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FICHAMENTO: DESMITOLOGIZAÇÃO – JOSEPH CAMPBELL

Professar crenças que não são as próprias e viver de acordo com elas — mesmo
que o resultado seja a sensação de participação social, realização ou euforia —
conduz inevitavelmente à perda de si mesmo e a falsificação. Pois em nossos
papéis públicos e crenças convencionais somos — depois de tudo! — substituíveis.
“Lá fora” não somos nós mesmo, mas no melhor dos casos apenas o que se espera
de nós e, no pior, o que somo obrigados a ser. A intenção das antigas mitologias de
integrar o indivíduo em seu grupo, de imprimir em sua mente os ideais do grupo, de
moldá-lo de acordo com um ou outro de seus estereótipos ortodoxos e de convertê-
lo dessa maneira em um clichê absolutamente dependente, foi assumido no mundo
moderno por uma série de instituições seculares, desmitologizadas e coercitivas, em
que pese sua tolerância.
Entretanto, uma nova inquietação com relação a esse desenvolvimento está se
tornando evidente; porque com o aumento, por um lado, de nossa eficiência na
doutrinação de massa e, por outro, do nosso interesse ocidental particularmente
moderno em educar indivíduos autênticos, está surgindo para muitos uma nova e
dolorosa percepção da profundidade com que as impressões, estereótipos e
arquétipos da esfera social determinam nossos sentimentos, atos, pensamentos e
mesmo capacidades para a experiência pessoal. (p.87)

CAMPBEL, Joseph. As Máscaras de Deus – Mitologia Criativa. São Paulo: Palas


Athena, 2010.

Coube aos gregos e romanos e, mais tarde aos celtas e germânicos, compreender
que as leias pelas quais os homens regulamentam suas vidas são de origem
humana: convencionais, não irrefutáveis, consequentemente alteráveis pela vontade
humana para convir aos fins e meios humanos. Nós consideramos a filosofia grega e
o direito romano, bem como o conceito moderno de Estado secular, como os
grandes marcos dessa libertação do homem das garras de seu próprio pesadelo do
passado.
E com essa desmitologização das regulamentações da sociedade — sua redução ao
status de um expediente, racionalmente ordenado, de estrutura convencional, em
cuja esfera neutra as vidas humanas de várias espécies deveriam ser capazes de
prosperar com os mínimos obstáculos possíveis — o centro moderno de interesse
supremo passou da ordem social como um fim para o indivíduo. (p.88)

CAMPBEL, Joseph. As Máscaras de Deus – Mitologia Criativa. São Paulo: Palas


Athena, 2010.

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