver para
onde estava indo a mudança e se apropriar dela. Os blogueiros, os youtubers e os
influenciadores digitais foram muito rápidos e entenderam muito bem esse campo do
“nichado”. A gente ficou com muito preconceito. Era até um território “os blogueiros” e “os
jornalistas”, e nessa demora a gente perdeu espaço de mercado, na transição de canais de
distribuição. A gente tinha que ter entendido que só a distribuição que mudou, a informação
continuava. A necessidade de informação, a informação segmentada, boa, qualificada
continua, vai sempre continuar. O que tem mudado são as plataformas. E de repente chegou
novas plataformas e continua chegando, e a gente teve muito preconceito; preconceito com
redes sociais, preconceito mesmo e isso atrasou a entrada dos jornalistas nesse universo.
Então essa precarização vem de uma mudança de canais de distribuição, de uma
lentidão do jornalista entender que era só mais um canal de distribuição que a gente tinha que
se apropriar, de um preconceito. Toda mudança gera medo, gera apego nos modelos antigos.
Então a gente teve todo esse medo e esse preconceito; e a mudança econômica mesmo que vem
com a tecnologia, com ferramentas de automação, com desafios de futuro e aí vem a
automação de muita coisa, mudando o lugar das coisas. Então, eu acredito que não é só uma
relação trabalhista, a precarização vem de todo esse contexto.
Por outro lado, mesmo com a perda do diploma, já em 1992 eu trabalhava na Folha,
com o diploma não sendo reconhecido, eu era primeiranista de faculdade. Então é uma
discussão que não é de agora.
Rose Guglielminetti:
Acho que está havendo precarização, mas não sei se é só na nossa profissão. Eu acho
que todo trabalhador, tem sido exigido muito mais dele. Você pega uma área médica, da saúde,
na comunicação, eu vejo minha irmã que é da área de recursos humanos. Então eu acho que
a gente tem sido exigido mais. Agora, se a gente for comparar, por exemplo – eu amo ir para
a rua, quando a gente ia para a rua, eu cobria a Câmara Municipal, passava a tarde toda lá,
ficava até a noite quando tinha sessão legislativa. Só então eu voltava para a redação e
escrevia a matéria. Isso exige um tempo. Na época a gente tinha uns seis repórteres de política,
112
entre repórteres e editores, que cobriam Câmara, Prefeitura e outros órgãos, era muito
definido.
Com a internet, whatsapp e tudo mais, a gente deixou de ir para esses lugares, até
porque as empresas não tem mais condições; até a forma de pagar anúncios está migrando
para as redes sociais, então as próprias empresas de comunicação não tem mais aquela receita
para bancar uma estrutura para poder ter vários jornalistas, com carro e tudo mais. Então eu
consigo entender, assim, ao mesmo tempo que há uma precarização há uma facilitação no
sentido de que você fica mais tempo na redação, não precisa se desgastar para ir para rua.
Mas acho que não é só na profissão de jornalista, acho que são em todas. Inclusive, com a
Reforma Trabalhista, a tendência é que essa coisa de carteira assinada, você ficar um tempo
na empresa, isso está acabando. Por exemplo, hoje, se eu quiser entrar na televisão e no rádio
da minha casa, eu entro. Eu não preciso estar aqui na redação e muitas vezes eu faço isso. Aí
você pode dizer que é complicado, porque o profissional fica fulltime, e fica mesmo. Agora,
médico fica fulltime, economista fica fulltime. Percebe que houve uma exigência maior do
mercado de trabalho e não é só de nossa profissão, e aí ou você se adequa ou fica
desempregado, não tem muita saída.
“De acordo com a FENAJ, a categoria enfrenta problemas trabalhistas crônicos, sendo
que os principais podem ser resumidos no desrespeito à jornada de trabalho – a maioria das
81 Entrevista concedida ao autor, realizada na cidade de São Paulo, no dia 16 de outubro de 2018
113
menos resistem. Não tomam nenhuma medida, não fazem nada. A gente está num cenário de
crise importante das empresas. A gente fala de “passaralho” faz tempo. Porque já nos anos
90, as empresas já estavam sob o impacto do que a gente chama de “era da globalização”,
uma era no qual o capital financeiro vai tomando uma importância cada vez maior na roda
geral da economia. As empresas começaram a se guiar cada vez mais por regras de
rentabilidade bancária. A Globo é um exemplo absurdo. Ela tem uma lucratividade do tipo
30% sobre o patrimônio líquido todo ano. Isso é dado público. As demais empresas também
tiveram altos lucros. Então isso fez com que elas passassem a ser gerenciadas por executivos
estranhos à área editorial, adotando preceitos de governança que é o de reduzir violentamente
as redações, expandir ao máximo a lucratividade, em detrimento do negócio em si, que é o
jornalismo. Então a gente fala nas mesas de negociações “se você vai demitir sua redação
pela metade, você vai matar o jornalismo. Se matar o jornalismo, ninguém mais compra jornal.
Então, qual a realidade concreta com as empresas nesse tipo de postura? É essa combinação
disso que já vinha dos anos 1990, com essa crise estrutural, com o cenário da internet, mais a
crise econômica que estamos atravessando.
Primeiro, foi tendo um enxugamento. As grandes empresas, podemos falar da Abril, do
Estadão, da Folha, até mesmo das TVs, mas principalmente da mídia impressa. Demissões em
massa dos jornalistas mais velhos. Aquela velha pirâmide, que se tinha há trinta anos, que era
assim: dois caras com 30 anos de profissão, dois com 20, dois com 10 e dois “focas”, agora
tem um ou dois mais velhos e 10 focas trabalhando. E os caras que entram, por exemplo na
Abril, é um troço desesperador para os jovens jornalistas. O cara entra na empresa, sai da
faculdade, é um cara promissor, começa a fazer o trabalho dele, ganha prêmio de jornalismo,
passa dois anos, passa quatro anos, passa seis anos, o cara não sai do piso. Aí ele muda de
profissão, ele sai e entra outro. Então não tem mais aquela progressão de carreira.
A profissão está atomizada por gente que vai trabalhar muito em assessoria, em
empresas que tendem a não reconhecer assessoria de imprensa como trabalho jornalístico, e
é trabalho jornalístico, enfrentando baixos salários, frequentemente terceirização, pejotismo
e tal.
Porém, o prazer oriundo dessa “vaidade” pode não ser suficiente para manter ao longo
dos anos condições tão ruins de trabalho. Assim, há muitos jornalistas que já não acreditam
mais no seu trabalho e ou fazem uma produção alienada, simplesmente executando o que lhe é
proposto pelo empregador, fazendo com que o prazer seja substituído pelo sofrimento no
trabalho, e assim acabam por abandonar a profissão (BULHÕES, 2018).
Outro ponto abordado é o conceito de mudanças estruturais, sintetizado pela autora
como um conjunto de transformações que incluem novas formas de produção da notícia,
116
O autor chama atenção também para o fato de que o material produzido online seja
chamado de conteúdo e não de reportagem, pois “conteúdo pode ser qualquer coisa, desde
horóscopo, palavras cruzadas e frivolidades, até informações da mais alta relevância”.
118
Michele Costa:
Eu não sou das pessoas mais pessimistas ainda mas tenho colegas mais experientes
que já olham para a profissão há alguns anos já e falam que o jornalismo morreu, que não
existe mais e, naturalmente, a profissão de jornalista também, por conta de vários fatores, não
só por conta das novas mídias, não só por conta da precarização, embora elas estejam
interligadas de alguma forma, mas também porque hoje tem muita gente atuando, se dizendo
jornalista, ou fazendo o que a gente chamaria de jornalismo há tempo atrás, e que não são
jornalistas. Essa era até uma discussão dentro do movimento sindical inclusive, dessas mídias
novas: “jornalistas livres”, “mídia ninja”, entre outros por aí, que tem até alguns jornalistas
que participam desses grupos, mas majoritariamente não. As pessoas que trabalham ali com
comunicação, não são jornalistas. Então você tem essa situação. E as vezes você pega o
material que essas pessoas produzem e são bons materiais. Eu falo que isso é comunicação,
eu vejo dessa maneira, vejo isso como comunicação, como forma de comunicação. Por
exemplo, uma associação de bairro, uma associação de moradores, enfim, entidades que tem
as pessoas que fazem a comunicação e não são jornalistas. Quer dizer, são formas diferentes
de comunicação, mas se você pegar mesmo o conteúdo, dificilmente essas pessoas sabem a
linguagem e todos os pormenores, os cuidados que um jornalista deve ter com notícia. Então,
eles fazem a comunicação, eles até informam, dão informação, mas na maioria dos casos, eu
não chamaria isso de jornalismo.
119
Agora, nas questões das novas tecnologias, eu não peguei este período na redação,
porque, depois do (jornal)O Liberal, eu comecei a pegar frilas a distância.
Trabalhei como assessoria de imprensa bastante tempo. Como assessora de imprensa,
a questão das novas tecnologias ficou bastante evidente, porque é bastante parecida a
situação. Então, você vai querer que o jornalista seja, tanto na função de repórter numa
redação, editor, repórter principalmente. Ou de assessor de imprensa, seja qualquer que seja
o segmento a exigência passou a ser maior, porque você tem que reportar situações, você é
cobrado para reportar situações em vídeo, em foto, em texto, ao mesmo tempo, em caso de
assessoria de imprensa, você tem que fazer o relacionamento com a imprensa, você tem outros
públicos, no caso de assessoria de imprensa também, com os quais você tem que se relacionar,
então a exigência é muito grande, e o curioso que as outras pessoas, principalmente nas
assessorias – porque dentro de uma redação você até consegue compactuar com um colega,
que por mais que ele esteja na chefia, ele também é jornalista, então as vezes ele cede um
pouco – agora, numa assessoria, um segmento que só tem você de jornalista ali, as pessoas
não compreendem o quanto você se desdobra para fazer tudo aquilo e ainda não ter o valor
devido. Claro, deve ter casos que isso acontece, esse valor é reconhecido e tal, mas as minhas
experiências na foram neste sentido não, infelizmente.
Mário Camargo:
Houve uma mudança enorme na categoria. Eu me lembro quando fui contratado no
sindicato, que tinha todo compromisso legal, ou seja, o que eles defendiam para a categoria,
defendiam para quem trabalhava lá também, o que era muito legal. Então tinha uma
consciência de classe muito forte. Isso nos favorecia muito para trabalhar. Eu me lembro que
eu saí de Piracicaba com o salário básico de repórter de redação e fui ganhar o salário da
assessoria, que naquela época tinham pisos bem diferentes, 30% a 40% a mais. Eles
respeitavam horário, pagavam hora extra. Enfim, era uma relação trabalhista muito legal.
Eles davam condições razoáveis de trabalho, até porque o sindicato não era tão rico assim,
mas sempre que possível, traziam mais gente para trabalhar, tinha uma pessoa que cuidava
mais da diagramação, apesar de a gente fazer de tudo, porque a redação era pequena.
Fotografava, escrevia, cheguei a diagramar. Só não colocava o fotolito na máquina, mas as
relações de trabalho eram bastante distintas das que eu vivi na redação do Diário, do que eu
vivi na rádio Bandeirantes, que eram relações mais frias, de uma cobrança – não que o
sindicato não tivesse cobrança, porque a gente trabalhava até de madrugada, mas uma relação
120
mais fria mesmo. Então eu percebi que quando eu comecei na carreira efetivamente, na década
de 1990, as condições das redações eram outras.
Eu me lembro que quando eu vim para Campinas, e, 1993, nós tínhamos o Diário (do
Povo), uma potência, muita gente na redação, tínhamos o Correio Popular, que tinha uma
redação enorme, tinha a sucursal da Folha, que era a Folha Sudeste, que depois virou Folha
Campinas, tinha o Diário Popular, que depois virou o Diário de São Paulo. Tinha uma
sucursal da Gazeta Mercantil aqui, tinha a EPTV com boas equipes de reportagem, tinha a TV
Thati, que era a Manchete, tinha a TV Bandeirantes e o SBT. E rádio tinha a rádio
Bandeirantes, que foi onde eu trabalhei, a rádio Central, que fazia jornalismo, a rádio Cultura,
que depois virou CBN e a rádio Brasil, eram quatro rádios.
Quando a gente ia para as coletivas, por exemplo, ia cobrir uma coletiva do Prefeito,
ficava se empurrando, literalmente se acotovelando, com cinegrafistas, com fotógrafos, porque
não tinha sala para caber tantos jornalistas. E as coletivas viravam né, porque com tantos
jornalistas, cada um perguntava coisas diferentes, então rendia. O bom da coletiva aquela
época era que você pegava até ideia dos outros para publicar sua matéria, além da sua própria
ideia. Então, tinha um calor enorme na cobertura jornalística aqui e as condições de trabalho
eram razoáveis. Você tinha o fotografo que realmente fotografava, não precisava dirigir o
carro, o cinegrafista que não precisava dirigir o carro, só era cinegrafista, até porque a
máquina era enorme, pesava 10, 12 quilos, e o repórter tinha um salário legal, pagava-se
horas extras nas redações naquela época.
Eu percebi que na virada, no final da década de 1990, foi bem isso, já no governo de
Fernando Henrique Cardoso, a coisa começou a mudar, por conta da flexibilização da
legislação que já começava e também por conta da tecnologia. A gente já começou a perceber
notebooks nas entrevistas, que a gente nunca viu isso, era o radinho, um gravadorzinho e o
bloquinho de papel. Começaram a aparecer também as máquinas fotográficas digitais. Então
já se descarregava as fotos ali, já se começava a editar ali. O que se fazia de volta na redação,
já começou a ser feito ali mesmo no local da entrevista, da reportagem. Não tinha internet com
tudo que se tem hoje, então a matéria não era transmitida online, mas ela chegava na redação
praticamente pronta. Já escrita no notebook, com as fotos já escolhidas, e aí o motorista
desapareceu. Raramente se tinha uma equipe com motorista, a não ser TV, e as redações foram
murchando.
Eu percebi também que até na assessoria sindical, que eu trabalhei por muito tempo,
isso também começou a acontecer. Começa muito fortemente a pressão do multitarefa, então
eu tenho que fotografar, eu tenho que diagramar, eu tenho que escrever, eu tenho que fazer
121
assessoria, ou seja, tenho que fazer o relacionamento com a imprensa. Também a relação dos
jornalistas com as assessorias começou a mudar. Como a pressão nas redações era muito
grande, o jornalista queria tudo pronto, então foi o reinado das assessorias, nessa virada do
século. Tudo que a gente escrevia, a gente sabia que os jornais gostavam de receber a matéria
pronta, a gente já fazia o título, já fazia o lead, já mandava foto com legenda e em muitos casos
os jornalistas “compravam” a matéria quase que inteira, as vezes adequavam alguma coisa
com o estilo do jornal e a gente percebia que o jornalista não apurava mais. As assessorias
passaram a apurar, a produzir a matéria pronta e quando é rádio inclusive com a fala já, com
o “off”, e as redações foram murchando.
Em Campinas foi muito evidente isso. Alguns jornais foram fechando, como a Gazeta
Mercantil, o Diário do Povo virou parte de uma rede, que virou a RAC (Rede Anhanguera de
Comunicação) e as redações murcharam porque os jornalistas, alguns ficaram no Diário e
outros ficaram no Correio (Popular) no começo, mas já se criou o núcleo de redação da
agência, que ela produzia para os dois jornais e vendia matéria para fora.
Hoje, o jornalista não sai da redação, antigamente, eu pegava quatro pautas no rádio
e quase morria para fazer as quatro pautas, porque tinha que apurar, eu tinha que ir lá no
Ouro Verde, aí tinha uma outra pauta no São Marcos e outra no Centro e acabava meu dia.
Eu ia escrevendo no colo, tinha o motorista, para poder chegar e gravar a matéria, porque
senão não dava tempo de fechar o jornal. Quer dizer, eu virava essa cidade. Foi bom porque
eu conheci a cidade de cabo a rabo e suas contradições também. Isso para o jornalista é
importantíssimo, ter essa sensibilidade da rua, o cheiro da rua, essa coisa do calor da rua e
entender por que que a instituição não atende. Quando eu estava na Prefeitura, eu estava lá
vendo o problema da prefeitura, mas também estava lá na ponta, vendo o problema do buraco,
o problema da saúde, a questão da educação, quer dizer, isso é ótimo para a apuração do
jornalismo. Hoje o jornalista não sente cheiro de nada mais. Ele sente o cheiro do mouse, do
computador. Isso é muito ruim, perde-se a sensibilidade da vida, que é essencial para a
produção do bom jornalismo.
Eu lembro de um conhecido jornalista, já falecido82, que dizia que surgiu o jornalista
fiteiro, ou seja, se comprava pronto, então essa verve da apuração ficou muito prejudicada,
então compra-se dossiê. Eu me lembro de uma entrevista recente da assessora de imprensa da
Polícia Federal de Curitiba, no The Intercept83, dizendo que ela entregava dossiês prontos
para os jornalistas e eles aceitavam. Tudo bem que é de um órgão oficial, mas, não vai apurar?
Ou seja, publique-se e depois a gente vai atrás. O jornalismo que apura hoje é a exceção da
exceção.
84O entrevistado refere-se a jornais em formato tabloide, com notícias curtas e manchetes e fotos chamativas,
vendidos em banca a preço baixo, que fez relativo sucesso na década passada. Exemplo deste tipo de publicação
em Campinas foi o Notícia Já, do grupo RAC. O “Agora São Paulo”, do grupo Folha também pode ser
caracterizado como jornal “popular”.
123
para ler. Eu acordo e vou olhar nos grandes sites o que está acontecendo. Sinceramente não
vejo muita necessidade de jornal impresso. Se os jornais não se fizerem necessários, eles não
serão. Porque você vai ver o dia-dia no toque de seu dedo.
Maurício Simionato:
Na questão das mudanças, nós passamos por elas. Comecei numa redação com
máquina de escrever e até então a gente não imaginava o que era tecnologia né? Não tinha
essa noção. Eu vejo hoje, passados todo esse tempo, eu não entendo como até o ano 2000/
2001, a gente trabalhava sem Google, sem internet. Era um desafio realmente, a gente tinha
uma longa agenda e também o que contava muito era seus contatos, o que tinha anotado, os
telefones, tinha muito mais a cobertura in loco, a gente ia no local, não tinha essa apuração
de hoje, por internet. Acho que esse pessoal mais novo, pós 2000, não sabe o que foi essa fase
do jornalismo, que contava muito você ter fontes.
Nice Bulhões:
Nos jornais, as mídias sociais ganharam peso na apuração de notícias. Inclusive, sendo
usadas até para entrevistas. Com isso, a apuração de rua reduziu. Houve redução também no
quadro de pessoal, mas houve um aumento do número de matérias a serem apuradas e
cobrança quanto à rapidez.
Alayr Ruiz:
Foram várias mudanças, uma consequência da outra. A principal foi com o advento da
tecnologia. Quando eu entrei no Correio Popular, em 1989, era máquina de escrever. Já
existia microcomputador, mas naquela época a gente ainda trabalhava na máquina de
escrever, era a lauda de 20 linhas, que a gente datilografava a matéria, com papel carbono,
com cópia. Então existia toda uma gama de funções dentro da redação do jornal. Tinha o
diagramador, o digitador, o revisor, o pestapeiro, tinha toda uma gama de funções. Com a
informatização, que começou aos poucos no início dos anos 1990, foram se eliminado funções
e departamentos, aí a tecnologia, pela minha experiência, que chegou para facilitar a vida,
também complicou, porque a partir do momento em que algumas funções foram sendo extintas,
alguém teve de assumir aquele trabalho, porque a máquina não faz sozinha né. A gente precisa
trabalhar.
Vou dar um exemplo: a gente tinha um departamento de produção, que era a pessoa
que cuidava de coisinhas que ocupam tempo, tipo, verificar se chegou – no meu caso, na
124
editoria de cultura – o pacote do mês de palavra cruzada, de quadrinhos, que vinha pelos
correios, vinha um CD com as imagens, primeiro era disquete, depois CD, então, era a pessoa
que ficava correndo atrás dessas coisas. Quando eles informatizaram toda a redação, eles
eliminaram esse departamento, então, as editoras, editora assistente, além do trabalho de
edição, também tiveram que acumular essa outra função, que é ver se chegou, ficar
controlando, ficar cobrando, a jornada de trabalho ficou mais desgastante, não era tão longa
como era antes, nos tempos mais românticos da máquina de escrever, que a gente ficava na
redação até a hora que precisasse, pela apuração da notícia, mas a gente acabou ficando
escravos de deadline85.
Aquela época de romantismos de “parem das rotativas”, ficou só no romantismo.
Então foi ficando um trabalho cada vez mais mecânico. Eu acho que isso afetou na qualidade
do trabalho. A gente passou a ser multitarefa.
Sara Silva:
Com a internet eu acho que os veículos patinaram muito tempo para entender e criar
novas formas de negócio. Eu acho que estão patinando até hoje. A gente vê a editora Abril e
outros grandes aí que até hoje não sabe qual a melhor forma de se apropriar das novas
tecnologias, porque isso não deixa de ser um negócio né? Eu hoje sou uma empreendedora e
vejo como um negócio. A gente foi formado para ser funcionário. Há uma deficiência muito
grande nas instituições de ensino. Já havia nos anos 1990 um hiato, uma grande distância
entre o que se ensina e o que é praticado no mercado de trabalho. Na época, enquanto jovem,
eu odiava isso, eu aprendi muito mais trabalhando do que na faculdade, isso não tenho a
menor sombra de dúvida. E depois, já trabalhando eu entendi a importância da teoria, de
estudar e se aprofundar nas questões teóricas, até para te orientar na sua profissão. Mas já
na época existia um distanciamento muito grande. E vejo a mesma coisa que acontecia há 30
anos e hoje. O que aconteceu? As novas tecnologias são muito rápidas, exige um
acompanhamento e mesmo que a gente acompanhe a gente tá atrasado. Então, hoje, é
impressionante. Eu não acompanho. A gente recebe os estagiários, eu vejo que há um
distanciamento muito grande das universidades, das instituições de ensino com o mercado de
trabalho.
Luciana Almeida:
A gente está vivendo uma grande revolução, como foram as revoluções econômicas lá
atrás, que tiveram grandes impactos. Então, mudança de formato de trabalho e é aí que o
empreendedor não é só uma escolha, ele é uma necessidade, as pessoas vão ter que ser
empreendedoras
Recentemente a gente acompanhou a do jornalismo agora de vários especialistas que
vem parar aqui, sejam eles arquitetos, outros, outras áreas, falando que perderam clientes nos
últimos tempos, não sabe o que aconteceu, não sabe o que impactou, mas tem alguém novo,
que começou ontem, mas tem um canal que bomba na internet, tem mais cliente que eles, só
que eles tem mais experiência, e as pessoas, de várias áreas estão surtando com o impacto da
tecnologia nessas áreas. Diz-se que no futuro vão se fazer empresas e desfazer empresa para
realizar um trabalho, que tudo que puder ser automatizado será, então eu acho que a gente
não tem muito mais que ficar brigando com isso. É uma questão até de sobrevivência.
Rose Guglielminetti:
Na minha trajetória eu vi as redações irem se encolhendo aos poucos, vagas sendo
fechadas, um pouco por causa da tecnologia, porque a tecnologia, ela não é ruim, porque ela
facilitou muito o nosso trabalho, por exemplo, se precisa fazer uma pesquisa você dá uma
googada e tá resolvido, você precisa fazer uma entrevista, você faz pelo whatsapp, email,
você recebe muito do leitor, do ouvinte, do telespectador vídeos e imagens que a gente teria
que ir a rua para fazer, e o cara que está lá na cena, ele já te manda, e isso tá fazendo com
que o próprio jornalismo mude um pouco de figura, porque o jornalista antes era o detentor
da informação, porque ele tinha que ir até o local, pegar as informações, levantar, escrever,
ou fazer uma matéria de rádio e de tv. Hoje não, o próprio morador do bairro, a própria pessoa
que está na rua, ela é repórter e tudo isso está fazendo com que nossa profissão tenha que ser
repensada mesmo.
Eu acabei desenvolvendo minha carreira no factual, me adaptando aos novos meios.
Então, a gente percebeu que ter uma coluna no jornal, as pessoas só iriam saber no dia
seguinte. Foi aí que surgiu a ideia do blog, não lembro exatamente em que ano. A gente viu a
necessidade de as pessoas serem informadas imediatamente, porque era a exigência da
internet. Eu estava na Rede Anhanguera quando houve a junção do Correio Popular e do
Diário do Povo, já sendo reflexo da tecnologia, do fechamento de vagas, quando houve a
unificação das redações para poder diminuir os custos mesmo. Então houve perda de trabalho
para jornalista, fotografo, motorista e tudo que envolve essa cadeia de produção jornalística.
126
Naquela época eu acabei montando o blog86, foi uma iniciativa minha, conversei com a direção
da empresa e eles concordaram. Então eu trabalhava como repórter de política do Correio e
montei o blog. Foi um sucesso, todo mundo lê, não é só político, é a população, muita gente se
informa e cobra. Eu descobri que o blog – num primeiro momento ele deu mais trabalho,
porque além de trabalhar como repórter, eu tinha que alimentar o blog e eu não ganhava mais
por isso – mas ele foi um aliado porque ele me trazia notícia, as pessoas que liam notícia, elas
alimentavam, então isso facilitou minha vida. Então eu tenho muitas fontes por causa deste
tipo de repórter que eu acabei sendo, multimídia. Então teve um convite para eu trabalhar no
Grupo Bandeirantes quando eu ainda era do Correio Popular, houve uma autorização. Com
isso acabei me tornando um jornalista multimídia, então hoje faço tv, faço rádio, faço blog e
até a pouco tempo fazia impresso (no jornal Metro, do mesmo Grupo, que deixou de circular
em Campinas no final do mês de abril de 2019) e me possibilitou ter empregabilidade, me
tornou empregável, acabei fazendo tudo.
86 A entrevistada é editora de um blog – Blog da Rose, com publicações principalmente sobre a política local.
127
Na análise do professor Laurindo Lalo Leal Filho, os jornalistas são pioneiros em ser
alvo de terceirizações, precarização e pejotização, devido à característica da categoria de se
enxergar mais como profissional liberal do que como trabalhador87.
Conforme anota Accardo (2007), a hegemonia dos meios audiovisuais, em especial com
a televisão, faz com que muitos profissionais, mesmo exercendo o trabalho em condições
precárias e mal remuneradas, sentem-se presos, através da simbologia da imagem pública, a
um prestígio e poder, o dito quarto poder, que compensaria as vicissitudes enfrentadas no
cotidiano do trabalho.
Heloani (2006), em pesquisa sobre a qualidade de vida no trabalho do jornalista,
observou que há um fetiche do profissional em relação ao seu trabalho, seja por um suposto
glamour que envolve a profissão, seja pela sensação de poder, ou mesmo como uma missão, a
de levar a informação à sociedade. Desta forma, enxerga-se como um trabalhador diferenciado,
ou seja, um intelectual com poder de influenciar os rumos da sociedade.
No entanto, essa visão da profissão está associada ao estereótipo clássico do jornalista
que trabalha numa grande redação, com um contrato formal de trabalho, ou mesmo o assessor
de imprensa. Com as mudanças no mundo do trabalho e o surgimento de novas funções e
trabalho de forma independente – e não necessariamente jornalistas - como blogueiros,
empreendedores digitais, influenciadores, entre outras formas de atuação, essa identidade ficou
no campo do imaginário. A nova realidade imposta pela tecnologia estaria colocando o a mídia
outrora chamada quarto poder em xeque. Conforme Ramonet (2012):
Marshall (2003), anota que neste contexto há a construção do que ele chama de
“jornalista pós-moderno”, que substituiu o jornalismo engajado, palco de lutas ideológicas e
de debates sociais, transformando-se assim num mero veículo de venda de informação e de
estilo de vida.
87 Análise feita durante palestra de abertura do 15º Encontro Estadual dos Jornalistas.
128
Oliveira & Grohmann (2015), chamam atenção para as novas competências exigidas
pelo profissional de jornalismo; a flexibilidade para aceitar diferentes tipos de contrato de
trabalho, a capacidade de inovação e criatividade, que leva a necessidade de atualização e
formação permanente.
Nestes termos, o emprego estável, com carteira de trabalho assinada, horário e salário
definidos, típico do período fordista, vai se tornando algo raro, anacrônico. A palavra chave
para definir essa nova situação profissional é o empreendedorismo. O “novo jornalista’, assim,
não estaria mais preso às redações. Agora ele mesmo vende suas pautas e tem liberdade para
trabalhar onde e quando for mais conveniente.
Por outro lado, criar uma mídia para chamar de sua pode ser considerado como fazer
jornalismo? Conforme analisa Paulo Zocchi, o empreendedorismo no jornalismo esbarra na
própria característica do trabalho, uma vez que, diferentemente do que ocorre com outras
profissões, o jornalista não é um profissional liberal.
Nesta análise, não basta simplesmente abrir empresa PJ individual, montar um
escritório e/ou uma página na internet e atender clientes. Geralmente o trabalho do jornalista é
negociado com empresas, uma vez que a produção de notícia requer uma estrutura e tempo
para sua produção, o que dificulta que seja suportada por um único indivíduo. O trabalho de
produção de notícia, assim, não se confunde com a criação de um espaço virtual, uma página
na internet, um blog para publicação de artigos e conteúdo de caráter opinativo, o que não
necessariamente é exclusivo de jornalistas.
Entre jornalistas entrevistados para este trabalho, quatro, todas mulheres, passaram a
atuar como empreendedoras depois de uma trajetória trabalhando em veículos de comunicação
e em assessoria de imprensa.
Como se pode observar nos depoimentos abaixo é que o autoemprego pode tanto ser
resultado de uma falta de opção de inserção no trabalho formal, dado a crise nos meios de
88 TORRES, Clayton Carlos. Jornalistas dever ser jornalistas. E empreendedores. Publicado no site Observatório
da Imprensa em 24/04/2012. Disponível em http://observatoriodaimprensa.com.br/feitos-desfeitas/ed691-
jornalistas-devem-ser-jornalistas-e-empreendedores/ acesso em 07 de novembro de 2018.
89
Idem.
130
comunicação tradicional, o reduzido número de vagas o aumento das contratações como PJ;
seja por entender que as mudanças ocorridas são irreversíveis e que é preciso se adaptar a elas
até por uma questão de sobrevivência. Outro ponto que aparece em algumas falas é que, se um
dia a profissão de jornalismo representou algum status social e era romantizada, na visão destes
profissionais, ficou no passado.
Michele Costa:
O jornalista, por conta do status, dessa coisa do ego, essa coisa do “ah, eu sou, eu faço
e aconteço”, carrega muito com ele essa coisa de se achar muito importante, ele não consegue
enxergar que ele é mais uma pessoa apertando um botão numa linha de produção, na prática,
para aquele empregador, claro que em alguns momentos, alguns colegas se destacam, fazem
um nome, crescem e acabam se tornando pessoas conhecidas independente do veículo, mas
isso é muito, muito raro, pessoas que conseguem se destacar desta maneira, independente do
veículo de comunicação. A maioria acaba sendo assim: o fulano, o João da Folha, e quando
ele sai da Folha ele é o João. Aí que ele se dá conta que ele não era realmente uma pessoa
muito importante sem o “sobrenome” Folha, então aí que ele percebe o que ele perdeu, e aí
já se passaram anos de direitos trabalhistas que ele perdeu. É um problema que realmente
acontece.
Mário Camargo:
Eu nunca tive essa coisa do glamour da profissão, eu acho que eu era um operário da
notícia, da informação, em vez de eu estar com uma enxada na roça, minha enxada é uma
caneta, ou um computador agora. Mas já no início da minha carreira, na faculdade, as pessoas
queriam trabalhar na Globo, ou em outra TV, porque achava que aquilo era o máximo, como
se fosse um profissional liberal. Nós não somos profissionais liberais de verdade. Seja
contratado por carteira, seja PJ, nós trabalhamos para uma empresa, diferente de outras
profissões liberais, como médicos, advogados. E sempre grande parte da categoria não
percebia essa coisa – não, nós somos profissionais liberais. Eu nunca gostei dessa frase. Acho
que esse encanto começou a diminuir bastante exatamente no momento dessa mudança nas
redações, dessa modernização, melhor, da tecnologia, do avanço da tecnologia nas redações,
porque aí as redações começaram murchar, os salários começaram a diminuir e acho que caiu
a ficha que realmente a gente era um operário da notícia, um trabalhador que está a serviço
de uma coisa comercial, um prestador de serviço como qualquer outro à empresa. E aí eu acho
131
que a coisa acabou mesmo quando veio essa briga do fim do diploma de jornalismo. Eu acho
que hoje, com quem eu converso, ninguém se sente como profissional liberal, tenho amigos de
longa data, desde quando eu comecei, até antes, hoje a conversa é outra. Hoje a conversa é
mais real, como devia ter sido sempre nessa coisa do glamour, do profissional liberal. A única
coisa é que eu acho que o colunista, não que eu acho que ele seja um profissional liberal, mas
acho que ele tinha mais liberdade de produzir seus próprios conceitos, coisa que você não vê
em outro tipo de empresa, mas os colunistas hoje também são raríssimos né.
Maurício Simionato:
Então, como eu fiz essa pós em comunicação e marketing e trabalho no aeroporto, numa área
de assessoria de imprensa que atua junto com o departamento de comunicação e marketing,
então foi um grande aprendizado, de participar de eventos, de fazer eventos. Então eu tive que
ampliar meu repertório que era só de reportagem de jornalismo impresso ou partir para um
outro lado também. E aprendi muita coisa com o jornalismo institucional, principalmente
como lidar com pessoas. Acho que jornalismo tem muito disso né. Que é meio que você tem
que aprender a lidar com pessoas. Isso é uma lição muito importante e com o jornalismo
institucional isso se reforçou na minha parte.
Nice Bulhões:
Eu sempre trabalhei com CLT. Acredito que outras formas de contratação, como os
PJ, podem ser importantes para alguns cargos no jornalismo, mas não se pode simplesmente
inverter a proporção. A CLT é primordial e traz garantias ao trabalhador.
Alayr Ruiz:
Eu acho que a geração mais nova deu uma dominada aí, mas a nossa geração foi
ficando mais velha e foi perdendo um pouco de espaço. Mas isso é natural dentro do nosso
esquema de trabalho no país, que você prefere demitir um mais velho, que ganha mais e é mais
experiente e contratar um mais novo, ignorando a importância de ter diferentes gerações
trabalhando no mesmo espaço, porque uma só tem a ganhar trabalhando com a outra. Eu
penso que o jornalismo, de forma geral, está muito chapa branca. As iniciativas mais
indignadas são as vezes sites independentes, que lutam muito para sobreviver porque não é
fácil você manter um site, uma empresa de comunicação tendo de competir com empresas que
estão ali consolidadas com departamentos comerciais, com coisas que tem já um esquema de
trabalho e uma carteira de clientes.
Sara Silva:
A internet permitiu que a gente fosse o “dono” do meio de comunicação. Não só o
dono, mas a gente passou a ter mais possibilidades de se comunicar diretamente com um
público sem intermediário, ou criar o próprio veículo. É você ser seu próprio veículo. Tanto é
que, profissionais de outras áreas que entenderam isso, por exemplo os blogueiros, porque
eles encontraram uma possibilidade de se comunicar direto com o público. Por exemplo, uma
profissional que era terapeuta, para anunciar o tipo de serviço que ela faz, ela tinha que
colocar um anúncio no jornal, fazer um texto, tinha que ter um intermediário.
133
Com a internet ela mesmo fala com o público que está interessado nela, que a “Calda
Longa”90, são os microgrupos de interesses que você atinge num universo de pessoas, você vai
falar com aquele grupo. Por exemplo, você faz um anúncio no jornal, atira para tudo que é
lado, mas se ela “atirar” em dez que está interessado no trabalho dela é muito mais efetivo.
Então, os blogueiros entenderam isso e encontraram aí uma possibilidade de se comunicar
diretamente com um público que é o que ele está querendo atingir, e não precisava mais de
um veículo tradicional. A internet permitiu esse contato direto com o público. Então os
jornalistas que tem uma formação que se preocupa com a formação ideológica, com a questão
técnica, a gente não é a notícia, nós somos os intermediários, a gente é repórter, nós temos a
técnica de reportar o que está acontecendo e a gente sabe quais são as técnicas para levar
essa informação com a maior possibilidade de isenção, coisa que quem produz conteúdo não
tem capacidade para entender isso, para produzir um material nesse sentido.
Então, as novas tecnologias vieram para o bem, mas tem essa questão da
superficialidade que hoje em dia todo mundo faz e é complicado.
Luciana Almeida:
A Internet precisa de recorte, precisa ser segmentada, precisa ser especializada,
precisa ter nicho, senão você é um projeto muito grande e aí exige muito dinheiro. Tudo que é
grande demais exige dinheiro demais para existir e os nichos começaram a aparecer aí e na
questão da “calda longa” os nichos e a internet possibilitaram ter mercado para as pessoas
que nunca teriam mercado em outras circunstâncias. Então, a Internet veio como uma
ferramenta pró jornalista como uma possibilidade de empreender num projeto nichado. Mas
isso já fazia parte da minha discussão de projetos segmentados, então foi só um novo ambiente
para algo que eu já meio que transitava. Então o Campinas.com nasce no meio disso, com um
projeto antes chamado “Tudo de Bom Campinas”, projeto para valorizar a cidade, para
responder o que se tinha nela para fazer, dialogando com uma cidade que tinha uma discussão
do que não tinha, negativa, de baixa autoestima. A gente mostrava que tinha para a cidade se
perceber diferente do que ela se percebia. E aí para mim foi ficando muito claro o papel que
a comunicação pode fazer. Ela tem um papel de ser um ativador, de ser mobilizador, que até
então não parecia para mim tão forte no jornalismo tradicional. Apesar do papel de denúncia,
90O termo cauda longa, traduzido do inglês long tail, é uma ferramenta que vem sendo utilizada cada vez mais
no mercado online por proporcionar resultados positivos na segmentação de conteúdo. Esse é um recurso
econômico da internet representado por um gráfico de curva, por isso o nome cauda longa.
Fonte: https://www.internetinnovation.com.br/blog/entenda-o-que-e-cauda-longa-e-como-a-segmentacao-do-
conteudo-pode-melhorar-seus-resultados/
134
outros papeis que a comunicação pode fazer quando aparece o online, que é esse de
engajamento, e foi ficando isso claro para a gente, porque até hoje quando alguém na internet
fala que não tem nada para fazer, alguém pega o portal e responde: então você não conhece
o portal Campinas.com.br . Então a gente mostrou que através da comunicação é possível
você mobilizar, engajar e mudar até percepções.
Isso foi muito legal. Para fazer o portal a gente teve que aprender negociar, fazer
contratos, aprender várias coisas que não eram habilidades que até então a gente tinha. Foi a
hora que começou o negócio e a gente teve que desenvolver habilidades de administração,
negociação, vendas, um plano de negócios, modelo de negócio, melhorar projetos, tecnologia,
acompanhar equipes que a gente nunca tinha acompanhado na vida, habilidades que até então
o jornalista na faculdade não tem e não era estimulado a ter. E foi muito desafiante, foi a
primeira vez que a gente arriscou tudo, a gente podia perder tudo. Então, entendemos que
empreender significa arriscar, que é um lugar de medo para o jornalista que foi formado na
faculdade. Mas você tem que arriscar.
Então a gente começou a desenvolver um perfil de empresário, foi forjado, lapidado,
dolorido, é até hoje, a gente sempre tem que buscar muito curso e as coisas estão mudando
muito rápido e a gente tem que aprender muito. Então uma questão que acho que se coloca no
presente hoje é o jornalista empreendedor. Até então a gente não precisava ser empreendedor.
E hoje, se você quiser sobreviver no mercado, você vai ter que ser um jornalista empreendedor.
Até então a gente vem empreendendo em novos projetos, entendo que o portal é um
meio e não é o fim, e onde está o negócio então? Um novo modelo de negócio para esses
negócios online ou o jornalismo que foi para o online, já que o online tem uma percepção de
que é gratuito, que as redes sociais são gratuitas, o que é uma falsa percepção, porque na
verdade existe negócio, o Google tá ganhando, o Facebook está ganhando, o Instagram está
ganhando, inclusive com os conteúdos que muitos jornalistas produzem, e o jornalista não está
ganhando com a alimentação dessa rede de distribuição de informação.
Então o empreendedor, como fazer para que o negócio seja financiado e você consiga
continuar produzindo um bom jornalismo, de checagem, de uma informação correta, uma
informação que não seja fake, uma informação que não seja desavisada, que se preocupe com
o outro é um grande desafio.
135
Rose Guglielminetti:
Sempre trabalhei como CLT, nunca fui PJ. Houve uma proposta para vir para o Metro
quando estava chegando em Campinas, mas não tive interesse em ser PJ e aí contrataram
como CLT.
Acho que diante da crise no mercado de trabalho, o empreendedorismo pode ser uma
saída, só que tem de ser pessoas que saibam fazer. Eu, por exemplo não sei fazer. Eu não sei
vender. Meu blog, quem vende é a Band. Mas vamos supor que se eu resolvesse romper com
essa estrutura formal do trabalho, eu teria que ter uma pessoa que vendesse para mim, porque
eu não sei. Então eu acho que essa geração que está chegando agora, de novos jornalistas,
eles não são como a gente.
A velha geração, nós somos formados para denunciar, somos formados para ir contra
interesses, o que mais encantava a gente era denunciar um político corrupto, era fazer
matérias superlegais e tal; essa geração nova foi formada já na mídia social e que interessa
para ela é que a informação chegue a um número “x” de pessoas. Então eles já são youtubers
que não veem problemas em falar de uma coisa e vender ao mesmo tempo. Então talvez, para
essa nova geração o empreendedorismo seja a saída, mas tem que ter vocação.
Encontrar um nicho de atuação dentro do jornalismo online, trabalhar com dados, criar
plataformas digitais, aprender a empreender, pois não haverá mais emprego. Essas são algumas
das alternativas apresentadas nos depoimentos acima como forma de sobrevivência no mercado
trabalho
Como é possível observar nos depoimentos, o empreendedorismo aparece como uma
forma de se manter no mercado de trabalho. A lógica apresentada é: uma vez que não haverá
mais emprego, crie o seu. Porém, é importante notar, neste caso, que não se trata de uma
alternativa.
Michele Costa:
Então, para falar do futuro do jornalismo, acho que é uma coisa que está entrando em
extinção mesmo, considerando que as novas gerações vão se adaptando a isso, as novas
gerações de jornalistas vão se adaptando a esse mercado, a essa movimentação, a essas
mudanças, e vão mudando o jeito de fazer, que chamam de jornalismo. Mas o jornalismo que
a gente conheceu, o jornalismo que a gente fez com muita dedicação, com muita seriedade, em
alguns momentos da vida até com esperança que isso contribuísse para melhorar um pouco a
sociedade, esse tipo de jornalismo, está mais difícil de esperar que continue com as novas
gerações. Enquanto estiverem os colegas, talvez na nossa faixa etária, da nossa época que
consigam preservar isso de alguma maneira, mas não consigo ver essas novas gerações de
jornalistas levando isso adiante. Só consigo vê-los incorporando a situação atual, ou
moldando isso e fazendo algo novo, algo diferente, que talvez possa receber um novo nome
para os pesquisadores da área comunicação, mas creio que daqui algum tempo não vai ser
chamado de jornalismo não.
Mário Camargo:
Eu acho que o jornalismo sempre será necessário. O que me preocupa, enquanto o
jornalismo e enquanto o profissional, é que tipo de jornalismo estão fazendo hoje. Eu tenho
receio que o jornalismo deixe de ser importante quanto já foi, ou menos importante do que é
hoje, o advento da tecnologia trouxe algo novo, que é a produção de conteúdo. A gente não
produz mais matérias. E sem diploma, hoje qualquer pessoa pode produzir conteúdo. Então
eu acho que nós estamos numa encruzilhada. O jornalismo está numa encruzilhada, porque o
jornalismo que apura, que tem fonte, e que tem método, com todos os problemas que o
jornalismo tem, tem método, a tua ética, enfim, toda uma estrutura redacional de narrativa,
quando você percebe que todo mundo pode produzir conteúdo, que cada um pode criar seu
meio de comunicação na internet, seja ele um blog, ou uma rede social, seja o que for, isso
sem qualquer tipo de consciência da ética, da apuração, você vê esse absurdo dessa avalanche
de fake news. E aí, quem consome informação já não sabe mais, não tem mais condições de
definir se aquela matéria que está, dita que foi no Uol, realmente foi publicada no Uol, porque
ele vai ter que investigar. Antigamente era o jornalista que investigava a notícia. Agora ele, o
público, vai ter que investigar se aquilo é verdade ou não e em muitos casos não consegue.
Então, acho que isso é uma encruzilhada para o jornalismo. O jornalismo perde muito com as
fakenews. Ah, você quer fazer reserva de mercado? Não é isso. É que o bom jornalismo leva
137
tempo, tem que ter estrutura, tem um gasto, você tem gasto para produzir, você tem gasto para
veicular. Então o jornalismo vive uma encruzilhada e eu tenho receio de perder muito a
importância para sociedade. Paralelo a isso, se o jornalismo bem feito perde importância para
a sociedade, obviamente que o jornalista também perde, ainda mais, sem diploma, sem
consciência ética, então eu vejo que, além de a gente ter perdido um glamour que nunca teve
na minha opinião, mas que para muitos teve, eu acho que não corre o risco de ser extinto, mas
corre o risco de perder a importância mesmo, o jornalista enquanto profissional. Hoje eu não
posso me considerar um jornalista mais. Eu faço gestão de redes sociais, eu escrevo matérias,
eu faço vídeos para internet. Esse é um trabalho de jornalismo. O que eu fiz de apuração da
matéria, de conversar com o vereador é, agora de produzir um vídeo para rede social, fazer
gestão dos comentários, isso não é jornalismo. Agora, tem algum jornalista que não faz isso
hoje? Eu acho que não. Então eu acho que ou o jornalismo muda, ou ele perde importância.
Outro dia eu estava conversando com um professor de universidade, da Unimep, e ele me disse
que possivelmente essa universidade não tenha curso do primeiro ano de jornalismo esse ano.
Isso é um problema. Baixa procura, a universidade está em crise, as universidades EAD estão
tomando conta. Então, se você não tem entrada para o primeiro ano do curso de jornalismo,
numa cidade como Piracicaba, que tem 400 mil habitantes, e atende uma região de 600/700
mil habitantes, isso é preocupante, corrobora com a ideia de que a gente vai perder
importância. Então, não sei se a gente vai acabar, mas como existiremos, como nós seremos?
Seremos talvez produtores de conteúdo, talvez não tenha mais o diploma de jornalista, mas
vamos continuar produzindo notícia.
Produzir notícia tem custo, mas não o mesmo custo que um jornal tem, de comprar
papel, de ter transporte para distribuição, de ter que printar, imprimir, de manter as linhas
telefônicas. Para produzir com qualidade, você vai ter que ter gasto telefônico, vai ter gasto
de internet, gasto de transporte para ir nos lugares. Mas hoje em dia é viável fazer sozinho.
Você vai ter que ter uma pequena retaguarda por trás, que não é a mesma coisa de um grande
jornal. Só que aí vai entrar um outro problema atual, que acho que é a segmentação. Cada um
vai entrar na sua área. Os grandes jornalões universais, que informam você sobre tudo, a
tendência está contra eles, embora eles sejam absolutamente necessários. Eu não vejo isso
mais. As pessoas estão indo mais no seu nicho de interesse e que está abrindo seu negócio está
indo fazer o que sabe fazer, que é mais fácil.
Maurício Simionato:
Os desafios de hoje eu considero que são as formas de fazer uma junção de jornalismo,
com tecnologia de forma que esse jornalismo ele tenha um tom mais aprofundado, ou mais
analítico, do que o jornalismo impresso. O jornalismo impresso traga um tom mais analítico
e com mais fôlego, reportagens especiais, coisas que as pessoas não vão ler na internet. As
pessoas vão procurar um jornal, uma revista, para ler materiais mais aprofundados, de
investigação, com texto mais apurado, com análise e acho que essa, eu vejo isso como o
caminho do jornalismo, para diferenciar do hard news que vai todo, hoje, para o online.
Então eu vejo uma saída aí né, além dessa questão analítica, do jornalismo analítico,
de aprofundar nas questões, eu acho que também o jornalismo de dados, de ter as ferramentas,
de saber pesquisar dados que estão disponíveis na internet, essa é uma grande sacada que
pode alavancar o jornalismo, não só o jornalismo impresso, como o jornalismo online. Esse
jornalismo de dados, saber compilar dados é muito importante, é uma questão que vem se
destacando.
Nice Bulhões:
Acredito que as mídias sociais desafiam os profissionais a todo momento. Hoje, um
profissional bom não é apenas aquele que apura uma boa matéria, já que, além disso, precisa
entender de palavras-chaves, logaritmos, memes... enfim tudo aquilo que envolve os meios
digitais. Sem contar, que a profissão enfrenta a falta de reconhecimento e respeito, seja pela
não obrigatoriedade do diploma para o ofício, pelo registro da profissão para
"pseudojornalistas" e ainda pela confusão entre matérias sérias e as fake news.
139
Alayr Ruiz
O jornalista é muito necessário nos dias de hoje, acho que ele ainda não se deu conta.
As empresas de comunicação ainda não se deram conta do real papel do verdadeiro jornalista,
daquele que é o eterno incomodado, daquele que fica indignado com as coisas, que questiona.
Talvez o principal desafio, além de retomar a relevância que é nossa, que a gente tem essa
importância, principalmente nesse momento político no Brasil, em que qualquer notícia que é
desfavorável ao atual presidente é classificada como fake news e não é. E é um conceito que
se impregnou em sua base eleitoral. Então, de alguma maneira a gente tem que tentar reverter
isso; e como se tornar viável financeiramente. Você tem que ter um suporte, um departamento
jurídico para grandes reportagens investigativa, denúncias. É um desafio, que nós estamos sob
ataques constantes.
Sara Silva:
Eu acho que o jornalista nunca foi tão necessário como agora. A gente é o principal
filtro do dessa avalanche de informação, fake news, por exemplo, que é um fenômeno que veio
com as novas tecnologias e, assim, o jornalista nunca foi tão necessário para ser o filtro de
toda essa avalanche de informação que chega, o jornalista tem a capacidade de traduzir isto
de uma forma mais profissional, com mais qualidade para o público. Eu só acho que os
profissionais da área têm que encontrar o caminho, qual é o caminho? Eu acho que isso vai
começar a se desenhar, os profissionais estão saindo das grandes redações, estão, por
necessidade até, tendo que encontrar novos caminhos e a gente acredita no seguinte, que não
tem mais emprego formal. Eu não acredito mais em emprego formal. Acredito em você abrir
seu próprio terreno, a fórceps, a facão, abrir o terreno e encontrar novos caminhos de
trabalho. Acho que o empreendedorismo chegou no jornalismo, com toda força. Acho que tem
muitos caminhos. Nunca se necessitou tanto de comunicação como hoje. Os nossos clientes,
que são empreendedores também, eles sabem de tudo, menos comunicação. Ninguém sabe
comunicação. Os jornalistas são os únicos que sabem trabalhar a comunicação de forma
profissional, de uma forma que seja de qualidade. Isso em vários setores, a comunicação é o
mais importante hoje para a vida de qualquer profissional.
Então, o empreendedorismo chegou ao jornalismo e acho que cada um vai encontrar,
até por necessidade, novos caminhos para se reinventar. Acho que a gente tá no meio dessa
transição ainda, a gente não tem isso muito definido. O Boni escreveu um livro sobre isso, há
uns cinco anos, e ele defende, como acontece em outros países onde isso está um pouco mais
formatado, que haverá uma cobrança pelo conteúdo na internet, não sabemos se isso pode
140
acontecer. Acho que no Brasil é muito difícil, porque temos a cultura do piratear, de não pagar
pelas coisas, do jeitinho. Mas na música, com Spotfy, o Netflix, a gente paga. Eu acho que
esses formatos, como Uber, Airbnb, talvez esses formatos disruptivos pode chegar na
comunicação de alguma maneira nesses grandes veículos e cobrar por entrega, e isso criar
um mercado novo. Mas estamos num momento de transição e o profissional de comunicação
nunca foi tão necessário.
Luciana Almeida:
Se a gente quer um futuro diferente, a gente tem que entender para onde ele está indo,
quais são as regras e como vamos criar coisas a partir dessa apropriação do que está sendo
colocado, que façam grupos e pessoas e o coletivo e o colaborativo também ficar bem. Todos
os eventos de inovação que eu vou dizem “quem não se inovar, está fora” e eu fico me
perguntando onde é o planeta chamado “tá fora”, que todo mundo será colocado numa nave
e levado para lá, porque não existe “tá fora”, se for isso mesmo a gente tem uma
miserabilização geral, uma situação e uma condição humana muito complicada, e não será só
os jornalistas, serão várias e várias profissões. Eu acho que a nossa categoria começou antes
e também tem chances antes de se apropriar e se reinventar.
Então não e só uma questão de patrão e empregado. Inclusive os próprios veículos
grandes, onde tinha os patrões, eles também estão sendo engolidos. A gente olha aí a Abril, a
gente olha os grandes jornais, não é um problema só do Correio Popular, por exemplo, é um
problema do Correio Brasiliense, de outros e outros, e jornais internacionais. Então, entende
que eles também foram engolidos por essa mudança? Então é uma discussão muito mais
ampla, mas exige o “eu” fazedor, que é uma habilidade que até então muitas carreiras não
tinham, e a gente está tendo que desenvolver de uma forma muito dolorosa, diferente para
gerações novas que estão vindo aí porque parece que eles já vem entendendo isso, mais prontos
para empreender, mas é um cenário do mercado de trabalho muito assustador, porque o
mercado de trabalho como a gente conhece não vai existir.
Mas quem sabe fazer uma curadoria de conteúdo, quem sabe checar, quem sabe
organizar e concatenar as ideias de uma forma lógica, coerente, que dialogue com o outro,
sempre vai ter valor. Então, eu nunca vi na verdade tanto emprego como hoje para jornalista,
porque todo negócio tem um portal que precisa produzir conteúdo, que precisa comunicar esse
conteúdo para seu público, que é um público específico, que está nas redes, que está em vários
lugares. Se a gente for olhar mesmo com uma lupa menos crítica, eu acho que nunca teve tanto
emprego para quem produz conteúdo e para quem sabe fazer conteúdo como jornalista. E vejo
141
muitas pessoas não conseguirem produzir conteúdo, porque falta alguma coisa na organização
das ideias. Então não é uma habilidade para 100% das pessoas. É uma habilidade forjada,
tem processo, tem técnica e tem aprendizado, e ela é uma habilidade que está em alta de
oportunidade de trabalho. Então muda a perspectiva, conteúdo bom, apurado, que fale com o
público, está em alta. Então o jornalista é muito necessário.
Rose Guglielminetti:
O jornalista é necessário porque, como falei, o leitor e o ouvinte te mandam uma foto,
um vídeo, mas você tem que checar. Então o que diferencia um jornalista de um blogueiro e
de uma pessoa que não é formada é checagem da informação e a responsabilidade com aquilo
que você escreve, com aquilo que você fala e com aquilo que você veicula. Essa é a diferença.
Nós vivemos nestas últimas eleições (em 2018), as fake news. Era um negócio
assombroso, então a gente perdia muito tempo. Pela primeira vez a gente teve que formar um
grupo de veículos de imprensa para checar notícias mentirosas. Você imaginava isso em
eleições anteriores? Nunca.
Obviamente a fofoca e a elaboração de relatórios contra candidatos sempre existiram
em campanhas, mas cabia ao jornalista checar a veracidade. Então essa responsabilidade com
a informação é muito do jornalista que é ético, do jornalista sério. Apesar do atual presidente
da república querer desqualificar a imprensa, eu acho que a mídia social tem um poder
incrível, só que o poder de credibilidade dela não chega a 10% de um veículo oficial de
informação. Então a mídia ainda é importante para a democracia. Pode se discutir que ela
está concentrada nas mãos de empresas, que tem interesses, mas aí é outra discussão, mas ela
é necessária para a democracia, e estamos sofrendo ataques.
Há políticos querendo criar uma nova forma de informar, de ir para as redes sociais.
Acho que o país está vivendo tempos nebulosos, sombrios na questão da liberdade. A gente
ainda tem, mas somos atacados. Quando faz uma matéria que não agrada um público, eles
vêm para cima da gente com ameaças, com discurso de ódio, não querem entender nosso papel
de denunciar. Antigamente, se alguém não gostava da matéria ela pedia um outro lado, ela
entrava na justiça. Hoje não, hoje nos desqualificam nas redes sociais. É um negócio absurdo.
As pessoas e as próprias empresas que são essa mídia oficial – jornais, revistas,
televisão, a gente está tentando entender como vai ser esse futuro e como nós vamos sobreviver
no meio das redes sociais. O que a gente tem feito? A gente tem gravado live, então, mais uma
atribuição que se tem. Antes nós tínhamos horários estáticos para entrar no ar. Então eu
entrava no jornal da noite, entrava no jornal da tarde, só que agora não. Agora eu tenho que
142
escrever lives. E tem muito poder. Ontem gravei uma live sobre a questão dos tickets da
Câmara (Municipal) e está com 20 mil visualizações, compartilhamentos, então as pessoas se
informam hoje pelo smartphone. Minha filha de 16 anos lê tudo pelo celular, assiste seriados
pelo celular.
Como a gente vai se adaptar, não sabemos ainda. A gente está descobrindo novos meios
de vender. Então, por exemplo, a gente sabe que se estiver numa live, a pessoa vai querer ver
o que eu vou falar no jornal das sete. Então houve uma inversão, a gente vai para as redes
sociais para trazer o público para o veículo oficial. A gente tá juntando tudo, o blog, estamos
descobrindo como vai ser isso. A gente tá lutando, todos estão lutando, jornalistas, as
empresas. Pois quando fecha um veículo há desemprego, e não vai ter mais aquela vaga. Como
a gente vai se reinventar eu não sei, mas a gente precisa. Quem está no mercado tá com a água
batendo no nariz, e a gente fica tentando não se afundar. Isto é tanto os trabalhadores e as
empresas, eu vejo todo um esforço para pagar os salários em dia, manter o negócio, mas tá
complicado. Mas eu ainda tenho fé na mídia oficial. Nós vamos migrar para os novos meios.
O jornalismo existe. Hoje não existe uma superestrutura por de trás da informação, hoje com
celular você pode fazer.
Paulo Zochi;
Então, para falar sobre o futuro da profissão: o jornalismo exige meios e estrutura
importantes. O jornalismo não pode ser feito, por exemplo, por blogueiros, por mais
importante que seja o trabalho deles, eles não podem ser comparados como fonte de
informação jornalística comparável a um jornal que acaba, porque eles não têm a capacidade
de investigação que tem um jornal. Capacidade econômica, porque fazer jornalismo custa
caro. Para fazer uma reportagem profunda sobre um tema, precisa deixar uma pessoa fazendo
isso, durante algum tempo. As vezes exige viagens, as vezes necessita de várias pessoas. Então,
entendo que neste momento a gente ainda não superou a necessidade de se ter empresas de
comunicação e jornalismo. A via da comunicação pública, com uma empresa forte de
comunicação pública seria uma boa possibilidade. Evidentemente isso depende de meios
políticos para manter de forma autônoma. As próprias empresas de comunicação estão
colocadas no horizonte. Estão aparecendo novos meios de atividade jornalística. A principal
questão, no meu ponto de vista, é que o jornalismo tem que ser uma atividade profissional, ou
seja, “mídia ninja” é jornalismo? Na minha opinião não. Sou a favor da liberdade de
expressão e todo mundo tem direito de se expressar. Um sindicato tem direito de treinar seus
diretores para fotografar, filmar uma manifestação, por exemplo, mas não é jornalismo.
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Lembremos que os donos dos meios de comunicação não são nem mesmo
empresários do ramo, mas empórios empresariais com ações e interesses em
todos os setores, desde multinacionais das telecomunicações que controlam os
canais de divulgação da informação até grupos bancários imprescindíveis para
o seu funcionamento. E sua viabilidade depende dos grandes anunciantes,
como as empresas de hidrocarbonetos, automobilística, magazines. Estes
meios não são quarto poder nenhum; são o poder do dinheiro ... (RAMONET,
2013, p. 74).
Neste contexto, como se coloca o jornalismo enquanto profissão que foi criada a partir
da necessidade e produção da notícia – o produto vendável da informação? Com aceleração
das formas de transmissão, o fácil e contínuo acesso, não só para o consumo, mas produção de
conteúdo de notícia por qualquer cidadão portando um smartphone, teriam os jornalistas
perdido sua função enquanto profissionais que reportam determinados acontecimentos ao
público mais amplo? Ramonet (2013) analisa esta questão da seguinte forma:
Mas, seria isso jornalismo como definido por Ramonet, o analista de uma jornada, ou
de um período? No contexto colocado, de coleta e difusão de informação, com as novas
tecnologias tornaram a profissão redundante nos dias atuais? Essa questão, colocada em
perspectiva, recoloca o jornalista como um agente na manutenção da informação não mais
como mera mercadoria, mas já como um direito social dentro de uma sociedade complexa e
globalmente interligada, em um cenário de circulação ininterrupta e em quantidade incalculável
de informação que, não raras vezes, não tem conexão com fatos.
Outro ponto levantado por Ramonet é que, com o avanço da tecnologia e predominância
dos meios eletrônicos de comunicação, avançamos rumo à extinção da imprensa escrita em
papel. Citando como exemplo o mercado norte-americano, o autor observa que isso tem como
consequência o aumento das demissões e crescimento de contratos de trabalho precarizado,
especialmente entre os mais jovens:
A situação colocada por Ramonet, em análise sobre a situação dos jornalistas nos
Estados Unidos e na Europa, se reproduz no Brasil com as características econômicas e
culturais do país.
Neste cenário, o trabalho do jornalista poderia estar se configurando no que Standing
(2015) define como precariado?
Em termos gerais, Standing define o precariado como uma classe de trabalhadores
marcados pela permanente insegurança, não só no mercado de trabalho, mas em função disso,
em todos os aspectos da vida. Nesta análise, os jornalistas poderiam ser definidos no que o
autor chama de proficians (profissionais) e technician (técnico), que detém um conjunto de
habilidades que podem ser vendidas através de contratos autônomos ou consultorias.
Com isso, há cada vez menos sentimento de pertencimento a uma categoria
profissional, pois o trabalho solitário, muitas vezes realizado na própria residência, a falta de
segurança de renda a partir do trabalho – geralmente os contratos, ainda que possam ser bem
remunerados, tem duração definida. Assim, o trabalho caracterizado pelo precariado carece de
uma identidade profissional (STANDING, 2015).
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Como a substituição do ‘trabalhador’ pelo ‘empreendedor’ afeta a esquerda. Entrevista ao site do antropólogo
Carlos Gutierrez à João Paulo Charleux, publicada no site de notícias Nexo Jornal em 1 de novembro de 2016,
atualizada em 2 de novembro de 2016. Acesso em 3 de julho de 2019. Disponível em:
https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2016/11/01/Como-a-substitui%C3%A7%C3%A3o-do-
%E2%80%98trabalhador%E2%80%99-pelo-%E2%80%98empreendedor%E2%80%99-afeta-a-esquerda
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Além das já descritas formas precárias de contratação, seja as informais, como freelance
e frila-fixo, seja as formalizadas, como a pejotização e MEI subordinadas a um único
empregador, as novas formas de contratação previstas nas Reforma Trabalhista, como o
contrato intermitente, em que o trabalhador fica à disposição do empregador para realizar
trabalhos just in time, ou seja, na exata necessidade do empregador, recebendo somente pelas
horas efetivamente trabalhadas, se encaixam nas possibilidades abertas com posição de
microempreendedor. Neste caso, se trataria da venda direta de um serviço ao cliente. Não mais
um contrato de trabalho.
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Considerações finais:
sociedade. Sofre agora a concorrência de novos atores e sente-se como quem chegou atrasado
à festa da era digital.
Neste trabalho, ao situarmos o jornalismo moderno como uma criação do capitalismo,
e o jornalista como um trabalhador que produz uma mercadoria, a notícia. Ttambém situamos
a atual crise do setor como consequência da crise do capitalismo.
O fim das grandes redações, o enxugamento dos postos de trabalho, as fusões
interempresariais são reflexo de movimentos do capital, que cria a partir de suas crises novas
possibilidades de acumulação, de extrair lucros. Assim a desregulamentação e a insegurança
são as atuais formas de manter o trabalho subordinado, pelo medo do desemprego e da
precarização da vida.
Quando iniciei esta pesquisa, em março de 2017, o foco principal de análise da
precarização era como os contratos de Pessoa Jurídica para jornalistas representavam uma burla
à legislação trabalhista ao impor este tipo de contrato a amplos setores da categoria, mesmo
estes realizando um trabalho subordinado a uma mesma empresa. Assim, uma relação normal
de trabalho transforma-se numa relação entre empresas, com prejuízos ao trabalhador quanto
às garantias de seus direitos previstos na CLT, bem como estabelece uma falsa relação entre
empresas, inclusive com fraudes no recolhimento de impostos.
Durante o andamento da pesquisa, tivemos a aprovação da Lei das Terceirizações e da
Reforma Trabalhista, que subverteu todo o arcabouço protetivo da CLT e abriu um amplo
cardápio de possibilidades aos empresários para dispor do uso e remuneração da mão-de-obra.
Contratações através de MEI, pejotização, trabalho intermitente, temporários, terceirizados e
outras formas de contratações atípicas deixaram de ser exceções e passaram a ser possibilidades
concretas, amparadas pela legislação, como mecanismos de redução de custos de trabalho.
Assim, entendemos que a pejotização é um dos elementos da precarização da profissão
de jornalista e um subterfugio de burla da legislação trabalhista. Mas no cenário atual, a própria
legislação do trabalho vem sendo desmontada. Portanto, trata-se de um desmonte mais
complexo.
Com o crescimento do desemprego, o fechamento de grandes redações, por um lado, e
as possibilidades de trabalho abertas pela internet, compreendemos que a profissão hoje vive
um momento de redefinição. Os contratos PJ, MEI e o empreendedorismo sinalizam o
momento de individualização das relações de trabalho. As possibilidades abertas pela internet
colocam à produção de conteúdo informativo ao alcance de uma ampla parcela de pessoas e ao
jornalista caberia se estabelecer neste novo cenário e fazer-se necessário.
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Na fala da uma das entrevistadas para esse trabalho, questiona-se o mantra dos
vendedores das maravilhas deste novo cenário: “quem não se adaptar está fora”. A questão é:
onde é o fora?
Talvez a respostas para essa questão esteja nos milhões de trabalhadores precarizados
ao redor do mundo, tentando sobreviver como se fossem empreendedores, mas na realidade
apenas empregados de ninguém, a serviço de um algoritmo que o conecta com outros milhões
de pessoas que demandam seu serviço e que pagam para um aplicativo, que lucra com essa
transação, mas que no entanto se exime de qualquer responsabilidade sobre o trabalhador, uma
vez que se coloca apenas como intermediador.
O que apresentamos aqui foram as consequências das mudanças ocorridas no mundo
do trabalho especificamente numa categoria profissional de cunho intelectual, que ainda detém
grande poder de influência na formação da opinião pública e que vem passando por um
processo de desregulação e precarização. Entretanto, não se pode observar essas mudanças
dissociadas do movimento geral da desregulamentação das relações entre capital e trabalho
observados nas últimas três décadas e do triunfo das políticas neoliberais.
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