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NATAL - RN
2022
CLERCIO SILVA RODRIGUES DE SOUSA
NATAL - RN
2022
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -
CCHLA
BANCA EXAMINADORA
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Aos meus pais, Janete e Genildo, que, mesmo diante de muitas adversidades, não
desistiram de investir em minha educação.
Aos meus irmãos, Cleiton e Cleriston, por terem me ensinado a sempre trabalhar duro
e nunca abrir mão dos meus sonhos.
À minha companheira Vanessa, que torna meus dias mais felizes e acreditou em mim
quando nem eu acreditava.
Ao professor Marcelo Bolshaw, que abraçou a proposta da minha pesquisa e foi o
melhor orientador que eu poderia ter.
Aos amigos Adriano Martins, Dickson Tavares, Douglas Lucena, Gabriel Leme,
Isabela Maia, Jadir Souza, Laís Di Lauro, Marcos Filho e tantos outros que estiveram ao meu
lado nos últimos dois anos.
Aos colegas do Departamento de Comunicação da UFRN, do Programa de
Pós-Graduação em Estudos da Mídia e do grupo de pesquisas Gemini.
Os videogames estiveram presentes em muitos dos momentos mais felizes da minha
vida. Por isso, também sou grato a todos com quem já dividi o controle e compartilhei tantas
horas de diversão.
Se Tetris fosse apresentado hoje, o criador da ideia iria ouvir algo como
"quero ver mais fases, quero ver gráficos melhores, quero cutscenes e
você provavelmente vai precisar atrelar esse jogo a alguma franquia do
cinema para o público gostar da ideia”.
Satoru Iwata
RESUMO
Os esportes eletrônicos, também conhecidos como e-sports, usam a estrutura competitiva dos
videogames para promover torneios profissionais e distribuir premiações milionárias.
Considerando que vários veículos jornalísticos brasileiros produzem conteúdo sobre essas
competições e usam as redes sociais para manter a comunidade dos e-sports informada, esta
dissertação analisa a cobertura do evento Free Fire World Series 2019 pelo veículo Mais
Esports. Partindo do modelo analítico proposto por Gambarato e Tárcia (2018), e levando
conceitos como jornalismo transmídia (ARAÚJO, 2014; MOLONEY, 2011; RENÓ,
FLORES, 2018) para o contexto do jornalismo especializado em esportes eletrônicos, a
pesquisa investigou as estratégias de transmidiação (FECHINE et al, 2013) utilizadas nas
publicações realizadas de 01/11/2019 a 30/11/2019; no site, Twitter, Instagram e Youtube do
veículo. O estudo concluiu que o conteúdo postado durante a cobertura utilizou estratégias de
propagação e expansão para estimular o interesse dos seguidores pelo campeonato mundial de
Free Fire, aproveitando o potencial das narrativas transmídia para levar os principais
acontecimentos da competição aos torcedores.
Electronic sports, also known as e-sports, use the competitive structure of video games to
promote professional tournaments and distribute million-dollar prizes. Considering that
several Brazilian journalistic vehicles produce content about these competitions and use social
networks to keep the esports community informed, this dissertation analyzes the coverage of
the Free Fire World Series 2019 event by Mais Esports. Starting from the analytical model
proposed by Gambarato and Tárcia (2018), and taking concepts such as transmedia journalism
(ARAÚJO, 2014; MOLONEY, 2011; RENÓ, FLORES, 2018) to the context of specialized
electronic sports journalism, the research investigated the strategies of transmediation
(FECHINE et al, 2013) used in publications carried out from 11/01/2019 to 11/30/2019; on
the vehicle's website, Twitter, Instagram and Youtube. The study concluded that the content
posted during the coverage used propagation and expansion strategies to stimulate the interest
of followers in the Free Fire world championship, taking advantage of the potential of
transmedia narratives to bring the main events of the competition to the fans.
NT Narrativa Transmídia
TI The International
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………… 13
1.1 Capítulos e metodologia………………………………………………………………16
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS…………………………………………………………….. 91
6 REFERÊNCIAS…………………………………………………………………………... 95
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1 INTRODUÇÃO
Os jogos eletrônicos, também conhecidos como videogames ou games, são alguns dos
produtos mais populares e lucrativos do entretenimento. A sétima edição da pesquisa Game
Brasil, de fevereiro de 2020, mostrou que 73,4% dos brasileiros jogam algum tipo de jogo
eletrônico (PENILHAS, 2020). Além disso, de acordo com um estudo da TechNET
Immersive, os videojogos são responsáveis por mais da metade do valor da indústria do
entretenimento. Superando cinema e música, a indústria dos jogos estava avaliada em US
$163,1 bilhões em fevereiro de 2021 (WAKKA, 2021).
Muitos dos videogames ainda são tratados como passatempos casuais, mas a
popularização das novas mídias forneceu espaço para o crescimento de uma comunidade
apaixonada - que promove e participa de campeonatos com premiações milionárias. O termo
“esportes eletrônicos” sugere que os games competitivos podem proporcionar desafios a
altura de qualquer modalidade tradicional, substituindo o esforço físico pelo domínio de
ferramentas digitais. O gráfico abaixo, construído com dados sobre as premiações em dinheiro
das competições de videogame, mostra como esse fenômeno ganhou força na última década:
A audiência e o dinheiro gerado pelo nicho dos e-sports também chamam a atenção
em várias outras categorias. Os jogos de tiro, de luta, de esportes, de estratégia e de cartas, por
exemplo, estão entre os mais competitivos do mercado. Esse volume de modalidades,
comunidades e investimentos acabou aumentando a demanda por conteúdo especializado -
que herdou muitas características do jornalismo esportivo e ganha cada vez mais espaço na
mídia. O jornalismo de esportes eletrônicos produz conteúdo sobre modalidades, eventos,
times, atletas e outras instituições que fazem parte das competições de videogame. As
notícias, as pautas e as reportagens do jornalismo de e-sports abordam tudo que envolve o
universo dos campeonatos - transmitindo partidas profissionais, comentando a performance
dos jogadores, reportando tendências dos circuitos competitivos, registrando as transações
1
Multiplayer Online Battle Arena (em português: arena de batalha multijogador) é um gênero de jogo
competitivo para dois times. Os jogadores cumprem papéis específicos (defensor, atacante, etc) e trabalham em
equipe para invadir a base dos adversários.
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esportes eletrônicos surge como uma resposta para o amadorismo - muito comum no trabalho
de narradores e comentaristas, por exemplo. O jornalista de e-sports precisa entender o
vocabulário aprofundado dos jogos competitivos, mas conhecer os fundamentos do
webjornalismo e dominar as ferramentas de produção de conteúdo das mídias digitais.
Considerando o crescimento dos esportes eletrônicos e do jornalismo especializado na
última década, a pesquisa analisa a cobertura do campeonato Free Fire World Series 2019
pelo veículo Mais Esports. A dissertação investiga as “estratégias de transmidiação”
(FECHINE et al, 2013) utilizadas nas publicações realizadas no site, Twitter, Instagram e
Youtube do veículo; e tenta responder: como o jornalismo de esportes eletrônicos propaga e
expande a experiência dos campeonatos de videogame? Para tanto, a pesquisa qualitativa foi
desenvolvida em três etapas (organizadas em capítulos), que se complementam na construção
de um estudo de caso sobre a cobertura do mundial de Free Fire pelo Mais Esports.
Fortnite
Dota 2
CS:GO
2
Gênero de jogo em que grandes grupos de jogadores se enfrentam em um mapa de tamanho limitado. Os
jogadores devem procurar armas e equipamentos para derrotar uns aos outros. Vence quem for o último a
sobreviver.
3
First Person Shooter (em português: atirador em primeira pessoa) é um gênero de jogo de tiro que simula
combates com armas de fogo de um ponto de vista realista, como se a tela do jogo estivesse posicionada na
frente dos olhos do personagem.
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4
Derivado de professional player (em português: jogador profissional). Expressão utilizada para falar dos
jogadores profissionais de esportes eletrônicos.
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Para refletir sobre as práticas sociais do universo dos videogames competitivos com
precisão, precisamos entender como elas se relacionam com a capacidade de produzir cultura
dos jogos. O impacto dos jogos vai muito além dos botões coloridos de um joystick e sempre
fez parte da rotina dos seres humanos. Para Johan Huizinga (2000), o conceito de jogo
ultrapassa os limites da racionalidade e se manifesta na forma de atividades lúdicas
praticamente inevitáveis. Para as crianças, por exemplo, participar de brincadeiras é quase
natural. Isso acontece porque os jogos são capazes de inserir as pessoas em momentos
paralelos ao cotidiano, em um “lugar de brincadeira” (HUIZINGA, 2000) que tem suas
próprias regras. Essa característica também pode ser reconhecida em vários processos de
mediação, através de práticas sociais que se aproximam da força lúdica dos jogos: “assistir à
televisão, navegar na Internet, fazer palavras cruzadas, adivinhar as respostas num quiz,
participar de uma loteria - tudo implica brincadeira” (SILVERSTONE, 2002, p. 117).
Além de definir limites que separam os jogos do cotidiano, as regras criam condições
que devem ser respeitadas pelos jogadores - permitindo que as partidas sirvam como um meio
de divertimento e de competição. Nesse último caso, elas devem valorizar a habilidade de
quem participa e garantir que o resultado do jogo seja incerto. “Os jogos de habilidade
envolvem, para o jogador, o risco de falhar a jogada, uma ameaça de derrota, sem o que o
jogo deixaria de divertir” (CAILLOIS, 1990, p. 27).
21
5
Aparelho de videogame que tem unidade de processamento, controle e tela embutidos. No Brasil, ficou mais
conhecido como “fliperama”.
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Uma das primeiras grandes competições de que se tem registro aconteceu no ano de
1980, quando a empresa Atari organizou o Space Invaders Championship. O evento foi
sediado nos Estados Unidos e contou com a participação de pelo menos 10 mil pessoas. Por
mais que o formato do torneio ainda fosse distante da proposta profissional dos e-sports, esse
tipo de campeonato teve um papel importante na transformação das práticas dos jogadores -
que usaram a estrutura do jogo para levar a competição para fora das telas.
O clássico Space Invaders (1978) sequer permitia o confronto direto entre jogadores,
então o vencedor era quem alcançava a maior quantidade de pontos. Através de outros títulos
de sucesso, como Pac-man (1980) e Donkey Kong (1982), esse modelo se tornou uma marca
dos fliperamas e das competições de videogame da época. As melhores pontuações de cada
máquina de arcade ficavam gravadas em um ranking, fazendo com que muitos jogadores
gastassem moedas para tentar ocupar as posições mais altas.
Os fliperamas criaram um ambiente competitivo, que favoreceu a organização de
torneios amadores e fez campeonatos cada vez maiores surgirem - como a primeira
“Olimpíada Norte-Americana de Videogame”, que aconteceu em 1983 e teve a final
transmitida pelo canal de televisão ABC. Na ocasião, como registrado pela FIGURA 2, três
dos melhores jogadores de arcade da região se enfrentaram. O vencedor foi Ben Gold, que
também se tornou o “primeiro campeão mundial de videogame” (GUINESS RECORDS).
Para conquistar esse título, o jovem teve de vencer em cinco jogos: Cosmos (1981),
Burgertime (1982), Millipede (1982), Donkey Kong Jr. (1982) e Buck Rogers (1982). Muitos
campeonatos de videogame da época seguiam modelos parecidos, onde os competidores
precisavam dominar vários títulos diferentes para competir em alto nível; esse formato se
tornou menos comum ao longo dos anos, com os esportes eletrônicos se organizando ao redor
de modalidades. Atualmente, a maior parte dos jogadores profissionais treina para competir
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em jogos específicos. Esse tipo de mudança começou a ficar mais nítida ao longo dos anos 90,
quando os jogos eletrônicos passaram por grandes avanços técnicos - ganhando som, visual,
narrativas e controles mais complexos. Nos fliperamas, os jogos que melhor representam essa
fase de amadurecimento são os de luta. Títulos como Street Fighter (1991) e Mortal Kombat
(1992), por exemplo, apostaram na competição cara-a-cara: cada jogador escolhe um
personagem e usa seus golpes para nocautear o adversário.
A proposta dos jogos de luta levou as competições diretas para outro nível. Ao invés
de fazer como Pong (1972) e garantir condições idênticas para os dois lados, Street Fighter II
(1991) oferece personagens com habilidades únicas e deixa que os jogadores aproveitem
situações de vantagem ou desvantagem. O título da Capcom também foi o responsável pela
mudança nos gabinetes de arcade, que passaram a ter seis botões para permitir a execução de
golpes de forças e velocidades diferentes. Com as melhorias nas condições materiais de
produção e o aumento do nível de especialização (WILLIAMS, 2011) das práticas dos
jogadores, a distância entre jogos casuais e jogos competitivos ficou ainda maior. Essa
distância é simbólica porque até games com mecânicas competitivas refinadas podem ser
encarados como passatempos, assim como grandes competições podem explorar títulos com
propostas simples. Tudo depende dos interesses de quem está no controle.
Outras grandes transformações nas práticas competitivas surgiram a partir da
popularização da internet. Games de computador, como Doom (1993) e Quake (1996),
deixavam seus jogadores competir online e começaram um dos maiores fenômenos dos
esportes eletrônicos no ocidente: os jogos de tiro em primeira pessoa. Até os anos 2000,
muitos dos principais eventos competitivos giravam em torno desse gênero - que também é
um dos responsáveis pelo surgimento das LAN Houses6. No oriente, a transição para o online
aconteceu através dos jogos de estratégia em tempo real. Títulos como Starcraft (1998) se
tornaram populares a partir do mercado coreano, que aproveitou os meios de comunicação
para transformar as competições de videogame em um espetáculo e ampliar o impacto cultural
dos esportes eletrônicos fora das telas: esse processo fez com que pro players de Starcraft
fossem tão reconhecidos quanto atletas profissionais de ligas esportivas importantes
(WAGNER, 2006).
Apesar de terem se desenvolvido em condições diferentes ao redor do mundo, os
videogames competitivos como um todo se tornaram muito comuns até o começo dos anos
6
Estabelecimento comercial que cobra pelo uso de computadores com acesso à internet. Os computadores
também eram conectados por uma rede local, então as LAN Houses serviam como ponto de encontro para
entusiastas de Counter Strike e jogos similares.
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2000. Com cada vez mais ligas, empresas, campeonatos e jogadores se destacando; a
profissionalização do ato de jogar passou a ser marcada pelo dinheiro que circula nas
competições. O dinheiro das premiações “tem relação direta com a profissionalização do jogo
e funciona como um símbolo, uma recompensa pelo esforço e pela dedicação” (CAMPOS;
FRANGE, 2019, p. 61). Entre 2002 e 2010, a maior parte dos prêmios em dinheiro estava
concentrada em competições de Counter-Strike. O jogo de tiro para computador ganhou
popularidade por causa das LAN Houses, onde grupos de jogadores se encontravam para
treinar e competir. Isso fez com que o gênero se tornasse ainda mais popular no ocidente,
também em países como o Brasil - onde muitos bens de consumo não eram acessíveis para
grande parte da população. Em 2008, os domicílios brasileiros com computador eram apenas
25% (CGI BR, 2009).
O valor das premiações dos esportes eletrônicos está crescendo exponencialmente
desde 2009 (como observado no GRÁFICO 1), quando cerca de US$4.129.020 foram
distribuídos em campeonatos. Esse aumento reflete um momento de ascensão global dos
e-sports, que passaram a ter grandes empresas investindo em competições de nível
internacional e desenvolvendo jogos com foco nesse mercado. É o caso de títulos como
Starcraft II (2010), Counter-Strike: Global Offensive (2012), League of Legends (2009) e
Dota 2 (2013). Um dos campeonatos que marcou essa nova fase dos videogames competitivos
foi o mundial de Dota 2, conhecido como The International (TI). A primeira edição do torneio
aconteceu em 2011 e premiou 1,6 milhões de dólares, tornando- se o evento de e-sports mais
rentável da época. Para manter o recorde, a desenvolvedora Blizzard adotou um modelo que
melhora a premiação do mundial através da venda de um pacote de itens digitais limitados:
graças ao apoio dos jogadores da comunidade, o TI 2019 distribuiu mais de 34 milhões de
dólares em prêmios.
A valorização recente dos esportes eletrônicos também atraiu o investimento de
instituições de outros segmentos. Para se aproximar do público dos jogos, alguns clubes do
futebol brasileiro apostaram na criação de equipes de e-sports. O Flamengo, por exemplo,
começou a participar dos campeonatos de videogame em 2017 e já se tornou um dos
principais times do League of Legends. Em 2019, a equipe venceu o Campeonato Brasileiro
de LoL e representou o país no mundial do jogo.
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Outro caso que vale ser citado é o do Sport Club Corinthians Paulista, que começou a
competir no Free Fire em 2019. Os melhores resultados da equipe foram conquistados no
mesmo ano, quando o time venceu a terceira temporada do Free Fire Pro League Brasil e o
Free Fire World Series 2019.
Para o esporte eletrônico brasileiro, é o maior marco que a gente teve até agora. O
MIBR, antes como SK e LG, foi campeão de Major (de CS:GO) de audiência tão
grande quanto o Free Fire, mas este título (do Corinthians) foi em casa. É o jogo que
hoje é o mais jogado do Brasil, é um dos maiores clubes do Brasil, e foi o primeiro
título (mundial) do Brasil em casa. Isso, com uma arena lotada, nunca tinha
acontecido também junto com um time "de futebol". Isso é demais. Essa página no
esporte eletrônico demora para se repetir. Espero que (se repita) ano que vem com o
Corinthians de novo - declarou Renan Philip, ex-dirigente da Vivo Keyd e da paiN
Gaming e atual gerente de operações comerciais da Immortals Gaming Club (IGC),
empresa que gerencia o esporte eletrônico do clube paulista. (TIBÚRCIO, 2019).
Com dados de audiência tão expressivos, podemos afirmar que Free Fire representa
uma parcela muito importante dos esportes eletrônicos brasileiros. A relevância do jogo no
país chamou a atenção da desenvolvedora Garena, que investiu no lançamento de atualizações
e passou a adicionar conteúdo localizado regularmente. Esse foco no público do Brasil pode
ser observado através de várias ações promocionais da empresa, que já produziu música com
o rapper Mano Brown, e transformou o DJ Alok e o jogador de futebol Cristiano Ronaldo em
personagens do battle royale. O papel social e cultural do Free Fire nos e-sports fica ainda
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mais nítido em iniciativas de terceiros, como a Taça das Favelas. Esse é um circuito
competitivo organizado pela Central Única das Favelas, que reúne equipes de comunidades de
todas as regiões do Brasil e distribui chips de internet para os competidores.
Assim, Free Fire não só permitiu que um público mais abrangente tivesse acesso às
competições de esportes eletrônicos, como passou a ser reconhecido e valorizado por isso.
Essa fama de “jogo do povo” ajudou a atrair o investimento de instituições como o Sport Club
Corinthians Paulista - que viria a fazer parte de um dos eventos mais importantes da trajetória
do Brasil nos e-sports, ao chegar no topo do pódio do campeonato Free Fire World Series
2019. Essa conquista pode ter ajudado a aumentar a audiência dos e-sports em nível nacional
e a reforçar a relevância do cenário de e-sports do Brasil em nível internacional. De acordo
com um levantamento da empresa de consultoria Newzoo (2019), o Brasil ocupa um espaço
de prestígio nos esportes eletrônicos da América Latina e concentra os maiores eventos da
região: “um grande desafio para os esportes eletrônicos sul-americanos é fazer a cena crescer
além do Brasil” (tradução do autor).
As partidas da Free Fire World Series 2019, assim como a maior parte dos principais
campeonatos profissionais da atualidade, foram transmitidas por meio de canais no YouTube e
no Facebook. Essas plataformas também são utilizadas por influenciadores e pro players, que
tratam as sessões de jogo ao vivo como prioridades de suas carreiras e ajudam a levar a
experiência dos games competitivos para a rotina dos espectadores. As transmissões giram em
torno da imagem do streamer7, da narrativa do jogo e da interação com os viewers - que
participam mandando mensagens em um chat público ou através de um sistema de doações,
que coloca o recado do espectador em destaque.
7
Criador de conteúdo que faz transmissões ao vivo. Derivado do termo streaming.
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também pode ser usada para observar as proporções dos esportes eletrônicos na mídia. De
acordo com um levantamento da Newzoo (2019), o Brasil tem a maior audiência de e-sports
da América Latina e a terceira maior do mundo: mais de 9 milhões de brasileiros assistem a
competições de e-sports mais de uma vez por mês.
Após cinco anos de seu lançamento nos EUA e custando 34,8% mais, chega ao
Brasil em abril o videogame portátil Game Boy, da Nintendo. Fabricado em Manaus
pela Playtronic – associação entre a Estrela e a Gradiente –, o Game Boy custará
US$ 120 (CR$ 107.500, ontem) e disputará um nicho onde reina sozinho o Game
Gear, da Tec Toy. (FOLHA DE SÃO PAULO, 1994).
Apesar de ter adotado uma abordagem menos publicitária com o passar do tempo, essa
é uma característica que sempre fez parte da editoria - mesmo quando o conteúdo
especializado sobre games ainda não era tratado como jornalismo. Com pouco espaço em
meios como rádio e televisão, o que conhecemos como jornalismo de games começou a
crescer através de revistas especializadas. Muitas dessas revistas eram assinadas pelas
próprias desenvolvedoras, que usavam o conteúdo para divulgar as novidades de seus
consoles e promover os produtos de suas marcas. No Brasil, a primeira dessas publicações se
chamava Odyssey Aventura. Com oito edições, lançadas entre 1983 e 1985, a revista girava
em torno dos jogos do console Magnavox Odissey 2.
De acordo com Dias (2019, p. 13): “Não se tratava ainda de jornalismo, mas de uma
espécie de catálogo falando um pouco sobre os jogos lançados para o console, trazendo
também dicas para jogar melhor e dedicando um espaço para a comunidade de jogadores”.
Muitas outras revistas com propostas similares, como Ação Games e ProGames, foram
publicadas até o final dos anos 1990 - quando esse tipo de material impresso começou a entrar
em declínio e foi deixando de ser o principal meio de informação do público gamer.
O público-alvo sempre foi o coração das publicações. Era ele que ditava sobre o que
a revista iria falar na edição do mês, as dicas que todo mundo esperava e as
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Vale ressaltar que essa demanda, combinada com a força e o volume do público dos
games nas mídias digitais, fazia uma boa parte do conteúdo sobre esportes eletrônicos ser
produzida em condições amadoras e por pessoas sem formação específica para participar da
cobertura. Assim, o jornalismo de e-sports também se tornou uma alternativa para essa falta
de competências, levando o conteúdo sobre as competições para o padrão e a linguagem
profissionais do jornalismo.
Apesar de não ter sua origem tão marcada pelo jornalismo esportivo quanto pelo
jornalismo de games, o jornalismo de e-sports compartilha muitas características importantes
com a cobertura das competições de esportes tradicionais. Com pautas direcionadas a eventos,
atletas, times e outras instituições relacionadas ao universo dos esportes, o jornalismo
esportivo “não contempla apenas resultados de jogos ou competições, porque relaciona o
esporte com a cultura, política ou com a economia” (CANAVILHAS e GIACOMELLI, 2015,
p. 158) - usando notícias, reportagens e outros formatos de conteúdo para dar visibilidade aos
acontecimentos de várias modalidades diferentes.
Para tanto, o jornalista deve conhecer os hábitos e dominar a linguagem que fazem
parte da rotina dessa grande variedade de modalidades. Assim como no âmbito dos esportes
eletrônicos, esse nível de aprofundamento estimula os profissionais da área a desenvolverem
uma ligação quase pessoal com o assunto das pautas. Destarte, diferente do que acontece em
outras editorias, é comum que os jornalistas de esportes e e-sports comecem a trabalhar na
cobertura por já ter algum tipo de interesse pelo universo das competições. Vale ressaltar que
esse aspecto também é estimulado de forma indireta pela figura do torcedor, que acompanha o
esporte com paixão e muitas vezes age como mais que um mero espectador. De acordo com
Silveira (2019, p. 54), isso aumenta a cobrança pela responsabilidade do jornalista esportivo,
“que deve apresentar ainda mais conhecimento, demonstrando mesmo ser especialista, pois
qualquer erro será notado por esses aficionados, desqualificando o trabalho do jornalista”.
A aproximação dos papéis do torcedor e do jornalista nem sempre impede que o
jornalismo esportivo empregue as práticas jornalísticas que são comuns em outras editorias,
mas pode ser interpretado como um fator que ajuda a aumentar o peso do entretenimento na
lógica de produção do jornalismo esportivo. Para Oselame (2010), esse foco no
entretenimento pode representar uma crise para o jornalismo esportivo e afasta o trabalho dos
jornalistas daquela que seria a função social da editoria. Em sua análise das mudanças
provocadas pelo programa Globo Esporte, a autora batizou essa tendência - de priorizar o
entretenimento ao invés da informação - como “padrão globo de jornalismo esportivo”:
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videogame para aproveitar o potencial desse mercado e levar conteúdo para as novas
gerações.
Esse ponto de vista é corroborado por Torrealba e Kurtz (2018), que, analisando a
cobertura das pautas de esportes eletrônicos praticada no portal de games do SPORT TV,
concluíram que:
Existem vários veículos que surgiram com a proposta de cobrir apenas as competições
de videogame. Um dos mais conhecidos é o sueco Gosugamers, que foi criado em 2002 e
produz conteúdo sobre as principais competições de e-sports ao redor do mundo. No Brasil, a
maior parte dos sites que falam dos campeonatos de videogame ainda divide o espaço da
editoria com outros assuntos. Os portais do Globo Esporte e da ESPN, por exemplo, têm
sessões dedicadas para os e-sports - separando a cobertura de esportes eletrônicos da
cobertura de esportes tradicionais. Assim, produzir apenas sobre eventos de esportes
39
8
Ferramenta do Twitter que reúne os assuntos mais comentados pelos usuários da rede social.
40
comunidade dos esportes eletrônicos: o perfil do público que assiste competições de jogos
MOBA costuma ser muito diferente do que acompanha os campeonatos de jogos de luta, por
exemplo. Essas modalidades se desenvolveram em momentos diferentes da história dos
esportes eletrônicos, então cada uma possui um conjunto de regras e vocabulário único. Logo,
para cobrir os campeonatos de videogame, o jornalista de e-sports precisa ter um
conhecimento aprofundado sobre os jogos e as modalidades mais populares do cenário
competitivo. Isso vai garantir que esses profissionais consigam interpretar o que acontece na
tela e elaborar conteúdo de qualidade para as pessoas que acompanham as competições.
Além de entender os fundamentos do webjornalismo e dominar a linguagem dos
esportes eletrônicos, o jornalista de e-sports precisa conhecer as ferramentas de produção de
conteúdo das mídias digitais. Os campeonatos de videogame acontecem em um terreno fértil
para a construção de narrativas transmídia, então os profissionais que participam da cobertura
desses eventos devem ter acesso às condições necessárias para levar a experiência da
competição de uma rede para outra. Essas condições incluem, por exemplo, a capacidade de
participar da cobertura remota de campeonatos - assistindo à transmissão da competição ao
vivo, acompanhando a interação do público nas redes sociais, sugerindo pautas relevantes e
produzindo conteúdo para várias plataformas diferentes.
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internet. Vale ressaltar que, apesar de serem frequentemente tratados como sinônimos, esses
termos que são usados para tratar do jornalismo têm significados diferentes. No QUADRO 3 -
considerando as contribuições de Bastos (2000), Machado (2000), Lemos (1997) e outros
autores - Mielniczuk (2003) apresenta uma definição básica de cada:
Nomenclatura Definição
Mesmo estabelecendo os limites entre cada tipo de jornalismo, a autora acredita que
essas práticas de produção e disseminação de informação se complementam, já que a
atividade do jornalista pode envolver várias das características citadas no QUADRO 3:
Para Canavilhas (2001), o jornalismo na web era uma evolução do jornalismo online,
que não passa de “uma simples transposição dos velhos jornalismos escrito, radiofónico e
televisivo para um novo meio”. Por isso, é importante ressaltar que, assim como a própria
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internet, as práticas do webjornalismo e os desafios dos jornalistas que produzem para a rede
foram evoluindo e ganhando novas características com o passar dos anos.
Com o objetivo de organizar esse longo processo de amadurecimento, alguns autores
adotaram um sistema de fases ou gerações: a primeira corresponde ao estado mais primitivo
do webjornalismo, que não “aproveita as possibilidades de interatividade oferecidas pelo novo
meio de forma alguma” (GONZÁLEZ, 2001, p. 75) e representa uma época em que maioria
dos sites jornalísticos ainda funcionava como “meros reprodutores do conteúdo publicado em
papel” (FERRARI, 2010, p. 24); enquanto a última e atual, geralmente descrita como terceira
ou quarta geração (a depender do autor), representa um jornalismo que domina todas os
recursos disponíveis e explora o limite das potencialidades da internet.
Com uma linguagem muito mais ágil e dinâmica do que é possível em outros meios, o
jornalismo digital tem ferramentas e lógicas de produção únicas - que geraram novas formas
de manipular a informação, causando várias transformações nas práticas jornalísticas. Os
processos de apuração e redação das notícias, por exemplo, passaram a ser guiados pela
instantaneidade, pela interatividade e por outros valores que são muito marcantes nesse
contexto: “é preciso conhecer e manipular diferentes linguagens, pois a internet unifica, em
uma só plataforma, várias mídias, dando lugar à produção de conteúdos cada vez mais
multimídia e interativos” (WEBER, 2010, p. 2).
Essas mudanças podem ser observadas até nas características mais básicas da
construção do texto jornalístico, como na utilização da pirâmide invertida - modelo para
redação de notícias que organiza as informações por ordem de importância. A aplicação desse
conceito passou a ser questionada com a chegada do webjornalismo, tendo em vista que a
internet também criou uma nova forma de consumir as notícias. O espaço do jornalismo
digital é muito menos limitado se comparado ao do jornalismo impresso, por exemplo. Isso
permite que as notícias da internet ofereçam mais camadas de conteúdo para o leitor,
transformando a pirâmide invertida em uma "pirâmide deitada” (CANAVILHAS, 2007).
Na pirâmide deitada, as informações ainda são organizadas por ordem de importância,
mas fazem parte de um universo de conteúdo potencialmente infinito. Através dos hipertextos
e de outras ferramentas multimidiáticas da internet, tornou-se possível estabelecer conexões
entre vários textos diferentes e dar um novo nível de profundidade às notícias.
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Assim, essas conexões ajudam a dar uma leitura mais dinâmica para o conteúdo,
permitindo que o leitor navegue livremente pelas referências selecionadas pelo jornalista e
tenha autonomia para escolher quais camadas de informação acessar. Ao longo da notícia
“Free Fire já possui mais de 50 milhões de jogadores diários e 450 milhões registrados”,
publicada em 6 de novembro de 2019, pelo Mais Esports, existem pelo menos cinco links para
continuar consumindo conteúdo sobre o jogo gratuito. O primeiro abre uma página com dados
detalhados sobre a audiência dos campeonatos de esportes eletrônicos; o segundo apresenta as
12 equipes que fizeram parte da competição Pro League 3; o terceiro antecipa o lançamento
de personagem inspirado e música produzida por DJ Alok; o quarto divulga um novo
patrocinador da etapa brasileira do campeonato mundial de Free Fire; e o quinto leva o leitor
para comprar os ingressos do evento presencial.
A hipertextualidade é apenas um dos aspectos que tornam a notícia da web tão
diferente das notícias de outros meios de comunicação. Com outros seis especialistas,
Canavilhas et al (2014) definiu sete características que “distinguem o jornalismo que se faz na
web dos que se fazem noutros meios”. Cada um desses sete atributos desempenha um papel
fundamental na organização da informação, no processo de apuração, nos formatos de
conteúdo, nos métodos de veiculação e nas práticas do webjornalismo como um todo. São
eles: hipertextualidade, multimidialidade, interatividade, memória, instantaneidade,
personalização e ubiquidade.
A multimidialidade do webjornalismo pode ser compreendida a partir da capacidade
de combinar textos, fotografias, gráficos, ilustrações, vídeos, animações, músicas, efeitos
sonoros e muitas outras formas de linguagem. Esses elementos podem tornar a experiência do
leitor ainda mais rica, mas também representam um novo desafio para a prática jornalística:
“para que a informação multimédia seja atrativa e inteligível para o público é necessário que
os elementos que a compõem estejam devidamente interligados” (SALAVERRÍA-ALIAGA,
2014, p. 40). O autor reforça que esse desafio é ainda maior se considerarmos que os recursos
da rede ainda estão em plena evolução, e que novos elementos de linguagem - capazes até de
estimular outros sentidos, como olfato ou paladar - devem surgir no futuro.
45
9
Expressão usada para sinalizar a vitória de um jogador ou equipe em partidas de Free Fire.
46
Para Rost (2014, p. 55), a interatividade é um dos pilares da rede e leva uma amostra
do poder dos meios de comunicação aos seus leitores: “Poder, por um lado, quanto aos
caminhos de navegação, recuperação e leitura que podem seguir entre os conteúdos que
oferece. E, por outro lado, relativamente às opções para se expressar e/ou se comunicar com
outros utilizadores/as”. Esse ponto de vista reforça o papel da interatividade em várias outras
práticas do webjornalismo, mesmo aquelas que não envolvem ferramentas tão diretas quanto
o chat de um campeonato que está sendo transmitido ao vivo. Até outros valores ressaltados
pela web, como a multimidialidade e a memória, podem ser utilizados para estimular algum
nível de interatividade.
No jornalismo, a memória está relacionada com a capacidade de registrar o cotidiano e
produzir testemunhos sobre os mais variados assuntos. Assim, além de ter uma grande
relevância histórica, a memória pode servir de ferramenta para a construção de narrativas -
como acontece na notícia “Free Fire: Campeão mundial pelo Corinthians, Pires é um dos
banidos na LBFF”, que foi publicada em 9 de setembro de 2021, pelo Mais Esports; e
relembra uma das conquistas mais importantes dos esportes eletrônicos do Brasil ao comentar
punição recebida por um jogador profissional. Também vale ressaltar que, seguindo as
transformações provocadas pela internet e outros avanços tecnológicos recentes, a memória
produzida pelo webjornalismo passou a se organizar em bases de dados e ganhou um novo
ritmo: “O mundo passou a fluir não apenas de modo continuado, mas também de forma
multi-linear e personalizável, nas muitas telas que compõem o nosso contemporâneo de
mídias convergentes, múltiplas interfaces e plurivocalidades” (PALACIOS, 2014, p. 95). Se
as notícias do jornal impresso eram atuais por um dia e as do rádio ou da televisão por horas,
o conteúdo publicado na rede é atualizado minuto a minuto e pode ser encontrado com poucos
cliques através de ferramentas de busca.
Essa mudança de ritmo também fica clara através da velocidade que marca o consumo,
a produção e a veiculação de conteúdo na internet. A instantaneidade sempre fez parte da
rotina do jornalismo, mas foi amplificada pela rotina das mídias digitais. Com um conjunto de
ferramentas cada vez maior e mais complexo, o jornalista que produz para a rede precisa lidar
com uma alta demanda por conteúdo em tempo real. Quanto mais rápido, melhor. Essa nova
forma de consumir informação foi determinante para a transformação das práticas
47
Mas as coisas estão a mudar rapidamente: cada vez mais pessoas obtêm notícias
através de novas aplicações, nomeadamente Twitter e Facebook. Nestes espaços, as
notícias chegam através da recomendação dos amigos e colegas, à medida que vão
acontecendo [...] Uma boa abordagem é pensar para pequenas audiências. Como
podemos chegar a públicos pequenos, mas altamente envolvidos? Como poderíamos
criar uma experiência de consumo de notícias para um só leitor? É por isto que a
personalização é tão interessante.
potencialidades da rede. Ainda existem características da web que são pouco exploradas pelas
práticas dos jornalistas e muitos veículos jornalísticos ainda não estão abertos para as
mudanças, mas esse processo está sendo estimulado por um fenômeno praticamente
inevitável: a convergência midiática.
Impulsionada pela ascensão das mídias digitais e guiada pelo fluxo de informação
através de várias plataformas, a convergência representa uma nova forma de interagir e
consumir conteúdo. O conceito foi proposto por Jenkins (2009a), que define esse fenômeno a
partir de uma série de mudanças - tecnológicas, industriais, culturais e sociais - no
funcionamento dos meios de comunicação:
Algumas das ideias comuns expressas por este termo incluem o fluxo de conteúdos
através de várias plataformas de mídia, a cooperação entre as múltiplas indústrias
midiáticas, a busca de novas estruturas de financiamento das mídias que recaiam
sobre os interstícios entre antigas e novas mídias, e o comportamento migratório da
audiência, que vai a quase qualquer lugar em busca das experiências de
entretenimento que deseja. Talvez, num conceito mais amplo, a convergência se
refira a uma situação em que múltiplos sistemas de mídia coexistem e em que o
conteúdo passa por eles lucidamente. Convergência é entendida aqui como um
processo contínuo ou uma série contínua de interstícios entre diferentes sistemas de
mídia, não uma relação fixa. (JENKINS, 2009a, p. 180).
suportes midiáticos. Dessa forma, as empresas midiáticas estão tendo que aprender a
acelerar os fluxos dos seus conteúdos pelos canais de distribuição para aumentar
as oportunidades de manter e atrair seus públicos, seus lucros e seus mercados.
(SANTI, 2011, p. 144).
Logo, para aproveitar as possibilidades que surgiram com esse fenômeno recente da
comunicação, a produção de conteúdo no contexto da convergência é guiada pelo
desenvolvimento de narrativas transmídia. De acordo com Fechine (2013), esse termo ganhou
força a partir do conceito de transmedia storytelling (JENKINS, 2009a). Após análise da
distribuição de vários produtos do entretenimento - como o filme Matrix, por exemplo - o
autor considera que a aplicação ideal da proposta está em uma usar plataformas diferentes
para contar uma mesma história, aproveitando os melhores recursos disponíveis em cada meio
para criar vários “pontos de acesso”.
Pratten (2015) reforça esse aspecto comparando o “mundo antigo”, das mídias
tradicionais, com o “novo mundo”, do conteúdo transmídia:
51
Mundo antigo
Novo mundo
Assim, cada texto oferece uma parte única e independente daquela história. Isso
permite que ela possa ser desfrutada de formas diferentes e por públicos distintos, e dá uma
experiência aprofundada para quem consome o todo: “A narrativa transmídia é a soma de
textos independentes que referenciam uma narrativa determinante e que também constroem
significados de forma isolada” (BICALHO, 2018, p. 594). Além disso, como apontado por
Jenkins: “Mídias diferentes atraem nichos de mercado diferentes. Filmes e televisão
provavelmente têm os públicos mais diversificados; quadrinhos e games, os mais restritos”
(JENKINS, 2009a, p. 136). Vale ressaltar que os estudos publicados por Jenkins e outros
autores ao longo dos últimos anos tiveram um papel importante na popularização do
52
Apesar de terem começado a ser estudadas a partir de produtos da cultura pop, como
filmes e séries de TV, as narrativas transmídia podem ser utilizadas em várias outras áreas da
comunicação. Por ter sido tão transformado pela convergência, o jornalismo foi um dos
segmentos (fora do entretenimento) em que mais discutiu-se a aplicação do conceito de
transmedia storytelling. De acordo com levantamento bibliográfico elaborado por Martins e
Duarte (2019), um dos primeiros autores a falar em jornalismo transmídia foi Sam Ford
(2007). Ao questionar a abrangência no uso do termo “convergência” por profissionais e
professores de jornalismo, ele defende que a função da notícia transmídia é combinar mídias
diferentes para informar os leitores da melhor forma possível.
Moloney (2011) reconhece o pioneirismo de Ford (2007), mas reforça que as
conclusões do autor são superficiais quanto ao funcionamento do que seria esse jornalismo
transmídia. Adaptando os sete princípios da narrativa transmídia estabelecidos por Jenkins
(2009b), o autor então define oito princípios para guiar a aplicação das NT no contexto do
jornalismo. Para ele, o conteúdo do jornalismo transmídia deve: 1) ser espalhável
(spreadable), de forma que permita o compartilhamento e possa se tornar viral; 2) ser
explorável (drillable), usando a hipertextualidade para permitir que o leitor navegue por
diferentes níveis de informação; 3) ser contínuo (continuous and serial), gerando a maior
quantidade de desdobramentos possíveis e explorando as características das plataformas
utilizadas de forma ininterrupta; 4) incluir comentários e opiniões do público, agregando
diversidade de pontos de vista pessoais (diverse and personal in viewpoints); 5) ser imersivo
(immersive), usando recursos que estimulem e mantenham o interesse do leitor; 6) ser
extraível (extractable), oferecendo utilidade e gerando valor na vida cotidiana dos leitores; 7)
ser construído em mundos reais (built in real worlds), explicando os acontecimentos de várias
formas e facilitando a compreensão; e 8) inspirar a ação (inspiring to acting), ao envolver o
leitor e a comunidade naquilo que é de interesse público.
Vale pontuar que a proposta de vários desses princípios se cruzam com as
características do webjornalismo explicadas na primeira parte deste capítulo. Isso não é o
suficiente para considerar que a narrativa transmídia é melhor aplicada ao jornalismo digital
do que ao jornalismo de outros meios, já que, como apontado por Araújo (2014, p. 230), “a
53
identidade do jornalismo independe das mídias por meio das quais ele é veiculado”. Essa
afinidade entre narrativas transmídia e webjornalismo pode, porém, indicar uma transição
mais orgânica nas práticas jornalísticas de quem produz para a web. Afinal, por causa das
mudanças provocadas pelos avanços tecnológicos das últimas décadas e pelo fenômeno da
convergência como um todo, esses profissionais de comunicação já tinham suas rotinas
produtivas marcadas por algum nível de hipertextualidade e interatividade, por exemplo. Essa
afinidade tende a ser ainda maior no contexto do jornalismo especializado em esportes
eletrônicos, uma vez que essa editoria surgiu e teve seus valores formados através da internet
e das mídias digitais.
Partindo dos oito princípios elencados por Moloney (2011), Canavilhas (2013) define
quatro características que definem o conteúdo do jornalismo transmídia. Além das já citadas
interatividade e hipertextualidade, o autor considera que a multimidialidade integrada e a
contextualização são aspectos fundamentais da NT aplicada ao jornalismo. A
multimidialidade integrada determina que a combinação de elementos - como textos, vídeos,
músicas e efeitos sonoros - seja realizada extraindo o melhor de cada suporte midiático. Isso
ajuda a tornar o conteúdo mais objetivo e facilita a compreensão, já que existem informações
que podem ser melhor comunicadas em áudio do que em texto, por exemplo. A
contextualização, por sua vez, preza pela capacidade de adaptar o conteúdo para as várias
condições de recepção que surgiram com a convergência. Por exemplo: para divulgar o
resultado de um campeonato de e-sports, um veículo especializado publica uma notícia que
combina texto e vídeo. Os vídeos utilizados são trechos retirados de uma transmissão ao vivo
e reúnem alguns dos melhores momentos do torneio. Um torcedor que está navegando na
internet pelo celular e está com seu pacote de dados móveis quase acabando talvez não possa
assistir aos vídeos na íntegra. Para contornar essa situação e tentar preservar um pouco da
experiência daquele usuário, o veículo pode usar o corpo do texto para descrever as jogadas
que são destaque no vídeo.
Vários desses princípios (MOLONEY, 2011) e características (CANAVILHAS, 2013)
também podem ser identificados no posicionamento de outros autores, como Renó e Flores
(2018). Além de ressaltar a capacidade de distribuir informação por diversas mídias e
estimular a participação de um grande volume de usuários, eles consideram que uma parte
importante do potencial dessa forma de linguagem jornalística está ancorado na utilização de
dispositivos móveis: “o celular utilizado no jornalismo é uma ferramenta fundamental para
garantir a mobilidade e a instantaneidade do processo de construção narrativa, embora para
isso seja necessário produzir um roteiro transmídia” (RENÓ; FLORES, 2018). Para os
54
autores, essa mobilidade é um dos aspectos que diferencia o jornalismo transmídia das demais
formas de linguagem jornalística, ajudando a explorar possibilidades de comunicação que
surgiram na sociedade pós-moderna.
Para mostrar o papel dos dispositivos móveis na produção de narrativas jornalísticas,
Renó e Flores (2018) promoveram um experimento que consistiu na criação e na alimentação
de um blog. Foram usados vários modelos de smartphones para escrever, fotografar, filmar e
publicar o conteúdo - que também foi disseminado em redes sociais como Google +,
Facebook e Twitter. O estudo concluiu que os dispositivos móveis podem facilitar a produção
do jornalismo transmídia, permitindo que o jornalista execute várias etapas da produção de
notícias a partir de um único equipamento. Apesar de ter usado redes sociais e recursos que
são populares até hoje, esse experimento foi realizado há quase uma década. A indústria da
tecnologia e os recursos dos dispositivos móveis continuaram evoluindo de lá para cá, então é
seguro afirmar que o jornalismo transmídia da atualidade se beneficia ainda mais da utilização
de smartphones. Esse também se tornou um diferencial da rotina do jornalista de e-sports, que
pode usar esses dispositivos até para assistir campeonatos internacionais ao vivo, participando
da cobertura a distância e respeitando o ritmo acelerado da redação.
Outro dos aspectos enfatizados por Renó e Flores (2018) é o planejamento.
Desenvolver um roteiro - que determine os recursos e as linguagens utilizadas, bem como os
caminhos que serão percorridos pelo conteúdo - é fundamental para a produção de narrativas
transmídia. Para organizar as conexões entre o texto principal e seus desdobramentos
transmidiáticos, os autores partiram da estrutura do seguinte fluxograma:
55
Para os autores, o texto base é uma leitura principal, de onde os usuários podem
começar a consumir aquele conteúdo transmídia. Ligados uns aos outros e ao texto base por
um tema em comum, os fragmentos usam formas de linguagem distintas para desenvolver a
narrativa através de plataformas secundárias. No contexto do jornalismo de e-sports, o texto
base pode ser a transmissão de um campeonato ao vivo, por exemplo. A partir dessa
transmissão, o jornalista produz fragmentos de conteúdo para estimular a participação dos
torcedores e levar a experiência do campeonato para plataformas secundárias. Vale ressaltar
que cada um desses fragmentos deve ser único, se não o conteúdo transmídia pode dar lugar
ao conteúdo crossmídia.
Para Santos (2017), levar o noticiário para as redes sociais, por exemplo, não é o
suficiente para classificar o jornalismo como transmídia. A narrativa transmídia (NT)
produzida pelo jornalismo, que o autor chama de narrativa jornalística transmídia (NJT),
estaria limitada aos casos em que a transmidiação foi planejada e coordenada - algo que,
geralmente, não acontece na simples distribuição de notícias através das redes sociais: “é
56
Neste sentido, como apontado por Araújo (2012), uma parte dessas limitações também
pode estar relacionada com a natureza noticiosa do jornalismo diário. Existem aspectos
estruturais da notícia, como a presença do lead e a organização das informações pelo modelo
da “pirâmide invertida”; e das práticas jornalísticas, marcadas por um ritmo de produção
acelerado e deadlines curtos; que podem dificultar a aplicação plena dos princípios do
transmedia storytelling.
Essa abordagem endossa o ponto de vista de Moloney (2011, p. 11): “O jornalismo
diário, com sua brevidade limitada pelo tempo, não é uma opção viável. A transmídia deve ser
projetada com cuidado e desenvolvida com um tempo de espera longo para ser eficaz”. Então,
considerando que a narrativa transmídia vai além da “reiteração, pervasividade e distribuição
57
Assim, processos que vão desde levar rádios portáteis ao estádio durante uma partida
de futebol e acompanhar os dois meios, até assistir as primeiras transmissões dos
jogos na televisão enquanto se acompanhava a cobertura pelo rádio, podem ser
consideradas estratégias de transmidiação a partir do receptor. Bem como, participar
de discussões no Twitter ou Instagram e produzir materiais sobre a cobertura de uma
competição esportiva enquanto acompanha àquela transmissão no rádio ou televisão
no momento mais atual. (FONSECA, 2021, p. 30).
campeonato Free Fire World Series 2019), essa foi a abordagem escolhida para guiar a
execução desta pesquisa.
Para ter uma visão ampla da cobertura desenvolvida pelo veículo, um dos pontos de
partida do estudo de caso do próximo capítulo é o conjunto de critérios estabelecido por
Gambarato (2013, 2017). Em 2013, ela formulou um questionário para guiar e avaliar o
desenvolvimento de projetos transmídia. Os itens do questionário abordam vários detalhes
relacionados aos objetivos, personagens, plataformas e outros elementos dos processos de
transmidiação. O modelo que será utilizado aqui parte de uma versão adaptada para a
cobertura jornalística de eventos planejados, que foi elaborada por Gambarato e Tárcia
(2018). O QUADRO 4 reúne as perguntas sugeridas pelas autoras:
Tema Perguntas
Tema Perguntas
Tema Perguntas
Tema Perguntas
Estratégias Conteúdos
Antecipação
Contextuais
Conteúdos informativos
Promocionais
Fonte: Fechine et al. (2013).
que ainda será exibido (antecipação), disponibilizar trechos daquilo que já foi ao ar
(recuperação) ou dar novos sentidos para o material original (remixagem). Já os conteúdos
informativos fornecem informações sobre a trama da novela (contextuais) e sobre os
bastidores da produção (promocionais).
Para tratar do jornalismo de e-sports, a pesquisa considera que as estratégias de
propagação por conteúdos reformatados podem ser observadas através dos materiais
produzidos para estimular o interesse dos seguidores pela transmissão de um campeonato.
Podem ser publicações divulgando o cronograma da competição e reprisando trechos das
partidas, por exemplo. Já os conteúdos informativos são aqueles que oferecem informações
adicionais sobre o evento competitivo, como tweets sobre os dados de audiência do
campeonato ou comentando o desempenho dos jogadores envolvidos no torneio.
A pesquisa também considera uma terceira estratégia de propagação, que Fechine
(2016) chama de TV Social. Essa é marcada pelo incentivo à participação do espectador, que
é convidado a explorar a interatividade das mídias digitais e se tornar um personagem
daquela narrativa principal. De acordo com a autora,
Estratégias Conteúdos
Para ampliar o potencial narrativo das novelas, os conteúdos de extensão textual são
usados para contar histórias paralelas ou complementares em outros meios (extensões
narrativas); e levar o enredo e os personagens para fora do universo da ficção (extensões
diegéticas). Os conteúdos de extensão lúdica são aqueles que convidam o espectador para
interagir com esse universo da ficção, promovendo experiências interativas (extensões
vivenciais) e estimulando o consumo de produtos derivados da novela (extensões de marca).
Na presente pesquisa, os conteúdos de extensão textual serão identificados a partir de
publicações que levam a experiência do campeonato para além dos acontecimentos da
transmissão ou do universo competitivo, como reportagens sobre a carreira dos jogadores e
sua trajetória fora dos esportes eletrônicos, por exemplo. Os conteúdos de extensão lúdica
podem ser aqueles que aproveitam a realização do evento competitivo para promover ações
promocionais, como postagens de caráter publicitário sobre produtos relacionados ao
campeonato ou durante a transmissão do mesmo.
65
O estudo de caso sobre a cobertura do Free Fire World Series 2019 girou em torno das
publicações no site e nas redes sociais (Twitter, Instagram e YouTube) do Mais Esports. Esta
etapa foi realizada através de observação virtual participante, uma vez que, apesar de não ter
ligação direta com o evento ou o veículo em questão, o autor da dissertação é um profissional
da área e já atuou como jornalista de esportes eletrônicos. Reunindo as principais informações
relacionadas ao Mais Esports e ao FFWS 2019, a primeira parte deste capítulo apresenta um
resumo da linha editorial do veículo e da proposta do campeonato. Em seguida, o modelo
analítico sugerido por Gambarato e Tárcia (2018) foi utilizado para contextualizar a análise
das estratégias de transmidiação.
É nítida a diferença no Mais esports. Quem acessa o portal, procura por conteúdo
específico, está acostumado com o universo e provavelmente é um jogador amador.
Por isso, o Mais esports tem uma linha editorial diferente. O veículo entende que seu
leitor é consumidor ativo do conteúdo postado nas redes sociais digitais dos
jogadores e por isso procura entregar um outro tipo de material, para não precisar
concorrer diretamente. O Mais esports tenta complementar o que a comunidade de
fãs já acompanha diariamente. (CAMPOS; FRANGE, 2019, p. 68).
O campeonato Free Fire World Series 2019 foi realizado no dia 16 de novembro de
2019, no Parque Olímpico da Barra, no Rio de Janeiro. Com um prêmio total de US$ 400 mil,
o evento reuniu 12 times profissionais de Free Fire: Corinthians (Brasil), Sbornaya ChR
(Rússia), Illuminate Slow TwoK (Tailândia), LGDS (Taiwan), Infinity (América Latina),
Team Flash (Vietnã), Artic Gaming (México), Dranix Esports (Indonesia), LOUD (Brasil),
67
Sbornaya ChR 270 360 520 270 270 260 220 20 2190
Illuminate Slow TwoK 500 140 300 180 145 295 245 215 2020
Como maior e mais importante evento do circuito competitivo de Free Fire, o objetivo
da FFWS 2019 foi definir a equipe campeã mundial do ano. Para tanto, a programação do
evento foi composta por oito partidas, disputadas por 12 times profissionais que se
classificaram para a etapa final por vencer torneios qualificatórios de várias regiões ao redor
do mundo - como América do Norte, América do Sul, Oriente Médio e Ásia. Assim, é seguro
afirmar que o campeonato Free Fire World Series 2019 foi um evento de magnitude global.
Apesar de ter os esportes eletrônicos como foco principal, a cobertura do Mais Esports
também envolveu um pouco de áreas como economia e cultura, com algumas pautas menos
direcionadas ao resultado das partidas ou que tratam o evento de forma mais abrangente.
Mais Esports, ESPN, Versus, Canaltech e outras empresas de mídia cobriram o Free
Fire World Series 2019. O campeonato mundial do battle royale foi realizado
presencialmente, no Parque Olímpico da Barra, no Rio de Janeiro; e transmitido ao vivo e de
graça através da internet, nas plataformas Facebook e YouTube. Assim, os jornalistas que
participaram da cobertura puderam acompanhar as partidas e produzir conteúdo de forma
remota, mas também tiveram acesso a coletivas de imprensa e aos bastidores da competição
de forma presencial - nos moldes do que acontece em eventos de esportes tradicionais, por
exemplo. Isso fica claro até no material produzido pelo Mais Esports, que postou entrevistas
com jogadores no local do campeonato e coletivas de imprensa na íntegra.
Como seguiremos observando daqui em diante, várias estratégias foram aplicadas para
produzir e veicular conteúdo sobre o torneio. Os meios e os formatos escolhidos, por
exemplo, são o suficiente para mostrar que a cobertura do Mais Esports foi planejada para ser
transmidiática. Também vale destacar que o veículo não só produziu antes e durante a
competição, como continuou repercutindo o evento por dias após o término do mesmo.
Considerando que os principais acontecimentos do FFWS 2019 se concentraram em apenas
um dia, esse foi um aspecto decisivo para a análise da cobertura. Apesar de ter uma ligação
direta com diversos campeonatos realizados ao longo da temporada, todas as partidas do
mundial aconteceram em 16 de novembro de 2019.
A cobertura da competição Free Fire World Series 2019 pelo veículo Mais Esports
envolveu os elementos da narrativa jornalística (quem, o que, onde, quando, por que e como)
de diversas formas - produzindo conteúdo não apenas sobre os times e jogadores que
participaram do evento, mas também acerca de acontecimentos paralelos ao desfecho das
partidas. Essas narrativas, primárias e secundárias, foram amplamente exploradas pelo veículo
e podem ser observadas através da periodicidade das publicações. Postando sobre o assunto
quase diariamente, o Mais Esports usou as redes sociais para noticiar todas as fases do
mundial: antes, apresentando o cronograma e os personagens envolvidos no evento; durante,
acompanhando e comentando os acontecimentos do campeonato; e depois, divulgando e
relembrando o resultado da competição. A periodicidade das publicações teve um papel tão
marcante na construção das narrativas transmídia pela cobertura do Mais Esports, que essas
três fases (antes, durante e depois do evento) foram usadas para organizar a análise realizada
na próxima parte da dissertação.
70
O campeonato Free Fire World Series 2019 foi realizado no Rio de Janeiro da “vida
real”, mas, por se tratar de uma competição profissional de esportes eletrônicos (que derivam
dos jogos digitais), o universo narrativo do evento também envolveu características ficcionais
de forma indireta: os personagens, as localidades e outros elementos virtuais que fazem parte
do jogo de celular até são citados pela cobertura especializada; mas têm pouco destaque no
conteúdo produzido por veículos especializados, tendo em vista que o foco da cobertura foi o
lado mais competitivo e que vai além da tela dos videogames.
Em outras palavras, o universo narrativo que foi objeto da cobertura transmídia não é o
universo ficcional do jogo Free Fire, mas sim o circuito competitivo que foi construído a
partir da estrutura e da jogabilidade do battle royale. Esse circuito é formado por times,
jogadores, eventos e torcedores; que, como observado anteriormente, ajudaram a transformar
os torneios de Free Fire em um fenômeno de escala global. Como peça principal desse cenário
competitivo, o campeonato FFWS 2019 foi grande o suficiente para sustentar dezenas de
expansões multiplataformas.
4.3.5 Personagens
4.3.6 Extensões
A cobertura do Mais Esports foi formada por 49 extensões, publicadas no site e nas
redes sociais (Twitter, Instagram e YouTube) do veículo. A pesquisa incluiu todos os
71
conteúdos que tratam do Free Fire World Series 2019 direta ou indiretamente, veiculados em
um período de 30 dias: de 1 de novembro de 2019 a 30 de novembro de 2019. Também foram
consideradas publicações que citam personagens relacionados ao evento, como os jogadores
da equipe do Corinthians; e campeonatos qualificatórios, como a Pro League, por exemplo.
Quantidade de extensões
Plataforma Total
Antes Durante Depois
(01/11 - 15/11) (16/11) (17/11 - 30/11)
Site 8 2 1 11
YouTube 3 0 2 5
Twitter 15 3 6 24
Instagram 6 0 3 9
Todas 32 5 12 49
Fonte: Elaborado pelo autor.
Vale ressaltar que a grande maioria delas amplia as narrativas da competição e foram
planejadas para explorar as ferramentas de cada rede social, mas algumas apenas reproduzem
um mesmo conteúdo: sem aproveitar as potencialidades das diversas plataformas utilizadas e
limitando o caráter transmídia da cobertura. Para manter o interesse do público pelo evento, o
veículo utilizou estratégias de transmidiação de propagação e de expansão para produzir e
distribuir o conteúdo da cobertura jornalística.
A cobertura do Mais Esports envolveu apenas as mídias digitais, com foco na web e
direcionada para dispositivos capazes de acessar redes sociais - como computadores e
celulares, por exemplo. O veículo usou estratégias diferentes para lançar as extensões que
fizeram parte da cobertura, quase sempre explorando as características e as limitações de cada
plataforma utilizada. Os vídeos publicados no YouTube são mais longos e densos que os do
Instagram, da mesma forma que o material do Twitter é mais objetivo do que o veiculado no
site, por exemplo. Isso também pode ser observado através da função empregada no conteúdo
de cada rede social: todos os vídeos sobre o Free Fire World Series 2019 publicados pelo
72
Mais Esports no YouTube são entrevistas, que exploram as potencialidades dessa mídia e
ajudam a fortalecer a imagem dos personagens da cobertura. Nas demais plataformas, a
notícia é o formato jornalístico predominante.
4.3.9 Engajamento
Por ter sido desenvolvida para a web, a cobertura jornalística do Mais Esports foi
marcada pela participação do público. O veículo direcionou o conteúdo sobre o campeonato
para as redes sociais, então a interação com os espectadores foi algo comum em todas as fases
da cobertura. Utilizando os mecanismos e as regras das próprias redes sociais, os torcedores
participaram comentando em tempo real e compartilhando memes, por exemplo. Por outro
lado, podemos considerar que esse aspecto não foi uma das prioridades do veículo durante a
cobertura. O Mais Esports usou poucas estratégias de transmidiação para recompensar a
participação ativa dos torcedores, mantendo a interação limitada às ferramentas fornecidas
pelas redes sociais e não aproveitando o conteúdo produzido pelo público de nenhuma forma.
4.3.10 Estética
73
Fotos e vídeos foram os recursos visuais mais usados na cobertura do Mais Esports.
Poucas extensões publicadas pelo veículo não incluem um dos dois elementos, que tiveram
um papel importante em todas as redes sociais utilizadas. A pesquisa concluiu que os vídeos
estão mais presentes nas postagens do site e do YouTube, enquanto as imagens estáticas foram
mais utilizadas no Twitter e no Instagram.
10
Disponíveis em (da esquerda para a direita): <https://www.instagram.com/p/B4965QxhU29/>;
<https://www.instagram.com/p/B4fBh6bhm6n>. Acesso em: 02 ago 2022.
74
A primeira fase analisada pela pesquisa é do período antes do evento, que inclui as
publicações realizadas de 1 de novembro de 2019 a 15 de novembro de 2019. Com um total
de 32 extensões multiplataforma, esse foi o período com o maior número de publicações do
Mais Esports no contexto do Free Fire World Series 2019. Para ter uma visão geral de como a
cobertura do veículo explorou a narrativa transmídia em cada momento dessa etapa de
preparação para o campeonato, o QUADRO 9 organiza as postagens realizadas pelo Mais
Esports por data. As cores representam as plataformas utilizadas na cobertura e foram usadas
para facilitar a observação, já que nem todos os dias tiveram publicações.
Site 0 0 0 1 1 1 0 0 2 0 1 0 0 2 0
YouTube 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 1 0
Twitter 0 0 0 1 2 0 1 0 1 1 2 2 0 3 2
Instagram 0 0 0 0 1 0 1 0 0 1 0 1 0 0 2
A primeira publicação do Mais Esports sobre o Free Fire World Series 2019 foi
realizada no dia 4 de novembro, no site do veículo. Com o título “Free Fire: Alok faz música
para o mundial e será personagem jogável”, a notícia explica a parceria do jogo com o artista
que fez a abertura da final do campeonato mundial. No mesmo dia, as novidades também
foram divulgadas no Twitter do Mais Esports, em uma postagem que destacou as informações
básicas da notícia e direcionou os leitores para o conteúdo do site. Além de usar uma hashtag
(#FreeFire) para identificar o conteúdo, o veículo marcou as páginas do DJ Alok
(@alokoficial) e do jogo (@FreeFireBR).
Nesse tipo de extensão, que desdobra o conteúdo de uma plataforma em outra, nossa
análise vai considerar que a estratégia de transmidiação utilizada é a mesma do material
compartilhado. Isso só se aplica a publicações que, mesmo de forma superficial, ampliam a
proposta do texto de referência ou exploram as características das novas plataformas
utilizadas. Quando não for o caso - ou seja, quando uma postagem for usada apenas para
divulgar outra publicação, sem respeitar a natureza transmídia da cobertura - o conteúdo será
tratado como um exemplo de crossmídia.
Assim, por fornecer informações sobre uma das atrações que viriam a fazer parte do
evento, a estratégia utilizada em ambas as publicações sobre a música do DJ Alok foi a de
propagação por conteúdos reformatados de antecipação. Essa também foi a estratégia
utilizada em duas das quatro extensões do dia seguinte (05/11/19), quando a notícia da música
oficial do mundial foi adaptada novamente para as redes sociais: pela primeira vez no
Instagram e pela segunda no Twitter. Na ocasião, aproveitando que essa foi a primeira
publicação sobre o assunto no Instagram, as postagens deram destaque para uma imagem que
condensou as informações mais importantes da notícia. Além de revelar uma preocupação do
Mais Esports em explorar as particularidades de cada plataforma, esse tipo de postagem
ressalta algumas das características que marcam o jornalismo na web - como a
multimidialidade e a personalização, uma vez que o veículo adapta ou amplia o conteúdo da
notícia para melhorar a experiência dos seguidores.
As outras duas extensões multiplataforma do dia 5 de novembro de 2019 anunciaram,
no site e no Twitter, que o banco Next era o novo patrocinador da terceira temporada da Free
Fire Pro League. Apesar de não ser identificada como uma publicação de caráter publicitário
pelo veículo, a notícia também serviu para avisar que os ingressos da competição
qualificatória já estavam à venda. Como o principal objetivo da Free Fire Pro League era
selecionar duas equipes brasileiras para participar do mundial, a pesquisa considera que o
campeonato pode ser encarado como um produto derivado do Free Fire World Series 2019.
76
Portanto, a estratégia utilizada nas duas postagens foi de expansão por conteúdos de extensão
de marca. Vale ressaltar que essas foram as primeiras extensões envolvendo o Free Fire Pro
League, que teve sua final no dia 9 de novembro de 2019 e - por valer duas vagas para o Free
Fire World Series daquele ano - foi um dos assuntos comuns na primeira etapa da cobertura.
No dia 6 de novembro de 2019, a única publicação do Mais Esports aconteceu no site
e utilizou a estratégia de propagação por conteúdo informativo contextual. A notícia “Free
Fire já possui mais de 50 milhões de jogadores diários e 450 milhões registrados” divulgou
um relatório com dados da desenvolvedora Garena e mostrou que o jogo estava se tornando
um fenômeno global. Apesar de não ter uma ligação direta com o campeonato mundial, a
notícia foi usada para fortalecer o universo narrativo do evento indiretamente. Um sinal disso
está na construção do texto, que conta com três hiperlinks: o primeiro fala sobre a
participação do DJ Alok no mundial, o segundo trata do patrocínio do banco Next na Free
Fire Pro League e o terceiro lembra que os ingressos para a competição qualificatória já
estavam à venda. A mesma estratégia de transmidiação foi usada no dia seguinte (07/11/19),
quando o assunto foi retomado nas redes sociais.
11
Disponível em: <https://www.instagram.com/p/B4k62ZwhKYW>. Acesso em: 02 ago. 2022.
77
As duas publicações, uma no Instagram e a outra no Twitter, deram destaque para uma
imagem do mesmo estilo visual que as publicadas anteriormente. A legenda, além de
complementar as informações da imagem e direcionar o leitor para o conteúdo do site (apenas
no Twitter, já que o Instagram não permite a adição de hiperlinks nas postagens), estimulou a
participação dos seguidores: “O que estão achando do crescimento do jogo?”.
Como registrado no QUADRO 9, a próxima publicação do Mais Esports sobre o Free
Fire World Series 2019 aconteceu no dia 9 de novembro. A data também marca a final da Pro
League e o início de um intervalo de destaque dentro da primeira fase da cobertura, que
passou a ter conteúdo ainda mais direcionado para o mundial que se aproximava e material
em vídeo através do YouTube. Divulgando dados de audiência da FFPL, que foi assistida por
mais de um milhão de pessoas, as primeiras publicações do dia 9 foram veiculadas no site e
no Twitter. No site, o conteúdo explicou os dados centrais da notícia e comparou o recorde de
audiência com os números da temporada anterior do mesmo campeonato:
A publicação do Twitter, por outro lado, foi usada para estimular o debate e levar os
usuários das redes sociais para o conteúdo do site. É importante destacar que esse tópico
voltou a ser pauta no dia 12 de novembro, quando o Mais Esports publicou acerca da
audiência da Pro League pela primeira vez no Instagram e pela segunda no Twitter. A
diferença é que, dessa vez, as principais informações estavam agrupadas em uma imagem e o
conteúdo das publicações era muito mais independente do que estava disponível no site - não
apenas utilizando uma fotografia exclusiva para as redes, como dando espaço para
informações que haviam ficado em segundo plano até na matéria original, como o fato de 4
mil e 400 pessoas terem acompanhado a competição qualificatória presencialmente. A
conclusão é que em todas as quatro extensões sobre o assunto, publicadas nos dias 9 e 12, a
estratégia utilizada foi a de propagação por conteúdos informativos contextuais.
A terceira publicação do Mais Esports, no dia 9 de novembro, foi a notícia “FreeFire:
Corinthians fatura título da Pro League”. Veiculada no site, essa extensão usou a estratégia de
propagação por conteúdos de recuperação para divulgar as duas equipes que foram destaque
78
12
Disponível em: <https://youtu.be/pjrIZyi50lo>. Acesso em: 02 ago. 2022.
79
nesse campeonato que começa daqui a uma semana?” e mais. A segunda extensão foi
veiculada no site e usou o vídeo do YouTube como ponto de partida. Além de incorporar o
vídeo ao topo do corpo do texto, a matéria foi construída com alguns dos depoimentos dos
jogadores e serviu de alternativa para quem prefere ou só pode consumir a informação desta
forma. As outras duas postagens do Mais Esports no dia 11 foram direcionadas ao Twitter,
mas pouco acrescentaram à narrativa transmídia. Elas serviram, basicamente, para convidar os
usuários da rede social para assistir ou ler a entrevista com as equipes brasileiras do Free Fire
World Series 2019. Uma delas, a que direcionava os seguidores para o vídeo no YouTube, não
usava sequer hashtags e é uma das que será considerada como publicação crossmídia.
No dia 12 de novembro de 2019, além das já citadas publicações que voltaram a falar
sobre a audiência da Pro League, o Mais Esports publicou um novo vídeo no YouTube. “Cerol
comenta preconceito com Free Fire e como jogo mudou sua vida” é uma entrevista exclusiva
com o influenciador Lucio “Cerol” dos Santos Lima, que participou da terceira temporada da
Pro League representando o Corinthians e foi um dos analistas convidados da Free Fire World
Series 2019. O mundial não é um dos temas centrais da entrevista, que fala sobre o espaço do
Free Fire nos e-sports e da popularidade do jogo com o público brasileiro; mas ajuda a
enriquecer o universo narrativo do evento e a imagem de um dos seus personagens mais
importantes.
80
13
Disponível em: <https://youtu.be/YmdqOBIVZlE>. Acesso em: 02 ago. 2022.
81
Serão 12 equipes de todo o mundo disputando a premiação total de US$ 400 mil,
com US$ 200 mil, aproximadamente R$ 835 mil para o primeiro colocado. Elas
jogarão oito quedas, alternando entre os mapas Purgatório e Bermuda. No final,
quem pontuar mais faturará o título. Os pontos são definidos de acordo com a
colocação final e o número de abates de cada equipe em uma queda. O primeiro
colocado pontua 300, já o último não pontua. Cada abate rende 20 pontos. (PORTO,
2019).
No Twitter, o foco maior foi nas equipes brasileiras que tinham vaga garantida no
mundial. Além de marcar as páginas do Corinthians (@corinthians_ff) e da LOUD
(@LOUDgg), a postagem usou uma linguagem coloquial para chamar a atenção dos usuários
da rede social e convidá-los a ler o conteúdo do site.
As últimas extensões multiplataforma da primeira parte da cobertura foram publicadas
no dia 15 de novembro e também utilizaram a estratégia de propagação por conteúdos de
antecipação. O Mais Esports veiculou quatro extensões, duas no Twitter e duas no Instagram,
sobre a escalação das equipes do Corinthians e da LOUD. O objetivo era apresentar os
jogadores que, no dia seguinte, representariam o Brasil no mundial de Free Fire. As postagens
usaram oito imagens para divulgar o elenco de cada time, mas em formatos diferentes de
acordo com a rede social. No Instagram, o material foi publicado no padrão “carrossel” e a
legenda foi usada para resumir a trajetória das equipes. Já no Twitter, para respeitar as
limitações da plataforma, as oito fotos de cada extensão foram divididas em dois tweets: o
primeiro marca as equipes e estimula a participação dos seguidores: “Quem aí tá animado
com o @corinthians_ff no Mundial de @FreeFireBR?”; e o segundo relembra o desempenho
delas na terceira temporada da Pro League.
82
para o Free Fire World Series; e depois, nos dias 12 e 14, extensões narrativas ajudaram a
engrandecer o papel de alguns dos personagens que viriam a fazer parte do mundial.
14
Disponíveis em (da esquerda para a direita):
<https://twitter.com/maisesportsbr/status/1195798740113788928?s=20&t=iqVxXXdUqeixU4qa3fhScg>;
<https://twitter.com/maisesportsbr/status/1195732856972201984?s=20&t=NRGmHzVr8BzEjTy6SbehCg>.
Acesso em: 02 ago. 2022.
85
A terceira e última fase analisada pela pesquisa é do período depois do evento, que
inclui as publicações realizadas de 17 de novembro de 2019 a 30 de novembro de 2019.
Focado em repercutir o resultado do Free Fire World Series 2019, esse período
pós-campeonato teve um total de 12 extensões multiplataforma. Para dar início às
observações sobre a narrativa transmídia após o mundial, o QUADRO 10 reúne todas as
publicações realizadas pelo Mais Esports no período em questão. Mais uma vez, as cores
representam as plataformas escolhidas para veicular o conteúdo da cobertura e foram
utilizadas apenas para facilitar a interpretação dos dados.
Site 2 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0
YouTube 0 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Twitter 3 2 1 1 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0
Instagram 0 1 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
No dia seguinte à disputa pelo título (17/11), o Mais Esports usou a estratégia de
recuperação para publicar duas vezes e continuar falando sobre o Free Fire World Series
2019. Os conteúdos, veiculados no Twitter e no Instagram, deram destaque para uma imagem
dos jogadores levantando a taça no Parque Olímpico da Barra e resumiram a conquista do
Corinthians em poucas palavras. No Twitter, a postagem relembrando a vitória do time
paulista também incluiu um link para o site e convidou os seguidores para ler a notícia
veiculada no dia anterior.
Ainda no dia 17 de novembro, o Mais Esports publicou uma entrevista em vídeo com
os jogadores da equipe campeã e retomou a aplicação de estratégias de expansão - que tinham
aparecido pela última vez em 14 de novembro. Publicada no YouTube, a coletiva de imprensa
de um pouco mais de 23 minutos pode ser considerada um conteúdo de extensão narrativa
86
porque abordou vários assuntos que não tiveram espaço na transmissão e na programação do
FFWS 2019 - como explicações sobre os esquemas táticos empregados e as rotinas de
treinamento dos jogadores envolvidos, por exemplo. Além disso, repetindo o padrão
observado na primeira parte da cobertura, o veículo fez uma postagem crossmídia no Twitter
para divulgar a entrevista com o time e tentar levar alguns de seus seguidores da rede social
para o canal do YouTube.
No dia 18 de novembro, duas extensões multiplataforma foram veiculadas pelo Mais
Esports. Voltando a falar do recorde de audiência batido pela transmissão do Free Fire World
Series 2019, o veículo publicou conteúdos de recuperação no Instagram e no Twitter. Veja, a
seguir, na FIGURA 14:
As postagens usaram uma foto das arquibancadas lotadas do FFWS 2019 para
enfatizar que o mundial superou os números da terceira temporada da Pro League e que
nenhum outro evento do circuito teve tantas pessoas assistindo a transmissão ao vivo. As
15
Disponível em: <https://www.instagram.com/p/B5A0HMch48s>. Acesso em: 02 ago. 2022.
87
Crossmídia 2 17 e 19 Twitter
P 17
A
G Remixagem --- --- ---
A
Ç
Contextuais 14 16, 18, 25, Instagram, Site e Twitter
Ã
6, 7, 9 e 12
O
Promocionais --- --- ---
O Mais Esports também usou as redes sociais para construir narrativas paralelas ao
evento, que ajudaram a enriquecer a experiência de assistir a competição e mostraram outros
lados da história dos personagens envolvidos. Com exceção de duas extensões de marca
realizadas antes do FFWS 2019, anunciando a venda de ingressos para a terceira temporada
da Pro League; todas as estratégias de expansão utilizadas na cobertura do campeonato
mundial de Free Fire foram aplicadas por extensões narrativas. Veiculadas oito vezes,
principalmente na forma de vídeos no YouTube, essas extensões partiram de aspectos que não
eram o foco da transmissão do torneio e levaram conteúdo valioso para os torcedores que já
estavam acompanhando o campeonato. Podemos considerar, portanto, que o uso das
estratégias de expansão reforçou a linha editorial do veículo. Como apontado por Campos e
Frange (2018), o jornalismo especializado em esportes eletrônicos do Mais Esports é
direcionado a quem já está acostumado ao universo das competições de videogame e tenta
entregar mais do que os torcedores já consomem diariamente.
Apesar de ter utilizado pelos menos dois conteúdos reformatados, informativos, de
extensão textual e de extensão lúdica; a cobertura do Mais Esports não aplicou todas as
estratégias de transmidiação definidas por Fechine et al (2013). A ausência de conteúdos de
remixagem e promocionais mostram que o veículo não apenas se limitou ao ritmo e às
narrativas impostas pela transmissão oficial do evento, como deixou de produzir conteúdos
explorando os bastidores da cobertura. Também não foram veiculadas extensões diegéticas e
vivenciais, o que é um sinal de que a cobertura do veículo foi pouco imersiva e não tratou a
participação do público como uma de suas prioridades. A ausência de tais estratégias é
ressaltada por extensões que não respeitam o caráter transmidiático da cobertura, como as 5
publicações que foram classificadas como conteúdos crossmídia. Apesar de ter um papel
complementar ao dos conteúdos transmídia, podemos afirmar que essas postagens não são
capazes de ampliar a experiência dos espectadores de forma relevante. Isso pode ser
observado com clareza ao compará-las com as demais extensões da cobertura.
91
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta dos esportes eletrônicos amadureceu muito nas últimas décadas. Com a
audiência e o valor das premiações crescendo exponencialmente de 2009 a 2019, jogar em
alto nível virou profissão e os campeonatos de videogame passaram a ser encarados como
negócios lucrativos. O crescimento das competições de e-sports, avaliado aqui pelo valor dos
prêmios em dinheiro, foi interrompido em 2020 - quando, de acordo com a ferramenta Esports
Earnings, os torneios profissionais distribuíram US $136 milhões, um pouco mais da metade
dos US $244 milhões premiados em 2019. O principal motivo para essa queda brusca nos
números do segmento foi o início da pandemia de COVID-19, que fez o mundo todo adotar
medidas de distanciamento social para evitar a transmissão do coronavírus.
Apesar de ter aquecido mercados como o de games, com mais pessoas procurando
essa forma de entretenimento caseira, o isolamento impediu a realização de campeonatos
presenciais e prejudicou os esportes eletrônicos como um todo. Para tentar evitar esse impacto
negativo e chegar a resultados que representassem a rotina de produção padrão do jornalismo
especializado em e-sports, a pesquisa partiu da cobertura de uma competição de antes da
pandemia (Free Fire World Series 2019). É importante ressaltar que o cenário competitivo
ainda está se recuperando, mas certamente teve suas práticas transformadas por essa fase de
desafios. Por isso, as conclusões desta dissertação não devem ser tratadas como definitivas ou
absolutas, mas como uma reflexão acerca de um dos momentos mais importantes da história
recente dos e-sports no Brasil.
A pesquisa também considera que o crescimento dos esportes eletrônicos nas últimas
décadas pode ser observado pelo aumento na demanda por conteúdo especializado. Diversos
veículos jornalísticos brasileiros cobrem as competições profissionais de videogame e ajudam
a manter a comunidade dos e-sports informada. Explorando a afinidade dessa editoria com as
mídias digitais, muitos deles tem sua produção direcionada para a lógica e a linguagem das
redes sociais. Assim, durante a cobertura de campeonatos, essas plataformas ajudam a
enaltecer as características mais marcantes do jornalismo na web e se tornam um terreno fértil
para a construção de narrativas transmídia. Pensando nisso, e partindo das definições de
Fechine et al (2013), o objetivo da dissertação foi identificar a utilização de estratégias de
transmidiação nos conteúdos publicados pelo Mais Esports.
Além de ser um dos principais veículos do segmento, o Mais Esports foi escolhido por
representar uma parcela de empresas de mídia que se dedica exclusivamente aos esportes
eletrônicos. Esse é um aspecto que deve ser reforçado porque, como observado ao longo do
92
primeiro capítulo desta dissertação, o jornalismo de e-sports tem muitas ligações com o
jornalismo de games e o jornalismo de esportes tradicionais. Apesar de reconhecer a
importância das características herdadas de ambas as editorias, a pesquisa tenta estabelecer
limites entre as três áreas e dar destaque às práticas que surgiram com a profissionalização dos
jogos eletrônicos competitivos. Afinal, os e-sports começaram a ganhar espaço na mídia
através dos games e a cobertura dos campeonatos de videogame tem muito em comum com a
cobertura de esportes tradicionais, mas existem particularidades dos esportes eletrônicos que
só podem ser observadas através dos próprios jogos competitivos.
Refletir sobre as práticas que marcaram o desenvolvimento dos jogos competitivos ao
longo dos anos - dos campeonatos de fliperama à profissionalização do esporte eletrônico -
nos ajudou a ter uma visão mais precisa do papel do jornalismo e das narrativas transmídia no
universo das competições profissionais de videogame. Essa abordagem permitiu que
verificássemos, por exemplo, que: jogar não é um requisito para participar da cobertura, mas o
jornalista de e-sports precisa ter um conhecimento aprofundado sobre as principais
modalidades do cenário competitivo; a audiência das competições é um símbolo da
profissionalização da atividade do jogador, assim como os prêmios em dinheiro; o universo
narrativo dos campeonatos de videogame envolvem aspectos ficcionais (virtuais, do jogo) e
não-ficcionais (reais, além da tela); e, por depender da estrutura dos jogos digitais e ter
amadurecido junto com a internet, a cobertura de esportes eletrônicos pode ter alguma
facilidade para explorar as qualidades do jornalismo na web.
Essas conclusões também só foram possíveis depois da revisão dos conceitos de
jornalismo na web (CANAVILHAS et al, 2014; FERRARI, 2010; WEBER, 2010) e
jornalismo transmídia (ARAÚJO, 2014; MOLONEY, 2011; RENÓ, FLORES, 2018). As
contribuições dos autores citados foram fundamentais para o desenvolvimento da pesquisa,
permitindo que pudéssemos construir um referencial teórico sólido para a análise do terceiro
capítulo. Nesse sentido, o destaque foi o conceito de estratégias de transmidiação (FECHINE
et al, 2013). Elaboradas originalmente para estudar telenovelas, as estratégias já foram
aplicadas ao jornalismo em outros trabalhos e nos ajudaram a entender o caminho percorrido
pelo conteúdo sobre o FFWS 2019. A maior particularidade percebida ao utilizar esse
conceito no contexto do jornalismo de esportes eletrônicos está ligada à natureza dos eventos
competitivos, que têm uma estrutura muito diferente de outros produtos de entretenimento em
que as estratégias de transmidiação foram analisadas.
Na cobertura de um campeonato de videogame, a mídia que dá origem às extensões
transmídia é uma transmissão ao vivo e a história a ser contada não tem um desfecho definido.
93
Como estabelecido no final do segundo capítulo, essas e outras características - como o fato
de os personagens principais do campeonato não serem fictícios - fazem com que os tipos de
extensões multiplataformas a serem utilizados pelos jornalistas de e-sports também sejam
diferentes daqueles que ampliam a narrativa de uma novela, por exemplo. Esse aspecto é
reforçado pelos resultados encontrados pela análise das estratégias de transmidiação e
registrados no terceiro capítulo da presente dissertação.
Ao observar a cobertura do campeonato mundial de Free Fire, a pesquisa concluiu que
as estratégias de transmidiação mais utilizadas pelo Mais Esports foram as de propagação.
Esse tipo de estratégia foi a principal em 34 das 49 publicações realizadas durante a
competição, marcando quase 70% da cobertura do veículo por conteúdos de antecipação, de
recuperação e contextuais. Isso é uma reflexo do maior volume de publicações antes da
realização do evento, mas também mostra que o veículo deu destaque a informações
adicionais e produziu conteúdo que vai além do que estava previsto para o dia da competição.
Esse viés foi observado, principalmente, nas postagens que divulgaram o Free Fire World
Series 2019 ao mencionar a final da terceira temporada do Free Fire Pro League. A FFWS
(16/11/19) foi realizada apenas uma semana depois da FFPL (09/11/19), então a relação entre
as duas competições foi pauta no auge da cobertura e revela mais uma característica
interessante sobre o jornalismo de esportes eletrônicos transmídia: o universo narrativo de um
campeonato de games pode incluir e ser beneficiado por outras competições profissionais
relacionadas, aproveitando a estrutura do circuito competitivo e as características
compartilhadas pelos eventos que fazem parte dele - como formato, personagens e público -
para estimular o interesse pela competição de maior magnitude. O universo narrativo
compartilhado entre FFWS e FFPL foi fortalecido pelo fato de uma das recompensas
oferecidas aos melhores times do primeiro campeonato ter sido uma vaga no segundo - de
forma que, mais importante do que os prêmios em dinheiro, era a oportunidade de participar
do mundial. Isso pode ser observado através das diversas publicações realizadas sobre a FFPL
que tratavam o torneio como um degrau até a FFWS, dando mais destaque para a vaga que
estava em jogo do que para o valor do prêmio em dinheiro, por exemplo.
Essa foi uma das principais possibilidades exploradas pelo Mais Esports através das
estratégias de propagação, mas o veículo também utilizou estratégias de expansão para
alcançar os objetivos da cobertura. Com um espaço muito menos expressivo que as de
propagação, as estratégias de expansão foram usadas em 10 das 49 postagens sobre o FFWS e
ajudaram a fortalecer o papel de personagens importantes (como os jogadores e
influenciadores da equipe do Corinthians). Vale ressaltar, mais uma vez, que a cobertura do
94
Mais Esports não empregou todas as estratégias de transmidiação previstas por Fechine et al
(2013). Apesar de ter limitado alguns aspectos do conteúdo, como a participação dos
espectadores, isso não impediu que a cobertura alcançasse seus objetivos. Mesmo sem colocar
quatro das estratégias definidas pelos autores em prática, a maioria das extensões
multiplataforma postadas pelo Mais Esports aproveitaram os recursos das diversas redes
sociais que fizeram parte da cobertura e podem ter ajudado a enriquecer a experiência dos
torcedores que acompanhavam o campeonato mundial de Free Fire.
Essa capacidade de ampliar a proposta do torneio fica ainda mais clara se
considerarmos que o potencial da transmidiação não é limitado à utilização de estratégias.
Destarte, além delas, a cobertura do veículo envolveu ações de transmidiação que não foram
planejadas e também ajudaram a expandir o universo narrativo do Free Fire World Series
2019. A participação dos seguidores pelas redes sociais, por exemplo, foi pouco explorada
através das estratégias de transmidiação, mas esteve presente de forma orgânica em
publicações de todas as três fases principais da cobertura. Também é importante destacar que,
apesar do conteúdo produzido pelo Mais Esports ter girado em torno de um evento planejado,
a notícia foi o formato mais utilizado na cobertura do mundial de Free Fire. Como
observamos no segundo capítulo desta dissertação, as características desse gênero jornalístico
representam um desafio para a construção de narrativas transmídia. Logo, esse tipo de
transmidiação - que não depende do uso de estratégias - pode ser uma resposta às limitações
do jornalismo transmídia como um todo.
95
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