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Revista de Guimarães

Publicação da Sociedade Martins Sarmento

UM NOVO ACHADO EM PORTUGAL DE JÓIAS DE OURO PROTO-HISTÓRICAS.


CARDOSO, Mário
Ano: 1959 | Número: 69

Como citar este documento:

CARDOSO, Mário, Um novo achado em Portugal de jóias de ouro proto-históricas.


Revista de Guimarães, 69 (1-2) Jan.-Jun. 1959, p. 127-138.

Casa de Sarmento Largo Martins Sarmento, 51


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https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/
s
ui

Um novo achado em Portugal


de jóias de ouro preto~históricas
Pôr M Á*11"1 o c Ann0 z o
Directos do Muscu d: fifidartins Sarmento»
,a

Por nossa intervenção pessoal, na qualidade de Vogal


da Subsecção de Arqueologia. da Junta Nacional de Edu--
cação, deram entrada, em 7 -de Janeiro do ano corrente,
no ‹‹Museu Etnológico do Doutor José Leite de Vascon-
celos››, três magníficos touque: de ouro (Figs. 1, 2 e 3),
generosa oferta do Conselho de Administração da Com-
panhia Hidro-Eléctrica do Cávado, à qual estes exem-
plares da nossa joalharia preto-histórica pertenciam.
Foi esta uma das mais expressivas homenagens pres-
tadas à memória do sábio investigador, cujocentenário
do seu nascimento» se comemorou no ano transacto,
contribuindo-se deste modo, com essas três valiosas e
piedosas jóias, antigas de muitos séculos, para o enri-
quecimento do grande Museu que ele fundou, e para o
qual trabalhou a vida inteira.
O tesouro importantíssimo do MUseu Etnológico de
Belém, que muitos arqueólogos, mesmo portugueses,
desconhecem, porque dele se não tem feito a necessária
I divulgação, faltando um catálogo ilustrado das preciosi-
dades que contém, possui numerosas e valiosíssimas jóias
antigas achadas em Portugal, muitas delas ainda inéditas.
Os belos touques. agora oferecidos- vieram, sem dúvida,
aumentar notavelmente O valor e o interesse científico e
artístico desse esplêndido tesouro arqueológico.
Apareceram as três novas jóias de que vamos dar
notícia em uns de Julho do ano passado, num terreno
de montado da freguesia de Paradela *do Rio, próximo
da grande barragem aluvial, monumental obra de enge-
fiharia ali construída pela Companhia Hidro.Eléctrica do
128 REVISTA DE GVIMARÃES \
\
I

Cávado, que tem a sua sede na cidade do Porto, e


por digno presidente do Conselho de Administração o
.
Sr. Dr. Fernão de Ornelas. . ^

Esse terreno- tinha sidoadquirido pela referida Com- I


panhia para a b e r t u r a de uma estrada que liga Paradela
do Rio à freguesia do_Outeiro,.zdo Concelho de Monta-
legre. Ao ser praticada, durante os trabalhos, uma .porta-
dura na CIICOSÍÍÊ íngreme desse lugar agreste e monta-
nhoso, surgiu, a brilhar na pá de um dos cavadores, e
liberto da. terra movida, o aro de um dos torquer, apare-
cendo, logo de seguida, mais duas jóias idênticas.
A intervenção da Companhia Hidro-Eléctrica, logo
.
que tomou conhecimento do achado, auxiliada pela
Guarda Nacional Republicana do Posto rlocal, teve corno
excelente resultado fazer com que se não perdessem no
caclinho da fundição de qualquer ourives inculto (o que
aliás é frequente) estes preciosos exemplares da nossa
remota e opulenta joalharia arcaica. ‹
. .
Casualmente, , chegou também ao nosso conheci-
mento a;notícia desta valiosa descoberta ( 1 ), que imediata-
mente transmitimos, como nos competia, à Subsecção
II
de Arqueologia da Junta Nacional de Educação, à qual
incumbe a defesa do nosso património artístico e arqueo-
lógico, por sua vez, este organismo interveio, pedindo
às autoridades policiais competentes a apreensão das
jóias, até lhe ser dado~=›o; destino devido, emeonforrní-
dade com a legislação que regula os achados desta
natureza. .
Posteriormente, reconhecido à Companhia Hidro-
-Eléctrica do 'Cávado o direito de posse dessas jóias, que,
pelo Inquérito a que se procedeu, se . verificou terem
sido, de facto, encontradas em . terreno seu, foi então,
por lembrança e sugestão nossa, que o Ex.m0 Presidente
do. Conselho de Administração daquela Companhia con-
sentiu em oferecer o precioso achado ao «Museu Etno-
lógico do Doutor José~Leite de Vasconcelos››. . ..
Vamos descrever,zesscsz três formosos exemplares da
sumptuosa joalharia lusitana, .pois cumpre dar publici-
dadezaos achados desta natureza, em vista do seu grande
.. I

(1) Foi-nos dada noticia do achado peloEx.m° Snr. Capi-


tão Elísio Guilherme de Azevedo, do Arco de Baúlhe. ‹

«
JÓIAS DLE OURO pnoro-HIsTóR1cAs 129

interesse: científico para o estudo da origem, evolução e


cronologia deste curioso ramo .de uma das mais. notáveis
indústrias manuais dos HOSSOS" longínquos antepassados.
Mas, antes disso,*julgamos oportuno apresentar algumas
considerações de ordem geral sobre a ourivesaria antiga.
A nossa .joalharia arcaica nem. sempre nos oferece,
apesar da sua tipologia absolutamente característica, ele-
mentos seguros parazza laxação da. cronologia dos achados
de que façwpartezz em primeiro lugar,~porque tais. desco-
bertas de objectos de ouro. são. geralmente consequência de
antigos esconderijos, praticados em época incerta em sítios
desertos eu recônditos, mais :ao menos: distantes de quais-
quer outros.. lugares que ofereçam vestígios de- .primitiva
i

Já ¡
ocupação humana, em seguida, porque tais objectos são
quase sempre z encontrados fortuitamente,=em resultado
de escavações de tonalidade material, praticadas por ope-

rários ignorantes, que logo destroem quaisquer» outros z

restos» do complexo ,arqueológicoque .formava a 'totali-


dade e o ambiente do achado, ou sejam, por exemplo
¿


I.

pedras de alguma sepultura, fragmentos de ossadas, restos »


z.

".

de cacicas ou de quaisquer outros objectos de tipolo-


x

gia conhecida ou *cronologia verificável; finalmente, 1

porque Os Ãelementos múszmhes e despidos de qualquer


valor material puf apücação prática, tais como, por exem-
.z
plo, os simples fragmentos de cerâmica, são .sempre os
que mais seguros dados nos fornecem para o iestabeleci-
mento de uma cronologia absoluta. ou ârelativa, visto que
o homem do-~ passado, ao rejeitar, em certo momento,
esses objectos inúteis, os deixou situados em. determinado
estrato arqueológico, fe =aí ¬ se conservaram até os. nossos
dias , outro tanto 'não sucede geralmente- 'com os." obiectos
de valor, como asá: zjzóias xdeé ouro,:';por. exemplo, que
jamais são rejeitadas por-quem quer»-e=.a.* «sua propriedade
vai passando d e ã o em. mão através dos széculos, não
sendo raro= encontrarem-se, no níyelzestratigráfico,
achados arqueológicos contendo* exemplares.. de . remota
antiguidade, a .mistura com outras..'peças.zde tipologia e
idades muito mais recentes; ‹
z
I

A nossa opulenta indústria pré¬e~z.protoz-histórica da r

joalharia áurea, revelada em .frequentes *descobertas,


corresponde a uma intensa exploração que, em epocas
.
distantes, se fez da grande e avariada riqueza mineral
'

do nosso solo, -espedalmfiflffi .na,¡ reg


iã mqnraínhosa
o
9
ui
180 REVISTA -
DE GVIMARÃES

-do Norte do país. Ainda hoje é rara- a lavra mineira, em


actividade ou abandonada, onde se não tenham encon-
ztrado: vestígios de antigas explorações do período da
:ocupação romana do território Ou- mesmo de épocas I
Muito anteriores.. . . .
. Ora, um dos mais curiosos ramos de Arqueologia
é, sem dúvida, este referente às origens do USO Ídos
,

metais, primeiramente no seu estado nativo (o ourozyde


aluvião que aflorava nas areias de certos rios, a prata,
O cobre, etc.), que o homem trabalhava a frio, seguidas
mente ele toma conhecímentozda fusão desses metais e
depois, com o desenvolvimento* gradual da metalurgia,
atinge a formidável descoberta da liga» metálica do cobre
com o estanho, 'que revolucionou toda. a. vida social e
económica da Humanidade .primitiva e estabeleceu um
marco na sua evolução, . ¡ histórica, querzficou conhecido
pela designação de.: Idade do .Bzronze.=l*.zMais tarde, o
homem, aprendeu também forjar 'C a temperar o ferro,
o que provocou' .o abandono da aplicação de .outros
metais menos resistentes p r a z 0. âfWrkoüs suas armas
de combate e dos seus ' instrumentos ~de=›trabalho. Mas
nunca Pôs de parte, antes desenvolveu constantemente IB
a utilização dos metais obra,~o›ouro~=e a prata, embora
I
sem outra utilidade que a,-da confecção doszseusf adamos
pessoais, e muito especialmente da -joalharia É =FÂi'Í8‹de$tÍ'
z

nada ao embelezamento da. mulher. . .‹ .


Touque.: ou tørquis é !0 antigo. nome dado a determi-
.
nada espécie de colares. rígidos, de ouro,
› .›e raraszvezes
:

de prata, constituídos por zurrá arco aberto, detecção


1
I

losânguica. .e faces Hge-iramente côncavas, ou, com menos


I
I
I

frequência, .dc secção circular, terminando as suasextre-


midades em remates ou cabeças ornamentais constituídas
de diversas formas: .€1'Il duplo tronco de cone, em
dupla escócio, em forma de p e r , em pequenos. vasos ou
campánuln, em tripas, em botões ou em simples gan-
chos. O aro é, com frequência de~superf.ícies lisas, mas
I
I
outras vezes é funicular, isto é, tem- a :forma z de um
I
i torso 'ou corda, de onde resulta a generalização, aliás
MpróprM, extensiva a todos os exemplares, sejam ou
¡i I

não de aro funicular, da designação de torque.F, do latim


'i
i
ii
li
I
tørquere, torcer, enrolar.
Não iremos aqui repetir a história desta classe de
|=
jóias primitivas, que está de há muito feita por investiga-
ii
II
'I
I
!'
I I

il
I;
I
I
JÓIAS DE OURO PROTÃO-HISTÓRICAS 131

dores e especialistas competentes, de entre os` quais é


justo destacarão nome, bem conhecido, de um dos mais
notáveis arqueólogos da Península, o malogrado estu-
dioso galego D. Florentino Lopez Cuevillas, há meses
falecido, que nos deixou sobre a Cultura galaico-portu-
guesa 'obras muito importantes, designadamente SObre a
nossa joalharia, estudo que ele condensou no volume La:
jaja: Castreñar ( 1 ), e também, COII1 mais estreita relação
.
ao tema deste artigo, num trabalho que intitulou
Os touque: do Noroeste biâpaníco . (2), i
'

Diremos, portanto, 'apenas que *estes colares, cuja


origem é atribuída aos Celtas, eram' usados pelas tribos
peninsulares desde os tempos pré-romanos,como insígnia
e distintivo de chefes guerreiros, facto que *a Arqueo-
logia testemunha plenamente, através de algumas das
rudes esculturas de Pedra, existentes em musas .portu-
gueses e espanhóis, conhecidas pela designação de está-
tuas de ‹‹ guerreiros galaicos ››, ou de «guerreiros lusitanos ››,
ao pescoço de alguns dos quais se vêem grosseiramente
esculpidos estes touques, por exemplo, nas estátuas pro-
cedentes de Montalegre,›noMuseu Etnológico (Fig. 4),
e numa outra encontrada no Castro de Rubiás, na
. .
Galiza (3)
A origem celtas destes colares confirma-se também
,
seguramente através da História e dos monumentos
de Arte e de~Arqueologia de outros pises: por exemplo,
na formosa escultura clássica, do séc. I I I Q . C., conhe-
cida pelos títulos de «Gálata ferido» e «Gladiador mori-
bundo», pertencente ao Museu Capitolino, de Roma,
magnífica estátua da época helenística ( e c o de Pér-
gamo), representando um bárbaro caído em combate (4),

(1) Florentino Lopez Cucvillas, La: jqyas Carmim, Ma-


drid 1951.
• ( 2 ) F. Lopez Cuevillas,
0 . . ‹‹Os torques do Noroeste hispa-
lllCo)>, m Arquivo: do Semznarzo de Ertudox Galegos, Santiago de Com-
ú

postela 1932, p. 97-130. `


( 3 ) F. . Lopez. Cuevillas e Joaquim Lorenzo Fernandez,
«Sobre arqueologia do território dos Querquernos», in Revista de
Cuzmarães, Vol. XLVIII, 1938, p. 102, fig. 9 , e Las jqyax Caxtreñas
Ut., p. 21, fig. 2.
( 4) Sobre esta escultura pode ver-se, por cx., A. Blanco,
Arte grieco, Madrid 1956, p. 230-231; Hiƒtoirø Uniuørrelle de .I'Art,
publicada sob a direcção de Marcel Aubctt, ‹‹L'Art classique de
,
la Méditerranéc», por Jean Charbonneaux, Paris 1932, tomo I p.146.
132 REVISTA DE GVIMARÃES \

\
l

o qual ostenta um torquer ao pescoço (Fig. 8). Se nos


quisermos reportar a testemunhos ainda mais remotos,
vamos encontrar outra figura masculina, também porta-
dora do touques, numa tosca escultura procedente de I
Euffigneix (Alto Marne) e depositada no Museu de
Saint-Germain-en-Laye. ( 1 ), seguramente identificada como
produto da arte céltica (Fig. 5), representando uma
divindade tribal antropomórfica.
Outras figuras esculpidas ostentando touque: podem
analisar-se na face exterior do .célebre caldeiro de prata
de Gundestrup (Jutlândia, Dinamarca ), que está no
Museu de Copenhague (2), e em cuja ornamentação se
reproduzem diversos deuses celtas (Fig. 6). Igualmente
o chamado ‹‹deus de Bouray››, no Museus de Saint-Ger-
main, curiosa figura executada ‹‹a repuxado» em chapa
de bronze, (Fig. 7)-, encontrada perto de La Ferté-Alais
(Sena e Oise),é portador de um touque: (1), E outros
exemplares, seguramente datados da época céltica, pode-
ríamos citar como testemunhos de que o touque; era, na
verdade, um distintivo especialmente característico dos
povos celtas. . . ..

Igualmente a .antroponímia confirmaío uso dos tor-
que: pelos chefes militares, pois o antigo nome romani-
zadode Torquatw não é mais que um adjectivo substan-
tivado significando o . ‹‹homem que .usa torque.f››,' como
. Viriatus ou Viríalig' é O homem que usa virias, braceletes,
tal qual se documenta também numa das referidasestátuas
de guerreiros. lusitanos existente no Museu de Martins
Sarmento, em Guimarães.. ,

. â;" 'L-2 . . ,

(1) Sobre esta estatueta de pedra ver: T. G. E. Powell,


Toe Celta, London 19s8% p. 134, plate 67 e p. 270; e André Vara-
gnac,. L'Art Cauløir Paris 1956 (N.° especial da Rev. Zodiaque),
p. 93 e planches. 6, 7.
(2›Sobre a bibliografia do vaso de prata de Gundestrup,
descoberto em 1891, em vHimmerland (Dinamarca), ver: J. Déche-
lette, Manuel d'Arcbéo/ogia, Paris vol. II, 2_a ed., 1924, p. 466 ,
vol. IV, 1914, p. 928, 1157, 1179, 1180, 1419; H. Hubert, Le:
Celta: depois Peboque de La Tine et la Civilisation Celtiquø, Paris. 1950
(ed. revista), p. 297. Em obras mais recentes,'verT. Powel, Tbe
Cela: cit., p. 154, 167-168, A. Varagnac, L"Art Gauloi: cit. p. 236
.
edil. 3 a 10, p; 321 e pl. `9.
(3) Sobre~ o «deus de Bouray» › ver: A. Varagnac, ob. v i . ,
1

p. 96 e pl. 43, p. 311 e pl. 18, 19, T. ›Powell, os. cit., p. 271
e pl. as. *. . ,.
I

JÓIAS DE OURO PROTO-HISTÓRICAS 133

Diz-nos 10: aludido investigador galego, Florentino


Cuevillas, parecer comprovado que nos países celtas do
Centro e do Ocidente da Europa também esta classe .de
jóias constituiu adorno de mulheres, durante todo O= pe-
ríodo de La Tène-I, e que apenas cerca do ano 300
a. C. se converteu em distintivo de guerreiros (* ).
Apresentadas estas ligeiras considerações preambu-
lares sobre joalharia antiga e sobre os touque: em geral,
passemos então, finalmente, à descrição dos três exem-
plares há pouco encontrados no Norte de Portugal;

Touques n.° I
Comecemos por esta peça, a mais pesada das três, e
a única queao 'ser desenterrada ficou isenta de qualquer
avaria. As suas características são as seguintes :
Touque; de ouro de tonalidade amarela clara, prová-
velmente por conter em liga certa percentagem de prata.
Não foi feita a verificação do título destas três jóias,
mas o ouro deve aproximar-se das 900 milésimas, se-
gundo os técnicos de ourivesaria que 'as analisaram.
O peso' desta peça é de 180,5 gramas. .
A abertura ou äâmetro máximo do aro, tomado
.
interiormente, na parte média, é de' 1331INIfl.
O aro é de* secção rômbica, e apresenta as quatro
faces ligeiramente côncavas, é mais grosso na parte mé-
dia, na qual as faces tem '7,5›II1fl1 de largura, e também
,

nas extremidades, nos sítios em que se liga aos" remates


terminais, onde as faces acusam 6 mm de largo. Nas
zonas entre estes espessamentos, as faces têm uma mé-
dia de 4,5 mm de largura. . .
Quanto à ornamentação dos zforquer, os exemplares
deste tipo de colar O11' têm o aro totalmente liso, ou
apresentam uma decoração nas duas faces externas da
parte superior média, como também, por vezes, numa
pequena zona de cada uma das extremidades, junto da
inserção dos remates terminais.~ O presente exemplar ë
dos *ornamentados apenas na *parte média; Esta' orna-
mentação (Fig. 9) é constituída por uma série desfolhas

(*) F. Cucvillas, Lar ƒqyar Caƒtreñas cit., p. 20-21.


134 . .REVISTA DE GVIMARÃES `1
I

de recorte lanceolado, tocando-se sucessivamente, em


posição oblíqua, pelas suas extremidades, alternadamente
a superior e a inferior, tal qual um» dos ‹‹mo1:ivos›› deco-
rativos do famoso bracelete do Tesouro ›de. Lebução
(Fig- 10), pertencente ao Museu de ‹‹ Martins Sar-
.

mento ››, ornato este que o ilustre investigador, professor


da Universidade de Sevilha, .Sr. Dr. António Blanco,
designou de «folhas em ziguezague» (1). Estas folhas
apresentam respectivamente, nos seus pontos de con-
tacto, e bem assim no seu interior e» nos espaços inter-
médios, alternadamente superior e inferior, um agrupas
m e t o de duas pequenas circunferências concêntricas
impressas a punção. As extremidades .desta decoração
rematam num semicírculo indicado por minúsculas pon-
tuações, o qual contém no interior .duas pequenas cir-
cunferências concêntricas, e. três em disposição triangu-
lar, no vértice do arco.
. Todo este delicado desenho é trabalhado a punção,
por meio de pontuações percutidas e impressas com
cinzeis ou matrizes de pontas agudas e extremamente
unas. I
Finalmente, o aro termina em remates ou cabe-
ças de 30111111 de comprimento, constituídas por duas su-
perfícies em escócio, ligadas entre si pelas bases e oma-
mentadas na face circular externa, que tem 22,5 mm de
diâmetro. Essa ornamentação (Fig. 1) consta de uma
rosácea de sete folhas lanceoladas, inscritas numa circun-
ferência, e tendo no centro., soldada, uma pequena esfera.
Nas pontas das pétalas da rosacea e« na sua parte interior
há, em cada uma, duas circunferências concêntricas.
As pontas são flndafigaàs entre sí por arcos de ,cir-
cunferência. . . _
O trabalho apresenta uma notável perícia, na técnica
da execução, e grande delicadeza na própria simplicidade
dos ‹‹motivos›› ornamentais adoptados, factos tanto mais
de apreciar e de admirar, atendendo à época remota, de
há mais de dois `milhares de anos, em que estas jóias
foram manufacturadas, quando os processos oficinais e
a utensilagem deviam ser .absolutamente rudimentares.

(1) A. Blanco, ‹‹En torno a las joyas de Lebução», in Re-


viria de Guimarães, vol. LXVIII 1958, p. 170 e fios 1`1-n.° 2 e 13.
JÓIAS DE OURO PROTO-HISTÓRICAS 135

Resta-nosacitar alguns exemplares da M€SIII1a tipo-


logia aparecidos, anteriormente a estes, em Portugal C na.
Espanha.~ Da nossa região de Trás-os-Montes conhece-
mos múswdois .-~Z*orque.r› iguais a este,.agora encontrado
em Paradela do Rio.: um deles, aparecido na Veiga de
Chaves, do qual demos notícia em 1942, no Ara/Jivo E.:-
paiol de Arqueologia, de Madrid (* ), encontra~se na mão
de um ourives daquela cidade, o outro, que fazia parte
do já citado .Tesouro de Lebução, hoje pertença, como
dissemos, do Museu Arqueológico da¬Sociedade Martins
Sarmento, por generosa e recente oferta dos descenden-
tes do saudoso Arqueólogo Ricardo' Severo, que foi
grande amigo e discípulo do sábio Martins Sarmento ( 2 ) ,
Da região espanhola do Noroeste da Peninsula são
também conhecidos diversos exemplares de igual tipo,
procedentes respectivamente de Recadieira (Mondoñedo),
das proximidades de Lugo e de Melide, de San Lorenzo
de Pastor ( Arzúa ), de Cargas de Oniz, etc. (3).

Torques n.° I I (Piâ¬2)~


É um torques dO mesmo tipo do anteriormente des-
crito, mas mais singelo, pois é inteiramente liso, sem a
menor ornamentação, o seu peso, também inferior ao
do primeiro, cerca de metade, apenas acusa 95 gramas.
O diâmetro, máximo do aro, na parte interior, é
de ; tal como ho touques anterior, o seu aro é de
124110111

secção romboidal, mas de menor espessura, pois na parte


média do aro, as faces tem 3,5 fl11I1 de largo, nas extre-
midades 4,5M"1 e nas duas zonas intermédias 2,5"i"1*.
Os remates, de 27 mm de comprimento, são também
em dupla escócio, e a sua face exterior, com 18 mm de
diâmetro, reduz-se a um círculo liso, tendo semente no
centro uma pequena esfera ( Fig. 2).

(1) Mário Cardozo, «Una preza notable de la orfebrcria pri-


mitiva», in Archivo Espanhol de Arqueo/ogàz, Madrid, tomo XV,1942,
P- 93-103.
( 2 ) Mário Cardozo, «Uma aquisição preciosa do Museu de
Martins SarmentQ››, in Reviráa de Guimarães, vol, LXVH, 1957,
P- 417 e ss. j .
( 3 ) F. Cuevillas, Laƒƒoyar Cartreñar cit., p. ^22, 23,'24, 26, 27.
156 _R:E¶1-$TA DE GVIMARÃES~

Um destwreMtes, ,barbaramente = fimutiladoz "C des-


tacado pela base, foi ~ lev«ado-.,p.elo~~achador -atum ~o:uri-
ves, ' e em de certificar-se se era ou não de ouro. :
I
. Note-se, porém, que esta avaria causada na jóia teve
condão de nos revelar um pormenor curioso do pro~
cesso de ligação do remate à ponta do aro: a extre¬
4
idade losânguica do aro entra, bem ajustada, numa
Perfuração, de recorte idêntico, praticada no disco inte-
rior do remate, e, depois, essa extremidade é rebatida a I

martelo e ponteiro, de forma a produzir aí uma dilata-


ção do» metal, que assim prende fortemente a base do
` Í remate, em seguida acabada de consolidar. com solda,
Pela parte exterior. ,

iz

ø \
i' - - :_ -
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Q- -š
solda.
) H-'I K solda
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Pormenor da ligação do remota ao aro, do touque: n.° II


31...
. _, Touques n.° I I I .
(Fig. 3).
ui

.'›' Este é, dos três colares rígidos, o que melhor se


adapta à' deslgnação de íorqueƒ, pois apresenta; de facto,
A.

o aro torcida em duas zonas laterais simétricas; Encon-


o

JÓIAS mzvrouNo PROTO-HISTÓRICAS 137'

tia-se ftaÇtulad()...nutna dessas zzonas zfuniculares, avaria


porém de fácil reparação. . , -
É das três jóias a menos vulgar, e a de mais inte-
ressante e delicada feitura. . Além do gracioso torcido
que apresenta, é também .ornamentada a punção, na
parte média superior do aro, bem como nas extremida-
des, junto a, inserção das cabeças terminais, que, neste
exemplar, são em forma de perinhas. . :

Pesa 111 gramas., e a abertura máxima do ~aro é


de 130I"M. Este aro apresenta, na parte média e nas ex-
tremidades, secçãoromboide, e a largura das faces, nesses
pontos é respectivamente de.4 e de 3›,5MM.
A decoração das faces é constituida por uma curiosa
série de torsosâ formados . de três elementos cada um,
praticados com um punção do mesmo desenho (Fig. 11 ).
Trata-se de um ‹‹rnotivo» decorativo que, igualmente
com a rosácea, foi muito empregado na ornamentação
castreja, desenhos que têm uma remota traição, tanto
aplicados em objectos metálicos como também na escultura
em pedra e na cerâmica, e que inclusivamente sobrevi-
veram até um período tardio, na arte dos mosaistas da
epoca romana.
Os remates são, como dissemos, piriformes, cor o
comprimento de 20 mm e a largura máxima de 14 mm_
A decoração do aro, na zona da inserção com os
remates, apresenta os mesmos «motivos ›› ornamentais,
mas em sucessão longitudinal, e não em disposição
paralela, como na parte superior. média do aro.
Também deste tipo de touque: são conhecidos diversos
exemplares encontrados na região espanhola do Noroeste
da Península, provenientes de Castrelo de Centroña, de
San Vicente de Curtis, das proximidades de Melide,
de La Coruña de Pontevedra, de Castro de Rey
e
(Víladonga ), etc. (1). De aspecto muito semelhante
a este nosso exemplar é um aparecido em Jeramillo
Quebrado, Burgos, existente no Museu daquela cidade
espanhola ( 2 ) ,

( 1) F. Cuevillas, Las jaja.: C'a.f treña.r cít., p. 22, 24, 27, 32.
( 2) Basilio Os aba, ‹‹Dos torgues de ofQ,,celtas, en la Pro-
víncia de Burgos» in Zele/zyrux, Salamanca .v¡ol. VIII (1957),
p. 169-171. '. .
\

188 REVISTA DE GVIMARÃES

,, O valor total do achado,em peso de ouro (386,5 gra-


mas ), será de cerca de uns 13.000 escudos, mas o seu
valor estimativo é evidentemente muito superior.
Quanto à cronologia das peças, apesar da ignorân- I
cia em que ficamos do seu ambiente arqueológico,
é indiscutível que se trata de jóias pré-romanas, mas
que sobreviveram largamente durante a época .romana (1),
de fabrico indígena efde remota* tradição hallstáttica, ou
melhor, céltica, «jóias estas* de um tipo característico
da região do Noroeste da Peninsula Hispânica. Pode_
remos portanto datar, embora com certa reserva,.dos
corneços da nossa cultura de La Tine, por volta
do séc. IV-I.II a. C., estes belos exemplares da joalha-
ria celta-hispânica, testemunhos milenários de uma das
mais florescentes indústrias da antiga Lusitânia. .

(1) Mesmo em tempos muito posteriores à conquista ro-


mana, parece não ter desaparecido este tipo de jóias, embora talvez
com uma forma e simbolismo diverso. Pelo menos a palavra tor-
que: ainda aparece num documento de meados do séc. X
(vide
Portugaliae Monumento I-Iistoriøa, Dipl. et Chartae, y . . 46), no testa-
mento de Mumadona, em que esta faz doação ao Mosteiro de Gui-
mares, entre diversas alfaias religiosas, de «touques deauratas et
lapidibus ornaras», talvez significando ::or0a, grinalda, e não colar.

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Fig. 4 Fig. 5

Fig. 6

Fig. Estátua de «guerreiro /ui/itano››, procedente de Montalegre


. (Museu Etnológico de Lisboa)

Fig. 5 - Estar;/eta da Euffigneix


Fig. 7 - - Figura de bronze, ‹<.dezz.r de Bourzy›››, procedente
de La Ferté-A/ai:
(Museu de Sr. Germain. Paris)

Fig. 8 ...-- Estátua do «Giz/ata ferido»


(Museu Capicolino. Roma)
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Fig. 9 - Ornamentação do aro do touque: n.° I

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Fig. 10 - Pormenor da ornamentação do bracelete de Lebução


(Museu de Guimarães)

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Fig. 11 Ornamentação do aro do touque: n.° III

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