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Resgatando a memória de um lugar: 3
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dados preliminares da intervenção 5
arqueológica na Capela de S. Sebastião, 6
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Seara Rei* 10
Sandra Assis** 11
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Resumo 16
No âmbito da iniciativa “Férias Arqueológicas” da responsabilidade da 17
Câmara Municipal de Ourém decorreu, entre os dias 4 e 18 de Agosto de 18
2014, uma intervenção arqueológica inédita na capela de São Sebastião, em 19
Atouguia, Ourém. Nas sondagens realizadas detetaram-se valiosos elemen- 20
tos, tais como estruturas até então desconhecidas, espólio artefatual e vestí- 21
gios osteológicos humanos. Dos vestígios materiais detetados, sobressaem 22
as moedas e as várias cerâmicas, objetos essenciais na obtenção de uma 23
baliza cronológica, para a ocupação deste espaço. No domínio antropológico 24
foram identificadas duas inumações primárias - o Enterramento 1 e 2 (dois 25
adultos, provavelmente do sexo masculino), e vários elementos ósseos de- 26
sarticulados. A profusão de ossos descontextualizados e a identificação de 27
uma redução de corpos sugere a reutilização do espaço sepulcral. A análise 28
sumária do espólio ósseo desarticulado permitiu identificar 17 indivíduos (11 29
adultos, 6 subadultos). Os trabalhos desenvolvidos permitiram recolher tes- 30
temunhos da presença de uma comunidade associada à capela, lançando 31
luz sobre a história da edificação do templo, os seus intervenientes diretos, e 32
os modos de ocupação do espaço. 33
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* Arqueóloga, licenciatura em História, Variante de Arqueologia, pela Universidade de Coimbra. 35
** Doutorada em Antropologia Biológica pela Universidade de Coimbra. Professora auxiliar convidada
da FCSH - Universidade Nova de Lisboa. Investigadora integrada do CIAS - Centro de Investigação
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em Antropologia e Saúde da UC. 37
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tes relatos, não existe qualquer referência direta a esta Capela e que, ela já 1
se encontrava erguida. 2
A primeira fonte documental à CSS advém do final do século XVII, onde 3
é mencionado que, já em “1682 as suas paredes ameaçavam ruína, como 4
consta da vezita que n´esse anno fez o Bispo de Leiria D. frei José de 5
Lencastre, dizendo que a mandaria arrasar se as pessoas, por conta de quem 6
devião correr os reparos não tratassem de a concertar; vê-se por tanto que 7
náquelle tempo era velha e foi depois reedificada com a segurança e a soli- 8
dez que ainda agora apresenta no estado de lamentável destruição; era 9
fabricada por uma confraria e todos os anos se fazia ali uma grande feira” 10
(FLORES, José, 1994, p. 219). Pouco tempo decorrido, “em 1703 o Bispo D. 11
Álvaro de Abranches mandava rasgar a fresta da ermida por ser pequena e 12
dar pouca luz” (FLORES, José, 1994, p. 219). Estas fontes históricas, por seu 13
turno, já mencionam a existência de um templo degradado, cuja cronologia 14
se situa entre a segunda metade do século XVII e início do século XVIII. 15
Sobre o lugar de “S. Sebastião”, subsiste uma lenda que, faz referência, 16
à origem do nome que lhe foi atribuído. Aquando as invasões francesas, no 17
início do século XIX, as tropas francesas, de regresso ao seu país, pararam 18
de frente para a Capela e, tentaram derrubar-lhe a porta, de forma a saqueá- 19
la. Conta-se que, o sacerdote assustado, se pôs em fuga, por uma porta late- 20
ral, não sem antes, colocar a imagem de S. Sebastião junto da porta principal. 21
Milagrosamente, as tropas não conseguiram executar o seu intento. Por este 22
motivo, a população resolveu alterar o nome do lugar, para São Sebastião 23
(http://www.jf-atouguia.pt). 24
Com base na documentação do final do século XIX, é referido que: 25
“Adeante na vasta planície dos Alveijares, estão as ruinas da capella de S. 26
Sebastião, incendiada pelos francezes em 1810, junto da ponte do mesmo 27
nome” (FLORES, 1894, p. 260). 28
Votada ao abandono, a CSS chegou aos tempos coevos em avançado 29
estado de degradação. As pilhagens a que esteve sujeita ao longo dos anos 30
ditaram o desaparecimento da quase totalidade dos elementos decorativos e 31
alfaias religiosas, apresentando-se atualmente desprovida de elementos tais 32
como o altar, a pia batismal, o púlpito, os azulejos, as imagens religiosas, 33
entre outros. 34
Este imóvel, hoje propriedade da Câmara Municipal de Ourém, perten- 35
ceu até há pouco tempo, à Quinta de S. Gens (RAMOS, n.º 14, 2004, p. 26). 36
Em 2003, a Câmara adquiriu esta Capela, bem como o terreno circundante, 37
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37 Fig. 2: Planta da Capela, com localização das sondagens arqueológicas (Camara Municipal de Ourém)
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Tabela 2. Sumário da análise antropológica preliminar de campo
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menos, até ao início do século XIX. Sobre quem a terá mandado edificar, os 1
motivos e a data da sua construção, ainda existe muito para dizer mas, pode- 2
rá estar associada ao desejo de perpetuar a memória da passagem do Rei D. 3
João I e de D. Nuno Álvares Pereira, pelo seu neto, D. Afonso, 4.º Conde de 4
Ourém (1422 – 1460). 5
Os dados antropológicos permitiram traçar duas considerações sobre a 6
dinâmica da CSS: 7
(1) A profusão de material osteológico desconexo pressupõe que a ca- 8
pela terá sido utilizada, frequentemente, ao longo do tempo. A presença de 9
casos de redução de corpos e ossos descontextualizados traça o retrato de 10
uma necrópole de média ou longa duração refletindo «(...) a exiguidade e o 11
anonimato das sepulturas, a reutilização das fossas e o amontoar de ossos 12
em ossário» (ARIÈS, 1975 in BRAIZOT, 1996, p.149) o seu uso intensivo até 13
à saturação, talvez coincidente com períodos de grande mortandade. Segun- 14
do BRAIZOT (1996, pp.5-12) a gestão de um cemitério assenta na capacida- 15
de de conciliar o fluxo de enterramentos com o espaço disponível à superfí- 16
cie. Nos casos em que o fluxo de corpos ascende os espaços disponíveis, 17
facilmente as necrópoles entram em rutura. Como resultado assiste-se à 18
reutilização total ou parcial das sepulturas, com todas as consequências que 19
daí advêm: um elevado número de sepulturas primárias incompletas; agrupa- 20
mentos de ossos em situação secundária; ossários e ossos dispersos nos 21
enchimentos das sepulturas e inexistência de unidades estratigráficas crono- 22
logicamente homogéneas. 23
(2) A presença de peças ósseas em distintos estados de maturação e 24
pertencentes a indivíduos de ambos os sexos revela que a capela foi espaço 25
de inumação para diferentes membros da comunidade local. 26
No que diz respeito à cessação de funções da CSS enquanto espaço fune- 27
rário, é possível que a mesma tenha ocorrido em meados do século XIX, após a 28
emissão do Decreto-Lei de 1844 que veio proibir a inumação no interior das 29
igrejas e adros, e a sua substituição por cemitérios públicos. Por exemplo, para 30
a freguesia vizinha de Vila Nova de Ourém é referido que a criação do novo 31
cemitério terá ocorrido em meados do século XIX: «o cemitério d’esta frequezia 32
recebeu a bênção do respectivo parocho no dia 9 de setembro de 1856, dando- 33
se em seguida sepultura, a Claudia Maria, viúva de Luiz da Cruz, que foi uma 34
das victimas da cholera morbus que n’esse tempo grassou.» (ELYSEU, 1994, 35
p.121). Uma conclusão pode, no entanto, ser aventada: o Enterramento 1 terá 36
sido um dos últimos a ser inumado no interior da CSS. 37
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