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Instituto de Economia
CAMPINAS
2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
Campinas
2019
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Economia
Mirian Clavico Alves - CRB 8/8708
Título em outro idioma: The process of China's economic development, from Maoism to
companies spread to the world : a debate for the case study of Chinese FDI to Brazil
Palavras-chave em inglês:
Economic development - China
Industrialization
Área de concentração: Desenvolvimento Regional e Urbano
Titulação: Mestre em Desenvolvimento Econômico
Banca examinadora:
Bruno Martarello De Conti [Orientador]
Antonio Carlos Diegues Junior
José Eduardo de Salles Roselino Júnior
Data de defesa: 06-02-2019
Programa de Pós-Graduação: Desenvolvimento Econômico
INSTITUTO DE ECONOMIA
Defendida em 06/02/2019
COMISSÃO JULGADORA
Palavras-chave
The present dissertation aims to provide elements that support the understanding that
the qualitative and quantitative changes of the Chinese economy during the second
half of the XX century and the beginning of the XXI century are explained by a unique
dynamics, namely a development process which, although assuming different
characteristics in the face of the imperatives imposed by time, is the result of a long-
term vision, that, dictated by the coordinating action of the State, seeks, through the
complexification of the productive structure, the progressive increase of China's
economic relevance in the world and the permanent enjoyment of forms of social
progress. Reflecting the economic conformation resulting from this process, China's
growing FDI in the 2000s is seen as an advanced stage of this trajectory, capable of
opening new fronts to Chinese ambitions, as well as alleviating old problems limiting
these longings. Investments in Brazil, in turn, are the particular form chosen for
analysis by this work, allowing not only to construct hypotheses about possible impacts
of Chinese influence, but also to interpret Brazil's role in the transformation dynamics
of the Asian country's productive structure.
Keywords
Introdução ................................................................................................................................. 13
CAPÍTULO I ............................................................................................................................ 20
China maoísta: a importância do investimento estatal e os esforços industrializantes ............ 20
1.1. Um convite ao maoísmo ............................................................................................ 20
1.2. Período Mao Tsé-Tung: dilemas e importância ......................................................... 21
1.3. Os esforços industrializantes da era Mao .................................................................. 27
1.4. Uma síntese do maoísmo chinês ................................................................................ 53
CAPÍTULO II ........................................................................................................................... 58
O início do pós-maoísmo.......................................................................................................... 58
2.1. Uma introdução ao pós-maoísmo .............................................................................. 58
2.2. Os primeiros anos de Reforma................................................................................... 60
2.3. Da segunda metade da década de 1980 à Tragédia da Praça Tiananmen .................. 72
CAPÍTULO III ......................................................................................................................... 85
A entrada nos anos 1990 e o novo ciclo de reformas ............................................................... 85
3.1. O imediato pós-Tiananmen ........................................................................................ 85
3.2. As reformas dos anos 1990 ........................................................................................ 86
3.3. A China rumo a atividades complexas .................................................................... 100
3.4. O panorama do pós-Tiananmen e a entrada no século XXI .................................... 110
CAPÍTULO IV ....................................................................................................................... 121
O Investimento Direto Estrangeiro a partir da China ............................................................. 121
4.1. O IDE chinês como parte de uma estratégia de desenvolvimento ........................... 121
4.2. O papel do Estado e o perfil do IDE chinês ao mundo ............................................ 125
4.3. O IDE Chinês ao Brasil ........................................................................................... 139
4.3.1. Os dados oficiais e seus limites ........................................................................ 139
4.3.2. Rastreamento do IDE chinês: dados extraoficiais ............................................ 150
4.4. Conclusões da análise .............................................................................................. 182
Considerações Finais .............................................................................................................. 189
Referências Bibliográficas...................................................................................................... 195
13
Introdução
com destaque ao crescimento do produto. O leitor observará que, nos últimos 40 anos,
a China passou por um processo de gradual abertura, o qual não esteve livre de
contradições e obstáculos internos, mas foi sempre combinado à preservação de
mecanismos de planejamento e intervenção estatal. Quando da passagem da década
de 1990 à década de 2000, será observado, ainda, o protagonismo tomado pela saída
de empresas chinesas ao mundo, o que é interpretado, no âmbito deste trabalho,
como uma fase avançada da ascensão geopolítica e do desenvolvimento do país
asiático. Faz-se referência, aqui, a um fenômeno que deriva, em certo modo, dos
resultados obtidos durante as décadas anteriores, qual seja, a possibilidade de um
ganho de complexidade pela estrutura produtiva chinesa. O exercício competitivo de
novas competências em âmbito mundial soma-se à busca, por estas firmas, de novas
habilidades e ativos estratégicos, os quais reduzem, parcialmente, as vulnerabilidades
e os limites que obstaculizam a continuidade do ganho de poder de influência chinesa
sob o objetivo de ocupar novas posições no sistema internacional.
CAPÍTULO I
China maoísta: a importância do investimento
estatal e os esforços industrializantes
1 De acordo com a CEPAL (2015), a China contava, em 2015, com 22% da população mundial e com
apenas 7% das terras cultiváveis e 6% dos recursos naturais. Em 1950, a China tinha uma população
de aproximadamente 550 milhões de pessoas (NBS - NATIONAL BUREAU STATISTICS, vários anos),
o que correspondia a cerca de 20% da então população mundial, já ocupando o posto de país mais
populoso do mundo.
2 O chamado “Incidente da Ponte Marco Polo” foi o estopim de um longo período de tensão entre
chineses e japoneses, o qual culminou no início de um conflito aberto entre os exércitos dos dois países.
A ponte de Marco Polo, cujo nome, em mandarim, é Lugouqiao, era considerada, pelo então
comandante do governo central chinês, Chiang Kai-shek, um local estratégico para preservar a
comunicação da cidade de Pequim com as regiões ao seu entorno. A defesa da ponte era, então, uma
tarefa de extrema importância a ser cumprida pelo exército Kuomintang – representante das forças
nacionalistas chinesas. Em 07 de julho de 1937, no entanto, um soldado japonês desaparece após
exercícios das tropas japonesas ao sul da ponte serem interceptados por tiros vindos do lado onde
estavam as tropas chinesas. Suspeitando que o sumiço do soldado teria sido provocado por um
23
eventual sequestro operado pelo exército chinês, o comandante japonês solicita a entrada japonesa na
cidade de Pequim, para procurá-lo. Diante da negativa chinesa, os japoneses iniciam um bombardeio
à cidade, o que desencadeia um contra-ataque por parte do exército Kuomintang. A partir de então, o
conflito entre os dois países ganha proporção ampliada, transcorrendo de forma escancarada e
provocando destruição em regiões do leste chinês.
3 Dado referente ao ano de 1952. Uma metodologia alternativa para medir a composição setorial do PIB
nacionalistas, lideradas por Chiang Kaishek e representadas pelo exército Kuomintang, durou de 1927
a 1948, sendo interrompida apenas entre 1936 e 1945, em função da necessidade de defender o
território chinês contra a invasão japonesa (GONÇALVES, 2006).
5 A comissão chamava-se Natural Resources Commission (NRC).
24
6 Aglietta & Bai (2013, p. 74) afirmam: “Hence we believe a careful re-examination of China’s socialist
history is of great value in understanding the initiation of China’s industrialization process and the nature
of Chinese reform”.
25
seu território. A solução destes problemas exigiria, então, uma ampla mudança das
relações produtivas do campo e entre o campo e a cidade.
Ao olhar para a estrutura agrária chinesa, constata-se traços de
desconcentração, que se combinam com a presença de famílias que trabalhavam em
sua própria terra e famílias arrendatárias, as quais, diferentemente do que ocorria na
Europa, estavam sujeitas a contratos que lhes impunham o pagamento de rendas
fixas pelo uso de terra alheia. As famílias proprietárias seguiam a tradição de destinar
a terra aos filhos homens, perpetuando sua presença no campo. Às famílias inquilinas,
por sua vez, permitia-se, em função das formas contratuais praticadas, relativa
autonomia e apropriação de parte dos ganhos de produtividade obtidos ao longo do
tempo.
Tal configuração possibilitou não somente um grande crescimento das
famílias rurais, como também a permanência dos membros familiares num mesmo
pedaço de terra, impedindo que a produtividade do fator trabalho pudesse aumentar
conforme aumentava a produtividade da terra. A alta tolerância ao excedente de mão
de obra na China rural legou efeitos que retardaram os caminhos para a
industrialização do país, segundo Aglietta & Bai (2013).
As áreas urbano-industriais, por sua vez, encontravam dificuldades em
atrair e concentrar mão de obra para atividades fabris - dada a ausência de estímulos
para deixar a produção agrícola -, mas também para absorver recursos rurais livres,
já que os ganhos de produtividade da terra eram absorvidos pela população que a
ocupava. Ademais, com a abundância de mão de obra, o trabalho no campo mantinha-
se relativamente barato, o que desestimulava a adoção de tecnologias para a
constituição de produções intensivas em capital.
Diante da alternativa de lançar mão de incentivos materiais para promover
a dinamização da atividade econômica das áreas urbano-industriais, Aglietta & Bai
(2013) reconhecem o complexo dilema enfrentado pela China. Tal decisão poderia
resultar num abalo ao tênue equilíbrio entre a oferta e a demanda concernentes aos
bens agrícolas, uma vez que, ao induzir a migração de pessoas às cidades, poderia
gerar constrangimentos à produção do campo e fazer disparar, ao mesmo tempo, a
necessidade por matérias primas e alimentos pelas regiões agora munidas de um
novo contingente populacional e de uma oxigenada atividade industrial. De outro lado,
a restrição aos incentivos materiais, via política de controle centralizado de salários –
a qual fora, de fato, colocada em prática, como será exposto mais adiante -,
26
possibilitaria gestão mais segura da demanda por bens agrícolas exercida pelas áreas
urbanas, mas privaria a atividade econômica urbana de importantes estímulos à sua
performance.
Tal contradição só seria resolvida, segundo os autores, quando a China
tivesse condições de contemplar a crescente demanda urbana por bens produzidos
no campo sem que isto significasse prejuízos à oferta de bens agrícolas. Haveria duas
formas para alcançar este resultado: o aumento da produtividade rural chinesa ou
mudanças das condições internacionais, de modo que permitissem maiores
importações, pela China, de bens agrícolas e matérias-primas industriais produzidas
externamente.
Outro elemento marcante do período em questão é o rompimento do que
Diegues & Milaré (2012) chamam de “imobilismo tradicional”. O sentimento
generalizado de superioridade perante o resto do mundo, vigente na China antes da
Revolução, teria sido dissolvido com a quebra do status quo conduzida pelo processo
revolucionário e seus antecedentes históricos. De acordo com Oliveira (2005), neste
momento são
de habilidade política para despertar e gerir movimentos sociais – orientou suas ações
para viabilizar mais segurança nacional, melhores serviços sociais e equalização do
acesso a terras no campo. O maior foco do Estado, no entanto, seria a consolidação
de um processo de industrialização, tendo, como importante pilar, o apoio de parte da
população (AGLIETTA e BAI, 2013).
7 Segundo Burdekin & Wang (1999), os preços do atacado da cidade de Xangai cresceram quase
3.000% entre junho de 1949 e novembro de 1951 – momento em que atingem o pico no período
selecionado. Esses valores correspondem a uma inflação média anualizada de mais de 410%.
28
8 A empresa estatal de comercialização em Xangai, por exemplo, chegou a controlar 35% do total do
volume comercializado no atacado, em 1950, 36% em 1951 e 57% em 1952 (BURDEKIN e WANG,
1999).
9 Após os três anos iniciais da Reforma Agrária, já se podia constatar um contínuo aumento da produção
agrícola e um relativo impulso às atividades econômicas rurais e urbanas – Nogueira (2011, p. 29)
afirma que, durante a fase de agricultura familiar (1952-1955), a produção agrícola expandiu-se 1,3%
29
ao ano, em termos per capita, apresentando taxa superior àquela observada antes da Revolução ou
mesmo entre 1955 e 1980, quando da vigência da agricultura coletivizada.
10 Nogueira (2011)) alerta para o fato de que a distribuição de terras não teria eliminado os marcantes
traços de desigualdade da vida rural chinesa, mantendo 30% das famílias na condição de “camponeses
pobres”. Para mais dados relativos a este ponto, ver Nogueira (2011, p. 29).
30
11 Segundo Nogueira (2011, p. 33), o modelo soviético adotado durante o I Plano Quinquenal pode ser
Outros
Construção
Comércio
Transporte e comunicação
Indústria
12Nogueira (2011) aponta que o principal elemento de atração dos chineses às cidades, apesar da
ausência de grandes incentivos materiais na produção do campo, não era o salário em si, já que seu
patamar real seria estagnado por um longo período nas zonas urbanas. O que induzia o trabalhador
chinês a deixar a economia rural era o facilitado acesso a moradia e alimentos, tão bem quanto a
serviços de saúde, educação e transporte, os quais, embora também oferecidos nas comunas, tinham
qualidade superior nos centros industriais.
33
In 1953, only four years after the establishment of the new China, the CCP
abruptly ended the ‘New Democratic Period’ and pushed the whole country,
urban and rural regions alike, into public ownership and a controlled economy.
This so-called ‘Socialist Transformation” was completed in less than five years
(1953-57). The CCP had thus gained full control over the chinese economy,
and was ready to speed up the country’s industrialization process at all costs.
13Até as viagens de trabalhadores do campo à cidade seriam alvo de restrições, já que os cupons
cambiáveis por comida não podiam ser utilizados fora da localidade de origem do viajante.
34
Bai (2013) lembram, no entanto, que este problema não acometia a industrialização
chinesa pelo fato de que ela estava abalizada, naquele momento, em segmentos da
indústria pesada.
Para que este sistema funcionasse de forma virtuosa à industrialização – e
não, por exemplo, ao consumo de luxo de empresários privados -, a disseminação da
propriedade pública dos meios de produção, já citada, fora muito funcional. Entre o
final de 1955 e o início de 1956, depois de sobreviver por seis anos após o início do
período de comando de Mao Tsé-Tung, a propriedade privada estava quase abolida
na China, reduzindo drasticamente o risco da ascensão de burguesias que pudessem
paralisar as transformações em operação. Nas cidades, há permanente incorporação
de fábricas pelo Setor Público, seja pela transformação de unidades privadas em
instituições de propriedade mista, seja pela sua absorção completa pelo Estado. Nos
segmentos de transporte e comunicação, por exemplo, todas as grandes empresas
passaram a ser de propriedade do governo.
Tamanho controle sobre os meios de produção permitia ao Estado uma
atuação constante e sólida sobre o planejamento e o funcionamento da produção em
si. Através de metas colocadas às direções das empresas e deliberações acerca da
alocação de matérias primas e dos fluxos de recursos creditícios, o governo central
detinha alto grau de influência sobre as decisões de investimentos e a criação de
empregos urbanos, como se estivesse, na prática, submetendo a produção industrial
chinesa a uma planilha insumo-produto comandada de forma centralizada.
O que se tem como resultado desses esforços é um crescimento anual de
9,2% da economia chinesa entre 1952 e 1957, a preços constantes (NBS - NATIONAL
BUREAU STATISTICS, vários anos), com o setor secundário tendo acrescida sua
participação no PIB de 21% a 30% no mesmo período, em detrimento do setor
primário14, cuja participação caíra de 50% a 40% (Figura 2). Este é apenas um dos
recorrentes momentos em que tal combinação de movimentos, explicitada a partir dos
dados oficiais do governo chinês, é observada.
Como se notará ao longo da leitura, este trabalho fará um esforço em
apresentar a mesma perspectiva para outros períodos, procurando sinalizar os
motivos para o crescimento relativo estrutural do setor secundário. Cabe, aqui, no
entanto, uma ressalva metodológica. Os dados publicados pelo governo chinês
secundário, por sua vez, contempla o que o governo chinês chama de “indústria” e “construção”.
35
15 Para dados alternativos àqueles publicados pelo governo chinês, ver Maddison & Wu (2007).
36
Figura
Gráfico2 2- PIB
- PIBchinês
chinêspor
porsetor
setordadaeconomia
economia
De
De1952
1952aa1978,
1978,em
em%
%do
dototal
totaldo
doPIB,
PIB,aapreços
preçoscorrentes
correntes
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
16 Em maio de 1956, Mao teria recitado um poema em reunião privada dos líderes do Partido
Comunista, mostrando-se inclinado a permitir que vozes críticas pudessem aflorar para enriquecer o
debate sobre a condução do desenvolvimento chinês. Surgem, então, variadas pressões contra o
regime comunista, as quais se tornam ainda mais agudas diante do surgimento de variados problemas
derivados do acelerado ritmo de transformação imposto no período anterior – seja concernente à
incorporação de trabalhadores no setor público, que ocorreu de forma bastante rápida, seja em relação
37
18% da produção de carvão e eletricidade e de 33% do crescimento do setor industrial como um todo
(GONÇALVES, 2006).
38
18 Segundo Nabuco (2009) havia cerca de 1 milhão de fornos siderúrgicos de quintal, os quais se
caracterizavam por grande ineficiência produtiva.
19 Refeitórios, por exemplo, consistiam em um dos serviços oferecidos aos residentes das comunas.
39
20 Nogueira (2011, p. 41) afirma que os lucros das empresas estatais cresceram de RMB 11,4 bilhões
para RMB 49,3 bilhões entre 1956 e 1979.
21 Segundo Nogueira (2011), a política de incentivos materiais podia variar de comuna para comuna e
coletivo, concedendo às suas famílias maior quantidade de alimentos a ser recebida, tal recompensa
dependeria do desempenho da produção coletiva, que precisaria gerar excedentes após os gastos com
energia, insumos, vendas obrigatórias ao Estado e a formação de reservas dos bens agrícolas.
Ademais, sob o princípio de que ninguém deveria ficar sem receber um mínimo de alimentos, mesmo
um camponês que não tivesse se dedicado aos trabalhos coletivos receberia uma parcela da produção.
23 Carvalho (2014) afirma que, desde o início da década de 1950, até 1958, a produção agrícola crescia
1958, 170 milhões de toneladas em 1959 e 143 milhões de toneladas em 1960. O nível de 1958 só
seria ultrapassado oito anos depois.
40
acordo com os dados per capita reunidos por Nogueira (2011)25, tal redução resultou
em forte queda na média de alimentos por pessoa, que chegou a 310 quilos em 1959
e 270 quilos em 1960, conforme observado na Figura 3:
Figura 3 -3Produção
Gráfico total
- Produção e per
total capita
e per dede
capita alimentos nana
alimentos China
China
De
De1952
1952aa1978,
1978,em
emtoneladas
toneladaseekg,
kg,respectivamente
respectivamente
500
400
300
200
100
Produção de alimentos (em milhares de ton) Produção per capita de alimentos (em Kg)
25Nabuco (2009) apresenta dados discriminados para um gênero alimentício – os grãos. Em 1957,
cada habitante do campo teria, em média, acesso a 207 quilos deste bem. Esta quantidade cairia, em
1958, para 201 quilos, reduzindo-se, em 1959, 1960 e 1961 para 183 quilos, 156 quilos e 154 quilos,
respectivamente. Diegues e Milaré (2012), afirmam que a produção absoluta de grãos decresceu de
195 milhões de toneladas em 1957 para menos de 150 milhões de toneladas em 1960.
41
final da década de 1950, com chuvas que impediram melhores resultados das
colheitas. Nogueira (2011) afirma que metade da área cultivável do território chinês
sofrera fortes inundações nos anos de 1959 e 1960. O segundo elemento, de acordo
com vários autores, como a mesma autora recém mencionada e Medeiros (2008b),
sugere que os esforços para o fortalecimento da indústria teriam sido feitos às custas
da agricultura, seja por meio de direcionamento de investimentos, seja pela
realocação de mão de obra. Há, em decorrência da prioridade dada à indústria, um
grande fluxo de trabalhadores da produção agrícola para as recém-criadas indústrias
rurais ou mesmo para as unidades fabris localizadas em regiões urbanas. Chow
(1993) mostra que, de 1957 a 1960, a agricultura teria perdido quase 23 milhões de
trabalhadores, sendo que, até 1959, a redução da mão de obra teria alcançado mais
de 30 milhões de trabalhadores. A soma dos setores industrial, de construção, de
transporte e de comércio, por sua vez, teria ganho um montante de 54 milhões de
trabalhadores de 1957 a 1959 e de 44 milhões entre 1957 e 196026.
Em termos de participação no PIB, as atividades primárias perdem incríveis
17 pontos percentuais em três anos – de 1957, quando representa 40% do PIB, a
1960, quando a participação alcança 23% -, passando a recuperar-se um ano depois,
quando sua participação aumenta em 9 pontos percentuais, para 32% (Figura 2). As
consequências mais evidentes de tal movimento para o processo de industrialização
estariam centradas nas já citadas dificuldades de suprimento alimentar que poderiam
se agravar a partir do desequilíbrio dos setores primário e secundário.
Dificuldades extras ao Grande Salto Adiante derivariam, ainda, das
mudanças da conjuntura geopolítica ou, mais especificamente, da ruptura da
cooperação soviética com a China, relação que se deteriorava desde a morte de
Stálin, no início da década de 1950. Três acontecimentos citados por Carvalho (2014)
servem como parte dos ingredientes do afastamento entre China e União Soviética.
São eles: 1) o posicionamento de Nikita Khrushchev, secretário geral do Partido
Comunista da URSS, contra o programa do Grande Salto Adiante; 2) o
posicionamento chinês contra as relações internacionais conduzidas pelos soviéticos
em relação a países comunistas, as quais seriam caracterizadas por um
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980
Indústria Leve Indústria Pesada
O peso do setor secundário no PIB chinês, por sua vez, passa de 30%, em
1957, a 44%, em 1960 (Figura 2). Esta evolução pode ser demonstrada, também, pelo
crescimento real de mais de 103% do PIB industrial entre os anos mencionados, de
acordo com dados oficiais apresentados pelo (NBS - NATIONAL BUREAU
STATISTICS, vários anos)28. Para efeitos de comparação, o decrescimento real do
setor primário teria sido de aproximadamente 29%, enquanto o setor de Serviços teria
crescido 42%, no mesmo período. O PIB, por sua vez, teve crescimento de 32%, o
que corresponde a uma taxa anual média de 9,6%. Os valores, que tornam explícita
a prioridade dada à indústria, podem ser observados na Tabela 1:
28 Maddison & Wu (2007), em revisão dos dados oficiais, sinalizam que o crescimento do PIB industrial,
entre 1957 e 1960, teria sido próximo a 90%. O setor de Serviços teria crescido pouco mais de 15%,
enquanto o setor primário teria sofrido encolhimento de quase 30% em seu PIB. O PIB total chinês teria
tido ampliação de quase 11% entre 1957 e 1960. Embora discrepantes, os dados estimados no artigo
não colocam sob dúvida o expressivo desempenho do setor industrial frente aos outros.
44
29 Os dados estimados por Maddison & Wu (2007) mostram recuperação do PIB agrícola de 16,7%,
entre 1961 e 1963, e de 32%, até 1964. O PIB industrial, por sua vez, teria tido crescimento de 4,8%,
de 1961 a 1963, e de 35,5%, até o ano seguinte. O PIB total teria crescido 31,6%, de 1961 a 1964.
45
Socialista, que buscava conter o desvirtuamento dos valores socialistas, o lançamento de um livro de
Citações do Presidente Mao Tsé-Tung, a ser distribuído entre membros do Exército de Libertação
Popular, e a retirada de insígnias militares, “como uma demonstração do compromisso do ELP com o
igualitarismo” (Carvalho, 2014, p. 13).
31 Segundo Naughton (2006), os investimentos caem para 25% do PIB, em 1967, não atingindo 30%
33 Quanto à repartição da população entre campo e cidade, Nogueira (2011) mostra claramente, com
utilização de dados do NBS (1981), que, de 1970 a 1975, o meio rural ganha cerca de 85 milhões de
habitantes, enquanto as áreas urbanas adquirem 9 milhões de novos moradores. Estes dados
consideram não só o processo de migração, mas também os nascimentos e mortes em cada região.
34 Em 18 anos de 1953 a 1971, apenas em 4 a taxa de crescimento do setor primário superou aquela
do setor secundário.
49
de bens alimentícios, o qual, do contrário, consistia em uma questão crítica já, pelo
menos, desde o início do período Mao.
A alternativa escolhida para lidar com o problema consistiu na adoção de
um regime de austeridade, comandado por Zhou Enlai, primeiro-ministro desde 1949,
e, posteriormente, por Deng Xiaoping, que o substitui quando problemas de saúde o
impossibilitam de continuar no cargo, a partir de 1976. Há uma leve redução do ritmo
de crescimento do investimento, que em 1972 e 1976 chega a encolher pouco menos
de 10%, em relação aos anos anteriores. Nos demais anos que transcorrem entre
1972 e 1977, as inversões sempre têm aumentos de menos de 20% em relação aos
anos anteriores – taxas bem menores do que as verificadas em alguns momentos do
período Mao Tsé-Tung, como em 1953 e 1956, durante os picos gêmeos, em 1958 e
1959, sob a vigência do Grande Salto Adiante, de 1963 a 1966, enquanto era gestado
o III Front, e em 1970, com a reafirmação do modelo maoísta, na recuperação
posterior à Revolução Cultural. Nestes anos - é importante recordar - o acréscimo de
inversões – as quais, de forma geral, dependiam essencialmente de esforços do
governo chinês, tanto em seus âmbitos locais, quanto, principalmente, em sua esfera
central -, chegou a alcançar cerca de 55% e nunca esteve abaixo de 20%, de um ano
para o outro (NAUGHTON, 2006)
O plano de austeridade e a contenção dos investimentos – com redução
em 1972 e 1976 e leve expansão em 1974 -, acabaram por representar uma
importante contribuição ao fraco desempenho da economia chinesa, que cresceu
apenas 2,3% em 1974 e encolheu 1,6% em 1976 (NBS - NATIONAL BUREAU
STATISTICS, vários anos). Da perspectiva setorial, o setor secundário cresceu
apenas 1,4% em 1974 e encolheu 2,5% em 1976, enquanto o setor primário teve
redução de 0,9% em 1972 (como já mencionado), de 1,8% em 1976 e de 2,2% em
1977.
50
35De acordo com Naughton (2006), este plano abrangeria 120 projetos de larga escala, voltados, em
sua maioria, para a indústria pesada. Dentre eles, estavam 10 novos campos de exploração de óleo,
30 plantas do segmento de produção energética e 5 novos portos. O objetivo era promover a aceleração
definitiva do crescimento chinês.
52
função de metas irreais traçadas a partir de estimativas problemáticas, seja por conta
de dificuldades ainda impostas pelo caráter da economia chinesa, especialmente no
que diz respeito aos empecilhos para importar bens de capital36.
A década de 1970 encerrava-se na China, enfim, com grandes
transformações políticas internas, derivadas também das mudanças concernentes ao
cenário externo. A consolidação de uma revolução verde, que proporcionava variadas
frentes de desenvolvimento tecnológico para a agricultura chinesa, resultaria num
aumento da produtividade deste setor, aliviando parcialmente, juntamente com a
melhoria das infraestruturas de irrigação e transporte, os gargalos impostos pela
exportação de bens do campo às cidades.
Também de crucial importância é a evolução do quadro demográfico chinês
na década em questão. As políticas públicas e o desenvolvimento industrial das
décadas de 1950 e 1960 haviam resultado em sensível decréscimo da taxa de
mortalidade – segundo Maddison (1998), a mortalidade infantil teria caído de 37,0, em
1952, a 18,2, em 1978, para cada mil crianças - e permanente acréscimo da taxa de
natalidade, provocando um aumento significativo da população do país – os dados
compilados por Maddison (1998) indicam que a população chinesa crescera de pouco
mais de 543 milhões de pessoas, em 1949, para pouco mais de 956 milhões, em 1978,
o que representa um crescimento médio anual da ordem de 1,96%37.
Na década de 1970, o efeito aparente é uma grande ampliação daquela
parcela da população que estava em idade reprodutiva, prolongando o acréscimo
populacional para as décadas seguintes. Como resposta, o governo chinês lança mão,
nos 1970, de uma série de políticas destinadas a conter tal tendência, seja através da
promoção de casamentos mais tardios, de restrições ao nascimento de bebês ou de
estímulos a maiores intervalos entre os nascimentos de crianças nas famílias
chinesas. É na década de 1970, ainda, que, por razão da composição da pirâmide
etária, a China vivencia período de baixa taxa de dependência, com um grande
número de pessoas em idade de trabalho diante de quantidade relativamente reduzida
de idosos e crianças. Tais condições concedem à China não somente vantagens em
36 Tais importações dependiam, por exemplo, das receitas com atividades de exploração de petróleo,
as quais entraram em exaustão antes do previsto, não rendendo tantos frutos como se imaginava
(Naughton, 2006)
37 As estatísticas são similares aos dados oficiais publicados pelo NBS (1981), no Statistical Yearbook
referente ao mesmo ano, que considera uma população de 550,8 milhões de pessoas em 1950 e de
970,9 mi de pessoas em 1979.
53
Uma breve síntese da Era Mao deve levar em conta que, ao lado de
constantes mudanças conjunturais na condução da política econômica, esforços
quase que permanentes foram observados no sentido de promover o desenvolvimento
e consolidação de uma indústria pesada, de ampliar os serviços oferecidos e fortalecer
a coordenação econômica empenhada pelo Estado, de possibilitar a desconcentração
espacial da produção industrial e de resolver o histórico problema de transferência de
recursos produzidos pela economia rural e utilizados no meio urbano, ainda que parte
destes objetivos não tenham sido alcançados – em especial, o último citado.
Pode-se notar alguma redução da concentração da indústria, com
incentivos, por exemplo, para que unidades produtivas dos segmentos produtores de
insumos básicos passassem a se localizar próximas às fontes de matérias primas.
Alguns esforços estiveram orientados a criar economias regionais, de modo a tornar
as regiões relativamente autônomas, habilitando-as a produzir o que a população local
consumia. Ruiz (2006) destaca que, por este motivo, foi possível perceber uma queda
do comércio interregional na China, abrindo espaço para o crescimento do comércio
intrarregional. Dados de Maddison (1998), apresentados por Nogueira (2011),
mostram que de um total de 29 províncias, 23 tinham produção industrial per capita
abaixo da média nacional em 1957. Destas, 17 aumentaram suas produções per
capita em taxas maiores do que a média nacional, até 1979 – para uma das províncias
restantes, não há dados disponíveis. Das cinco províncias do Nordeste e do Norte
chinês que tinham produções per capita bem superiores à média nacional em 1957 –
Tianjin chegava a ter 1.112% da média nacional -, quatro tiveram decrescimentos em
suas produções per capita até 1979. Somente Pequim teve um resultado positivo.
Nogueira (2011) calcula uma relação entre as produções industriais per capita das
províncias ricas e pobres e chega à conclusão de que, se em 1957, a relação era de
52:1, em 1979, ela passou a 31:1, atestando uma evidente desconcentração regional
da indústria chinesa durante os anos tratados.
54
fertilizante de nitrogênio (AGLIETTA & BAI, 2013)– sobre este último elemento, vale
dizer que a produção de fertilizantes, segundo Nogueira (2011), cresceu em mais de
dez vezes, de 1963 a 1972.
Dados tais esforços, as explicações para o baixo crescimento da
produtividade agrícola recaem, frequentemente, sobre a incapacidade do trabalho nas
comunas em gerar incentivos materiais suficientes para um crescimento maior da
produção. Nogueira (2011) alerta, no entanto, para a estratégia estatal em tornar as
províncias autossuficientes, o que lhes legou baixíssimo grau de especialização e
baixo usufruto de vantagens de escala.
A taxa de investimentos na economia, por sua vez, apresentou tendência
de expressivo crescimento. Aglietta & Bai (2013) apontam que, de um patamar
próximo a 20% do PIB, no início da década de 1950, o investimento decolou para
quase 40% do PIB ao final do período Maoísta, nos últimos anos da década de 1970,
sendo que chegou a quase 45% ao final da década de 1950, durante o Grande Salto
Adiante. Estes investimentos se concentraram em setores da indústria pesada – cujo
peso aumentou de 29,3% a 52,8% do PIB industrial, entre 1950 e 1980 -, o que
correspondeu a uma estratégia de constituição de plantas de grande porte, com alto
potencial de encadeamento a outros setores, exigentes de inversões de longo prazo
de amortização, persistindo baixa rentabilidade por grandes períodos e impondo uma
tendência permanente à desaceleração do crescimento econômico. Eram inversões
centralmente planejadas e guiadas por projetos estatais, voltadas para a demanda
interna de outros segmentos e, muitas vezes, às estratégias militares, o que se atesta,
inclusive, pelas decisões de desconcentração territorial e interiorização de tais
unidades produtivas. A estrutura industrial era própria de baixo grau de abertura ao
capital estrangeiro – de forma distinta às estratégias levadas a cabo em Taiwan e
Hong Kong, onde houve prioridade inicial a indústrias leves, com importantes decisões
de inversão tomadas por agentes privados e voltadas aos mercados de bens de
consumo estrangeiros, além do doméstico (NAUGHTON, 2006). A estratégia chinesa
do período Maoísta dependia, ademais, do que Medeiros (1999) chamou de
“acumulação primitiva socialista”, com compressão do consumo através de
instrumentos como o controle de salários urbanos. Naughton (2006) indica que
enquanto a Formação Bruta de Capital Fixo cresce 10,4% ao ano, em média, entre
1952 e 1978, o consumo tem taxa de crescimento anual de apenas 4,3% no mesmo
período.
56
CAPÍTULO II
O início do pós-maoísmo
mão de obra para as cidades, a agricultura e as atividades fornecedoras de matérias primas industriais
seriam parcialmente desmobilizadas, obstaculizando o processo de industrialização. Por outro lado, se
se impusessem limites à atratividade do trabalho na indústria - evitando, assim, o abandono de
atividades do campo -, o próprio setor industrial poderia carecer de força de trabalho necessária ao seu
alargamento.
39 Os dados apresentados pela estimativa de Maddison & Wu (2007) mostram uma queda mais
pronunciada do setor primário de 1978 a 1990 e um evidente ganho de participação do setor industrial,
no mesmo período.
59
41 A 3ª Sessão Plenária do 11º Comitê Central, em 1978, é tida como o início oficial das reformas
chinesas (Aglietta & Bai, 2013)
42 À época, o Primeiro-Ministro Zhou Enlai havia proferido discurso com as referidas intenções, durante
Cingapura, por sua vez, teve taxas de crescimento de 7,4%, 7,5% e 8,7% nos anos de 1976, 1977 e
1978, respectivamente. A economia chinesa, sem contabilizar o crescimento de Hong Kong, encolheu
1,6% em 1976 e teve crescimento de 7,6% em 1977 e 11,7% em 1978. Nos anos anteriores, no entanto,
chegou a experimentar taxas de crescimento mais baixas - em 1972 e 1974 crescera 3,8% e 2,3%,
respectivamente. O crescimento do PIB per capita evidencia ainda mais as disparidades desfavoráveis
61
exigia das lideranças que substituiriam Mao Tsé-Tung uma revisão da forma como se
conduzia a economia, de modo a evitar o latente agravamento do atraso no
desenvolvimento do país, em comparação com seus vizinhos.
Ainda no plano internacional, operava-se um relaxamento das tensões
entre os blocos capitalista e socialista no âmbito da Guerra Fria - os anos 1970 foram
de aproximação entre a China e os Estados Unidos, com a visita de Nixon ao território
chinês, em 1972, e o reconhecimento da legitimidade do governo liderado pelo Partido
Comunista Chinês, em 197844. De acordo com Aglietta & Bai (2013), o regime
comunista finalmente deparava-se com o alívio das ameaças militares externas e com
um mundo mais receptivo ao aprofundamento da inserção global chinesa, num
ambiente que reduzia o custo que tal movimento teria para a soberania do país45.
Dispondo de melhor relacionamento com países mais desenvolvidos, as autoridades
chinesas avaliaram que tal inserção representaria uma oportunidade diante do
reconhecido atraso econômico relativo acumulado até então. Algumas das
importantes operações junto ao mundo externo foram as grandes compras, ao final
da década de 1970, de equipamentos, tecnologias e bens agrícolas, os quais
prometiam elevar o potencial de acumulação e suprir gargalos que obstaculizavam o
processo de desenvolvimento. Tais compras legaram ao país asiático uma alta
despesa, que só poderia ser suportada diante da atração de divisas estrangeiras -
preferencialmente, na visão do governo chinês, por meio de exportações.
No front interno, os desequilíbrios entre a produção agrícola e as demandas
oriundas do crescimento industrial, gerados pelo Grande Salto Adiante a partir do final
da década de 1950, haviam desencadeado uma obsessão por gerar ganhos de
produtividade ao setor primário e à indústria leve, deixados em segundo plano durante
o Salto. O avanço tecnológico e da produção científica, a flexibilização das regulações
estatais concernentes à produção e à comercialização e a abertura da economia para
o mundo eram pilares que sustentavam a proposta de reforma, cuja essência consistia
à China – enquanto esta teve retração de 3,1% em 1976 e crescimento de apenas 0,2% em 1974 e de
6,8% e 6,1% em 1975 e 1977, a Coreia do Sul tem taxas sempre acima de 7,5% desde 1973 (com
exceção de 1975, quando foi de 6,1%) e a Cingapura tem crescimento de 1,% em 1971, 11,4% em
1972, 9,1% em 1973, de 6% em 1976 e 1977 e 7,4% em 1978, sem ter tido nenhuma retração em toda
a década de 1970 (Banco Mundial, 2018).
44 A aproximação americana à Pequim ocorria no contexto da estratégia estadunidense em isolar a
Já em 1979, o preço pago aos grãos produzidos para servir à cota estabelecida
crescera 20%, enquanto os preços pagos aos grãos excedentes foram definidos em
patamar 50% acima do preço usual de demanda. Em 1985, o Conselho de Estado
Chinês decide suspender a destinação obrigatória de grãos ao governo, embora o
ente estatal continue adquirindo os bens a preços inflados e oferecendo-os às cidades
a preços subsidiados. Assiste-se, no entanto, ao progressivo ganho de importância de
canais comerciais alternativos, que se incumbiam de levar a produção agrícola direto
ao mercado46 (AGLIETTA & BAI, 2013).
Ao lado da política de preços e compras, as reformas no campo também
se apresentaram como maior liberdade à administração da produção. Com a
permissão aos coletivos agrícolas para modificarem as formas de pagamento aos
agricultores, o sistema recorrente de pontos de trabalho passou a dar mais peso aos
resultados da colheita do que aos esforços empenhados pelos produtores. Na maioria
dos casos, no entanto, o regime de pontos foi abolido, dando lugar a um modelo que
concedia maior responsabilidade de gestão às famílias47, as quais, mediante
contratação para uso das terras, passaram a organizar a produção de forma mais
racional, vislumbrando a possibilidade de reter parte da colheita para si próprias
(AGLIETTA & BAI, 2013). Naughton (2006) afirma que, ao final de 1981, 90% das
famílias rurais chinesas já produziam sob os moldes baseados na unidade familiar48,
os quais se tornariam um padrão quase universal no meio rural chinês, até 1983.
Oliveira (2005) atribui a mudança à percepção, pelo governo, de que a organização
coletiva da produção no campo não havia apresentado os resultados esperados no
que tange à diversidade e à quantidade ofertada de gêneros alimentícios.
A passagem entre as décadas de 1970 e 1980 marca, ademais, algum
avanço, ainda que tímido, do incremento técnico na agricultura chinesa. Apesar da
área irrigada, que havia dobrado entre 1952 e meados dos anos 1970, manter-se
estagnada até o final da década seguinte49 e da produção de pesticidas encolher
46 Para algodão, a exclusividade de venda da produção ao governo foi eliminada em 2000. Para outros
gêneros, como grãos básicos e fertilizantes, tal política durou mais tempo (Naughton, 2006).
47 Liu & Zhang (2010) relatam que o fim do sistema coletivo e a difusão do sistema de responsabilidade
familiar na agricultura foi fruto menos de iniciativa do governo central ou das autoridades provinciais e
mais da decisão dos próprios camponeses, os quais, em muitos casos, viam-se diante de graves
dificuldades em função dos baixos resultados da produção.
48 Nogueira (2011) afirma que a estrutura produtiva agrícola era fragmentada em lotes de, em média,
quase 70% entre 1978 e 1983, o uso de fertilizantes químicos dobra entre os mesmos
anos, permitindo que se reconheça a herança legada do período maoísta. A
Revolução Verde, em especial, que, se desde meados da década de 1960 até o final
dos anos 1970 culminara em importantes avanços tecnológicos, como a difusão de
modernas sementes50, resultantes de investimentos na constituição de institutos de
pesquisa, permite à agricultura, na década de 1980, partir de um patamar menos
preocupante dos níveis de produtividade, gerando até mesmo a possibilidade de
ganhos futuros com o desenvolvimento técnico posterior, fundado na
institucionalidade criada.
O que se percebe, até meados da década de 1980, é um rápido
crescimento da produção agrícola, o que também se dá em função das
reestruturações operadas em sua forma de organização. Se, de um lado, há redução
dos dias gastos pelos trabalhadores na lavoura, permitindo a ampliação da
diversidade de culturas e da dedicação de trabalho a outras atividades que não
agrícolas, por outro, verifica-se a superação, ao menos provisória, dos gargalos
representados pela escassez historicamente recorrente de gêneros alimentícios na
estrutura produtiva chinesa. A produção per capita de grãos do país cresce,
anualmente, 3,8% entre 1978 e 1984 (NOGUEIRA, 2011) e a produção absoluta
cresce 2,2% ao ano em média, entre 1977 e 1979, e 4,1% ao ano entre 1983 e 1985,
quando a China se torna, pela primeira vez desde o Grande Salto Adiante, exportadora
líquida do bem (NAUGHTON, 2006)51. Em quantidades absolutas, a produção de
grãos passa de menos de 300 milhões de toneladas anuais, antes de 1978, para 407
milhões, em 1984 (LIU & ZHANG, 2010). Tal desempenho é discutido por Nogueira
(2011), que afirma que a justificativa comumente apresentada por parte da literatura
recorre aos novos incentivos concedidos ao trabalho baseado, agora, na unidade
familiar. A autora chama atenção, no entanto, para o abandono do ineficiente arranjo
produtivo prévio, o qual Medeiros (1999) caracterizou como uma “coleção de
economias regionais de baixo grau de especialização”, carentes de ganhos de escala,
em função da estratégia maoísta de imputar autossuficiência local às regiões
50 Exemplos são as sementes de milho e sorgo híbridos e variedades de arroz para produções em larga
escala (Nogueira, 2011).
51 Nogueira (2011) apresenta dados que atestam o crescimento da produção também de outros gêneros
agrícolas, como carne, algodão e óleos vegetais. Afirma, ademais, que 1983 foi o primeiro ano em que
os camponeses ofereceram ao Estado mais grão do que ele queria ou do que ele poderia estocar,
desde a fundação da República Popular da China.
65
52 A posse da terra continuou a ser do Estado ou da coletividade local, o que representava uma
resistência aos processos de valorização imobiliária que, em outros países, culminaram na expulsão
do pequeno trabalhador de seus meios de sobrevivência.
53 De acordo com Naughton (2006), as TVEs especializaram-se, especialmente antes de 1978, em
54Nogueira (2011) calcula que, em 1985, as cooperativas respondiam por quase 48% dos empréstimos
destinados às TVEs.
67
55A partir de 1990, as TVEs passam também a deter fatia importante das exportações chinesas – 25%
em 1990 -, além de atender mais efetivamente as áreas urbanas (Nogueira, 2011).
68
56Liu & Zhang (2010) ressaltam que uma das importantes preocupações que motivaram a constituição
das ZEE’s foi a escassez de capital para investimento e de moedas estrangeiras – especialmente o
dólar – na economia doméstica chinesa.
70
57 Ademais, o presidente do conselho diretivo da empresa inversora deveria ser cidadão chinês (Zhang,
2010).
58 A empresa tinha de respeitar limite mínimo dado pelo preço estabelecido pelo Estado (Zhang, 2010).
59 Nogueira (2011) usa, como referência, a metodologia desenvolvida por Ravallion & Chen em conjunto
60
50
40
em %
30
20
10
0
1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990
60Os dados de Maddison & Wu (2007) mostram a manutenção da participação do setor industrial de
1978 a 1985 em 37% do PIB e a queda do peso do setor primário de 34% a 36% do PIB.
61Compara-se a variação da produção total (quantidade vezes valor) a preços constantes e a preços
correntes, de forma a se poder calcular qual é a contribuição da variação de preços, de forma isolada,
na variação do valor total produzido.
72
62Nogueira (2011) diz que os custos dos subsídios dos grãos, a partir das compras feitas pelo Estado,
haviam atingido 14% do orçamento em 1984.
75
63 Zhang (2010, p. 20) lista diversos autores que atestam tal fato.
64 Na primeira fase, até 1986, as áreas de tratamento preferencial ao IDE entrante restringiam-se às
quatro Zonas Econômicas Especiais mencionadas, somadas a duas províncias (Guangdong e Fujian),
à ilha de Hainan e a 14 cidades costeiras, cobrindo um total de 117 cidades e xians. Na segunda fase,
a partir de 1986, seriam 11 províncias costeiras que compreenderiam 288 cidades e xians.
76
65Em Maddison & Wu (2007), a agricultura sai de 32% para 29% do PIB e o setor secundário cresce
de 37% a 40% do PIB, entre os anos de 1985 e 1990. O setor terciário, por sua vez, tem relativa
estabilidade, permanecendo entre 31% e 31%.
77
Figura 6 -6Taxa
Gráfico dede
- Taxa crescimento anual
crescimento dodo
anual PIB dada
PIB China
China
De 1978 a 1991, em %, em relação ao ano anterior, a preços constantes
De 1978 a 1991, em %, em relação ao ano anterior, a preços constantes
15,2
16
13,5
14
11,7 11,6 11,3
12 10,9
8
5,2
6
4,1 3,8
4
0
1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991
66 De acordo com dados apresentados por Naughton (2006), o crescimento de segmentos como
eletrônicos e equipamentos de comunicação, móveis e produtos de plástico esteve acima da média
entre 1980 e 1995, com taxas superiores a 20% de expansão.
78
Gráfico7 7- Investimento
Figura - Investimentototal
totalem
emativos
ativosfixos
fixosnanaChina
China
Divididopor
Dividido pororigem
origemdo
doinvestimento,
investimento,de
de1980
1980aa1990,
1990,em
em%
% do PIB
35
30
6,7 6,9
6,4
25
6
3,8 4,6 4,8
4 5,7 6,1
20 5,4 3,7 5,4
2,6
3,7 3,3 3,3 3,4
2,6 2,9
em %
1
15 2,4
0
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990
67 Considerados, aqui, os investimentos realizados por empresas de posse coletiva, como as TVE’s.
79
68Chernavsky & Leão (2010) mostram que a participação das exportações chinesas no comércio
exterior global é de cerca de 1,5% em 1986, atingindo 3% em 1993 e superando 4,5% somente em
2001.
80
6
RMB / US$
0
1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010
Fonte: Dados relativos à taxa de câmbio nominal foram extraídos de NBS (2007) e dados referentes à taxa de
câmbio real foram calculados pelo próprio autor, com base nos Índices de Preço ao Consumidor da China e dos
Estados Unidos, com base 2010 = 100, extraídos de FMI (2019).
69 Os dados do Índice Nacional de Preços para a China referentes ao período anterior a 1986 não
estavam disponíveis e, por isso, a taxa de câmbio não foi calculada para estes anos.
70 O mercado de câmbio seria reunificado em 1994.
71 A China permitia transações comerciais com o exterior apenas a empresas estatais que tivessem
uma licença concedida pelo governo central. A partir das reformas de 1978, no entanto, observa-se um
movimento de descentralização da concessão desta autorização, e o número de empresas autorizadas,
81
A exportação de capitais pela China, por sua vez, cuja magnitude e traços
gerais estariam intimamente atrelados ao ganho de relevância e à transformação do
perfil das exportações, se apresentariam, nos anos 1980, ainda como elementos
incipientes na estrutura econômica do país. Como será destacado no Capítulo IV, os
fluxos de IDE chinês não superariam US$ 1 bilhão em valores correntes antes do início
da década de 1990 (UNCTAD, 2019), tendo um pico acima de US$ 5 bilhões somente
em 2001, quando acumulavam US$ 35 bilhões em estoque.
A despeito do alto crescimento verificado ao longo da década de 1980, seus
anos finais guardam a deterioração da situação econômica e a emergência de
importantes reflexos sociais e políticos. Se, de um lado, o trabalhador do campo tinha
sua renda subtraída com o fim do sistema de cotas72, por outro, verifica-se o aumento
da desigualdade social, a qual se expressa, basicamente, pela desigualdade entre o
campo e a cidade (NOGUEIRA, 2011). Aglietta & Bai (2013) destacam a dependência
das receitas do governo central pelas receitas das SOE’s - tal como ocorria com os
que era de 12, em 1980, passa a mais de 5000 em 1988, - muitas das quais criadas por esferas
governamentais subnacionais.
72 A renda do agricultor teria se reduzido 10% em média em 1985, segundo Nogueira (2011).
82
governos locais - para explicar a deterioração que toma conta das finanças públicas
na segunda metade da década de 1980. De um lado, as SOE’s veem suas
rentabilidades prejudicadas com o aumento da concorrência derivada, no campo, de
novas TVE’s, nas cidades, de novas pequenas e médias empresas privadas e, nas
regiões costeiras, de novas empresas estrangeiras. De outro, sublinha-se o fracasso
do sistema de contratos fixos que passam a ser vigentes entre diferentes âmbitos de
governo. De acordo com suas regras, o repasse de recursos dos governos locais ao
governo central passaria a dar-se por valores nominais preestabelecidos. Três eram
as principais consequências deste sistema, segundo os autores: 1) a impossibilidade
do governo local de usufruir de ganhos derivados do alto crescimento; 2) a erosão dos
valores reais repassados, quando do aumento geral dos preços; 3) a difusão de um
risco moral, uma vez que os governos locais não podiam ser responsabilizados por
maus resultados econômicos e, consequentemente, por repasses mais baixos – o
governo central continuava tendo de exercer seu papel de transferir recursos a SOE’s
com problemas financeiros, bem como de preservar o nível de emprego em
conjunturas adversas. A degradação das contas do governo central logo contaminou
o sistema bancário e, posteriormente, teria despertado o processo inflacionário.
Do ponto de vista das variáveis econômicas, a inflação acelera-se já no ano
de 1988, chegando a 20,7%, patamar semelhante ao verificado no ano seguinte,
quando atinge 16,3% (NOGUEIRA, 2011). Este se tornaria o segundo maior pico de
preços desde 1978, ficando atrás somente da inflação de meados dos anos 1990, que
chegou a cerca de 25%. Evidentemente, a percepção de aumento da pobreza e de
desigualdade sentida pela população chinesa ao final da década de 1980 –
especialmente por aquela porção que vivia no campo – era potencializada com a
deterioração do poder de compra de seus salários, que prejudicavam mais
intensamente, por sua vez, grupos sociais residentes das cidades.
De acordo com Kueh (2008, p. 52), os camponeses se beneficiavam de
uma aceleração mais rápida dos preços dos bens agrícolas em comparação aos bens
e serviços ofertados pelas cidades73. Se, de um lado, os trabalhadores industriais
urbanos haviam auferido vantagens a partir de decretos de aumento de salário desde
o final dos anos 1970, mas também a partir da nova política de atrelamento de seus
sistema duplo de preços, as falhas no combate ao descontrole de preços já verificado nos meses
anteriores e a expansão monetária do período prévio (Kueh, 2008).
83
vencimentos aos lucros conseguidos por suas firmas, por outro, uma relevante classe
urbana, chamada por Kueh (2008) de “intelligentsia” chinesa, sentia de uma forma
mais dura as elevações de preço, já que não dispunha de artifícios protetores contra
o problema inflacionário.
Desta classe faziam parte estudantes, professores de escolas e
universidades, e funcionários de institutos de pesquisas governamentais, por
exemplo, os quais acenderam o fósforo que culminou na explosão dos protestos em
grandes cidades chinesas ao final da década de 1980. Além da insatisfação contra o
aumento de preços, levantavam bandeiras contra a crescente emergência de casos
de corrupção entre os burocratas do Estado, os quais aproveitavam o sistema duplo
de preços para capturar lucros indevidos – compravam bens em mercados
controlados pela alocação planejada estatal e vendiam-nos a mercados livres, que
proporcionavam maiores ganhos74. Dentre os itens da pauta política dos protestos,
estava, ainda, o desejo por maior liberdade política, que, segundo Kueh (2008), era
fruto de um clima internacional, caracterizado pela iminente derrocada do socialismo
soviético e pela expansão da influência de uma aparente democracia ocidental,
representada pelo poder político estadounidense que exercia pressões no âmbito de
uma nova ordem global, unipolar. Tais pressões teriam se infiltrado na sociedade
chinesa a partir da crescente entrada de turistas e empresas estrangeiras, mas
também da saída de estudantes chineses para o exterior, os quais, ao voltar à sua
pátria após algum tempo em países ocidentais, traziam consigo experiências políticas
amplamente distintas daquelas que haviam acumulado enquanto não tinham saído da
China. A convivência com novas estruturas e formas de participação na tomada de
decisão do corpo coletivo, as quais refletiam uma relação completamente diversa
entre povo e Estado, consistia num provocante impulso à insurreição contra o modelo
que já enfrentava a onda de contestações.
Evidentemente, a gradativa transformação dos padrões de consumo da
população chinesa também pode ser levantada como um dos elementos que
corroboraram para um cenário de renovada mentalidade da sociedade urbana do país,
levando-a às reivindicações que terminariam com a tragédia da Praça Tiananmen, por
parte das forças coercivas do governo, em junho de 1989.
74 O idioma chinês tem, inclusive, um termo para a prática – “Guandao”, que significa “prática de lucros
oficiais”.
84
CAPÍTULO III
A entrada nos anos 1990 e o novo ciclo de
reformas
75No mercado de aço, por exemplo, percebe-se uma evidente queda das alocações realizadas pelos
governos central e locais já a partir de 1991. Segundo Naughton (2006), cerca de 40 milhões de
toneladas métricas teriam sido vendidas na China em 1986 e um montante de 50 milhões de toneladas
métricas teriam sido alocadas pelo Estado no mesmo ano. Em 1992, pouco mais de 60 milhões de
toneladas métricas representaram as vendas totais e cerca de 40 milhões de toneladas foram alocadas
pelos governos locais e central. Em 1995, a diferença aumentaria – quase 70 milhões de toneladas
métricas vendidas, menos de 10 milhões alocadas pelo Setor Público.
89
76A política fora chamada de “seizing the large and letting go of the small” (Aglietta & Bai, 2013).
77O número de trabalhadores de SOE’s caiu de 107,7 milhões em 1997 para 64,4 milhões, em 2004
(queda de mais de 40%), segundo dados do National Bureau of Statistics of China, apresentados por
Aglietta & Bai (2013).
90
Gráfico9 8- Investimento
Figura - Investimentototal
totalem
emativos
ativosfixos
fixosna
naChina
China
Por origem
Por origem do
do investimento,
investimento, de
de 1989
1989 aa 2000,
2000, em
em %
% do
do PIB.
PIB.
40
35
8,2
30
4,6 10
6,7 10 11,3 11,7
25 10,7 13
10,7
5,1 5,9
6,1 5,5 5,4 5,3
5,4 5,6 5,4
20 5,4 5,2
3,4 3,2
2,9
15
22,9
10 20,6 20,6 19,6 19,4
17,2 18,6 17,7 17,6 18,5
16,6 16,1
5
0
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Outra face das reestruturações dos anos 1990 foi a combinação das
reformas fiscal, bancária, financeira e do setor externo. A reforma fiscal tinha como
principais objetivos: 1) evitar maior deterioração das receitas públicas – recorda-se
que, desde 1978, observara-se uma tendência de queda das receitas do governo
central chinês, o que pode ser justificado pela estratégia de descentralização do poder
durante os primeiros anos de reforma e pela gradual transição para um sistema com
maior participação de empresas privadas – e ampliar a base tributária, sob a intenção
de retomar funções regulatórias e o potencial de interferência macroeconômica na
economia; 2) universalizar condições tributárias mais equitativas em um novo sistema
de forte prevalência de negócios privados; 3) recentralizar recursos no governo central
e formalizar novas regras de compartilhamento de receitas com os governos locais –
abandonando o sistema de contratos fixos, que havia contribuído com a queda real
92
das receitas sob poder do primeiro (Naughton, 2006). Dentre as iniciativas, estão
medidas que alterariam a base do sistema, adaptando-a à nova realidade da estrutura
produtiva. De receitas de companhias estatais, a tributação passaria a assentar-se
crescentemente em taxas incidentes sobre pessoas físicas e jurídicas, dentre as
quais, as novas empresas privadas, incorporando, assim, os atores que estavam fora
do sistema de planejamento estatal. Preservava-se, no entanto, os privilégios às
empresas estrangeiras. Ademais, aboliu-se o sistema de responsabilidade fiscal
(sistema de contratos fixos entre níveis de governo) e estabeleceu-se novo sistema
de divisão percentual das receitas dos tributos, o que provocou imediato aumento dos
recursos disponíveis ao governo central. Por fim, criou-se institucionalidade para
aprimorar a administração tributária, com maior controle sobre a coleta de taxas,
dividida em dois órgãos, responsáveis pelas receitas tributárias federais e pelas
receitas tributárias locais (AGLIETTA & BAI, 2013).
A reforma parece ter surtido efeitos. Naughton (2006) mostra que, de um
patamar de quase 35% do PIB em 1979 e de quase 20% em 1990, as receitas de
todos os níveis de governo haviam descido a pouco mais de 10% do PIB em 1995,
mas retomaram o crescimento, alcançando a porcentagem de cerca de 18% do PIB,
dez anos mais tarde. Os resultados do governo central, por sua vez, também se
mostraram mais positivos. As receitas, que caíram a quase 20% das receitas totais do
Setor Público em 1993 – envolvendo todos os níveis de governo – saltaram a cerca
de 55% das receitas totais estatais já no ano seguinte80. Tal performance permitiu ao
Setor Público exercer poder de influência sobre a economia através de investimentos,
especialmente em cenários que requeriam reforço da demanda agregada, como
durante a crise asiática do final dos anos 1990.
As reformas bancária e do sistema financeiro consistiram em esforços para
1) fortalecer a função do Banco Popular da China (People’s Bank of China – PBC)
como um Banco Central independente, responsável por regular o mercado de crédito
e gerir a política monetária, utilizando gerenciamento de reservas bancárias, taxas de
juros e operações de Open Market como instrumentos para alcançar a estabilidade
monetária; 2) comercializar e internacionalizar o sistema bancário como um todo,
transformando os chamados Specialized Banks81 em State-owned Commercial
82 “Lending decisions were still manly influenced by state directives instead of profitability
considerations“ (Kwong, 2010, p. 19).
83 Para mais informações acerca da reforma bancária e do setor financeiro dos anos 1990, ver
entrada de capital estrangeiro, regra que foi preservada com rigor até o final do século XX, consiste na
possibilidade de absorver maiores ganhos de inovação através desta política.
95
87 Como será relatado adiante, o IDE greenfield é predominante para o total de IDE direcionado à
economia chinesa.
88 O crescimento econômico fora de 12,6% ao ano em média, entre 1991 e 1994 e de 9,6% ao ano em
crise asiática. O país entraria na década de 2000 com recebimento anual de IDE por
volta de 4% do PIB (Figura 10). Em montantes absolutos correntes, o valor inferior a
US$ 5 bilhões, antes de 1990, se transformaria em US$ 30 bilhões depois de 1994 e
US$ 50 bilhões depois de 2002. A porcentagem do IDE sobre todo o influxo de capital
estrangeiro recebido pela China – incluindo investimentos de portfólio e empréstimos
internacionais – também mostrou tendência crescente, passando de cerca de 30%,
em 1987, para 80%, em 1994, e mais de 90%, a partir dos anos 2000.
Naughton (2006) atribui esta característica às restrições impostas pela
China à entrada de capital de portfólio em sua economia, derivadas do entendimento
das autoridades políticas e econômicas de que o afluxo de capitais via IDE legaria
maiores vantagens à economia do país, não somente por permitir apropriação de
novas competências tecnológicas e expertise comercial, mas também por propiciar a
absorção de divisas com objetivos de estadia mais longa, na forma de capitais
produtivos. Quanto à origem destes capitais, embora o principal ponto de partida tenha
permanecido sendo, predominantemente, a economia de Hong Kong, esta perdeu
participação de 1994 a 2004, passando de 58,2% para 31,7% do total. O espaço
perdido por esta fonte foi ocupado pela economia japonesa, que se tornou
responsável por 8,7% dos investimentos diretos estrangeiros, em 2004 (contra 6,1%
em 1994), e pela economia coreana, que cresceu de 2,1% do IDE no início do período
para 10,7% ao final dele (PRASAD & WEI, 2005).
97
de 11% ao final da década de 2000. O setor terciário, por sua vez, ganha bastante
espaço, saindo de 34% para 39%, de 1990 a 2000, e crescendo a 40% nos anos
seguintes89. Kueh (2008) apresenta a alteração dos pesos de cada um dos grandes
setores na estrutura de emprego da economia chinesa. O crescimento da relevância
da indústria é expresso pelo leve acréscimo de 2 pontos percentuais no total de
empregos – de 21,9% a 23,9%, de 1987 a 2005. A agricultura, no entanto, tem uma
forte queda, empregando 60% do total de empregados em 1987 e apenas 44,7% em
2005. O setor de Serviços, mais uma vez, assume movimento contrário, com
crescimento de 17,8% para 31,4% nos mesmos anos.
O conjunto dessas transformações sugere que o crescimento do setor
industrial, mas também do setor urbano de Serviços, teriam se tornado menos
vulneráveis aos constrangimentos antes colocados pela queda de participação do
setor primário, atestando o que fora já explicitado neste trabalho – importantes
avanços seriam logrados logo no início da década de 1980 no que tange aos
problemas relativos à segurança alimentar da população chinesa, enfrentados com o
aumento da produção agrícola naqueles anos90. Ademais, como é natural para
economias que conduzem processo de ganho de peso de suas atividades industriais,
após determinado nível de maturidade deste setor, verifica-se a expansão do setor de
Serviços, que compreende atividades auxiliares à indústria ou próprias da
aglomeração urbana potencializada por ela.
89 Os dados de Maddison & Wu (2007) mostram, entre 1991 e 2003, um ganho de participação da
indústria de 41% a 57% e uma perda de peso relativo dos setores primário e terciário de,
respectivamente, 28% a 16% e 31% a 27% do PIB.
90 Para mais detalhes, ver Kueh (2008, p. 116 – 135).
102
Figura
Gráfico1110- PIB
- PIBchinês
chinêspor
porsetor
setordadaeconomia
economia
De1991
De 1991aa2008,
2008,em
em%
%do
dototal
totaldo
doPIB,
PIB,aapreços
preçoscorrentes
correntes
60,0
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007
91De 4,28 vezes em relação à produtividade do setor primário, a produtividade do setor secundário
passa a 7,16 vezes, de 1990 a 2003. Considerando somente o setor secundário, o produto por pessoa
103
ocupada passa de RMB 10 mil por ano em 1978 para quase RMB 70 mil por ano em 2008, a preços
constantes de 2008 (Nogueira, 2011). A produtividade do setor primário cresce entre 3 e 4 vezes no
mesmo período, saindo de cerca de RMB 3 mil anuais por ocupado para pouco mais de RMB 11 mil.
92 Kueh (2008) admite que podem haver erros nos dados para 1999. A soma das porcentagens de
todos os tipos de empresas não totaliza 100% e o autor acredita que o erro está no cálculo da produção
de empresas estatais. Sua estimativa é de que tais empresas representariam 20,3% e não 28,2% do
valor total bruto da produção industrial, em 1999. Para detalhes, ver Kueh (2008, p. 155).
104
40% 37%
30%
20%
10%
63% 55% 56% 43% 50% 48% 51% 51% 47% 43% 44% 43% 40% 39% 33%
0%
1953 1957 1970 1978 1982 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004
Notas: Deve-se tomar cuidado para comparar os dados intertemporalmente, já que, enquanto os dados anteriores
ao ano de 1988 englobam todas as indústrias, os dados de 1994 incluem apenas indústrias no nível e acima do
nível municipal, e os dados de 1998 a 2004 abrangem empresas de maior escala. Para mais informações a
respeito, ver as notas do gráfico 8.3, em Kueh (2008, p. 148)
Fonte: Kueh (2008). Elaboração própria.
78% 76%
80%
65%
20%
93 Apesar da maior relevância do investimento estatal, vale lembrar, como já discutido neste capítulo, a
importância crescente do investimento privado, mostrada na Figura 9.
94 De acordo com Naughton (2006), a China tinha 1 aparelho telefônico para cada 100 habitantes em
1989 e passou a ter 51 telefones para cada 100 habitantes em 2004 (incluindo celulares), quando os
usuários de internet chegaram a 94 milhões de pessoas.
106
40
30
em %
20
10
Gráfico
Figura 15 14 - Taxa
- Taxa de de crescimento
crescimento anual
anual dodo
PIBPIB
da da China
China
De 1978 a 2006, em % em relação ao ano anterior, a preços constantes
Dede1978.
1978 a 2006, em % em relação ao ano anterior, a preços constantes de1978.
15,2
16 14,2 14
13,5 13,1
14 12,7
11,7 11,6 11,3 11,3
10,9 10,9
12 10 10 10,1
9,1 9,2 9,3 9,1
8,8
10 8,4 8,3
7,5 7,8 7,8 7,6
8
5,2
6 4,1 3,8
4
2
0
geral (de 4% a 6%) (DIEGUES & MILARÉ, 2016). Os três grupos de atividades com
alta participação de valor adicionado no total reforçam a tese de que o
desenvolvimento industrial chinês caracterizou-se para segmentos mais complexos e
tecnológicos, com o destaque para a produção de máquinas e equipamentos de
transporte, que alivia a dependência do país às importações de bens de capital, cuja
centralidade é evidente em uma economia com setor secundário em franca
expansão95. Os três segmentos aqui mencionados serão retomados no Capítulo IV,
uma vez que estão presentes dentre as inversões chinesas direcionadas à economia
brasileira.
O processo de Industrial Deepening também fora sentido pelas
exportações chinesas, que assumem a função de um importante vetor do crescimento,
apresentando-se como sintoma, mas também como motor do processo de
complexificação da indústria.
Como sintoma, a própria transformação da estrutura econômica em direção
a segmentos produtores de bens mais intensivos em tecnologia e com maior valor
agregado permite a gradual metamorfose da pauta exportadora no mesmo sentido, o
que engendra uma alternativa ao enfraquecimento do mercado interno, cujo
protagonismo, medido como participação em relação ao PIB, sofre encolhimento em
função da perda de espaço das indústrias intensivas em mão de obra. Diegues &
Milaré (2014) reúnem dados que indicam que, da perspectiva da demanda, o consumo
participava com 64% do PIB em 1979, tendo seu peso relativo diminuído a 48%, até
2008. O decréscimo da participação do consumo interno se dá muito mais com base
no consumo das famílias do que no consumo do governo, que mantém relativa
estabilidade e é contraposto pelo acréscimo de peso das exportações líquidas (de um
nível próximo a zero para 8%, no mesmo período), e da formação bruta de capital (que
passa de 36% a 44%, com grande relevância da formação bruta de capital fixo, e não
da variação de estoques, que reduz de 8% a 3%).
Quanto ao papel das exportações como motor da complexificação
industrial, vale recordar que, como já discutido neste capítulo, um dos importantes
fatores explicativos de sua expansão fora a entrada de capitais estrangeiros, o que se
95Os autores usaram, para a análise, dados deflacionados, de forma a contornar o efeito da queda de
preços dos bens do complexo eletrônico, obtido pelos ganhos de produtividade advindos das novas
tecnologias. Para uma tabela com índices de preços setoriais, funcionais para a deflação dos dados
obtidos junto ao governo chinês, consultar Milaré & Diegues (2016).
108
96 Em 1993, cerca de 70% das exportações eram realizadas por empresas estatais ou coletivas, pouco
menos de 30% por empresas não-chinesas e um percentual irrisório por empresas privadas chinesas.
Em 2005, as respectivas participações atingem patamares próximos a 25%, 60% e 20%,
respectivamente.
97 Tais moedas sofrem forte valorização, em 1985, mediante a política de contenção norte-americana
Esta porcentagem subiu para 60% em 1992. Do ponto de vista das exportações chinesas, 26,2%
destinavam-se a Hong Kong, em 1985, e 45%, em 1992 (Medeiros, 1998).
109
meados da década de 1990, mas especialmente nos anos 2000, de expansão das
exportações concentradas em bens de maior conteúdo tecnológico, compatíveis com
uma estrutura produtiva sob a gestação de intenso progresso técnico e propiciada
pelo uso da acumulação obtida nas etapas prévias, mas também pela associação bem
sucedida entre o relaxamento de restrições da política de recebimento de IDE e o
estabelecimento de uma efetiva política industrial, que objetivava, a partir de vários
instrumentos comandados pelo Estado, a ascensão do conjunto de empresas e de
atividades produtivas nas cadeias globais de valor.
Figura 16 15
Gráfico – Exportações e Importações
- Exportações chinesas
e Importações e grupos
chinesas de bens
e grupos
exportados
de bens exportados
Em 1980, 1985 e de 1990 a 2008, em % do PIB (para exportações e
importações) e em % da pauta exportadora (para grupos de bens
exportados, em barras)
40% 100%
30%
% da pauta exportadora
20% 50%
% do PIB
10%
0% 0%
Bens têxteis, metalúrgicos, químicos e relacionados, e outros a base de borracha e minerais (eixo
direito)
Figura
Gráfico1716- Composição
- Composiçãodas
dasexportações
exportaçõeschinesas
chinesas
Por conteúdo tecnológico, em anos selecionados, em % do total
70%
60%
50%
40%
Bens com médio conteúdo tecnológico Bens com alto conteúdo tecnológico
Um rápido panorama do que ocorreu na China entre o início dos anos 1990
e a entrada da década de 2000 nos indicará uma combinação entre maior abertura da
economia para investimentos externos, expansão dos mecanismos de mercado e
complexificação da estrutura produtiva e da pauta exportadora do país, o que consistiu
99Presume-se que “outros industrializados” incluem bens como brinquedos e outros manufaturados de
baixo conteúdo tecnológico, como isqueiros e utensílios domésticos.
111
100“Os mecanismos de mercado – a taxa de juros, a taxa de câmbio, a tributação, os preços – são um
instrumento e não um fim em si mesmos; e a abertura econômica assume a condição de eficária que
conduz a uma diretriz operacional, qual seja, alcançar e ultrapassar os concorrentes estrangeiros”
(Cintra & Pinto, 2017).
112
101 Cintra & Pinto (2017) afirmam que Deng Xiaoping também foi responsável pelo fortalecimento do
Estado unitário e centralizado chinês, recuperando “sua condição milenar e imperial de guardião da
unidade e do “interesse universal” do território e da civilização chinesa.
102 Vale lembrar: a expectativa de vida da população chinesa subiu de 42,2 anos em 1950 para 66,4
anos em 1982, no caso dos homens, e de 45,6 anos para 69,4 no caso das mulheres. A porcentagem
de chinesas sem finalizar a formação primária caiu de 74% para 40% entre 1952 e 1978 e a taxa de
analfabetismo reduziu-se de 80% para 16,4% entre os mesmos anos (Nogueira, 2011).
113
tarefas cruciais do Maoísmo foi ter recuperado a estrutura produtiva das condições
degradantes em que se encontrava após o longo período de guerras que se encerra
no final da década de 1940, bem como ter encaminhado a solução das restrições de
exportação dos recursos do campo às cidades – restrições estas que impediam o
aumento relativo do setor industrial. Os autores afirmam que, para resolver este
problema, o apelo aos mecanismos de mercado seriam pouco ou nada efetivos. O
Estado, por sua vez, pôde garantir que a população rural plantaria somente aqueles
bens agrícolas mais eficientes no que diz respeito à energia utilizada, bem como que
seu consumo fosse o mais baixo possível, permitindo a exportação do excedente para
a China urbana. Ademais, constituiu-se um sistema de comunas agrícolas que
permitiu o rápido espraiamento de progressos tecnológicos e de serviços sociais, que
culminaram no já mencionado aumento da qualidade de vida da população.
Além do aumento da produtividade agrícola, que se agudizou logo no início
da década de 1980, permitindo o deslocamento de parte da mão de obra para as
cidades e o alívio das restrições atinentes à segurança alimentar, o período pós-
reformas teria sido agraciado com um ambiente externo mais propício à inserção
chinesa, designando o que Wallerstein (1979) conceituou como “desenvolvimento a
convite”, oriundo da política externa norte-americana. A estratégia de contenção, por
este país, da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) contribuíra
para o reatamento entre China e Estados Unidos, iniciado em 1972 e consagrado em
1979, o qual concedera ao país asiático ampla disponibilidade de linhas de
financiamento internacional, tão bem como acesso a importações de grãos, máquinas
e equipamentos americanos e o usufruto da condição de Nação Mais Favorecida pelo
governo estadounidense, tendo como consequência mais direta o rebaixamento das
tarifas desta economia para as exportações chinesas de têxteis e vestuário, por
exemplo. Por outro lado, a contenção americana ao Japão e aos Tigres Asiáticos,
expressa no Acordo de Plaza, em 1985, na forma de valorização forçada das moedas
destes países perante o dólar e as demais moedas internacionais, significou a
emergência de enormes incentivos para o crescimento das exportações chinesas,
baseadas, fundamentalmente, no deslocamento da produção asiática para o território
chinês, reforçado pelos atrativos no âmbito das ZEE’s (MEDEIROS, 2008)103.
preservadas pelo país ao longo deste período, o que não se repetiu em outras nações beneficiárias do
“desenvolvimento a convite”, conforme designado por Wallerstein (1979).
104 A obstaculização do acesso a crédito internacional e à entrada na OMC foram exemplos da ação
Hiratuka (2018, p. 4)
116
106Segundo Nogueira (2015), o patamar de 2009 ainda estava abaixo da média de países da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), embora fosse, em termos
absolutos, o terceiro dentre todos eles e equivalente, em termos relativos, ao investido por países como
Noruega e Luxemburgo.
118
108 Acioly & Leão (2011) ressaltam que o desejo chinês em assegurar fontes de suprimento às suas
cadeias de produção relaciona-se com a preocupação em relação à volatilidade dos preços de
commodities, motivando ações para o controle direto da oferta destes bens.
109 Para uma abordagem a respeito dos fatores que levaram à formação de capacidade ociosa na
economia chinesa, na segunda década dos anos 2000, ver De Conti & Blikstad (2017).
120
110 Dentre as opções de melhor posicionamento estratégico, está a conquista de acesso a novos
mercados consumidores e a novas redes de fornecedores, mas também a aquisição de ativos valiosos
à estratégia de desenvolvimento chinesa (Acioly & Leão, 2011). Holland & Barbi (2010) recordam que,
pelo fato de o processo de desenvolvimento estar intimamente associado à internacionalização da
economia, a busca pela competitividade por parte das empresas chinesas não pode se restringir ao
ambiente doméstico, o que requer a projeção de suas estruturas ao exterior em busca de ativos
estratégicos, dentre os quais, tecnologia.
111 Acioly & Leão (2011) destacam o IDE chinês na América do Sul como um desafio à histórica
influência americana sobre a região. Em relação ao continente africano, a presença dos capitais
chineses é acompanhada de um fortalecimento gradual de canais diplomáticos. Cintra & Pinto (2017),
por sua vez, mencionam a influência crescente da China na Ásia, a qual se estabelece com o
fortalecimento de laços produtivos, no âmbito dos quais os eventuais efeitos virtuosos sobre as várias
economias são cada vez mais dependentes do dinamismo chinês.
121
CAPÍTULO IV
O Investimento Direto Estrangeiro a partir da
China
112Como visto no Capítulo III, a constituição de uma plataforma exportadora na China beneficiou-se da
política de contenção americana do Japão, dos Tigres Asiáticos e da URSS, bem como do
deslocamento da produção dos vizinhos à estrutura produtiva chinesa.
123
113 A entrada na OMC exigiu que a China assumisse uma série de objetivos que contrastam com sua
atuante política industrial de fomento às importações, à indústria, e à atividade econômica em geral.
Dentre elas, estão a concessão de tratamento não discriminatório na compra de insumos e
mercadorias, a ampliação do direito ao comércio internacional aos agentes econômicos atuantes em
sua estrutura produtiva, a inexistência de influência política, pelo Estado, na condução das empresas
estatais comerciais, a determinação exclusiva de preços pelas forças do mercado, a eliminação de
subsídios à exportação e a bens agrícolas e industriais, o fim da política de condições especiais para
zonas econômicas especiais (aplicando as regras de forma uniforme no território) e o tratamento
nacional a empresas e indivíduos estrangeiros. Por outro lado, o aceite como membro da organização
traria algumas vantagens à economia chinesa, como o acesso a maior corrente de comércio, o
tratamento semelhante aos países com status de Nação Mais Favorecida no âmbito da OMC, a
abolição, por importadores da China, de tarifas sobre alguns grupos de bens (como têxteis), e os
benefícios como país em desenvolvimento da organização, ainda que a performance econômica
chinesa fosse muito superior às nações com o mesmo status (THORSTENSEN, RAMOS, et al., 2014).
Martin, Bhattasali & Li (2004) apresentam os dados atinentes às tarifas praticadas pela China antes da
entrada na OMC e aquelas acordadas para o aceite do país como membro. Sobre o efetivo
cumprimento dos compromissos chineses, é evidente que ainda pairam muitas tensões entre o grupo
de países signatários da instituição, no que se refere à cobrança para que o país asiático faça valer o
acordo firmado. Por outro lado, entende-se que as exigências são frontalmente conflitantes com grande
parte das práticas chinesas no que diz respeito aos estímulos à sua economia e ao seu
desenvolvimento. Thorstensen, Ramos, Müller, & Bertolaccini (2014) argumenta que as tensões
124
observadas são de improvável resolução no curto prazo, uma vez que a OMC não dispõe de preparo
institucional para lidar com os elementos em disputa.
125
114 Em 2008, a China tinha um saldo de mais de US$ 2 trilhões em reservas (UNCTAD, 2009).
127
115 O documento foi citado por Acioly, Lima & Ribeiro (2012), mas não se pôde obter, infelizmente,
acesso direto a ele. Trata-se, conforme o nome sugere, de um conjunto de recomendações reunidas
pelo governo chinês, e direcionadas às empresas do país, sobre práticas de exportação de suas
estruturas produtivas ao exterior, num amplo e confesso esforço de guiar tal movimento com
instrumentos disponibilizados pelo Estado.
116 As isenções fiscais atreladas à realização de IDE já existiam desde a década de 1980, segundo
Aqui se propõe a hipótese de que (...) os IDEs (...) podem não estar
perseguindo apenas os objetivos econômicos que motivam a maioria dos
investidores, como a maximização dos lucros. Este parece ser o caso em
muitas situações nas quais os objetivos parecem ser mais geopolíticos do
que econômicos. Isso não significa, da mesma forma, que o país está em
busca apenas do controle sobre ativos politicamente estratégicos e que os
determinantes econômicos devam ser minimizados. Mas por meio dos IDEs
a China pode expandir sua influência pelo mundo e ocupar importantes
posições no tabuleiro do jogo internacional de poder, questão que as teorias
tradicionais dos IDEs não conseguem incorporar, dado o objeto que se
propõem a explicar e o escopo das mesmas.
quase US$ 200 bilhões em 2016 (Figura 18). Tais movimentos de expansão
resultaram, também, num ganho de participação tanto dos fluxos, quanto dos
estoques do investimento chinês no exterior, em relação ao total de inversões diretas
do mundo. A Figura 19 apresenta esta relação, indicando que 2008 foi o primeiro ano
em que o fluxo de IDE chinês superou a barreira de 2% do total mundial, chegando a
uma relevante participação de mais de 13% em 2016, o que colocou a China na
posição de segunda maior investidora global, atrás apenas dos Estados Unidos
(Tabela 5). Em relação aos estoques, também se observa um agudo crescimento da
participação em questão, especialmente a partir do final da década de 2000 e início
da década de 2010, que é quando o IDE chinês também atinge maiores montantes no
Brasil, como se verá mais adiante. Em comparação ao restante dos países, o estoque
chinês em 2016 é o quinto maior do mundo (Tabela 5).
Figura
Gráfico1817- Fluxo
- Fluxoe eEstoque
EstoquededeIDE
IDErealizado
realizadopela
pelaChina
China
De1994 a 2016
250 1.600
1.400
200
1.200
150 1.000
em US$ bi
em US$ bi
800
100 600
400
50
200
- -
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
Fluxo de IDE realizado pela China (eixo esquerdo) Estoque de IDE realizado pela China (eixo direito)
12%
10%
10% 9%
8%
8%
6%
6% 5% 5% 5%
4% 3%
2% 1% 1% 1%
1% 1% 1% 1% 0% 1%
0% 0% 1% 1% 1%
0%
IDE chinês / IDE mundial (Fluxo) IDE chinês / IDE mundial (Estoque)
2010 5º 19º
2013 4º 10º
2016 2º 5º
acumulava uma porcentagem entre 70% e 80% do estoque, entre 2004 e 2009
(ACIOLY & LEÃO, 2011). Das atividades mais comuns dentro deste setor, no entanto,
estão os serviços financeiros, que contemplam funções desempenhadas por bancos
e fundos de investimento, por exemplo. A constituição de holdings e de matrizes
regionais, identificadas como Sociedades de Propósito Específico (SPE) para a
diversificação dos investimentos em outros territórios, se encaixa neste segmento e,
desta forma, sugere que os dados analisados sobre a perspectiva setorial podem estar
sujeitos a discrepâncias em relação ao destino efetivo do capital chinês. A
conformação de SPEs, cujo registro é feito sob a forma de operação de IDE em
serviços financeiros, pode valer-se como somente uma das etapas da transação, a
qual será concluída com outro investimento ao país de destino final, registrado, agora,
no entanto, como oriundo do país hospedeiro da SPE. Na prática, contudo, o
controlador final do capital continua sendo uma empresa chinesa e o setor de destino
último, por mais que desconsiderado nos dados associados à China, também diz
respeito à estratégia escolhida pela instituição inversora do país asiático. Com
consciência a respeito deste problema, salienta-se que, de acordo com os dados
oficiais do Ministério de Comércio chinês (MOFCOM), o comércio é a atividade do
setor de Serviços que ocupa uma segunda porção relevante do IDE realizado. O
segundo setor com as maiores porcentagens de estoque entre 2004 e 2009 foi o
primário, com participações entre 13% e 21%, cujos destaque são a mineração e a
exploração de petróleo. O setor industrial, por sua vez, manteve uma participação
bastante baixa de acordo com a metodologia adotada, não ultrapassando 10,1% do
estoque de IDE no período assinalado (ACIOLY & LEÃO, 2011).
Jaguaribe (2018) apresenta uma metodologia alternativa àquela usada
pelos dados oficiais do MOFCOM. A partir do rastreamento de inversões diretas pelo
China Global Investment Tracker (CGIT), sugere que vige um perfil relativamente
diversificado de IDE chinês a partir de 2005. O setor preponderante de “Energia”, que
contempla aquisições e operações greenfield nos subsetores de carvão, gás,
hidrelétrica e petróleo, figurou com alta participação relativa em todo o período
retratado, que se estende até 2016. Em 7 anos da série, superou 40% das inversões
totais, patamar que também correspondeu à sua participação anual média, nos 12
anos analisados. Em seguida, aparecem os setores de “Metais” e “Finanças”, cujas
133
117Infelizmente, o CGIT não disponibiliza notas metodológicas que definam quais segmentos produtivos
estão em cada um dos setores apresentados. A informação a respeito das atividades contempladas
por cada grupo deriva da análise do banco de dados de operações montado pela instituição, a partir da
informação sobre as empresas inversoras.
118 Dentre os outros setores que figuram na análise estão Agricultura, Química, Entretenimento,
África; 3,80%
América Latina;
12,40%
Ásia; 75,50%
Naughton (2006) mostra que a China se tornou importadora líquida de petróleo em 1993, a partir de
119
quando o saldo comercial relativo ao bem passou a ficar cada vez mais deficitário.
137
receberam maior aporte em todo o período, o Reino Unido notabiliza-se por inversões
no complexo da saúde e na indústria de telecomunicações, a Suíça, na Indústria
Química, a França, em entretenimento e setor automotivo, a Holanda, em Turismo, e
a Finlândia em Finanças. Suécia, Itália e Alemanha receberam um percentual grande
de aportes no que o estudo chama de “Utilidades”, rubrica que não pode ser
identificada de forma mais precisa. Vallim (2012) destaca o aprendizado e
aprimoramento de habilidades gerenciais, e a aquisição de novas expertises,
tecnologias, marcas e centros de pesquisa como motivadoras do investimento chinês
na Europa.
África Subsaariana concentra aportes na exploração de petróleo e cobre.
A relação específica entre América Latina e China do ponto de vista do IDE realizado
pelo país asiático configura-se com uma alta concentração de recursos aportados
também no setor energético e de “Metais”, de acordo com o CGIT (2018). Destacam-
se as inversões no setor petrolífero e de cobre, as quais se estabelecem, prioritária e
respectivamente, no Brasil e no Peru. Acerca dos investimentos chineses no Brasil, a
próxima seção se incumbirá de apresentar uma discussão mais aprofundada, que leve
em conta detalhes mais específicos, obtidos do uso de fontes alternativas, sejam elas
oficiais ou secundárias, que procuram corrigir os problemas relativos ao uso de países
intermediários para as operações.
mas não deixará de apresentar dados oriundos de fontes secundárias, que buscaram
resolver o problema abordado acima.
120 Para mais informações a respeito deste critério, consultar o conceito BPM6, disponível no site do
FMI, disponível em: https://www.bcb.gov.br/ftp/infecon/nm3bpm6p.pdf .
121 Segundo BCB (2015), o item “Filial no exterior a matriz no Brasil” soma US$ 24,2 bilhões em termos
líquidos, em 2014.
122 Neste caso, no entanto, o montante, em 2014, não fora tão expressivo, com cerca de US$ 461
de lucros obtidos, o BCB (2018b) registra um pico de US$ 840 milhões invertidos a
partir da economia chinesa, como origem imediata do capital, em 2014. O valor
investido assume este patamar mais alto já a partir de 2010, quando alcança US$ 395
milhões, contra US$ 83 milhões, que foi o montante máximo desde 2001, observado
em 2009. A participação dos capitais chineses nesta categoria, em relação ao total,
chega a 1,49%, em seu ponto máximo, em 2014, quando o total invertido por todos os
países foi US$ 56,4 bilhões. A Figura 21 apresenta os dados relativos às duas
categorias – empréstimos intercompanhias e participação no capital, exceto
reinvestimentos de lucros -, no âmbito da metodologia de ativos e passivos,
considerando a origem imediata do capital, registrados pelo BCB (2018b):
1000 2,00%
800
1,50%
em US$ mi
600
1,00%
400
0,50%
200
0 0,00%
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
O perfil setorial do IDE chinês aqui analisado ainda não será encarado
como um indicador das características próprias do IDE chinês ao Brasil, seja em
função da existência de fatores limitantes dos dados do Banco Central – a
exclusividade da desagregação para Participação de Capital e a adoção do critério de
país de origem imediata -, seja devido ao patamar muito baixo de IDE registrado em
relação ao total de capitais entrantes no país, como se observa na Figura 23.
Com um patamar máximo de apenas 2,4% em relação ao total investido
pelo restante dos países, o que se deu no setor de Serviços, em 2014, há fortes
evidências de que o registro pelo BCB (2018b) representa os investimentos chineses
de forma enviesada, sugerindo que eles sejam incipientes – traço que poderá ser
143
colocado à prova mais adiante. Do ponto de vista do IDE total chinês, sem a
desagregação por setor, a participação máxima atingida nos anos analisados é de
somente 1,5%, em 2014. Para efeitos de comparação, os Países Baixos chegam a
participar com 38% do total em 2004123 e 25% em 2011. Os Estados Unidos, por sua
vez, participam com 20% em 2012 e 18% em 2013 e 2017. Ao lado dessas duas
regiões, estão Luxemburgo, Espanha, França e Suíça, como países de origem
imediata de capitais que se direcionaram ao Brasil na forma de aquisições,
subscrições e aumento do capital social de empresas residentes, de 2001 a 2014.
Dadas as características já mencionadas da base de dados em questão, tais
informações levantam duas hipóteses acerca dos países mencionados: 1) são, de
fato, países de residência de empresas que exportam capitais à economia brasileira,
as quais não utilizam largamente a prática de IDE realizado com participação de outros
países intermediários; 2) são países que abrigam Sociedades de Propósito Específico
(SPE) que intermediam investimentos de outras origens à economia brasileira.
2,5%
2,0%
1,5%
1,0%
0,5%
0,0%
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Estrangeiros, alimentado pelo envio de dados por pessoas jurídicas que contam com
participação de capital estrangeiro em seu capital social124, indicam a impertinência
de se olhar para o critério de origem imediata do capital quando a intenção é avaliar a
dimensão e o perfil dos investimentos diretos chineses no Brasil. O relatório
mencionado indica que, se pela perspectiva do investidor imediato, os Países Baixos,
os Estados Unidos e Luxemburgo somam 51% do total da Posição de IDE no Brasil
por Participação no Capital em 2010 e em 2015, da perspectiva de controlador direto,
que consiste no rastreamento da origem primeira da residência da empresa
investidora125, o grupo de países indicado soma apenas 24% em 2010 e 28% em
2015. A posição de IDP126 da China, por sua vez, sai de cerca de US$ 1 bilhão, da
visão de investidor imediato, para US$ 8 bilhões, na visão de controlador final das
operações, em 2010 (BCB, 2018). Em 2015, a variação é de US$ 1 bilhão para US$ 9
bilhões (Figura 24). Ainda que o montante pareça ser pequeno em relação aos países
com maiores investimentos na economia brasileira, a China passa, em 2010, da
posição 34 para a posição 16, num ranking dos países com maiores posições de IDE
ao Brasil, comparando as visões de investidor imediato e controlador final. Em 2015,
verifica-se salto da posição 25 para a posição 14.
124 As entrevistas são conduzidas anualmente com “pessoas jurídicas sediadas no país, com
participação direta de não residentes em seu capital social, em qualquer montante e com patrimônio
líquido igual ou superior ao equivalente a US$ 100 milhões, em 31 de dezembro do ano-base; fundos
de investimento com cotistas não residentes e patrimônio líquido igual ou superior ao equivalente a
US$100 milhões, na posição de 31 de dezembro do ano-base, por meio de seus administradores; e
pessoas jurídicas sediadas no País, com saldo devedor total de créditos comerciais de curto prazo
(exigíveis em até 360 dias) concedidos por não residentes igual ou superior ao equivalente a US$10
milhões, em 31 de dezembro do ano-base” (BCB, 2018). Quinquenalmente, devem declarar o Censo,
as “pessoas jurídicas sediadas no País, com participação direta de não residentes em seu capital social,
em qualquer montante, na data-base 31 de dezembro; os fundos de investimento com cotistas não
residentes em 31 de dezembro, por meio de seus administradores; e as pessoas jurídicas sediadas no
País, com saldo devedor total de créditos comerciais de curto prazo (exigíveis em até 360 dias)
concedidos por não residentes, igual ou superior ao equivalente a US$1 milhão, em 31 de dezembro”
(BCB, 2018).
125 A partir dos contratos de câmbio (das transações registradas no Balanço de Pagamento) que
embasam a compilação dos fluxos de IDE registrados pela perspectiva do Investidor Imediato, o Banco
Central fez um esforço de identificar o controlador final de tais inversões para os anos de 2014 a 2017,
cruzando as informações da entrada de divisas com os microdados da pesquisa Censo.
126 Recorda-se que a “Posição de Investimento Direto” é influenciada por elementos como a variação
cambial e de índices de preço, além das próprias transações que se acumulam ao longo do tempo. O
cálculo da posição de IDP também leva em conta outras variações, que correspondem a uma variável
residual, a qual contempla reclassificações (quando, por exemplo, investimentos de portfólio se tornam
investimentos diretos, a partir do aumento do poder de voto do investidor) e discrepâncias estatísticas.
145
Figura
Gráfico 24
24 -- Posição
Posiçãodede IDE
IDE no no Brasil
Brasil porde
por país país de origem
origem
Categoria: Participação no capital; pelos critérios de investidor imediato e
controlador final, por países de origem selecionados, nos anos de 2010 e
2015, em US$ bi
200
163
160
em US$ bi
108 110
120
90 85
77 72
80 69
50
40 42 39
40 30 27 29 31 37
15 13 13 11 16 16 22 18 21
9
4 4 1 8 1
0
Países Bélgica Luxemburgo Estados Reino Unido França Espanha China
Baixos Unidos
Investidor Imediato (2010) Controlador Final (2010)
Investidor Imediato (2015) Controlador Final (2015)
Fonte: BCB (2018). Elaboração própria.
Figura
Gráfico25
25- -Relevância
Relevânciade
depaíses
paísesintermediários
intermediáriosna
naPosição
Posiçãodo IDE chinês ao
Brasil
do IDE chinês ao Brasil
Categoria: Participação no Capital, pelas óticas de investidor imediato e
controlador final, de 2010 a 2016, em US$ bi e em % do IDE chinês total
2015, depois de uma posição de apenas US$ 12 milhões em 2014. Para este caso,
no entanto, há uma diferença. O patamar ainda mais alto da posição de IDE no âmbito
da análise por controlador final – de US$ 2,7 bilhões, em 2015 -, desautoriza a
conclusão de que as operações de exportação de capitais para o setor tenham se
dado predominantemente sem a participação de países intermediários. Aqui, houve
inversões que passaram por países terceiros e inversões que se dirigiram diretamente
da China ao Brasil (Tabela 8). Para este caso em específico, que representa
diferenças bem expressivas entre as duas visões de país origem dos investimentos,
suspeita-se, a despeito da falta de informações desagregadas, que os valores de
US$ 2,7 bilhões, US$ 4,2 bilhões e US$ 13,05 bilhões sejam devidos, principalmente,
a operações realizadas pelas chinesas State Grid e China Three Gorges (CTG),
dentre as quais estão a compra de sete transmissoras de energia controladas pela
empresa Plena, do direito de construção das linhas de transmissão da Usina de Belo
Monte e de participações da CPFL (State Grid), e a aquisição de quase todo o capital
social da empresa Duke Energy e do direito de operação das hidrelétricas de Jupiá e
Ilha Solteira, com será apresentado mais adiante.
e como controladora final das operações, nos segmentos da Indústria Extrativa, até
2014 (alcançando a posição de US$ 9,24 bilhões, neste ano) – setor que manteve
uma posição alta de investimentos até 2017 (US$ 5,08 bilhões). A partir de 2015, com
o declínio da posição de inversões neste conjunto de atividades, observa-se o
aumento do aporte de capitais em Eletricidade e Gás, com grande salto da posição
de IDE em 2017, quando o patamar chega a US$ 13,05 bilhões, o ponto máximo do
período analisado dentre todas as atividades econômicas. Em Eletricidade e Gás,
novamente, os aportes foram feitos com a utilização de países intermediários, já que
a tendência observada da perspectiva da China, como controladora final dos
negócios, não se mantém da perspectiva do país asiático enquanto investidor direto.
As inversões da China como investidora direta, isto é, sem o uso de países
intermediários, recebem destaque, por sua vez, no setor de Atividades Financeiras,
de Seguros e Serviços Relacionados, cuja posição de IDE cresce razoavelmente a
partir de 2014, alcançando, como mencionado, o montante de US$ 1,35 bilhão e
depois oscilando negativamente, até US$ 0,94 bilhão, em 2017. Consultando os
dados a respeito do fluxo de IDE anual para cada setor (BCB, 2018b), verifica-se a
entrada bruta de US$ 778 milhões em Serviços Financeiros e Atividades Auxiliares
em 2014, o que pode corresponder à compra da fatia de 72% do Banco Industrial e
Comercial AS (BicBanco) pelo China Construction Bank127.
O Relatório de IDP de 2018 do BCB (2018c) apresenta dados relativos ao
ingresso líquido de investimentos diretos estrangeiros chineses, sob o critério de
controlador final da empresa inversora. A Figura 26 compara os montantes
ingressados no Brasil com aqueles contabilizados pela perspectiva do investidor
imediato, que segue as normas internacionais e compatibiliza-se com os dados do
Balanço de Pagamentos. Segundo as estimativas do BCB (2018c), há um claro pico
de investimentos conduzidos por empresas chinesas em 2017, os quais se
apresentam, predominantemente, na forma de capitais mediados por países terceiros.
Ademais, no período representado, percebe-se evidente concentração de inversões
no setor de eletricidade (Figura 27), o que corrobora a análise supramencionada que
destacou a elevação da Posição de IDE chinês em 2017, via investimentos por países
intermediários.
Gráfico2626
Figura - China
- China comocomo controladora
controladora final eimediata
final e origem origemdos Ingressos
imediata de
líquidos dosIDEIngressos
ao Brasillíquidos de IDE ao Brasil
De 2014 ao 1º semestre de 2018 , em US$ bi
12 11,2
10
8
em US$ bi
6
4,2
4
2,1 2,3
2 1,2 0,9
0,4 0,4 0,4 0,3
0
2014 2015 2016 2017 2018
Gráfico2727- Ingressos
Figura - Ingressosbrutos
brutosdedeIDE
IDEchinês
chinêspor
porsetor
setordedeatividade
atividade
Critério de Controlador final, acumulado de 2014 ao 1º semestre de 2018
Demais; 13%
Serviços Financeiros;
9%
Petróleo e Gás; 5%
Eletricidade; 64,80%
Produtos Químicos; 4%
Eletrônicos; 3,70%
Além da expressiva diferença dos dados das duas visões – controlador final
e investidor imediato -, já explicitada do ponto de vista da Posição do IDE por Figuras
anteriores, é relevante frisar o interesse da presente dissertação em dois tipos de
informação, as quais receberão atenção nas seções que seguirão. Primeiramente, os
dados relativos ao ingresso – e não à posição – de IDE, uma vez que, desta forma,
150
Gráfico2828- Distribuição
Figura - Distribuiçãosetorial
setorialde
defluxos
fluxosde
deIDE
IDEChinês
Chinêsao Brasil
ao Brasil
De 2010 e 2016, de acordo com base GIC
Indústrias
Extrativas
48%
Serviços Indústria de
Indústria Transformação
6% 94% 4%
Eletricidade e Gás
42%
Sinochem F&A 3.070 Compra de 40% do campo de petróleo de Peregrino, na Bacia de Campos
Sinopec Group F&A 7.100 Compra de 40% da subsidiária brasileira da Repsol à Sinopec
Sinopec Group F&A 4.800 Compra de 30% da Petrogal Brasil, do grupo Galp, pela Sinopec
Wisco F&A 400,00 Aquisição de 21,5% da MMX pela siderúrgica Wisco (Wuhan Iron and Steel Co.).
Compra de projeto integrado, que contempla implantação de uma mina no município de Grão
Mogol-BA, usina de beneficiamento de minério, mineroduto de 500 quilômetros e instalação
portuária em Ilhéus-BA. A vendedora é a Sul Americana Metais. A empresa chinesa fará os
Honbridge Holdings F&A 390,00
investimentos necessários para desenvolvimento e implantação e a Votorantim ficará
responsável pela gestão operacional do projeto. O controle acionário da Sul Americana passará à
Honbridge durante a construção.
China Three Gorges F&A 521,00 Aquisição de 100% da Triunfo Negócios de Energia, o que inclui as usinas de Salto e de Garibaldi.
China Three Gorges F&A 1.200,00 Aquisição de 99,06% do capital da Duke Energy e de sua subsidiária no Brasil
China Three Gorges F&A 4.132,00 Aquisição de direito de operação das hidrelétricas de Jupiá e Ilha Solteira
Aquisição de direito de construção da linha de transmissão a partir da Usina de Belo Monte (a
State Grid Joint-Venture 1.064,00
State Grid representa 51% do consórcio ganhador)
State Grid F&A 4.077,00 Aquisição de 54,64% das ações da CPFL Energia
State Grid F&A 910,00 Aquisição de 99,94% das ações da CPFL Renováveis*
State Grid Greenfield 102,00 não identificado na imprensa
State Grid Greenfield 2.096,00 não identificado na imprensa
* Esta operação foi alvo de embróglio jurídico e teve seu valor corrigido em 2018, após contestação dos acionistas minoritários sobre o valor original de venda
Fonte: Valores retirados da Base GIC, em Kupfer & Freitas (2018).
Tais operações podem ser vistas como tentativas de aproveitar o extenso mercado de
consumo brasileiro e latino-americano, em geral, nos quais a inserção de montadoras
chinesas, para o setor automotivo, por exemplo, ainda é incipiente, e instalar
estruturas de oferta mais próximas às fontes de matéria prima, as quais são
normalmente transportadas como importações ao território chinês.
Ao contrário das outras seções industriais já apresentadas, na Indústria de
Transformação predominou a criação de nova capacidade produtiva, que somou
US$ 1,5 bilhão. Tal modo de entrada sugere potenciais de criação de emprego e de
estímulo ao desempenho da economia. As Fusões e Aquisições totalizaram apenas
US$ 227 milhões, e mais uma operação de valor não informado, realizada pelo Tide
Group, em aquisição da Prentiss Química. O estudo de Kupfer & Freitas (2018)
classifica outras 8 operações apenas como joint ventures, as quais somam US$ 213
milhões. Dentre elas, estão planos para criação de nova capacidade produtiva, mas
também aquisições acionárias. Destacam-se, na Indústria de Transformação, as
operações relacionadas à fabricação de veículos automotores, reboques e
carrocerias, que consistiram em investimentos da ordem de US$ 876 milhões, dos
quais apenas US$ 57 milhões, concentrados em uma operação, não corresponderam
à criação de nova capacidade produtiva. Apesar do perfil que sugere um interessante
cenário à economia brasileira, superando os investimentos que representam apenas
troca de controlador dos negócios, os valores tanto da Indústria de Transformação,
como um todo, como de sua principal divisão – a fabricação de veículos automotores
– mostram-se bem inferiores àqueles observados nas indústrias extrativa e de
eletricidade e gás, pelo menos durante o período analisado. Em termos de transações
individuais, a Chery Automobile foi responsável pela principal inversão, no valor de
US$ 400 milhões, quando da instalação de uma fábrica de automóveis em Jacareí,
que representou sua entrada no mercado brasileiro. Outras transações de maior valor
são apresentadas na Tabela 12.
157
inversões diretas chinesas, somando um total de US$ 387 milhões, dos quais US$ 300
milhões foram Fusões & Aquisições, concentradas em apenas 2 operações. A Tabela
13 mostra os principais investimentos, pelo critério de valor, para as modalidades de
Fusão & Aquisição e greenfield:
Greenfield 9,00 Aporte para lançamento de primeiros produtos no Brasil. Os negócios foram encerrados em 2018
Baidu
Fonte: Valores retirados da Base GIC, em Kupfer & Freitas (2018).
transações, como se verá adiante, não se repete nos anos seguintes, apresentando
queda já de 2011 em relação a 2010. Em 2015 e 2016, no entanto, a queda é
parcialmente compensada por um aumento significativo da entrada de capitais em
Eletricidade e Gás, provocando a retomada do IDE chinês. Os investimentos na
Indústria de Transformação, durante todo o período, foram de pequena monta,
atingindo apenas 2% do total, em valor, no ano de 2013, quando teve seu pico.
Em Serviços, por outro lado, pode-se identificar dois momentos. Com a
ressalva de que os investimentos no setor representaram uma pequena parte do total,
há, em 2012 e 2013, uma leve concentração de inversões em Atividades Financeiras,
de Seguros e Serviços Relacionados e, em 2015 e 2016, em Transporte,
Armazenagem e Correio.
Em suma, pode-se traçar um perfil, de 2010 a 2016, de um surto inicial de
investimentos em Extração de Petróleo e Gás, seguido do crescimento
proporcionalmente menor dos investimentos em Eletricidade e da aparição tímida de
IDE em Indústria de Transformação e Serviços, especialmente financeiros (Figura 29).
Figura
Gráfico2929
- Fluxo de IDE
- Fluxo de chinês ao Brasil,
IDE chinês por setores,
ao Brasil, seções e divisões
por setores,
selecionados (CNAE
seções e divisões 2.0)
selecionados (CNAE 2.0)
De 2010 a 2016, em % do total
25% 23%
20%
16%
14%
15%
11%
10%
4% 4% 4% 2%3% 4% 0% 4%
5% 0% 0% 1%
2% 2% 1% 0% 2%
1% 0% 1% 0% 0% 0% 0% 0%
0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%
0%
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Gráfico
Figura 3030 - Valor
- Valor médio
médio das transações
das transações de IDEde IDE chinês
chinês ao Brasil
ao Brasil
Por setores, seções e divisões selecionados (CNAE 2.0), de 2010 a 2016, em
US$ mi
6.000
5.085
4.800
5.000
4.000
em US$ mi
3.000
1.897 1.950 2.062
1.720 750 1.716 1.700
2.000
200 983 810
1.000 400 395 598 86 125 340 545 585 106 620
-32 2 100 - -231 - - 26 6 - -136 5191 - - 16 -
-
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Eletricidade e Gás Indústria de Transformação
Serviços Extração de Petróleo e Gás Natural
Extração de Minerais Metálicos Média do Ano
Figura 31
Gráfico 31- -Valor
Valortotal
totalde
deIDE
IDEchinês
chinêsao
aoBrasil
Brasileequantidade
quantidadede empresas
inversoras
de empresas diferentes
inversorasnum mesmo ano
diferentes num mesmo ano
De 2010 a 2016, em US$ mi
14.000 14
12.000 12
10.000 10
em US$ mi
8.000 8
6.000 6
4.000 4
2.000 2
- -
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Gráfico3232
Figura - Novas
- Novas empresas
empresas entrantes
entrantes e empresas
e empresas com
com realização prévia de
realização
IDE prévia de IDE ao Brasil
ao Brasil
De 2010 a 2016, por quantidade de empresas inversoras
14
12
1
10 4
3
8 0 1
1 2
6
2
7 6 6 7 10 8 9
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Figura
Gráfico3333- IDE
- IDEchinês
chinêsaoaoBrasil
Brasilpor
pornatureza
naturezadedeinversão
inversão
De 2010 a 2016, em % do total
100%
80%
60%
40%
20%
0%
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Greenfield F&A JV
Fonte: Kupfer & Freitas (2018). Elaboração própria.
SP
85%
Fonte: Dados retirados da Base GIC (Kupfer & Freitas, 2018) e de sites que atestam as operações. Elaboração
própria.
Ademais, na esteira da queda do valor médio por operação, a partir de 2012 (com
suave recuperação a partir de 2015), os anos de 2017 e 2018 mantêm um baixo
patamar de valor unitário médio das transações (Figura 36), o que se apresenta num
influxo de uma grande quantidade de operações de baixo montante, especialmente
em 2017 e em relação àquelas dos anos de 2010 e 2011. No ano de 2017, em
específico, tais transações, junto a outros poucos eventos de maior montante, somam
um alto valor de IDE, o que não ocorre em 2018.
Em relação à natureza das inversões, as F&A preservam sua
preponderância em 2017, tendo importante queda em 2018, mas representando,
ainda, uma enorme parcela dos investimentos (68%), o que sinaliza para os
problemas abordados na seção anterior a respeito das desvantagens da concentração
de IDE chinês em transferência de propriedade de empresas brasileiras,
desencadeando a exteriorização de centros de decisão privado e a potencial
obstaculização de tomada, pelo Estado, das rédeas de políticas macroeconômicas e
de estratégias de desenvolvimento, de uma forma mais geral. Mais adiante se
discutirá a hipótese explicativa da concentração de inversões nesta categoria de
entrada. Mesmo o crescimento de joint ventures, que se assemelha ao ocorrido em
2013, mostra-se insuficiente para ofuscar a predominância de F&A, já que, em 2018,
alcançam apenas 30% das inversões (Figura 37).
173
Figura
Figura 35
35 -- Fluxo
Fluxo de
de IDE
IDE chinês
chinês ao
ao Brasil
Brasil
Por setor, de 2010 a 2018, em US$ mi e em % do total anual
12.000 100%
10.000
80%
8.077
em US$ mi
Indústria Serviços
Indústria (% - eixo direito) Serviços (% - eixo direito)
Fonte: CGIT (2018), CEBC (vários anos), RedALC (2018), SEAIN (vários bimestres), dentre outras130. Elaboração
própria.
Gráfico3636
Figura - Valor
- Valor médio
médio dasdas transações
transações de IDE
de IDE chinês
chinês ao
ao Brasil
Brasil
Por Setor, de 2010 a 2018, em US$ mi
2.500
2.180
2.000 1.897
1.500
1.146
983
1.000 810 808
706 531
319 480 496 550 508
500 313 219
231 265
200 178229112 105 106 152 93
86
2
-
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Total Indústria Serviços
Fonte: CGIT (2018), CEBC (vários anos), RedALC (2018), SEAIN (vários bimestres), dentre outras131. Elaboração
própria.
130 As outras fontes compreendem sites da internet correspondentes a notícias acerca das inversões,
publicadas pela imprensa e pelas empresas envolvidas.
131 As outras fontes compreendem sites da internet correspondentes a notícias acerca das inversões,
Gráfico
Figura 3737- Fluxosdede
- Fluxos IDE
IDE chinês
chinês aoao Brasil,
Brasil, porpor natureza
natureza de de
inversão
inversão
De 2010 a 2018, em % do total
100%
80%
60%
40%
20%
0%
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Greenfield F&A JV
Fonte: CGIT (2018), CEBC (vários anos), RedALC (2018), SEAIN (vários bimestres), dentre outras132. Elaboração
própria.
132As outras fontes compreendem sites da internet correspondentes a notícias acerca das inversões,
publicadas pela imprensa e pelas empresas envolvidas.
175
caminhos de longo prazo para seu desenvolvimento, faz sentido como decisão
submetida à lógica e aos desejos do desenvolvimento do país, guiada por políticas
estatais. Ao Brasil, por seu lado, reforçam-se as ameaças de agudização de
vulnerabilidades atreladas ao movimento de especialização regressiva, sem o
encadeamento de atividades industriais ou mesmo o controle de etapas produtivas
com maior agregação de valor das cadeias agrícolas, como ocorre com o
desenvolvimento tecnológico e a comercialização.
Outras transações observadas no setor de Serviços distribuíram-se entre
seções como Informação e Comunicação (divisão de Telecomunicações), Atividades
Imobiliárias, Atividades Profissionais, Científicas e Técnicas (divisão de Pesquisa e
Desenvolvimento Científico) e Atividades Financeiras, de Seguros e Serviços
Relacionados (divisão de Atividades de Serviços Financeiros) e tiveram baixo valor
unitário, com exceção da aquisição de 90% do Terminal de Contêineres de Paranaguá
e da Empresa de Serviços Logísticos TCP Log pela China Merchants Port Holding
(CMPorts), por US$ 925 milhões e classificada na seção Transporte, Armazenagem e
Correio. Com relação aos segmentos de Informação e Comunicação, verifica-se, a
despeito do baixo aporte de capitais, a preservação de algum interesse chinês, em
relação ao período de 2010 a 2016, em uma das atividades produtivas que ganharam
participação na economia do país asiático nos anos 2000. Como relatado no Capítulo
III e ressaltado na seção anterior, a produção de bens de telecomunicação
representou um dos pilares da trajetória de complexificação produtiva chinesa.
Do ponto de vista das seções, aquelas representadas na Figura 38 são as
únicas que contam com fluxos de IDE maiores que US$ 200 milhões em algum dos
anos representados. Além das já tratadas operações em Eletricidade, Gás e Outras
Utilidades – correspondentes a F&A da State Grid e da State Power Investment (SPIC)
– e em Comércio por Atacado, exceto Veículos Automotores e Bicicletas – conduzida
pela COFCO - vale o destaque para a seção de Obras de Infraestrutura, a qual não
recebeu comentários, ainda. Tal grupo de atividades recebeu, nos dois últimos anos
do período, apenas uma operação, que se trata da licitação para implantação do VLT
em Salvador, vencida pela chinesa BYD, em conjunto com a Metrogreen, em 2018.
Ao contrário do que corriqueiramente é apontado, o IDE chinês, que
provoca bastante repercussão quando sonda a possibilidade de adentrar no setor de
infraestrutura logística, pouco se concretizou no que se refere a obras deste caráter.
Ainda há pouco menos de dois anos, aventava-se a possibilidade da construção de
178
uma ferrovia bioceânica, que ligaria o litoral atlântico brasileiro à costa pacífica
peruana, cortando o Sudeste e o Centro-oeste do Brasil. O empreendimento, que
envolveria recursos chineses, certamente causaria uma série de enormes impactos
econômicos, sociais, ambientais e sobre a organização produtiva no território do país.
Algumas das interpretações apontavam que a inversão faria parte de um esforço
chinês por reduzir custos de transporte associados às suas importações oriundas da
economia brasileira. Um segundo projeto da ferrovia, que eliminava a chegada à costa
brasileira, com um trajeto que iria somente até o oeste paulistano, sugeria mais
claramente as intenções chinesas de escoar a produção agrícola importada pelos
portos peruanos, reduzindo substancialmente as distâncias em relação ao
escoamento pelo porto de Santos. A frustração das negociações, contudo, acabou por
reduzir o projeto a uma sondagem sem chances concretas de se tornar realidade. O
que se tem é um cenário de quantidade relativamente razoável de especulações a
respeito da possibilidade de investimentos chineses no setor de infraestrutura logística
brasileiro. A já mencionada entrada dos capitais chineses em atividades voltadas ao
Agronegócio pode representar o início de um maior interesse chinês nos ramos que
giram, direta ou indiretamente, em torno da produção agrícola brasileira, abrindo as
portas para a efetiva concretização de aquisições e obras também no que se refere
ao transporte das mercadorias importadas.
179
Figura
Gráfico3838
- Fluxo de IDE
- Fluxo de chinês ao Brasil,
IDE chinês por seções
ao Brasil, selecionadas (CNAE 2.0)
por seções
selecionadas CNAE 2.0
De 2017 e 2018, em US$ mi
5858,1
6000
4253
em US$ mi
4000
2000
1100 925
602,2 690 600
0 0 0 0 0
0
Eletricidade, Comércio por Produção de Armazenamento Obras de Transporte
Gás e Outras Atacado, Exceto sementes e e Atividades Infraestrutura Terrestre
Utilidades Veículos mudas Auxiliares dos
Automotores e certificadas Transportes
Motocicletas
2017 2018
Fonte: CGIT (2018), CEBC (vários anos), RedALC (2018), SEAIN (vários bimestres), dentre outras133. Elaboração
própria.
133As outras fontes compreendem sites da internet correspondentes a notícias acerca das inversões,
publicadas pela imprensa e pelas empresas envolvidas.
180
134As outras fontes compreendem sites da internet correspondentes a notícias acerca das inversões,
publicadas pela imprensa e pelas empresas envolvidas.
181
ampla atuação no país ou, no caso de uma somente transação, de abertura de uma
plataforma e-commerce, capaz de alcançar também diferentes localidades.
Do montante geograficamente identificado - US$ 6,3 bilhões, no último
biênio referido -, US$ 2,3 bilhões direcionaram-se ao estado de Goiás, quebrando a
tendência anterior, de concentração dos recursos no estado de São Paulo, que, por
sua vez, ficou com a segunda posição – US$ 1,5 bilhão. Em seguida, constata-se a
presença do Paraná – US$ 925 milhões. Tais resultados fundamentam-se em duas
operações, no caso do Paraná – uma delas, no entanto, de valor não identificado. A
restante compreende a compra do Terminal de Contêineres de Paranaguá, já
mencionado. No caso de Goiás, o alto valor também é atingido por somente uma
operação – a F&A pela State Power Investment (SPIC) da hidrelétrica de São Simão.
São Paulo, por sua vez, tem um número maior de operações nos dois anos – nove,
mas uma, somente, de grande valor – a compra das instalações da Dow AgroSciences
em Ribeirão Preto pela CITIC, por US$ 1,1 bilhão. As outras transações se distribuem
em eventos de pequena monta (a compra do Sistema Produtor São Lourenço, pela
China Gezhouba Group Corporation – US$ 200 milhões - e a compra da HSI
Investimentos, pela Fosun International – US$ 140 milhões – são as únicas com
valores unitários acima de US$ 50 milhões), que estão nas seções da Indústria e de
Serviços.
A Figura 39 apresenta a distribuição geográfica do IDE chinês ao Brasil nos
dois últimos anos da análise, restringindo a participação de cada local ao universo das
operações geograficamente identificadas. Nota-se que há, no grupo de localidades, o
compartilhamento de operações entre mais de duas Unidades da Federação, o que
ocorre em função da existência de um projeto de construção de uma usina localizada
na fronteira do Mato Grosso com o Pará – a Usina de São Simão – e de uma transação
que contempla, na realidade, dois eventos cujos valores não puderam ser dissociados
– a aquisição de áreas de exploração de petróleo no Recôncavo Baiano e no Espírito
Santo, pela CNOOC e pela Tek Oil and Gas. Há, ainda, a observância de operações
em áreas oceânicas, que compreendem a aquisição de direito de exploração de
campos de petróleo.
182
Fonte: CGIT (2018), CEBC (vários anos), RedALC (2018), SEAIN (vários bimestres), dentre outras135. Elaboração
própria.
135As outras fontes compreendem sites da internet correspondentes a notícias acerca das inversões,
publicadas pela imprensa e pelas empresas envolvidas.
183
Considerações Finais
Logo no período maoísta, nota-se, como indicado por Diegues & Milaré
(2012), uma importante ruptura de uma mentalidade continuísta e inercial no que se
refere às necessidades de industrialização. Os constantes esforços para promover,
por meio de altos investimentos, o desenvolvimento da indústria e a consolidação de
seus segmentos mais pesados, dão-se de forma alicerçada no fortalecimento da
coordenação econômica desempenhada pelo Estado, a qual intenta resolver,
permanentemente, o problema de transferência de recursos produtivos pela economia
rural ao meio urbano. Dentre a redução estratégica de riscos, está a preocupação por
organizar a estrutura produtiva de modo desconcentrado, de forma a evitar o seu
esfacelamento por eventuais demonstrações de força pelas ameaças externas,
próprias de uma conjuntura em que o medo de invasões era muito maior do que a
possibilidade de recorrer ao mundo estrangeiro para resolver questões internas
obstaculizantes. O período maoísta lega, aos anos que o sucedem, importantes
ganhos relacionados à educação e à qualidade de vida da população chinesa,
ingredientes que a elevariam à posição de um dos atrativos centrais para, em conjunto
ao seu baixo custo de reprodução, permitir uma nova inserção internacional da China
nos anos 1980, pautada na consolidação de uma indústria produtora de bens
manufaturados leves. Ademais, aumentos de investimento surtiriam relevantes efeitos
positivos sobre a produtividade rural nos anos seguintes à morte de Mao Tsé-Tung,
quando da reorganização da estrutura de produção no campo, proporcionando um
fundamental alívio às restrições colocadas pela vulnerável segurança alimentar.
Tal estratégia tem, sobre sua gestação, como de praxe, a atuação vigorosa
do ente estatal, por meio de políticas de estímulo e direcionamento do destino e do
perfil dos investimentos. Além da face geopolítica atrelada à perspectiva da soberania
produtiva, tais inversões mostram-se próprias de motivações geradas pela ambição
por soberanias financeira e diplomática, à medida que proporcionam o aumento do
alcance da moeda chinesa e do poder de influência do país sobre diversas regiões,
submetendo interesses alheios à sua lógica de transformação.
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