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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Economia

MARCELO PEREIRA INTROINI

O processo de desenvolvimento econômico da


China, do maoísmo à saída de empresas ao
mundo: um debate para o estudo de caso do
IDE chinês ao Brasil

CAMPINAS
2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

MARCELO PEREIRA INTROINI

O processo de desenvolvimento econômico da China, do


maoísmo à saída de empresas ao mundo: um debate para
o estudo de caso do IDE chinês ao Brasil

Prof. Dr. Bruno Martarello de Conti – orientador

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento


Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção
do título de Mestre em Desenvolvimento Econômico, área de Desenvolvimento Regional e
Urbano.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL


DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO
MARCELO PEREIRA INTROINI, ORIENTADO PELO
PROF. DR. BRUNO MARTARELLO DE CONTI.

Campinas
2019
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Economia
Mirian Clavico Alves - CRB 8/8708

Introini, Marcelo Pereira, 1988-


In8p IntO processo de desenvolvimento econômico da China, do Maoísmo à saída
de empresas ao mundo : um debate para o estudo de caso do IDE chinês ao
Brasil / Marcelo Pereira Introini. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

IntOrientador: Bruno Martarello de Conti.


IntCoorientador: Fernando Sarti.
IntDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Economia.

Int1. Desenvolvimento econômico - China. 2. Industrialização. I. Conti, Bruno


Martarello De, 1982-. II. Sarti, Fernando, 1964-. III. Universidade Estadual de
Campinas. Instituto de Economia. IV. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The process of China's economic development, from Maoism to
companies spread to the world : a debate for the case study of Chinese FDI to Brazil
Palavras-chave em inglês:
Economic development - China
Industrialization
Área de concentração: Desenvolvimento Regional e Urbano
Titulação: Mestre em Desenvolvimento Econômico
Banca examinadora:
Bruno Martarello De Conti [Orientador]
Antonio Carlos Diegues Junior
José Eduardo de Salles Roselino Júnior
Data de defesa: 06-02-2019
Programa de Pós-Graduação: Desenvolvimento Econômico

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)


- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-6878-7669

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)


UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

MARCELO PEREIRA INTROINI

O processo de desenvolvimento econômico da


China, do Maoísmo à saída de empresas ao
mundo: um debate para o estudo de caso do
IDE chinês ao Brasil

Profº. Dr. Bruno Martarello de Conti – orientador

Defendida em 06/02/2019

COMISSÃO JULGADORA

Profº. Dr. Bruno Martarello de Conti - PRESIDENTE


Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Profº. Dr. Antônio Carlos Diegues Junior


Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Profª. Dr. José Eduardo de Salles Roselino Júnior


Universidade Federal de São Carlos – UFSCar

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da


Comissão Examinadora, consta no processo de
vida acadêmica do aluno.
Agradecimentos

Ninguém faz o mestrado sozinho. Por mais solitária que a construção da


dissertação possa parecer, a escolha de seguir o caminho acadêmico é,
especialmente no presente momento de permanentes ataques à ciência e a
educação, um ato coletivo. Um ato coletivo que envolve a disposição de muita gente,
todos importantíssimos para que o fôlego da empreitada se mantenha até o fim.
Esta seção inicial dedica-se, então, a homenagear e agradecer todos
aqueles cujas formas de apoio foram imprescindíveis para que as próximas páginas –
e, mais do que elas, a formação adquirida neste percurso – possam ter sido
construídas. Carlos Lessa certa vez disse que a economia é das ciências mais tristes,
porque gera a sensação de impotência. De fato, a tomada de consciência dos
problemas aos quais estamos submersos, bem como das ferramentas que temos em
mãos, não parece ser um processo que alivia as mazelas da realidade, mas, ao
menos, que nos dá força para agir em nome de uma transformação de caráter
virtuoso. Se há algo que posso prometer àqueles que me apoiaram durante o
mestrado, é de que tudo o que ele me ensinou será usado não em causa própria, mas
em nome da coletividade. Em nome de nosso povo. Em nome de sua dignidade. Em
nome da justiça social e do desenvolvimento nacional.
Desta forma, meus imensos agradecimentos seguem abaixo.
Primeiramente a meus pais e à minha avó, em nome de toda minha família.
Minha mãe, Márcia, meu pai, Paulo e minha avó, Melvina foram pilares estruturantes
para, desde o início, apoiar tanto a ideia de seguir uma carreira acadêmica, quanto as
necessidades psicológicas, materiais e organizacionais impostas por este caminho.
Jamais abandonaram este projeto e sempre confiaram na importância da formação
crítica e cidadã que a vivência na Unicamp ajudaria a proporcionar. Foram, de forma
irrestrita, companhias mais do que motivadoras e confortantes em todos os
momentos.
Agradeço, também, aos professores que fizeram parte deste trajeto.
Primeiramente, ao meu orientador, o professor Bruno de Conti, sempre com
cuidadosos conselhos e comentários, e ao meu coorientador, o professor Fernando
Sarti, que participou ativamente da concepção da ideia deste trabalho. Agradeço
também ao prof. Antônio Carlos Diegues, que compôs a banda da qualificação e de
defesa, e ao prof. José Roselino, que compôs a banca de defesa. Ambos leram o
trabalho minuciosamente e permitiram uma discussão em alto nível nos momentos
em que estiveram presentes.
Outros professores foram também fundamentais. O professor Wilson Cano,
referência a todos que acreditam no Desenvolvimentismo, figura valiosa que me
presentou com suas impressões ao longo da construção do trabalho, servindo sempre
como uma imponente luz, que sempre estará acesa para guiar os passos de muitos
que estejam dispostos a construir por nosso país e pelo seu povo. Agradeço a todos
os professores do Centro de Estudos de Desenvolvimento Econômico (CEDE), do
Instituto de Economia da Unicamp (IE – Unicamp), com os quais assisti a muitas aulas
e dos quais também recebi inúmeras oportunas orientações – professor Humberto
Miranda, professor Cláudio Maciel, professor Plínio de Arruda Sampaio Júnior,
professora Mariana Fix e professor Fernando Macedo.
Agradeço, ainda, a todos os professores e membros do Centro de
Conjuntura do IE-Unicamp, com os quais partilhei agradáveis momentos, discutindo
conjuntura e teoria econômica.
Agradeço a todos os funcionários do IE-Unicamp – da secretaria de pós-
graduação àqueles que trabalham pela organização do espaço físico e dos processos
burocráticos do instituto – os quais desempenham funções vitais para que ali se
construam debates importantes ao corpo da sociedade.
Não devo deixar de agradecer, ainda, aos amigos, que, se de um lado,
contribuíram imensamente com a natureza de formação, aprendizado e debate
coletivos do conhecimento, por outro, proporcionaram momentos de leveza, nos bares
de Barão Geraldo, nos churrascos organizados, no futebol de toda quarta-feira, nas
festas que nos permitiam retomar o fôlego para a semana seguinte. Douglas,
Ezequiel, Manu, turma do V de Várzea, Grazi, Mateus, Ricardo, Alishow, Carlos,
Bruno, Maria e Pedro, Bruna e tantos outros – inclusive aqueles que, não fazendo
parte do ambiente acadêmico, também partilharam momentos importantes. Um
agradecimento, ademais, à turma que foi à China, em 2018 – Jaque, Tuzão, Maira,
Fer, Pedro, Gi, Osvaldinho e Leonel como representantes de todos os outros que
fizeram parte de experiências incríveis, que me permitiu legítimas inspirações e
importantes compreensões sobre a sociedade chinesa.
Agradeço, por fim, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), que, contemplando-me com a bolsa de pesquisa, tornou possível
o ingresso e a realização do mestrado.
Resumo

A presente dissertação objetiva oferecer elementos para embasar a compreensão de


que as mudanças qualitativas e quantitativas da economia chinesa, ao longo da
segunda metade do século XX e do início do século XXI, são explicadas por uma
dinâmica única, a saber um processo de desenvolvimento que, embora assuma
distintas características diante dos imperativos conjunturalmente impostos, é fruto de
uma visão de longo prazo, a qual, ditada pela ação coordenativa do Estado, busca,
através da complexificação da estrutura produtiva, o aumento progressivo da
relevância econômica da China no mundo e o desfrute permanente de formas de
progresso social. Reflexo da conformação econômica resultante deste processo, o
crescente IDE realizado pela China nos anos 2000 é visto como uma etapa avançada
desta trajetória, capaz de abrir novas frentes para as ambições chinesas, bem como
aliviar problemas antigos limitantes a estes anseios. Os investimentos ao Brasil, por
sua vez, consistem a forma particular escolhida para análise por este trabalho,
permitindo não só construir hipóteses a respeito de eventuais impactos da influência
chinesa, como também interpretar o papel do Brasil na dinâmica de transformação da
estrutura produtiva do país asiático.

Palavras-chave

China – Desenvolvimento econômico – industrialização – IDE


Abstract

The present dissertation aims to provide elements that support the understanding that
the qualitative and quantitative changes of the Chinese economy during the second
half of the XX century and the beginning of the XXI century are explained by a unique
dynamics, namely a development process which, although assuming different
characteristics in the face of the imperatives imposed by time, is the result of a long-
term vision, that, dictated by the coordinating action of the State, seeks, through the
complexification of the productive structure, the progressive increase of China's
economic relevance in the world and the permanent enjoyment of forms of social
progress. Reflecting the economic conformation resulting from this process, China's
growing FDI in the 2000s is seen as an advanced stage of this trajectory, capable of
opening new fronts to Chinese ambitions, as well as alleviating old problems limiting
these longings. Investments in Brazil, in turn, are the particular form chosen for
analysis by this work, allowing not only to construct hypotheses about possible impacts
of Chinese influence, but also to interpret Brazil's role in the transformation dynamics
of the Asian country's productive structure.

Keywords

China – Economic Development – industrialization - FDI


Índice de Figuras

Figura 1 - Distribuição do Investimento Fixo Estatal na China .................................. 31


Figura 2 - PIB chinês por setor da economia ............................................................ 36
Figura 3 - Produção total e per capita de alimentos na China ................................... 40
Figura 4 - Composição do produto industrial bruto entre indústria leve e indústria
pesada ...................................................................................................................... 42
Figura 5 - PIB chinês por setor da economia ............................................................ 71
Figura 6 - Taxa de crescimento anual do PIB da China............................................. 77
Figura 7 - Investimento total em ativos fixos na China .............................................. 78
Figura 8 – Taxas de câmbio nominal e real ............................................................... 80
Figura 9 - Investimento total em ativos fixos na China .............................................. 91
Figura 10 - IDE entrante na China............................................................................. 97
Figura 11 - PIB chinês por setor da economia ........................................................ 102
Figura 12 - Participação das indústrias pesada e leve na China ............................ 104
Figura 13 - Participação das indústrias de propriedade estatal e individual ............ 104
Figura 14 - Investimentos em ativos fixos na China ................................................ 106
Figura 15 - Taxa de crescimento anual do PIB da China ........................................ 106
Figura 16 - Exportações e Importações chinesas e grupos de bens exportados .... 109
Figura 17 - Composição das exportações chinesas ................................................ 110
Figura 18 - Fluxo e Estoque de IDE realizado pela China ....................................... 130
Figura 19 - Porcentagem do IDE realizado pela China em relação ao IDE mundial
................................................................................................................................ 131
Figura 20 - Distribuição do estoque de IDE chinês ................................................. 135
Figura 21 - Ingressos de Investimento Direto Chinês ao Brasil ............................... 140
Figura 22 - Distribuição setorial dos ingressos de IDE ao Brasil ............................. 142
Figura 23 – Relevância dos ingressos de IDE chinês frente ao IDE total ao Brasil. 143
Figura 24 - Posição de IDE no Brasil por país de origem ........................................ 145
Figura 25 - Relevância de países intermediários na Posição do IDE chinês ao Brasil
................................................................................................................................ 146
Figura 26 - China como controladora final e origem imediata dos Ingressos líquidos
de IDE ao Brasil ...................................................................................................... 149
Figura 27 - Ingressos brutos de IDE chinês por setor de atividade ......................... 149
Figura 28 - Distribuição setorial de fluxos de IDE Chinês ao Brasil......................... 152
Figura 29 - Fluxo de IDE chinês ao Brasil, por setores, seções e divisões
selecionados (CNAE 2.0) ........................................................................................ 160
Figura 30 - Valor médio das transações de IDE chinês ao Brasil............................ 162
Figura 31 - Valor total de IDE chinês ao Brasil e quantidade de empresas inversoras
diferentes num mesmo ano ..................................................................................... 163
Figura 32 - Novas empresas entrantes e empresas com realização prévia de IDE ao
Brasil ....................................................................................................................... 164
Figura 33 - IDE chinês ao Brasil por natureza de inversão ..................................... 167
Figura 34 - Distribuição Regional do fluxo de IDE chinês ao Brasil......................... 169
Figura 35 - Fluxo de IDE chinês ao Brasil ............................................................... 173
Figura 36 - Valor médio das transações de IDE chinês ao Brasil............................ 173
Figura 37 - Fluxos de IDE chinês ao Brasil, por natureza de inversão .................... 174
Figura 38 - Fluxo de IDE chinês ao Brasil, por seções selecionadas (CNAE 2.0)... 179
Figura 39 - Distribuição do fluxo de IDE chinês ao Brasil ........................................ 182
Índice de Tabelas

Tabela 1 – Crescimento do PIB Chinês por setor ..................................................... 43


Tabela 2 – Crescimento do PIB Chinês por setor ..................................................... 45
Tabela 3 – Crescimento do PIB Chinês por setor ..................................................... 50
Tabela 4 – Contribuição dos preços do setor primário para o aumento da produção
.................................................................................................................................. 72
Tabela 5 – Posição do IDE chinês em relação ao IDE do restante dos países do
mundo ..................................................................................................................... 131
Tabela 6 – Participação média anual do IDE chinês por setor ................................ 134
Tabela 7 - Fluxos de Investimentos Chineses para o exterior ................................. 137
Tabela 8 - Posição anual de IDE chinês ao Brasil nas principais seções (CNAE 2.0)
................................................................................................................................ 147
Tabela 9 - Operações de IDE chinês ao Brasil, setor de Extração de Petróleo e Gás
Natural, registradas pela Base GIC, de 2010 a 2016 .............................................. 153
Tabela 10 - Operações de IDE chinês ao Brasil, setor de Extração de Minerais
Metálicos, registradas pela Base GIC, de 2010 a 2016 .......................................... 154
Tabela 11 - Descrição das operações de IDE chinês ao Brasil, setor de Geração,
Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica, registradas pela Base GIC, de 2010
a 2016 ..................................................................................................................... 155
Tabela 12 - Descrição das operações de IDE chinês ao Brasil, setor de Indústria de
Transformação, registradas pela Base GIC, de 2010 a 2016 ................................. 157
Tabela 13 - Descrição das operações de IDE chinês ao Brasil, setor de Serviços,
registradas pela Base GIC, de 2010 a 2016 ........................................................... 158
Tabela 14 - Natureza do IDE, por seções selecionadas (CNAE 2.0), em 2017 e 2018,
em US$ milhões ...................................................................................................... 180
Sumário

Introdução ................................................................................................................................. 13
CAPÍTULO I ............................................................................................................................ 20
China maoísta: a importância do investimento estatal e os esforços industrializantes ............ 20
1.1. Um convite ao maoísmo ............................................................................................ 20
1.2. Período Mao Tsé-Tung: dilemas e importância ......................................................... 21
1.3. Os esforços industrializantes da era Mao .................................................................. 27
1.4. Uma síntese do maoísmo chinês ................................................................................ 53
CAPÍTULO II ........................................................................................................................... 58
O início do pós-maoísmo.......................................................................................................... 58
2.1. Uma introdução ao pós-maoísmo .............................................................................. 58
2.2. Os primeiros anos de Reforma................................................................................... 60
2.3. Da segunda metade da década de 1980 à Tragédia da Praça Tiananmen .................. 72
CAPÍTULO III ......................................................................................................................... 85
A entrada nos anos 1990 e o novo ciclo de reformas ............................................................... 85
3.1. O imediato pós-Tiananmen ........................................................................................ 85
3.2. As reformas dos anos 1990 ........................................................................................ 86
3.3. A China rumo a atividades complexas .................................................................... 100
3.4. O panorama do pós-Tiananmen e a entrada no século XXI .................................... 110
CAPÍTULO IV ....................................................................................................................... 121
O Investimento Direto Estrangeiro a partir da China ............................................................. 121
4.1. O IDE chinês como parte de uma estratégia de desenvolvimento ........................... 121
4.2. O papel do Estado e o perfil do IDE chinês ao mundo ............................................ 125
4.3. O IDE Chinês ao Brasil ........................................................................................... 139
4.3.1. Os dados oficiais e seus limites ........................................................................ 139
4.3.2. Rastreamento do IDE chinês: dados extraoficiais ............................................ 150
4.4. Conclusões da análise .............................................................................................. 182
Considerações Finais .............................................................................................................. 189
Referências Bibliográficas...................................................................................................... 195
13

Introdução

O extraordinário movimento protagonizado pela economia chinesa


dificilmente escaparia a um olhar sobre os últimos 50 anos da economia global. O
acelerado crescimento do produto econômico e da renda per capita combinam-se num
processo de vigor sem igual no século XX – quiçá, na história do capitalismo -,
conduzindo a um nítido reposicionamento da China no sistema geopolítico mundial. A
explicação de tais fenômenos requer, no entanto, uma investigação do que está por
trás da história mais aparente. Remonta a transformações mais profundas, as quais
consistem em mudanças qualitativas no âmbito da estrutura produtiva do país asiático,
consubstanciadas em impactos econômicos e sociais, mas também em novas
posições desempenhadas na divisão internacional do trabalho. Em outras palavras, o
ganho de protagonismo do setor industrial chinês e, em especial, de segmentos
produtores de bens cada vez mais intensivos em tecnologia, implica importantes
desdobramentos na renda dos trabalhadores, nas formas de desigualdade e nas
dinâmicas econômicas regionais e setoriais internas, mas também abre possibilidades
para que a China coloque-se de maneira diferente diante dos outros países, ocupando
espaço de crescente relevância no xadrez geopolítico e, de forma muito explícita, nos
fluxos internacionais de comércio e investimento direto estrangeiro (IDE).

A compreensão acerca deste novo papel chinês na economia global é, no


entanto, frequentemente reduzida à ruptura que as reformas dos anos 1980 teriam
estabelecido com o período prévio. Tal interpretação surge a partir da leitura de que
estas reformas teriam assumido um caráter liberalizante, promotor de mecanismos de
mercado necessários ao deslanchar do progresso econômico chinês. É importante
destacar que este trabalho sugere, contudo, uma interpretação alternativa. O
distanciamento histórico e o acompanhamento analítico das estruturas da economia
chinesa permitem notar que a ascensão da China à posição de potência econômica e
geopolítica – movimento que permanece em gestação, com novas características -
relaciona-se decisivamente com aspectos observados já no período anterior às
reformas dos anos 80, as quais, por sua vez, não representam esforços puramente
liberalizantes em direção ao abandono do papel do Estado.
14

É desde o Maoísmo – período em que a China é liderada por Mao Tsé-


Tung -, que o Estado consegue articular condições capazes de permitir que aquela
sociedade saia de uma situação catastrófica de guerra para, nas décadas seguintes,
consolidar uma estrutura produtiva complexa e baseada em alto conteúdo tecnológico,
o que se expressa, mais recentemente, em uma virtuosa inserção num mundo sob
efeitos da globalização produtiva e financeira. Ao longo deste caminho, não são
somente as estratégias essencialmente maoístas de enfrentamento dos problemas
econômicos e sociais que ditam a maneira pela qual se resolvem questões atreladas
ao desenvolvimento nacional, senão uma ampla gama de diferentes facetas,
expressas em uma grande diversidade de estratégias, construídas e levadas a cabo
a partir da leitura das contradições que se colocam a cada momento. Todas fundadas,
no entanto, em objetivos como a preservação da unidade política do país e da
legitimidade da ação do Estado, para que este pudesse sempre deter as rédeas do
processo de transformação, mesmo quando dá maiores liberdades de atuação aos
capitais privados.

O primeiro grande objetivo deste trabalho consiste, assim, em apresentar


as diversas facetas e características centrais concernentes ao processo de
desenvolvimento experienciado pela China em cada uma das suas fases, de modo a
permitir a compreensão, pelo leitor, do porquê tal fenômeno se deu particularmente
neste país asiático, isto é, quais foram as singularidades e quais são as condições
reunidas por ele para que tal transformação obtivesse tamanho sucesso. É imperativo
discutir, ademais, as razões pelas quais o processo em questão pôde ser tão
duradouro e vigoroso e qual foi a importância do Estado nas estratégias que o
sustentaram, especialmente na articulação de atores econômicos e sociais.

A esta intenção, soma-se um segundo grande objetivo. Este trabalho


contemplará o leitor, ademais, com os desdobramentos decorrentes do
desenvolvimento chinês, dos quais se destaca a mudança de sua estrutura produtiva.
As próximas páginas não deixarão de abordar os caminhos tomados pela composição
setorial da economia chinesa, bem como pelo conteúdo e a natureza de sua produção,
seja aquela voltada ao ambiente doméstico, seja a parte direcionada às exportações.
Terão lugar, ainda, considerações sobre o papel representado pelos capitais
estrangeiros entrantes na economia chinesa, pelas principais reações políticas
emergentes em cada período e pela evolução de indicadores sociais e econômicos,
15

com destaque ao crescimento do produto. O leitor observará que, nos últimos 40 anos,
a China passou por um processo de gradual abertura, o qual não esteve livre de
contradições e obstáculos internos, mas foi sempre combinado à preservação de
mecanismos de planejamento e intervenção estatal. Quando da passagem da década
de 1990 à década de 2000, será observado, ainda, o protagonismo tomado pela saída
de empresas chinesas ao mundo, o que é interpretado, no âmbito deste trabalho,
como uma fase avançada da ascensão geopolítica e do desenvolvimento do país
asiático. Faz-se referência, aqui, a um fenômeno que deriva, em certo modo, dos
resultados obtidos durante as décadas anteriores, qual seja, a possibilidade de um
ganho de complexidade pela estrutura produtiva chinesa. O exercício competitivo de
novas competências em âmbito mundial soma-se à busca, por estas firmas, de novas
habilidades e ativos estratégicos, os quais reduzem, parcialmente, as vulnerabilidades
e os limites que obstaculizam a continuidade do ganho de poder de influência chinesa
sob o objetivo de ocupar novas posições no sistema internacional.

O Capítulo I deste trabalho parte do caos vivido na China após a Guerra


sino-japonesa para tratar das rupturas provocadas pela Revolução Chinesa e pelo
comando maoísta, especialmente no que se refere aos primeiros esforços mais
significativos para o aumento da participação relativa do setor industrial no PIB e da
superação de gargalos estruturais que acompanharam a história do desenvolvimento
do país. A tomada de consciência da necessidade de se estimular a ampliação da
indústria – principalmente da indústria pesada -, tem origem no entendimento de que
essas atividades consistem em fonte de crescimento, de geração de inovações, de
aumentos de produtividade para toda a economia e de acesso a ganhos de escala.
Tal tarefa, que tem, como condutor central, o Estado, depara-se, como será debatido,
com um significativo gargalo – a saber, as dificuldades para superar a então recorrente
insuficiência da produção agrícola chinesa.

Fases e aspectos relevantes do período maoísta serão abordados, tais


quais os empenhos para a coletivização das terras agrícolas, os aumentos de
investimentos públicos, os esforços para interiorização das atividades econômicas, o
monopólio estatal da compra de grãos, os objetivos e fracassos atinentes ao chamado
Grande Salto Adiante, as diretrizes e resultados da Revolução Cultural, a composição
de uma economia de baixo grau de especialização e, por fim, a transição ao período
de reformas pós-maoístas, num contexto internacional de aprofundamento do
16

processo de fragmentação da produção e de globalização produtiva, o qual


pressionou a China – dando a ela também novas possibilidades -, a operar
transformações em sua dinâmica econômica e em sua inserção em relação ao resto
do mundo.

O segundo capítulo compreende o período que vai das reformas pós-


maoístas à deflagração de uma profunda crise política entendida como resultado do
acúmulo de contradições geradas de 1978 ao final da década de 1980. Ressalta-se,
nesta seção, os elementos que levam à compreensão de que a China não rompe com
seu modelo socialista, senão promove a construção de um regime singular, composto
por uma diversidade de medidas graduais – muitas das quais de caráter experimental
e localizado -, cujo controle ainda é detido pelo ente estatal. Em sentido geral, os
movimentos táticos que revelam uma mudança visível de gestão da economia e da
sociedade chinesa podem ser interpretados como respostas às ineficiências
econômicas acumuladas anteriormente, tão bem como ao sacrifício material exercido
pela população e a um novo contexto geopolítico, em que o mundo se mostra mais
receptivo, sob o aprofundamento de uma onda de globalização, à inserção
internacional da China – possibilidade simbolizada pela aproximação do país com os
Estados Unidos.

O ciclo temporal compreendido na longa década de 1980 divide-se, na


realidade, em dois subperíodos. Até 1985, será apresentado o que se chamou de
Reformas sem perdedores, cuja principal característica é o foco de reformas no campo
que logram aliviar os constrangimentos a esta produção. O espraiamento da indústria
rural, a flexibilização para atuação do capital privado, a construção do sistema dual, a
redução da pobreza e o início do desenvolvimento das Zonas Econômicas Especiais,
na costa leste chinesa, estarão presentes nesta seção. A partir de 1985, no entanto,
ocorre o conjunto de Reformas com perdedores, compreendida por maior atenção às
cidades e aumento das desigualdades regionais e sociais. A estrutura produtiva, que
até então compunha-se predominantemente de setores produtores de bens primários
e manufaturados leves, passa a constituir um núcleo endógeno de progresso técnico
e de decisão, permitindo também o avanço da complexidade da pauta exportadora. O
leitor poderá acompanhar as iniciativas que fizeram parte de uma política deliberada
de estímulo às exportações e à entrada controlada e regulada de capital estrangeiro,
que contribuiria para o processo de avanço tecnológico chinês. Pertence à segunda
17

metade da década de 1985, ainda, a deterioração das contas públicas e a


contaminação do sistema bancário – combinação que favoreceria o início da
aceleração inflacionária. A ela, somam-se crescentes insatisfações decorrentes do
aumento da percepção de desigualdade e do desejo por maiores liberdades políticas
de perspectiva ocidental, oriundo da introjeção cada vez maior de valores estrangeiros
na sociedade chinesa. O capítulo conclui-se com a tragédia da Praça Tiananmen, que
representaria uma nova ruptura na trajetória do desenvolvimento do país asiático.

A mudança de rota chinesa após este evento é inserida no contexto de


queda do Muro de Berlim e fim do socialismo soviético, o que exige da China um novo
papel para potencializar seu status político no mundo. O Capítulo III inicia-se neste
momento de mudança do ritmo e do grau de profundidade, logo no início da década
de 1990, das transformações da estrutura produtiva. O processo de abertura gradual
e controlado é ampliado, dando mais espaço para investimentos externos,
mecanismos de mercado e empenhos na concentração econômica na região costeira
do leste. Ainda assim, pode-se identificar explícitos traços de controle estatal,
reforçando a tese de que, inclusive nos caminhos tomados a partir dos anos 1990,
não se prescinde da preservação da unidade e da hierarquia política do regime.

Em 1992, ocorre o famoso Tour ao Sudeste, em que Deng Xiaoping reforça


a intenção de acelerar as reformas de modernização econômica, cuja base essencial
seriam as Zonas Econômicas Especiais (ZEE’s). Observa-se um afastamento do
igualitarismo sob a máxima de que alguns ficariam ricos primeiro. Ocorrem, ademais,
um grande número de privatizações, as quais respeitam, contudo, a estratégia
soberana de preservar o caráter estatal de setores estratégicos, compostos por
bancos e empresas que resguardariam a capacidade do Estado em intervir na
estrutura produtiva e nos passos do desenvolvimento econômico. A década de 1990
é momento, ainda, das reformas fiscal, bancária e do setor externo, cujos desenhos
intencionam, dentre outros objetivos, evitar novos processos de deterioração das
contas públicas e adaptar o sistema tributário à nova realidade econômica, melhorar
a saúde do sistema financeiro e contemplar os requisitos para a inclusão chinesa na
Organização Mundial do Comércio (OMC), e promover maiores possibilidades
tecnológicas, que acabaram por culminar no avanço de segmentos automotivos, de
produção de eletrônicos e de outros bens ligados à tecnologia da informação.
18

O terceiro capítulo contemplará, também, o início da década de 2000, em


que se observa ainda mais visivelmente o aumento da participação de segmentos de
média e alta tecnologia na estrutura produtiva chinesa. Estes anos compreendem,
ademais, um intenso processo de urbanização, o qual é responsável por ativar
gigantescos investimentos em infraestrutura, construção civil e telecomunicações.
Decorre, deste fenômeno, uma série de consequências de âmbito mundial, cujo
principal motivo está no aumento da demanda da indústria chinesa por matérias
primas e alimentos produzidos no resto do mundo. Concomitantemente, alguns
elementos determinam um novo e importante fenômeno. De um lado, o acúmulo de
reservas internacionais pela China é dado tanto pela crescente relevância do IDE
recebido, quanto pela estrutura cada vez mais complexa das exportações chinesas.
De outro, constrói-se o desejo chinês por empenhar esforços no sentido de ampliar a
importância de suas empresas nas cadeias globais de valor, a partir de estratégias de
desenvolvimento e incorporação de competências, especialmente de tecnologia em
setores intensivos em conhecimento. Ainda, evidencia-se manutenção de um espírito
de ganho de espaços e formas de influência geopolítica, o que se concretiza na
construção de novos relacionamentos globais e na aquisição de ativos estratégicos.
Cresce, assim, a partir dos anos 2000, de forma bastante aguda, o montante de
capitais chineses que partem a outras economias na forma de IDE, cujo objetivo
sugere a contemplação das frentes táticas mencionadas.

O capítulo IV tratará exclusivamente deste fenômeno. Explica que as


maiores pressões por abertura da economia chinesa, justificadas pelo desejo de
inserção à OMC, resultam num acirramento da competição interna, motivando as
empresas à busca por novos ambientes de atuação. Debate, por outro lado, o papel
da procura por competências tecnológicas que dariam maior acesso às práticas da III
Revolução Industrial, marcada pela microeletrônica e tecnologia da informação, sob o
processo de fragmentação produtiva e transnacionalização. Discute, assim, os
impulsos dados pelo Estado chinês para o aumento do IDE realizado pelas firmas do
país, os quais parecem extrapolar uma lógica estritamente microeconômica na sua
determinação. Apresenta as principais motivações, neste contexto, para a saída de
capitais chineses ao mundo.

O quarto capítulo adquire, também, um caráter mais empírico. Exibe, ao


leitor, os dados relativos ao IDE chinês ao mundo, tanto da perspectiva de destino,
19

quanto da perspectiva setorial e de forma de entrada do capital no país estrangeiro –


isto é, como investimentos em Fusões e Aquisições e em construção de nova
capacidade produtiva, ou, ainda, como parte de joint-ventures. Tais dados têm origem
nos rastreamentos realizados por alguns dos relevantes estudos sobre o tema,
existentes na literatura. A parte final desta seção dedica-se a uma análise focada no
IDE chinês ao Brasil, o qual é rastreado pela combinação de múltiplas fontes
secundárias com os esforços deste trabalho na atualização de informações
concernentes a tais fluxos. Interpreta-se a natureza geográfica, setorial e da forma de
entrada destes investimentos, sugerindo-se as possíveis determinações, bem como
as potenciais implicações à estrutura produtiva e às estratégias de desenvolvimento
brasileiro.

Deseja-se, ao leitor, o desfrute, em todas as seções deste trabalho, dos


elementos tão idiossincráticos da história do desenvolvimento da China, tão bem
quanto das reflexões propostas acerca da linha condutora geral deste processo, a
qual, como se pretendeu argumentar nas páginas anteriores, assumiu diferentes
facetas estratégicas ao longo dos últimos 70 anos, a despeito da defesa de princípios
soberanos que a motivaram durante todo esse longo período. Espera-se que, nos
capítulos que seguem, o leitor possa ter acesso ao reconhecimento de elementos que
estão por trás das décadas que, de acordo com a interpretação recém-exposta, foram
lugar da construção e da ascensão do que hoje reconhecemos como uma potência
econômica e geopolítica, disposta a ampliar ainda mais sua relevância diante do
mundo.
20

CAPÍTULO I
China maoísta: a importância do investimento
estatal e os esforços industrializantes

1.1. Um convite ao maoísmo

O período em que a China esteve sob o comando de Mao Tsé-Tung é alvo


de permanente discórdia entre aqueles que se dedicam a estudar a história econômica
do país. As quase três décadas a partir da Revolução Chinesa constituem,
recorrentemente, elemento central de discussões motivadas pelo desejo de
compreender o desempenho surpreendente da economia chinesa ao longo da
segunda metade do século XX. Tal performance - vale dizer - se dá não somente do
ponto de vista quantitativo – expresso pelo rápido e contínuo crescimento de seu
produto interno bruto -, mas também pela perspectiva qualitativa, a qual diz respeito
às fundamentais transformações da estrutura produtiva de tal economia.
Se, de um lado, algumas interpretações fazem a leitura de que os
resultados observáveis são consequências das reformas conduzidas após a morte de
Mao Tsé-Tung, de outro, autores admitem a relevância de se olhar para as bases
fundadas durante as décadas de 1950, 1960 e 1970, de forma a, só assim, capturar a
completude das condições que permitiram ao país asiático colher os frutos do último
quartel deste século. Neste sentido, Nogueira (2011, p. 25 - 26), exalta que “foi durante
o maoísmo que o país fez sua primeira transformação econômica estrutural e
estabeleceu-se como uma nação industrializada”.
O presente trabalho, inclusive por dedicar um capítulo inteiro a aspectos do
período maoísta, apresenta-se como signatário desta segunda visão – a de que o
olhar para o período em questão contribui decisivamente para entender as dinâmicas
chinesas que se apresentariam posteriormente, seja ainda no final do século XX, seja
no início do século XXI. Da mesma forma, o convite à discussão da China maoísta é
uma manifesta interpretação de que a transformação do país em um realizador de
Investimento Direto Estrangeiro (IDE) depois dos anos 2000 – inclusive para o Brasil,
tema abordado no último capítulo desta dissertação - é fruto de estruturas que,
consolidadas ao longo dos vários caminhos tomados pela economia e pela sociedade
chinesas nos últimos 40 anos, foram germinadas especialmente a partir de 1949.
21

O Capítulo I tem o objetivo de caracterizar esta primeira etapa da série de


transformações pelas quais passa a economia chinesa, atentando para políticas e
reformas econômicas colocadas em prática, tão bem quanto para os papéis do
Estado, do investimento público e da indústria para a constituição das novas
estruturas desenvolvidas e das novas possibilidades que emergem no horizonte
chinês. Espera-se que, nas próximas páginas, o leitor usufrua da tentativa
empreendida para delinear alguns traços gerais, num nível de profundidade que
permita identificar a diversidade de orientações políticas do desenvolvimento chinês
de 1949 até o final da década de 1970 e, mais do que isto, a importância do papel do
Estado para a performance econômica do país nas décadas seguintes.

1.2. Período Mao Tsé-Tung: dilemas e importância

Diegues & Milaré (2012) defendem que a modernização industrial chinesa


em ritmo acelerado, obtida a partir da década de 1980, deve ser, em parte, explicada
pelo legado deixado por Mao Tsé-Tung, a começar, em função da consciência política,
manifestada pelo grupo que ganha o poder com a Revolução Chinesa, acerca da
necessidade de estimular o desenvolvimento da indústria pesada e a expansão da
produção e da produtividade agrícola (MEDEIROS, 1999). A indústria pesada era tida
como a coluna vertebral da industrialização chinesa, já que se responsabilizaria por
produzir máquinas capazes de produzir outros bens, aliviando uma eventual
dependência do país pela importação de bens de capitais quando do ganho de
participação do setor industrial na economia – trunfo particularmente importante num
período em que a China tinha pequena capacidade de geração de divisas. O setor
industrial como um todo, por sua vez, representaria, do ponto de vista da matriz teórica
formulada por Kaldor, e cujas ideias foram reunidas por Milaré & Diegues (2016), uma
importante fonte de crescimento econômico, com particular capacidade de geração
de inovações, de maiores graus de produtividade e de ganhos de escala.
A modernização da agricultura, por outro lado, teria a função de permitir a
transferência de recursos e bens do campo para as áreas urbanas, evitando o risco
de insuficiência de oferta agrícola e provendo os setores industriais da mão de obra
22

necessária para seu crescimento1. A relação entre o setor agrícola e o


desenvolvimento industrial será discutida adiante e, como se perceberá, assumirá
grande importância no processo de desenvolvimento econômico chinês.
A consciência de que esforços eram necessários para promover a
industrialização da economia chinesa representa uma descontinuidade em relação às
estruturas herdadas pela Revolução Chinesa de 1949, as quais se combinavam com
um cenário de profundo caos social. Naughton (2006) aponta que o desempenho da
economia chinesa fora medíocre desde o início do século XIX. Apesar disso, é
possível identificar o começo de um processo de industrialização a partir de 1912, com
a formação de alguns segmentos rudimentares e de ainda fracas articulações entre a
indústria nascente e os setores de transporte e comunicações. Deste ano até 1937, o
crescimento fabril anual teria sido da ordem de 8 a 9%. O desenvolvimento industrial
era, no entanto, ainda muito concentrado – a produção de têxteis, alimentos e tabaco
respondia por quase 70% da produção de manufaturados em 1933, de acordo com
Censo então realizado (NAUGHTON, 2006). Tais segmentos dominavam a indústria
tida como moderna, a qual, empregando menos de 2% dos trabalhadores chineses,
ainda era bastante incipiente em comparação a segmentos artesanais (NOGUEIRA,
2011).
Uma estrutura produtiva mais industrializada ainda dependeria, no entanto,
da emergência de uma conjuntura específica, a qual pudesse combinar elementos
que permitissem a deflagração da Revolução, responsável por promover as rupturas
necessárias a novas transformações no âmbito da economia, como será tratado
adiante. Após o estabelecimento do domínio japonês sobre a Manchúria, em 1931 –
região que passa a ter sua economia voltada à produção de matérias-primas
requeridas pela indústria japonesa -, a tomada da ponte Marco Polo2, também pelos

1 De acordo com a CEPAL (2015), a China contava, em 2015, com 22% da população mundial e com
apenas 7% das terras cultiváveis e 6% dos recursos naturais. Em 1950, a China tinha uma população
de aproximadamente 550 milhões de pessoas (NBS - NATIONAL BUREAU STATISTICS, vários anos),
o que correspondia a cerca de 20% da então população mundial, já ocupando o posto de país mais
populoso do mundo.
2 O chamado “Incidente da Ponte Marco Polo” foi o estopim de um longo período de tensão entre

chineses e japoneses, o qual culminou no início de um conflito aberto entre os exércitos dos dois países.
A ponte de Marco Polo, cujo nome, em mandarim, é Lugouqiao, era considerada, pelo então
comandante do governo central chinês, Chiang Kai-shek, um local estratégico para preservar a
comunicação da cidade de Pequim com as regiões ao seu entorno. A defesa da ponte era, então, uma
tarefa de extrema importância a ser cumprida pelo exército Kuomintang – representante das forças
nacionalistas chinesas. Em 07 de julho de 1937, no entanto, um soldado japonês desaparece após
exercícios das tropas japonesas ao sul da ponte serem interceptados por tiros vindos do lado onde
estavam as tropas chinesas. Suspeitando que o sumiço do soldado teria sido provocado por um
23

japoneses, em junho de 1937, determina o início de uma dolorosa guerra contra os


invasores. As consequências de tal incidente provocam, por um lado, a devastação
de parte da frágil indústria chinesa preexistente, tão bem quanto da rudimentar
agricultura e da infraestrutura a ela associada – especialmente aquela voltada à
irrigação. Ampliam-se, assim, os desafios impostos a uma economia que já era
essencialmente primária, com cerca de 80% de sua população no campo e cerca de
50% do seu PIB correspondente à produção do setor primário (NBS - NATIONAL
BUREAU STATISTICS, vários anos)3. Por outro lado, segundo Naughton (2006), a
guerra contra o Japão permite que o grupo liderado por Mao Tsé-Tung ganhe
renovada legitimidade perante a população chinesa, o que foi possível também devido
à incapacidade de seus inimigos internos - as forças nacionalistas - em enfrentar a
invasão nipônica. Após um curto período de aliança entre os exércitos maoísta e
nacionalista para derrotar o inimigo externo comum, uma revolução camponesa
liderada por Mao culmina na expulsão de seus adversários internos para Taiwan e na
proclamação da República Popular da China, em outubro de 19494 (MEDEIROS,
2008b).
O embate sino-japonês teria tido a função de estimular, pela primeira vez,
um papel mais ativo do Estado no que diz respeito ao desenvolvimento industrial. A
necessidade de fomentar a indústria militar, especialmente em áreas distantes de
Xangai, incentivara a criação de uma comissão central de planejamento5 que se
incumbiria do desenvolvimento industrial patrocinado pelo Estado. Adicionalmente,
quando da retomada da Manchúria, as indústrias que até então eram controladas pelo
governo japonês passaram a ser comandadas pelo governo chinês, o que legou às
forças comunistas que assumiriam o poder uma importante, ainda que embrionária,
base industrial estatal.

eventual sequestro operado pelo exército chinês, o comandante japonês solicita a entrada japonesa na
cidade de Pequim, para procurá-lo. Diante da negativa chinesa, os japoneses iniciam um bombardeio
à cidade, o que desencadeia um contra-ataque por parte do exército Kuomintang. A partir de então, o
conflito entre os dois países ganha proporção ampliada, transcorrendo de forma escancarada e
provocando destruição em regiões do leste chinês.
3 Dado referente ao ano de 1952. Uma metodologia alternativa para medir a composição setorial do PIB

é desenvolvida e apresentada por Maddison & Wu (2007).


4 A guerra interna dos exércitos e bases populares organizados por Mao Tsé-Tung com as forças

nacionalistas, lideradas por Chiang Kaishek e representadas pelo exército Kuomintang, durou de 1927
a 1948, sendo interrompida apenas entre 1936 e 1945, em função da necessidade de defender o
território chinês contra a invasão japonesa (GONÇALVES, 2006).
5 A comissão chamava-se Natural Resources Commission (NRC).
24

É essencial notar que há uma ruptura histórica representada pela


Revolução de 1949 e pelo início do comando chinês por Mao Tsé-Tung. Tal ruptura
caracteriza-se pela tomada de consciência da necessidade de sustentar, a partir do
Estado, de forma deliberada, um processo de industrialização que pudesse provocar
a melhoria das condições de vida da população chinesa. Ainda que a indústria já
ocupasse um espaço crescente na economia do país – e que os anos imediatamente
anteriores à Revolução tenham contado com esforços para fortalecer a indústria militar
-, é a partir de 1949 que se observa com maior clareza os empenhos estatais para
superar a condição predominantemente agrícola da economia chinesa, como será
mostrado ao longo deste capítulo. Desde este ano, segundo Naughton (2006), passa-
se a privilegiar, por meio do Estado, setores intensivos em capital, produtores de
metais, maquinário e químicos, ao invés de setores intensivos em trabalho.
Aglietta & Bai (2013)6 também apontam à imprescindibilidade de olhar para
o período 1949–1978 a fim de entender a industrialização chinesa das décadas
seguintes. Os autores rejeitam a hipótese de que as reformas liberalizantes pós-1978
tenham sido as únicas responsáveis pelo mais acelerado crescimento do setor
industrial. O início do período de invejável desempenho econômico ou do processo de
industrialização, a partir do último quartel do século XX, não pode ser explicado
apenas em função da ausência prévia de mecanismos de mercado. Nas palavras de
Aglietta & Bai (2013, p. 72):

Although a market economy provides economic stimuli that can play a


strong role in promoting industrial development, industrial production
is not the necessary and obvious offspring of a market economy unless
social and political institutions pose the need for, or open the possibility
of, accumulating massive resources (both capital and labor). Such
accumulation may then possibly interact with the emergence of new
technologies able to create a capitalist system of production and
distribution.

Os autores apontam, ainda, que as dificuldades do caso chinês estavam


concentradas no necessário e custoso rompimento dos limites de exportação de
recursos materiais e humanos do campo para as cidades – obstáculo este agravado
pela inexistência de expedições chinesas para exploração de recursos externos ao

6 Aglietta & Bai (2013, p. 74) afirmam: “Hence we believe a careful re-examination of China’s socialist
history is of great value in understanding the initiation of China’s industrialization process and the nature
of Chinese reform”.
25

seu território. A solução destes problemas exigiria, então, uma ampla mudança das
relações produtivas do campo e entre o campo e a cidade.
Ao olhar para a estrutura agrária chinesa, constata-se traços de
desconcentração, que se combinam com a presença de famílias que trabalhavam em
sua própria terra e famílias arrendatárias, as quais, diferentemente do que ocorria na
Europa, estavam sujeitas a contratos que lhes impunham o pagamento de rendas
fixas pelo uso de terra alheia. As famílias proprietárias seguiam a tradição de destinar
a terra aos filhos homens, perpetuando sua presença no campo. Às famílias inquilinas,
por sua vez, permitia-se, em função das formas contratuais praticadas, relativa
autonomia e apropriação de parte dos ganhos de produtividade obtidos ao longo do
tempo.
Tal configuração possibilitou não somente um grande crescimento das
famílias rurais, como também a permanência dos membros familiares num mesmo
pedaço de terra, impedindo que a produtividade do fator trabalho pudesse aumentar
conforme aumentava a produtividade da terra. A alta tolerância ao excedente de mão
de obra na China rural legou efeitos que retardaram os caminhos para a
industrialização do país, segundo Aglietta & Bai (2013).
As áreas urbano-industriais, por sua vez, encontravam dificuldades em
atrair e concentrar mão de obra para atividades fabris - dada a ausência de estímulos
para deixar a produção agrícola -, mas também para absorver recursos rurais livres,
já que os ganhos de produtividade da terra eram absorvidos pela população que a
ocupava. Ademais, com a abundância de mão de obra, o trabalho no campo mantinha-
se relativamente barato, o que desestimulava a adoção de tecnologias para a
constituição de produções intensivas em capital.
Diante da alternativa de lançar mão de incentivos materiais para promover
a dinamização da atividade econômica das áreas urbano-industriais, Aglietta & Bai
(2013) reconhecem o complexo dilema enfrentado pela China. Tal decisão poderia
resultar num abalo ao tênue equilíbrio entre a oferta e a demanda concernentes aos
bens agrícolas, uma vez que, ao induzir a migração de pessoas às cidades, poderia
gerar constrangimentos à produção do campo e fazer disparar, ao mesmo tempo, a
necessidade por matérias primas e alimentos pelas regiões agora munidas de um
novo contingente populacional e de uma oxigenada atividade industrial. De outro lado,
a restrição aos incentivos materiais, via política de controle centralizado de salários –
a qual fora, de fato, colocada em prática, como será exposto mais adiante -,
26

possibilitaria gestão mais segura da demanda por bens agrícolas exercida pelas áreas
urbanas, mas privaria a atividade econômica urbana de importantes estímulos à sua
performance.
Tal contradição só seria resolvida, segundo os autores, quando a China
tivesse condições de contemplar a crescente demanda urbana por bens produzidos
no campo sem que isto significasse prejuízos à oferta de bens agrícolas. Haveria duas
formas para alcançar este resultado: o aumento da produtividade rural chinesa ou
mudanças das condições internacionais, de modo que permitissem maiores
importações, pela China, de bens agrícolas e matérias-primas industriais produzidas
externamente.
Outro elemento marcante do período em questão é o rompimento do que
Diegues & Milaré (2012) chamam de “imobilismo tradicional”. O sentimento
generalizado de superioridade perante o resto do mundo, vigente na China antes da
Revolução, teria sido dissolvido com a quebra do status quo conduzida pelo processo
revolucionário e seus antecedentes históricos. De acordo com Oliveira (2005), neste
momento são

eliminados os restos das antigas burocracias civis e militares que


sobreviveram à queda do império, os proprietários de terras parasitários que
viviam de rendas e as camadas burguesas ligadas ao comércio exterior,
criadas com a ocupação de regiões do país por potências estrangeiras.

Por consequência, abre-se espaço para o reconhecimento do atraso chinês


em relação às técnicas desenvolvidas nas I e II Revoluções Industriais, tão bem
quanto para a condução de um processo de industrialização sob forte controle estatal,
apoiada no poder acumulado pelo Partido Comunista Chinês (PCC), beneficiário de
alta popularidade a partir do final da década de 1940. Fora necessário, no entanto,
impedir que tal processo de industrialização promovesse a ascensão de classes
sociais que, contempladas com novos privilégios, provocasse nova paralisia na
transformação social e econômica pela qual a China estivesse passando. Tal
enfrentamento foi elemento central da Revolução Cultural, que será abordada ainda
neste capítulo.
Como será notado, a consolidação política do PCC desencadeou a
possibilidade de uma série de mudanças profundas nas estruturas econômicas e
sociais chinesas. O governo que teve Mao como sua maior liderança – figura detentora
27

de habilidade política para despertar e gerir movimentos sociais – orientou suas ações
para viabilizar mais segurança nacional, melhores serviços sociais e equalização do
acesso a terras no campo. O maior foco do Estado, no entanto, seria a consolidação
de um processo de industrialização, tendo, como importante pilar, o apoio de parte da
população (AGLIETTA e BAI, 2013).

1.3. Os esforços industrializantes da era Mao

Os primeiros anos pós-Revolução Chinesa são de um cenário de grande


caos econômico, com a indústria e a agricultura assoladas pelas guerras dos anos
anteriores – tanto contra o Japão, quanto entre as forças nacionalistas e os
insurgentes comunistas. Convive-se, ainda, com a persistência de um processo
inflacionário cujas origens estão nas décadas anteriores7. Para enfrentar tal contexto,
o Estado opera a venda, ao mercado, de uma enorme quantidade de grãos,
armazenados em suas reservas estratégicas. Segundo Aglietta & Bai (2013), o volume
comercializado correspondera a cerca de 30 a 40% do mercado inteiro do bem em
questão. Ademais, empresas estatais passam a exercer a função de comercialização
de bens produzidos no campo, o que, segundo Eckstein (1977), teria constituído um
importante elemento para conter ou aliviar pressões especulativas e de demanda
sobre o preço de bens agrícolas, uma vez que a oferta às cidades era ampliada
justamente quando esses dois fenômenos começavam a emergir. A atuação das
empresas estatais de comercialização viabilizava, por outro lado, um importante
auxílio financeiro aos agricultores quando do aumento da produção rural, o que, via
de regra, derrubava o preço unitário dos bens produzidos por eles. Um terceiro
relevante efeito desta política fora a geração de receitas extras às finanças públicas.
A compra dos bens a preços mais baixos em períodos de oferta abundante e a sua
respectiva venda a preços mais altos em períodos de escassez – mas, ressalta-se,
mais baixos do que se poderia esperar sem as agências estatais de comercialização
– resultava na apropriação de um excedente pelo Estado chinês. Se, por exemplo,
uma unidade de um determinado bem estivesse sendo vendida por uma unidade

7 Segundo Burdekin & Wang (1999), os preços do atacado da cidade de Xangai cresceram quase
3.000% entre junho de 1949 e novembro de 1951 – momento em que atingem o pico no período
selecionado. Esses valores correspondem a uma inflação média anualizada de mais de 410%.
28

monetária em período de abundância de oferta e por seis unidades monetárias em


período de escassez, o Estado poderia adquiri-la por duas unidades monetárias no
primeiro momento e vendê-la por cinco unidades monetárias no segundo, usufruindo
de uma receita de três unidades monetárias em função da política proposta.
Burdekin & Wang (1999) demonstram como as firmas estatais de
comercialização no atacado foram ampliando seu espaço no mercado na virada das
décadas de 1940 e 1950, o que foi acompanhado por um movimento de crescimento
de lojas estatais de varejo8. A presença do Estado nas atividades produtivas era, no
entanto, ainda reduzida - pouco mais de 80% da produção industrial estava sob
controle privado em 1949. Somente após 1953, com consolidação do controle de
preços atrelado às políticas de compras compulsórias e esquemas de racionamento,
a concorrência privada às instituições estatais seria quase integralmente eliminada
(CHENG, 1954).
Os meses de combate à alta inflação contaram, ainda, com uma agressiva
redução dos meios de pagamento circulantes, o que gerou uma brusca queda da
atividade econômica. Ch’en (1984) recorda que, para reoxigenar a economia, além da
elevação das compras públicas de algodão e do relaxamento do controle de preços
sobre outras commodities, foram conduzidas ações junto ao setor privado, como
permissões para atrasar o pagamento de impostos e concessão de matérias primas
gratuitas para alguns segmentos – produtores de têxteis, borracha, papel e
ferramentas para máquinas. Algumas dessas medidas seriam repetidas no meio de
1952, como forma de responder à queda da produção no início deste mesmo ano.
O período de recuperação econômica que abrange os primeiros anos da
década de 1950 é marcado, também, pela distribuição de terras para famílias
camponesas pobres. Estima-se que, entre 1950 e 1952, 42% das terras aráveis,
concentradas especialmente no sul do território chinês, foram objeto de uma ampla
Reforma Agrária, que se constituía como enfrentamento central dos dilemas relativos
à necessidade de aumento da produtividade no campo, basilar para um país com uma
enorme população e fortemente dependente dos resultados agrícolas9.

8 A empresa estatal de comercialização em Xangai, por exemplo, chegou a controlar 35% do total do
volume comercializado no atacado, em 1950, 36% em 1951 e 57% em 1952 (BURDEKIN e WANG,
1999).
9 Após os três anos iniciais da Reforma Agrária, já se podia constatar um contínuo aumento da produção

agrícola e um relativo impulso às atividades econômicas rurais e urbanas – Nogueira (2011, p. 29)
afirma que, durante a fase de agricultura familiar (1952-1955), a produção agrícola expandiu-se 1,3%
29

A estratégia adotada resultou na consolidação da produção agrícola


familiar e na eliminação de uma antiga classe de senhores de terras, que concentrava
parte importante dos lotes rurais (NOGUEIRA, 2011, p. 29). Sendo responsável pela
redistribuição das terras confiscadas de grandes latifundiários, a Reforma Agrária tem
como importante consequência o maior acesso, por camponeses despossuídos, a
meios de reprodução de sua vida10. Para Diegues & Milaré (2012), a relevância da
reorganização da estrutura agrária estende-se ao fato de que tal reestruturação se
constituíra como importante base para a industrialização pesada do país, uma vez que
permitiu maior coordenação social, pelo Estado, rumo às tentativas de concessão de
protagonismo à indústria. Eles mencionam que a política de redistribuição envolveu
cerca de metade das terras então cultivadas, favorecendo cerca de 300 milhões de
camponeses pobres e criando um forte apoio social aos objetivos do governo.
Destacam, ademais, a criação de fazendas e granjas de propriedade estatal, as quais
transformaram muitos camponeses em trabalhadores assalariados. Posteriormente –
especialmente a partir de 1955 -, observa-se um processo de coletivização gradual
das terras agrícolas, transformando espaços antes ocupados por produtores privados
individuais e familiares em ambientes onde a disseminação de conquistas
tecnológicas e de importantes serviços sociais poderia se dar de forma facilitada
(AGLIETTA e BAI, 2013).
A estrutura produtiva urbana também fora alvo de iniciativas que
intencionavam preparar o terreno para o ganho de importância do setor industrial. O
crédito e a matéria-prima utilizados por parte das empresas privadas passaram a ser
fornecidos por órgãos estatais, junto aos quais foram celebrados contratos que
auxiliavam o Estado no controle da produção. Uma outra parte das empresas privadas
foi conduzida a fusões com estatais preexistentes, das quais resultavam corporações
que passariam a ser detidas e dirigidas também pelo ente público. As fábricas que
haviam sido comandadas pelo governo japonês – e que haviam usufruído de
inversões patrocinadas pelo Estado nipônico, durante o período em que o país
invadira o território chinês -, constituíam importante base da indústria pesada e

ao ano, em termos per capita, apresentando taxa superior àquela observada antes da Revolução ou
mesmo entre 1955 e 1980, quando da vigência da agricultura coletivizada.
10 Nogueira (2011)) alerta para o fato de que a distribuição de terras não teria eliminado os marcantes

traços de desigualdade da vida rural chinesa, mantendo 30% das famílias na condição de “camponeses
pobres”. Para mais dados relativos a este ponto, ver Nogueira (2011, p. 29).
30

passaram também a ser propriedade estatal chinesa, mantendo-se como destino de


importante parcela dos investimentos públicos realizados no pós-Revolução.
Em 1953, é lançado o I Plano Quinquenal, inaugurando o que Naughton
(2006) chama de período dos “Picos Gêmeos”, com referência a dois momentos de
elevação substancial dos investimentos públicos. O Plano foi largamente inspirado no
Plano Quinquenal soviético do final da década de 1920 e, ademais, contaria com
importante participação da experiência da União Soviética para seu planejamento e
execução, o que incluiria a importação de maquinaria pesada e com conteúdo
tecnológico considerável para a época.
Cheremukhin et al. (2014) ressaltam, no entanto, que, contando com a
vantagem de ter observado os resultados da aplicação prática do plano soviético, os
chineses tinham a consciência de que não poderiam sacrificar a agricultura do mesmo
modo que seus parceiros, especialmente devido à relevância estratégica deste setor
ao desenvolvimento do país. Este ponto será retomado ao final deste capítulo.
O objetivo do plano era, em linhas gerais, consolidar uma base industrial
que pudesse ser desenvolvida durante os anos posteriores, sob tutela do governo. Do
ponto de vista regional, havia uma preocupação em privilegiar investimentos em
províncias interioranas, de modo a amenizar as grandes disparidades econômicas que
estas regiões enfrentavam em relação às cidades costeiras do leste. Mesmo algumas
indústrias de suporte ao poderio militar chinês, que antes se localizavam nestas
últimas cidades, mais vulneráveis a ameaças externas, foram transferidas para locais
do interior (BRANDT, MA e RAWSKI, 2016).
O Plano consistia em 694 projetos industriais de médio e grande porte,
sendo que 156 receberiam ajuda soviética11. Dentre as áreas prioritárias, estavam as
produções de carvão, aço, petróleo e máquinas, com destaque a transformadores,
motores elétricos e motores de combustão interna. Tais investimentos extrapolariam
a função de estimular o dinamismo econômico, já que teriam o potencial de reduzir a

11 Segundo Nogueira (2011, p. 33), o modelo soviético adotado durante o I Plano Quinquenal pode ser

caracterizado como de “administração centralizada” e voltado para um acréscimo relevante de


inversões no setor industrial, especialmente nos segmentos da indústria pesada necessários para o
“desenvolvimento de uma moderna indústria militar”. A autora afirma, no entanto, que, na prática, o
modelo chinês, que tinha de fato inspiração soviética, era um pouco mais descentralizado, já que muitas
decisões eram tomadas por governos locais, que também possuíam controle sobre serviços comerciais
e unidades industriais. Ainda assim, o governo central era o responsável por determinar níveis de
salários e emprego, preços relativos entre indústria e agricultura, taxas de investimento e gestão das
maiores indústrias de bens de capital, além de apropriar-se de lucros gerados (WHEELWRIGHT e
MCFARLANE, 1970).
31

dependência chinesa por importações de máquinas. O suprimento energético, tanto


via energia elétrica, como através da utilização do petróleo, também receberia atenção
especial, assim como os segmentos produtores de itens de transporte, os quais
dariam suporte a investimentos que permitissem o alcance das ações do Estado a
regiões mais distantes da costa e dos principais centros urbanos (DIEGUES e
MILARÉ, 2012).
Com base em dados de Spence (1990), os autores apresentam a
distribuição do investimento fixo estatal em 1952, 1955 e 1957, que correspondem
aos cenários imediatamente anterior ao início do I Plano Quinquenal, durante o
programa e ao final dele, respectivamente. Enquanto os segmentos industriais
ocupam o posto de principais receptores das inversões, com 39%, 46% e 52% dos
respectivos investimentos nos três anos, Transporte e Comunicação aparecem no
segundo lugar, com 18%, 19% e 15%, e Agricultura, Silvicultura, Gestão da água e
Meteorologia no terceiro lugar (Figura 1). Pode-se identificar, a partir destes dados, os
esforços para a composição e ampliação da base industrial capaz de dinamizar a
economia e alavancar a produção de bens mais complexos, bem como para a
resolução do problema de transferência de recursos entre o meio rural e o meio
urbano, o qual está inscrito na base dos obstáculos relativos ao suprimento alimentar
e de matérias primas que poderiam impor gargalos ao crescimento da indústria.

Figura 1 - Distribuição do Investimento Fixo Estatal na China


Em anos selecionados (1952, 1955 e 1957), em % do total

Outros

Construção

Comércio

Cultura, educação e pesquisa

Agricultura, silvicultura, gestão da água e meteorologia

Transporte e comunicação

Indústria

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%

1957 1955 1952

Fonte: (DIEGUES e MILARÉ, 2012). Elaboração própria.


32

A ampliação das cooperativas agrícolas, como iniciativa que objetivava


estimular a produção no campo e intensificar a penetração dos objetivos vislumbrados
pela ação estatal, também era parte do I Plano Quinquenal. Campanhas para
incorporação de novos produtores contribuíram para que a porcentagem de famílias
rurais dedicadas às terras gerenciadas coletivamente sob supervisão estatal fosse
ampliada de 2%, no final de 1954, para 98%, ao fim do ano de 1956 (NAUGHTON,
2006).
Ao lado do espraiamento e aprofundamento das cooperativas no tecido
econômico e social da China rural, merece destaque a implantação de monopólio
estatal na aquisição de grãos, a partir de 1953, que tornava o governo chinês o
comprador de toda a produção do bem, antes que ela pudesse ser vendida ao
mercado. Esta iniciativa representava uma continuidade da já citada atuação das
empresas estatais de comercialização de bens agrícolas. Se, num primeiro momento,
a política parecia ter uma função parcialmente voltada para o combate à alta inflação,
evidenciava-se, a partir de agora, uma função mais ampla e diretamente vinculada à
promoção do desenvolvimento industrial. Na prática, induzia-se, agora, a uma
redistribuição do valor apropriado por diferentes agentes no processo de produção e
comercialização dos grãos. Enquanto produtores rurais passavam a ter de respeitar
cotas de produção e limitar suas receitas em função dos baixos preços de venda
estabelecidos pelo governo, o setor industrial desfrutava de vantagens ao adquirir, do
Setor Público, um insumo com preços igualmente reduzidos, o que resultava,
naturalmente, na queda de seus custos de operação e na preservação de altas taxas
de lucro.
Antecipando a hipótese de que trabalhadores chineses das regiões rurais
vislumbrassem a possibilidade de usufruir de melhores condições de vida se
migrassem para as áreas urbanas12, seja devido à deterioração das condições de vida
no meio rural, seja em função da atratividade das atividades econômicas industriais,
o governo chinês lança mão do sistema Hukou, que objetivaria evitar eventuais
deslocamentos de grande contingente populacional que pudessem gerar insuficiência

12Nogueira (2011) aponta que o principal elemento de atração dos chineses às cidades, apesar da
ausência de grandes incentivos materiais na produção do campo, não era o salário em si, já que seu
patamar real seria estagnado por um longo período nas zonas urbanas. O que induzia o trabalhador
chinês a deixar a economia rural era o facilitado acesso a moradia e alimentos, tão bem quanto a
serviços de saúde, educação e transporte, os quais, embora também oferecidos nas comunas, tinham
qualidade superior nos centros industriais.
33

de força de trabalho na economia rural ou excesso de demanda por bens agrícolas –


alimentos ou insumos industriais oriundos do campo - por parte das cidades. Tal
política restringiria o acesso dos indivíduos aos serviços sociais, permitindo-os usufruir
apenas daqueles ofertados em suas localidades de origem13. Aliada a esforços de
aumento da produtividade agrícola, a medida buscava afastar um possível
agravamento da já problemática relação entre economia agrícola e urbana na China.
Adicionalmente ao controle do relacionamento campo-cidade, a política do
monopólio de grãos também era justificada por outro aspecto concernente às
intenções industrializantes. Com ela, o governo chinês passava a ter maiores
possibilidades de direcionar a transformação produtiva com comando mais rígido de
seus caminhos. Para este objetivo, outras medidas também foram tomadas. Segundo
Aglietta & Bai (2013, p. 78):

In 1953, only four years after the establishment of the new China, the CCP
abruptly ended the ‘New Democratic Period’ and pushed the whole country,
urban and rural regions alike, into public ownership and a controlled economy.
This so-called ‘Socialist Transformation” was completed in less than five years
(1953-57). The CCP had thus gained full control over the chinese economy,
and was ready to speed up the country’s industrialization process at all costs.

Dentre os instrumentos utilizados está o controle total sobre os salários


praticados no país, preservando-os em patamares próximos ao nível de subsistência.
Enquanto a população rural ficaria com parte reduzida de tudo aquilo que produzia,
aumentando a parcela de bens agrícolas transferidos às cidades, a população urbana
se apropriaria de parte também comprimida da produção industrial, sendo seus
salários não corrigidos com base no aumento da produtividade, de forma a permitir
que os altos lucros do setor em questão o tornasse atrativo para novos investimentos.
Ademais, a ausência de mecanismos de incentivo limitava a ambição da classe
trabalhadora ao usufruto de maiores níveis de consumo, permitindo o direcionamento
de uma parcela elevada da renda nacional para inversões produtivas. Vale destacar
que, fosse a industrialização baseada em segmentos produtores de bens de consumo
duráveis ou não duráveis, voltados ao mercado interno, os baixos salários, ao
restringirem a demanda, dificultariam a venda das mercadorias produzidas. Aglietta &

13Até as viagens de trabalhadores do campo à cidade seriam alvo de restrições, já que os cupons
cambiáveis por comida não podiam ser utilizados fora da localidade de origem do viajante.
34

Bai (2013) lembram, no entanto, que este problema não acometia a industrialização
chinesa pelo fato de que ela estava abalizada, naquele momento, em segmentos da
indústria pesada.
Para que este sistema funcionasse de forma virtuosa à industrialização – e
não, por exemplo, ao consumo de luxo de empresários privados -, a disseminação da
propriedade pública dos meios de produção, já citada, fora muito funcional. Entre o
final de 1955 e o início de 1956, depois de sobreviver por seis anos após o início do
período de comando de Mao Tsé-Tung, a propriedade privada estava quase abolida
na China, reduzindo drasticamente o risco da ascensão de burguesias que pudessem
paralisar as transformações em operação. Nas cidades, há permanente incorporação
de fábricas pelo Setor Público, seja pela transformação de unidades privadas em
instituições de propriedade mista, seja pela sua absorção completa pelo Estado. Nos
segmentos de transporte e comunicação, por exemplo, todas as grandes empresas
passaram a ser de propriedade do governo.
Tamanho controle sobre os meios de produção permitia ao Estado uma
atuação constante e sólida sobre o planejamento e o funcionamento da produção em
si. Através de metas colocadas às direções das empresas e deliberações acerca da
alocação de matérias primas e dos fluxos de recursos creditícios, o governo central
detinha alto grau de influência sobre as decisões de investimentos e a criação de
empregos urbanos, como se estivesse, na prática, submetendo a produção industrial
chinesa a uma planilha insumo-produto comandada de forma centralizada.
O que se tem como resultado desses esforços é um crescimento anual de
9,2% da economia chinesa entre 1952 e 1957, a preços constantes (NBS - NATIONAL
BUREAU STATISTICS, vários anos), com o setor secundário tendo acrescida sua
participação no PIB de 21% a 30% no mesmo período, em detrimento do setor
primário14, cuja participação caíra de 50% a 40% (Figura 2). Este é apenas um dos
recorrentes momentos em que tal combinação de movimentos, explicitada a partir dos
dados oficiais do governo chinês, é observada.
Como se notará ao longo da leitura, este trabalho fará um esforço em
apresentar a mesma perspectiva para outros períodos, procurando sinalizar os
motivos para o crescimento relativo estrutural do setor secundário. Cabe, aqui, no
entanto, uma ressalva metodológica. Os dados publicados pelo governo chinês

14 Setor primário corresponde ao conjunto de atividades agrícolas, de pecuária e de pesca. O setor

secundário, por sua vez, contempla o que o governo chinês chama de “indústria” e “construção”.
35

dividem a composição setorial de cada ano em duas perspectivas – a preços correntes


e a preços constantes, os quais são expressos com referência a 1952 ou a 1978, a
depender do período de análise. Para demonstrar o peso de cada setor na economia,
o trabalho utilizará os dados a preços correntes, por mais que a variação da
participação setorial no PIB possa ser contaminada por oscilações de preço não
propriamente estruturais dentro de cada grupo de atividade. Faz-se esta escolha em
função de dois motivos: 1) as oscilações de preço, ainda que conjunturais, são de
grande valia para o desenvolvimento das atividades produtivas de um determinado
setor, à medida que conferem, em relação aos demais setores da economia,
importantes vantagens que podem se traduzir em maior acumulação de capital; 2) os
dados oficiais do governo chinês parecem apresentar inconsistências estatísticas
quando apresentados a preços constantes, de modo que a soma dos valores de todos
os setores não corresponde ao valor total da produção interna bruta. Para as
informações relativas ao crescimento setorial e do PIB, contudo, o presente trabalho
utilizará dados a preços constantes, a fim de, a despeito das inconsistências, que
parecem pouco limitantes da análise, poder isolar os movimentos de expansão e
contração das atividades dos efeitos próprios de seus preços15.
De forma a retomar o movimento de expansão industrial verificada já no
início do período maoísta, destaca-se, ainda, que os segmentos com maior aumento
do valor bruto de produção durante o I Plano Quinquenal são aqueles responsáveis
pela fabricação de turbinas hidrelétricas, de motores de combustão interna, de
geradores e de locomotivas (1.024%, 2.107%, 951% e 735% de aumento entre 1952
e 1957, respectivamente), o que atesta a hipótese de incremento da indústria pesada
e as preocupações com o fortalecimento da estrutura de produção energética.

15 Para dados alternativos àqueles publicados pelo governo chinês, ver Maddison & Wu (2007).
36

Figura
Gráfico2 2- PIB
- PIBchinês
chinêspor
porsetor
setordadaeconomia
economia
De
De1952
1952aa1978,
1978,em
em%
%do
dototal
totaldo
doPIB,
PIB,aapreços
preçoscorrentes
correntes

60,0

50,0

40,0

30,0

20,0

10,0

0,0

Setor Primário Setor Secundário Setor Terciário

Fonte: (NBS - NATIONAL BUREAU STATISTICS, vários anos). Elaboração própria.

Ressalta-se, também, o crescimento expressivo da produção de aço - que


atinge, nos anos de execução do Plano, uma quantidade equivalente a 218% do total
produzido nos 48 anos entre 1900 e 1948 -, e a ampliação de 98% da produção de
carvão, entre 1952 e 1957. A produção do setor primário, a despeito da perda de peso
relativo ao PIB, têm, nas produções de grãos e algodão, resultado que supera aquele
ambicionado pelo programa, o que não corresponde, no entanto, ao ritmo de
crescimento necessário para que o setor pudesse acompanhar a ampliação do setor
industrial (NBS - NATIONAL BUREAU STATISTICS, vários anos).
Os anos seguintes, que marcam o fim do período dos Picos Gêmeos com
uma leve desaceleração da expansão anual do investimento, de 20%, em 1956, para
cerca de 10%, em 1957, abrigam importantes acontecimentos no plano político. O
biênio 1956-1957, que é palco de pressões para abertura do Partido Comunista
Chinês a críticas em relação à forma de condução da economia e da sociedade16, é

16 Em maio de 1956, Mao teria recitado um poema em reunião privada dos líderes do Partido
Comunista, mostrando-se inclinado a permitir que vozes críticas pudessem aflorar para enriquecer o
debate sobre a condução do desenvolvimento chinês. Surgem, então, variadas pressões contra o
regime comunista, as quais se tornam ainda mais agudas diante do surgimento de variados problemas
derivados do acelerado ritmo de transformação imposto no período anterior – seja concernente à
incorporação de trabalhadores no setor público, que ocorreu de forma bastante rápida, seja em relação
37

sucedido por um recuo estratégico do que parecia se apresentar como relativa


disposição das lideranças do PCC à incorporação de vozes dissonantes no debate
público. Temendo o enfraquecimento do controle detido pelo Estado sobre o processo
de desenvolvimento, a cúpula liderada por Mao Tsé-Tung resolve iniciar uma
campanha antidireitista, de forma a fechar novamente o espaço para as ferrenhas
críticas que haviam emergido. Por outro lado, o governo promove resposta ao cenário
de pressões que defendiam reintrodução de mecanismos de mercado e menor
comando, pelo Estado, da vida econômica e social do país. Um conjunto de reformas
de descentralização do comando da economia é lançado, além da reinclusão, em
1956, de incentivos materiais à produção, os quais, segundo Aglietta & Bai (2013),
assumem formas distorcidas, que privilegiam indivíduos com credenciais políticas e
privilégios econômicos. As decisões e o gerenciamento da produção são transferidos
para o âmbito local e para a direção das próprias empresas envolvidas, assim como
o ajuste de metas de produção e a gestão dos recursos empenhados no processo
produtivo – sejam eles financeiros ou humanos. O governo central teria abdicado do
controle de 88% das empresas que antes comandava (AGLIETTA e BAI, 2013).
Um segundo conjunto de respostas às críticas sofridas viria em 1958, com
o lançamento do Grande Salto Adiante, o qual culminaria, segundo Naughton (2006),
no mais dramático, peculiar e trágico período da história da República Popular da
China. Entre os objetivos traçados, estaria um mote permanentemente utilizado para
entusiasmar a população chinesa, cujo empenho seria fundamental para a
concretização das metas do programa. Com a pretensão de exaltar a identidade
nacional chinesa, o governo conclamava que, com a ajuda de todos e a força coletiva
dos trabalhadores, em especial, do campesinato, a China poderia superar a Inglaterra
em quinze anos, o que, de certo, significava dizer que o governo estaria disposto a
ampliar e robustecer a indústria e a agricultura chinesas de forma acelerada nos anos
que seguiriam17. Dois outros objetivos estavam na base do Grande Salto Adiante: 1)
propagar relações produtivas mais igualitárias, nos marcos do socialismo chinês; e 2)

às mudanças do campo que, com as recém-criadas cooperativas, demandava grande quantidade de


recursos públicos. Dentre as dificuldades que aparecem, uma das principais é a já conhecida
incapacidade da oferta agrícola em acompanhar o aumento da demanda por estes bens oriunda do
meio urbano. O nome dado ao movimento de abertura às críticas é “Cem Flores”, que faz referência a
um trecho do poema lido por Mao: “Que flores de todos os tipos desabrochem, que diversas escolas
de pensamento se enfrentem”.
17 Dentre as metas de crescimento estipuladas estavam a ampliação em 19% da produção de aço, de

18% da produção de carvão e eletricidade e de 33% do crescimento do setor industrial como um todo
(GONÇALVES, 2006).
38

amenizar as desigualdades regionais que, naquele momento, apresentavam-se em


favor de regiões do leste Chinês, próximas à costa do país (CARVALHO, 2014).
Com referência às relações de produção mais igualitárias, uma das
iniciativas chave foi a reorganização da produção coletivizada no campo através da
disseminação de comunas, cujo comando passou a ser exercido de forma ainda mais
ativa pelo governo central. A partir do ano de 1958, 500 milhões de camponeses
chineses – ou o equivalente a 90% da população rural chinesa - são incorporados a
cerca de 23 mil comunas, originadas da reestruturação de aproximadamente 750 mil
cooperativas agrícolas preexistentes (CARVALHO, 2014).
A comuna era uma unidade administrativa cuja ambição deveria ser a
busca pela autossuficiência e, consequentemente, por um baixo grau de
especialização, o que se daria através da diversificação de suas atividades. Contava,
desta forma, com produção agrícola - a qual seria dividida entre consumo próprio e
excedente, entregue ao governo - e industrial, que consistiria em pequenas indústrias
rurais, muitas com baixa eficiência, que produziriam diversos bens, como insumos
agrícolas e, principalmente, aço18.
A política de criação de comunas foi um elemento de grande centralidade
para as possibilidades de controle, por parte do Estado, do processo de
industrialização, uma vez que promovia aglutinação social e espacial dos residentes
e produtores do meio rural, permitindo, entre eles, maior interação e envolvimento com
as atividades coletivas e, consequentemente, possibilidades ampliadas ao Estado de
acessar, de alguma forma, as dimensões social e econômica de suas vidas. Uma das
dimensões que puderam aflorar por meio deste novo canal refere-se ao provimento
de serviços sociais, como oferta de educação, saúde e condições de alimentação19.
Ademais, era da população das comunas que o Estado mobilizava mão de obra para
execução de projetos como o desenvolvimento de indústrias e infraestruturas rurais e
organização de milícias para proteção territorial (NAUGHTON, 2006) – o que se
tornava ainda mais destacável nos vulneráveis territórios do interior chinês. A coleta
de taxas e a própria supervisão da produção, acompanhando as metas estipuladas
pelo governo central, também eram realizadas no âmbito das comunas (MEDEIROS,
1999), o que representava, certamente, uma forma mais fácil de comandar os

18 Segundo Nabuco (2009) havia cerca de 1 milhão de fornos siderúrgicos de quintal, os quais se
caracterizavam por grande ineficiência produtiva.
19 Refeitórios, por exemplo, consistiam em um dos serviços oferecidos aos residentes das comunas.
39

caminhos tomados pelos esforços produtivos do que em um cenário de pulverização


da produção.
No meio urbano, ainda pouco antes do lançamento do Grande Salto
Adiante, foi decretado um novo fim aos incentivos produtivistas concedidos aos
funcionários das empresas estatais, abolindo o bônus atrelado à performance.
Segundo Nogueira (2011), passaram a coexistir salários reais constantes e
produtividade do trabalho crescente nestas firmas, o que resultava em ampliação de
suas margens de lucros, capturadas pelo sistema fiscal e incorporadas ao orçamento
do Estado20. A ausência de incentivos materiais à produção não era exclusividade das
cidades. No campo também havia, de acordo com a autora, algumas importantes
restrições à bonificação material pelo desempenho da produção21, de forma a
explicitar a visão de Mao Tsé-Tung de que a vida nas comunas deveria
necessariamente ser motivada pelo interesse coletivo, e não por ambições
individualistas e materiais, as quais consistiam na essência e no motor do modo de
produção capitalista22.
Dentre os principais resultados observáveis do Grande Salto Adiante está
uma enorme catástrofe no suprimento de alimentos à população chinesa. Embora a
produção agrícola tenha inicialmente mostrado bons resultados, com a média anual
de grãos por habitante se elevando de 357 quilos, em 1957, para 362 quilos no ano
seguinte (NOGUEIRA, 2011)23, a partir de 1958 observa-se uma brusca queda nos
resultados da produção de bens alimentícios, com redução das colheitas em 15,0% e
15,8% em 1959 e 1960, em relação aos respectivos anos anteriores, o que significou
um encolhimento acumulado de 28,5% de 1958 a 1960 (CARVALHO, 2014)24. De

20 Nogueira (2011, p. 41) afirma que os lucros das empresas estatais cresceram de RMB 11,4 bilhões
para RMB 49,3 bilhões entre 1956 e 1979.
21 Segundo Nogueira (2011), a política de incentivos materiais podia variar de comuna para comuna e

ao longo do tempo em que elas existiram.


22 Ainda que um sistema de pontos premiasse os camponeses com maior participação no trabalho

coletivo, concedendo às suas famílias maior quantidade de alimentos a ser recebida, tal recompensa
dependeria do desempenho da produção coletiva, que precisaria gerar excedentes após os gastos com
energia, insumos, vendas obrigatórias ao Estado e a formação de reservas dos bens agrícolas.
Ademais, sob o princípio de que ninguém deveria ficar sem receber um mínimo de alimentos, mesmo
um camponês que não tivesse se dedicado aos trabalhos coletivos receberia uma parcela da produção.
23 Carvalho (2014) afirma que, desde o início da década de 1950, até 1958, a produção agrícola crescia

aproximadamente no mesmo ritmo do crescimento populacional.


24 Nogueira (2011) traz os dados absolutos da produção de alimentos – 200 milhões de toneladas em

1958, 170 milhões de toneladas em 1959 e 143 milhões de toneladas em 1960. O nível de 1958 só
seria ultrapassado oito anos depois.
40

acordo com os dados per capita reunidos por Nogueira (2011)25, tal redução resultou
em forte queda na média de alimentos por pessoa, que chegou a 310 quilos em 1959
e 270 quilos em 1960, conforme observado na Figura 3:

Figura 3 -3Produção
Gráfico total
- Produção e per
total capita
e per dede
capita alimentos nana
alimentos China
China
De
De1952
1952aa1978,
1978,em
emtoneladas
toneladaseekg,
kg,respectivamente
respectivamente

500

400

300

200

100

Produção de alimentos (em milhares de ton) Produção per capita de alimentos (em Kg)

Fonte: Nogueira (2011). Elaboração própria.

A consequência mais evidente de tamanha contração da produção agrícola


foi a maior epidemia de fome do século XX, ocasionando a morte de uma quantidade
expressiva de pessoas – segundo Naughton (2006) e estimativas oficiais,
contabilizaram-se de 20 milhões a 30 milhões de vítimas de subnutrição devido à
insuficiência de alimentos. De acordo com o autor, a província de Sichuan teve 11%
de sua população devastada pela fome. Em Guizhou e Anhui, a mortalidade alcançou
6%.
Pelo menos duas causas principais são levantadas pela literatura para o
fracasso da produção de alimentos durante o Grande Salto Adiante. Em primeiro
lugar, é necessário mencionar os contratempos que a agricultura teve de enfrentar no

25Nabuco (2009) apresenta dados discriminados para um gênero alimentício – os grãos. Em 1957,
cada habitante do campo teria, em média, acesso a 207 quilos deste bem. Esta quantidade cairia, em
1958, para 201 quilos, reduzindo-se, em 1959, 1960 e 1961 para 183 quilos, 156 quilos e 154 quilos,
respectivamente. Diegues e Milaré (2012), afirmam que a produção absoluta de grãos decresceu de
195 milhões de toneladas em 1957 para menos de 150 milhões de toneladas em 1960.
41

final da década de 1950, com chuvas que impediram melhores resultados das
colheitas. Nogueira (2011) afirma que metade da área cultivável do território chinês
sofrera fortes inundações nos anos de 1959 e 1960. O segundo elemento, de acordo
com vários autores, como a mesma autora recém mencionada e Medeiros (2008b),
sugere que os esforços para o fortalecimento da indústria teriam sido feitos às custas
da agricultura, seja por meio de direcionamento de investimentos, seja pela
realocação de mão de obra. Há, em decorrência da prioridade dada à indústria, um
grande fluxo de trabalhadores da produção agrícola para as recém-criadas indústrias
rurais ou mesmo para as unidades fabris localizadas em regiões urbanas. Chow
(1993) mostra que, de 1957 a 1960, a agricultura teria perdido quase 23 milhões de
trabalhadores, sendo que, até 1959, a redução da mão de obra teria alcançado mais
de 30 milhões de trabalhadores. A soma dos setores industrial, de construção, de
transporte e de comércio, por sua vez, teria ganho um montante de 54 milhões de
trabalhadores de 1957 a 1959 e de 44 milhões entre 1957 e 196026.
Em termos de participação no PIB, as atividades primárias perdem incríveis
17 pontos percentuais em três anos – de 1957, quando representa 40% do PIB, a
1960, quando a participação alcança 23% -, passando a recuperar-se um ano depois,
quando sua participação aumenta em 9 pontos percentuais, para 32% (Figura 2). As
consequências mais evidentes de tal movimento para o processo de industrialização
estariam centradas nas já citadas dificuldades de suprimento alimentar que poderiam
se agravar a partir do desequilíbrio dos setores primário e secundário.
Dificuldades extras ao Grande Salto Adiante derivariam, ainda, das
mudanças da conjuntura geopolítica ou, mais especificamente, da ruptura da
cooperação soviética com a China, relação que se deteriorava desde a morte de
Stálin, no início da década de 1950. Três acontecimentos citados por Carvalho (2014)
servem como parte dos ingredientes do afastamento entre China e União Soviética.
São eles: 1) o posicionamento de Nikita Khrushchev, secretário geral do Partido
Comunista da URSS, contra o programa do Grande Salto Adiante; 2) o
posicionamento chinês contra as relações internacionais conduzidas pelos soviéticos
em relação a países comunistas, as quais seriam caracterizadas por um

26 Atenta-se ao fato de que, aqui, as variações da quantidade de trabalhadores na agricultura e nos


outros setores não se equivalem devido à variação existente, também, no tamanho total da força de
trabalho. Entre 1957 e 1960, de acordo com Chow (1993), a força de trabalho na China teria variado
positivamente em pouco mais de 21 milhões de pessoas. Entre 1957 e 1959, a variação fora de 24
milhões de pessoas.
42

“patrulhamento”27 que limitava suas possibilidades de independência política; 3) a


recusa soviética em ceder, à China, a tecnologia da bomba atômica. O resultado seria
a retirada dos técnicos da URSS que auxiliavam no planejamento e execução dos
projetos de investimento no país do leste asiático.
Ainda assim, as taxas de investimento durante o programa do Grande Salto
Adiante foram bastante elevadas, superando 30% do PIB em 1958, 40% em 1959 e
35% em 1960 (NAUGHTON, 2006). Nogueira (2011, p. 40) mostra que o PIB
industrial, que, em 1955, estava dividido entre indústria leve e pesada em 59,2% e
40,8%, respectivamente, alcança a proporção de 33,4% e 66,6% em 1960,
evidenciando a perda relativa de tamanho dos segmentos correspondentes ao
primeiro tipo de produção (Figura 4). Para a autora, o erro fundamental do Grande
Salto Adiante

foi, concomitante à elevação drástica da taxa de investimento na indústria


pesada, desmoronar a produção agrícola e a indústria leve, levando a uma
falta generalizada de bens de consumo básicos (especialmente alimentos).

Figura 4 - Composição do produto industrial bruto entre indústria leve e


indústria pesada
De 1950 a 1980, em %

80

70

60

50

40

30

20

10

0
1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980
Indústria Leve Indústria Pesada

Fonte: Nogueira (2011). Elaboração própria.

27 Carvalho (2014, p. 9).


43

O peso do setor secundário no PIB chinês, por sua vez, passa de 30%, em
1957, a 44%, em 1960 (Figura 2). Esta evolução pode ser demonstrada, também, pelo
crescimento real de mais de 103% do PIB industrial entre os anos mencionados, de
acordo com dados oficiais apresentados pelo (NBS - NATIONAL BUREAU
STATISTICS, vários anos)28. Para efeitos de comparação, o decrescimento real do
setor primário teria sido de aproximadamente 29%, enquanto o setor de Serviços teria
crescido 42%, no mesmo período. O PIB, por sua vez, teve crescimento de 32%, o
que corresponde a uma taxa anual média de 9,6%. Os valores, que tornam explícita
a prioridade dada à indústria, podem ser observados na Tabela 1:

Tabela 1 – Crescimento do PIB Chinês por setor


De acordo com estimativas oficiais, de 1957 a 1960, a preços constantes

Fonte: (NBS - NATIONAL BUREAU STATISTICS, vários anos). Elaboração própria.

A catástrofe na oferta de alimentos durante o Grande Salto Adiante induz o


governo chinês a rever a condução da economia nos anos que se seguem. Tão logo
se inicia a década de 1960, algumas medidas são tomadas no sentido de redirecionar
e readaptar o modelo até então adotado para a produção agrícola e industrial. Com a
finalidade de evitar nova escassez, impõe-se um racionamento de bens ligados às
necessidades mais críticas e cria-se canais para garantir maior suporte à agricultura,
empenhando-se investimentos, por exemplo, na indústria química, responsável por
produzir fertilizantes e fibras químicas capazes de aumentar a produtividade no
campo. Ademais, estima-se que 20 milhões de trabalhadores são enviados de volta
ao campo nos primeiros anos da década de 1960, o que se soma à iniciativa de
flexibilizar o modelo de produção agrícola coletivizada – as famílias produtoras

28 Maddison & Wu (2007), em revisão dos dados oficiais, sinalizam que o crescimento do PIB industrial,
entre 1957 e 1960, teria sido próximo a 90%. O setor de Serviços teria crescido pouco mais de 15%,
enquanto o setor primário teria sofrido encolhimento de quase 30% em seu PIB. O PIB total chinês teria
tido ampliação de quase 11% entre 1957 e 1960. Embora discrepantes, os dados estimados no artigo
não colocam sob dúvida o expressivo desempenho do setor industrial frente aos outros.
44

passam a poder se apropriar, de forma privada, de pequena parte da produção, tendo


de trabalhar para as comunas no tempo restante. A comercialização dos bens
agrícolas com as cidades volta a poder ser realizada diretamente, sem passar pela
exclusividade comercial do Estado, o que concede, aos agricultores, incentivos extras
para aumentar suas produções, elevando, assim, também suas receitas
(NAUGHTON, 2006).
Em relação à indústria, retoma-se formas de incentivos materiais com a
volta do sistema de concessão de bônus, aumentando as diferenças salariais entre
regiões e empresas. Ademais, ocorre o fechamento de diversas pequenas empresas
e firmas estabelecidas nas zonas rurais, resultando num movimento de concentração
da produção em um número menor de plantas eficientes. A gestão macroeconômica
da indústria, por sua vez, consolida-se num modelo diferente do soviético, isto é, com
decisões descentralizadas para os governos provinciais, embora havendo esforços
para que a produção se voltasse cada vez mais para bens de consumo que
contemplariam os imperativos de consumo da população, em detrimento do
fortalecimento da indústria de base (GONÇALVES, 2006).
O resultado é a recuperação dos níveis de produção agrícola e industrial
neste início de década (RUIZ, 2006). Segundo os dados oficiais, o PIB do setor
primário se recuperaria em 16,3% de 1961 a 1963 e em 31,3% até 1964. O setor
industrial, por sua vez, teria tido um crescimento de apenas 2,1% entre 1961 e 1963
e uma ampliação de 28,3% até 1964 (Tabela 2). Como já citado, o setor primário volta
a ganhar espaço no PIB total chinês, ampliando sua participação de 23% em 1960
para 32% em 1961 e quase 40% em 1963 (Figura 2). A performance do PIB total
chinês, por sua vez, é de um crescimento da ordem de 23% entre 1961 e 196429, o
que representa um crescimento médio anual de cerca de 7,1% no período (Tabela 2).

29 Os dados estimados por Maddison & Wu (2007) mostram recuperação do PIB agrícola de 16,7%,

entre 1961 e 1963, e de 32%, até 1964. O PIB industrial, por sua vez, teria tido crescimento de 4,8%,
de 1961 a 1963, e de 35,5%, até o ano seguinte. O PIB total teria crescido 31,6%, de 1961 a 1964.
45

Tabela 2 – Crescimento do PIB Chinês por setor


De acordo com estimativas oficiais, de 1961 a 1964, a preços constantes

Fonte: (NBS - NATIONAL BUREAU STATISTICS, vários anos). Elaboração própria.

O ano de 1964 traz novidades no que diz respeito às estratégias de


desenvolvimento chinês. Diante da situação de isolamento e ameaça à qual a China
se lançara ou, ao menos, na qual a China se enxergava a si própria – o que dizia
respeito não só à ruptura com a União Soviética, mas também ao crescente
envolvimento americano na guerra do Vietnã -, dois fatos mostram-se relevantes no
que se relaciona ao comportamento do governo chinês. Além do primeiro teste com a
bomba atômica, o qual informa ao mundo a capacidade relativamente alta da China
em defender-se de eventuais ataques ao seu território, ainda que o país detivesse
debilidade frente às principais potências bélicas mundiais (CARVALHO, 2014), Mao
Tsé-Tung lança o III Front, o qual se compõe de uma série de investimentos
destinados a reduzir a vulnerabilidade da base industrial chinesa, implantando
segmentos produtivos e infraestrutura logística – ferrovias, em especial - em regiões
interioranas e montanhosas do país, das quais Sichuan e Guizhou despontariam como
destaques.
O III Front é, do ponto de vista econômico, uma forte aceleração da taxa de
investimento, especialmente entre os anos de 1962 e 1966. Neste período, as taxas
de crescimento das inversões alcançam a ordem de mais de 20% anualmente,
chegando a ampliar-se mais de 40% entre 1962 e 1963. Em participação no PIB, o
investimento sai de pouco mais de 20%, em 1963, para pouco mais de 30%, em 1966
(NAUGHTON, 2006).
No plano político, residem, no período, os reflexos da agudização de
disputas internas ao Partido Comunista Chinês, as quais haviam ganhado força com
os problemas enfrentados durante o Grande Salto Adiante, mas também após a
frustrada tentativa de Zhou Enlai, Primeiro Ministro de Mao Tsé-Tung, de angariar
apoio político, no III Congresso Nacional do Povo, ao final de 1964, para um plano de
46

modernizações da indústria, agricultura, defesa e ciência e tecnologia. Tal investida,


que ficaria conhecida por “Quatro Modernizações”, seria uma das bases das reformas
lideradas por Deng Xiaoping, a partir do final da década de 1970. Segundo
(CARVALHO, 2014, p. 12), o surgimento da proposta ainda na década de 1960
indicava o reconhecimento, por ao menos parte do PCC, da:

premência do país em atingir o progresso material como condição necessária


não apenas para elevar o padrão de vida da população, mas, também, para
garantir a própria sobrevivência do regime socialista em face da potencial
ameaça representada pelo maior grau de desenvolvimento econômico e
militar das nações rivais.

Para parte do Partido Comunista, no entanto, a proposta soava como uma


ameaça aos valores originais do regime, o que teria desencadeado uma série de
medidas para resgatar o prestígio que Mao Tsé-Tung perdia desde os resultados do
Grande Salto Adiante, quando, segundo Nabuco (2009), passou-se a lhe fazer críticas
por, supostamente, dar mais valor às suas convicções políticas e ao voluntarismo da
população do que à realidade econômica do país30.
Um movimento ainda maior de defesa dos valores originais do socialismo
maoísta foi expresso, no entanto, na Revolução Cultural Chinesa, a qual se inicia em
1966 e se destaca por importância essencialmente política, já que, no plano
econômico, há manutenção de projetos prioritários ao menos até 1969, a despeito da
grande redução dos investimentos31 e do declínio moderado das produções agrícola
e industrial32, de 1967 a 1968. Da perspectiva da composição setorial do PIB chinês,
o setor primário preserva sua participação de 38% entre 1966 e 1969, enquanto o
setor secundário perde 2 pontos percentuais – passando de 38% a 36% no mesmo
período (Figura 2). Dentro do setor industrial, por sua vez, observa-se tendência de
reversão da recuperação do espaço da indústria leve, que, após o fim do Grande Salto
Adiante, chegara a alcançar 51,6% do produto industrial bruto, em 1965 – após

30 Dentre as iniciativas destinadas a recuperar o espaço de Mao estavam o Movimento de Educação

Socialista, que buscava conter o desvirtuamento dos valores socialistas, o lançamento de um livro de
Citações do Presidente Mao Tsé-Tung, a ser distribuído entre membros do Exército de Libertação
Popular, e a retirada de insígnias militares, “como uma demonstração do compromisso do ELP com o
igualitarismo” (Carvalho, 2014, p. 13).
31 Segundo Naughton (2006), os investimentos caem para 25% do PIB, em 1967, não atingindo 30%

do PIB nos dois anos seguintes.


32 O setor primário tem queda de 1,6% e o setor secundário decresce 9,2%, em 1967 (NBS – National

Bureau Statistics, 2000).


47

corresponder a apenas 33,4%, em 1960 -, e, em 1970, participa com apenas 46,2%


do total produzido pela indústria (NOGUEIRA, 2011).
A Revolução Cultural pode ser entendida como o início de um longo período
que culmina na sucessão de Mao Tsé-Tung e, consequentemente, nas reformas que
promovem abertura da economia e da sociedade chinesas ao mundo, a partir do final
da década de 1970. Sem consenso definitivo a respeito da duração desta Revolução,
alguns autores afirmam que ela teria durado até o fim do governo Mao, enquanto
outros tratam de abordá-la como um movimento que se inscreve até o final da década
de 1960, apenas. Como sua própria alcunha deixa explícito, os acontecimentos em
questão remetem aos caminhos seguidos pela produção cultural chinesa, mas giram,
indubitavelmente, em torno do momento de forte contestação do modelo socialista
que Mao Tsé-Tung gestava no país. Segundo Carvalho (2014, p. 15), o movimento
deve ser visto não só como uma investida de Mao para reconquistar e revigorar seu
poder de comando no âmbito do PCC, mas também como uma ofensiva a estruturas
sociais que, paradoxalmente, originavam-se ou mantinham-se na vigência do regime
socialista, mas atuavam de forma contraditória ao aprofundamento das
transformações sociais pretendidas e a favor da restauração da “antiga ordem
hierárquica e capitalista no país”:

havia o reconhecimento por parte de Mao de que a estatização dos meios de


produção e a primazia política do PCC eram elementos insuficientes para
atender às aspirações socialistas presentes na Revolução Chinesa de 1949.
Ao contrário, o aprofundamento das relações de produção forjadas nas
comunas, sem a presença de qualquer espectro mercantil, era considerado
essencial para assegurar a igualdade social, e, assim, o caráter socialista da
experiência chinesa. Por sua vez, ao lado destas práticas, deveria ocorrer o
fomento a uma cultura autenticamente revolucionária, pautada em valores
adequados à sociedade que se almejava construir.

O ressurgimento da força política de Mao tem como consequência, nos


anos 1970, a retomada do modelo maoísta, o que se dá por um renovado conjunto de
esforços para um salto industrializante, diante do qual se restringiu o nível de consumo
da população chinesa e, em especial, das zonas rurais. Na prática, o ano de 1970 é
marcado por um boom de investimentos, que crescem mais de 50% em relação ao
ano anterior, inaugurando a reta final do período em que o Estado está sob o comando
de Mao Tsé-Tung. Nestes últimos anos da China maoísta, o patamar de inversões
manteve-se sempre acima de 30% do PIB (NAUGHTON, 2006).
48

Dentre os instrumentos de condução econômica, os incentivos materiais na


forma de bônus para metas de produção deixam novamente de existir. Os
investimentos, por sua vez, passam cada vez mais a ser direcionados ao setor de
defesa nacional, estando o exército ocupado, desta forma, tanto com questões
externas – a ameaça que a rivalidade com a URSS impunha -, quanto com temas
internos – a efervescência política criada pela Revolução Cultural, principalmente.
Indústrias rurais são reestimuladas e o livre mercado para grãos e outros bens
agrícolas são reduzidos, bem como a livre mobilidade da população – trabalhadores
urbanos são enviados ao interior e parte da força de trabalho masculina é enviada a
áreas remotas do país, acompanhada de recursos financeiros para o desenvolvimento
local. A intenção com tais medidas era tornar as regiões mais autossuficientes e, de
forma concomitante, desenvolver, paralelamente, o meio urbano e a produção
agrícola (NAUGHTON, 2006). Ainda assim, o setor primário continua perdendo
espaço no PIB chinês. Sua participação atinge 35%, em 1970, e continua decrescendo
até 1978. Quanto ao setor secundário, o ganho de peso é expressivo – os 21% de
participação no PIB de 1952 alcançavam 40% em 1970, e aumentariam ainda mais
até o final desta década (Figura 2).
Durante o ano de 1971, alguns problemas econômicos atingem a China
novamente. Com o crescimento industrial superando o das atividades primárias –
segundo as estatísticas oficiais, a indústria teria crescido 6,7% e o setor primário teria
encolhido 0,9% entre este ano e 1972 (NBS - NATIONAL BUREAU STATISTICS,
vários anos) -, o aumento da demanda por bens agrícolas colocava pressão sobre a
oferta de alimentos33, explicitando que a relação entre campo e cidade, e entre suas
respectivas produções, ainda não havia sido definitivamente resolvida. O suprimento
alimentar ainda era, de fato, uma preocupação real do governo chinês, especialmente
porque as discrepantes taxas de variação do setor industrial e do setor primário
acumulavam-se há algum tempo34, e a tendência já discutida de ganho de peso
relativo do primeiro conjunto de atividades em detrimento do segundo se tornava ainda
mais grave em função da inexistência de uma margem de segurança no fornecimento

33 Quanto à repartição da população entre campo e cidade, Nogueira (2011) mostra claramente, com
utilização de dados do NBS (1981), que, de 1970 a 1975, o meio rural ganha cerca de 85 milhões de
habitantes, enquanto as áreas urbanas adquirem 9 milhões de novos moradores. Estes dados
consideram não só o processo de migração, mas também os nascimentos e mortes em cada região.
34 Em 18 anos de 1953 a 1971, apenas em 4 a taxa de crescimento do setor primário superou aquela

do setor secundário.
49

de bens alimentícios, o qual, do contrário, consistia em uma questão crítica já, pelo
menos, desde o início do período Mao.
A alternativa escolhida para lidar com o problema consistiu na adoção de
um regime de austeridade, comandado por Zhou Enlai, primeiro-ministro desde 1949,
e, posteriormente, por Deng Xiaoping, que o substitui quando problemas de saúde o
impossibilitam de continuar no cargo, a partir de 1976. Há uma leve redução do ritmo
de crescimento do investimento, que em 1972 e 1976 chega a encolher pouco menos
de 10%, em relação aos anos anteriores. Nos demais anos que transcorrem entre
1972 e 1977, as inversões sempre têm aumentos de menos de 20% em relação aos
anos anteriores – taxas bem menores do que as verificadas em alguns momentos do
período Mao Tsé-Tung, como em 1953 e 1956, durante os picos gêmeos, em 1958 e
1959, sob a vigência do Grande Salto Adiante, de 1963 a 1966, enquanto era gestado
o III Front, e em 1970, com a reafirmação do modelo maoísta, na recuperação
posterior à Revolução Cultural. Nestes anos - é importante recordar - o acréscimo de
inversões – as quais, de forma geral, dependiam essencialmente de esforços do
governo chinês, tanto em seus âmbitos locais, quanto, principalmente, em sua esfera
central -, chegou a alcançar cerca de 55% e nunca esteve abaixo de 20%, de um ano
para o outro (NAUGHTON, 2006)
O plano de austeridade e a contenção dos investimentos – com redução
em 1972 e 1976 e leve expansão em 1974 -, acabaram por representar uma
importante contribuição ao fraco desempenho da economia chinesa, que cresceu
apenas 2,3% em 1974 e encolheu 1,6% em 1976 (NBS - NATIONAL BUREAU
STATISTICS, vários anos). Da perspectiva setorial, o setor secundário cresceu
apenas 1,4% em 1974 e encolheu 2,5% em 1976, enquanto o setor primário teve
redução de 0,9% em 1972 (como já mencionado), de 1,8% em 1976 e de 2,2% em
1977.
50

Tabela 3 – Crescimento do PIB Chinês por setor


De acordo com estimativas oficiais, de 1972, 1974, 1976 e 1977, a preços constantes

Fonte: (NBS - NATIONAL BUREAU STATISTICS, vários anos). Elaboração própria.

Sobre o novo Primeiro-Ministro, Deng Xiaoping, vale lembrar sua prévia


defesa a uma série de transformações orientadas para uma gradual abertura da
economia e da sociedade chinesas ao mundo, ainda na década de 1960 - mais
notadamente, durante a Revolução Cultural. Deng havia sido um dos membros
punidos do PCC, sendo enviado, à época, a uma escola de reeducação e,
posteriormente, a uma fábrica na província de Jianxi, onde trabalharia como operário
fabril. Dentre as ideias defendidas por Deng, estava o plano das Quatro
Modernizações, finalmente oficializado em 1975, e que consistia em uma grande
quantidade de iniciativas voltadas para a agricultura, indústria, defesa e ciência e
tecnologia, tais como a ampliação de mercados privados, a maior permissão de
apropriação de lucro por camponeses e o fim do sistema de comunas (nas zonas
rurais), a expansão do número de empresas privadas ou com participação de capital
privado, alterações nas relações de trabalho, com menores restrições aos
trabalhadores desejosos por migrar a outras regiões e outros segmentos produtivos,
maior liberdade para pesquisadores para estabelecer comunicação com o mundo
externo à China, no intuito de fomentar a construção de conhecimento, e
modernização da indústria ligada às forças militares, acompanhada de reestruturação
do exército.
Ainda antes de 1978, já no intuito de modernizar a economia, mais de
US$ 4 bilhões foram gastos, pelo governo chinês, junto a um consórcio americano-
holandês, para a importação de equipamentos industriais, dentre os quais 11 plantas
de fertilizantes de larga escala (NAUGHTON, 2006), as quais poderiam representar
um importante impulso para o aumento da produtividade na agricultura, fazendo frente
aos recorrentes problemas de insuficiência de oferta de alimentos e matérias primas.
51

Com a aproximação do final da década de 1970, havia na sociedade


chinesa um desejo generalizado para que os padrões de consumo da população
pudessem finalmente melhorar após décadas de sacrifícios em nome do processo de
industrialização, cujo principal objetivo era promover incremento e melhoria qualitativa
do setor industrial. Tal sentimento pode ser atribuído a fatores internos e externos. Da
perspectiva interna, ineficiências da economia centralmente planejada e conduzida,
como a intermitente supressão de estímulos ao trabalho, a ausência de atividades
inovativas e a dificuldade na alocação de recursos desgastavam o regime mantido até
então. Externamente, o crescimento de outros países asiáticos aumentava a pressão
exercida pela população chinesa por melhorias nos seus padrões de vida. Tanto a
morte de Mao, em 1976, quanto o arrefecimento gradativo da Guerra Fria, que
colocava à mesa novas possibilidades de aprofundamento da globalização, abriram
caminhos para o início de um movimento de abertura da economia chinesa
(AGLIETTA e BAI, 2013), o qual, determinando o fim do Maoísmo, fora conduzido de
forma amplamente controlada pelo Estado, como será visto no próximo capítulo.
Aglietta & Bai (2013) afirmam que, se antes da melhoria das condições internacionais
e do início da absorção de avanços tecnológicos pela China havia só uma alternativa
aos chineses – aquela correspondente a uma economia mais controlada pelo Estado,
com a estratégia de Big Push e o controle estatal sobre salários e sobre a produção -,
depois da emergência destes fenômenos, novas possibilidades se abrem à sociedade
do país asiático. (RUIZ, 2006, p. 15), por sua vez, destaca que, para autores como
Fan (1997), Fan & Scott (2003), Fujita & Hu (2001), Gao (2002) e Wei (1998):

o baixo nível de renda, a produtividade nas atividades agrícolas e


industriais e o decorrente lento [errático, na opinião do autor desta
dissertação] crescimento econômico foram os principais
determinantes das mudanças políticas após a morte de Mao Tse-tung.

O novo presidente do país, Hua Guofeng, que assumiria em 1976, tenta


colocar em prática um programa de longo prazo de aceleração de investimentos35,
cujo desempenho acaba por discrepar amplamente do que fora planejado, seja em

35De acordo com Naughton (2006), este plano abrangeria 120 projetos de larga escala, voltados, em
sua maioria, para a indústria pesada. Dentre eles, estavam 10 novos campos de exploração de óleo,
30 plantas do segmento de produção energética e 5 novos portos. O objetivo era promover a aceleração
definitiva do crescimento chinês.
52

função de metas irreais traçadas a partir de estimativas problemáticas, seja por conta
de dificuldades ainda impostas pelo caráter da economia chinesa, especialmente no
que diz respeito aos empecilhos para importar bens de capital36.
A década de 1970 encerrava-se na China, enfim, com grandes
transformações políticas internas, derivadas também das mudanças concernentes ao
cenário externo. A consolidação de uma revolução verde, que proporcionava variadas
frentes de desenvolvimento tecnológico para a agricultura chinesa, resultaria num
aumento da produtividade deste setor, aliviando parcialmente, juntamente com a
melhoria das infraestruturas de irrigação e transporte, os gargalos impostos pela
exportação de bens do campo às cidades.
Também de crucial importância é a evolução do quadro demográfico chinês
na década em questão. As políticas públicas e o desenvolvimento industrial das
décadas de 1950 e 1960 haviam resultado em sensível decréscimo da taxa de
mortalidade – segundo Maddison (1998), a mortalidade infantil teria caído de 37,0, em
1952, a 18,2, em 1978, para cada mil crianças - e permanente acréscimo da taxa de
natalidade, provocando um aumento significativo da população do país – os dados
compilados por Maddison (1998) indicam que a população chinesa crescera de pouco
mais de 543 milhões de pessoas, em 1949, para pouco mais de 956 milhões, em 1978,
o que representa um crescimento médio anual da ordem de 1,96%37.
Na década de 1970, o efeito aparente é uma grande ampliação daquela
parcela da população que estava em idade reprodutiva, prolongando o acréscimo
populacional para as décadas seguintes. Como resposta, o governo chinês lança mão,
nos 1970, de uma série de políticas destinadas a conter tal tendência, seja através da
promoção de casamentos mais tardios, de restrições ao nascimento de bebês ou de
estímulos a maiores intervalos entre os nascimentos de crianças nas famílias
chinesas. É na década de 1970, ainda, que, por razão da composição da pirâmide
etária, a China vivencia período de baixa taxa de dependência, com um grande
número de pessoas em idade de trabalho diante de quantidade relativamente reduzida
de idosos e crianças. Tais condições concedem à China não somente vantagens em

36 Tais importações dependiam, por exemplo, das receitas com atividades de exploração de petróleo,
as quais entraram em exaustão antes do previsto, não rendendo tantos frutos como se imaginava
(Naughton, 2006)
37 As estatísticas são similares aos dados oficiais publicados pelo NBS (1981), no Statistical Yearbook

referente ao mesmo ano, que considera uma população de 550,8 milhões de pessoas em 1950 e de
970,9 mi de pessoas em 1979.
53

indústrias intensivas em trabalho, dado o alto contingente de mão de obra, como


também uma poderosa demanda doméstica por bens de consumo (AGLIETTA e BAI,
2013).

1.4.Uma síntese do maoísmo chinês

Uma breve síntese da Era Mao deve levar em conta que, ao lado de
constantes mudanças conjunturais na condução da política econômica, esforços
quase que permanentes foram observados no sentido de promover o desenvolvimento
e consolidação de uma indústria pesada, de ampliar os serviços oferecidos e fortalecer
a coordenação econômica empenhada pelo Estado, de possibilitar a desconcentração
espacial da produção industrial e de resolver o histórico problema de transferência de
recursos produzidos pela economia rural e utilizados no meio urbano, ainda que parte
destes objetivos não tenham sido alcançados – em especial, o último citado.
Pode-se notar alguma redução da concentração da indústria, com
incentivos, por exemplo, para que unidades produtivas dos segmentos produtores de
insumos básicos passassem a se localizar próximas às fontes de matérias primas.
Alguns esforços estiveram orientados a criar economias regionais, de modo a tornar
as regiões relativamente autônomas, habilitando-as a produzir o que a população local
consumia. Ruiz (2006) destaca que, por este motivo, foi possível perceber uma queda
do comércio interregional na China, abrindo espaço para o crescimento do comércio
intrarregional. Dados de Maddison (1998), apresentados por Nogueira (2011),
mostram que de um total de 29 províncias, 23 tinham produção industrial per capita
abaixo da média nacional em 1957. Destas, 17 aumentaram suas produções per
capita em taxas maiores do que a média nacional, até 1979 – para uma das províncias
restantes, não há dados disponíveis. Das cinco províncias do Nordeste e do Norte
chinês que tinham produções per capita bem superiores à média nacional em 1957 –
Tianjin chegava a ter 1.112% da média nacional -, quatro tiveram decrescimentos em
suas produções per capita até 1979. Somente Pequim teve um resultado positivo.
Nogueira (2011) calcula uma relação entre as produções industriais per capita das
províncias ricas e pobres e chega à conclusão de que, se em 1957, a relação era de
52:1, em 1979, ela passou a 31:1, atestando uma evidente desconcentração regional
da indústria chinesa durante os anos tratados.
54

Quando se trata das desigualdades entre o campo e a cidade, no entanto,


atesta-se o aumento dos desequilíbrios já observados, o que se deve à estagnação
da produtividade agrícola, combinada às taxas expressivas de crescimento industrial
nas cidades. Apesar do aumento das diferenças no que tange à renda e ao
desenvolvimento econômico e social entre os dois meios, pôde-se perceber melhoria
absoluta da condição de vida do morador rural, bem como do trabalhador urbano,
ainda que o primeiro tenha passado a usufruir apenas do mínimo necessário para sua
sobrevivência (NOGUEIRA, 2011).
Quanto aos indicadores sociais, além da queda da mortalidade infantil, já
mencionada, dados de Maddison (1998) mostram que, entre 1952 e 1978, índices de
expectativa de vida - que subiu de 38 a 64 anos - e de educação primária para pessoas
com mais de 15 anos – com aumento de 1,7 para 5,3 anos de estudo – foram marcas
dos esforços do governo chinês para permitir melhoria das condições de vida da
população. Se, por um lado, os salários chegaram a ser mantidos estagnados em um
baixo patamar, por outro, uma variedade de serviços públicos era oferecida
gratuitamente, possibilitando tal transformação do contexto social. A segurança
alimentar, tema sensível para o processo de desenvolvimento chinês, não foi, por sua
vez, objeto de grandes transformações na China maoísta. A produção de alimentos
básicos dobrou nos trinta anos de comando de Mao, o que também ocorreu com a
população, resultando na estagnação da produção de alimentos per capita. Tal
comportamento, que também fora observado nos seis séculos anteriores da história
econômica da China, segundo Nogueira (2011), expressa a relevância desta questão
para a sociedade chinesa.
A despeito da ausência de sinais de melhoria da segurança alimentar, a
China maoísta foi responsável por importantes – ainda que insuficientes -
investimentos em sua economia rural. Houve ampliação da infraestrutura de irrigação
mecânica e elétrica - o que contribuiu para o aumento da área irrigada de 20 milhões
de hectares, em 1952, para 44 milhões de hectares, em 1978 (OLIVEIRA, 2005) -,
fomento à pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias – concebendo um
sistema que combinava instituições nacionais e locais para harmonizar esforços da
atividade científica com adaptação dos resultados às realidades de cada província -,
introdução do trigo híbrido na produção agrícola (em 1961), alcance de importantes
resultados na reprodução de variedades de arroz e outras sementes e aquisição de
fábricas de amônia sintética e ureia para desenvolvimento de indústria produtora de
55

fertilizante de nitrogênio (AGLIETTA & BAI, 2013)– sobre este último elemento, vale
dizer que a produção de fertilizantes, segundo Nogueira (2011), cresceu em mais de
dez vezes, de 1963 a 1972.
Dados tais esforços, as explicações para o baixo crescimento da
produtividade agrícola recaem, frequentemente, sobre a incapacidade do trabalho nas
comunas em gerar incentivos materiais suficientes para um crescimento maior da
produção. Nogueira (2011) alerta, no entanto, para a estratégia estatal em tornar as
províncias autossuficientes, o que lhes legou baixíssimo grau de especialização e
baixo usufruto de vantagens de escala.
A taxa de investimentos na economia, por sua vez, apresentou tendência
de expressivo crescimento. Aglietta & Bai (2013) apontam que, de um patamar
próximo a 20% do PIB, no início da década de 1950, o investimento decolou para
quase 40% do PIB ao final do período Maoísta, nos últimos anos da década de 1970,
sendo que chegou a quase 45% ao final da década de 1950, durante o Grande Salto
Adiante. Estes investimentos se concentraram em setores da indústria pesada – cujo
peso aumentou de 29,3% a 52,8% do PIB industrial, entre 1950 e 1980 -, o que
correspondeu a uma estratégia de constituição de plantas de grande porte, com alto
potencial de encadeamento a outros setores, exigentes de inversões de longo prazo
de amortização, persistindo baixa rentabilidade por grandes períodos e impondo uma
tendência permanente à desaceleração do crescimento econômico. Eram inversões
centralmente planejadas e guiadas por projetos estatais, voltadas para a demanda
interna de outros segmentos e, muitas vezes, às estratégias militares, o que se atesta,
inclusive, pelas decisões de desconcentração territorial e interiorização de tais
unidades produtivas. A estrutura industrial era própria de baixo grau de abertura ao
capital estrangeiro – de forma distinta às estratégias levadas a cabo em Taiwan e
Hong Kong, onde houve prioridade inicial a indústrias leves, com importantes decisões
de inversão tomadas por agentes privados e voltadas aos mercados de bens de
consumo estrangeiros, além do doméstico (NAUGHTON, 2006). A estratégia chinesa
do período Maoísta dependia, ademais, do que Medeiros (1999) chamou de
“acumulação primitiva socialista”, com compressão do consumo através de
instrumentos como o controle de salários urbanos. Naughton (2006) indica que
enquanto a Formação Bruta de Capital Fixo cresce 10,4% ao ano, em média, entre
1952 e 1978, o consumo tem taxa de crescimento anual de apenas 4,3% no mesmo
período.
56

A resultante do cenário apresentado é o expressivo ganho de participação


do setor secundário no PIB chinês – de 21% da produção interna bruta, em 1952,
passou a participar com 48%, em 1978, como pode ser observado na Figura 2. O setor
de Serviços, por sua vez, perde participação no PIB, durante o período – de 29% a
24% -, embora com intensidade bem menor do que a perda verificada para o setor
primário, que passa de 50% para 28% (Figura 2). Tal panorama teve íntima relação
com a promoção do investimento pelo Estado chinês, sendo executado,
principalmente, através de empresas de propriedade estatal, como já mencionado.
Não obstante o fato de que o relacionamento entre campo e cidade ainda persistia
como relação problemática, uma vez que o fluxo de recursos alimentares e insumos
produtivos do polo produtor ao polo consumidor poderia representar, a qualquer
momento, um entrave à continuidade do desenvolvimento chinês, a diferença da
evolução e das taxas de crescimento entre os dois meios no período maoísta não
resultou em descontrole da migração da população rural às zonas urbanas, seja pela
eficiência do sistema Hukou, seja pelos esforços em levar parte da produção industrial
ao campo e conferir autossuficiência a estes locais. Dados do NBS (vários anos)
mostram que a população rural chinesa decresceu apenas dois pontos percentuais de
1950 e 1979 – de 88,8% a 86,8% da população total.
O relacionamento campo – cidade, no entanto, ainda seria encarado como
elemento central nas décadas que se seguiriam. De acordo com Nogueira (2011, p.
26 - 27):

(...) a diferença no ritmo de crescimento na produtividade entre agricultura e


indústria, bem como dos termos de troca favoráveis ao último e os baixos
níveis de investimentos no campo, fizeram com que a experiência chinesa,
apesar de todas as críticas de Mao aos erros da União Soviética,
reproduzisse o padrão de extração de excedente da agricultura para bancar
a industrialização, inclusive a ênfase na indústria pesada.

Tal problema, que assumia o caráter de um relevante limitante do


desenvolvimento das forças produtivas industriais, seria aliviado a partir do início da
década de 1980, quando reformas da organização da produção do campo foram
combinadas com o legado deixado pelos esforços do maoísmo e resultaram num
importante aumento da produtividade agrícola. O Capítulo II terá a responsabilidade
de apresentar tais reformas, bem como as amplas mudanças sentidas na China após
57

o fim do período Mao e até a deflagração, na Tragédia da Praça de Tiananmen, das


contradições acumuladas previamente.
58

CAPÍTULO II
O início do pós-maoísmo

2.1. Uma introdução ao pós-maoísmo

A morte de Mao e a ascensão política de Deng Xiaoping ao final da década


de 1970 inauguram um novo período para a vida social e econômica chinesa. Marcado
por novas relações entre o Estado, o povo e os atores privados, tal período é visto por
Aglietta & Bai (2013) não como uma ruptura radical do socialismo do período prévio,
mas como a preservação de um regime político singular, que se atenta de forma
diferente aos imperativos de solucionar constrangimentos já existentes, como aqueles
atinentes ao até então problemático desequilíbrio entre a indústria e a agricultura38. A
nova estratégia para lidar com os problemas concernentes à estrutura produtiva
desdobra-se em novos caminhos do desenvolvimento que, em interação com
elementos externos e internos, bem como com o legado do período maoísta,
permitirão, nos anos restantes do século XX, a consolidação do processo de
industrialização chinesa.
Este capítulo se preocupará em caracterizar as reformas estabelecidas a
partir do final da década de 1970, procurando explicar os fundamentos que
culminaram num rápido crescimento econômico e numa drástica transformação das
estruturas econômicas chinesas, ainda que o movimento observável durante a
primeira fase de reformas seja de um leve encolhimento do setor secundário e de uma
suave queda da participação do setor primário no PIB39, contrastando parcialmente
com as direções verificadas durante o maoísmo. Deve se levar em conta, no entanto,
que, a despeito da inexistência de continuidades em relação ao período prévio, ao
menos até a década de 1990, o alívio de constrangimentos impostos pela produção

38 Como tratado no Capítulo I, com o aumento da participação da indústria no PIB e a transferência de

mão de obra para as cidades, a agricultura e as atividades fornecedoras de matérias primas industriais
seriam parcialmente desmobilizadas, obstaculizando o processo de industrialização. Por outro lado, se
se impusessem limites à atratividade do trabalho na indústria - evitando, assim, o abandono de
atividades do campo -, o próprio setor industrial poderia carecer de força de trabalho necessária ao seu
alargamento.
39 Os dados apresentados pela estimativa de Maddison & Wu (2007) mostram uma queda mais

pronunciada do setor primário de 1978 a 1990 e um evidente ganho de participação do setor industrial,
no mesmo período.
59

no campo são centrais para que se permita, em combinação a outras políticas, o


desenvolvimento mais agudo das forças produtivas até o final do século. Dentre os
instrumentos utilizados, estão a emergência e o espraiamento da indústria rural, na
forma das chamadas Town Village Enterprises (TVEs), o processo de flexibilização
para o estabelecimento do capital privado (nacional e estrangeiro) e a política de
desenvolvimento voltada à priorização do crescimento das cidades costeiras.
O conjunto de elementos expostos também resulta em diversos
desdobramentos sobre o mercado de trabalho, sobre a renda e sobre as condições
materiais de vida da população chinesa. Embora este não seja o foco dos esforços
empenhados na dissertação40, é importante ressaltar a redução da quantidade de
chineses sob condições de pobreza severa e, contraditoriamente, o aumento posterior
de desigualdades internas, entre camadas da população, entre regiões urbanas e
rurais e entre províncias e cidades costeiras e regiões interioranas. Um segundo rol
de importantes consequências deriva do que Diegues & Milaré (2016, p. 78) chamam
de “revolução na estrutura produtiva chinesa”, caracterizada por esforços de
acoplamento ao mercado internacional que, no pós-78, mostram-se capazes de gerar
uma combinação de processos virtuosos à economia chinesa:

“(i) o aumento significativo da participação de setores de alta intensidade


tecnológica (...); (ii) migração na divisão internacional do trabalho para elos
dinâmicos e centrais ao atual paradigma tecno-econômico”

A combinação das variadas opções estratégicas feitas pelo governo chinês


com os contextos históricos correspondentes a cada momento culmina, já na entrada
do século XXI, num novo papel da China no mundo, marcado pela importância de sua
indústria e pela centralidade da demanda e da concorrência que ela exerce sobre
outros países, mas, também, por maior autonomia tecnológica e pela relevância do
movimento de capitais e investimentos externos derivados do país asiático, baseados
na presença de seus grandes conglomerados no exterior, os quais encontram as
condições para sua atuação neste novo cenário que, como já explicitado
anteriormente, tem seu alicerce fundado ainda nos anos de liderança de Mao –
interpretação que é adotada pelo presente trabalho.

40 Para uma discussão da queda da pobreza na China, ver Nogueira (2011).


60

2.2. Os primeiros anos de Reforma

Embora seja Hua Guofen quem assume os cargos de Primeiro-Ministro e


de Secretário-Geral do Partido Comunista Chinês, é Deng Xiaoping quem passa a
liderar o processo de modernização controlada levado a cabo após a morte de Mao
Tsé-Tung. Preso em 1976, Deng, que foi secretário do partido e havia sido afastado
do comando do governo durante a Revolução Cultural, é solto após a morte de Mao e
volta a desempenhar protagonismo na vida política chinesa. Logo em 197841, retoma
ideias que já haviam sido lançadas em meados da década de 1960, as quais
apontavam para a necessidade de uma ampla modernização da agricultura, indústria,
defesa nacional e ciência e tecnologia do país42. De acordo com Nogueira (2011, p.
54), o projeto de modernização – alcunhado pelos líderes do Partido Comunista
Chinês de modernização socialista – não consistiu num “raio em um céu azul”, mas
fora, como fruto de um plano já em gestação, um esforço para reafirmar a “unidade
nacional”.
A emergência deste novo período não pode ser explicada unicamente pela
dinâmica da conjuntura política chinesa ao final da década de 1970, da qual os fatos
mais proeminentes são a morte de Mao Tsé-Tung e a ascensão de Deng Xiaoping.
As reformas que se seguiram são vistas por Aglietta & Bai (2013) como um resultado
da radicalização das contradições geradas no regime de acumulação anterior,
caracterizadas por ineficiências no comando da economia que levavam à carência de
incentivos ao trabalho e a inovações, bem como a problemas na alocação de recursos
produtivos. Tais contradições escancaravam-se nas insatisfações populares com o
longo período de baixo crescimento e sacrifícios do ponto de vista material – havia,
segundo os autores, um desejo geral de que se pudessem criar condições para
aprimorar a agricultura e dar à população o acesso a bens de consumo mais
diversificados. Ademais, o crescimento de outras economias do sudeste asiático43

41 A 3ª Sessão Plenária do 11º Comitê Central, em 1978, é tida como o início oficial das reformas
chinesas (Aglietta & Bai, 2013)
42 À época, o Primeiro-Ministro Zhou Enlai havia proferido discurso com as referidas intenções, durante

o 3º Congresso Nacional do Povo (Nogueira, 2011).


43 A Coreia do Sul crescera 14,8% em 1973, 9,5% em 1974, 13,1% em 1976 e 12,3% em 1977.

Cingapura, por sua vez, teve taxas de crescimento de 7,4%, 7,5% e 8,7% nos anos de 1976, 1977 e
1978, respectivamente. A economia chinesa, sem contabilizar o crescimento de Hong Kong, encolheu
1,6% em 1976 e teve crescimento de 7,6% em 1977 e 11,7% em 1978. Nos anos anteriores, no entanto,
chegou a experimentar taxas de crescimento mais baixas - em 1972 e 1974 crescera 3,8% e 2,3%,
respectivamente. O crescimento do PIB per capita evidencia ainda mais as disparidades desfavoráveis
61

exigia das lideranças que substituiriam Mao Tsé-Tung uma revisão da forma como se
conduzia a economia, de modo a evitar o latente agravamento do atraso no
desenvolvimento do país, em comparação com seus vizinhos.
Ainda no plano internacional, operava-se um relaxamento das tensões
entre os blocos capitalista e socialista no âmbito da Guerra Fria - os anos 1970 foram
de aproximação entre a China e os Estados Unidos, com a visita de Nixon ao território
chinês, em 1972, e o reconhecimento da legitimidade do governo liderado pelo Partido
Comunista Chinês, em 197844. De acordo com Aglietta & Bai (2013), o regime
comunista finalmente deparava-se com o alívio das ameaças militares externas e com
um mundo mais receptivo ao aprofundamento da inserção global chinesa, num
ambiente que reduzia o custo que tal movimento teria para a soberania do país45.
Dispondo de melhor relacionamento com países mais desenvolvidos, as autoridades
chinesas avaliaram que tal inserção representaria uma oportunidade diante do
reconhecido atraso econômico relativo acumulado até então. Algumas das
importantes operações junto ao mundo externo foram as grandes compras, ao final
da década de 1970, de equipamentos, tecnologias e bens agrícolas, os quais
prometiam elevar o potencial de acumulação e suprir gargalos que obstaculizavam o
processo de desenvolvimento. Tais compras legaram ao país asiático uma alta
despesa, que só poderia ser suportada diante da atração de divisas estrangeiras -
preferencialmente, na visão do governo chinês, por meio de exportações.
No front interno, os desequilíbrios entre a produção agrícola e as demandas
oriundas do crescimento industrial, gerados pelo Grande Salto Adiante a partir do final
da década de 1950, haviam desencadeado uma obsessão por gerar ganhos de
produtividade ao setor primário e à indústria leve, deixados em segundo plano durante
o Salto. O avanço tecnológico e da produção científica, a flexibilização das regulações
estatais concernentes à produção e à comercialização e a abertura da economia para
o mundo eram pilares que sustentavam a proposta de reforma, cuja essência consistia

à China – enquanto esta teve retração de 3,1% em 1976 e crescimento de apenas 0,2% em 1974 e de
6,8% e 6,1% em 1975 e 1977, a Coreia do Sul tem taxas sempre acima de 7,5% desde 1973 (com
exceção de 1975, quando foi de 6,1%) e a Cingapura tem crescimento de 1,% em 1971, 11,4% em
1972, 9,1% em 1973, de 6% em 1976 e 1977 e 7,4% em 1978, sem ter tido nenhuma retração em toda
a década de 1970 (Banco Mundial, 2018).
44 A aproximação americana à Pequim ocorria no contexto da estratégia estadunidense em isolar a

União Soviética, antiga aliada do regime chinês.


45 Nogueira (2011, p. 57) afirma que: “a China foi, do final dos anos 70 até o início dos anos 90, o último

país asiático a se beneficiar do que Wallerstein chamou, em um outro contexto, de “desenvolvimento a


convite”, a estratégia norte-americana de favorecer o desenvolvimento de algumas nações como forma
de contenção de outras”.
62

no diagnóstico de que era preciso reorganizar o delicado arranjo entre a atuação do


Estado e o funcionamento dos mecanismos próprios do mercado.
Num primeiro momento, dá-se espaço para uma reforma gradualista, que
induz à combinação das áreas protegidas e amplamente reguladas pelo Estado com
cada vez maior quantidade de áreas de maior abertura para a concorrência e maior
diversidade de formas de propriedade. Naughton (2006, p. 91) chama este arranjo de
“Dual-track System”, em referência à convivência das duas formas distintas de
funcionamento da economia, a depender do setor a ser analisado. Bolsões de
atividades produtivas são contemplados com reduzida tributação e maior permissão
para empreender ou para suprir as demandas encontradas no mercado. Dentre eles,
estão os segmentos constituídos pelas Town Village Enterprises (TVEs) e aqueles
limitados pelas Zonas Econômicas Especiais (ZEEs), que serão abordadas mais
adiante. Além de permitirem incremento de produtividade e incorporação de
competências – dentre as quais figuram as competências tecnológicas, num regime
em que o Estado não se ausenta completamente da organização produtiva -, o
sistema híbrido dava a oportunidade ao governo chinês de experimentar as vantagens
auferidas da maior importância concedida ao mercado, possibilitando ajustes de
aprofundamento ou recuo da estratégia escolhida, sem, no entanto, incorrer grandes
riscos de perder as rédeas do processo. A ameaça de gerar um movimento
descontrolado, por meio de maiores e mais profundas permissões ao setor privado, o
que poderia se dar a partir do empoderamento de setores econômicos e sociais
dispostos a criar turbulências capazes de colocar o status quo em xeque, era banida
– ou ao menos minimizada – não somente pela preservação da importância do Estado
em segmentos chaves para o desenvolvimento, mas também pela manutenção do
monopólio de poder pelo Partido Comunista Chinês, que permanecia sendo a principal
instância de coordenação e de tomada de decisões de cunho econômico, político e
social.
As reformas no campo, por sua vez, assumem, desde logo, uma posição
central entre as reestruturações empenhadas. O sistema “Dual-Track” passa a vigorar
como uma combinação entre maior liberdade aos produtores e preservação da
proteção oferecida pelo Estado a interesses vitais, dependentes da produção de grãos
e de outros gêneros alimentícios. O Estado continua comprando grande parte da
colheita, mas agora a preços mais favoráveis aos produtores, sob a intenção de evitar
a frustração da oferta necessária para contemplar as demandas oriundas das cidades.
63

Já em 1979, o preço pago aos grãos produzidos para servir à cota estabelecida
crescera 20%, enquanto os preços pagos aos grãos excedentes foram definidos em
patamar 50% acima do preço usual de demanda. Em 1985, o Conselho de Estado
Chinês decide suspender a destinação obrigatória de grãos ao governo, embora o
ente estatal continue adquirindo os bens a preços inflados e oferecendo-os às cidades
a preços subsidiados. Assiste-se, no entanto, ao progressivo ganho de importância de
canais comerciais alternativos, que se incumbiam de levar a produção agrícola direto
ao mercado46 (AGLIETTA & BAI, 2013).
Ao lado da política de preços e compras, as reformas no campo também
se apresentaram como maior liberdade à administração da produção. Com a
permissão aos coletivos agrícolas para modificarem as formas de pagamento aos
agricultores, o sistema recorrente de pontos de trabalho passou a dar mais peso aos
resultados da colheita do que aos esforços empenhados pelos produtores. Na maioria
dos casos, no entanto, o regime de pontos foi abolido, dando lugar a um modelo que
concedia maior responsabilidade de gestão às famílias47, as quais, mediante
contratação para uso das terras, passaram a organizar a produção de forma mais
racional, vislumbrando a possibilidade de reter parte da colheita para si próprias
(AGLIETTA & BAI, 2013). Naughton (2006) afirma que, ao final de 1981, 90% das
famílias rurais chinesas já produziam sob os moldes baseados na unidade familiar48,
os quais se tornariam um padrão quase universal no meio rural chinês, até 1983.
Oliveira (2005) atribui a mudança à percepção, pelo governo, de que a organização
coletiva da produção no campo não havia apresentado os resultados esperados no
que tange à diversidade e à quantidade ofertada de gêneros alimentícios.
A passagem entre as décadas de 1970 e 1980 marca, ademais, algum
avanço, ainda que tímido, do incremento técnico na agricultura chinesa. Apesar da
área irrigada, que havia dobrado entre 1952 e meados dos anos 1970, manter-se
estagnada até o final da década seguinte49 e da produção de pesticidas encolher

46 Para algodão, a exclusividade de venda da produção ao governo foi eliminada em 2000. Para outros
gêneros, como grãos básicos e fertilizantes, tal política durou mais tempo (Naughton, 2006).
47 Liu & Zhang (2010) relatam que o fim do sistema coletivo e a difusão do sistema de responsabilidade

familiar na agricultura foi fruto menos de iniciativa do governo central ou das autoridades provinciais e
mais da decisão dos próprios camponeses, os quais, em muitos casos, viam-se diante de graves
dificuldades em função dos baixos resultados da produção.
48 Nogueira (2011) afirma que a estrutura produtiva agrícola era fragmentada em lotes de, em média,

0,7 hectare por família.


49 Nogueira (2011) atribui a estagnação ao desmonte de comunas rurais e ao fim do uso de trabalho

excedente em projetos coletivos de infraestrutura.


64

quase 70% entre 1978 e 1983, o uso de fertilizantes químicos dobra entre os mesmos
anos, permitindo que se reconheça a herança legada do período maoísta. A
Revolução Verde, em especial, que, se desde meados da década de 1960 até o final
dos anos 1970 culminara em importantes avanços tecnológicos, como a difusão de
modernas sementes50, resultantes de investimentos na constituição de institutos de
pesquisa, permite à agricultura, na década de 1980, partir de um patamar menos
preocupante dos níveis de produtividade, gerando até mesmo a possibilidade de
ganhos futuros com o desenvolvimento técnico posterior, fundado na
institucionalidade criada.
O que se percebe, até meados da década de 1980, é um rápido
crescimento da produção agrícola, o que também se dá em função das
reestruturações operadas em sua forma de organização. Se, de um lado, há redução
dos dias gastos pelos trabalhadores na lavoura, permitindo a ampliação da
diversidade de culturas e da dedicação de trabalho a outras atividades que não
agrícolas, por outro, verifica-se a superação, ao menos provisória, dos gargalos
representados pela escassez historicamente recorrente de gêneros alimentícios na
estrutura produtiva chinesa. A produção per capita de grãos do país cresce,
anualmente, 3,8% entre 1978 e 1984 (NOGUEIRA, 2011) e a produção absoluta
cresce 2,2% ao ano em média, entre 1977 e 1979, e 4,1% ao ano entre 1983 e 1985,
quando a China se torna, pela primeira vez desde o Grande Salto Adiante, exportadora
líquida do bem (NAUGHTON, 2006)51. Em quantidades absolutas, a produção de
grãos passa de menos de 300 milhões de toneladas anuais, antes de 1978, para 407
milhões, em 1984 (LIU & ZHANG, 2010). Tal desempenho é discutido por Nogueira
(2011), que afirma que a justificativa comumente apresentada por parte da literatura
recorre aos novos incentivos concedidos ao trabalho baseado, agora, na unidade
familiar. A autora chama atenção, no entanto, para o abandono do ineficiente arranjo
produtivo prévio, o qual Medeiros (1999) caracterizou como uma “coleção de
economias regionais de baixo grau de especialização”, carentes de ganhos de escala,
em função da estratégia maoísta de imputar autossuficiência local às regiões

50 Exemplos são as sementes de milho e sorgo híbridos e variedades de arroz para produções em larga
escala (Nogueira, 2011).
51 Nogueira (2011) apresenta dados que atestam o crescimento da produção também de outros gêneros

agrícolas, como carne, algodão e óleos vegetais. Afirma, ademais, que 1983 foi o primeiro ano em que
os camponeses ofereceram ao Estado mais grão do que ele queria ou do que ele poderia estocar,
desde a fundação da República Popular da China.
65

campesinas. O fim do que Nogueira (2011, p. 47) chama de “alienação do trabalhador


rural em relação à sua produção” também teria contribuído para que a produtividade
do trabalho agrícola tivesse crescimento médio anual de 4,27% de 1978 a 1995, contra
apenas 0,17% entre 1952 e 1978, à medida que permitia, com base na
responsabilidade familiar sobre o lote, uma gestão da produção mais compatível com
as características locais de onde estivesse estabelecida – de acordo com o clima e a
fertilidade da terra, por exemplo.
É fundamental notar que as reformas empenhadas no campo desdobram-
se não somente em expressivos resultados produtivos, mas também em relevantes
impactos sociais que, ao menos durante as décadas de 1980 e 1990, centrados na
unidade familiar, atribuem à terra a funcionalidade de servir como uma espécie de
recurso52 das famílias com registro rural contra os riscos associados a eventuais
turbulências econômicas, impedindo o surgimento de uma classe de desterrados e
contendo parcialmente o processo de migração às zonas urbanas (NOGUEIRA, 2011)
– especialmente diante do quadro de desenvolvimento destas áreas, que será traçado
ainda neste capítulo.
O meio rural é lugar, também, de outro relevante resultado das reformas
pós-maoístas – a saber, a forte expansão das Town and Village Enterprises (TVE’s).
Estas empresas passaram a ter este nome – abreviado pela sigla TVE - apenas na
década de 1980, quando completavam, no entanto, mais de 30 anos de existência
(YASHENG, 2008). Durante o período maoísta, atendiam a necessidades básicas da
população rural, empenhando produções de baixa densidade de capital, tais como de
vestuário, máquinas leves e ferramentas de trabalho. Os salários pagos aos
funcionários eram normalmente baixos, o que contrastava, segundo Naughton (2006),
com um desempenho bastante lucrativo da indústria53.
A partir do final da década de 1970, as TVE’s passam a contar com um
conjunto de condições bastante propícias para sua disseminação e fortalecimento, o
que fora explicitado pelo governo chinês quando da sinalização, em 1979, de que
empresas rurais assumiriam o processamento de alimentos sempre que isto fosse

52 A posse da terra continuou a ser do Estado ou da coletividade local, o que representava uma
resistência aos processos de valorização imobiliária que, em outros países, culminaram na expulsão
do pequeno trabalhador de seus meios de sobrevivência.
53 De acordo com Naughton (2006), as TVEs especializaram-se, especialmente antes de 1978, em

setores favorecidos pela abundância de trabalho e consequente possibilidade de prática de baixos


salários. Apesar de não terem acesso ao capital subsidiado pelo governo com que contavam as
indústrias intensivas em capital, auferiam uma taxa de lucro média de 30% sobre o capital.
66

racional do ponto de vista econômico. Uma primeira fonte de incentivos fora a já


mencionada flexibilização dos controles estatais sobre a produção e a
comercialização dos bens agrícolas. Com maior liberdade de gestão e de escoamento
dada aos produtores, parte crescente da colheita passou a destinar-se aos mercados
locais ou ao processamento assumido pelas empresas rurais. O aumento da renda da
população do campo, por sua vez, permitiu a expansão do mercado consumidor dos
bens produzidos pelas TVE’s, bem como a alocação de parte do tempo de trabalho
dos moradores da área rural – antes destinado à agricultura - para atividades
produtivas no âmbito dessas empresas. Os estímulos ao crescimento e diversificação
da indústria rural também puderam ser vistos com o encorajamento, pelo Estado, da
subcontratação dos serviços prestados pelas TVE’s por empresas urbanas. Ademais,
assistiu-se ao empenho do governo central por prover as firmas rurais com oferta
abundante de crédito, o qual era concedido tanto por uma rede de cooperativas
disseminada por todo o país, quanto pelo Agricultural Bank of China (ABC), que
dispensava garantias em nome da ampliação do financiamento a atividades não-
agrícolas (NOGUEIRA, 2011)54.
Se o governo central demonstrou intenção deliberada em fortalecer a
indústria rural, as lideranças locais também tinham motivos para desejar o
crescimento das TVE’s. A razão prática para isto era a existência de um potencial
arrecadatório diretamente atrelado aos resultados das empresas rurais e livre de
repasses obrigatórios às esferas governamentais superiores. Quão melhor fosse o
desempenho das TVE’s, maiores eram os benefícios ao orçamento público local.
Adicionalmente, as autoridades locais ainda usufruíam de vantagens em função da
preservação de suas influências sobre o funcionamento das empresas em questão.
Embora tenha se construído ambiente de maior liberdade aos gestores das firmas,
que consistiam em contratantes responsáveis pelo dia-a-dia das operações, os
governos locais ainda detinham a prerrogativa de tomar importantes decisões a
respeito do corpo institucional (NOGUEIRA, 2011), dos investimentos, da alocação de
receitas e lucros, das formas de financiamento e da gestão de recursos humanos, o
que lhes mantinha alta dose de poder político.
Os dados relativos à expansão da indústria rural são bastante expressivos
e indicam uma certa continuidade do seu ganho de relevância até meados da década

54Nogueira (2011) calcula que, em 1985, as cooperativas respondiam por quase 48% dos empréstimos
destinados às TVEs.
67

de 1990, período em que ainda se resguardava a forma pública de sua propriedade.


Naughton (2006) afirma que, do fim do maoísmo até este momento, as TVE’s foram o
segmento mais dinâmico da economia chinesa55. O valor adicionado por elas, por
exemplo, correspondia a 6% do total da economia em 1978 e passou a 26% em 1996,
mesmo com o acelerado crescimento econômico verificado neste intervalo de tempo
(NAUGHTON, 2006). Da perspectiva do campo, a fatia representada pela produção
não agrícola – que correspondia quase majoritariamente ao total de atividades levadas
a cabo no interior das TVE’s – passou de 7,6% para 24,6% da renda rural, entre 1978
e 1985. Neste último ano, apenas a produção de grãos, que contribuía com 55% da
renda, era maior do que aquela realizada pela indústria em questão. Os dados de
força de trabalho mostram a mesma tendência – a mão de obra empregada em
atividades não agrícolas passa de 12,3% para 20,3% do total entre os mesmos anos
(NOGUEIRA, 2011). Após 1985, quando os preços dos bens agrícolas se estagnam,
a importância das TVE’s para o crescimento da renda rural se amplifica ainda mais.
No meio urbano, as reformas pós-maoístas iniciam-se com medidas que
interferem no funcionamento do sistema de alocação de recursos comandado pelo
Estado, sem, no entanto, reduzir sua importância diante do todo do sistema produtivo
urbano chinês. A experimentação, na província de Sichuan, de maior grau de
autonomia de gerenciamento concedido a seis State-owned Enterprises (SOE’s), no
ano de 1979, é vista, por Aglietta & Bai (2013), como um primeiro cuidado necessário
face ao peso do setor comandado pelo Estado – os autores afirmam que uma abertura
mais brusca ao capital privado teria de enfrentar enormes resistências, já que a quase
exclusividade de atores de propriedade estatal ou coletiva culminava num ambiente
de intensas disputas políticas e burocráticas, obstaculizando decisões que facilitavam
a entrada de novas empresas, estranhas à concorrência preestabelecida, a não ser
depois de ações gradualistas que garantissem a sobrevivência das SOEs. Já em
1980, o experimento realizado inicialmente em Sichuan se difundiu a 6.600 outras
SOE’s, as quais representavam 60% da produção industrial chinesa. Apesar do
relaxamento do controle sobre as práticas gerenciais, as empresas estatais passaram
a contar com fundos onde eram depositados os resultados financeiros que excediam
as metas estabelecidas pelo governo. Uma parte dos recursos depositados destinava-
se ao financiamento de infraestrutura aos trabalhadores – clínicas, acomodações,

55A partir de 1990, as TVEs passam também a deter fatia importante das exportações chinesas – 25%
em 1990 -, além de atender mais efetivamente as áreas urbanas (Nogueira, 2011).
68

restaurantes – e outra era incorporada às remunerações recebidas por eles. O fato é


que, diante da impossibilidade de controlar contratações e demissões, as empresas
utilizavam tais fundos como fatores de motivação ao trabalho, preocupando-se de
forma mais cuidadosa com os resultados da produção – leia-se, com os lucros
auferidos. Ainda na primeira metade da década de 1980, as subvenções oferecidas a
empresas passaram a se transformar em empréstimos remuneráveis, isto é, em
recursos transferidos sob a forma de dívidas a serem assumidas pelas firmas
beneficiadas (ZHANG, 2010).
Uma segunda fase da reforma da estrutura produtiva urbana consistiu na
transferência de controle das SOE’s a seus gerentes, o que se deu sob a vigência de
contratos de compartilhamento de lucros. Paralelamente, operou-se rebaixamento
das barreiras à entrada ao capital privado, acirrando a concorrência a ser encarada
pelas estatais. Os resultados não foram convergentes aos esperados, legando não
somente um fraco desempenho da evolução da produtividade, como também um
incremento das perdas acumuladas pelas SOE’s, as quais se deram, segundo Aglietta
& Bai (2013), em função de dois principais motivos: 1) o aumento da competição com
a entrada de novos concorrentes; 2) o aumento dos custos de trabalho, incentivados
pela regulação estatal, desejosa por universalizar o acesso às exitosas ofertas de
bens agrícolas e de outros bens de consumo, resultantes das reformas empreendidas
no campo. Detendo boa parte do setor produtivo, que, por sua vez, empregava quase
a totalidade da população trabalhadora das cidades, o Estado pôde elevar os salários
urbanos em quase 5 vezes de 1978 a 1984, aumentando o poder aquisitivo do
mercado consumidor mas, também, diante do fracasso do aumento da produtividade
das empresas, comprometendo profundamente as finanças das SOE’s e do próprio
ente estatal, que tentava manter as empresas funcionando através de empréstimos
bancários. Os prejuízos atingiram quase 20% das SOE’s em 1988, mas se agravaram
na década de 1990, quando chegaram a atingir quase metade das empresas estatais
urbanas.
No rol de iniciativas das reformas esteve, também, a constituição das
regiões de atração de investimento estrangeiro, conhecidas por Zonas Econômicas
Especiais (ZEE’s). Os primeiros testes foram aprovados em 1978 e iniciados no ano
seguinte, nas províncias de Guangdong e Fujian. Em 1980, tem lugar a criação de
outras quatro ZEE’s - em Zhuhai, Shantou, Shenzhen e Xiamen. Todas as regiões
escolhidas têm uma característica comum – a proximidade com Hong Kong ou Macau.
69

Embora a intenção fosse criar ambientes atrativos ao investimento estrangeiro oriundo


de qualquer parte do mundo, especialmente aquele voltado à exportação, houve a
preocupação em aproveitar o desenvolvimento pregresso das duas localidades
mencionadas, criando, inclusive, condições especiais para o fluxo de capitais que
viesse destes lugares. O Investimento Direto Estrangeiro (IDE) oriundo de Hong Kong,
por exemplo, chegou a representar quase 60% do total de IDE entrante na China,
entre 1983 e 1990 (NONNENBERG, 2008). Vale lembrar que, no início dos anos 1980,
se a China tinha um PIB per capita de somente US$ 300 anuais, o de Hong Kong já
alcançava quase US$ 10 mil, o que fora possibilitado pelo desenvolvimento inicial de
um forte setor de comércio e finanças e, posteriormente, de uma Indústria de
Transformação em setores produtores de bens de consumo leves. A proximidade das
ZEE’s com Hong Kong contribuiu para que as regiões selecionadas a atrair IDE
fizessem parte de um processo de transformação da estrutura produtiva do país que,
até então, estava sob domínio inglês. Enquanto Hong Kong passava a produzir bens
com maior conteúdo tecnológico, parte da sua produção preexistente migrava para as
Zonas Econômicas Especiais chinesas, propiciando à China a absorção de
competências gerenciais, métodos de organização da produção e contatos comerciais
com o resto do mundo (NONNENBERG, 2008)56.
Dentre as medidas que constituíam as ZEE’s estavam a autorização a seus
governos para gerir, com maior autonomia, as questões econômicas locais, tais como
a aprovação de projetos de investimento, o controle de preços e a determinação de
rendas relativas ao uso da terra. Ademais, concedeu-se isenções e benefícios fiscais
que variavam conforme o prazo do investimento estrangeiro realizado, bem como o
setor da empresa envolvida. Incentivos ainda maiores eram oferecidos à importação
de máquinas, matérias primas, peças e combustível, mas também à produção de bens
tecnológicos e para exportação. A entrada de pessoas que estivesse atrelada a
intercâmbio científico ou tecnológico também era facilitada (GUPTA, 1997).
Adicionalmente, a concentração, numa mesma região, de amplos atrativos à entrada
de investimentos resultava na criação de clusters e spillovers positivos às atividades
econômicas ali estabelecidas. Nesta primeira etapa, que teria durado até 1986, as
liberdades concedidas aos novos investimentos ainda eram, no entanto, bastante

56Liu & Zhang (2010) ressaltam que uma das importantes preocupações que motivaram a constituição
das ZEE’s foi a escassez de capital para investimento e de moedas estrangeiras – especialmente o
dólar – na economia doméstica chinesa.
70

restritas – desencorajava-se a propriedade inteiramente estrangeira de novos


negócios57 e restringia-se a venda da produção ao mercado doméstico chinês, o
estabelecimento dos salários e preços58, as decisões a respeito de demissões e
contratações, bem como a conversão dos ganhos em moeda chinesa em moedas
estrangeiras.
Apesar dos esforços mencionados para atração de investimentos e das
medidas tomadas no sentido de proporcionar desenvolvimento industrial, os primeiros
anos de reforma caracterizaram-se como o único período, desde o final da década de
1970 até os dias atuais, em que o plano de modernização do país teve seus pilares
assentados no desenvolvimento do campo. Naughton (2006) aponta, neste sentido,
que o IDE entrante na China, cuja função esteve intimamente atrelada ao ganho de
participação e modernização da indústria, só superaria um patamar moderado a partir
de 1993, quando, diante das novas alterações da política de entrada de capitais, de
1992, saltaria para mais de US$ 20 bilhões anuais, superando a marca de US$ 35
bilhões perto dos anos 2000. Dentre os efeitos do início das reformas no campo, por
outro lado, destacam-se, como supramencionado, o aumento da produção per capita
de grãos e outros gêneros alimentícios, bem como o aumento da produtividade
agrícola, que permitiram enormes avanços sociais no meio rural. A redução da
pobreza, apresentada por Nogueira (2011), foi impressionante – foram 125 milhões
de pessoas saindo desta condição de 1978 a 1985, somente no meio rural. Se 75,7%
da população rural era pobre no início do período, somente 22,7% mantiveram tal
situação sete anos depois59. As conquistas relatadas devem-se, em alto grau, à
combinação de preços agrícolas favoráveis, distribuição de terras a famílias
camponesas – impedindo a formação de uma classe de desterrados – e
desenvolvimento da indústria rural, que contribuiu para a elevação da renda da
população do campo.
Do ponto de vista da estrutura produtiva, as ações voltadas ao
fortalecimento da produção no campo conseguem preservar a participação do setor
primário no PIB entre 28% e 29%, de 1978 a 1985, o que esconde um movimento de
ganho de peso do setor nos anos intermediários do período, quando as atividades

57 Ademais, o presidente do conselho diretivo da empresa inversora deveria ser cidadão chinês (Zhang,
2010).
58 A empresa tinha de respeitar limite mínimo dado pelo preço estabelecido pelo Estado (Zhang, 2010).
59 Nogueira (2011) usa, como referência, a metodologia desenvolvida por Ravallion & Chen em conjunto

com o Escritório Nacional de Estatísticas da China (NBS).


71

primárias alcançam 33,4% do Produto Interno Bruno, em 1982. O setor secundário,


por sua vez, tem uma leve queda de participação, de 48% a 43% entre os anos
mencionados (Figura 5). Uma das hipóteses para explicar o porquê da ruptura do
movimento mais estrutural de ganho de protagonismo do setor secundário, em
detrimento do setor primário60, a exemplo do que se observa durante o maoísmo, é,
ao lado da ênfase das reformas direcionada ao campo – responsáveis pelo aumento
de sua produtividade -, a consequente manutenção dos preços agrícolas num patamar
mais alto. A Tabela 4 mostra a contribuição do preço de bens agrícolas selecionados
para o aumento da produção total verificada entre 1978 e 198561.

Figura 5 - PIB chinês por setor da economia


Gráfico 5 - PIB chinês por setor da economia
De 1978 a 1991, em % do total do PIB, a preços correntes
De 1978 a 1991, em % do total do PIB, a preços correntes

60

50

40
em %

30

20

10

0
1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990

Setor Primário Setor Secundário Setor Terciário

Fonte: Statistical Yearbook (2009). Elaboração própria.

60Os dados de Maddison & Wu (2007) mostram a manutenção da participação do setor industrial de
1978 a 1985 em 37% do PIB e a queda do peso do setor primário de 34% a 36% do PIB.

61Compara-se a variação da produção total (quantidade vezes valor) a preços constantes e a preços
correntes, de forma a se poder calcular qual é a contribuição da variação de preços, de forma isolada,
na variação do valor total produzido.
72

Tabela 4 – Contribuição dos preços do setor primário para o aumento da


produção
De acordo com estimativas oficiais, de 1978 a 1985, por subsetor

Fonte: NBS (2009). Elaboração própria.

A tendência de queda relativa do setor primário seria novamente mais


perceptível a partir de meados da década de 1980, quando se tem o início de um
período com traços muito distintos no que se refere às reformas empreendidas pelo
governo chinês até aqui. O que era chamado, até então, de “reforma sem perdedores”,
passa a configurar-se como uma reestruturação produtiva e social com prejuízos
concretos a parte da população. Concomitantemente, verifica-se o redirecionamento
das tendências assumidas pelo setor industrial – primeiramente com ganho de espaço
na estrutura produtiva e, posteriormente, com seu ganho de complexidade e
deslocamento para novos setores, mais intensos em tecnologia, conformando a
“constituição de um núcleo endógeno de progresso técnico e de decisão” que,
segundo Diegues & Milaré (2016, p. 77), seria “condição necessária tanto para a
consolidação do processo de desenvolvimento chinês, quanto para o aumento de sua
influência no sistema internacional”.

2.3. Da segunda metade da década de 1980 à Tragédia da


Praça Tiananmen
Se o campo é tido como um dos principais beneficiários dos primeiros anos
de reformas, a segunda metade da década de 1980 marca uma mudança substantiva
dos resultados observados a partir das medidas tomadas pelo governo. O Plano
Quinquenal correspondente ao período de 1986 a 1990 explicita, pela primeira vez, a
decisão do Estado de concentrar esforços desenvolvimentistas nas áreas próximas
ao litoral, especialmente do sudeste chinês, sob o entendimento, batizado de
73

“desenvolvimento via degraus de escada”, de que a prosperidade econômica que


fosse alcançada por estas regiões, as quais já desfrutavam da institucionalidade das
recém-criadas Zonas Econômicas Especiais, transbordaria para outros locais do
território em determinado momento, generalizando estruturas produtivas mais
avançadas, maiores graus de produtividade, avanços tecnológicos e maiores
remunerações (NOGUEIRA, 2011). A escolha das regiões costeiras como motores
desta estratégia seria justificada não somente pela já mencionada proximidade a
territórios com maior grau de desenvolvimento, como Hong Kong, mas também pelo
acesso facilitado ao comércio externo e pela acumulada experiência em setores
manufatureiros, os quais consistiam, até então, em segmentos intensivos em trabalho.
Segundo Naughton (2006), outras regiões elegíveis, que também haviam
experimentado surtos de industrialização, enfrentaram o obsoletismo precoce de suas
pesadas estruturas – este é o caso do nordeste chinês, no qual a produção de energia
e matéria prima havia legado, na década de 1980, um parque produtivo defasado e o
incômodo apelido de “cinturão enferrujado”.
Além da perda de relevância do interior no âmbito da política de
desenvolvimento, verifica-se o abandono definitivo do que Nogueira (2011) chama de
política de “desenvolvimento celular e autossuficiente”, própria do maoísmo. A
preocupação em evitar a aglomeração industrial, em função dos riscos que o mundo
externo poderia oferecer à estrutura produtiva do país, é deixada de lado em nome da
concentração espacial do desenvolvimento industrial. A autora afirma que, se de 1953
a 1975, a costa e o centro do território chinês receberam fatias semelhantes dos
investimentos totais – cerca de 37% -, de 1981 a 1995, a porcentagem de
investimentos em ativos fixos destinados à costa cresceu de pouco mais de 50% para
quase 64%. Já ao final da década de 1980, esta porcentagem se aproximava de 60%.
O centro, por sua vez, recebia pouco mais que 35% do total de investimentos em
ativos fixos, chegando ao patamar mínimo de pouco mais de 20% em 1995 – o qual
teve crescimento até 30%, em 2008. A porção oeste do território do país sempre
esteve abaixo de 30% dos investimentos totais a partir de 1981, atingindo pouco mais
de 10% em 1995, ano em que se deu o ápice da concentração regional de inversões
desde o início das reformas.
O afastamento do campo em relação aos pilares centrais do
desenvolvimento não se deu somente pela priorização da atração de capitais para as
zonas costeiras, mas também pelas mudanças da política de aquisição da produção
74

agrícola, as quais legaram consequências negativas sobre a qualidade de vida até


então crescente do produtor rural. Sob a justificativa de que os gastos com as compras
obrigatórias de parte da produção pelo Estado tinham se tornado altos demais62,
passa-se a impor limites preestabelecidos de aquisição, extinguindo, em 1985, o
sistema unificado de cotas. A produção excedente teria de enfrentar, agora, maiores
incertezas, seja em relação às possibilidades de assinatura de novos contratos junto
ao governo, seja em relação à possibilidade de vendas ao mercado – que, embora já
vigorassem, passaram a constituir não uma alternativa lucrativa, mas uma eventual
necessidade. Com os riscos de prejudicar bruscamente a renda dos agricultores, o
Estado inclui um atenuante à nova política – a parcela excedente da colheita poderia
ser por ele absorvida, mas não pelos preços inflados, como anteriormente se
praticava. A consequência foi a redução média da renda dos agricultores em 10% do
ano de 1984 a 1985. A produção de grãos, por sua vez, caiu 25 milhões de toneladas
no mesmo período (NOGUEIRA, 2011).
Nas áreas urbanas, a principal medida reformista da segunda metade da
década em questão foi a introdução de um sistema duplo de preços (Dual-track
System), que teria a função de estimular a ampliação e a racionalização da produção
industrial. Os incentivos para que as empresas atuassem sob os mecanismos de
precificação do mercado eram combinados com a preservação dos requisitos
impostos no âmbito da economia planificada, organizada pelo Estado. Assim que
fossem cumpridas as obrigações junto ao ente estatal, as empresas eram estimuladas
a comprar insumos e vender suas produções extras sem a mediação do governo. Os
preços, do mesmo modo, deveriam obedecer às determinações estatais na parcela
da produção que estivesse dentro das cotas preestabelecidas, podendo, no entanto,
guiar-se por mecanismos de mercado na porção da produção que superasse as cotas.
Esta era uma estratégia de proteção do amplo espectro de empresas detidas pelo
Estado quando do aumento da concorrência às suas atividades produtivas. A queda
iminente dos preços em setores de competição crescente poderia resultar num rápido
colapso da estrutura produtiva controlada pelo governo, bem como dos repasses que
ela fazia ao orçamento público.
Outra resposta necessária diante deste quadro era o aumento da
produtividade das SOE’s, o que era encorajado pela nova política de distribuição de

62Nogueira (2011) diz que os custos dos subsídios dos grãos, a partir das compras feitas pelo Estado,
haviam atingido 14% do orçamento em 1984.
75

lucros excedente - isto é, que superasse a parcela devida à administração pública.


Sob esta prática, a melhoria dos resultados da produção beneficiaria gerentes e
trabalhadores, o que culminou numa mudança dos objetivos centrais das SOE’s – as
decisões produtivas passaram, gradativamente, a ser tomadas mais em conformidade
com a geração de lucros do que com as metas determinadas pelo Estado. Os dados
mostram que a produtividade das SOE’s de fato aumentou na década de 198063.
Ainda assim, do ponto de vista do crescimento da indústria chinesa, verifica-se
contribuição crescente de empresas privadas, em detrimento da contribuição
daquelas detidas pelo Estado. Em 1980, 51,2% do crescimento da indústria originara-
se em SOEs, contra 5,3% de contribuição de empresas privadas e 43,5% de
contribuição de empresas coletivas. Em 1990, tais percentuais passaram,
respectivamente, para 37,8%, 27,4% e 34,8% (ZHANG, 1997).
Ainda na segunda metade da década de 1980, foram observadas
mudanças no que tange à política das ZEE’s. A partir de 1986, as condições seriam
flexibilizadas, oferecendo-se, inclusive, caminhos menos burocratizados para
aprovação e maior acesso ao mercado local de crédito aos IDE entrante. Nos
segmentos cujos bens eram importados pela China, encorajou-se a venda da
produção das empresas estrangeiras estabelecidas diretamente ao mercado
doméstico. As áreas de tratamento preferencial foram, ademais, ampliadas64, o que,
combinado aos maiores incentivos, produziu resultados mais significativos do ponto
de vista do capital atraído. O total de IDE contratado cresceu de um total de US$ 2
bilhões, em 1983 – dos quais US$ 0,9 bilhão foram realizados – para US$ 3,3 bilhões,
em 1986, com realização efetiva de US$ 2,3 bilhões. Até 1991, o total contratado
subiria para US$ 12,4 bilhões, sendo US$ 4,7 bilhões realizados, com a ressalva de
que, no período da crise da Praça Tiananmen, os capitais entrantes na China não
tiveram grande acréscimo, indicando uma reação dos investidores externos de
esperar para agir diante da turbulência social que se assistia. Quanto à distribuição
setorial do IDE contratado, o setor industrial foi o mais relevante pelo menos desde
1985. Antes deste momento, o IDE para o setor de Serviços mostrava-se
preponderante. Neste ano, a indústria participou com 39,7% dos capitais contratados.

63 Zhang (2010, p. 20) lista diversos autores que atestam tal fato.
64 Na primeira fase, até 1986, as áreas de tratamento preferencial ao IDE entrante restringiam-se às
quatro Zonas Econômicas Especiais mencionadas, somadas a duas províncias (Guangdong e Fujian),
à ilha de Hainan e a 14 cidades costeiras, cobrindo um total de 117 cidades e xians. Na segunda fase,
a partir de 1986, seriam 11 províncias costeiras que compreenderiam 288 cidades e xians.
76

Em 1990, participou com 87,7% e, em 1993, com 49,5% do valor oficialmente


registrado (CHAI, 1997).
Em relação à estrutura produtiva, a segunda metade da década de 1980
assistiu a uma proeminente queda da participação do setor primário. De um percentual
de 32% do PIB, em 1984, o setor primário caiu a cerca de 25% do PIB até 1989. De
outro lado, o setor terciário passou a representar, pela primeira vez, uma parcela maior
do PIB do que o setor primário – de 25% em 1984, passou a cerca de 32% em 1990.
O setor secundário, por sua vez, manteve relativa estabilidade durante os anos em
questão, saindo de 43% em 1984 para 42% em 199165 (Figura 5).
Em comparação com o início dos anos 1980, a segunda metade desta
década sobressaiu-se como período de fim da queda de diferença de produtividades
entre os setores secundário e primário. Como já relatado, se as atividades primárias
tiveram crescimento mais acelerado de sua produtividade no período anterior, como
fruto das reformas empreendidas no campo, os dois setores passam a ter evolução
equivalente do indicador nos anos que se aproximam da década de 1990, quando,
como será tratado adiante, haverá um foco ainda mais enfático da política de
desenvolvimento em tornar a indústria chinesa mais produtiva e mais complexa.
Dentro do setor secundário, pode-se notar, ademais, os primeiros traços
marcantes de uma evolução que se distingue não exatamente do início da década de
1980, mas, definitivamente, das tendências observadas para estas atividades durante
o período maoísta. Se a indústria leve, produtora de manufaturas diversificadas e com
baixo grau de complexidade havia atingido 64% do PIB industrial nos anos 1950,
esperava-se, de acordo com Naughton (2006), que a China passasse, nas décadas
seguintes, a um processo de desenvolvimento upstream de sua indústria, aumentando
a participação de segmentos especializados em produção de bens intermediários e
de maquinário, conforme ocorreu com os processos de industrialização japonês e de
Taiwan. No entanto, o declínio dos segmentos manufatureiros leves – que chegaram
a 27% do PIB industrial em 1978 -, foi seguido por um novo movimento de
diversificação até 1995, quando os mesmos segmentos atingiram 42% do PIB do país.
Naughton (2006) afirma, então, que a etapa da industrialização chinesa até a entrada
da década de 1990 foi caracterizada pela expansão de ramos de baixa tecnologia e

65Em Maddison & Wu (2007), a agricultura sai de 32% para 29% do PIB e o setor secundário cresce
de 37% a 40% do PIB, entre os anos de 1985 e 1990. O setor terciário, por sua vez, tem relativa
estabilidade, permanecendo entre 31% e 31%.
77

intensivos em trabalho, produtores de bens como eletrônicos de baixa complexidade


tecnológica e outras manufaturas leves66. A participação dos segmentos produtores
destes bens teria rápida queda relativa a partir de 1995.
Segundo Zhang (2010, p. 30), o crescimento econômico verificado na
década de 1980 (Figura 6) tem fundamentos mais relevantes no aumento da
produtividade do que na acumulação de capital. Esta característica dura até meados
da década de 1990, quando a acumulação de capital passa a contribuir de forma
crescente para o aumento do produto da economia chinesa. Fan & Wan (2010, p. 109)
indicam, no entanto, que se o aumento do fator “progresso tecnológico” contribuiu com
4,4 pontos percentuais do crescimento na primeira metade da década de 1980, o
crescimento do fator “capital” contribuiu com 4,5 pontos percentuais, sugerindo um
papel também relevante da acumulação de capital. Para a segunda metade da década
de 1980, o progresso tecnológico teria contribuído com 4,1 pontos percentuais, contra
somente 2,3 pontos percentuais do fator “capital”.

Figura 6 -6Taxa
Gráfico dede
- Taxa crescimento anual
crescimento dodo
anual PIB dada
PIB China
China
De 1978 a 1991, em %, em relação ao ano anterior, a preços constantes
De 1978 a 1991, em %, em relação ao ano anterior, a preços constantes

15,2
16
13,5
14
11,7 11,6 11,3
12 10,9

9,1 8,8 9,2


10
7,5 7,8
em %

8
5,2
6
4,1 3,8
4

0
1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991

Fonte: NBS (vários anos). Elaboração própria.

66 De acordo com dados apresentados por Naughton (2006), o crescimento de segmentos como
eletrônicos e equipamentos de comunicação, móveis e produtos de plástico esteve acima da média
entre 1980 e 1995, com taxas superiores a 20% de expansão.
78

Gráfico7 7- Investimento
Figura - Investimentototal
totalem
emativos
ativosfixos
fixosnanaChina
China
Divididopor
Dividido pororigem
origemdo
doinvestimento,
investimento,de
de1980
1980aa1990,
1990,em
em%
% do PIB
35

30

6,7 6,9
6,4
25
6
3,8 4,6 4,8
4 5,7 6,1
20 5,4 3,7 5,4
2,6
3,7 3,3 3,3 3,4
2,6 2,9
em %

1
15 2,4

10 20,4 20,5 20,2


18,8
16,5 16 16 16,5 16,6 16,1
13,7
5

0
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990

Investimento estatal Investimento coletivo Investimento privado

Fonte: Zhang (2010). Elaboração própria.

A Figura 7 mostra, por sua vez, os investimentos em ativos fixos na


economia chinesa ao longo da década de 1980. Embora o patamar de inversões tenha
crescido, especialmente a partir de 1984, a abordagem da década seguinte revelará
que, até 1988, muito ainda estaria por ocorrer para elevar o investimento ao papel de
elemento central explicativo do ganho de dimensão da economia chinesa, bem como
da transformação de seu setor industrial. Até aqui, contudo, há de observar uma
ampliação dos investimentos públicos – que saltam de 13,7% do PIB em 1981 para
20,2% em 1988 – mas também dos privados – de 2,6% em 1980 para 6,9% em 1988
– e dos coletivos67 – de 1% em 1980 para 4,8% em 1988. A década de 1990
apresentará um cenário em que o investimento privado ganha um amplo espaço,
inclusive em função da maior presença da propriedade privada na estrutura produtiva
chinesa, embora haja a preservação das inversões de caráter público – estatal e
coletivo.

67 Considerados, aqui, os investimentos realizados por empresas de posse coletiva, como as TVE’s.
79

Os investimentos estrangeiros, motivados pela constituição das Zonas


Econômicas Especiais, mostram-se, ademais, bastante incipientes em relação ao
tamanho da economia chinesa. Dados de Luo & Zhang (2010), extraídos de China
Statistical Yearbooks, indicam que seu patamar, até o ano de 1991, permanece
inferior a 1% do PIB, elevando-se de forma bastante aguda somente a partir de então.
Já as exportações, que também assumiriam papel de maior destaque no
desenvolvimento posterior, mantêm-se divididas, até 1986, entre bens primários e
manufaturados, com cerca de 50% da pauta exportadora para cada grupo. Dentre os
manufaturados, a participação de bens de alta tecnologia ainda era irrisória
(HAFFNER et al, 2017), em contraste à preponderância de bens de baixo conteúdo
tecnológico, que representavam cerca de 40% da pauta total (YANG, YAO & ZHANG,
2010). O montante de exportações, incluindo todos os bens, correspondia, em 1986,
a pouco mais de 8% do PIB chinês, apenas alguns pontos percentuais acima do que
representava ao final da década de 1980, estabelecendo-se entre 15% e 20% do PIB
na década de 1990 e superando 25% apenas nos anos 2000 (CHERNAVSKY &
LEÃO, 2010).
Ainda em relação às exportações e ao ganho de relevância que
demonstrariam a partir de meados da década de 1980, destaca-se o ano de 1987
como o primeiro em que as vendas de bens primários seriam excedidas pelas de bens
manufaturados leves, que, a partir de então, ganhariam espaço na pauta exportadora,
até atingir um pico de 60%, em 1993. Deste ano em diante, inicia-se um movimento
distinto, de incremento da participação de bens manufaturados mais complexos, no
âmbito do processo de transformação do setor industrial chinês (YANG, YAO &
ZHANG, 2010).
O que se depreende da década de 1980, no entanto, é o fato de que, a
despeito de uma ainda reduzida participação das exportações chinesas no comércio
internacional68, tais anos abrigam uma mudança importante do perfil da pauta
exportadora do país, qual seja, o início de um processo de reconhecimento de
importantes vantagens em segmentos intensivos em mão-de-obra, o que pode ter
ocorrido neste momento devido a um primeiro deslocamento de unidades produtivas
dos vizinhos asiáticos às Zonas Econômicas Especiais recém criadas, mas,

68Chernavsky & Leão (2010) mostram que a participação das exportações chinesas no comércio
exterior global é de cerca de 1,5% em 1986, atingindo 3% em 1993 e superando 4,5% somente em
2001.
80

especialmente, em função da ampla oscilação do valor do renminbi frente ao dólar,


expressa pela desvalorização da taxa de câmbio entre as duas moedas, em termos
nominais, de 130% entre 1980 e 1986, e, em termos reais, de 199% de 1986 a 1991,
e de 395%, de 1986 a 199569 (Figura 8).

Figura 8 – Taxas de câmbio nominal e real


RMB / US$, de 1978 a 2010 (taxa de câmbio nominal) e de 1986 a 2010 (taxa de câmbio real).
10

6
RMB / US$

0
1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010

Taxa de Câmbio Real Taxa de Câmbio Nominal

Fonte: Dados relativos à taxa de câmbio nominal foram extraídos de NBS (2007) e dados referentes à taxa de
câmbio real foram calculados pelo próprio autor, com base nos Índices de Preço ao Consumidor da China e dos
Estados Unidos, com base 2010 = 100, extraídos de FMI (2019).

Tal depreciação da moeda chinesa deve-se a uma política deliberada de


estímulo às exportações após a histórica preservação do câmbio em patamares
valorizados, o que tinha se revelado como importante subsídio à importação de bens
de capital. Desta vez, o mercado de câmbio seria dividido70 em um compartimento
regulado por uma taxa flutuante e outro em que se operaria um processo de
desvalorização por meio de swaps, intencionando proporcionar, às empresas
localizadas nas Zonas Especiais e, sobretudo, às empresas com licenças a realizar
comércio exterior71, incentivos adicionais à prática de exportações (CHERNAVSKY &

69 Os dados do Índice Nacional de Preços para a China referentes ao período anterior a 1986 não
estavam disponíveis e, por isso, a taxa de câmbio não foi calculada para estes anos.
70 O mercado de câmbio seria reunificado em 1994.
71 A China permitia transações comerciais com o exterior apenas a empresas estatais que tivessem

uma licença concedida pelo governo central. A partir das reformas de 1978, no entanto, observa-se um
movimento de descentralização da concessão desta autorização, e o número de empresas autorizadas,
81

LEÃO, 2010). No mercado flutuante, empresas estatais especializadas em trading


exerciam o monopólio cambial, regidas sob um aparato político que determinava altas
barreiras às importações, de forma a proteger a estrutura produtiva interna e,
simultaneamente, garantir o suprimento dos bens necessários ao mercado chinês. O
mercado de swaps, por sua vez, fora concebido de modo a privilegiar a atratividade
das operações de processamento de insumos importados para a exportação a
mercados externos. Além de imputar, às empresas estabelecidas nas Zonas
Econômicas Especiais, um patamar de câmbio favorável às suas atividades, a
concreta presença de deliberações estatais no preço externo da moeda reduzia os
riscos de absorção de volatilidades oriundas do cenário internacional, caracterizando-
se como um conjunto de ações políticas altamente estratégico para as pretensões
desenvolvimentistas chinesas. Segundo Chernavsky & Leão (2010, p. 97):

As características da evolução das taxas nominal e real no período analisado


permitem concluir que a política cambial foi efetivamente utilizada enquanto
instrumento decisivo para buscar e manter a competitividade externa da
economia do país.

A exportação de capitais pela China, por sua vez, cuja magnitude e traços
gerais estariam intimamente atrelados ao ganho de relevância e à transformação do
perfil das exportações, se apresentariam, nos anos 1980, ainda como elementos
incipientes na estrutura econômica do país. Como será destacado no Capítulo IV, os
fluxos de IDE chinês não superariam US$ 1 bilhão em valores correntes antes do início
da década de 1990 (UNCTAD, 2019), tendo um pico acima de US$ 5 bilhões somente
em 2001, quando acumulavam US$ 35 bilhões em estoque.
A despeito do alto crescimento verificado ao longo da década de 1980, seus
anos finais guardam a deterioração da situação econômica e a emergência de
importantes reflexos sociais e políticos. Se, de um lado, o trabalhador do campo tinha
sua renda subtraída com o fim do sistema de cotas72, por outro, verifica-se o aumento
da desigualdade social, a qual se expressa, basicamente, pela desigualdade entre o
campo e a cidade (NOGUEIRA, 2011). Aglietta & Bai (2013) destacam a dependência
das receitas do governo central pelas receitas das SOE’s - tal como ocorria com os

que era de 12, em 1980, passa a mais de 5000 em 1988, - muitas das quais criadas por esferas
governamentais subnacionais.
72 A renda do agricultor teria se reduzido 10% em média em 1985, segundo Nogueira (2011).
82

governos locais - para explicar a deterioração que toma conta das finanças públicas
na segunda metade da década de 1980. De um lado, as SOE’s veem suas
rentabilidades prejudicadas com o aumento da concorrência derivada, no campo, de
novas TVE’s, nas cidades, de novas pequenas e médias empresas privadas e, nas
regiões costeiras, de novas empresas estrangeiras. De outro, sublinha-se o fracasso
do sistema de contratos fixos que passam a ser vigentes entre diferentes âmbitos de
governo. De acordo com suas regras, o repasse de recursos dos governos locais ao
governo central passaria a dar-se por valores nominais preestabelecidos. Três eram
as principais consequências deste sistema, segundo os autores: 1) a impossibilidade
do governo local de usufruir de ganhos derivados do alto crescimento; 2) a erosão dos
valores reais repassados, quando do aumento geral dos preços; 3) a difusão de um
risco moral, uma vez que os governos locais não podiam ser responsabilizados por
maus resultados econômicos e, consequentemente, por repasses mais baixos – o
governo central continuava tendo de exercer seu papel de transferir recursos a SOE’s
com problemas financeiros, bem como de preservar o nível de emprego em
conjunturas adversas. A degradação das contas do governo central logo contaminou
o sistema bancário e, posteriormente, teria despertado o processo inflacionário.
Do ponto de vista das variáveis econômicas, a inflação acelera-se já no ano
de 1988, chegando a 20,7%, patamar semelhante ao verificado no ano seguinte,
quando atinge 16,3% (NOGUEIRA, 2011). Este se tornaria o segundo maior pico de
preços desde 1978, ficando atrás somente da inflação de meados dos anos 1990, que
chegou a cerca de 25%. Evidentemente, a percepção de aumento da pobreza e de
desigualdade sentida pela população chinesa ao final da década de 1980 –
especialmente por aquela porção que vivia no campo – era potencializada com a
deterioração do poder de compra de seus salários, que prejudicavam mais
intensamente, por sua vez, grupos sociais residentes das cidades.
De acordo com Kueh (2008, p. 52), os camponeses se beneficiavam de
uma aceleração mais rápida dos preços dos bens agrícolas em comparação aos bens
e serviços ofertados pelas cidades73. Se, de um lado, os trabalhadores industriais
urbanos haviam auferido vantagens a partir de decretos de aumento de salário desde
o final dos anos 1970, mas também a partir da nova política de atrelamento de seus

73 Dentre as causas apontadas para a aceleração inflacionária estão as dificuldades em controlar o

sistema duplo de preços, as falhas no combate ao descontrole de preços já verificado nos meses
anteriores e a expansão monetária do período prévio (Kueh, 2008).
83

vencimentos aos lucros conseguidos por suas firmas, por outro, uma relevante classe
urbana, chamada por Kueh (2008) de “intelligentsia” chinesa, sentia de uma forma
mais dura as elevações de preço, já que não dispunha de artifícios protetores contra
o problema inflacionário.
Desta classe faziam parte estudantes, professores de escolas e
universidades, e funcionários de institutos de pesquisas governamentais, por
exemplo, os quais acenderam o fósforo que culminou na explosão dos protestos em
grandes cidades chinesas ao final da década de 1980. Além da insatisfação contra o
aumento de preços, levantavam bandeiras contra a crescente emergência de casos
de corrupção entre os burocratas do Estado, os quais aproveitavam o sistema duplo
de preços para capturar lucros indevidos – compravam bens em mercados
controlados pela alocação planejada estatal e vendiam-nos a mercados livres, que
proporcionavam maiores ganhos74. Dentre os itens da pauta política dos protestos,
estava, ainda, o desejo por maior liberdade política, que, segundo Kueh (2008), era
fruto de um clima internacional, caracterizado pela iminente derrocada do socialismo
soviético e pela expansão da influência de uma aparente democracia ocidental,
representada pelo poder político estadounidense que exercia pressões no âmbito de
uma nova ordem global, unipolar. Tais pressões teriam se infiltrado na sociedade
chinesa a partir da crescente entrada de turistas e empresas estrangeiras, mas
também da saída de estudantes chineses para o exterior, os quais, ao voltar à sua
pátria após algum tempo em países ocidentais, traziam consigo experiências políticas
amplamente distintas daquelas que haviam acumulado enquanto não tinham saído da
China. A convivência com novas estruturas e formas de participação na tomada de
decisão do corpo coletivo, as quais refletiam uma relação completamente diversa
entre povo e Estado, consistia num provocante impulso à insurreição contra o modelo
que já enfrentava a onda de contestações.
Evidentemente, a gradativa transformação dos padrões de consumo da
população chinesa também pode ser levantada como um dos elementos que
corroboraram para um cenário de renovada mentalidade da sociedade urbana do país,
levando-a às reivindicações que terminariam com a tragédia da Praça Tiananmen, por
parte das forças coercivas do governo, em junho de 1989.

74 O idioma chinês tem, inclusive, um termo para a prática – “Guandao”, que significa “prática de lucros
oficiais”.
84

Os anos de passagem da década de 1980 para a década de 1990 são


marcados, ademais, pelo baixo crescimento em comparação ao histórico do período
de reformas. Os anos de 1989 e 1990 formam o biênio com menor expansão
econômica desde 1978, com taxas anuais de 4,1% e 3,8% (Figura 6),
respectivamente. O subperíodo que termina em 1992 pode ser considerado como o
fim de um ciclo de reformas, o qual será seguido por anos de aceleração da abertura
econômica e maior ganho de protagonismo de empresas privadas na China. A
indústria chinesa, por sua vez, se incumbirá de uma nova etapa de transformação,
cujo rumo a elos mais complexos das cadeias produtivas, com alargamento da parcela
de bens com maior conteúdo tecnológico e maior apropriação de valor na sua
produção, é sustentado por importância ampliada dos investimentos estrangeiros que
adentram no país, e sustentará, mais adiante, uma forte onda de investimentos
chineses que alcançarão, nos anos 2000, diferentes destinos na economia
internacional.
85

CAPÍTULO III
A entrada nos anos 1990 e o novo ciclo de
reformas

3.1. O imediato pós-Tiananmen

Não há grandes dúvidas de que o episódio da Praça Tiananmen marcou


uma acentuada mudança da política de reformas que estava na base da condução do
desenvolvimento econômico chinês. Talvez, a interpretação de que o acontecimento
tenha sido decisivo para o redirecionamento das reformas não seja a mais usual, mas
é frequente a leitura de que ele teria consistido em um dos principais sintomas dos
problemas que vinham se avolumando até então, como a existência de um sistema
duplo de preços de difícil gestão e a insuficiente transparência sobre a burocracia
estatal, contribuindo para gerar um persistente debate acerca das alternativas de
acelerar o ritmo e aprofundar o grau da mudança de rota conduzida pelo Estado.
Aglietta & Bai (2013) afirmam, à exemplo do que defendem para a primeira fase de
reformas, a partir do final da década de 1970, que o caminho seguido pela China a
partir do início dos anos 1990 teve como motivação a preservação da unidade e da
hierarquia política do regime, guiando-se por melhorias incrementais entendidas como
necessárias pela direção do Estado. Havia, dentro do próprio Partido Comunista
Chinês e, depois, entre grupos sociais nas cidades costeiras e dentro das
universidades, contudo, quem desejasse o fim do gradualismo e maiores aberturas
econômica e política – ideias que emergiam a partir de elementos internos e externos
à China.
Medeiros (1999) recorda que a estratégia de transição da passagem dos
anos 1970 e 1980, a despeito do sucesso em melhorar a produtividade agrícola, fora
geradora de tensões macroeconômicas, que culminaram na inflação e na
desaceleração econômica do final da década de 1980. Juntavam-se a este cenário as
contestações ao socialismo polonês e no resto do leste europeu – com a queda do
muro de Berlim, em 1989 -, e a emergência, por meio da vagarosa expansão do setor
privado, do que o autor chama de capitalist roaders, dentro da sociedade chinesa.
86

A morte de centenas de pessoas resultante do massacre promovido pelas


forças militares na praça de Pequim e a exclusão de vários críticos do governo e
membros do próprio Partido Comunista do centro de decisões representou a
prevalência de uma determinada visão a respeito do futuro a ser perseguido. Embora
o gradualismo das reformas tenha sido mantido, como afirma Medeiros (2008), é
possível interpretar que, de uma forma geral, visões mais conservadoras e menos
reformistas foram deixadas de lado, abrindo uma larga avenida para o
aprofundamento, ainda que paulatino, das reformas econômicas, negando-se a
alternativa, então, de recuos em relação ao que já havia sido operado até o momento
em questão.
Deng Xiaoping entendera, de acordo com Medeiros (2008), que o colapso
da União Soviética exigia da China um novo papel para potencializar seu status
político no mundo, o qual dependeria da concretização de efetivo progresso
econômico. O escancaramento da fraqueza militar chinesa, por sua vez, com a derrota
das armas fornecidas pelo país ao Iraque, na Guerra do Golfo, teria de ser respondido
com a modernização das forças militares, as quais assegurariam, através de maiores
gastos com aquisição de tecnologia, por exemplo, o fornecimento de bens
estratégicos e o aumento das áreas e da profundidade da influência chinesa no
exterior, em particular na Ásia, onde se abria um vácuo de poder com a decadência
da antiga potência socialista soviética.

3.2. As reformas dos anos 1990

No primeiro semestre de 1992, Deng Xiaoping faz um tour no sudeste


chinês, visitando Zonas Econômicas Especiais que haviam sido ali instituídas. Em
discurso que endossa o papel desempenhado por elas, Deng reafirma a necessidade
de acelerar as reformas e perseguir a modernização econômica. Tais sinalizações são
registradas no 14º Congresso do Partido Comunista, em outubro do mesmo ano,
quando se convoca a busca pelo desenvolvimento através de uma economia
socialista de mercado, que daria menos espaço ao planejamento público e mais
relevância aos mecanismos de mercado em todos os segmentos produtivos
(NAUGHTON, 2006).
87

De forma paralela ao avanço das reformas, a entrada da década de 1990


inaugura um maior afastamento do igualitarismo cultivado, especialmente, durante o
período maoísta. Enquanto, para os camponeses, houvera a redução da presença do
Estado acompanhada de distribuição de terras, de aumento dos preços agrícolas e de
desenvolvimento da indústria rural, introduzindo formas diversas de amparo social e
econômico ao trabalhador agrícola, nas cidades, a quebra do sistema de bem-estar
não encontrava outros elementos compensadores que não o crescimento de grandes
grupos empresariais privados, os quais seriam insuficientes para garantir emprego a
todo e qualquer cidadão que houvesse se tornado órfão das abolidas políticas de
proteção estatal. Nogueira (2011) lembra do fim do Danwei, cujo desmonte
representou uma série de retrocessos no que diz respeito aos direitos antes
usufruídos pela população urbana, contribuindo para a elevação da desigualdade e
criando, pela primeira vez, uma classe de desempregados nas cidades chinesas,
insatisfeitos com suas novas condições de vida:

Danwei é mais do que a unidade de trabalho ou o empregador. No sistema


socialista, o danwei dava ao trabalhador chinês o senso de pertencimento a
uma comunidade responsável não apenas por emprego e salário, mas
também por seu bem-estar, status e controle social. Sua substituição por um
mercado de trabalho individualista, sem proteção, vai encontrar resistências
entre a população.

(NOGUEIRA, 2011, p. 101)

A nova visão a respeito do relacionamento entre o Estado e a população


tem como traços, ainda, o aumento do grau de exploração do trabalho e a explicitação
de que o governo assumiria que, de acordo com as palavras de Deng, “alguns ficariam
ricos primeiro” neste novo modelo de crescimento chinês. Evidentemente, o que
chama atenção na frase proferida pelo líder do país não é a possibilidade de
enriquecimento de alguns, mas o eventual reconhecimento de que um grupo de
pessoas deveria ser deixado para trás com a nova política de reformas a entrar em
vigor. Prevaleceria, na China dos anos 1990, uma visão de desenvolvimento que
beneficiaria grupos econômicos das zonas costeiras já privilegiadas, dentre as quais
figurariam, agora, também porções mais ao norte do território, como a região de
Xangai e de Pequim. Tais grupos econômicos demandavam maior abertura
econômica, melhores condições de operação no âmbito das Zonas Econômicas
Especiais, mais privatizações e menor presença do Estado em todos os mercados –
88

especialmente no mercado de trabalho. Tornar-se-iam, diante dos movimentos da


atuação estatal, apoiadores do partido, deixando de representar uma ameaça ao
status quo político, como ocorria anteriormente (NOGUEIRA, 2011).
Naughton (2006) constrói um quadro a respeito das diferenças entre as
reformas dos anos 1980 e aquelas dos anos 1990. Destaca que, no segundo período,
observou-se menos cautela, mais intensidade na introdução de mecanismos de
mercado, desaparecimento gradual da alocação de matérias primas pelo Estado,
estabelecimento de sistemas únicos de preços para uma cesta crescente de bens,
redução absoluta do tamanho do setor estatal – com o advento das privatizações, pela
primeira vez -, centralização de recursos na União e estabilidade de preços.
Sobre a extinção gradativa do Dual-track System, assistiu-se à substituição,
em muitos mercados, do modelo misto – que contava com a combinação entre o plano
compulsório desenhado pelo governo e o ambiente de livres negociações - por um
modelo sem a participação direta do ente estatal, com os preços passando a ser livres
de sua influência. Se, em 1978, 97% das vendas a varejo, 94% dos produtos agrícolas
e 100% dos bens de capital tinham seus preços comandados pelo Estado, em 1990
as porcentagens cairiam, respectivamente, para 29,7%, 25,2% e 44,4% (MEDEIROS,
1998)75. Naughton (2006) ressalta que a transição para o modelo de mercado puro
no que tange à precificação dos bens de diversos segmentos foi feita sem gerar
grandes problemas inflacionários – com exceção do ano de 1994 (com sinais
aparentes já em 1993), a inflação manteve-se sob controle durante todo o período do
novo conjunto de reformas.
O ganho de espaço dos mecanismos de mercado ocorreu de forma
concomitante às práticas inéditas de privatizações de empresas estatais chinesas, as
quais amplificaram a presença de capital privado na economia do país. Se, de acordo
com dados oficiais apresentados por Naughton (2006), as SOE’s empregavam entre
70% e 80% da classe trabalhadora chinesa no final da década de 1980, esta
porcentagem cairia para 40% em 2000, e para menos de 30% até 2004. Além da
venda efetiva das empresas estatais e da liquidação de parte de seus ativos ou de

75No mercado de aço, por exemplo, percebe-se uma evidente queda das alocações realizadas pelos
governos central e locais já a partir de 1991. Segundo Naughton (2006), cerca de 40 milhões de
toneladas métricas teriam sido vendidas na China em 1986 e um montante de 50 milhões de toneladas
métricas teriam sido alocadas pelo Estado no mesmo ano. Em 1992, pouco mais de 60 milhões de
toneladas métricas representaram as vendas totais e cerca de 40 milhões de toneladas foram alocadas
pelos governos locais e central. Em 1995, a diferença aumentaria – quase 70 milhões de toneladas
métricas vendidas, menos de 10 milhões alocadas pelo Setor Público.
89

porcentagem da sua propriedade, a queda da participação das empresas públicas e


coletivas, que tinha se dado, com base nos critérios de produção e emprego, de forma
relativa, mas não absoluta, até 1993, também foi consequência do imperativo de
reestruturação colocado à sua frente por meio do aumento e do acirramento de
concorrência legados pela emergência de novos negócios privados e das reformas do
sistema bancário, que dificultaram a tomada de empréstimos por firmas pertencentes
ao Estado. Os lucros das SOE’s industriais, por exemplo, haviam representado 15%
do PIB chinês em 1978, passando a menos de 2% entre 1996 e 1997 (NAUGHTON,
2006).
Salvo setores considerados intocáveis, como de segurança nacional, de
monopólios naturais, de provimento de bens e serviços críticos, de expectativa a
respeito de potencial crescimento e de posse de tecnologias avançadas – os quais
tinham empresas estatais cujo capital fora posteriormente aberto, legando-lhes gestão
mais próxima a indicadores de performance -, o Estado começou a se desfazer da
posse de estatais, o que representara estratégia para lograr alívio de suas obrigações
financeiras76, conduzida com privatizações, declarações de falência e demissão em
massa de trabalhadores77.
As privatizações, em si, foram levadas a cabo por meio de duas formas. A
primeira delas consiste na chamada insider privatization. O controle das firmas,
especialmente daquelas de porte pequeno ou médio, cuja supervisão estava sob os
governos locais, seria vendido aos próprios gerentes das companhias, muitas vezes
a preços subestimados e com negociações com alto grau de arbitrariedade e baixa
regulação. Chen (2006) afirma que os baixos valores de venda seriam devidos a
práticas corruptas ou ao fato de que os gerentes tinham vantagens no conhecimento
das informações a respeito das firmas em relação às autoridades locais que
propunham a privatização. De qualquer forma, as condições eram corriqueiramente
facilitadas com juros favoráveis, perdão de dívidas prévias e crédito público para
concluir a aquisição. A segunda forma de privatização fora feita através de abertura
de capital e operou-se para as firmas maiores, cujas participações foram adquiridas
por fundos de investimento e grupos privados. Tais negócios atingiram importantes

76A política fora chamada de “seizing the large and letting go of the small” (Aglietta & Bai, 2013).
77O número de trabalhadores de SOE’s caiu de 107,7 milhões em 1997 para 64,4 milhões, em 2004
(queda de mais de 40%), segundo dados do National Bureau of Statistics of China, apresentados por
Aglietta & Bai (2013).
90

segmentos da economia chinesa, tais como siderurgia, alumínio, cimento, construção


civil, infraestrutura e automotivo, todos eles ligados ao massivo processo de
urbanização em vigência (NOGUEIRA, 2011). Ademais, as vendas das estatais foram
responsáveis por gerar grandes fortunas aos adquirentes, contribuindo para a
formação e a ampliação de uma nova classe de endinheirados. Em 1997, o abandono
da propriedade pública contaria com novo incentivo – as autoridades locais teriam
maior liberdade para decidirem a respeito do destino das empresas locais estatais.
O processo descrito acima resultou no crescimento da produção do setor
não estatal que, já desde 1989, fora mais rápido do que aquele observado para o setor
pertencente ao Estado (ZHANG, 2010, p. 21-22). A produção industrial sob a
responsabilidade de empresas privadas, por exemplo, cresceu de 3% para 25% do
total entre 1985 e 1994 – movimento que teve, como contrapartida, a queda da parcela
sob comando das empresas estatais, cuja produção passou de 64,9% a 37,3% no
mesmo período. A parcela produzida por empresas coletivas variou positivamente de
32,1% a 37,7% (CHAI, 1997). Os investimentos oriundos de atores de fora do Setor
Público também se ampliaram de forma absoluta e relativamente ao PIB. Em 1990,
16,1%78 provieram do Estado, 2,9% de empresas coletivas e 5,4% de empresas
privadas. Em 2000, o investimento estatal havia tido tímido crescimento em relação
ao produto interno bruto da economia – chegando a 18,5% -, o investimento coletivo
havia quase dobrado sua participação – para 5,4% -, mas o investimento privado
ampliara-se em mais de duas vezes em relação ao PIB – para 13% (Figura 9)79.
Aglietta & Bai (2013) ressaltam, no entanto, o papel desempenhado pelas
empresas que permaneceram estatais no que diz respeito à preservação da
capacidade do Estado de manter controle sobre a estrutura produtiva e o processo de
desenvolvimento. Diegues & Milaré (2016) também tratam desta questão, recordando
que, a despeito da expansão do setor privado, a coordenação da produção continuou
a cargo, ao menos parcialmente, de instituições de propriedade do Estado, seja
através de metas de produção e produtividade impostas pelos bancos estatais que
forneciam crédito às firmas privadas, seja pelas exigências de fornecimento praticadas
por parte importante de seus clientes, que consistia nas SOE’s remanescentes.

78Todas as porcentagens referem-se a investimentos em relação ao PIB.


79Como se relatará mais adiante, há controvérsias a respeito da participação do Estado no Investimento
Total, já que, a despeito da queda das cifras invertidas por empresas estatais, há a possibilidade de
que o Estado tenha preservado algo poder de influência sobre outros investimentos.
91

Ademais, a participação das estatais nos investimentos diretos estrangeiros


realizados pela China no exterior, a partir dos anos 2000, pode ser tido como um dos
evidentes sinais de que o aumento do setor privado não se traduziu, na China, em
perda de relevância das decisões tomadas no âmbito do Estado.

Gráfico9 8- Investimento
Figura - Investimentototal
totalem
emativos
ativosfixos
fixosna
naChina
China
Por origem
Por origem do
do investimento,
investimento, de
de 1989
1989 aa 2000,
2000, em
em %
% do
do PIB.
PIB.

40

35

8,2
30
4,6 10
6,7 10 11,3 11,7
25 10,7 13
10,7
5,1 5,9
6,1 5,5 5,4 5,3
5,4 5,6 5,4
20 5,4 5,2
3,4 3,2
2,9
15

22,9
10 20,6 20,6 19,6 19,4
17,2 18,6 17,7 17,6 18,5
16,6 16,1
5

0
1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Investimento estatal Investimento coletivo Investimento privado

Fonte: Zhang (2010). Elaboração própria.

Outra face das reestruturações dos anos 1990 foi a combinação das
reformas fiscal, bancária, financeira e do setor externo. A reforma fiscal tinha como
principais objetivos: 1) evitar maior deterioração das receitas públicas – recorda-se
que, desde 1978, observara-se uma tendência de queda das receitas do governo
central chinês, o que pode ser justificado pela estratégia de descentralização do poder
durante os primeiros anos de reforma e pela gradual transição para um sistema com
maior participação de empresas privadas – e ampliar a base tributária, sob a intenção
de retomar funções regulatórias e o potencial de interferência macroeconômica na
economia; 2) universalizar condições tributárias mais equitativas em um novo sistema
de forte prevalência de negócios privados; 3) recentralizar recursos no governo central
e formalizar novas regras de compartilhamento de receitas com os governos locais –
abandonando o sistema de contratos fixos, que havia contribuído com a queda real
92

das receitas sob poder do primeiro (Naughton, 2006). Dentre as iniciativas, estão
medidas que alterariam a base do sistema, adaptando-a à nova realidade da estrutura
produtiva. De receitas de companhias estatais, a tributação passaria a assentar-se
crescentemente em taxas incidentes sobre pessoas físicas e jurídicas, dentre as
quais, as novas empresas privadas, incorporando, assim, os atores que estavam fora
do sistema de planejamento estatal. Preservava-se, no entanto, os privilégios às
empresas estrangeiras. Ademais, aboliu-se o sistema de responsabilidade fiscal
(sistema de contratos fixos entre níveis de governo) e estabeleceu-se novo sistema
de divisão percentual das receitas dos tributos, o que provocou imediato aumento dos
recursos disponíveis ao governo central. Por fim, criou-se institucionalidade para
aprimorar a administração tributária, com maior controle sobre a coleta de taxas,
dividida em dois órgãos, responsáveis pelas receitas tributárias federais e pelas
receitas tributárias locais (AGLIETTA & BAI, 2013).
A reforma parece ter surtido efeitos. Naughton (2006) mostra que, de um
patamar de quase 35% do PIB em 1979 e de quase 20% em 1990, as receitas de
todos os níveis de governo haviam descido a pouco mais de 10% do PIB em 1995,
mas retomaram o crescimento, alcançando a porcentagem de cerca de 18% do PIB,
dez anos mais tarde. Os resultados do governo central, por sua vez, também se
mostraram mais positivos. As receitas, que caíram a quase 20% das receitas totais do
Setor Público em 1993 – envolvendo todos os níveis de governo – saltaram a cerca
de 55% das receitas totais estatais já no ano seguinte80. Tal performance permitiu ao
Setor Público exercer poder de influência sobre a economia através de investimentos,
especialmente em cenários que requeriam reforço da demanda agregada, como
durante a crise asiática do final dos anos 1990.
As reformas bancária e do sistema financeiro consistiram em esforços para
1) fortalecer a função do Banco Popular da China (People’s Bank of China – PBC)
como um Banco Central independente, responsável por regular o mercado de crédito
e gerir a política monetária, utilizando gerenciamento de reservas bancárias, taxas de
juros e operações de Open Market como instrumentos para alcançar a estabilidade
monetária; 2) comercializar e internacionalizar o sistema bancário como um todo,
transformando os chamados Specialized Banks81 em State-owned Commercial

80Excluiu-se, aqui, as receitas obtidas por meio de empréstimos.


81Seriam eles o Agricultural Development Bank of China, o Industrial and Commercial Bank of China,
o China Construction Bank e o Bank of China.
93

Banks, o que permitiria a separação de suas funções de concessão de crédito


comercial e de concessão de crédito motivado por políticas estatais de
desenvolvimento; e 3) estimular a concorrência interbancária, com maiores facilidades
para que bancos comerciais inaugurassem suas operações no mercado doméstico
chinês, ainda que lhes fossem impostas restrições (CHAI, 1997).
Segundo Kwong (2010), a reforma teria resultado, especialmente em
função da transformação dos Specialized Banks em State-owned Commercial Banks,
em grandes constrangimentos a pequenas e médias empresas privadas rurais, que
dependiam de linhas de crédito que foram abolidas quando desta reestruturação. As
Rural Credit Cooperatives passaram a ser as únicas importantes instituições
financeiras a alcançar as áreas rurais, mostrando-se insuficientes para fornecer os
recursos demandados por estas regiões. Os empréstimos bancários às TVEs,
ademais, passaram de 20,7% do capital dessas empresas, em 1985, para 30,7%, em
1992. Com a reforma bancária, esta porcentagem caiu para 12,1%, em 2002. A
despeito dos prejuízos para a indústria rural, o objetivo de reduzir a concessão de
empréstimos do sistema financeiro baseados em políticas de desenvolvimento foi
frustrado, segundo Kwong (2010)82. O diagnóstico do governo central era de que a
saúde financeira das instituições reformadas precisaria ser melhorada para que a
China alcançasse a meta de ser incluída na Organização Mundial do Comércio, para
a qual a entrada do país asiático era pleiteada pelo governo desde meados da década
de 198083. A passagem das décadas de 1990 para 2000 também contou com uma
parcela relevante de crédito direcionado ao setor imobiliário urbano, por meio de
instituições de investimento para desenvolvimento urbano. Tais recursos eram
fornecidos com a garantia de terras urbanas, as quais estavam, na China, sob o
controle do Estado. A fragilidade do setor bancário se agravava neste cenário, já que
a rentabilidade da concessão de crédito em questão dependia da concretização das
expectativas sobre o crescimento do valor imobiliário nas cidades, o qual, diante de
uma reversão, resultaria em alto prejuízo aos bancos em função do risco incorrido.
Sobre a reforma do setor externo, muitos de seus elementos relacionam-
se intimamente com o objetivo chinês de que o país fosse admitido na Organização

82 “Lending decisions were still manly influenced by state directives instead of profitability
considerations“ (Kwong, 2010, p. 19).
83 Para mais informações acerca da reforma bancária e do setor financeiro dos anos 1990, ver

Naughton (2006, p. 449 – 481)


94

Mundial do Comércio (OMC). Não se pode ignorar, no entanto, que as flexibilizações


operadas no que tange ao recebimento de IDE e à política comercial têm relação,
também, com propósitos específicos atinentes à transformação industrial desejada
pelo Estado, a qual, evidentemente, dependia, na opinião dos líderes que conduziam
o governo, da conquista da vaga na instituição multilateral mencionada. Antes de
1990, as mudanças operadas intencionavam fortalecer a estratégia de atrair
investimentos estrangeiros voltados para exportação, cuja absorção de divisas
resultante seria direcionada à importação de equipamentos e tecnologias oriundos de
países desenvolvidos. Neste contexto, regiões ao longo da costa chinesa foram
convertidas, em 1988, em zonas de processamento para exportação, as quais
usufruiriam da vantagem de oferta abundante de trabalho para atrair produtores
estrangeiros interessados em produzir manufaturas para venda em mercados
externos.
Na década de 1990, no entanto, as exigências e objeções colocadas no
caminho da admissão da China pela OMC84 exigiram uma nova postura, convergente
com o apelo de Deng por um processo de maior abertura, com acesso facilitado do
capital estrangeiro ao mercado doméstico, e que fosse recompensado por maior
disponibilidade, à China, de IDE atrelado a produções com maior conteúdo
tecnológico85. Se, até 1992, a política de recebimento de IDE manteve-se rígida, com
altos requisitos para transferência de tecnologia à economia chinesa, mas também
com duras exigências quanto ao destino das produções decorrentes dos capitais
invertidos – priorizando as exportações -, depois de 1992 assiste-se a uma relativa
transigência quanto às demandas da OMC, como a flexibilização das regras para a
formação obrigatória de joint ventures86 no âmbito da entrada de investimentos
estrangeiros, a concessão de licenças discricionárias de atuação a multinacionais,
maior tolerância para atuação produtiva voltada ao mercado doméstico, substituição

84 A OMC impunha obstáculos à admissão da China na instituição, em função de práticas como a


existência de subsídios às exportações e de taxas impeditivas de importações, propostos pelo governo
chinês, em patamares mais altos do que os verificados em outras economias, e os requisitos com
respeito à destinação da produção para o comércio internacional e à transferência de tecnologia quando
da aceitação de investimentos estrangeiros.
85 Nogueira (2015, p. 62) diz que “a China (...) tornou-se um dos raros casos em que o IED veio, de

fato, acompanhado, tanto direta quanto indiretamente da disseminação de tecnologia estrangeira”.


Destaca que não se trata apenas de difusão tecnológica em troca de mercado consumidor interno, mas
também de estratégia de redução dos custos das multinacionais.
86 Nogueira (2015) afirma que um dos objetivos da China em exigir formação de joint ventures para a

entrada de capital estrangeiro, regra que foi preservada com rigor até o final do século XX, consiste na
possibilidade de absorver maiores ganhos de inovação através desta política.
95

do controle direto por controle indireto de exportações e importações – por meio de


taxas, subsídios, cotas e licenças -, abolição do sistema de planejamento central,
aceleração da liberação de preços, que permitia a aproximação dos preços das
importações aos preços praticados internacionalmente, e mudança da perspectiva de
abertura, que passou de um enfoque mais regional para um enfoque mais setorial,
com relaxamento das restrições para o setor de Serviços – segmentos bancário, de
comércio varejista e telecomunicações, por exemplo - e, mais tarde, para o comércio
de commodities, de serviços e direitos sobre propriedade. A própria área de
tratamento preferencial ao capital estrangeiro também foi ampliada.
Kueh (2008) indica que o redirecionamento da política de atração de IDE
resultou em um novo perfil do agregado de inversões estrangeiras entrantes na China.
Os segmentos automotivos, de produção de eletrônicos e de outros bens ligados à
tecnologia da informação tiveram suas regulamentações bastante flexibilizadas e
passaram a concentrar capitais, os quais cumpriam, além da função exportadora, o
papel de substituir antigas importações chinesas. Outro destaque é a indústria de bens
de consumo, cujo protagonismo no que tange à entrada de capitais se deu mais por
operações de Fusão e Aquisição do que por inversões do tipo greenfield87. Prasad &
Wei (2005) mostram que, na passagem das décadas de 1990 para 2000, o setor
manufatureiro ganhou ainda mais participação no IDE entrante – em 1998, pouco mais
de 56% do afluxo de IDE direcionou-se a estes segmentos; em 2004, seriam quase
71% direcionados aos mesmos ramos, com destaque à indústria de equipamentos
eletrônicos e de comunicação.
Ainda sobre o IDE entrante na China, Luo & Zhang (2010) afirmam que,
desde os anos 1990, a China tornou-se o principal país em desenvolvimento a receber
investimentos estrangeiros, passando a ser o maior receptor mundial em 2003,
quando superou os Estados Unidos. De um patamar de menos de 1% do PIB, antes
de 1990, o IDE passou a mais de 6% do PIB chinês em 1994, quando atingiu seu pico
neste período. A queda que se seguiu foi gradual, muito mais em virtude do alto
crescimento econômico88 do que de um recuo dos montantes de capital recebidos,
embora tenha havido um breve decréscimo entre 1998 e 2000, muito em função da

87 Como será relatado adiante, o IDE greenfield é predominante para o total de IDE direcionado à
economia chinesa.
88 O crescimento econômico fora de 12,6% ao ano em média, entre 1991 e 1994 e de 9,6% ao ano em

média entre 1995 e 2006.


96

crise asiática. O país entraria na década de 2000 com recebimento anual de IDE por
volta de 4% do PIB (Figura 10). Em montantes absolutos correntes, o valor inferior a
US$ 5 bilhões, antes de 1990, se transformaria em US$ 30 bilhões depois de 1994 e
US$ 50 bilhões depois de 2002. A porcentagem do IDE sobre todo o influxo de capital
estrangeiro recebido pela China – incluindo investimentos de portfólio e empréstimos
internacionais – também mostrou tendência crescente, passando de cerca de 30%,
em 1987, para 80%, em 1994, e mais de 90%, a partir dos anos 2000.
Naughton (2006) atribui esta característica às restrições impostas pela
China à entrada de capital de portfólio em sua economia, derivadas do entendimento
das autoridades políticas e econômicas de que o afluxo de capitais via IDE legaria
maiores vantagens à economia do país, não somente por permitir apropriação de
novas competências tecnológicas e expertise comercial, mas também por propiciar a
absorção de divisas com objetivos de estadia mais longa, na forma de capitais
produtivos. Quanto à origem destes capitais, embora o principal ponto de partida tenha
permanecido sendo, predominantemente, a economia de Hong Kong, esta perdeu
participação de 1994 a 2004, passando de 58,2% para 31,7% do total. O espaço
perdido por esta fonte foi ocupado pela economia japonesa, que se tornou
responsável por 8,7% dos investimentos diretos estrangeiros, em 2004 (contra 6,1%
em 1994), e pela economia coreana, que cresceu de 2,1% do IDE no início do período
para 10,7% ao final dele (PRASAD & WEI, 2005).
97

Figura 10 - IDE entrante na China


De 1983 a 2005, em % do PIB

Fonte: Luo & Zhang (2010).

Há uma relevante discussão na literatura em torno do papel cumprido pelo


IDE no desenvolvimento chinês. Medeiros (1998) afirma que é inteiramente
questionável que ele tenha consistido num vetor significativo de crescimento, ainda
que, segundo dados apresentados por Cunha & Xavier (2010), as inversões do tipo
greenfield, que contribuem para a constituição de nova capacidade produtiva e, desta
forma, que estabelecem relação direta com a expansão econômica, tenham
compreendido, em todos os anos entre 1990 e 2006, uma alta porcentagem do IDE
entrante na China – quase 100%, em 1990, e cerca de 89% em 2004.
No que se refere à sua importância para o progresso tecnológico e para a
transformação da estrutura produtiva chinesa, Luo & Zhang (2010) afirmam que uma
das incumbências do IDE foi explicitar uma vantagem comparativa chinesa nos
setores manufatureiros, os quais tiveram inserção mais exitosa na pauta de
exportações do país. Ainda assim, deve-se destacar a centralidade da formação das
Zonas Econômicas Especiais e da política de atração de investimentos produtivos
para a absorção de novas tecnologias e competências que teriam permitido à
estrutura de produção o desempenho de tarefas cada vez mais complexas, que
passaram, num determinado momento, a distanciar-se de atividades exclusivamente
pertencentes à fabricação em si, colocando em xeque a tese de que a entrada de
capitais estrangeiros teria consolidado eventuais vantagens previamente detidas pela
China.
98

Um dos pilares concernentes a estes esforços foi a organização de Zonas


de Desenvolvimento Econômico e Tecnológico (ZDET), onde o objetivo era criar
ambientes que reproduzissem, para empresas chinesas e firmas estrangeiras
estabelecidas em seu entorno, as interações tecnológicas e comerciais vigentes em
países com estruturas produtivas mais desenvolvidas (RUIZ, 2004). Se, por um lado,
filiais asiáticas (e, progressivamente, também de fora da Ásia) tenham permitido o
catching up da indústria chinesa por meio da importação, pelo país, de componentes
destinados à posterior exportação de bens finais pouco sofisticados, a entrada de
empresas europeias e americanas no território chinês, segundo Gaulier, Lemoine e
Ünal-Kesenci (2005), esteve atrelada à absorção de tecnologia pela importação de
bens mais complexos – como bens de capital – e ao desenvolvimento de centros de
P&D, o que consistia em diretriz da política de ingresso de IDE.
Lemoine (2000) assinala que o afluxo de investimentos diretos estrangeiros
não somente diversifica as exportações, mas concede acesso a novos mercados, já
que as empresas ingressantes usufruem dos trunfos representados por suas marcas
e por suas capacidades tanto para organizar a produção, quanto para distribuir bens
em suas redes de relacionamentos. Segundo o autor, as mais importantes
modificações relativas à pauta exportadora chinesa da década de 1990 devem ser
atribuídas à operação de companhias estrangeiras, constituídas a partir da política de
atração de IDE.
Grande parte das entradas de investimentos produtivos se deu através da
formação de Joint-ventures, guiadas por uma forma jurídica – Foreign invested
enterprises - criada em 1979, que estabelecia uma porcentagem máxima de
participação de capital estrangeiro na sociedade junto ao capital chinês (ACIOLY,
2005). A associação entre capital nacional e forâneo teria facilitado o caminho para o
aprendizado de firmas chinesas, impedindo que a entrada de IDE pressupusesse
liberdade à empresa ingressante para preservar seus segredos tecnológicos e suas
práticas corporativas dos potenciais efeitos virtuosos que pudessem ser legados à
economia receptora de suas atividades. Uma segunda forma jurídica – Cooperative
joint-venture – flexibilizaria a rigorosa regulamentação sobre a distribuição de lucros
da sociedade formada, permitindo aos parceiros a definição da repartição dos frutos
do negócio, sem que fossem obrigados a respeitar suas participações contratuais.
Empresas integralmente compostas por capital estrangeiro - Wholly foreign firms -
seriam permitidas apenas em zonas especiais e estariam sujeitas a restrições
99

operacionais, como exportação de uma quota mínima de sua produção ou fabricação


de um determinado leque de bens, geralmente de mais alto conteúdo tecnológico
(ACIOLY, 2005).
Se entre 1979 e 1986 o IDE para a China concentrou-se em prospecção
geológica, indústria manufatureira intensiva em trabalho (têxtil, principalmente) e setor
de serviços, a partir deste último ano segmentos da indústria de transformação e
setores orientados à exportação e produtores de bens de mais alta tecnologia
passaram a ser alvo do ingresso de capitais – segundo Acioly (2005), o IDE para o
setor primário caiu de 40,9%, em 1988, para 3,1% do total, em 1993.
Nos anos 1990, houve esforços para aumentar IDE para indústrias
intensivas em capital, como indústria química, de máquinas e equipamentos de
transporte, de eletrônicos e de comunicações, bem como para novas tarefas do setor
de serviços e atividades de pesquisa e desenvolvimento. Nos anos 2000, por sua vez,
o IDE passaria a concentrar-se mais intensivamente na indústria de eletrônicos e de
telecomunicações, bem como em atividades imobiliárias (ACIOLY, 2005).
Conforme será tratado com mais atenção na próxima seção, não há
dúvidas de que a entrada de capitais produtivos contribuiu para alavancar as vendas
comerciais chinesas ao exterior – de menos de 20% das exportações, em 1991, as
empresas com investimento estrangeiro na China passaram a ser responsáveis por
quase 50% das exportações em 2002 -, mas atribuir o sucesso na exportação de bens
manufaturados exclusivamente à entrada de IDE é um erro, na visão de Luo & Zhang
(2010), já que os investimentos estrangeiros diretos se aproveitaram de uma
característica já presente na economia chinesa – a existência de uma mão de obra
abundante, qualificada e de baixo custo, combinada a um notório processo, em
gestação, de adensamento de cadeias produtivas locais, mergulhadas num ambiente
de alto dinamismo econômico, sustentado pela ação do Estado pautada, segundo
Diegues & Milaré (2016, p. 76), na combinação de

políticas industriais de caráter Schumpeteriano que tem como objetivo utilizar


o dinamismo externo (...) e o poder de direcionamento do investimento estatal
como propulsores das transformações na estrutura produtiva doméstica.

Ademais, a entrada de companhias estrangeiras só logrou os resultados


observados, em função, em muitos segmentos, da colaboração mútua com produtores
100

domésticos já estabelecidos. A atração de IDE para um mercado consumidor com


grande potencial de geração de ganhos não culminaria em saltos tecnológicos da
estrutura estabelecida na China, caso não fosse possível contrabalancear seus altos
custos com a grande competitividade das firmas locais. Nonnenberg (2008) também
ressalta a combinação dos investimentos diretos estrangeiros, por meio de seu
estabelecimento nas ZEE’s, com as características da mão de obra e da estabilidade
de uma taxa de câmbio desvalorizada, que, em 1994, passou de RMB 5,8 para RMB
8,3 por dólar americano. O autor sublinha, ademais, o mérito da política de
obrigatoriedade de associação de Empresas Multinacionais entrantes na China com
parceiros chineses, o que facilitava a absorção tecnológica.
Nogueira (2011) recorda que o IDE entrante na China nunca teve
participação tão elevada no total dos investimentos empenhados no país, no final do
século XX e início do século XXI. As fontes estrangeiras teriam saído de 5% do total
de investimentos em ativos fixos, em 1987, para 11%, em 1996 – quando se deu seu
pico -, decrescendo para cerca de 5% novamente, em 2004, e 2,9% em 2008 (LUO &
ZHANG, 2010). No entanto, a autora defende que o upgrade tecnológico e gerencial
e os ganhos de produtividade adquiridos no período teriam tido suas bases ao menos
parcialmente explicadas pela crescente entrada de capital na forma de investimentos
diretos.
Convém compreender melhor como foi este movimento de transformação
da estrutura produtiva chinesa nos anos a que se faz referência.

3.3. A China rumo a atividades complexas

Primeiramente, há de se ressaltar que, de acordo com os dados do NBS


(2009), apresentados na Figura 11, o setor secundário tem um leve crescimento
relativo desde o início da década de 1990 até o final da mesma década, o que é
explicado, em alto grau, pelo salto de patamar observado logo nos primeiros anos do
período especificado – de cerca de 42% a 46% do PIB, a preços correntes. A década
de 2000 seria momento de mais um pequeno incremento desta participação no PIB,
que alcança 49% em 2008. As grandes mudanças são mais facilmente percebidas,
no entanto, nos setores primário e terciário, com direções opostas. O setor primário,
que representava 24% do PIB em 1990, decresce a apenas 15% em 2000 e a cerca
101

de 11% ao final da década de 2000. O setor terciário, por sua vez, ganha bastante
espaço, saindo de 34% para 39%, de 1990 a 2000, e crescendo a 40% nos anos
seguintes89. Kueh (2008) apresenta a alteração dos pesos de cada um dos grandes
setores na estrutura de emprego da economia chinesa. O crescimento da relevância
da indústria é expresso pelo leve acréscimo de 2 pontos percentuais no total de
empregos – de 21,9% a 23,9%, de 1987 a 2005. A agricultura, no entanto, tem uma
forte queda, empregando 60% do total de empregados em 1987 e apenas 44,7% em
2005. O setor de Serviços, mais uma vez, assume movimento contrário, com
crescimento de 17,8% para 31,4% nos mesmos anos.
O conjunto dessas transformações sugere que o crescimento do setor
industrial, mas também do setor urbano de Serviços, teriam se tornado menos
vulneráveis aos constrangimentos antes colocados pela queda de participação do
setor primário, atestando o que fora já explicitado neste trabalho – importantes
avanços seriam logrados logo no início da década de 1980 no que tange aos
problemas relativos à segurança alimentar da população chinesa, enfrentados com o
aumento da produção agrícola naqueles anos90. Ademais, como é natural para
economias que conduzem processo de ganho de peso de suas atividades industriais,
após determinado nível de maturidade deste setor, verifica-se a expansão do setor de
Serviços, que compreende atividades auxiliares à indústria ou próprias da
aglomeração urbana potencializada por ela.

89 Os dados de Maddison & Wu (2007) mostram, entre 1991 e 2003, um ganho de participação da
indústria de 41% a 57% e uma perda de peso relativo dos setores primário e terciário de,
respectivamente, 28% a 16% e 31% a 27% do PIB.
90 Para mais detalhes, ver Kueh (2008, p. 116 – 135).
102

Figura
Gráfico1110- PIB
- PIBchinês
chinêspor
porsetor
setordadaeconomia
economia
De1991
De 1991aa2008,
2008,em
em%
%do
dototal
totaldo
doPIB,
PIB,aapreços
preçoscorrentes
correntes

60,0

50,0

40,0

30,0

20,0

10,0

0,0
1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007

Setor Primário Setor Secundário Setor Terciário

Fonte: NBS (2009). Elaboração própria.

Os dados reunidos por Diegues & Milaré (2016) a respeito da contribuição


de cada um dos setores para o crescimento econômico chinês deixam evidente a
expansão do dinamismo do setor terciário, na esteira do alargamento da participação
das atividades industriais ou do setor secundário, contemplando, também, o segmento
de construção. Ainda que o setor secundário demonstre, desde o início da década de
1990, uma alta contribuição ao crescimento do PIB – em torno de 65% até meados da
mesma década – e que a indústria contribua também em alto grau – em torno de 59%
no mesmo período -, ambos os grupos de atividades têm leve perda de relevância até
o final dos anos 2000, quando passam a cerca de 50% e a aproximadamente 42%,
respectivamente -, dando lugar ao incremento da contribuição do setor terciário – de
cerca de 27% no início dos anos 1990 a cerca de 43% no final da década seguinte.
Da perspectiva da reestruturação da indústria, percebe-se um evidente
ganho de produtividade do setor, que cresce quase 7 vezes em termos reais, de 1990
a 2004 (NOGUEIRA, 2011), ampliando a distância em relação à produtividade do setor
primário91, o que se explica pela mudança do perfil das atividades produtivas

91De 4,28 vezes em relação à produtividade do setor primário, a produtividade do setor secundário
passa a 7,16 vezes, de 1990 a 2003. Considerando somente o setor secundário, o produto por pessoa
103

estabelecidas na economia chinesa, rumo a segmentos produtores de bens com alto


conteúdo tecnológico, na esteira de um processo de Industrial Deepening
(NAUGHTON, 2006). Ademais, deve-se atentar ao ganho de importância da indústria
pesada, que volta a ter, nos anos 1990, uma participação no valor bruto do produto
industrial razoavelmente maior do que aquela detida pela indústria leve, depois de
quase 15 anos em que os dois conjuntos de segmentos apresentavam mínima
diferença de tamanho (Figura 12).
A mudança de perfil também se caracterizou como um ganho de relevância
de empresas de propriedade individual privada, em detrimento das empresas estatais.
Enquanto as primeiras passam de 5,4% para 18,2% do valor total bruto da produção
industrial chinesa, entre 1990 e 1999, as segundas caem de uma participação de
54,6% para 28,2%, nos mesmos anos92 (Figura 13). Diegues & Milaré (2016)
contribuem com dados atinentes à entrada dos anos 2000, relativos à participação de
cada tipo de registro das empresas no valor bruto de produção total. O movimento
observado é o mesmo, com uma acentuada queda do peso relativo das empresas de
propriedade estatal (de 41% a 12%, entre 1999 e 2009) e com forte incremento do
peso das empresas privadas (de 6% a 41%, no mesmo período). Destaca-se,
adicionalmente, a preservação, a despeito do crescimento do setor privado, de uma
alta porcentagem da produção incumbida a empresas fundadas domesticamente, as
quais mantêm um peso relativo entre 70% e 74% do valor bruto de produção, no
período em questão. A operação de privatizações sem permitir grande acréscimo da
participação do capital de propriedade estrangeira sugere êxito nos esforços de
manter centros de decisão privados no ambiente interno, evitando que as políticas e
a dinâmica macroeconômica, bem como a condução da estratégia de
desenvolvimento, sejam determinadas por pressões e deliberações externas. O perfil
do IDE chinês ao Brasil, a ser apresentado no Capítulo IV, deixará evidente as
diferenças de estratégia entre o processo levado à cabo na economia chinesa e
aquele em gestação na economia brasileira.

ocupada passa de RMB 10 mil por ano em 1978 para quase RMB 70 mil por ano em 2008, a preços
constantes de 2008 (Nogueira, 2011). A produtividade do setor primário cresce entre 3 e 4 vezes no
mesmo período, saindo de cerca de RMB 3 mil anuais por ocupado para pouco mais de RMB 11 mil.
92 Kueh (2008) admite que podem haver erros nos dados para 1999. A soma das porcentagens de

todos os tipos de empresas não totaliza 100% e o autor acredita que o erro está no cálculo da produção
de empresas estatais. Sua estimativa é de que tais empresas representariam 20,3% e não 28,2% do
valor total bruto da produção industrial, em 1999. Para detalhes, ver Kueh (2008, p. 155).
104

Gráfico 11 - Participação das indústrias pesada e leve na


Figura 12 - Participação das indústrias pesada e leve na China
China
Em
Emanos
anosselecionados,
selecionados,de
de1953
1953a 2004, emem
a 2004, % do
% valor bruto
do valor da produção
bruto industrial
da produção
80%
industrial
70% 67%
60% 61%
60% 57% 57% 56% 57%
54% 52% 53%
50% 49% 49%
50% 45%

40% 37%

30%

20%

10%
63% 55% 56% 43% 50% 48% 51% 51% 47% 43% 44% 43% 40% 39% 33%
0%
1953 1957 1970 1978 1982 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004

Indústria Pesada Indústria Leve

Notas: Deve-se tomar cuidado para comparar os dados intertemporalmente, já que, enquanto os dados anteriores
ao ano de 1988 englobam todas as indústrias, os dados de 1994 incluem apenas indústrias no nível e acima do
nível municipal, e os dados de 1998 a 2004 abrangem empresas de maior escala. Para mais informações a
respeito, ver as notas do gráfico 8.3, em Kueh (2008, p. 148)
Fonte: Kueh (2008). Elaboração própria.

Gráfico 12 - Participação das indústrias de propriedade


Figura 13 - Participação das indústrias de propriedade estatal e individual
estatal e individual
Em
Em anos
anosselecionados,
selecionados,dede
1978 a 1999,
1978 em em
a 1999, % do%valor bruto bruto
do valor da produção industrial
da produção
industrial
100%

78% 76%
80%
65%

60% 55% 56%


52%
47%
37%
40% 34%
29% 28%
26%

20%

0% 2% 5% 5% 6% 8% 10% 13% 16% 18% 17%


0%
1978 1980 1985 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

Empresas estatais Empresas individuais

Fonte: Kueh (2008).


105

Uma das grandes vantagens em manter centros privados e estatais de


decisão internalizados é a coordenação de investimentos, tanto no que tange ao seu
perfil setorial, quanto no que se refere à sua dimensão quantitativa. Um sinal bastante
representativo deste cenário é a evolução e o perfil assumidos pela formação de
capital na última década do século XX, mas também na década seguinte. Além de um
rápido avanço do investimento em ativos fixos em relação ao PIB, como indicado na
Figura 14, nota-se a expansão de inversões no setor de infraestrutura, no qual a
participação de SOE’s é determinante para a preservação, a partir de diretrizes
comandadas pelo Estado, de um alto valor de capital investido anualmente. Dados
apresentados por Nogueira (2011) indicam que a soma dos investimentos nos setores
de telecomunicações, eletricidade e transporte passa de quase 4% para mais que 9%
do PIB entre 1990 e 2006, o que impressiona, dado o patamar de pouco mais de 2%
em 1980 e o acelerado crescimento econômico pós-reformas (Figura 15)93. O setor
de telecomunicações figura entre os destaques deste grupo. Com 0,2% de
investimentos em relação ao PIB por quase toda a década de 1980, o setor sentiu
uma transformação radical de suas bases a partir da década de 1990, quando assumiu
o papel de um dos pilares do desenvolvimento industrial e econômico chinês. Um
modelo pautado em um oligopólio de SOE’s, controladas centralmente, mas
comprometidas com princípios de atuação guiados pelo aumento da qualidade e da
abrangência dos bens e serviços e pela geração de bons resultados, culminou no
alcance de um patamar de investimentos da ordem de quase 2% do PIB no início dos
anos 2000, além de uma admirável expansão do acesso dos chineses a aparelhos
telefônicos e a serviços de internet (NAUGHTON, 2006)94.

93 Apesar da maior relevância do investimento estatal, vale lembrar, como já discutido neste capítulo, a
importância crescente do investimento privado, mostrada na Figura 9.
94 De acordo com Naughton (2006), a China tinha 1 aparelho telefônico para cada 100 habitantes em

1989 e passou a ter 51 telefones para cada 100 habitantes em 2004 (incluindo celulares), quando os
usuários de internet chegaram a 94 milhões de pessoas.
106

Figura 14 - Investimentos em ativos fixos na China


Gráfico 13 - Investimentos em ativos fixos na China
De
De 1978
1978 a 2003,
2003, em
em % do PIB
PIB
50

40

30
em %

20

10

Fonte: Zhang (2010). Elaboração própria.

Gráfico
Figura 15 14 - Taxa
- Taxa de de crescimento
crescimento anual
anual dodo
PIBPIB
da da China
China
De 1978 a 2006, em % em relação ao ano anterior, a preços constantes
Dede1978.
1978 a 2006, em % em relação ao ano anterior, a preços constantes de1978.
15,2
16 14,2 14
13,5 13,1
14 12,7
11,7 11,6 11,3 11,3
10,9 10,9
12 10 10 10,1
9,1 9,2 9,3 9,1
8,8
10 8,4 8,3
7,5 7,8 7,8 7,6
8
5,2
6 4,1 3,8

4
2
0

Fonte: NBS (vários anos). Elaboração própria.

A análise do peso relativo de cada segmento produtivo no valor adicionado


pela indústria chinesa corrobora para a interpretação de relevância assumida pelas
telecomunicações. A fabricação de equipamentos eletrônicos, de comunicação e
computação, que, em 1999, já tinham uma participação alta no valor adicionado (7%),
expande-se ainda mais em termos relativos, passando a uma participação de 12%,
em 2007. São seguidas, na segunda posição, pela fabricação de equipamentos de
transporte (de 6% a 9% no mesmo período) e pela fabricação de máquinas de uso
107

geral (de 4% a 6%) (DIEGUES & MILARÉ, 2016). Os três grupos de atividades com
alta participação de valor adicionado no total reforçam a tese de que o
desenvolvimento industrial chinês caracterizou-se para segmentos mais complexos e
tecnológicos, com o destaque para a produção de máquinas e equipamentos de
transporte, que alivia a dependência do país às importações de bens de capital, cuja
centralidade é evidente em uma economia com setor secundário em franca
expansão95. Os três segmentos aqui mencionados serão retomados no Capítulo IV,
uma vez que estão presentes dentre as inversões chinesas direcionadas à economia
brasileira.
O processo de Industrial Deepening também fora sentido pelas
exportações chinesas, que assumem a função de um importante vetor do crescimento,
apresentando-se como sintoma, mas também como motor do processo de
complexificação da indústria.
Como sintoma, a própria transformação da estrutura econômica em direção
a segmentos produtores de bens mais intensivos em tecnologia e com maior valor
agregado permite a gradual metamorfose da pauta exportadora no mesmo sentido, o
que engendra uma alternativa ao enfraquecimento do mercado interno, cujo
protagonismo, medido como participação em relação ao PIB, sofre encolhimento em
função da perda de espaço das indústrias intensivas em mão de obra. Diegues &
Milaré (2014) reúnem dados que indicam que, da perspectiva da demanda, o consumo
participava com 64% do PIB em 1979, tendo seu peso relativo diminuído a 48%, até
2008. O decréscimo da participação do consumo interno se dá muito mais com base
no consumo das famílias do que no consumo do governo, que mantém relativa
estabilidade e é contraposto pelo acréscimo de peso das exportações líquidas (de um
nível próximo a zero para 8%, no mesmo período), e da formação bruta de capital (que
passa de 36% a 44%, com grande relevância da formação bruta de capital fixo, e não
da variação de estoques, que reduz de 8% a 3%).
Quanto ao papel das exportações como motor da complexificação
industrial, vale recordar que, como já discutido neste capítulo, um dos importantes
fatores explicativos de sua expansão fora a entrada de capitais estrangeiros, o que se

95Os autores usaram, para a análise, dados deflacionados, de forma a contornar o efeito da queda de
preços dos bens do complexo eletrônico, obtido pelos ganhos de produtividade advindos das novas
tecnologias. Para uma tabela com índices de preços setoriais, funcionais para a deflação dos dados
obtidos junto ao governo chinês, consultar Milaré & Diegues (2016).
108

deu no âmbito da deliberada política de conformação de Zonas Econômicas


Especiais, cujas preocupações também se estendiam ao fomento da qualidade da
atividade exportadora e à garantia de aprendizado e absorção tecnológicos pela
estrutura produtiva chinesa.
Ao lado da presença crescente de empresas estrangeiras96, destacam-se
como fatores explicativos do crescimento das exportações (Figura 16) e da mudança
do perfil da pauta exportadora, a política cambial e o deslocamento da produção de
países vizinhos à China. Em 1984, como aludido no Capítulo II, há uma forte
desvalorização do Renminbi e o início de vigência de um sistema duplo de câmbio,
composto por uma taxa oficial flutuante e por um mercado de swaps, exclusivo às
empresas estrangeiras estabelecidas nas ZEE’s, as quais tinham acesso a um câmbio
ainda mais desvalorizado, cujo propósito era estimular suas exportações. Como
consequência, uma vez que o Renminbi havia se desvalorizado não somente perante
o dólar, mas também perante às moedas dos países vizinhos97, observa-se um
movimento de deslocamento de parte da estrutura de produção dessas economias ao
território chinês, o que se caracteriza pela busca de empresas por maiores ganhos e
vantagens com a atividade exportadora. Hong Kong se destaca como origem destes
capitais, configurando-se num caso particular, em que suas empresas transformam a
China na fabricante originária de bens exportados à ilha e reexportados dela ao
mundo98.
A Figura 17 apresenta a composição das exportações chinesas por
conteúdo tecnológico ao longo do período pós-maoísta e torna evidente o ganho de
protagonismo dos setores mais intensivos em tecnologia. Yang, Yao & Zhang (2010)
delineiam três grandes fases do perfil da pauta exportadora do país asiático, os quais
compreendem: um primeiro momento, até fins da década de 1980, em que os produtos
primários são majoritários dentre as vendas ao exterior; um segundo período, de
crescimento de importância das indústrias intensivas no fator abundante para a
economia chinesa, a saber, o trabalho; e um terceiro estágio, que se dá a partir de

96 Em 1993, cerca de 70% das exportações eram realizadas por empresas estatais ou coletivas, pouco
menos de 30% por empresas não-chinesas e um percentual irrisório por empresas privadas chinesas.
Em 2005, as respectivas participações atingem patamares próximos a 25%, 60% e 20%,
respectivamente.
97 Tais moedas sofrem forte valorização, em 1985, mediante a política de contenção norte-americana

expressa nos resultados do Acordo de Plaza.


98 Em 1982, 32% das exportações da ilha originavam-se na China, de acordo com Medeiros (1998).

Esta porcentagem subiu para 60% em 1992. Do ponto de vista das exportações chinesas, 26,2%
destinavam-se a Hong Kong, em 1985, e 45%, em 1992 (Medeiros, 1998).
109

meados da década de 1990, mas especialmente nos anos 2000, de expansão das
exportações concentradas em bens de maior conteúdo tecnológico, compatíveis com
uma estrutura produtiva sob a gestação de intenso progresso técnico e propiciada
pelo uso da acumulação obtida nas etapas prévias, mas também pela associação bem
sucedida entre o relaxamento de restrições da política de recebimento de IDE e o
estabelecimento de uma efetiva política industrial, que objetivava, a partir de vários
instrumentos comandados pelo Estado, a ascensão do conjunto de empresas e de
atividades produtivas nas cadeias globais de valor.

Figura 16 15
Gráfico – Exportações e Importações
- Exportações chinesas
e Importações e grupos
chinesas de bens
e grupos
exportados
de bens exportados
Em 1980, 1985 e de 1990 a 2008, em % do PIB (para exportações e
importações) e em % da pauta exportadora (para grupos de bens
exportados, em barras)
40% 100%

30%

% da pauta exportadora
20% 50%
% do PIB

10%

0% 0%

Não classificados (eixo direito)

Outros industrializados (eixo direito)

Máquinas e equipamentos de transporte (eixo direito)

Bens têxteis, metalúrgicos, químicos e relacionados, e outros a base de borracha e minerais (eixo
direito)

Fonte: NBS (2009). Elaboração própria.


110

Figura
Gráfico1716- Composição
- Composiçãodas
dasexportações
exportaçõeschinesas
chinesas
Por conteúdo tecnológico, em anos selecionados, em % do total
70%

60%

50%

40%

30% 60% 58%


55%
49%
20%
32% 34% 31% 34%
10% 16% 15%10% 18%19% 19%
5% 1% 7% 3% 13% 12%
0%
1978 1985 1993 1998 2006

Produtos Primários Bens com baixo conteúdo tecnológico

Bens com médio conteúdo tecnológico Bens com alto conteúdo tecnológico

Fonte: Yang, Yao & Zhang (2010). Elaboração própria..

Quando a análise se dá sob o prisma da composição da pauta exportadora


chinesa segundo os grupos de bens da classificação utilizada pelo governo do país
(Figura 16, barras), também é possível notar as três fases apresentadas por Yang,
Yao & Zhang (2010), as quais assumem a forma da preponderância inicial de
exportações de bens primários, seguida pelo crescimento de importância dos grupos
de “bens têxteis, metalúrgicos, químicos e relacionados, e outros a base de borracha
e minerais” e de “outros industrializados”99 e, por fim, sucedido pelo ganho de
participação relativa de máquinas e equipamentos de transporte, próprios de maior
complexidade tecnológica em suas produções.

3.4. O panorama do pós-Tiananmen e a entrada no século


XXI

Um rápido panorama do que ocorreu na China entre o início dos anos 1990
e a entrada da década de 2000 nos indicará uma combinação entre maior abertura da
economia para investimentos externos, expansão dos mecanismos de mercado e
complexificação da estrutura produtiva e da pauta exportadora do país, o que consistiu

99Presume-se que “outros industrializados” incluem bens como brinquedos e outros manufaturados de
baixo conteúdo tecnológico, como isqueiros e utensílios domésticos.
111

num movimento em direção à produção e à exportação de bens com maior conteúdo


tecnológico, mas também num ganho de peso da indústria pesada e do setor de
Serviços urbanos, processos paralelos à intensificação de concentração econômica
na região costeira do país. No entanto, a despeito da frequente interpretação de que
o alto crescimento e o enobrecimento da estrutura produtiva tenham se dado como
resposta à expansão da participação do setor privado e às reformas de cunho
aparentemente liberal operadas a partir dos anos 1990, defende-se, neste trabalho,
uma visão mais estrutural, que considera indispensável a assimilação mais ampla da
economia política e de todas as fases do processo do desenvolvimento chinês, como
forma de compreender porque a abertura conduzida não resultou, efetivamente, em
grandes prejuízos à soberania e à estabilidade da economia chinesa, evitando a
degradação da indústria e da capacidade do Estado em interferir no processo de
desenvolvimento.
Como ponto de partida desta reflexão, ressalta-se que as reformas
conduzidas na economia chinesa tiveram um ritmo permanentemente gradual e foram,
a todo momento, relativamente controladas, o que produziu uma sequência de
movimentos de avanço e de recuo, com contínuo aprendizado. Cintra e Pinto (2017)
destacam que as grandes mudanças propostas pelo governo ao longo das últimas
décadas se retroalimentavam de seus êxitos e de suas contradições – as crises, como
expressão deste processo, representavam momentos de transição para novas
mudanças, que realinhavam a rota do desenvolvimento. Embora diferentes grupos de
interesse tenham assumido protagonismo ao longo dos anos, o objetivo geral foi
sempre mantido, qual seja, a legitimidade política, a integridade do Estado unitário e
o crescimento da renda da população (FIORI, 2013a, 2013b, 2013c).
Aglietta & Bai (2013) também sublinham a importância do aprendizado
pelas autoridades do Partido Comunista. Até os anos 1990, o governo chinês
percebeu que a permissão para que mecanismos de mercado100 suplementassem a
economia planejada havia gerado um crescimento acelerado do setor não-estatal,
sobre o qual o intenso controle direto resultara em problemas fiscais e inflacionários.
Como resposta, concluiu-se que o setor privado até poderia desfrutar de rápida

100“Os mecanismos de mercado – a taxa de juros, a taxa de câmbio, a tributação, os preços – são um
instrumento e não um fim em si mesmos; e a abertura econômica assume a condição de eficária que
conduz a uma diretriz operacional, qual seja, alcançar e ultrapassar os concorrentes estrangeiros”
(Cintra & Pinto, 2017).
112

expansão, contribuindo para o emprego e o produto econômico, porém, deveria ser


impedido, de alguma forma, de ameaçar a unidade política e o poder de comando do
Estado, o que se daria pelo desenvolvimento de mecanismos próprios para regular
razoavelmente sua ação e preservar instrumentos estatais de interferência
econômica. Elementos anteriores a 1993 seriam, contudo, determinantes para permitir
este singular cenário – de convivência de um setor privado dinâmico com a
preservação das funções econômicas do Setor Público. Dentre eles, estão
componentes não só da primeira fase de reformas pós-maoístas, como do próprio
período maoísta, que consagrou condições decisivas para permitir o desenvolvimento
chinês a partir da década de 1980. Um ambiente favorável ao estabelecimento de
unidades voltadas à produção de bens mais complexos, por exemplo, só se deu com
um terreno fértil e seguro para a instituição de instrumentos como a política das Zonas
Econômicas Especiais, o controle sobre o sistema financeiro e a manutenção de alto
patamar e relevância dos investimentos públicos.
Estes instrumentos, por sua vez, não existiriam se não tivesse sido
fomentada e, posteriormente, preservada, uma relativamente alta capacidade do
Estado em intervir em assuntos econômicos - possibilidade legada da constituição de
um Estado forte, centralizador e nacionalista, oriunda do período em que Mao Tsé-
Tung esteve no poder101. Ademais, o período anterior a 1978 foi responsável pela
capacitação de uma grande parcela da população que, mais tarde, serviria como
trunfo a uma indústria de bens manufaturados leves, cujo crescimento foi motivado
pela abundância de mão de obra, a baixos custos de trabalho e com relativamente
alta qualificação e expectativa de vida102.
Sobre a leitura frequente de que o desenvolvimento chinês dependeu
exclusivamente das escolhas tomadas pelo Estado após 1978, Aglietta & Bai (2013)
rejeitam a hipótese de que o Maoísmo teria mantido a economia chinesa
exageradamente protegida e que somente a liberdade dos hipotéticos
constrangimentos anteriores teria conduzido a economia em questão ao alto
crescimento e à complexificação de sua estrutura produtiva. Para os autores, uma das

101 Cintra & Pinto (2017) afirmam que Deng Xiaoping também foi responsável pelo fortalecimento do
Estado unitário e centralizado chinês, recuperando “sua condição milenar e imperial de guardião da
unidade e do “interesse universal” do território e da civilização chinesa.
102 Vale lembrar: a expectativa de vida da população chinesa subiu de 42,2 anos em 1950 para 66,4

anos em 1982, no caso dos homens, e de 45,6 anos para 69,4 no caso das mulheres. A porcentagem
de chinesas sem finalizar a formação primária caiu de 74% para 40% entre 1952 e 1978 e a taxa de
analfabetismo reduziu-se de 80% para 16,4% entre os mesmos anos (Nogueira, 2011).
113

tarefas cruciais do Maoísmo foi ter recuperado a estrutura produtiva das condições
degradantes em que se encontrava após o longo período de guerras que se encerra
no final da década de 1940, bem como ter encaminhado a solução das restrições de
exportação dos recursos do campo às cidades – restrições estas que impediam o
aumento relativo do setor industrial. Os autores afirmam que, para resolver este
problema, o apelo aos mecanismos de mercado seriam pouco ou nada efetivos. O
Estado, por sua vez, pôde garantir que a população rural plantaria somente aqueles
bens agrícolas mais eficientes no que diz respeito à energia utilizada, bem como que
seu consumo fosse o mais baixo possível, permitindo a exportação do excedente para
a China urbana. Ademais, constituiu-se um sistema de comunas agrícolas que
permitiu o rápido espraiamento de progressos tecnológicos e de serviços sociais, que
culminaram no já mencionado aumento da qualidade de vida da população.
Além do aumento da produtividade agrícola, que se agudizou logo no início
da década de 1980, permitindo o deslocamento de parte da mão de obra para as
cidades e o alívio das restrições atinentes à segurança alimentar, o período pós-
reformas teria sido agraciado com um ambiente externo mais propício à inserção
chinesa, designando o que Wallerstein (1979) conceituou como “desenvolvimento a
convite”, oriundo da política externa norte-americana. A estratégia de contenção, por
este país, da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) contribuíra
para o reatamento entre China e Estados Unidos, iniciado em 1972 e consagrado em
1979, o qual concedera ao país asiático ampla disponibilidade de linhas de
financiamento internacional, tão bem como acesso a importações de grãos, máquinas
e equipamentos americanos e o usufruto da condição de Nação Mais Favorecida pelo
governo estadounidense, tendo como consequência mais direta o rebaixamento das
tarifas desta economia para as exportações chinesas de têxteis e vestuário, por
exemplo. Por outro lado, a contenção americana ao Japão e aos Tigres Asiáticos,
expressa no Acordo de Plaza, em 1985, na forma de valorização forçada das moedas
destes países perante o dólar e as demais moedas internacionais, significou a
emergência de enormes incentivos para o crescimento das exportações chinesas,
baseadas, fundamentalmente, no deslocamento da produção asiática para o território
chinês, reforçado pelos atrativos no âmbito das ZEE’s (MEDEIROS, 2008)103.

103Medeiros (1999) afirma, ainda, que a industrialização e o fantástico desempenho da economia


chinesa ao longo da segunda metade do século XX valeu-se pela soberania e autonomia política
114

Ainda que, quando da decadência da URSS, a China tenha deixado de ser


funcional aos Estados Unidos, como aliada estratégica para isolar a ex-potência
socialista, fazendo desaparecer parte dos elementos que compunham o
“desenvolvimento a convite” e emergir, em contrapartida, uma preocupação
americana com o crescente superávit comercial chinês junto à economia
estadunidense, o cenário geopolítico legado até os anos 1980, combinado com a
política de desenvolvimento e de reformas, e também com toda a estrutura herdada
dos anos prévios, desde o início do maoísmo, resultou em uma economia que,
indubitavelmente, tornou-se a fábrica do mundo, capaz de ascender gradativamente
a etapas mais complexas das cadeias produtivas globais e de impactar
profundamente na divisão internacional do trabalho, a despeito dos obstáculos
impostos pelos americanos104 (CINTRA & PINTO, 2017).
De acordo com dados apresentados por Hiratuka & Sarti (2017), extraídos
da UNIDO (2011), o valor adicionado pela produção de manufaturados da China sai
de 1,4% do total global em 1980 para 15,4% em 2010. As exportações, por sua vez,
passam de 1% do total global, no primeiro ano, para 10,3%, no último ano. Tais dados
sugerem a importância da inserção exportadora para o crescimento da indústria
chinesa – Hiratuka (2018) afirma que as exportações foram importantes mesmo para
o início da inserção chinesa nas cadeias produtivas, quando o país passou a
desempenhar atividades industriais intensivas em trabalho em indústrias como têxtil,
vestuário e calçado, mas também alguns ramos do setor eletrônico. No entanto, o
protagonismo do setor externo é colocado em dúvida por alguns autores, que
questionam seu papel na geração do crescimento econômico. De fato, as
exportações, por mais dinâmicas que tenham se tornado ao final do século, não
representaram a fonte protagonista de demanda, mas cumpriram importante função
como fornecedoras de divisas – que evitariam o estrangulamento externo – e como
canal de transferência de tecnologias, quando analisadas de forma associada à
entrada de capitais externos às ZEE’s.
A década de 2000 marca a presença de uma consolidada estrutura
produtiva, capaz de engendrar crescimento econômico que serve de motor à

preservadas pelo país ao longo deste período, o que não se repetiu em outras nações beneficiárias do
“desenvolvimento a convite”, conforme designado por Wallerstein (1979).
104 A obstaculização do acesso a crédito internacional e à entrada na OMC foram exemplos da ação

americana de tentativa de contenção da China.


115

complexificação industrial, expressa pelo movimento progressivo a segmentos com


mais alta intensidade tecnológica – se, em 1999, as atividades de alta intensidade
tecnológica contribuíam com 11% do valor adicionado do setor industrial e as
atividades de média-alta com 29%, em 2017, as respectivas participações alcançam
16% e 31%, com destaque aos segmentos de fabricação de equipamentos
eletrônicos, de comunicação e de computação, e de máquinas e equipamentos de
transporte (DIEGUES & MILARÉ, 2016). A atuação efetiva do Estado para a
conformação deste sistema, por sua vez – o que se deu por meio de política cambial,
controle sobre conta de capitais, incentivos fiscais, designação de áreas preferenciais
ao IDE, crédito subsidiado, baixas taxas de juros, fomento ao progresso técnico e
realização direta de investimentos (MEDEIROS, 1998) –, permite o adensamento de
cadeias produtivas locais, bem como a preservação de um ambiente
permanentemente dinâmico, fértil para dar vigor às transformações no sentido
planejado.
O século XXI traz, ainda, um importante e novo elemento ao cenário
desenhado: um energético processo de urbanização levado à cabo na sociedade
chinesa. O índice de urbanização teria crescido de 20% para 55% da população, entre
1978 e 2015 e, nos 15 anos a partir de 2000, 300 milhões de chineses teriam se
mudado às cidades (HIRATUKA, 2018). A migração de grande massa da população
para as áreas urbanas tem, como consequência, o aumento da demanda por
inversões em infraestrutura, ativando segmentos como de construção civil, transporte,
telecomunicações e saneamento, bem como de indústrias fornecedoras de matérias
primas e equipamentos. Ademais, a oxigenação da economia, com fortes impulsos
sobre a demanda agregada e sobre a renda per capita, é capaz de conduzir a um
segundo efeito, qual seja, um impulso à demanda por bens duráveis, sendo
necessário tratar a economia chinesa, nos anos 2000, como um

círculo virtuoso coordenando pelo planejamento estatal onde a taxa de


investimento suportou um processo de intensa mudança estrutural associado
à urbanização, que por sua vez articulou a oferta de infraestrutura com forte
expansão de capacidade e desenvolvimento industrial em setores da
indústria pesada e de duráveis.

Hiratuka (2018, p. 4)
116

Este cenário evidentemente resultou em impactos sobre a economia


mundial. Hiratuka & Sarti (2017, p. 199) destacam o papel assumido pela China como
“grande importador de insumos e matérias-primas industriais e de bens de capital,
além de crescente consumidor de manufaturas, alimentos e matérias-primas minerais
e energéticas”. Os autores lembram que, a despeito de uma reiterada ênfase no
aumento do preço das commodities, que, nos anos 2000, permitiu ciclos virtuosos
também em economias latino-americanas, a China promoveu a redução acentuada
do preço de uma gama de bens manufaturados, o que se deu pela incorporação de
uma massa de mão de obra de baixo custo e pela expansão das escalas de produção
nos processos produtivos correspondentes105. Ademais, a preservação do alto
patamar de investimento em relação ao PIB resultou na ampliação da capacidade
produtiva de uma série de setores industriais (DE CONTI & BLIKSTAD, 2017), como
a de aço, de automóveis, de refino de petróleo e de cimento. A consequência,
especialmente após o fim do ciclo de crescimento da economia mundial, em 2008, e
a partir da crise financeira global do mesmo ano, é o acirramento da concorrência
nestes segmentos e o início de uma estratégia de transição por parte do governo
chinês, com vistas a reduzir o peso do investimento no crescimento do país e, por
meio de outras iniciativas, gerar demandas externas às indústrias instaladas em seu
território.
Uma outra frente própria dos anos 2000 consiste nos esforços chineses
para aumentar o peso de atividades intensivas em conhecimento, dentre as quais, a
indústria eletrônica, de biotecnologia, de novas energias e novos materiais e de
equipamentos de alto nível – como aviões, trens de alta velocidade e satélites -, que
passaram a ser prioridades explícitas das políticas de Ciência, Tecnologia & Inovação
do governo, o qual deseja transformar tais segmentos em motores do crescimento da
atividade industrial (NOGUEIRA, 2015). Estes empenhos continuam contando com os
incentivos proporcionados no âmbito da entrada de IDE que, embora tenha tido
regulamentação flexibilizada a partir do século XXI, com o fim, por exemplo, da
obrigatoriedade para formação de joint ventures, passou a dispor de exigência de que
as firmas 100% estrangeiras estabelecessem centros de pesquisa e desenvolvimento,

105 Os preços das importações dos Estados Unidos de computadores e semicondutores, de


equipamentos de telecomunicações e de bens de capital caíram 60%, 25% e 21%, respectiva e
aproximadamente, de 1994 a 2006, conforme apresenta Hiratuka & Sarti, 2017, com dados do US
Bureau of Labor Statistics.
117

de treinamento ou laboratórios em universidades ou institutos de pesquisa de grandes


cidades chinesas (NOGUEIRA, 2015). A estratégia de ampliação do conteúdo
tecnológico e científico resultou, segundo Nogueira (2015), na ampliação dos
investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), que passaram de 0,76% para
1,7% do PIB do país, de 1999 a 2009. A meta chinesa seria elevar tal porcentagem a
2,5% do PIB em 2020106.
Os anos mais recentes revelaram, então, um novo processo de transição
do desenvolvimento chinês, cujo cerne está no objetivo de consolidar um renovado
tipo de crescimento, consistente com maior ênfase no consumo, ao invés de
investimento, com uma decrescente capacidade ociosa e com uma maior relevância
de indústrias intensivas em conhecimento e novas tecnologias. Entende-se, por outro
lado, ser necessário garantir o suprimento de commodities agrícolas, minerais e
energéticas que possam sustentar o crescimento da renda per capita e de tecnologias
necessárias para o desenvolvimento da indústria mais complexa e para a expansão
do poderio militar.
Diante do quadro resultante do desenvolvimento chinês até aqui, que
contou com o robustecimento da indústria e o acesso a etapas mais nobres das
cadeias globais de valor, no contexto do paradigma da fragmentação produtiva e das
empresas em rede, mas também face, mais recentemente, ao acúmulo de divisas
internacionais e de capacidade produtiva, no âmbito do mencionado ciclo virtuoso dos
anos 2000, a contemplação dos objetivos chineses passou a ser vislumbrada a partir
de uma nova prática – a saída de capitais das empresas do país ao mundo, na forma
de IDE, o que só fora possível a partir da consolidação de grandes conglomerados
derivados de todo o percurso de transformação da estrutura produtiva contado até
aqui.
Já em 1999 é anunciado, no 16º Congresso do Partido Comunista, o projeto
Going Global, que tem como intenções: 1) elevar o investimento direto chinês no
exterior flexibilizando as regulamentações próprias para tal; 2) aprimorar os projetos
atrelados a este movimento; 3) criar novos canais internos de financiamento; e 4)
integrar o processo de internacionalização das empresas chinesas com outras

106Segundo Nogueira (2015), o patamar de 2009 ainda estava abaixo da média de países da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), embora fosse, em termos
absolutos, o terceiro dentre todos eles e equivalente, em termos relativos, ao investido por países como
Noruega e Luxemburgo.
118

políticas para o setor externo, com a finalidade de promover o reconhecimento de suas


marcas (CINTRA & PINTO, 2017). Para além dos propósitos até aqui apontados, os
quais serão apresentados adiante, a saída do IDE chinês atrela-se a uma segunda
dimensão do desenvolvimento chinês, associada a uma estratégia de ganho de
relevância do país no sistema financeiro mundial, qual seja, o ganho de importância
do Renminbi. Segundo Cintra & Pinto (2017), a China intenciona expandir sua moeda
para além de seu espaço territorial, aumentando sua área de influência geopolítica e
criando um contrapeso a um mundo financeiro unipolar. A estratégia de Pequim é
promover uma “internacionalização controlada do Renminbi” por meio de trocas
comerciais e financeiras - as quais são amplamente fomentadas pelo Investimento
Direto Estrangeiro -

buscando se adequar ao aprofundamento da globalização financeira e


produtiva e reduzir as assimetrias do sistema financeiro internacional, que
condicionam as potencialidades e os graus de liberdade das políticas
domésticas e externas

Cintra & Pinto (2017, p. 389)

Ainda que, segundo a Sociedade para Telecomunicações Financeiras


Interbancárias Mundiais, a moeda chinesa tenha se tornado a quinta mais utilizada do
mundo em dezembro de 2014, abrindo novos canais de uso, como em tratados de
compensação internacional, acordos de swap, transações efetuadas pela China como
emprestadora de última instância e bancos supranacionais – o Banco dos BRICS é
um exemplo -, há um certo ceticismo por parte de alguns autores quanto à
possibilidade do Renminbi extrapolar um horizonte em que se constitui como uma
moeda regional107. Não há dúvidas, no entanto, de que a saída de IDE da China
consiste numa poderosa estratégia para aumentar o poder de influência geopolítica
do país, uma vez que, para além dos aspectos financeiros, é capaz de criar novas
infraestruturas condizentes com os interesses comerciais e produtivos chineses,
reorganizar os territórios receptores dos capitais e estabelecer sólidos laços com
outros países. Cintra & Pinto (2017, p. 394) afirmam que a internacionalização do
capital chinês, por meio de IDE, consistiu, especialmente após a crise financeira global
de 2008, “num dos fenômenos empresariais mais profundos das últimas décadas”,

107 Ver Eichengreen e Kawai (2015).


119

transformando a China numa das maiores inversoras do mundo – o estoque de IDE


chinês no exterior chegou a US$ 730 bilhões em 2014, contra apenas US$ 27,8
bilhões em 2000.
Grande parte deste IDE refere-se a equipamentos de infraestrutura
instalados no entorno do território chinês. Com as inversões, é possível aprofundar a
integração física da região, corroborando para o fortalecimento do comércio – de
grande interesse da China -, a partir da abertura de novas rotas e redução de custos
atrelados à exportação de manufaturados chineses e à importação de bens menos
complexos requeridos pelo país asiático. O destino dos capitais chineses não se
restringe, no entanto, aos países de seu continente. Investimentos são realizados em
todos as outras regiões do globo, assumindo, no entanto, diferentes perfis. À
semelhança do que ocorre na Ásia, alguns deles também têm como uma de suas
motivações o fortalecimento das correntes de comércio. Além do barateamento dos
custos de transporte e logística, contribuem para o aumento da quantidade de divisas
dos países receptores das inversões, permitindo-lhes maiores gastos com
importações, dentre as quais estão as de bens e serviços chineses.
A chegada de empresas chinesas em território estrangeiro relaciona-se,
muitas vezes, também com a necessidade de matérias primas e commodities
agrícolas, minerais e energéticas por parte do país asiático (HOLLAND & BARBI,
2010)108, que tem território com escassez destes recursos, insuficientes para sustentar
o dinamismo de sua indústria e de seu processo de urbanização. Ademais, o IDE
chinês é capaz de criar demanda externa para a capacidade ociosa de segmentos
instalados na própria China (DE CONTI & BLIKSTAD, 2017)109, à medida que as
empresas estabelecidas no exterior passam a importar bens chineses para suas
produções offshore. Aquisições de empresas com expertise específicas cumprem o
papel de acelerar o acesso chinês a tecnologias restritas, que permitam o caminho a
uma estrutura produtiva mais intensiva em conhecimento. Promove, além disso, o
aumento da competitividade de empresas chinesas, que diversificam as aplicações
de seus recursos, ganhando, muitas vezes, maior rentabilidade ou melhor

108 Acioly & Leão (2011) ressaltam que o desejo chinês em assegurar fontes de suprimento às suas
cadeias de produção relaciona-se com a preocupação em relação à volatilidade dos preços de
commodities, motivando ações para o controle direto da oferta destes bens.
109 Para uma abordagem a respeito dos fatores que levaram à formação de capacidade ociosa na

economia chinesa, na segunda década dos anos 2000, ver De Conti & Blikstad (2017).
120

posicionamento estratégico110. Comportamento similar é observável para as reservas


chinesas. Com grande acúmulo de divisas decorrente do sucesso das exportações e
da entrada de investimentos estrangeiros, a China tem, no IDE que sai de seu
território, a possibilidade de encontrar alternativas mais rentáveis do que os títulos
públicos do governo norte-americano, por exemplo. Do ponto de vista geopolítico, a
estratégia se desdobra em importante contenção do domínio e influência dos Estados
Unidos sobre diversas regiões do globo111, já que propicia uma relação ganha-ganha
com economias receptoras das inversões (SANTOS & MILAN, 2014).
Após fundar as bases sobre as quais se assentam o estado atual do
desenvolvimento do país asiático, no próximo capítulo, os esforços voltam-se ao
Investimento Direto Estrangeiro realizado pela China no mundo e àquele cujo destino
é, particularmente, a economia brasileira, que servirá como estudo de caso, sob a
hipótese de que se constitui polo vulnerável às influências exercidas pela
transformação da economia chinesa.

110 Dentre as opções de melhor posicionamento estratégico, está a conquista de acesso a novos
mercados consumidores e a novas redes de fornecedores, mas também a aquisição de ativos valiosos
à estratégia de desenvolvimento chinesa (Acioly & Leão, 2011). Holland & Barbi (2010) recordam que,
pelo fato de o processo de desenvolvimento estar intimamente associado à internacionalização da
economia, a busca pela competitividade por parte das empresas chinesas não pode se restringir ao
ambiente doméstico, o que requer a projeção de suas estruturas ao exterior em busca de ativos
estratégicos, dentre os quais, tecnologia.
111 Acioly & Leão (2011) destacam o IDE chinês na América do Sul como um desafio à histórica

influência americana sobre a região. Em relação ao continente africano, a presença dos capitais
chineses é acompanhada de um fortalecimento gradual de canais diplomáticos. Cintra & Pinto (2017),
por sua vez, mencionam a influência crescente da China na Ásia, a qual se estabelece com o
fortalecimento de laços produtivos, no âmbito dos quais os eventuais efeitos virtuosos sobre as várias
economias são cada vez mais dependentes do dinamismo chinês.
121

CAPÍTULO IV
O Investimento Direto Estrangeiro a partir da
China

4.1. O IDE chinês como parte de uma estratégia de


desenvolvimento

Os primeiros capítulos deste trabalho preocuparam-se em reproduzir os


aspectos centrais da história do desenvolvimento econômico chinês a partir do
período Mao Tsé-Tung, passando pelas mudanças de comando do final da década de
1970, pelas reformas entre o final da década de 1980 e o início da década de 1990 e
pelos novos elementos atinentes à entrada no século XXI. A abordagem escolhida
procurou demonstrar a relativamente alta coesão da política econômica e dos
caminhos escolhidos no âmbito do Estado com uma determinada visão estratégica de
desenvolvimento, a qual não culminou, em hipótese alguma, num processo linear,
senão numa permanente transformação do padrão de acumulação da economia do
país asiático, que procurou, a todo tempo, lidar com problemas conjunturais, como
ocorreu nos períodos de alta inflação, e superar dificuldades estruturais, como os
desequilíbrios entre as produções do campo e da cidade e o atraso do setor industrial
em relação a economias mais avançadas.
Espera-se que o quadro desenhado nos capítulos anteriores tenha sido
capaz de evidenciar a trajetória de ampliação, fortalecimento e complexificação de
uma indústria que, no contexto de sua transformação, ascendeu ao posto de
locomotiva do alto crescimento experimentado pela economia chinesa ao longo do
final do século XX, fenômeno que proporcionou variadas e profundas mudanças no
seio da sociedade do país. Se, ainda durante o período Maoísta, a China assistiu às
primeiras ondas industrializantes conduzidas pelo Estado, com alta participação de
investimento público e ruptura de uma mentalidade continuísta – caracterizada por
inércia em relação às necessidades de se modernizar a estrutura produtiva do país –,
a partir do final dos anos 1970, entra em vigor uma série de reformas gradualistas,
das quais surte, como efeito, o fortalecimento do setor privado, sem um
correspondente abandono das funções coordenativas e diretivas do setor estatal,
122

criando uma combinação responsável por um alto e permanente patamar de


crescimento, alimentado, num primeiro momento, tanto por altos volumes de
inversões, quanto por um grande peso do mercado interno.
Aos poucos, como se demonstrou no Capítulo II, a China vai se
conformando como polo de produção de bens manufaturados leves, cuja oferta
usufruía dos benefícios de um mercado de trabalho abundante e relativamente
qualificado, o que fora legado dos avanços educacionais e do sistema de saúde
logrados durante o período Mao. Não se deve deixar de lado, no entanto, a
progressiva absorção de competências pelas empresas chinesas, que passaram a ter
contato cada vez mais intenso com uma leva de empresas estrangeiras ingressantes
na economia do país a partir da conformação das Zonas Econômicas Especiais
(ZEE’s), no contexto de uma abertura econômica inquestionavelmente mais
controlada do que aquela que se deu em outros países subdesenvolvidos.
A atração de Investimento Direto Estrangeiro, largamente associado a
transferência tecnológica e aprendizado às empresas chinesas, permitiria o alívio das
históricas restrições externas não somente por si só, mas também por um efeito
secundário, qual seja, a criação de condições para a conformação de uma poderosa
plataforma exportadora que rendeu à China, além do acúmulo de divisas, a alcunha
de “fábrica do mundo”, no final do século passado. Esta plataforma, que, no momento
em que se estabelece, caracteriza-se pelo fornecimento de bens industrializados leves
e pela montagem de bens oriundos de outras economias, também passa por
transformações quantitativas e qualitativas, alimentadas pela combinação da política
cambial, da conjuntura externa112, do aprendizado associado ao IDE absorvido e
daquele derivado de um nascente estímulo à saída de robustecidas empresas
chinesas a outros países. A consequência é a elevação da relevância das atividades
exportadoras em relação ao PIB, como tratado no Capítulo III, e a gestação de um
efetivo processo de complexificação da pauta exportadora, sustentado pelas
transformações da estrutura produtiva e gerador de novas possibilidades de difusão
de tecnologias e de encadeamentos industriais.
Somente a partir do alcance de um determinado estágio de
desenvolvimento e complexificação das forças de produção seria possível imputar, à

112Como visto no Capítulo III, a constituição de uma plataforma exportadora na China beneficiou-se da
política de contenção americana do Japão, dos Tigres Asiáticos e da URSS, bem como do
deslocamento da produção dos vizinhos à estrutura produtiva chinesa.
123

política de encorajamento à internacionalização das firmas chinesas, a desafiadora


tarefa de contribuir para a continuidade da inserção virtuosa da economia do país no
sistema internacional, fomentando ainda maiores ganhos de intensidade tecnológica
e de valor agregado pela estrutura produtiva. A estratégia derivada do estímulo ao IDE
para o exterior teria, como objetivos principais, a expansão de mercados ao alcance
das empresas chinesas, bem como a garantia do acesso desta sociedade a recursos
estratégicos – dentre eles, commodities minerais e agrícolas e energia. Ademais,
propôs-se a ampliar redes de produção, possibilitar o alargamento e o fortalecimento
das estruturas de oferta, permitir o aprendizado de novas tecnologias e proporcionar
a conquista de aptidões gerenciais e organizativas, e de canais de distribuição e
fornecimento, inclusive em setores nos quais as empresas chinesas ainda não
acumulavam expertise para concorrer à altura com líderes globais.
O estabelecimento de negócios fora de seu território passa a ter
importância cada vez maior, à medida que a China alcança, no início dos anos 2000,
o antigo objetivo de tornar-se membra da Organização Mundial do Comércio, num
esforço de abrir novas possibilidades à sua renovada e virtuosa relação comercial com
outros países. A entrada na organização multilateral concede pressões extras para
maior abertura do mercado doméstico chinês, impondo às firmas do país a
necessidade de busca por maior competitividade e por diferentes mercados, diante da
mais acirrada concorrência que se estabelece no ambiente econômico interno
(HOLLAND & BARBI, 2010)113.

113 A entrada na OMC exigiu que a China assumisse uma série de objetivos que contrastam com sua
atuante política industrial de fomento às importações, à indústria, e à atividade econômica em geral.
Dentre elas, estão a concessão de tratamento não discriminatório na compra de insumos e
mercadorias, a ampliação do direito ao comércio internacional aos agentes econômicos atuantes em
sua estrutura produtiva, a inexistência de influência política, pelo Estado, na condução das empresas
estatais comerciais, a determinação exclusiva de preços pelas forças do mercado, a eliminação de
subsídios à exportação e a bens agrícolas e industriais, o fim da política de condições especiais para
zonas econômicas especiais (aplicando as regras de forma uniforme no território) e o tratamento
nacional a empresas e indivíduos estrangeiros. Por outro lado, o aceite como membro da organização
traria algumas vantagens à economia chinesa, como o acesso a maior corrente de comércio, o
tratamento semelhante aos países com status de Nação Mais Favorecida no âmbito da OMC, a
abolição, por importadores da China, de tarifas sobre alguns grupos de bens (como têxteis), e os
benefícios como país em desenvolvimento da organização, ainda que a performance econômica
chinesa fosse muito superior às nações com o mesmo status (THORSTENSEN, RAMOS, et al., 2014).
Martin, Bhattasali & Li (2004) apresentam os dados atinentes às tarifas praticadas pela China antes da
entrada na OMC e aquelas acordadas para o aceite do país como membro. Sobre o efetivo
cumprimento dos compromissos chineses, é evidente que ainda pairam muitas tensões entre o grupo
de países signatários da instituição, no que se refere à cobrança para que o país asiático faça valer o
acordo firmado. Por outro lado, entende-se que as exigências são frontalmente conflitantes com grande
parte das práticas chinesas no que diz respeito aos estímulos à sua economia e ao seu
desenvolvimento. Thorstensen, Ramos, Müller, & Bertolaccini (2014) argumenta que as tensões
124

Na esteira do alcance de maior complexidade pela estrutura produtiva, o


IDE realizado proporciona o acesso a tecnologias e formas organizativas próprias da
III Revolução Industrial, como a tecnologia da informação, a microeletrônica, e as
práticas de fragmentação e transnacionalização produtiva. Como colocado por
Diegues (2015), o que antes podia-se chamar de modelo Made in China, atrelado à
reputação chinesa de consistir em fábrica do mundo, transmuta-se a uma nova forma
de organização produtiva, guiada pelo modelo Owned by China (de propriedade
chinesa), que se caracteriza pela ascensão do país nas cadeias globais de produção
a elos que possibilitem maior apropriação de valor, a partir da constituição de “players
globais” e de “marcas internacionais de propriedade chinesa”, abandonando o binômio
constituído pela montagem de bens leves e pela prática de baixos custos e alçando o
país a novas atividades de comando das cadeias de produção, como a concepção de
bens mais complexos, o gerenciamento de marcas e de estruturas financeiras, e a
pesquisa voltada ao desenvolvimento tecnológico. Para que se tenha noção da
dimensão e do poder alcançados pelas corporações chinesas atuantes na economia
global, vale recordar que, de acordo com a revista Forbes (2018), três instituições do
país asiático faziam parte das cinco maiores empresas do mundo, e cinco faziam parte
do grupo das dez maiores empresas do mundo, em 2018 – desempenho que já era
observado em 2014, segundo Diegues (2015).
O encadeamento dos temas tratados por esta dissertação reflete a visão
de que o IDE realizado pela China é pilar central de uma nova etapa de transformação
do papel do país asiático diante do mundo e, por isso, os capítulos precedentes, que
procuraram demonstrar a trajetória da estrutura produtiva e a forma de inserção
chinesa na economia global, culminam no tratamento, no presente capítulo, da
exportação de capitais da economia em questão. A complexificação das forças
produtivas chinesas, que assumiram a roupagem de uma verdadeira estratégia de
desenvolvimento ao longo das últimas décadas, encontraria sérios obstáculos à sua
continuidade, não fosse a projeção das corporações chinesas ao mundo, nos marcos
da globalização produtiva. Na próxima seção, serão abordados os movimentos de IDE
realizados pela China, contemplando de forma rápida a importância dos impulsos
concedidos pelo Estado.

observadas são de improvável resolução no curto prazo, uma vez que a OMC não dispõe de preparo
institucional para lidar com os elementos em disputa.
125

Inevitavelmente, este trabalho propõe-se também a entender o processo


de desenvolvimento chinês nos marcos de uma crescente discussão acerca da
ampliação da influência chinesa sobre a América Latina e, particularmente, sobre o
Brasil. Em função da preocupação do autor deste trabalho com as questões nacionais
brasileiras, a seção seguinte oferecerá, ao leitor, um panorama do IDE chinês
direcionado a esta economia. Tal abordagem se dá sob o propósito de gerar, a partir
das discussões feitas até aqui, eventuais hipóteses e reflexões, as quais possam
eventualmente contribuir com futuros trabalhos destinados à análise dos efetivos
impactos sobre a estrutura produtiva e, consequentemente, sobre os traços sociais
brasileiros, de um mundo sob uma nova ordem global, com indícios do
aprofundamento da influência do país asiático.

4.2. O papel do Estado e o perfil do IDE chinês ao mundo

Dentre as particulares características do IDE chinês, um dos traços mais


marcantes é sua configuração como fruto dos esforços empreendidos no âmbito de
uma política de desenvolvimento conduzida pelo Estado. Por se tratar de um
fenômeno que parece extrapolar a lógica microeconômica de ação das empresas,
distintos autores sugerem certa dificuldade das teorias clássicas de determinação de
IDE em contemplar o que ocorre na economia chinesa (ACIOLY & LEÃO, 2011;
SANTOS & MILAN, 2014).
Vale lembrar que, dentre os autores que se dedicam à determinação do
Investimento Direto Estrangeiro, Dunning (1988) é considerado uma referência por
construir o paradigma eclético, que indica que a decisão de investir no exterior está
atrelada a vantagens de propriedade, localização ou internalização. O primeiro grupo
refere-se à posse e coordenação de ativos intangíveis presentes em outras economias
– acesso a nichos de mercado, tecnologias, processos distributivos, dentre outros. O
IDE permitiria um melhor posicionamento das empresas exportadoras de capital,
permitindo o aguçamento de suas vantagens competitivas, as quais, por sua vez,
também possibilitariam maiores capacidades para a realização do investimento no
exterior. O segundo grupo faz referência às características imóveis encontradas no
exterior, isto é, a estrutura de mercado, um comportamento de câmbio mais
competitivo, melhores condições de concorrência e custo, abundância de mão de obra
126

e recursos naturais, incentivos fiscais ao investimento externo, etc. O terceiro grupo


constitui-se de esforços para mitigar riscos, reduzir incertezas e obter informações
antes indisponíveis. O IDE, para Dunning (1988), então, seria o resultado da
combinação dos três elementos, a ser analisado à luz do setor da empresa envolvida,
mas também do tipo de motivação para a atividade fora do país de origem.
O autor constrói, assim, uma tipologia para os tipos possíveis de motivação:
a busca por recursos – que depende da disponibilidade e custo dos recursos, bem
como da facilidade para sua exploração -, a busca por mercados – dependente do
tamanho e ritmo de crescimento do mercado, bem como da estabilidade econômica e
institucional e do padrão de concorrência existente - ou a busca por eficiência – que
estabelece relações com a existência de economias de aglomeração e instrumentos
de redução de custo e aumento de produtividade, por exemplo. Posteriormente, o
autor incorporaria à análise a busca por ativos estratégicos – atinentes à possibilidade
de aprender na interação com outros agentes ou melhorar o posicionamento no
mercado e a qualidade de ativos intangíveis da empresa (APEX-BRASIL, 2012).
O investimento externo realizado pelas empresas chinesas, no entanto,
respondeu, por vezes, às necessidades e aos desejos do governo por determinados
resultados de políticas industriais e pela administração de seu Balanço de
Pagamentos, que já tivera como um dos seus problemas a escassez de divisas
estrangeiras. Como mencionado na seção anterior, o encorajamento das corporações
estatais e privadas para aquisição de novas competências, aprendizados e ativos
estratégicos fora do país também esteve dentre os objetivos do Estado, bem como o
suprimento de bens relativamente escassos na estrutura produtiva doméstica. O
quadro paulatinamente conformado da abundância de reservas internacionais114
gerou, por sua vez, uma nova preocupação nos anos 2000 - a busca por opções de
imobilização mais rentáveis do que os títulos do tesouro estadunidense e que,
adicionalmente, proporcionassem a redução da dependência em relação a estas
aplicações, o que está atrelado a potenciais ganhos geopolíticos, como maior
soberania financeira, maiores possibilidades de internacionalização da moeda
chinesa (HOLLAND & BARBI, 2010) e o aumento da zona de influência sobre
determinadas regiões, num movimento de soft power.

114 Em 2008, a China tinha um saldo de mais de US$ 2 trilhões em reservas (UNCTAD, 2009).
127

Cintra & Pinto (2017) chamam a atenção, ademais, para as possibilidades


de criação de demandas cativas, oriundas do exterior, para a crescente capacidade
ociosa acumulada na indústria doméstica do país asiático. Setores como o de
produção de máquinas, equipamentos e matérias primas, estabelecidos em território
chinês, poderiam servir como fornecedores a unidades produtivas constituídas em
território estrangeiro por empresas chinesas.
A despeito de algumas das motivações encadeadas parecerem próprias de
um período mais recente, a existência prévia de objetivos estratégicos atrelados à
exportação de capitais é compatível com o início, já no final da década de 1970, de
estímulos guiados pelo Estado para a realização de IDE. Acioly & Leão (2011)
levantam cinco principais fases que constituem a política associada a este movimento.
A primeira delas se dá a partir do início das reformas, em 1979,
estendendo-se até 1983. Consiste em assegurar o suprimento de matérias primas
para a Indústria de Transformação, sem, no entanto, regularizar incentivos universais
à prática de IDE. Neste contexto, o objetivo desenhado pelo Estado é assumido
exclusivamente pelas empresas estatais, cujas propostas eram individualmente
avaliadas pelo Conselho de Estado. O fluxo de investimentos no exterior é muito baixo.
A segunda fase inicia-se em 1985 e termina no início da década de 1990.
Apesar da uniformização de regras e procedimentos e da autorização de realização
de IDE por empresas privadas, muitas das operações caracterizam-se como
movimentos de round-tripping. Ao invés de expandirem seus negócios no exterior para
fornecimento de bens e serviços em mercados externos, as empresas chinesas
estabelecem subsidiárias em países estrangeiros com a intenção de, com os novos
registros adquiridos fora da China, retornarem novamente ao país asiático, mas,
agora, usufruindo das mesmas vantagens concedidas às empresas verdadeiramente
estrangeiras ingressantes nas Zonas Econômicas Especiais, contempladas na política
estatal de atração de IDE. O patamar de investimentos diretos desta fase permanece,
ademais, ainda bastante baixo, não ultrapassando a cifra anual de US$ 1 bilhão.
A partir de 1993, identifica-se uma terceira fase, na qual o patamar de
investimentos até ultrapassa US$ 1 bilhão anual, embora permaneça estagnado em
torno de um fluxo de US$ 2 bilhões por ano. Do ponto de vista institucional, criam-se
agências de promoção de IDE que examinariam de forma mais criteriosa as
transações superiores a US$ 1 milhão, em resposta à crescente preocupação com as
então recentes perdas incorridas com especulação financeira. Até o final da década
128

de 1990, a China acumularia US$ 27 bilhões em estoque de investimentos diretos no


exterior.
A entrada da década de 2000 marca a virada dos estímulos estatais ao
IDE. O lançamento do documento “Suggestions on Encouraging Enterprises to
Develop Overseas Business in Processing and Assembling the Supplied Materials”
(ACIOLY, LIMA & RIBEIRO, 2012)115 sinaliza um renovado e confesso esforço do
Estado em orientar as empresas chinesas dispostas a fazer aquisições e operar
produtivamente em economias estrangeiras. Segundo Acioly & Leão (2011), o
Conselho de Estado foi responsável por oferecer assistência técnica e financeira a
alguns segmentos selecionados.
Ainda nos primeiros anos da década em questão, ao lado do fim da
obrigatoriedade de remessa de lucros das empresas estabelecidas no exterior, entra
em vigor, de forma efetiva, o programa Going Global, que contempla uma série de
ações conjugadas para incentivar o IDE por empresas chinesas. Este é o ponto de
início da quinta fase identificada por Acioly & Leão (2011). Os cinco grandes objetivos
do Going Global, desenhados a partir de diretrizes constituídas no 16º Congresso do
Partido Comunista Chinês, são:

1) A maior regulação do sistema, ao invés do controle direto da distribuição


setorial e geográfica dos investimentos estrangeiros realizados;
2) A descentralização da concessão de autorizações a instituições locais,
com consequente simplificação dos procedimentos administrativos e burocráticos
requeridos;
3) A ampliação de incentivos, associada à redução de barreiras à saída -
dentre eles, estariam isenções fiscais116, ressarcimento de impostos, contribuições
diretas ao capital exportável e preferência à importação de empresas chinesas
atuantes no exterior. Os estímulos também se desdobrariam em apoio informacional
e assistência técnica, com a manutenção de bases de dados que orientassem o
investidor sobre as características econômicas, políticas e culturais do país de destino;

115 O documento foi citado por Acioly, Lima & Ribeiro (2012), mas não se pôde obter, infelizmente,
acesso direto a ele. Trata-se, conforme o nome sugere, de um conjunto de recomendações reunidas
pelo governo chinês, e direcionadas às empresas do país, sobre práticas de exportação de suas
estruturas produtivas ao exterior, num amplo e confesso esforço de guiar tal movimento com
instrumentos disponibilizados pelo Estado.
116 As isenções fiscais atreladas à realização de IDE já existiam desde a década de 1980, segundo

Acioly & Leão (2011).


129

4) A redução dos controles de capital e a criação de novas linhas de


financiamento voltadas para a atividade tratada, com atuação especial de dois bancos
públicos – o China Development Bank e o China Export and Import Bank. Ademais,
criou-se fundos com o objetivo particular de financiar IDE, além de praticar-se a
concessão de crédito com taxas de juros subsidiadas; e
5) A integração da promoção de IDE com outras políticas existentes, como
aquelas atinentes à lógica comercial, industrial e diplomática. Determinados setores
foram elevados à posição de prioritários e acordos internacionais seriam celebrados
junto a outros países, de forma a permitir a conformação de um ambiente mais seguro
para o relacionamento entre as instituições envolvidas. As empresas chinesas
dispostas a praticar IDE foram encorajadas, por vezes, a investir coletivamente nos
mesmos parques industriais e zonas especiais do exterior.

Desta forma, a hipótese de Santos & Milan (2014) é a de que a


incorporação de elementos geopolíticos no rol de teorias explicativas do IDE
contribuiria para adequá-las à análise da exportação de capitais desde a China. No
caso chinês, “(…) o cálculo econômico de ganhos e perdas poderia ser secundário,
ou pelo menos tão importante quanto a ampliação da esfera de influência política”
(SANTOS & MILAN, 2014, p. 465). Ainda:

Aqui se propõe a hipótese de que (...) os IDEs (...) podem não estar
perseguindo apenas os objetivos econômicos que motivam a maioria dos
investidores, como a maximização dos lucros. Este parece ser o caso em
muitas situações nas quais os objetivos parecem ser mais geopolíticos do
que econômicos. Isso não significa, da mesma forma, que o país está em
busca apenas do controle sobre ativos politicamente estratégicos e que os
determinantes econômicos devam ser minimizados. Mas por meio dos IDEs
a China pode expandir sua influência pelo mundo e ocupar importantes
posições no tabuleiro do jogo internacional de poder, questão que as teorias
tradicionais dos IDEs não conseguem incorporar, dado o objeto que se
propõem a explicar e o escopo das mesmas.

Santos & Milan (2014, p. 471)

De 2000 a 2017, o estoque de IDE chinês no mundo saltaria de US$ 28


bilhões para quase US$ 1,5 trilhões, em valores correntes, e os fluxos demonstrariam
uma evidente tendência de crescimento, passando de menos de US$ 5 bilhões anuais
até 2004, para mais de US$ 100 bilhões anuais a partir de 2013, chegando a alcançar
130

quase US$ 200 bilhões em 2016 (Figura 18). Tais movimentos de expansão
resultaram, também, num ganho de participação tanto dos fluxos, quanto dos
estoques do investimento chinês no exterior, em relação ao total de inversões diretas
do mundo. A Figura 19 apresenta esta relação, indicando que 2008 foi o primeiro ano
em que o fluxo de IDE chinês superou a barreira de 2% do total mundial, chegando a
uma relevante participação de mais de 13% em 2016, o que colocou a China na
posição de segunda maior investidora global, atrás apenas dos Estados Unidos
(Tabela 5). Em relação aos estoques, também se observa um agudo crescimento da
participação em questão, especialmente a partir do final da década de 2000 e início
da década de 2010, que é quando o IDE chinês também atinge maiores montantes no
Brasil, como se verá mais adiante. Em comparação ao restante dos países, o estoque
chinês em 2016 é o quinto maior do mundo (Tabela 5).

Figura
Gráfico1817- Fluxo
- Fluxoe eEstoque
EstoquededeIDE
IDErealizado
realizadopela
pelaChina
China
De1994 a 2016
250 1.600

1.400
200
1.200

150 1.000
em US$ bi

em US$ bi
800
100 600
400
50
200

- -
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016

Fluxo de IDE realizado pela China (eixo esquerdo) Estoque de IDE realizado pela China (eixo direito)

Fonte: Unctad (2019)


131

Figura 19 - Porcentagem do IDE realizado pela China em relação ao IDE


Gráfico 19 - Porcentagem do IDE realizado pela China em
mundial
relação ao IDE mundial
Em fluxo e estoque, de 1994 a 2016
14% 13%

12%
10%
10% 9%
8%
8%
6%
6% 5% 5% 5%

4% 3%

2% 1% 1% 1%
1% 1% 1% 1% 0% 1%
0% 0% 1% 1% 1%
0%

IDE chinês / IDE mundial (Fluxo) IDE chinês / IDE mundial (Estoque)

Fonte: Unctad (2019)

Tabela 5 – Posição do IDE chinês em relação ao IDE do


restante dos países do mundo
Por fluxo e estoque, em anos selecionados

Anos Fluxo Estoque

2000 33º 22º

2006 20º 26º

2010 5º 19º

2013 4º 10º

2016 2º 5º

Fonte: Unctad (2019)

Em relação ao perfil setorial do IDE chinês, os dados do Ministério de


Comércio da China (MOFCOM) mostram uma concentração em Serviços, que
132

acumulava uma porcentagem entre 70% e 80% do estoque, entre 2004 e 2009
(ACIOLY & LEÃO, 2011). Das atividades mais comuns dentro deste setor, no entanto,
estão os serviços financeiros, que contemplam funções desempenhadas por bancos
e fundos de investimento, por exemplo. A constituição de holdings e de matrizes
regionais, identificadas como Sociedades de Propósito Específico (SPE) para a
diversificação dos investimentos em outros territórios, se encaixa neste segmento e,
desta forma, sugere que os dados analisados sobre a perspectiva setorial podem estar
sujeitos a discrepâncias em relação ao destino efetivo do capital chinês. A
conformação de SPEs, cujo registro é feito sob a forma de operação de IDE em
serviços financeiros, pode valer-se como somente uma das etapas da transação, a
qual será concluída com outro investimento ao país de destino final, registrado, agora,
no entanto, como oriundo do país hospedeiro da SPE. Na prática, contudo, o
controlador final do capital continua sendo uma empresa chinesa e o setor de destino
último, por mais que desconsiderado nos dados associados à China, também diz
respeito à estratégia escolhida pela instituição inversora do país asiático. Com
consciência a respeito deste problema, salienta-se que, de acordo com os dados
oficiais do Ministério de Comércio chinês (MOFCOM), o comércio é a atividade do
setor de Serviços que ocupa uma segunda porção relevante do IDE realizado. O
segundo setor com as maiores porcentagens de estoque entre 2004 e 2009 foi o
primário, com participações entre 13% e 21%, cujos destaque são a mineração e a
exploração de petróleo. O setor industrial, por sua vez, manteve uma participação
bastante baixa de acordo com a metodologia adotada, não ultrapassando 10,1% do
estoque de IDE no período assinalado (ACIOLY & LEÃO, 2011).
Jaguaribe (2018) apresenta uma metodologia alternativa àquela usada
pelos dados oficiais do MOFCOM. A partir do rastreamento de inversões diretas pelo
China Global Investment Tracker (CGIT), sugere que vige um perfil relativamente
diversificado de IDE chinês a partir de 2005. O setor preponderante de “Energia”, que
contempla aquisições e operações greenfield nos subsetores de carvão, gás,
hidrelétrica e petróleo, figurou com alta participação relativa em todo o período
retratado, que se estende até 2016. Em 7 anos da série, superou 40% das inversões
totais, patamar que também correspondeu à sua participação anual média, nos 12
anos analisados. Em seguida, aparecem os setores de “Metais” e “Finanças”, cujas
133

importâncias foram maiores até 2009. O primeiro compreende117 a exploração de


minerais metálicos, e participou com um média de 19% do total de investimentos nos
primeiros anos. O segundo corresponde a atividades bancárias e conformação ou
aquisição de fundos de investimento – dos quais excluíram-se operações relativas a
SPE’s. Tais transações concentraram-se especialmente em 2007 e 2008, com 62% e
45% do total de IDE, perdendo peso relativo a partir de então. De 2010 em diante, o
setor de Metais, que tem queda de participação a 11% anuais, passa a ser
acompanhado por investimentos no setor imobiliário, que, com participação média de
10% no total, contempla inversões em compra de imóveis e construção de
empreendimentos imobiliários. Outros setores118 também foram destino de capitais
chineses, mas com participações médias anuais, nos dois períodos assinalados, que
não ultrapassam 5% do total de IDE, com exceção de Transportes, que teve peso
médio de 8% de 2010 a 2016, e do setor de Tecnologia, com 6% do IDE no mesmo
período. (Tabela 6) (CGIT, 2018). O primeiro diz respeito a investimentos em
atividades de produção de equipamentos de transporte, por exemplo, e o segundo
compreende um leque amplo de segmentos, como produção de equipamentos
eletrônicos, serviços relacionados a e-commerce e operações na área de
telecomunicações.

117Infelizmente, o CGIT não disponibiliza notas metodológicas que definam quais segmentos produtivos
estão em cada um dos setores apresentados. A informação a respeito das atividades contempladas
por cada grupo deriva da análise do banco de dados de operações montado pela instituição, a partir da
informação sobre as empresas inversoras.
118 Dentre os outros setores que figuram na análise estão Agricultura, Química, Entretenimento,

Tecnologia, Turismo, Utilidades e Outros.


134

Tabela 6 – Participação média anual do IDE chinês por setor


Nos períodos selecionados, de 2005 a 2016, em % do total de IDE chinês

Fonte: Jaguaribe (2018). Cálculos e elaboração próprios.

Do ponto de vista geográfico, observa-se uma profunda mudança do


direcionamento dos investimentos diretos das empresas chinesas. Acioly e Leão
(2011), a partir de dados do MOFCOM, destacam que, até o início da década de 1990,
o IDE destinou-se quase que exclusivamente à América do Norte e à Oceania,
caracterizado pela busca por recursos naturais – alumínio, petróleo e outros minerais
- que pudessem sustentar o dinamismo do setor industrial de manufaturados leves.
Desde o início da década de 1990, a China muda gradativamente o destino de suas
inversões, passando a deslocar uma parcela cada vez maior de capitais aos países
em desenvolvimento, em especial, aqueles do continente asiático. Aqui, destaca-se o
papel de Hong Kong como receptora de IDE chinês, muito em função das práticas de
round-tripping e de constituição de SPEs voltadas à posterior alocação dos
investimentos em países terceiros, o que, de certa forma, dificulta a análise mais
rigorosa dos destinos das inversões, a exemplo da interpretação setorial. Cerca de
75% do estoque de IDE chinês estaria alocado em países asiáticos, dos quais 67%
estaria estabelecido em Hong Kong, o que evidentemente não representa a realidade
(Figura 20). O restante dos países vizinhos à China, localizados no leste asiático,
recebe inversões nos setores de commodities e recursos naturais, como borracha,
petróleo, gás e agrobusiness (ACIOLY & LEÃO, 2011). Holland & Barbi (2010)
destacam, ainda, a recente tendência de direcionamento de IDE chinês para obras de
135

infraestrutura no entorno do território do país. Assinalam que, por meio da construção


de barragens, redes de energia elétrica, e equipamentos de infraestrutura logística, a
internacionalização do capital chinês logra submeter interesses regionais ao
dinamismo e à lógica de acumulação de sua economia, permitindo,
concomitantemente, o espraiamento de efeitos virtuosos que aliviam eventuais
tensões existentes pelo avanço da influência chinesa nos países contemplados.

Figura 20 - Distribuição do estoque de IDE chinês


Gráfico 20 - Distribuição do estoque de IDE chinês
Por Região, em 2009, em % do total
América do Norte;
Oceania; 2,60% 2,10%
Europa; 3,50%

África; 3,80%

América Latina;
12,40%

Ásia; 75,50%

Fonte: Acioly & Leão (2011)

A alternativa aos dados oficiais chineses, reunidos por Jaguaribe (2018) a


partir do China Global Investment Tracker (CGIT, 2018), consegue afastar o problema
relativo às inversões direcionadas a Hong Kong, e indica a Europa como destino que
vem ganhando espaço para o IDE chinês, a partir de meados dos anos 2000. Os fluxos
se concentram em cinco principais países – Luxemburgo, Rússia, Reino Unido,
Alemanha e Holanda (ACIOLY & LEÃO, 2011). O primeiro deles, no entanto, também
se caracteriza como um importante entreposto produtivo, que recebe um expressivo
montante de capitais na forma de SPE’s, usadas como intermediárias para operações
de investimento destinadas, de fato, a outros países. O continente europeu abriga,
porém, também capitais que buscam a aquisição de tecnologias, marcas e atividades
136

manufatureiras já consolidadas, como será explicitado abaixo. O restante dos


investimentos está relativamente bem distribuído dentre as outras regiões
representadas, apresentando um comportamento, contudo, que dificulta a
identificação de padrões temporais, já que grandes operações concentradas em um
determinado país acabam por inflar os dados naquele ano e delinear uma tendência
bastante oscilante no período de análise.
A partir da base de dados da CGIT (2018) é possível tecer considerações
a respeito do perfil setorial e dos objetivos do IDE chinês em cada região. De uma
forma geral, as inversões feitas na Ásia são próprias de intenções variadas, a
depender do país receptor do capital. Dentre os países com maiores aportes chineses
entre 2005 e 2016, Camboja, Indonésia, Malásia, Mianmar e Vietnã concentram
inversões no setor energético, o que pode estar associado à demanda por energia
pela China vis-à-vis às necessidades de sua vigorosa indústria. Na Indonésia e em
Mianmar são importantes, ainda, os investimentos na produção de aço e exploração
de cobre, respectivamente. Cingapura chama a atenção pelas inversões chinesas
motivadas por objetivos logísticos. Coreia do Sul, em função de investimentos no
mercado imobiliário; e Japão, na produção de veículos automotivos. Vallim (2012)
atenta para o fato de que, nestes dois últimos países, o IDE teria sido determinado
pela busca por fontes de aprendizado tecnológico, aquisição de marcas reconhecidas
e usufruto de canais de distribuição já consolidados.
No Oriente Médio, por sua vez, o IDE está amplamente concentrado na
extração de petróleo, cujo consumo, na China, cresceu muito mais rapidamente do que
a exploração chinesa do bem no período pós-1978 (NAUGHTON, 2006)119. O mesmo é
observado para o oeste asiático, com a ressalva de que a extração de gás natural
também assume uma posição de relevância. Na Austrália, a exploração energética do
carvão e de minerais metálicos divide o protagonismo da ação produtiva chinesa.
Outras economias desenvolvidas que recebem o capital chinês são os Estados
Unidos, o Canadá e países europeus. Para o primeiro, a maior parte das atividades é
dividida entre Finanças (atividades bancárias e operações em fundos de
investimento), setor imobiliário e tecnologia (aqui, inclui-se telecomunicação e bens
de alto conteúdo tecnológico). No Canadá, a exploração de petróleo é preponderante
e nos países europeus há uma grande diversidade de destinos. Das economias que

Naughton (2006) mostra que a China se tornou importadora líquida de petróleo em 1993, a partir de
119

quando o saldo comercial relativo ao bem passou a ficar cada vez mais deficitário.
137

receberam maior aporte em todo o período, o Reino Unido notabiliza-se por inversões
no complexo da saúde e na indústria de telecomunicações, a Suíça, na Indústria
Química, a França, em entretenimento e setor automotivo, a Holanda, em Turismo, e
a Finlândia em Finanças. Suécia, Itália e Alemanha receberam um percentual grande
de aportes no que o estudo chama de “Utilidades”, rubrica que não pode ser
identificada de forma mais precisa. Vallim (2012) destaca o aprendizado e
aprimoramento de habilidades gerenciais, e a aquisição de novas expertises,
tecnologias, marcas e centros de pesquisa como motivadoras do investimento chinês
na Europa.
África Subsaariana concentra aportes na exploração de petróleo e cobre.
A relação específica entre América Latina e China do ponto de vista do IDE realizado
pelo país asiático configura-se com uma alta concentração de recursos aportados
também no setor energético e de “Metais”, de acordo com o CGIT (2018). Destacam-
se as inversões no setor petrolífero e de cobre, as quais se estabelecem, prioritária e
respectivamente, no Brasil e no Peru. Acerca dos investimentos chineses no Brasil, a
próxima seção se incumbirá de apresentar uma discussão mais aprofundada, que leve
em conta detalhes mais específicos, obtidos do uso de fontes alternativas, sejam elas
oficiais ou secundárias, que procuram corrigir os problemas relativos ao uso de países
intermediários para as operações.

Tabela 7 - Fluxos de Investimentos Chineses para o exterior


Regiões 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Oriente médio e Norte da África 3% 5% 4% 5% 16% 2% 0% 6% 0% 5%
Austrália 3% 15% 1% 30% 16% 5% 13% 11% 10% 10% 9% 3%
Leste Asiático 8% 6% 10% 8% 12% 15% 12% 12% 9% 22% 7%
Europa 1% 7% 22% 23% 17% 9% 21% 18% 11% 30% 30% 32%
América do Norte (exceto EUA) 7% 1% 0% 0% 7% 11% 9% 27% 1% 5% 1% 2%
América do Sul 19% 2% 5% 4% 7% 38% 15% 5% 9% 14% 3% 8%
África Subsaariana 28% 20% 15% 3% 8% 11% 9% 16% 7% 5% 4%
Oeste asiático 41% 37% 19% 4% 12% 2% 12% 7% 17% 8% 13% 6%
EUA 17% 29% 9% 14% 12% 2% 11% 15% 17% 16% 22%
Fonte: Jaguaribe (2018), com dados de CGIT (2018). Elaboração própria.

Sobre o modo de entrada do IDE oriundo da China, ressalta-se o


crescimento, desde 2003, das operações de Fusão & Aquisição. Neste primeiro ano,
18% do IDE realizado compreendeu este tipo de transação – percentual que se elevou
a 34% em 2009 e 43% em 2010 (LI, 2017; COGMAN et al., 2017). As fusões e
138

aquisições apresentaram-se como especialmente recorrentes em IDEs motivado pela


aquisição de tecnologias e marcas, bem como pelo controle de redes de distribuição
(ACIOLY & LEÃO, 2011). Gao & Wang (2018) observam, também a partir dos dados
da CGIT, que a maior porcentagem de F&A se deu no IDE direcionado à Europa, mas
que todas as outras regiões de destino tiveram este tipo de operação preponderante
em comparação às inversões greenfield.
Como citado acima, a próxima seção encaminhará a discussão para o
reconhecimento dos traços do IDE chinês voltado à economia brasileira. Pode-se
notar que os investimentos do país asiático assumem perfis distintos a depender da
região a que se direcionam, o que certamente tem relação com o cenário que
encontram no destino de suas operações e os ativos que este destino tem a oferecer
para o caminho perseguido pela estratégia de desenvolvimento guiada pelo Estado
chinês. A assimilação da relação entre China e Brasil estabelecida com base no IDE
sugere não somente as potencialidades e recursos que a economia brasileira tem a
oferecer à economia chinesa, como se mostra necessária para compreender os riscos
e as vantagens legadas ao Brasil a partir desta relação. Recorda-se, aqui, que o IDE
é apenas uma das vertentes do relacionamento econômico estabelecido entre os dois
países – sendo as dimensões financeira e comercial também de extrema relevância
para refletir a respeito dos impactos à sociedade brasileira concernentes a um mundo
próprio da ascensão geopolítica de uma nova potência como a China.
Para a análise que será apresentada adiante, faz-se necessário tomar
alguns preciosos cuidados. Muitas das fontes de registro de Investimentos Diretos
Estrangeiros não buscam identificar eventuais divergências entre a origem imediata e
o controlador final dos capitais que transitaram entre as economias globais. Como já
discutido anteriormente, a consequência deste tratamento para os dados de IDE
atinentes à China é a incapacidade de rastrear fluxos de investimentos que saem do
país asiático, aportam em economias intermediárias e, desta segunda origem, partem
a economias que servem de destino final – dentre elas, a brasileira. Ao registrar
somente a origem imediata da inversão, fontes como o Banco Central do Brasil (BCB,
2018) não consideram parte do IDE proveniente das Ilhas Virgens Britânicas, por
exemplo, como IDE conduzido por uma empresa chinesa, com decisões tomadas no
âmbito da economia do país asiático. A próxima seção, por esta razão, apresentará
dados oficiais do Banco Central do Brasil, compatíveis com o Balanço de Pagamentos,
139

mas não deixará de apresentar dados oriundos de fontes secundárias, que buscaram
resolver o problema abordado acima.

4.3. O IDE Chinês ao Brasil


4.3.1.Os dados oficiais e seus limites

No caso específico do BCB (2018b), o registro dos fluxos de investimento


direto estrangeiro adota o critério de ativos e passivos120, em que a identificação da
matriz e da subsidiária em transações dentro do mesmo grupo econômico não é
relevante, senão somente a identificação das residências das instituições credora e
devedora. A adoção deste novo critério, a partir de 2015, exige destaque, uma vez
que reclassifica os empréstimos intercompanhias realizados por filiais no exterior a
matrizes brasileiras121, antes computados na conta de saída de capitais e agora
incorporados como IDE entrante no país (BCB, 2015). As entradas de capital
representadas por empréstimos de filiais brasileiras a matrizes no exterior também
são reclassificadas, à medida que deixam de compor item da conta de entrada de IDE
para constituir acréscimo à saída de IDE122. A mudança de critério tem influência
somente sobre o Investimento Direto Estrangeiro registrado como empréstimos
intercompanhias. O BCB contabiliza um total de US$ 90 milhões em capitais chineses
que entram na economia brasileira sob esta modalidade, em 2010, oscilando para
US$ 253 milhões em 2011 e atingindo um pico de US$ 361 milhões em 2014, quando
passa a decrescer, voltando a US$ 21 milhões em 2017. Tais montantes chegam a
representar somente 0,68% do total de ingresso de Investimento Direto na forma de
empréstimos intercompanhias, no ano de 2011. Nos demais anos, o percentual é
sempre inferior.
A outra categoria que se desmembra do item Investimento Estrangeiro
Direto é a participação no capital, que se refere à aquisição, subscrição ou aumento
total ou parcial do capital social de uma empresa residente. Excluindo o reinvestimento

120 Para mais informações a respeito deste critério, consultar o conceito BPM6, disponível no site do
FMI, disponível em: https://www.bcb.gov.br/ftp/infecon/nm3bpm6p.pdf .
121 Segundo BCB (2015), o item “Filial no exterior a matriz no Brasil” soma US$ 24,2 bilhões em termos

líquidos, em 2014.
122 Neste caso, no entanto, o montante, em 2014, não fora tão expressivo, com cerca de US$ 461

milhões, em termos líquidos (BCB, 2015).


140

de lucros obtidos, o BCB (2018b) registra um pico de US$ 840 milhões invertidos a
partir da economia chinesa, como origem imediata do capital, em 2014. O valor
investido assume este patamar mais alto já a partir de 2010, quando alcança US$ 395
milhões, contra US$ 83 milhões, que foi o montante máximo desde 2001, observado
em 2009. A participação dos capitais chineses nesta categoria, em relação ao total,
chega a 1,49%, em seu ponto máximo, em 2014, quando o total invertido por todos os
países foi US$ 56,4 bilhões. A Figura 21 apresenta os dados relativos às duas
categorias – empréstimos intercompanhias e participação no capital, exceto
reinvestimentos de lucros -, no âmbito da metodologia de ativos e passivos,
considerando a origem imediata do capital, registrados pelo BCB (2018b):

Gráfico 21 - Ingressos de Investimento Direto Chinês ao


Figura 21 - Ingressos de Investimento Direto Chinês ao Brasil
Brasil
Critério de origem imediata do capital, por categoria de entrada, de 2001 a
2017, em US$ mi

1000 2,00%

800
1,50%
em US$ mi

600
1,00%
400
0,50%
200

0 0,00%
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Empréstimos intercompanhia (eixo esquerdo)


Participação no capital (eixo esquerdo)
% do total de empréstimos intercompanhia registrados para o Brasil (eixo direito)
% do total de Participação no Capital registrado para o Brasil (eixo direito)

Fonte: BCB (2018b). Elaboração própria.

Os registros do Banco Central brasileiro também contemplam uma


desagregação que combina a origem imediata do capital e o setor em que se ele se
estabelece. Infelizmente, os dados publicados pelo Banco Central são exclusivos para
a modalidade “Participação no capital” e oferecem um panorama desagregado por
setor apenas a partir do ano de 2010. Tais limitações não são preocupantes para o
escopo do trabalho pois, como se mostrará adiante, as insuficiências dos dados
oficiais do Banco Central para a análise proposta irão além destas questões, e os
problemas serão contornados com a consulta de outras fontes.
141

Se, num primeiro momento, há um protagonismo evidente dos segmentos


industriais, que, em 2010, recebem 93% dos capitais chineses sob a perspectiva em
questão, nos três anos seguintes, observa-se uma tendência oscilante, em que se
alterna a importância da recepção de capitais no setor de agricultura, pecuária e
extrativa mineral, de serviços e da própria indústria. A partir de 2014, no entanto, o
setor de Serviços assume a preponderância no recebimento de capitais, com um pico
do valor absoluto no próprio ano de 2014, quando registra a entrada de US$ 819 mi,
o maior valor para todos os setores e todos os anos desde o início da série.
Em relação à Participação no Capital registrada para todos os outros
países, verifica-se que a inversão chinesa nesta categoria apresenta, de acordo com
os dados do BCB (2018b), um perfil setorial bastante distinto. Dentre as diferenças,
assinala-se que, em 2010, os capitais chineses teriam tido, de forma relativa, maior
preferência pela indústria – ainda que os capitais dos outros países tenham se
direcionado predominantemente também para o setor. Em 2011, o setor de
agricultura, pecuária e extrativa mineral é o que recebe maior preferência relativa do
IDE chinês empenhado em Participação no Capital. De 2014 a 2017, é o setor de
Serviços que tem maior participação dentre os capitais chineses do que dentre os
capitais dos outros países. A Figura 22 apresenta estes dados, mostrando, nas barras
empilhadas, a distribuição dos capitais chineses para cada setor e, na área
sombreada, a distribuição dos capitais dos outros países para os três setores.
142

Figura 22 - Distribuição setorial dos ingressos de IDE ao Brasil


Categoria: Participação no Capital; IDE oriundo da China e IDE oriundo do restante
dos países, ambos sob critério de país de origem imediata do capital, de 2010 a
2017, em % do total

100%

90%

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Serviços (Capitais dos outros países, área sombreada)


Indústria (Capitais dos outros países, área sombreada)
Agricultura, pecuária e extrativa mineral (Capitais dos outros países, área sombreada)
Serviços (Capitais chineses, barra)
Indústria (Capitais chineses, barra)
Agricultura, pecuária e extrativa mineral (Capitais chineses, barra)
Fonte: BCB (2018b). Elaboração própria.

O perfil setorial do IDE chinês aqui analisado ainda não será encarado
como um indicador das características próprias do IDE chinês ao Brasil, seja em
função da existência de fatores limitantes dos dados do Banco Central – a
exclusividade da desagregação para Participação de Capital e a adoção do critério de
país de origem imediata -, seja devido ao patamar muito baixo de IDE registrado em
relação ao total de capitais entrantes no país, como se observa na Figura 23.
Com um patamar máximo de apenas 2,4% em relação ao total investido
pelo restante dos países, o que se deu no setor de Serviços, em 2014, há fortes
evidências de que o registro pelo BCB (2018b) representa os investimentos chineses
de forma enviesada, sugerindo que eles sejam incipientes – traço que poderá ser
143

colocado à prova mais adiante. Do ponto de vista do IDE total chinês, sem a
desagregação por setor, a participação máxima atingida nos anos analisados é de
somente 1,5%, em 2014. Para efeitos de comparação, os Países Baixos chegam a
participar com 38% do total em 2004123 e 25% em 2011. Os Estados Unidos, por sua
vez, participam com 20% em 2012 e 18% em 2013 e 2017. Ao lado dessas duas
regiões, estão Luxemburgo, Espanha, França e Suíça, como países de origem
imediata de capitais que se direcionaram ao Brasil na forma de aquisições,
subscrições e aumento do capital social de empresas residentes, de 2001 a 2014.
Dadas as características já mencionadas da base de dados em questão, tais
informações levantam duas hipóteses acerca dos países mencionados: 1) são, de
fato, países de residência de empresas que exportam capitais à economia brasileira,
as quais não utilizam largamente a prática de IDE realizado com participação de outros
países intermediários; 2) são países que abrigam Sociedades de Propósito Específico
(SPE) que intermediam investimentos de outras origens à economia brasileira.

Figura 23 – Relevância dos ingressos de IDE chinês frente ao IDE total


ao Brasil
Categoria: Participação no capital; de 2010 a 2017, em % do IDE total de IDE
recebido pelo Brasil

2,5%
2,0%
1,5%
1,0%
0,5%
0,0%
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Agricultura, pecuária e extrativa mineral Indústria Serviços

Fonte: BCB (2018b). Elaboração própria.

Dados do próprio Banco Central, apresentados no Relatório de


Investimento Direto no País (IDP) (BCB, 2016), que resulta do Censo de Capitais

123 Para este ano, há dados desagregados, como apresentado anteriormente.


144

Estrangeiros, alimentado pelo envio de dados por pessoas jurídicas que contam com
participação de capital estrangeiro em seu capital social124, indicam a impertinência
de se olhar para o critério de origem imediata do capital quando a intenção é avaliar a
dimensão e o perfil dos investimentos diretos chineses no Brasil. O relatório
mencionado indica que, se pela perspectiva do investidor imediato, os Países Baixos,
os Estados Unidos e Luxemburgo somam 51% do total da Posição de IDE no Brasil
por Participação no Capital em 2010 e em 2015, da perspectiva de controlador direto,
que consiste no rastreamento da origem primeira da residência da empresa
investidora125, o grupo de países indicado soma apenas 24% em 2010 e 28% em
2015. A posição de IDP126 da China, por sua vez, sai de cerca de US$ 1 bilhão, da
visão de investidor imediato, para US$ 8 bilhões, na visão de controlador final das
operações, em 2010 (BCB, 2018). Em 2015, a variação é de US$ 1 bilhão para US$ 9
bilhões (Figura 24). Ainda que o montante pareça ser pequeno em relação aos países
com maiores investimentos na economia brasileira, a China passa, em 2010, da
posição 34 para a posição 16, num ranking dos países com maiores posições de IDE
ao Brasil, comparando as visões de investidor imediato e controlador final. Em 2015,
verifica-se salto da posição 25 para a posição 14.

124 As entrevistas são conduzidas anualmente com “pessoas jurídicas sediadas no país, com
participação direta de não residentes em seu capital social, em qualquer montante e com patrimônio
líquido igual ou superior ao equivalente a US$ 100 milhões, em 31 de dezembro do ano-base; fundos
de investimento com cotistas não residentes e patrimônio líquido igual ou superior ao equivalente a
US$100 milhões, na posição de 31 de dezembro do ano-base, por meio de seus administradores; e
pessoas jurídicas sediadas no País, com saldo devedor total de créditos comerciais de curto prazo
(exigíveis em até 360 dias) concedidos por não residentes igual ou superior ao equivalente a US$10
milhões, em 31 de dezembro do ano-base” (BCB, 2018). Quinquenalmente, devem declarar o Censo,
as “pessoas jurídicas sediadas no País, com participação direta de não residentes em seu capital social,
em qualquer montante, na data-base 31 de dezembro; os fundos de investimento com cotistas não
residentes em 31 de dezembro, por meio de seus administradores; e as pessoas jurídicas sediadas no
País, com saldo devedor total de créditos comerciais de curto prazo (exigíveis em até 360 dias)
concedidos por não residentes, igual ou superior ao equivalente a US$1 milhão, em 31 de dezembro”
(BCB, 2018).
125 A partir dos contratos de câmbio (das transações registradas no Balanço de Pagamento) que

embasam a compilação dos fluxos de IDE registrados pela perspectiva do Investidor Imediato, o Banco
Central fez um esforço de identificar o controlador final de tais inversões para os anos de 2014 a 2017,
cruzando as informações da entrada de divisas com os microdados da pesquisa Censo.
126 Recorda-se que a “Posição de Investimento Direto” é influenciada por elementos como a variação

cambial e de índices de preço, além das próprias transações que se acumulam ao longo do tempo. O
cálculo da posição de IDP também leva em conta outras variações, que correspondem a uma variável
residual, a qual contempla reclassificações (quando, por exemplo, investimentos de portfólio se tornam
investimentos diretos, a partir do aumento do poder de voto do investidor) e discrepâncias estatísticas.
145

Figura
Gráfico 24
24 -- Posição
Posiçãodede IDE
IDE no no Brasil
Brasil porde
por país país de origem
origem
Categoria: Participação no capital; pelos critérios de investidor imediato e
controlador final, por países de origem selecionados, nos anos de 2010 e
2015, em US$ bi
200
163
160
em US$ bi

108 110
120
90 85
77 72
80 69
50
40 42 39
40 30 27 29 31 37
15 13 13 11 16 16 22 18 21
9
4 4 1 8 1
0
Países Bélgica Luxemburgo Estados Reino Unido França Espanha China
Baixos Unidos
Investidor Imediato (2010) Controlador Final (2010)
Investidor Imediato (2015) Controlador Final (2015)
Fonte: BCB (2018). Elaboração própria.

A grande diferença dos dados analisados pelas duas visões é explicada,


de acordo com o Relatório do BCB (2018) pela corriqueira prática de uso, pelas firmas
chinesas, de SPE’s lotadas em países intermediários para a realização dos
investimentos no Brasil. O BCB (2018) faz, através dos microdados do Censo e do
rastreamento dos contratos de câmbio associados às operações, comparados às
operações de IDE chinês identificadas da perspectiva de controlador final, uma
estimativa da porcentagem da posição de Investimento Direto chinês canalizada por
meio destes países terceiros – os quais são registrados como origem das transações
quando o IDE é analisado pela perspectiva do investidor imediato. Entre 2010 e 2016,
esta porcentagem variou entre 83% e 94% (Figura 25), indicando uma relevante
discrepância do universo de IDE chinês verificado pelas duas visões em questão. O
principal país ao qual o IDE chinês é encaminhado antes de aportar à economia
brasileira é Luxemburgo que, de acordo com o BCB (2018), teria intermediado 91%
da posição de IDE da China ao Brasil em 2010 e 66% em 2015.
146

Figura
Gráfico25
25- -Relevância
Relevânciade
depaíses
paísesintermediários
intermediáriosna
naPosição
Posiçãodo IDE chinês ao
Brasil
do IDE chinês ao Brasil
Categoria: Participação no Capital, pelas óticas de investidor imediato e
controlador final, de 2010 a 2016, em US$ bi e em % do IDE chinês total

12,2 12,0 100%


11,5
12,0
9,8 95%
10,0 94% 8,6
93% 93%
8,0 91% 90%
88%
6,0 7,9 9,3
85%
83% 84%
4,0
2,0 80%
2,0 0,6 0,9 0,7 1,4 1,4
0,6
- 75%
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

China como origem imediata


China como controladora final
Posição de IDE chinês ao Brasil canalizada por países intermediários

Fonte: BCB (2018). Elaboração própria.

Os dados do BCB (2018) permitem, ademais, algumas considerações


adicionais acerca do IDE chinês. Do ponto de vista do investidor imediato, a China
passa a ter, em 2014, uma posição de IDE expressiva em Atividades Financeiras, de
Seguro e Serviços Relacionados (de acordo com Seções da Classificação CNAE 2.0),
com um montante observado de US$ 1,35 bilhão, bem acima do verificado nos anos
anteriores, quando o país alcançou uma posição de, no máximo, US$ 131 milhões,
em 2010. A comparação desta situação com os dados relativos à perspectiva de
controlador final nos traz uma conclusão – a de que um importante aporte de capital
fora realizado nestes ramos de atividade em 2014 ou 2013 (ano para o qual não há
dados disponíveis de IDE chinês), com direcionamento direto de capitais da China ao
Brasil, sem o uso de países intermediários, já que, para os dados em que a China
consta como controladora final do capital exportado ao Brasil, a posição destas
mesmas atividades para 2014 tem praticamente o mesmo valor (Tabela 8).
O mesmo ocorre com a seção Eletricidade e Gás da CNAE 2.0, que assume
uma posição de IDE, com a China como investidora imediata, de US$ 743 milhões em
147

2015, depois de uma posição de apenas US$ 12 milhões em 2014. Para este caso,
no entanto, há uma diferença. O patamar ainda mais alto da posição de IDE no âmbito
da análise por controlador final – de US$ 2,7 bilhões, em 2015 -, desautoriza a
conclusão de que as operações de exportação de capitais para o setor tenham se
dado predominantemente sem a participação de países intermediários. Aqui, houve
inversões que passaram por países terceiros e inversões que se dirigiram diretamente
da China ao Brasil (Tabela 8). Para este caso em específico, que representa
diferenças bem expressivas entre as duas visões de país origem dos investimentos,
suspeita-se, a despeito da falta de informações desagregadas, que os valores de
US$ 2,7 bilhões, US$ 4,2 bilhões e US$ 13,05 bilhões sejam devidos, principalmente,
a operações realizadas pelas chinesas State Grid e China Three Gorges (CTG),
dentre as quais estão a compra de sete transmissoras de energia controladas pela
empresa Plena, do direito de construção das linhas de transmissão da Usina de Belo
Monte e de participações da CPFL (State Grid), e a aquisição de quase todo o capital
social da empresa Duke Energy e do direito de operação das hidrelétricas de Jupiá e
Ilha Solteira, com será apresentado mais adiante.

Tabela 8 - Posição anual de IDE chinês ao Brasil nas principais seções


(CNAE 2.0)
Por controlador final e investidor imediato, em US$ bi, de 2010 a 2017

Fonte: BCB (2018). Elaboração própria.

Em resumo, pode-se dizer que, pelos dados do BCB (2018), a China


inverteu a maior parte de seus capitais ao Brasil, na forma de participação no Capital
148

e como controladora final das operações, nos segmentos da Indústria Extrativa, até
2014 (alcançando a posição de US$ 9,24 bilhões, neste ano) – setor que manteve
uma posição alta de investimentos até 2017 (US$ 5,08 bilhões). A partir de 2015, com
o declínio da posição de inversões neste conjunto de atividades, observa-se o
aumento do aporte de capitais em Eletricidade e Gás, com grande salto da posição
de IDE em 2017, quando o patamar chega a US$ 13,05 bilhões, o ponto máximo do
período analisado dentre todas as atividades econômicas. Em Eletricidade e Gás,
novamente, os aportes foram feitos com a utilização de países intermediários, já que
a tendência observada da perspectiva da China, como controladora final dos
negócios, não se mantém da perspectiva do país asiático enquanto investidor direto.
As inversões da China como investidora direta, isto é, sem o uso de países
intermediários, recebem destaque, por sua vez, no setor de Atividades Financeiras,
de Seguros e Serviços Relacionados, cuja posição de IDE cresce razoavelmente a
partir de 2014, alcançando, como mencionado, o montante de US$ 1,35 bilhão e
depois oscilando negativamente, até US$ 0,94 bilhão, em 2017. Consultando os
dados a respeito do fluxo de IDE anual para cada setor (BCB, 2018b), verifica-se a
entrada bruta de US$ 778 milhões em Serviços Financeiros e Atividades Auxiliares
em 2014, o que pode corresponder à compra da fatia de 72% do Banco Industrial e
Comercial AS (BicBanco) pelo China Construction Bank127.
O Relatório de IDP de 2018 do BCB (2018c) apresenta dados relativos ao
ingresso líquido de investimentos diretos estrangeiros chineses, sob o critério de
controlador final da empresa inversora. A Figura 26 compara os montantes
ingressados no Brasil com aqueles contabilizados pela perspectiva do investidor
imediato, que segue as normas internacionais e compatibiliza-se com os dados do
Balanço de Pagamentos. Segundo as estimativas do BCB (2018c), há um claro pico
de investimentos conduzidos por empresas chinesas em 2017, os quais se
apresentam, predominantemente, na forma de capitais mediados por países terceiros.
Ademais, no período representado, percebe-se evidente concentração de inversões
no setor de eletricidade (Figura 27), o que corrobora a análise supramencionada que
destacou a elevação da Posição de IDE chinês em 2017, via investimentos por países
intermediários.

127 Fonte: Estadão (2013)


149

Gráfico2626
Figura - China
- China comocomo controladora
controladora final eimediata
final e origem origemdos Ingressos
imediata de
líquidos dosIDEIngressos
ao Brasillíquidos de IDE ao Brasil
De 2014 ao 1º semestre de 2018 , em US$ bi

12 11,2

10

8
em US$ bi

6
4,2
4
2,1 2,3
2 1,2 0,9
0,4 0,4 0,4 0,3
0
2014 2015 2016 2017 2018

Controlador Final Investidor imediato

Fonte: BCB (2018c). Elaboração própria.

Gráfico2727- Ingressos
Figura - Ingressosbrutos
brutosdedeIDE
IDEchinês
chinêspor
porsetor
setordedeatividade
atividade
Critério de Controlador final, acumulado de 2014 ao 1º semestre de 2018

Demais; 13%
Serviços Financeiros;
9%

Petróleo e Gás; 5%
Eletricidade; 64,80%
Produtos Químicos; 4%

Eletrônicos; 3,70%

Fonte: BCB (2018c). Elaboração própria.

Além da expressiva diferença dos dados das duas visões – controlador final
e investidor imediato -, já explicitada do ponto de vista da Posição do IDE por Figuras
anteriores, é relevante frisar o interesse da presente dissertação em dois tipos de
informação, as quais receberão atenção nas seções que seguirão. Primeiramente, os
dados relativos ao ingresso – e não à posição – de IDE, uma vez que, desta forma,
150

torna-se mais clara a análise acerca do comportamento dos capitais chineses


entrantes no país, livre de eventuais efeitos da variação cambial e dos preços, bem
como de outras variáveis, como discrepâncias estatísticas. O segundo tipo de
informação pelo qual este trabalho se interessa é aquele que identifica o IDE pelo
critério de controlador final da empresa inversora, na linha dos esforços empreendidos
pelo Banco Central, nas estatísticas apresentadas paralelamente aos dados oficiais.
Mais uma vez, os estudos que serão discutidos a seguir esforçam-se no sentido de
identificar tais transações, não se atendo, seja por meio de cruzamento de dados ou
rastreamentos na imprensa especializada, às origens oficialmente registradas para
cada operação de IDE, pelos órgãos governamentais.

4.3.2.Rastreamento do IDE chinês: dados extraoficiais

Se dados oficiais acerca de IDE apresentam relevantes limitações para se


compreender o movimento de capitais da China ao Brasil, vários autores e instituições
atuam no sentido de rastrear os dados atinentes ao tema por meio de monitoramento
de imprensa especializada, consulta a órgãos governamentais e pesquisas junto a
empresas partícipes deste movimento. Kupfer & Freitas (2018) fazem parte desta
gama de atores interessados em compreender o fenômeno e conduzem um amplo e
sólido estudo para, a partir de quatro outras bases de dados consolidadas, construir
uma relação própria de operações de IDE que supere os problemas apresentados na
seção anterior.
Os esforços do estudo de Kupfer & Freitas (2018) atuaram no sentido de
incorporar os trabalhos já realizado pela Red ALC, pelo Conselho Empresarial Brasil-
China (CEBC), pela fDi Markets e pela China Global Investment Tracker (CGIT) –
instituições que praticam permanentemente o monitoramento do IDE chinês em fontes
extraoficiais -, resultando na composição do que eles chamaram de Base GIC, que
contempla fluxos de IDE identificados a partir do critério de país controlador final da
empresa inversora, abrangendo operações greenfield e Fusões e Aquisições que
deem ao comprador poder de voto significativo, correspondente a 10% ou mais do
capital social da empresa vendedora. Os autores mencionados também se
preocuparam em eliminar as duplicidades encontradas entre as fontes utilizadas e
151

corrigir eventuais imprecisões, seja em relação à classificação indevida de transações


como Investimento Direto Estrangeiro, seja com referência à alocação equivocada de
inversões em determinados setores produtivos.
As próximas seções apresentarão o estudo de Kupfer & Freitas (2018) e
oferecerão, adicionalmente, a descrição das principais operações identificadas, as
quais não foram integralmente publicadas no artigo original dos autores.
Posteriormente, intenciona-se incrementar os esforços por eles empreendidos a partir
da: 1) incorporação, para o próprio período tratado pela base GIC (de 2010 – 2016),
de informações derivadas de uma nova fonte de dados; 2) atualização dos status de
operações que, até a data de elaboração do artigo, não haviam sido consideradas
como realizadas e que, sob consulta de matérias divulgadas pela imprensa, foram
atestadas como efetivamente confirmadas; 3) inclusão, baseada nas quatro bases de
dados originalmente utilizadas e naquela incorporada por esta dissertação, de
transações de IDE chinês ao Brasil para os anos de 2017 e 2018; e 4) apresentação
de um recorte analítico novo, correspondente à distribuição geográfica das inversões.

4.3.2.1. Base GIC

As principais conclusões alcançadas pela Base GIC consistem na


avaliação de que o IDE chinês ao Brasil, do ano de 2010 a 2016, direciona-se
prioritariamente ao setor industrial, concentra grande parte de seu valor em poucas
operações, apresenta-se predominantemente sob a forma de Fusões e Aquisições e
tem um perfil horizontal, isto é, de destino a setores em que as empresas chinesas
inversoras já atuam (KUPFER & FREITAS, 2018). Segundo os autores, as inversões
não geram tantos empregos como se imaginava, o que se dá em função do baixo valor
acumulado em operações greenfield. Apesar disso, o valor anual tem se tornado
gradativamente mais relevante. Há, no entanto, uma série de detalhamentos que
podem ser feitos a partir do estudo.
Do ponto de vista da distribuição setorial, mostra-se que a predominância
do IDE à indústria – setor que absorve 94% do valor registrado (Figura 28), equivalente
a US$ 41,1 bilhões, e 64% da quantidade de operações, equivalente a 47 transações
152

– se divide em três principais subsetores: Indústria Extrativa, Indústria de Eletricidade


e Gás e Indústria de Transformação.

Gráfico2828- Distribuição
Figura - Distribuiçãosetorial
setorialde
defluxos
fluxosde
deIDE
IDEChinês
Chinêsao Brasil
ao Brasil
De 2010 e 2016, de acordo com base GIC

Indústrias
Extrativas
48%

Serviços Indústria de
Indústria Transformação
6% 94% 4%

Eletricidade e Gás
42%

Fonte: Kupfer & Freitas (2018). Elaboração própria.

A primeira delas sustenta a liderança da recepção de inversões chinesas


no início do período estudado, somando, ao longo dos seis anos, 48% do valor total
investido (US$ 20,9 bilhões), o qual se apresenta, majoritariamente, sob a forma de
grandes operações de Fusão e Aquisição (9 transações, no total) nas atividades de
Extração de Petróleo e Gás Natural (37,6% do valor total de IDE chinês ao Brasil no
período – ou US$ 16,5 bilhões) e Extração de Minerais Metálicos (10,1% do valor total
– ou US$ 4,4 bilhões), especialmente não-ferrosos. Destacam-se, dentre as empresas
inversoras, as petrolíferas chinesas – CNPC128, CNOOC129, Sinopec e Sinochem, que
investiram, respectivamente, US$ 1 bilhão, US$ 750 milhões, US$ 11,9 bilhões e
US$ 3,1 bilhões -, e as empresas de exploração de minerais - China Molybdenium e
China Niobium, que inverteram US$ 1,7 bilhão e US$ 1,95 bilhão, respectivamente
(Tabela 9 e 10). A ocorrência de grandes aportes de capital nestes segmentos sinaliza,
nas inversões chinesas ao Brasil, um dos traços cruciais do processo de
industrialização chinesa discutido nos primeiros três capítulos deste trabalho, qual

128 China National Petroleum Corporation.


129 China National Offshore Oil Corporation.
153

seja a histórica dependência por matérias primas e recursos energéticos que, à


semelhança do suprimento alimentar, abordado com mais frequência até aqui, têm
grande capacidade de impor gargalos ao desenvolvimento da estrutura produtiva
chinesa. Com uma grande desproporção entre o tamanho da população e a
disponibilidade de recursos naturais e para geração de energia, o país asiático parece
ter eleito o Brasil como uma das fontes capazes de lhe fornecer matérias primas que
permitam sustentar o dinamismo industrial, em especial, dos segmentos da Indústria
pesada. Assegurar controle sobre a exploração de tais recursos é, por seu lado, uma
forma de mitigar riscos associados aos seus preços e a eventuais bloqueios e
restrições comerciais que possam impedir o acesso a eles.

Tabela 9 - Operações de IDE chinês ao Brasil, setor de Extração de


Petróleo e Gás Natural, registradas pela Base GIC, de 2010 a 2016

Extração de Petróleo e Gás Natural


Empresa Chinesa Operação Valor (US$ mi) Descrição

Sinochem F&A 3.070 Compra de 40% do campo de petróleo de Peregrino, na Bacia de Campos

Aquisição do direito de exploração da campo de petróleo de Libra, na Bacia de Santos, em


CNPC Joint-Venture 750
consórcio com CNOOC, Petrobrás e Total.
Aquisição do direito de exploração da campo de petróleo de Libra, na Bacia de Santos, em
CNOOC Joint-Venture 750
consórcio com CNPC, Petrobrás e Total.

Sinopec Group F&A 7.100 Compra de 40% da subsidiária brasileira da Repsol à Sinopec

Sinopec Group F&A 4.800 Compra de 30% da Petrogal Brasil, do grupo Galp, pela Sinopec

Fonte: Valores retirados da Base GIC, em Kupfer & Freitas (2018).

Tabela 10 - Operações de IDE chinês ao Brasil, setor de Extração de


Minerais Metálicos, registradas pela Base GIC, de 2010 a 2016

Extração de Minerais Metálicos


Empresa Chinesa Operação Valor (US$ mi) Descrição
Aquisição da CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, pelo consórcio China
China Niobium Investment
F&A 1.950,00 Niobium Investment Holding Co, formado pelas empresas Taiyuan Iron and Steel, CITIC Group e
Holdings
Baoshan Iron and Steel (Baosteel).
China Molybdenum F&A 1.700,00 Aquisição das operações da empresa britânica Anglo American, de nióbio e fosfato.

Wisco F&A 400,00 Aquisição de 21,5% da MMX pela siderúrgica Wisco (Wuhan Iron and Steel Co.).

Compra de projeto integrado, que contempla implantação de uma mina no município de Grão
Mogol-BA, usina de beneficiamento de minério, mineroduto de 500 quilômetros e instalação
portuária em Ilhéus-BA. A vendedora é a Sul Americana Metais. A empresa chinesa fará os
Honbridge Holdings F&A 390,00
investimentos necessários para desenvolvimento e implantação e a Votorantim ficará
responsável pela gestão operacional do projeto. O controle acionário da Sul Americana passará à
Honbridge durante a construção.

Fonte: Valores retirados da Base GIC, em Kupfer & Freitas (2018).


154

O subsetor de Indústria de Eletricidade e Gás, por sua vez, concentra, ao


total, 42% do IDE chinês identificado (US$ 18,2 bilhões), em apenas 14 transações.
Dentro deste subsetor, preponderam as atividades de Geração, Transmissão e
Distribuição de Energia Elétrica, que somam US$ 18,2 bilhões de IDE em projetos da
China Three Gorges (CTG) (US$ 6,5 bilhões) e da State Grid (US$ 11,7 bilhões),
conforme indica a Tabela 11. Neste subsetor, também predominam as operações de
Fusão & Aquisição, que somam quase US$ 14,2 bilhões, contra apenas US$ 2,2
bilhões em operações greenfield e US$ 1,8 bilhão em joint ventures, para aquisição
de lotes em leilões.
Aqui, intui-se que o interesse chinês possa estar voltado para ganhos
associados ao potencial energético hidrelétrico – mas também eólico - brasileiro, o
que compreende operações no âmbito da estratégia de expansão das duas empresas
envolvidas. Não se descarta a hipótese, no entanto, de que o alto valor de
investimentos também seja parte de uma estratégia de controle de fontes energéticas
de âmbito mundial, que conceda à China uma posição privilegiada no que tange a
disputas geopolíticas, sob o entendimento da importância de recursos desta natureza
– e do poder de barganha decorrente de seu comando – para os processos de
desenvolvimento econômico. Vale recordar a histórica preocupação do país asiático
em assegurar plenas condições para a transformação de sua estrutura produtiva,
tratando a questão energética como elemento de grande centralidade, desde os
primeiros esforços industrializantes do período maoísta, quando o I Plano Quinquenal
trouxe uma série de investimentos no setor, até os anos mais recentes, que, frutos de
um processo de adensamento produtivo e alargamento e transformação da indústria
– antes concentrada na produção de bens leves e, depois, de bens mais complexos –
é próprio das necessidades de consumo de uma enorme população aglomerada em
enormes cidades.
155

Tabela 11 - Descrição das operações de IDE chinês ao Brasil, setor de


Geração, Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica, registradas
pela Base GIC, de 2010 a 2016

Eletricidade, Gás e outras utilidades


Empresa Chinesa Operação Valor (US$ mi) Descrição
State Grid F&A 1.720,00 Compra de sete transmissoras de energia controladas pela Plena Transmissoras
State Grid F&A 942,00 Aquisição de sete linhas de transmissão da espanhola ACS
Construção e operação conjunta com a empresa Copel do sistema de transmissão que irá
State Grid Joint-Venture 750,00
conectar as usinas hidrelétricas do rio Teles Pires ao sistema elétrico nacional
China Three Gorges F&A 187,00
Aquisição, junto à EDP, de 49% de 11 parques eólicos, de 50% das Hidrelétricas de Santo Antônio
China Three Gorges F&A 383,00 do Jari e de Cachoeira Caldeirão e de 33% da Empresa de Energia São Manuel, que detém direito
de construção da hidrelétrica de São Manuel.
China Three Gorges F&A 116,00

China Three Gorges F&A 521,00 Aquisição de 100% da Triunfo Negócios de Energia, o que inclui as usinas de Salto e de Garibaldi.

China Three Gorges F&A 1.200,00 Aquisição de 99,06% do capital da Duke Energy e de sua subsidiária no Brasil
China Three Gorges F&A 4.132,00 Aquisição de direito de operação das hidrelétricas de Jupiá e Ilha Solteira
Aquisição de direito de construção da linha de transmissão a partir da Usina de Belo Monte (a
State Grid Joint-Venture 1.064,00
State Grid representa 51% do consórcio ganhador)
State Grid F&A 4.077,00 Aquisição de 54,64% das ações da CPFL Energia
State Grid F&A 910,00 Aquisição de 99,94% das ações da CPFL Renováveis*
State Grid Greenfield 102,00 não identificado na imprensa
State Grid Greenfield 2.096,00 não identificado na imprensa
* Esta operação foi alvo de embróglio jurídico e teve seu valor corrigido em 2018, após contestação dos acionistas minoritários sobre o valor original de venda
Fonte: Valores retirados da Base GIC, em Kupfer & Freitas (2018).

A Indústria de Transformação absorveu uma parte reduzida do IDE


destinado à indústria, com apenas 5% do valor deste setor ou 4% do valor dos
investimentos totais (US$ 1,9 bilhão), os quais se distribuíram em 24 transações de
menor montante. As inversões se repartiram em seis divisões da classificação CNAE
– Fabricação de Produtos Químicos; Fabricação de Equipamentos de Informática,
Produtos Eletrônicos e Ópticos; Fabricação de Máquinas, Aparelhos e Materiais
Elétricos; Fabricação de Máquinas e Equipamentos; Fabricação de Veículos
Automotores, Reboques e Carrocerias; e Fabricação de Outros Equipamentos de
Transporte, exceto Veículos Automotores. Três destas divisões, as quais acumularam
US$ 1,4 bilhão, chamam a atenção por consistirem em segmentos que
protagonizaram o ganho de complexidade da indústria chinesa, tratada no Capítulo III
deste trabalho. São eles: fabricação de equipamentos de Informática, Produtos
Eletrônicos e Ópticos, fabricação de máquinas e equipamentos e fabricação de
equipamentos de transporte. Se a estratégia chinesa passou por migrar sua estrutura
produtiva para atividades mais complexas, com maior intensidade tecnológica e valor
agregado, reduzindo, com a produção de bens de capital, seja equipamentos de
transporte, seja máquinas, em geral, sua dependência por importações, os reflexos
do sucesso deste caminho apresentam-se na forma de parte dos investimentos para
a economia brasileira, os quais foram proporcionados pela emergência de
conglomerados capazes de investir internacionalmente nestes grupos de atividade.
156

Tais operações podem ser vistas como tentativas de aproveitar o extenso mercado de
consumo brasileiro e latino-americano, em geral, nos quais a inserção de montadoras
chinesas, para o setor automotivo, por exemplo, ainda é incipiente, e instalar
estruturas de oferta mais próximas às fontes de matéria prima, as quais são
normalmente transportadas como importações ao território chinês.
Ao contrário das outras seções industriais já apresentadas, na Indústria de
Transformação predominou a criação de nova capacidade produtiva, que somou
US$ 1,5 bilhão. Tal modo de entrada sugere potenciais de criação de emprego e de
estímulo ao desempenho da economia. As Fusões e Aquisições totalizaram apenas
US$ 227 milhões, e mais uma operação de valor não informado, realizada pelo Tide
Group, em aquisição da Prentiss Química. O estudo de Kupfer & Freitas (2018)
classifica outras 8 operações apenas como joint ventures, as quais somam US$ 213
milhões. Dentre elas, estão planos para criação de nova capacidade produtiva, mas
também aquisições acionárias. Destacam-se, na Indústria de Transformação, as
operações relacionadas à fabricação de veículos automotores, reboques e
carrocerias, que consistiram em investimentos da ordem de US$ 876 milhões, dos
quais apenas US$ 57 milhões, concentrados em uma operação, não corresponderam
à criação de nova capacidade produtiva. Apesar do perfil que sugere um interessante
cenário à economia brasileira, superando os investimentos que representam apenas
troca de controlador dos negócios, os valores tanto da Indústria de Transformação,
como um todo, como de sua principal divisão – a fabricação de veículos automotores
– mostram-se bem inferiores àqueles observados nas indústrias extrativa e de
eletricidade e gás, pelo menos durante o período analisado. Em termos de transações
individuais, a Chery Automobile foi responsável pela principal inversão, no valor de
US$ 400 milhões, quando da instalação de uma fábrica de automóveis em Jacareí,
que representou sua entrada no mercado brasileiro. Outras transações de maior valor
são apresentadas na Tabela 12.
157

Tabela 52 - Descrição das operações de IDE chinês ao Brasil, setor de


Indústria de Transformação, registradas pela Base GIC, de 2010 a 2016
Indústria de Transformação
Empresa Chinesa Operação Valor (US$ mi) Descrição
Chery Automobile Greenfield 400,00 Construção de fábrica em Jacareí para entrada no mercado brasileiro
BBCA Group Greenfield 320,00 Fábrica para processamento de milho em MS
Shaanxi Automobile Group (SAG) Greenfield 200,00 Fábrica para produção de caminhões em Tatuí-SP
XCMG Construction Machinery Greenfield 200,00 Fábrica em Pouso Alegre-MG para fabricação de máquinas de construção
Compra de 100% da empresa CCE. O negócio foi desfeito, sem qualquer devolução de valores
Lenovo F&A 150,00
financeiros, em 2015.
Beiqi Foton Motors Greenfield 116,00 Fábrica de Caminhões em Guaíba
BYD Greenfield 85,00 Fabricação de ônibus elétricos em Campinas-SP
Formação de Joint-Venture, junto à Carrier, para fabricação de equipamentos de ar-
Mídea Group F&A / Joint Venture 73,00
condicionado
Shineray Greenfield 65,00 Fabricação de motocicletas em Cabo de Santo Agostinho-PE
Zotye F&A 57,00 Aquisição da empresa TAC Motors
BYD Greenfield 45,00 Fábrica de painéis solares em Campinas-SP
Fonte: Valores retirados da Base GIC, em Kupfer & Freitas (2018).

Ao lado da Indústria, o outro setor que recebeu aporte de capitais chineses


foi o de Serviços, que somou US$ 2,8 bilhões em investimentos, ou 6% do total. As
transações caracterizaram-se por inversões de baixo montante – US$ 102 milhões em
média –, superior apenas àquelas recebidas pela Indústria de Transformação. Quanto
à natureza dos negócios, pode-se perceber dois padrões distintos. Um conjunto de 15
operações de criação de nova capacidade produtiva foi anunciado com pequenos
valores invertidos, que variaram entre US$ 1 milhão e US$ 100 milhões. Deste total,
13 somavam apenas US$ 58 milhões, acrescidos de outros dois, de US$ 60 milhões
e US$ 100 milhões. Outro conjunto foi marcado por um número inferior de transações
de Fusão & Aquisição – 13 operações com alto valor unitário, das quais as três
maiores somavam US$ 1,7 bilhão e as sete maiores somavam US$ 2,4 bilhões. Duas
operações de F&A não tiveram o valor identificado.
Dentre as divisões receptoras do IDE, tem-se uma grande diversificação,
com destaque para Atividades Financeiras, de Seguros e Serviços Relacionados, com
seis operações – das quais, cinco Fusões e Aquisições - de valor médio intermediário
(alto, para o setor de Serviços, mas não tão alto em relação às inversões na Indústria
Extrativa), e para Transporte, Armazenagem e Correio, que concentrou apenas 3
operações de valor também intermediário (duas Fusões & Aquisições de maior
montante e uma operação greenfield de menor montante). As Atividades Financeiras,
de Seguros e Serviços Relacionados somaram US$ 1,5 bilhão, enquanto Transporte,
Armazenagem e Correio somaram US$ 905 milhões. Além dessas divisões,
Comércio, Reparação de Veículos Automotores e Motocicletas; Informação e
Comunicação; e Atividades Profissionais, Científicas e Técnicas também registraram
158

inversões diretas chinesas, somando um total de US$ 387 milhões, dos quais US$ 300
milhões foram Fusões & Aquisições, concentradas em apenas 2 operações. A Tabela
13 mostra os principais investimentos, pelo critério de valor, para as modalidades de
Fusão & Aquisição e greenfield:

Tabela 13 - Descrição das operações de IDE chinês ao Brasil, setor de


Serviços, registradas pela Base GIC, de 2010 a 2016
Serviços
Empresa Chinesa Operação Valor (US$ mi) Descrição
China Construction Bank F&A 810,00 Compra de 72% do BicBanco
HNA Group F&A 450,00 Compra de 23,7% da Azul Linhas Aéreas
Venda da Nova Transportadora do Sudeste (NTS), da Petrobras para a Brookfield Infrastructure
China Investment Corporation (CIC) F&A 441,00 Partners (BIP) - consórcio do qual faz parte a British Columbia Investment Management
Corporation, a GIC Private Limited e a CIC Capital Corporation, chinesa.
Hunan Dakang Pasture Farming F&A 200,00 Compra de 57% da Fiagril Ltda, de MT
China Investment Corporation (CIC) F&A 200,00 Compra de 18,6% do BTG Pactual por consórcio internacional, do qual faz parte a CIC
Compra de Portfólio da Hemisfério Sul Investimentos, empresa de ativos de logística, por
China Investment Corporation (CIC) F&A 183,00
Consórcio Internacional do qual faz parte a CIC
Bank of Communications F&A 157,00 Compra de 80% do Banco BBM
China Communications Construction Company (CCCC) F&A 100,00 Compra de 80% da Concremat Engenharia
Industrial and Commercial Bank of China (ICBC) Greenfield 100,00 Entrada do Banco no Brasil. O escritório fica em SP
Huawei Technologies Greenfield 60,00 Construção de Centro de Logística em Sorocaba-SP
China Shipping Greenfield 15,00 Abertura de subsidiária em São Paulo-SP

Greenfield 9,00 Aporte para lançamento de primeiros produtos no Brasil. Os negócios foram encerrados em 2018
Baidu
Fonte: Valores retirados da Base GIC, em Kupfer & Freitas (2018).

A agropecuária, segundo Kupfer & Freitas (2018) não concretizou recepção


de investimentos chineses no período de 2010 a 2016, embora tentativas tenham sido
empenhadas por empresas chinesas, as quais foram frustradas em função de
restrições legais para a compra de terras por estrangeiros no Brasil, que vigoraram no
país a partir do final da década de 2000 e início da década seguinte. A atualização
dos dados para 2017 e 2018 voltará a discutir este setor.
O universo de 74 operações de IDE chinesas para o Brasil identificadas
pelo estudo de Kupfer & Freitas e registradas em sua base de dados – GIC – soma
um total de US$ 43,9 bilhões investidos, desconsiderando quatro transações que não
tiveram os valores publicados. Tal conjunto pode ser analisado setorialmente, como
se fez na seção anterior, mas também por outras perspectivas, a saber, por sua
distribuição temporal, sua quantidade de transações ou empresas inversoras, seu
valor médio por operação, a natureza de sua entrada – greenfield ou F&A – e sua
alocação regional.
Vale o comentário de que a investigação de Kupfer & Freitas (2018) listou,
inicialmente, um total de 145 operações, das quais 23, num valor total de US$ 4,8
bilhões, foram identificadas como não realizadas; 29 (US$ 8,4 bilhões) como apenas
anunciadas; e 19 (US$ 1,5 bilhões) como desprovidas de informações suficientes para
159

se atestar sua efetiva realização. Partindo, no entanto, do universo de operações


consideradas como realizadas, apresenta-se, adiante, alguns dos recortes possíveis
para se traçar o perfil do IDE chinês ao Brasil, de 2010 a 2016, de acordo com a Base
GIC.
Do ponto de vista temporal, ressalta-se, com base nos próprios autores do
trabalho, que imprecisões podem existir, em função da dificuldade de se rastrear, além
das operações, o cronograma de gastos empenhados pelas empresas inversoras. Se
uma transação de F&A pode se dividir em desembolsos parcelados, de acordo com
contrato firmado junto à empresa objeto de compra, uma operação greenfield
certamente consistirá num grupo de gastos dispersos ao longo do tempo, os quais
dependem de elementos atrelados à dinâmica e aos desejos da própria empresa
inversora, dificilmente publicados pela imprensa especializada ou divulgados pela
própria companhia. Atrasos, cancelamentos de etapas da obra e imprevistos também
são componentes com potencial de distorção do comportamento temporal do IDE
analisado. Admite-se o cenário traçado pelo estudo, contudo, como uma estimativa
ou, ao menos, como uma proxy da efetivação das decisões tomadas pelas empresas
chinesas, que dependem, evidentemente, de fatores conjunturais próprios do
momento em que o IDE é oficializado. Não se deve entender a análise temporal como
o ritmo de entrada dos capitais estrangeiros na economia brasileira – para tal
interpretação, os dados do Balanço de Pagamentos, embora impertinentes se a
análise focar o IDE chinês, exclusivamente, são mais adequados.
Do total de US$ 43,9 bilhões, quase um terço é registrado no primeiro ano
de análise – 2010. Após um decréscimo das inversões a partir de 2012, o ano de 2015
volta a apresentar a entrada de altos valores, o que pode sinalizar o rastreamento,
nos anos posteriores a 2016, também de um volume expressivo de investimentos
chineses, a se verificar na próxima seção. É valiosa a observação de que o perfil do
IDE se mantém predominantemente industrial desde o início, mas que o Setor de
Serviços, com valores irrisórios nos dois primeiros anos, multiplica as entradas por
mais de 5 vezes nos dois anos seguintes (2012 e 2013) e por mais de 17 vezes nos
dois últimos anos (2015 e 2016). Analisemos mais de perto o que acontece na
Indústria e em Serviços.
A Indústria é a grande responsável pela queda do IDE chinês entre 2012 e
2014, em especial porque o forte surto de inversões na Extração de Petróleo e Gás –
mas também de Minerais Metálicos -, os quais consistiram, na realidade, em poucas
160

transações, como se verá adiante, não se repete nos anos seguintes, apresentando
queda já de 2011 em relação a 2010. Em 2015 e 2016, no entanto, a queda é
parcialmente compensada por um aumento significativo da entrada de capitais em
Eletricidade e Gás, provocando a retomada do IDE chinês. Os investimentos na
Indústria de Transformação, durante todo o período, foram de pequena monta,
atingindo apenas 2% do total, em valor, no ano de 2013, quando teve seu pico.
Em Serviços, por outro lado, pode-se identificar dois momentos. Com a
ressalva de que os investimentos no setor representaram uma pequena parte do total,
há, em 2012 e 2013, uma leve concentração de inversões em Atividades Financeiras,
de Seguros e Serviços Relacionados e, em 2015 e 2016, em Transporte,
Armazenagem e Correio.
Em suma, pode-se traçar um perfil, de 2010 a 2016, de um surto inicial de
investimentos em Extração de Petróleo e Gás, seguido do crescimento
proporcionalmente menor dos investimentos em Eletricidade e da aparição tímida de
IDE em Indústria de Transformação e Serviços, especialmente financeiros (Figura 29).

Figura
Gráfico2929
- Fluxo de IDE
- Fluxo de chinês ao Brasil,
IDE chinês por setores,
ao Brasil, seções e divisões
por setores,
selecionados (CNAE
seções e divisões 2.0)
selecionados (CNAE 2.0)
De 2010 a 2016, em % do total

25% 23%

20%
16%
14%
15%
11%
10%

4% 4% 4% 2%3% 4% 0% 4%
5% 0% 0% 1%
2% 2% 1% 0% 2%
1% 0% 1% 0% 0% 0% 0% 0%
0% 0% 0% 0% 0% 0% 0%
0%
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Eletricidade e Gás Indústria de Transformação


Serviços Extração de Petróleo e Gás Natural
Extração de Minerais Metálicos
Fonte: Kupfer & Freitas (2018). Elaboração própria.
161

Em relação à quantidade de transações, nota-se uma mudança de patamar


para um número maior de operações de 2011 a 2012, o que condiz com os diferentes
perfis assumidos pelo IDE em Extração de Petróleo (na primeira fase) e os diferentes
tipos que compõe a segunda fase, cuja predominância é de negócios em Eletricidade
e Gás. O valor médio do total de operações, que, em 2010, era de US$ 1,9 bilhão,
passa a US$ 983 milhões em 2011 e a US$ 231 milhões no ano seguinte, não
voltando, até 2016, ao patamar acima de US$ 620 milhões. O cenário sugere, no
entanto, que uma grande entrada de capitais chineses dependeu mais diretamente de
grandes inversões do que uma quantidade grande de pequenas inversões, já que o
período de maior concentração de IDE é justamente aquele em que poucas
operações, de grandes montantes, foram levadas a cabo. O crescimento, de 2014 a
2016, do valor médio – o que se dá paralelamente à manutenção relativa da
quantidade de operações -, pode indicar a volta da entrada de grandes investimentos,
os quais podem ter se repetido em 2017, conforme se analisará mais adiante.
A importância das grandes inversões se repete setorialmente, já que a
indústria tem valor médio de operação maior do que Serviços, com destaque,
justamente, para Extração de Petróleo e Gás Natural, seguido de Eletricidade e Gás.
O alto valor total de capitais chineses ingressantes pareceu ter amplamente
dependido da disposição, por parte das empresas do país asiático, de investir com
maiores aportes em alguns poucos setores, reforçando que ainda há caminhos a
percorrer no que tange ao interesse chinês pela diversidade de atividades alcançadas
por seu IDE.
162

Gráfico
Figura 3030 - Valor
- Valor médio
médio das transações
das transações de IDEde IDE chinês
chinês ao Brasil
ao Brasil
Por setores, seções e divisões selecionados (CNAE 2.0), de 2010 a 2016, em
US$ mi
6.000
5.085
4.800
5.000
4.000
em US$ mi

3.000
1.897 1.950 2.062
1.720 750 1.716 1.700
2.000
200 983 810
1.000 400 395 598 86 125 340 545 585 106 620
-32 2 100 - -231 - - 26 6 - -136 5191 - - 16 -
-
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Eletricidade e Gás Indústria de Transformação
Serviços Extração de Petróleo e Gás Natural
Extração de Minerais Metálicos Média do Ano

Fonte: Kupfer & Freitas (2018). Elaboração própria.

O montante total de Investimentos também se caracteriza pela


concentração num número gradativamente maior de empresas inversoras diferentes,
num mesmo ano, ainda que o valor total investido caia, como ocorre de 2010 a 2014.
Neste período, o valor total de investimentos reduziu-se de US$ 13,3 bilhões para
US$ 1,8 bilhão, mas a quantidade de empresas inversoras diferentes num mesmo ano
subiu de 7 para 11 (Figura 31). A hipótese para este movimento, que prossegue até
2016, com o aumento para 13 empresas distintas em 2016, é um conhecimento cada
vez maior das empresas chinesas em relação ao mercado brasileiro e as
possibilidades oferecidas por ele. Supõe-se que, dadas as enormes diferenças
sociais, culturais e econômicas entre os dois países, as incertezas a serem
enfrentadas pelos pioneiros são maiores, resultando num desestímulo para que uma
grande leva de instituições tome decisões favoráveis à realização de IDE. Com a
tentativa de algumas companhias, outras se encorajam no mesmo caminho,
aumentando a quantidade de empresas entrantes. Destaca-se que, numa análise
acumulada, 7 empresas chinesas investem no Brasil em 2010. Em 2011, mais 6 novas
realizam IDE. Em 2012, outras 6 novas, e em 2013, 7 novas. Nos três últimos anos
da série (2014, 2015 e 2016), 10, 8 e 9 empresas novas, respectivamente, fazem
inversões, totalizando, em todo o período, 53 empresas diferentes.
163

A Figura 31 mostra a quantidade de empresas diferentes observadas em


cada ano, dentre as quais estão empresas que já inverteram em anos anteriores, bem
como empresas que estão investindo pela primeira vez. A Figura 32 distingue estes
dois grupos. O número de empresas que repetem inversões em mais de um ano é
relativamente baixo, mas isto não sugere, necessariamente, que tais empresas
tenham se arrependido de ter entrado na economia brasileira, já que, embora haja
casos de revogação de negócios ou de decisões de entrada, como o da compra da
CCE pela Lenovo (Tabela 12) ou mesmo da entrada da Baidu (Tabela 13), muitas
companhias estabelecidas passam a ter sua permanência dependente de recursos
próprios ou de linhas de financiamento internas, sem aporte de capitais de suas
matrizes, que seria também uma possibilidade concreta.

Figura 31
Gráfico 31- -Valor
Valortotal
totalde
deIDE
IDEchinês
chinêsao
aoBrasil
Brasileequantidade
quantidadede empresas
inversoras
de empresas diferentes
inversorasnum mesmo ano
diferentes num mesmo ano
De 2010 a 2016, em US$ mi

14.000 14

12.000 12

10.000 10
em US$ mi

8.000 8

6.000 6

4.000 4

2.000 2

- -
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Valor total anual de IDE (eixo esquerdo)


Número de Empresas diferentes no ano (eixo direito)
Fonte: Kupfer & Freitas (2018). Elaboração própria.
164

Gráfico3232
Figura - Novas
- Novas empresas
empresas entrantes
entrantes e empresas
e empresas com
com realização prévia de
realização
IDE prévia de IDE ao Brasil
ao Brasil
De 2010 a 2016, por quantidade de empresas inversoras

14

12
1
10 4
3
8 0 1
1 2
6

2
7 6 6 7 10 8 9
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Empresas que já tinham realizado IDE em ano (s) anterior (es)


Empresas inversoras pela primeira vez (entre 2010 e 2016)
Fonte: Kupfer & Freitas (2018). Elaboração própria.

Outra perspectiva interessante de análise refere-se à natureza de entrada


do IDE. Alguns comentários são possíveis sobre este aspecto. O primeiro deles é que
a extensa maioria do IDE registrado se dá por meio de F&A – cerca de 83% do valor,
contra 9% de IDE greenfield e 8% de joint ventures (Figura 33). Tais características
sugerem que, entre os anos analisados, a entrada de capitais chineses não deva ser
encarada como um motor de crescimento econômico, já que representa uma
alternativa menos virtuosa ao conjunto de atividades do que as transações greenfield,
que criam nova capacidade produtiva.
Em segundo lugar, a explicação para este perfil majoritário de
investimentos pode residir no atraso da estrutura produtiva brasileira no que tange às
condições técnicas, ainda estancadas, de modo geral, nas tecnologias e métodos
produtivos da II Revolução Industrial. Este cenário afasta as empresas chinesas
dispostas a exercitar ou desenvolver formas produtivas mais avançadas – da III
Revolução Industrial ou do que seria uma IV Revolução, em andamento. Induz,
adicionalmente, o direcionamento de inversões não para a formação de nova
165

capacidade, coerente com as atividades de maior densidade tecnológica


desempenhadas pelas corporações do país asiático, mas para a compra de parte da
estrutura já existente, da qual as tarefas produtivas e os modos de funcionamento
podem ser preservados. Aliado ao elemento de ordem técnica, constata-se, ainda, a
fragilidade histórica do crescimento da economia brasileira, o que suscita dúvidas – e
com elas, riscos – acerca da possibilidade de absorção pela demanda da oferta extra
de bens e serviços a partir de instalação de nova capacidade. Desta perspectiva, a
aquisição de empresas já existentes mostra-se mais segura, ainda mais se sua
expansão se apoia em criação de demandas vindas do exterior, neste caso, da própria
economia chinesa.
Embora as F&A possam significar a adoção de novas estratégias
corporativas pelos novos proprietários, estrangeiros, das empresas brasileiras recém-
negociadas - eventualmente, maior capacidade de investimento e incrementos de
produtividade -, há um risco de que estas operações, à medida que se tratam de puras
transferências de propriedade das empresas transacionadas, possam culminar em
redução de postos de emprego na economia brasileira via estratégias corporativas de
downsizing ou em externalização de centros de decisão privados, isto é, retirada, do
solo brasileiro, dos processos de tomadas de decisão, obstaculizando eventuais
articulações entre a gestão do processo de desenvolvimento, guiada pelo Estado, e
os rumos adotados pelo interesse particular operante em território nacional, bem como
direcionando a estrutura produtiva brasileira a tarefas menos estratégicas e geradoras
de menor valor agregado.
Vale lembrar, como abordado no Capítulo III, que o próprio processo de
privatização conduzido na China, a partir dos anos 1990, mas também na década de
2000, foi alvo de controles, destinados a impedir o aumento desenfreado da
participação de empresas estrangeiras na economia do país asiático, por mais que
tenha havido um notório aumento do peso relativo do setor privado nacional. Esta
preocupação afastou os riscos da perda de soberania, pelo Estado, para executar
políticas macroeconômicas e colocar em prática instrumentos indispensáveis ao
desenvolvimento produtivo e social.
No caso do IDE recebido pelo brasileiro, por mais que, de forma irônica,
parte dele caracterize-se como compras realizadas por estatais chinesas, delineando
a transferência de propriedade para o Setor Público, e não privado, do país asiático,
atenta-se aos riscos incorridos com a externalização da estrutura produtiva, os quais
166

poderiam ser justificados pelo fato de que o enfrentamento de interesses estrangeiros


chineses, quando necessário, imporia maiores dificuldades do que aqueles
associados ao empresariado nacional. Ademais, as F&A, ao contrário das inversões
greenfield, têm potencial de interferir em questões como as relações comerciais
vigentes. Com o poder de decisão produtiva parcialmente legado ao capital chinês,
chama-se atenção ao risco de concentrar a pauta exportadora baseada em bens
pouco complexos ainda mais a um único destino, qual seja, a economia do país
asiático. Pode-se assistir, ainda, à substituição de insumos e componentes nacionais
utilizados na estrutura produtiva por bens similares importados da China e a migração
de importantes atividades de pesquisa e desenvolvimento, geradoras de
conhecimento e de tecnologias, para o país asiático, limitando o estratégico acesso
da estrutura produtiva brasileira a possibilidades de progresso técnico.
Como se observa na Figura 33, a relevância das F&A não é estável ao
longo do tempo, o que se explica por seu perfil setorial, baseado na Indústria Extrativa
(93% do total de IDE da seção ou US$ 19,4 bilhões), em Eletricidade e Gás (78% do
total de IDE para a seção ou US$ 14,2 bilhões) e em grandes operações do setor de
Serviços. A relevância dos dois primeiros grupos de atividade no início e no final do
período, respectivamente, determina os momentos de alto patamar do tipo de
operação em questão. A criação de nova capacidade produtiva, por sua vez, ocorre
com mais ênfase na Indústria de Transformação (77% de todo o IDE para este
subsetor ou US$ 1,5 bilhão) e em pequenas transações do setor de Serviços. Joint
ventures são próprias de um número reduzido de operações em Eletricidade e Gás e
de Atividades Extrativas, e de atividades de menor montante da Indústria de
Transformação.
167

Figura
Gráfico3333- IDE
- IDEchinês
chinêsaoaoBrasil
Brasilpor
pornatureza
naturezadedeinversão
inversão
De 2010 a 2016, em % do total

100%

80%

60%

40%

20%

0%
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Greenfield F&A JV
Fonte: Kupfer & Freitas (2018). Elaboração própria.

Do ponto de vista da alocação geográfica do IDE chinês ao Brasil, há de se


traçar algumas considerações relevantes. Dentre os projetos de investimento
apontados, uma parte importante refere-se a operações de Fusão & Aquisição, as
quais podem não legar efeitos locais facilmente identificáveis. A compra de uma
participação acionária por uma empresa estrangeira resulta, em muitos casos, em
consequências financeiras e até estratégicas sobre a instituição cujo capital social foi
parcial ou totalmente negociado. Contudo, a existência prévia de uma rede dispersa
de atuação, com uma variedade de fábricas, pontos de comercialização, canais de
fornecimento e de distribuição, dentre outros elementos, faz com que não se possa
imputar, à operação de IDE, uma localidade sobre a qual se estabelecerá efeitos
concentrados do investimento. A aquisição de porcentagem de uma determinada
empresa pode, por exemplo, conduzir ao redirecionamento dos negócios
preexistentes, numa situação em que a controladora chinesa decide priorizar
determinado produto ou mercado regional, permitindo maiores inversões em uma
série de fábricas, distribuídas em diferentes localidades. O rastreamento destas
localidades é tarefa, no entanto, de difícil execução para um trabalho que não tem
como objetivo a avaliação de cada uma das transações de IDE, separadamente.
168

Há, contudo, alternativas possíveis. Operações de F&A contemplam,


também, a compra de determinados projetos, preconcebidos em locais específicos –
um exemplo é a aquisição do direito de exploração de petróleo nos campos do Pré-
Sal. Tais inversões certamente gerarão outros investimentos posteriores, associados
à exploração petrolífera em si. Algumas operações de F&A referem-se, ainda, à
obtenção de estruturas únicas, para as quais a identificação geográfica faz-se mais
adequada. As inversões para controle de usinas hidrelétricas são casos como o
relatado. Em relação ao IDE do tipo greenfield, o empenho de capital na constituição
de nova capacidade produtiva certamente encadeará efeitos locais ou regionais mais
claros, tais como a contratação de um contingente de trabalhadores, a compra de
matérias primas, peças e equipamentos, a criação de facilidades para segmentos
correlacionados (por exemplo, as possibilidades que se abrem à indústria automotiva
com a instalação de fábrica de peças automotivas), etc.
Esta dissertação preocupou-se em atualizar uma parte dos dados da Base
GIC com as informações geográficas dos investimentos. Todas as transações
greenfield foram objeto de investigação – das 29 operações, 5 não tiveram seus locais
de inversão encontrados, infelizmente. Interpretou-se que outras 6 operações F&A,
de um total de 32, puderam ter sua localidade identificada, assim como sete operações
adicionais, classificadas por Kupfer & Freitas (2018) como joint ventures (de um total
de 13 operações deste tipo). Em função da predominância de inversões diretas
chinesas em F&A, as transações que tiveram suas localidades identificadas totalizam
apenas US$ 12,5 bilhões do universo de investimentos do estudo, que soma US$ 43,8
bilhões. Deste grupo, US$ 4,6 bilhões referem-se, em três transações, a aquisições
de direito de exploração de petróleo, em campos localizados em áreas oceânicas,
próximas à costa do estado do Rio de Janeiro. Uma transação, de US$ 116 milhões,
refere-se à compra, pela China Three Gorges (CTG), de usinas hidrelétricas no Pará
e no Amapá, e de parques eólicos distribuídos no Rio Grande do Sul, em Santa
Catarina e no Rio Grande do Norte. Santa Catarina também divide com Goiás a
compra de usinas controladas previamente pela Triunfo Participações, que passaram
também para o controle da CTG. Estados do Sudeste, Centro-Oeste e Sul abrigam
transmissoras de energia adquiridas pela State Grid, por US$ 1,7 bilhões, em
investimento tido como uma só operação pelo estudo analisado.
Das operações restantes, 24, no valor de US$ 5,4 bilhões, se deram em
São Paulo, o que revela uma aguda concentração dos investimentos quando
169

comparados ao restante - US$ 963 milhões, distribuídos em 8 operações,


empenhadas em sete estados (Figura 34). Dos US$ 5,4 bilhões invertidos no estado
de SP, apenas US$ 1,2 bilhão foi relativo a projetos greenfield – US$ 4,1 bilhões dizem
respeito a 3 operações. A principal delas é a compra, pela CTG, do direito de
exploração das hidrelétricas de Jupiá e Ilha Solteira, no extremo oeste paulista
(US$ 4,1 bilhão). As outras duas são joint ventures que, juntas, não alcançam US$ 60
milhões. Para os outros estados, soma-se US$ 514 milhões em operações greenfield,
dentre as quais, a de maior valor é uma fábrica de processamento de milho da BBCA
Group em Mato Grosso do Sul (US$ 320 milhões) e uma fábrica de caminhões da
Beiqi Foton Motors, no Rio Grande do Sul (US$ 116 milhões).

Gráfico 34 - Distribuição Regional do fluxo de IDE chinês ao


Figura 34 - Distribuição Regional do fluxo de IDE chinês ao Brasil
Brasil
De 2010 a 2016, em % do valor total das transações com localidade
identificada e única RS
Outros (PE, CE,
MS 2%
SC e AL)
5% 2%
BA
6%

SP
85%

Fonte: Dados retirados da Base GIC (Kupfer & Freitas, 2018) e de sites que atestam as operações. Elaboração
própria.

Do ponto de vista das seções da CNAE 2.0, o IDE identificado como


direcionado a São Paulo se concentra para Eletricidade e Gás, que consiste,
justamente, na compra das usinas pela CTG (US$ 4,1 bi). Do restante, US$ 1 bilhão
refere-se a inversões na Indústria de Transformação, principalmente na fabricação de
veículos automotores, máquinas e equipamentos. Para as outras unidades da
170

federação, o valor do IDE está todo concentrado na mesma Indústria de


Transformação, em variadas seções – fabricação de produtos químicos, de veículos
automotores, de equipamentos e máquinas (inclusive de transporte) e de materiais
elétricos -, com exceção de uma operação – de extração de minerais metálicos, pela
Honbridge Holdings, na Bahia.

4.3.2.2. Atualização da Base GIC

Os esforços para o enriquecimento da Base GIC concentraram-se, como


mencionado, em quatro medidas: 1) incorporação, para o próprio período tratado pela
base original (de 2010 – 2016), de informações derivadas de uma nova fonte de dados
(SEAIN); 2) atualização do status de operações que, até a data de elaboração do
artigo de Kupfer & Freitas (2018), não haviam sido consideradas como realizadas e
que, sob consulta de matérias divulgadas pela imprensa, foram confirmadas; 3)
inclusão, baseada nas quatro fontes de dados originalmente utilizadas e naquela
incorporada por esta dissertação, de transações de IDE chinês ao Brasil para os anos
de 2017 e 2018; e 4) apresentação de um recorte analítico novo, correspondente à
distribuição geográfica das inversões.
Em relação à checagem dos status atualizados de transações da Base GIC,
tomou-se o cuidado de conciliar as diversas fontes e assegurar que o IDE considerado
pela nova base foi, de fato, realizado. É importante alertar, no entanto, que a
dificuldade para conciliar transações preexistentes na base com os detalhes
publicados, sobre elas, na imprensa, gerou problemas como eventual negligência de
inversões possivelmente realizadas, mas cuja consumação não pôde ser efetivamente
constatada, em função da inexistência de indícios suficientes para tal. Além disso,
reconhece-se alguma imprecisão em relação aos valores investidos, embora a
consulta de múltiplas fontes garanta que os eventuais erros não sejam de grande
proporção e, assim, não comprometam uma interpretação mais geral – ou mesmo
setorial – sobre o comportamento do IDE chinês no período analisado. Como já
relatado, as operações que criam nova capacidade produtiva também são próprias de
um calendário de desembolsos que não foi contemplado pelo estudo, uma vez que
este cronograma possui, recorrentemente, instabilidades atreladas a decisões muito
171

particulares da instituição que empenha o gasto, comprometendo a alocação temporal


do IDE. Como última nota a respeito das etapas do enriquecimento da base GIC,
ressalta-se que o período anterior a 2010 não foi considerado devido à escassez de
fontes – sejam elas bases de inversões, portais online e outros formatos utilizados
pelos meios de comunicação. Como já relatado por diversos estudos (KUPFER &
FREITAS, 2018; CEPAL, 2011; BCB, 2018d), o IDE chinês ao Brasil se intensifica
justamente a partir deste ano (2010), o que assegura a preservação da relevância dos
dados aqui apresentados.
A atualização promovida resultou no aumento do valor do conjunto de IDE
chinês ao Brasil de US$ 43,8 bilhões, distribuído por 74 transações entre 2010 e 2016,
para US$ 60,1 bilhões, operacionalizado em 122 eventos, de 2010 a 2018. O universo
total consistia em 226 transações registradas nesta nova etapa, das quais 84, num
valor de US$ 17,8 bilhões, foram descartadas em função da impossibilidade de checar
sua efetiva realização. Outras 20 operações (US$ 6,9 bilhões) ocorreram antes de
2010 e também não foram consideradas. Com relação ao período contemplado pela
base original – de 2010 a 2016 -, as 74 transações aumentaram para 84, com US$ 1,5
bilhão a mais investido. Isto significa que uma parte bastante relevante das transações
incorporadas (92% do valor total novo, identificado) foi invertida nos anos de 2017 e
2018, do que se conclui que a análise que aqui será apresentada não altera, mas
complementa o que foi exposto na seção anterior, quando se contemplou somente o
IDE até 2016. Os esforços analíticos se concentrarão, desta forma, no pós-2016. Do
montante de IDE acrescentado ao período anterior a este ano, US$ 684 milhões foram
adicionados à Indústria (US$ 569 milhões à Indústria de Transformação e US$ 115
milhões à atividade de Construção) e US$ 850 milhões foi adicionado aos Serviços,
em duas operações – as compras de metade da Noble Agri pela COFCO (US$ 750
milhões) e de metade da 99 Taxis pela Didi (US$ 100 milhões).
Depreende-se, assim, que, nesta nova base, há preservação da
predominância do IDE chinês destinado à indústria brasileira em todo o período,
inclusive com o movimento já observado de queda do total de IDE entre os anos de
2012 e 2014, o que fora explicado pelo fim do ciclo de inversões em atividades
extrativas de petróleo, principalmente, mas também em minerais metálicos, em
segundo plano. Faz-se, no entanto, a ressalva de que os novos dados mostram um
forte avanço do recebimento de investimentos pelo setor de Serviços, em 2017. No
ano seguinte, o mesmo setor perde força em relação aos fluxos recebidos (Figura 35).
172

Ademais, na esteira da queda do valor médio por operação, a partir de 2012 (com
suave recuperação a partir de 2015), os anos de 2017 e 2018 mantêm um baixo
patamar de valor unitário médio das transações (Figura 36), o que se apresenta num
influxo de uma grande quantidade de operações de baixo montante, especialmente
em 2017 e em relação àquelas dos anos de 2010 e 2011. No ano de 2017, em
específico, tais transações, junto a outros poucos eventos de maior montante, somam
um alto valor de IDE, o que não ocorre em 2018.
Em relação à natureza das inversões, as F&A preservam sua
preponderância em 2017, tendo importante queda em 2018, mas representando,
ainda, uma enorme parcela dos investimentos (68%), o que sinaliza para os
problemas abordados na seção anterior a respeito das desvantagens da concentração
de IDE chinês em transferência de propriedade de empresas brasileiras,
desencadeando a exteriorização de centros de decisão privado e a potencial
obstaculização de tomada, pelo Estado, das rédeas de políticas macroeconômicas e
de estratégias de desenvolvimento, de uma forma mais geral. Mais adiante se
discutirá a hipótese explicativa da concentração de inversões nesta categoria de
entrada. Mesmo o crescimento de joint ventures, que se assemelha ao ocorrido em
2013, mostra-se insuficiente para ofuscar a predominância de F&A, já que, em 2018,
alcançam apenas 30% das inversões (Figura 37).
173

Figura
Figura 35
35 -- Fluxo
Fluxo de
de IDE
IDE chinês
chinês ao
ao Brasil
Brasil
Por setor, de 2010 a 2018, em US$ mi e em % do total anual

14.000 13.080 120%

12.000 100%

10.000
80%
8.077
em US$ mi

8.000 6.877 7.056 7.150


60%
5.592
6.000
40%
4.000
2.194 2.383 2.061
2.000 1.317 20%
810 784 630 845 653
200 2 344
- 0%
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Indústria Serviços
Indústria (% - eixo direito) Serviços (% - eixo direito)

Fonte: CGIT (2018), CEBC (vários anos), RedALC (2018), SEAIN (vários bimestres), dentre outras130. Elaboração
própria.

Gráfico3636
Figura - Valor
- Valor médio
médio dasdas transações
transações de IDE
de IDE chinês
chinês ao
ao Brasil
Brasil
Por Setor, de 2010 a 2018, em US$ mi

2.500
2.180

2.000 1.897

1.500
1.146
983
1.000 810 808
706 531
319 480 496 550 508
500 313 219
231 265
200 178229112 105 106 152 93
86
2
-
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Total Indústria Serviços
Fonte: CGIT (2018), CEBC (vários anos), RedALC (2018), SEAIN (vários bimestres), dentre outras131. Elaboração
própria.

130 As outras fontes compreendem sites da internet correspondentes a notícias acerca das inversões,
publicadas pela imprensa e pelas empresas envolvidas.
131 As outras fontes compreendem sites da internet correspondentes a notícias acerca das inversões,

publicadas pela imprensa e pelas empresas envolvidas.


174

Gráfico
Figura 3737- Fluxosdede
- Fluxos IDE
IDE chinês
chinês aoao Brasil,
Brasil, porpor natureza
natureza de de
inversão
inversão
De 2010 a 2018, em % do total

100%

80%

60%

40%

20%

0%
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Greenfield F&A JV

Fonte: CGIT (2018), CEBC (vários anos), RedALC (2018), SEAIN (vários bimestres), dentre outras132. Elaboração
própria.

Analisemos, agora, estes movimentos gerais com mais precisão,


objetivando identificar quais elementos proporcionaram sua ocorrência. Em relação
ao comportamento da indústria em 2017, verifica-se um alto patamar de
investimentos, a despeito da perda de participação relativa no total, resultante da alta
do IDE direcionado a Serviços.
A seção destacada é a de Eletricidade e Gás, que acumula 87% do total de
fluxos à indústria em 2017 e 2018 (US$ 6,5 bilhões). Como discutido, as inversões
nesta seção podem estar associadas a uma investida chinesa sobre o potencial
energético brasileiro, o que não exclui a hipótese de uma estratégia global de controle
estratégico das atividades, que contribuiriam para o ganho de poder de influência
geopolítica no tabuleiro global. Duas grandes transações, em 2017, foram
responsáveis pela quase totalidade dos US$ 5,9 bilhões em IDE observados neste
ano. Ambas são classificadas como F&A – a compra, por US$ 3,4 bilhões, de cerca
de 40% das ações da CPFL pela State Grid, que já detinha mais da metade das ações

132As outras fontes compreendem sites da internet correspondentes a notícias acerca das inversões,
publicadas pela imprensa e pelas empresas envolvidas.
175

da empresa brasileira, e a aquisição, pela State Power Investiment (SPIC), da


Hidrelétrica de São Simão, por US$ 2,3 bilhões.
Se a seção de Eletricidade e Gás mantém o destaque que recebeu desde
2014, a Indústria Extrativa, que protagonizou os investimentos em 2010 e 2011,
preserva baixos valores de fluxos a partir de 2017 (US$ 139 milhões, somando 2017
e 2018), mesmo com novas aquisições de campos de exploração de petróleo - a
CNODC (subsidiária da CNOOC) participou de consórcio, em aquisição na Bacia de
Santos, com US$ 127 milhões, e a própria CNOOC tomou parte em aquisições na
Bacia de Santos, na Bahia e no Espírito Santo com valores ainda inferiores – US$ 12
milhões, no total. Nada impede, no entanto, que a escassez de capitais na referida
atividade possa ser revertida com futuros leilões de campos de exploração de petróleo
ou mesmo com a privatização de atividades da Petrobras, no âmbito do quadro de
avanço de políticas neoliberais e esvaziamento progressivo dos papeis estratégicos
assumidos pelo Setor Público no Brasil, que ganharam força a partir do impeachment
de Dilma Roussef, e com o mandato de Michel Temer e a recém vitória de Jair
Bolsonaro para a presidência, no final de 2018. Vale salientar, ainda, que empresas
chinesas que já haviam adquirido áreas de exploração do pré-sal - CNOOC, CNPC e
Sinopec -, podem empenhar novos investimentos para a execução da atividade,
embora não haja garantia de que, dentre os recursos despendidos, haverá entrada de
recursos externos.
A Indústria de Transformação mantém, em 2017 e 2018, o baixo patamar
de investimentos observado anteriormente, com uma queda ainda maior do valor
invertido – foram somente US$ 106 milhões registrados, os quais se distribuem em
um número baixo de operações, apenas 6. Outras duas transações não tiveram valor
identificado. Destaca-se a aquisição da Unicoba, fabricante de baterias e outros
materiais e equipamentos elétricos, pela Shenzhen, por US$ 7 milhões. A fabricação
de produtos alimentícios também recebeu inversões, que totalizaram US$ 31 milhões,
apenas US$ 3 milhões correspondentes à formação de nova capacidade produtiva.
Consistindo na economia sul-americana com os encadeamentos industriais mais
complexos da região, pode-se estimar que, em caso de preservação de seu parque
produtivo, o Brasil tenha potencial de elevar o percentual de investimentos chineses,
no futuro, concentrado nas atividades da Indústria de Transformação.
A grande novidade do ano de 2017 é o crescimento do IDE voltado ao setor
de Serviços. Foi o maior valor observado nestes ramos de atividade desde o início da
176

análise, em 2010, superando em quase 6 vezes o máximo registrado, no ano de 2013


(US$ 5,6 bilhões contra US$ 810 milhões). O alto valor foi alcançado em poucas
transações, mas com forte concentração em somente uma, que somou US$ 4 bilhões
em aquisição de trading agrícola, responsável pelo comércio de bens alimentícios – a
Nidera, que teve 51% de seu capital social comprado pela COFCO. Esse é um dos
poucos casos, ao lado da compra da trading Noble pela COFCO, em 2014, e da
aquisição da Dow AgroSciences pela CITIC, em 2017, de transações da base de
dados, relacionadas, de alguma forma, ao setor agrícola.
Apesar de a soja ter figurado, nos últimos anos, como principal bem
exportado pelo Brasil à China, o que remete às discussões anteriormente
apresentadas neste trabalho, atinentes às dificuldades históricas de suprimento
alimentar do país asiático, e à preocupação estratégica de reduzir os riscos
associados a esta ameaça, o IDE chinês para o Brasil não foi tão recorrente quanto
se trata das atividades produtivas atreladas ao grão ou à produção agrícola, em geral.
O motivo para a escassez de capitais deve-se, muito provavelmente, às restrições de
compra de terras por estrangeiros que vigoraram no Brasil entre o final da década de
2000 e o começo da década de 2010, como já exposto. As operações acima
mencionadas sugerem, contudo, que pode haver algum esforço, por parte dos capitais
chineses, em assumir etapas da cadeia produtiva que conforma a produção agrícola,
como, por exemplo, o desenvolvimento de sementes com melhores características
para o plantio ou o empenho de atividades de comercialização. Somam-se, de forma
mais indireta a esta cadeia, a aquisição de negócios voltados à atividade de
armazenamento e transporte, que também foi observada.
Os investimentos chineses nos ramos produtivos em questão também
representam uma estratégia concernente ao desenvolvimento da estrutura produtiva
chinesa. O ganho de peso e o adensamento da indústria, mostrados nos capítulos
anteriores, culminaram na migração de uma enorme quantidade de pessoas às
cidades, cujas consequências são mudanças estruturais nos padrões de consumo e,
assim, maiores demandas por alimentos, energia e matérias primas. A busca por estes
bens por meio de relacionamentos comerciais resolve o problema num primeiro
momento, mas não neutraliza os riscos associados a ele, os quais se devem à
vulnerabilidade em relação aos preços, mas também ao acesso a tais produtos. A
realização de IDE, por sua vez, permite assegurar controle sobre a fonte de tais
recursos, o que, tendo-se em conta a já reiterada capacidade da China em perseguir
177

caminhos de longo prazo para seu desenvolvimento, faz sentido como decisão
submetida à lógica e aos desejos do desenvolvimento do país, guiada por políticas
estatais. Ao Brasil, por seu lado, reforçam-se as ameaças de agudização de
vulnerabilidades atreladas ao movimento de especialização regressiva, sem o
encadeamento de atividades industriais ou mesmo o controle de etapas produtivas
com maior agregação de valor das cadeias agrícolas, como ocorre com o
desenvolvimento tecnológico e a comercialização.
Outras transações observadas no setor de Serviços distribuíram-se entre
seções como Informação e Comunicação (divisão de Telecomunicações), Atividades
Imobiliárias, Atividades Profissionais, Científicas e Técnicas (divisão de Pesquisa e
Desenvolvimento Científico) e Atividades Financeiras, de Seguros e Serviços
Relacionados (divisão de Atividades de Serviços Financeiros) e tiveram baixo valor
unitário, com exceção da aquisição de 90% do Terminal de Contêineres de Paranaguá
e da Empresa de Serviços Logísticos TCP Log pela China Merchants Port Holding
(CMPorts), por US$ 925 milhões e classificada na seção Transporte, Armazenagem e
Correio. Com relação aos segmentos de Informação e Comunicação, verifica-se, a
despeito do baixo aporte de capitais, a preservação de algum interesse chinês, em
relação ao período de 2010 a 2016, em uma das atividades produtivas que ganharam
participação na economia do país asiático nos anos 2000. Como relatado no Capítulo
III e ressaltado na seção anterior, a produção de bens de telecomunicação
representou um dos pilares da trajetória de complexificação produtiva chinesa.
Do ponto de vista das seções, aquelas representadas na Figura 38 são as
únicas que contam com fluxos de IDE maiores que US$ 200 milhões em algum dos
anos representados. Além das já tratadas operações em Eletricidade, Gás e Outras
Utilidades – correspondentes a F&A da State Grid e da State Power Investment (SPIC)
– e em Comércio por Atacado, exceto Veículos Automotores e Bicicletas – conduzida
pela COFCO - vale o destaque para a seção de Obras de Infraestrutura, a qual não
recebeu comentários, ainda. Tal grupo de atividades recebeu, nos dois últimos anos
do período, apenas uma operação, que se trata da licitação para implantação do VLT
em Salvador, vencida pela chinesa BYD, em conjunto com a Metrogreen, em 2018.
Ao contrário do que corriqueiramente é apontado, o IDE chinês, que
provoca bastante repercussão quando sonda a possibilidade de adentrar no setor de
infraestrutura logística, pouco se concretizou no que se refere a obras deste caráter.
Ainda há pouco menos de dois anos, aventava-se a possibilidade da construção de
178

uma ferrovia bioceânica, que ligaria o litoral atlântico brasileiro à costa pacífica
peruana, cortando o Sudeste e o Centro-oeste do Brasil. O empreendimento, que
envolveria recursos chineses, certamente causaria uma série de enormes impactos
econômicos, sociais, ambientais e sobre a organização produtiva no território do país.
Algumas das interpretações apontavam que a inversão faria parte de um esforço
chinês por reduzir custos de transporte associados às suas importações oriundas da
economia brasileira. Um segundo projeto da ferrovia, que eliminava a chegada à costa
brasileira, com um trajeto que iria somente até o oeste paulistano, sugeria mais
claramente as intenções chinesas de escoar a produção agrícola importada pelos
portos peruanos, reduzindo substancialmente as distâncias em relação ao
escoamento pelo porto de Santos. A frustração das negociações, contudo, acabou por
reduzir o projeto a uma sondagem sem chances concretas de se tornar realidade. O
que se tem é um cenário de quantidade relativamente razoável de especulações a
respeito da possibilidade de investimentos chineses no setor de infraestrutura logística
brasileiro. A já mencionada entrada dos capitais chineses em atividades voltadas ao
Agronegócio pode representar o início de um maior interesse chinês nos ramos que
giram, direta ou indiretamente, em torno da produção agrícola brasileira, abrindo as
portas para a efetiva concretização de aquisições e obras também no que se refere
ao transporte das mercadorias importadas.
179

Figura
Gráfico3838
- Fluxo de IDE
- Fluxo de chinês ao Brasil,
IDE chinês por seções
ao Brasil, selecionadas (CNAE 2.0)
por seções
selecionadas CNAE 2.0
De 2017 e 2018, em US$ mi

5858,1
6000

4253
em US$ mi

4000

2000
1100 925
602,2 690 600
0 0 0 0 0
0
Eletricidade, Comércio por Produção de Armazenamento Obras de Transporte
Gás e Outras Atacado, Exceto sementes e e Atividades Infraestrutura Terrestre
Utilidades Veículos mudas Auxiliares dos
Automotores e certificadas Transportes
Motocicletas

2017 2018

Fonte: CGIT (2018), CEBC (vários anos), RedALC (2018), SEAIN (vários bimestres), dentre outras133. Elaboração
própria.

Da perspectiva do modo de entrada das inversões, as F&A continuam a


crescer depois da queda do IDE desta natureza, entre os anos de 2011 e 2013 (Figura
37). Em 2017, chegam a representar 98% do total invertido – porcentagem que cai a
68% no ano seguinte. Se os US$ 12,4 bilhões em F&A do ano de 2017 concentram-
se, principalmente, nas maiores transações do ano – em Eletricidade e Gás e
Comércio (compra da trading Nidera) –, o pequeno valor restante divide-se em nova
capacidade produtiva e formação de joint ventures, que somam, juntas, apenas
US$ 313 milhões, alocados em 16 operações, das quais três não têm valor
identificado. A maior delas está também em Eletricidade e Gás, com o ganho da
licitação para implantação da Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN) no
Complexo da Comperj, em Itaboraí – RJ, pelas empresas Shandong Kerui Petroleum
e Método Potencial Engenharia, por US$ 600 milhões. Em 2018, a queda do valor
total de IDE atinge a formação de nova capacidade produtiva e de operações

133As outras fontes compreendem sites da internet correspondentes a notícias acerca das inversões,
publicadas pela imprensa e pelas empresas envolvidas.
180

classificadas como F&A. O contraponto é o crescimento de joint ventures, que, em


apenas uma operação, alcançou US$ 600 milhões – justamente a licitação associada
à UPGN do Comperj. A Tabela 14 destaca a natureza do IDE direcionado às cinco
seções CNAE 2.0 que mais receberam investimentos diretos chineses em 2017 e
2018. Ressalta-se a forte concentração em F&A, conforme mencionado (93,6% nos
dois anos indicados), o que pode ser explicado, a exemplo do período de 2010 a 2016,
pelo menor risco percebido pelas empresas chinesas ao observar uma estrutura
produtiva com padrões técnicos da II Revolução Industrial e com frágeis possibilidades
de crescimento.

Tabela 64 - Natureza do IDE, por seções selecionadas (CNAE 2.0), em


2017 e 2018, em US$ milhões

Greenfield F&A Joint-Venture


Seções da CNAE selecionadas 2017 2018 2017 2018 2017 2018
Eletricidade e Gás 158 - 5.700 2 - 600
Comércio; Reparação de Veículos
- - 4.253 - - -
Automotores e Motocicletas
Transporte, Armazenagem e Correio - - 925 600 - -
Agropecuária, Pecuária, Produção
- - 1.100 - - -
Florestal, Pesca e Aquicultura
Construção - - - 690 - -

Outros 16 26 452 52 139 -


Total 174 26 12.430 1.344 139 600
Fonte: CGIT (2018), CEBC (vários anos), RedALC (2018), SEAIN (vários bimestres), dentre outras134. Elaboração
própria.

A última perspectiva a ser abordada a respeito da nova base de IDE chinês


é de ordem geográfica. A análise, no entanto, restringe-se a uma parcela diminuta dos
investimentos, já que US$ 8,4 bilhões, de um total de US$ 14,7 bilhões alocados nos
anos de 2017 e 2018, referem-se a operações que não podem ser identificadas com
algum município ou alguma unidade federativa – tratam-se de F&A de empresas com

134As outras fontes compreendem sites da internet correspondentes a notícias acerca das inversões,
publicadas pela imprensa e pelas empresas envolvidas.
181

ampla atuação no país ou, no caso de uma somente transação, de abertura de uma
plataforma e-commerce, capaz de alcançar também diferentes localidades.
Do montante geograficamente identificado - US$ 6,3 bilhões, no último
biênio referido -, US$ 2,3 bilhões direcionaram-se ao estado de Goiás, quebrando a
tendência anterior, de concentração dos recursos no estado de São Paulo, que, por
sua vez, ficou com a segunda posição – US$ 1,5 bilhão. Em seguida, constata-se a
presença do Paraná – US$ 925 milhões. Tais resultados fundamentam-se em duas
operações, no caso do Paraná – uma delas, no entanto, de valor não identificado. A
restante compreende a compra do Terminal de Contêineres de Paranaguá, já
mencionado. No caso de Goiás, o alto valor também é atingido por somente uma
operação – a F&A pela State Power Investment (SPIC) da hidrelétrica de São Simão.
São Paulo, por sua vez, tem um número maior de operações nos dois anos – nove,
mas uma, somente, de grande valor – a compra das instalações da Dow AgroSciences
em Ribeirão Preto pela CITIC, por US$ 1,1 bilhão. As outras transações se distribuem
em eventos de pequena monta (a compra do Sistema Produtor São Lourenço, pela
China Gezhouba Group Corporation – US$ 200 milhões - e a compra da HSI
Investimentos, pela Fosun International – US$ 140 milhões – são as únicas com
valores unitários acima de US$ 50 milhões), que estão nas seções da Indústria e de
Serviços.
A Figura 39 apresenta a distribuição geográfica do IDE chinês ao Brasil nos
dois últimos anos da análise, restringindo a participação de cada local ao universo das
operações geograficamente identificadas. Nota-se que há, no grupo de localidades, o
compartilhamento de operações entre mais de duas Unidades da Federação, o que
ocorre em função da existência de um projeto de construção de uma usina localizada
na fronteira do Mato Grosso com o Pará – a Usina de São Simão – e de uma transação
que contempla, na realidade, dois eventos cujos valores não puderam ser dissociados
– a aquisição de áreas de exploração de petróleo no Recôncavo Baiano e no Espírito
Santo, pela CNOOC e pela Tek Oil and Gas. Há, ainda, a observância de operações
em áreas oceânicas, que compreendem a aquisição de direito de exploração de
campos de petróleo.
182

Figura 39 - Distribuição do fluxo de IDE chinês ao Brasil


Em2017
Em 2017ee2018,
2018,por
porlocalidade,
localidade,em
em%
%do
dovalor
valortotal
totaldo
doIDE
IDEgeograficamente
geograficamente
identificado
identificado
RJ
10%
RJ
PR BA Área
10% Oceânica
Área
15%
PR 11%
BA 2%
Oceânica
SP 15% 11% Outra RS 0%
2%
24%
SP 4% MT / PA
24% GO MT2%/ PA RS 0%
GO
36% 2% RS 0%
36%
Outros (BA/ES,
MG e CE)
0%

Fonte: CGIT (2018), CEBC (vários anos), RedALC (2018), SEAIN (vários bimestres), dentre outras135. Elaboração
própria.

4.4. Conclusões da análise

A análise precisa sobre os Investimentos Diretos Estrangeiros chineses


enfrenta, como se pôde notar, severos obstáculos, os quais se constituem
principalmente pela necessidade de um amplo rastreamento de fontes extraoficiais,
que buscam resolver ou, ao menos, contornar, as inconsistências dos dados oficiais,
divulgados em Balanços de Pagamentos dos diversos países, face à realidade das
inversões. Como discutido neste capítulo, o IDE chinês realiza-se, frequentemente,
através de países intermediários, usados como pontes para os recursos exportados.
Tais países abrigam SPE’s, motivadas pelo usufruto de vantagens tributárias, que
distorcem a origem real das operações – o que, com transações para as quais a China
é a controladora final do capital, ocorre com bastante frequência.
Ainda assim, recorrendo a uma destas bases de dados extraoficiais (CGIT),
pôde-se perceber, através de uma breve análise, que o IDE chinês ao mundo

135As outras fontes compreendem sites da internet correspondentes a notícias acerca das inversões,
publicadas pela imprensa e pelas empresas envolvidas.
183

apresenta-se como bastante diversificado do ponto de vista setorial. Coloca-se a


hipótese de que a motivação para os investimentos é distinta em cada região da
economia internacional, determinando, desta forma, os setores de entrada do capital.
Para países mais desenvolvidos, predominam inversões, de um modo geral,
estimuladas pela busca de ativos intangíveis – como conhecimento tecnológico,
marcas e canais de distribuição -, os quais podem ser encontrados em setores mais
intensivos em tecnologia. Para países menos desenvolvidos e / ou abundantes em
recursos naturais, energéticos e alimentares, prevalecem investimentos direcionados
a exploração destes setores, os quais se relacionam com dificuldades internas de
suprimento autossuficiente da China. Ressalta-se, ainda, dois outros grupos de países
– aqueles com extenso mercado interno, os quais recebem IDE chinês também
voltado à venda de bens industrializados, como automóveis, e aqueles localizados no
leste asiático, em torno do território chinês, para os quais o perfil de investimento
acessa segmentos de infraestrutura, tanto enérgica como logística. Recorda-se, aqui,
que o projeto One Belt One Road, que envolve uma impressionante rede de
infraestruturas entre o território chinês e a Europa ocidental, cortando parte importante
do oeste asiático, representa expectativas de grandes gastos com inversões para os
países deste segundo grupo.
Para o Brasil em específico, o IDE chinês também precisou ser rastreado
por fontes extraoficiais. A análise empreendida não permite a sugestão de padrões de
comportamento que sejam duradouros ao longo dos próximos anos, uma vez que o
período observado é curto, em função da recente expressividade dos capitais
chineses destinados à economia em questão. Todavia, é possível traçar o perfil dos
investimentos nos nove anos verificados, relacionando os dados reunidos pelo estudo
aqui apresentado, e fundamentando o cenário construído com o ambiente onde se
associam, de um lado, as possíveis motivações chinesas por trás do IDE e, por outro,
os traços da estrutura produtiva que recebe as inversões.
De uma forma geral, há uma primeira fase de entrada, em que o IDE se
concentrou em atividades da Indústria Extrativa, especialmente de exploração de
petróleo e, em segundo plano, de minerais metálicos. Após dois anos, estes
segmentos perdem relevância e o IDE chinês total sofre importante redução de seu
valor. A partir de 2015, no entanto, volta a crescer, concentrado, agora, no setor de
Eletricidade e Gás, nas atividades de geração e distribuição de energia elétrica,
principalmente. Dentre as outras características que chamaram a atenção estão a
184

predominância de operações de F&A e de grandes montantes por transação nos


setores que mais se destacaram, e a tímida, porém existente, recepção de aportes de
capital na Indústria de Transformação que, por sua vez, reuniu mais transações
greenfield e de menores valores unitários, distribuídas em diversos subsetores. O
setor de Serviços, por fim, tem um pico de valores solitário em 2017, o que foi
proporcionado por uma grande operação, atrelada ao Agronegócio.
Das conclusões a serem sugeridas, destaca-se o papel do Brasil como alvo
da estratégia chinesa de assegurar suprimento alimentar e de matérias primas para
sua indústria e para sua população, a qual é protagonista de um fenômeno
amplamente transformador das estruturas sociais e dos padrões de consumo – o
intenso processo de urbanização em curso derivado do desenvolvimento industrial
chinês acelerado das últimas décadas, contado nos três primeiros capítulos deste
trabalho. Tal posicionamento da China, como país disposto a exportar capitais para o
estabelecimento ou aquisição de estruturas produtivas no exterior, é traço marcante
da história econômica do país, que assistiu recorrentemente à capacidade do Estado
em coordenar políticas de ganho de peso relativo e de complexidade do setor
industrial, superando os problemas que eventualmente se encontravam neste
caminho. Se, durante o maoísmo, a escassez de divisas internas e as dificuldades
para importação de bens de capital geraram esforços para o aumento da participação
da indústria pesada, a abundância de reservas internacionais está a serviço, agora,
da redução da dependência da oferta de empresas estrangeiras para a obtenção de
recursos naturais, preservando uma importante tradição de preocupação com
questões estratégicas de longo prazo, como o recorrente desequilíbrio entre os
setores primário e secundário, agudizados especialmente até a primeira metade da
década de 1980. Sobre tais desequilíbrios, os dias atuais mostram, no entanto, que
tal questão ainda é motivo de ações preventivas – Nogueira (2011) aponta, como um
de seus agravantes, a transformação, já nos anos 2000, de terras agrícolas em terras
urbanas, motivada por expectativas de maiores ganhos com receitas tributárias, por
parte de autoridades locais, já que a legislação das cidades permite a posse privada
e a comercialização de tudo o que é construído acima dos terrenos, ao contrário do
que ocorre na legislação de áreas rurais. Tal movimento debilita, evidentemente, a já
insuficiente produção agrícola chinesa.
Sobre os investimentos chineses no setor de energia, suspeita-se que três
principais motivações sejam válidas: 1) a exploração do potencial energético brasileiro
185

para ganhos e posicionamento estratégico das corporações chinesas deste setor; 2)


a possibilidade de criação, a partir das empresas chinesas estabelecidas, de
demandas cativas por componentes, insumos e serviços oriundos de estruturas de
oferta instaladas na China, como forma de escoar parte da produção de diversos
setores da economia do país asiático; 3) a extensão de uma estratégia de âmbito
global, em que a China, ao ter domínio sobre uma ampla rede de geração e
distribuição de energia, passa a exercer com maior eficácia sua influência em diversas
regiões.
A Indústria de Transformação brasileira, por sua vez, recebe montantes não
tão expressivos de capital chinês, o que pode se apresentar de forma distinta nos
próximos anos. Dado que a China distribui seus investimentos diretos ao mundo de
acordo com as características que cada estrutura produtiva nacional tem a oferecer
às suas empresas e às suas estratégias de desenvolvimento, estima-se que a
economia brasileira, sendo aquela, no continente sul-americano, com as atividades
industriais mais complexas, tem potencial de elevar o percentual de recepção do IDE
em questão nas tarefas desempenhadas por seu parque industrial, o qual, até aqui,
destaca-se por concentrar parte dos investimentos em segmentos que também foram
estratégicos para o desenvolvimento produtivo da economia do país asiático, a partir
dos anos 2000, especialmente. São eles, a produção de bens eletrônicos (de
informática e telecomunicações, por exemplo), de máquinas e de equipamentos de
transporte.
O desenvolvimento prévio destes segmentos na economia chinesa é pré-
requisito para a formação dos grandes conglomerados que, agora, saem ao mundo
seja atrás de marcas e outros ativos estratégicos, bem como de novos mercados a
serem explorados, seja com a intenção de exercitar e colocar à prova da competição
as competências recém-adquiridas. Não se exclui a possibilidade de ocorrência, no
entanto, de inversões também direcionadas a setores nos quais as empresas
chinesas não ocupam posições privilegiadas frente à concorrência global, mas, do
contrário, apresentam desvantagens competitivas, que podem ser mitigadas com a
absorção de novas competências, possibilitada pela expressiva capacidade de
investimento no exterior.
Destaca-se, ainda, a concentração de operações em Fusões e Aquisições,
o que priva a economia brasileira de importantes efeitos potenciais que seriam
legados por transações greenfield, quais sejam, o estímulo à atividade econômica e
186

ao emprego. Para efeitos comparativos, vale recordar que, durante o período de


entrada de IDE na China, observou-se justamente o contrário do que fora observado
em relação à entrada de IDE chinês ao Brasil, isto é, a predominância de
investimentos estrangeiros geradores de nova capacidade produtiva.
Com a simples transferência de propriedade de estruturas de oferta, no
caso brasileiro, alguns dos impactos possíveis são a otimização da produção, com
eventual queda da quantidade de postos de trabalho, a substituição de fornecedores
brasileiros por fornecedores chineses, incrementando a pauta de importação do país,
e a transferência tanto de centros de pesquisa e desenvolvimento, quanto de centros
decisórios, de uma forma geral, para a economia do país asiático, o que pode legar
maiores dificuldades ao Estado brasileiro em enfrentar interesses que estejam, por
ventura, opondo-se a políticas de interesse nacional. Este cenário contrasta
amplamente com as históricas preocupações da China em preservar, através do
gradualismo das reformas, o monopólio de poder pelo governo nacional, impedindo
que forças sociais emergentes e que interesses econômicos externos pudessem
colocar obstáculos à estratégia perseguida. Como relatado nos capítulos II e III, a
reação à crise deflagrada pela Tragédia da Praça de Tiananmen e a política de
privatizações, que privilegiou o capital privado nacional, foram dois momentos
exemplares da preocupação mencionada.
Ainda no contexto do IDE chinês ao Brasil, a relevância das operações de
F&A pode ser atribuída à combinação entre o estágio de desenvolvimento econômico
chinês e o cenário encontrado pelos capitais chineses interessados na economia
brasileira. Na ausência de possibilidades para ascender às etapas com maior
densidade e conteúdo tecnológico, próprias da III Revolução Industrial, as quais são,
em alto grau, capturadas pela transformação da estrutura produtiva chinesa das
últimas três décadas, a economia brasileira oferece, ao investidor externo, maior
viabilidade e atratividade para inversões em atividades ainda atreladas às
características da II Revolução Industrial, cuja expansão, no entanto, é frustrada pela
fragilidade ou inexistência de perspectivas de crescimento econômico ou de
processos redistributivos de renda que pudessem dinamizar o incremento de renda.
Resulta, desta conjuntura, o aparente desinteresse chinês por investimentos diretos
voltados à criação de nova capacidade produtiva, direcionando os capitais aportados
para negócios já estabelecidos que possam gerar frutos geopolíticos, econômicos e
financeiros à China.
187

O que se depreende, em suma, das hipóteses aventadas nesta seção, é


que o IDE chinês ao Brasil fora motivado, nos nove anos analisados, tanto por
elementos próprios à estratégia de desenvolvimento chinesa, quanto por
características da estrutura produtiva brasileira. No rol de motivações atreladas ao
primeiro grupo, destaca-se 1) a busca por recursos relativamente escassos,
sustentada por uma questão de soberania nacional; 2) a gradativa orientação de
decisões, por parte da China, em função de uma estratégia globalmente articulada de
aumento de sua influência geopolítica sobre o mundo; 3) a externalização de
empresas que já possuem competitividade frente à concorrência internacional, sob o
objetivo de absorção de novas competências; 4) a externalização de empresas com
desvantagens competitivas, com vistas ao aproveitamento de expertises encontradas
e absorvidas do exterior; e 5) o estabelecimento de polos produtivos em territórios
estrangeiros, que permitam o aumento do fluxo de exportações a partir da economia
chinesa, num processo de criação de demandas cativas, funcionais à canalização de
uma abundante oferta industrial produzida pela estrutura produtiva chinesa. Faz-se a
ressalva de que estes elementos são restritos a uma análise puramente produtiva das
determinações do IDE chinês, deixando-se de lado, aqui, motivações que estejam
associadas a estratégias de caráter financeiro – como a funcionalidade da aplicação
de reservas estrangeiras acumuladas pela China e a disposição de aumentar o uso
internacional de sua moeda, por exemplo - as quais também merecem apropriada
consideração em trabalhos dispostos a tal tarefa.
Em relação aos determinantes atrelados aos traços da estrutura produtiva
brasileira, chama-se atenção para o fato de que o IDE chinês, assim como qualquer
outro que aporte a uma economia de destino, não se desprende completamente dos
tipos de atividade estabelecidos naquele ambiente, sendo comumente constituído em
determinadas etapas e segmentos produtivos que encontrem vantagens associadas
aos vínculos e interações produtivos ali encontrados, bem como às características do
mercado ali existente. Como já sugerido, as inversões chinesas encontram, ao revelar
interesse pela economia brasileira, uma estrutura produtiva ainda desprovida de
etapas e tecnologias da III Revolução Industrial, bem como de motores de crescimento
que pareçam sustentáveis para a aposta em estabelecimento de nova capacidade
produtiva.
Por fim, não se deve deixar de evidenciar, ainda que não explicitado nos
dados trabalhados durante este capítulo, a recorrente presença de ações
188

coordenativas e diretivas do Estado chinês nos investimentos empreendidos no Brasil.


Estes elementos mostraram-se de duas principais formas: 1) o apoio e os estímulos
estatais, conformados no âmbito da política Going Global, que canalizam o IDE, de
forma geral, para determinados destinos, setores e propósitos – como a criação de
demandas cativas para a indústria chinesa; e 2) a presença maciça de inversões
realizadas por empresas estatais chinesas, as quais não necessariamente seguem
uma lógica microeconômica para guiar seu comportamento.
189

Considerações Finais

Ao longo do trabalho, procurou-se demonstrar a relevância dos caminhos


percorridos pela política de desenvolvimento chinesa para a conformação do que hoje
apresenta-se como uma inequívoca capacidade do país de legar, na esteira de sua
emergência como potência econômica e geopolítica mundial, desdobramentos de
dimensões profundas e ampliadas sobre as outras economias do mundo. Esteve, no
centro das preocupações desta dissertação, a demonstração de como a permanente
transformação conduzida e coordenada pelo Estado levou a estrutura produtiva à
evidente condição de, em alguns segmentos complexos, intensivos em tecnologia e
capazes de capturar alto valor agregado pelas cadeias produtivas, poder disputar
espaços na concorrência global e abrir, a partir de aprendizados e outros ativos
estratégicos, novas frentes de desenvolvimento, pautadas, cada vez mais, em elos de
comando da produção internacional. Por outro lado, permitiu-se discutir como a
histórica existência de limitantes estruturais às pretensões desenvolvimentistas
chinesas projetaram-se do passado ao presente, exigindo, de forma permanente, a
ação diretiva do Estado para permitir a redução estratégica de riscos e a continuidade
do ganho de relevância do país em relação ao sistema econômico internacional. Neste
âmbito, mostrou-se que parte da expansão produtiva chinesa ao mundo não se deu
sob a supramencionada forma de enfrentamento da concorrência global em
segmentos mais nobres do paradigma tecno-econômico, mas, de forma reiterada, em
atividades produtivas cruciais para reduzir a vulnerabilidade do país em temas como
segurança alimentar e suprimento de matérias primas.

Ainda como elemento ressaltado por este trabalho esteve a centralidade do


Estado para, ao longo dos quase 70 anos abordados, conduzir, a partir da combinação
de reformas graduais com o encadeamento de avanços e recuos estratégicos, a
conformação de um cenário de preservação do monopólio de poder do Partido
Comunista Chinês e de redução permanente dos riscos atrelados ao futuro do
desenvolvimento do país no âmbito de uma estruturante visão de longo prazo. Tais
elementos mostraram-se como pilares do rápido avanço em direção a uma estrutura
produtiva mais complexa, com 1) dilatação e adensamento de setores industriais,
compostos por atividades mais produtivas e com maiores possibilidades de promover
190

efeitos virtuosos sistêmicos, e 2) com saltos a novos patamares de renda, redutores,


em um movimento geral, da pobreza absoluta previamente existente no país.

Logo no período maoísta, nota-se, como indicado por Diegues & Milaré
(2012), uma importante ruptura de uma mentalidade continuísta e inercial no que se
refere às necessidades de industrialização. Os constantes esforços para promover,
por meio de altos investimentos, o desenvolvimento da indústria e a consolidação de
seus segmentos mais pesados, dão-se de forma alicerçada no fortalecimento da
coordenação econômica desempenhada pelo Estado, a qual intenta resolver,
permanentemente, o problema de transferência de recursos produtivos pela economia
rural ao meio urbano. Dentre a redução estratégica de riscos, está a preocupação por
organizar a estrutura produtiva de modo desconcentrado, de forma a evitar o seu
esfacelamento por eventuais demonstrações de força pelas ameaças externas,
próprias de uma conjuntura em que o medo de invasões era muito maior do que a
possibilidade de recorrer ao mundo estrangeiro para resolver questões internas
obstaculizantes. O período maoísta lega, aos anos que o sucedem, importantes
ganhos relacionados à educação e à qualidade de vida da população chinesa,
ingredientes que a elevariam à posição de um dos atrativos centrais para, em conjunto
ao seu baixo custo de reprodução, permitir uma nova inserção internacional da China
nos anos 1980, pautada na consolidação de uma indústria produtora de bens
manufaturados leves. Ademais, aumentos de investimento surtiriam relevantes efeitos
positivos sobre a produtividade rural nos anos seguintes à morte de Mao Tsé-Tung,
quando da reorganização da estrutura de produção no campo, proporcionando um
fundamental alívio às restrições colocadas pela vulnerável segurança alimentar.

Com o protagonismo do campo nas reformas da primeira metade dos anos


1980, fora possível, por sua vez, abrir novos espaços que permitiriam, mais adiante,
um aumento do peso do setor industrial na estrutura produtiva chinesa. A atenuação
ao problema de transferência de mão de obra e alimentos para o setor secundário
teria constituído precondição para um redirecionamento dos caminhos do
desenvolvimento, agora entendido como a combinação de esforços para a
concentração geográfica de atividades produtivas na costa do território chinês, a partir
da constituição das Zonas Econômicas Especiais, e posterior transbordamento de
seus efeitos para as demais regiões do país. Ademais, começava-se a consolidar, no
horizonte, a retirada gradual e aparente do Estado na determinação de parâmetros de
191

mercado, o que não representou o esvaziamento, de maneira alguma, de suas


funções coordenativas, mas a adaptação a uma nova realidade que se impõe sob o
desafio de recorrer ao mundo e à iniciativa privada para dar, de forma controlada,
continuidade ao ganho da importância chinesa perante a economia internacional e à
elevação da renda per capita interna a patamares superiores.

Diante de um alto crescimento até o final da década de 1980, a China


combina políticas industrial e cambial com um cenário externo transfigurado, que,
agora, permite uma inserção sem grandes prejuízos à sua soberania política. Ao lado
da busca crescente por matérias primas e alimentos no exterior, a China promove o
ganho de importância progressivo de sua pauta exportadora, ainda concentrada em
ramos de baixa tecnologia e intensivos em trabalho, produtores de bens eletrônicos e
outros manufaturados leves. Por outro lado, a entrada de capitais estrangeiros por
meio das ZEE’s permite um contínuo ganho de aprendizado, os quais criam condições
para um salto tecnológico nos anos seguintes, cuja política de desenvolvimento é
gerada a partir das interpretações diante das turbulências políticas eclodidas com o
episódio da Praça Tiananmen.

A década de 1990 apresenta-se, então, com um movimento de maior


abertura, ainda que controlada, da economia chinesa. Paralelamente, é observada
uma agudização do processo de complexificação da estrutura produtiva e da pauta
exportadora, rumo, agora, a bens mais intensivos em tecnologia e ao ganho de peso
da indústria pesada e dos serviços urbanos. A expansão da participação do setor
privado, por sua vez, não corresponde a grandes prejuízos à soberania e à
estabilidade da economia chinesa, o que, em larga medida, foi justificado pelo bem-
sucedido cuidado em evitar o aumento desenfreado do peso das empresas
controladas por capital estrangeiro, num processo bastante diverso àquele levado a
cabo por outros países subdesenvolvidos. Com a emergência, já na entrada dos anos
2000, de um ciclo virtuoso baseado na mudança estrutural ditada pela combinação da
urbanização com os investimentos em infraestrutura e indústria, conflagra-se maior
necessidade por energia, matérias primas e alimentos, o que desencadeia a estratégia
de recorrer ao mundo externo para resolver limites internos, com base, agora, no uso,
para a saída de capitais chineses ao exterior, das divisas adquiridas por meio do
ganho de dimensão das exportações e da entrada de IDE, evidenciando as ambições
em reduzir os riscos atrelados ao futuro do processo de desenvolvimento.
192

Por um lado, tal saída se dá para aquisição, como mencionado, de ativos


estratégicos, como marcas, canais de distribuição e fornecimento, e tecnologias, o
que consagra a possibilidade dos recém-formados conglomerados chineses de
disputar o comando da produção internacional nas cadeias produtivas de valor,
elevando o potencial de captura do valor agregado por elas. Por outro lado, a
realização de IDE assume-se como tentativa de controle direto das fontes de recursos
de que necessita, reduzindo as vulnerabilidades associadas à variação de seus
preços e ao eventual bloqueio do acesso a eles.

Tal estratégia tem, sobre sua gestação, como de praxe, a atuação vigorosa
do ente estatal, por meio de políticas de estímulo e direcionamento do destino e do
perfil dos investimentos. Além da face geopolítica atrelada à perspectiva da soberania
produtiva, tais inversões mostram-se próprias de motivações geradas pela ambição
por soberanias financeira e diplomática, à medida que proporcionam o aumento do
alcance da moeda chinesa e do poder de influência do país sobre diversas regiões,
submetendo interesses alheios à sua lógica de transformação.

Por fim, a reiterada prática de redução de riscos futuros, a observância de


intenções em assegurar o suprimento energético, alimentar e de matérias primas, a
permanente e incansável visão da necessidade de transformar e complexificar a
estrutura produtiva e as possibilidades geradas a partir da tradição histórica de
intervenção coordenativa pelo Estado resultam, no âmbito de recente processo de
espraiamento de suas estruturas de oferta pelo mundo, e na esteira de uma nova
relação entre a China e o restante da economia internacional que permita à economia
asiática resolver seus dilemas internos, na configuração de um específico perfil de
exportação de capitais chineses ao Brasil.

Este perfil retoma aspectos discutidos neste trabalho e mencionados nesta


seção, os quais se concretizam na percepção de um primeiro movimento de
investimentos, logo na entrada da década de 2010, de aquisição de fontes de
exploração mineral – petróleo e minerais metálicos – e de um segundo momento de
assunção de controle direto de estruturas de fornecimento e distribuição de energia,
especialmente no setor de Eletricidade. Combinado a este cenário, constata-se a
presença mais tímida, mas existente, de capitais direcionados à Indústria de
Transformação, os quais buscam especialmente setores chaves do desenvolvimento
recente chinês, tais como telecomunicações, produção de bens de capital e de
193

equipamentos de transporte, possivelmente escolhidos em função dos desejos de


exploração do mercado interno brasileiro e latino-americano pelas empresas chineses
que, nestes setores, passam a ambicionar novas frentes de expansão.

A partir de tal delineamento, que, em função do curto período de análise,


ainda não pode ser compreendido como um padrão duradouro, permite-se, ao menos,
atentar a uma das frentes que caracterizam o papel da economia brasileira nos
recentes esforços chineses de preservação de sua trajetória de desenvolvimento.
Com a recorrência de inversões na forma de Fusões & Aquisições, cuja explicação
sugerida por este trabalho reside no menor risco percebido pelas empresas chinesas
nas entradas de capital desta natureza - dadas a fragilidade do crescimento da
economia brasileira, tão bem quanto suas características técnicas próprias da II
Revolução Industrial -, conclui-se que tal papel não lega, ao Brasil, por ora, efeitos tão
entusiasmantes, uma vez que aponta para a transferência de propriedades sem
geração de novos postos de trabalho e de estímulos à atividade econômica, tem
potencial de provocar a quebra de encadeamentos produtivos pela substituição de
fornecedores internos por bens importados da China e sugere o risco de
externalização de centros de decisão privados e de atividades de pesquisa e
desenvolvimento, capazes de gerar efeitos virtuosos ao restante da estrutura
produtiva.

A hipótese interpretativa de tal cenário é, então, que a atuação de


empresas chinesas no Brasil, a partir de 2010, gera, associada ao movimento de
desenvolvimento da economia do leste asiático, um processo de agravamento das
restrições sobre as possibilidades de um desenvolvimento soberano da economia
brasileira. Nota-se, por outro lado, que a China efetivamente dispõe o Brasil em seu
caminho estratégico rumo à redução de vulnerabilidades internas e de conquista de
espaços na economia global, direcionando, assim, investimentos que, submetidos aos
interesses coordenados por seu Estado, proporcionam valiosos meios para afastar as
ameaças atreladas ao suprimento energético e alimentar e para, nos anseios de dar
continuidade a seu processo de desenvolvimento, pensado numa perspectiva de
longo prazo, expandir a presença de suas empresas em mercados relevantes aos
setores estratégicos de sua indústria.

A exemplo do que faz no mundo todo, repartindo suas inversões em blocos


sob o critério das características da estrutura produtiva do país de destino dos capitais,
194

sugere-se que a China possa, no futuro, empenhar investimentos mais concentrados


na indústria brasileira, uma vez que este conjunto de atividades é mais complexo e
virtuoso do que em outros países sul-americanos ou em outras economias
subdesenvolvidas. Tal cenário depende, evidentemente, da preservação interna dos
ramos da Indústria de Transformação, configurando pré-condição, por exemplo,
resistir ao movimento de especialização regressiva da economia brasileira em
atividades primárias e extrativas.
195

Referências Bibliográficas

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Estratégica, p. pp. 24 - 31, out. - dez. 2005, 2005.

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