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FICHAMENTO FUNÇÃO TRANSCENDENTE

Denominei essa função de mediação dos opostos de função transcendente. Com isso não entendo
nada de misterioso, mas apenas uma função de elementos conscientes e inconscientes ou, como
na matemática, uma função comum de grandezas reais e imaginárias.
— C.G. Jung: Tipos Psicológicos § 174

Para maior clareza e perfeição, gostaria de acrescentar que, desde longa data, preocupame o
problema da relação da consciência e da conduta consciente de vida com o símbolo. Cheguei à
conclusão que não se pode atribuir ao símbolo um valor muito pequeno, dada sua grande
importância como um dos representantes do inconsciente. Em nossa experiência diária, no
tratamento de doentes nervosos, constatamos a grande importância prática das interferências
inconscientes. Quanto maior a dissociação, isto é, o distanciamento da atitude consciente dos
conteúdos individuais e coletivos do inconsciente, tanto mais prejudicialmente o inconsciente
inibe ou intensifica os conteúdos conscientes. Por razões práticas, portanto, não se deve atribuir
ao símbolo um valor insignificante. Mas, ao atribuirmos ao símbolo um valor, seja grande ou
pequeno, adquire um valor consciente de motivo, isto é, ele é percebido e é dada à carga
inconsciente de libido ocasião de expressar-se na conduta consciente da vida. Ganhamos assim –
segundo penso – uma vantagem prática essencial: a colaboração do inconsciente, sua junção com
o trabalho psíquico consciente e, com isso, a eliminação de influências perturbadoras do
inconsciente. Esta função comum, a relação com o símbolo, eu a denominei – como já ficou dito
– de função transcendente. Não posso, agora, explicar totalmente o problema.
— C.G. Jung: Tipos Psicológicos § 189

A conscientização com referência às imagens tem, contudo, valor indireto para a adaptação à
realidade, pois, dessa forma, a relação com o mundo real fica livre de misturas fantásticas. Mas o
valor principal das imagens está em promover o bem-estar e felicidade subjetivos,
independentemente das condições externas favoráveis ou desfavoráveis. Estar adaptado é sem
dúvida um ideal. Mas nem sempre é possível, pois há situações em que a única adaptação é a
resignação paciente. Esta forma de adaptação passiva se torna possível e é facilitada pelo
desenvolvimento de imagens da fantasia. Digo “desenvolvimento” porque as fantasias são, em
primeiro lugar, apenas matéria-prima de valor duvidoso. Devem ser, antes, submetidas a um
tratamento para tomarem aquela forma que renda o máximo em benefício. Este tratamento é
questão de técnica que não posso abordar agora. Só posso adiantar, por amor à clareza, que
existem duas possibilidades de tratamento: o método redutivo e o método sintético. O primeiro
relaciona tudo com os instintos primitivos; o outro desenvolve, a partir do material dado, um
processo de diferenciação da personalidade. Os dois métodos se completam mutuamente, pois a
redução ao instinto leva à realidade, à supervalorização da realidade e, assim, à necessidade do
sacrifício. O método sintético desenvolve as fantasias simbólicas que resultam da libido
introvertida pelo sacrifício. Desse desenvolvimento surge nova atitude para com o mundo que,
graças à sua diferença, garante novo declive. Esta passagem para a nova atitude eu a denominei
função transcendente[153]. Na atitude renovada, a libido submersa no inconsciente reaparece
como trabalho positivo. Equivale a uma reconquista de vida nova. É isto que significa o
nascimento de Deus.
— C.G. Jung: Tipos Psicológicos § 469

Pela atividade do inconsciente emerge novo conteúdo, constelado igualmente pela tese e antítese,
e que se comporta compensatoriamente (v.) para com ambos. Uma vez que este conteúdo
apresenta uma relação tanto com a tese quanto com a antítese, forma uma base intermédia onde
os opostos podem unificar-se. […] A solução do produto inconsciente numa ou noutra parte tem
êxito apenas quando o eu não estiver completamente dividido, mas estiver inclinado mais para
um ou para outro lado. Se um lado conseguir resolver o produto inconsciente, não só o produto
inconsciente irá para este lado, mas também o eu, originando-se uma identificação do eu com a
função privilegiada (v. função inferior). Consequentemente, o processo de divisão se repetirá
mais tarde em plano superior. [...]
Às vezes quer parecer que a estabilidade da individualidade inata seja a decisiva; às vezes, que a
expressão inconsciente tenha uma força maior que determina a estabilidade incondicional do eu.
Mas na verdade pode ser que a estabilidade e determinação da individualidade, por um lado, e a
força superior da expressão inconsciente, por outro, nada mais sejam que indícios de um mesmo
fato.[...]
Se a expressão inconsciente permanecer intacta, formará a matéria-prima não para um processo
de resolução, mas de construção, e ela se tornará o objeto comum da tese e da antítese. Tornar-
se-á um conteúdo novo que dominará toda a atitude, acabará com a divisão e obrigará a força dos
opostos a entrar num canal comum. E assim acaba a suspensão da vida, ela pode continuar
fluindo com novas forças e novos objetivos.[...]
Este processo, acima descrito, eu o designei em sua totalidade como função transcendente. Não
entendo por “função” uma função básica, mas uma função complexa, composta de outras
funções; e, por “transcendente”, não uma qualidade metafísica, mas o fato de que por esta função
se cria a passagem de uma atitude para outra. A matéria-prima elaborada pela tese e antítese e
que une os opostos em seu processo de formação é o símbolo vivo. Em sua matéria-prima,
insolúvel por longo tempo, está sua riqueza de pressentimento; e na forma que sua matéria-prima
recebe, pela ação dos opostos, está sua influência exercida sobre todas as funções psíquicas.
Indicações dos fundamentos do processo de formação dos símbolos encontram-se nas escassas
referências sobre os conflitos experimentados pelos fundadores de religião em seus períodos de
iniciação, como, por exemplo, Jesus e Satanás, Buda e Mara, Lutero e o demônio, Zwínglio e sua
vida mundana anterior, o rejuvenescimento de Fausto após o contrato com o diabo, em Goethe.
Ao final de Zaratustra encontramos exemplo típico da opressão da antítese na figura do “homem
mais feio”.
— C.G. Jung: Tipos Psicológicos § 914-917

Lidar com o inconsciente é um processo (ou, conforme o caso, um sofrimento ou um trabalho)


cujo nome é função transcendente [1] , porque representa uma função que, fundada em dados
reais e imaginários ou racionais e irracionais, lança uma ponte sobre a brecha existente entre o
consciente e o inconsciente. É um processo natural, uma manifestação de energia produzida pela
tensão entre os contrários, formado por uma sucessão de processos de fantasia que surgem
espontaneamente em sonhos e visões [2] .
— C.G. Jung: Psicologia do Inconsciente § 121

Mas quando concebemos as figuras do inconsciente como fenômenos ou funções da psique


coletiva, não entramos em contradição com a consciência intelectual. É uma solução
racionalmente aceitável. Com isso adquirimos também a possibilidade de lidar com os resíduos
ativados da nossa história antropológica, o que permitirá que se transponha a linha divisória
anteriormente existente. Por isso, chamei-lhe função transcendente (ver número 121), porque
equivale a uma evolução progressiva para uma nova atitude.
— C.G. Jung: Psicologia do Inconsciente § 159

São nítidos os paralelos com o mito dos heróis. O típico combate do herói contra o monstro (o
conteúdo inconsciente) trava-se, não raro, à margem da água, ou também num vau, que é o caso
dos mitos dos pelevermelha, conhecidos através do Hiawatha de Longfellow. O herói sempre é
engolido pelo monstro (tal como Jonas) na batalha decisiva. Isto foi mostrado por Frobenius, que
coligiu considerável material a respeito. No interior do monstro, o herói começa a ajustar contas
com ele. Enquanto o animal nada em direção ao nascente, levando-o em seu bojo, o herói corta
fora uma parte essencial das vísceras do monstro, como o coração, indispensável à vida (a
energia, essencial à ativação do inconsciente). Depois de matar o monstro, este é levado à deriva,
até a terra firme; o herói sai, renascido depois da viagem noturna pelo mar [8] (função
transcendente), frequentemente acompanhado por todos aqueles que o monstro já havia devorado
antes. Restabelece-se o estado normal anterior, pois o inconsciente, privado de sua energia, não
ocupa mais uma posição preponderante.
— C.G. Jung: Psicologia do Inconsciente § 160

Naturalmente o arquétipo está agindo sempre e em toda parte. Mas o tratamento prático nem
sempre exige o aprofundamento desse aspecto, principalmente quando o paciente é jovem. No
entanto, no momento da transição para a segunda metade da vida, é necessário dar uma atenção
toda especial às imagens do inconsciente coletivo; pois são elas que fornecem as pistas para a
solução do problema dos contrários. Da elaboração consciente desses dados resulta a função
transcendente, enquanto formação de uma concepção que integra os contrários, socorrendo-se
dos arquétipos. Por “concepção” não pretendo designar apenas a compreensão intelectual, mas
um compreender pela experiência. Como já dissemos, um arquétipo é um quadro dinâmico, uma
parte da psique objetiva, que só conseguimos entender corretamente quando vivenciada como
uma coisa autônoma colocada fora de nós e à nossa frente.
— C.G. Jung: Psicologia do Inconsciente § 184

A função transcendente não se desenvolve sem meta, mas conduz à revelação do essencial no
homem. No início não passa de um processo natural. Há casos em que ela se desenvolve sem que
tomemos consciência, sem a nossa contribuição, e pode até impor-se à força, contrariando a
resistência do indivíduo. O sentido e a meta do processo são a realização da personalidade
originária, presente no germe embrionário, em todos os seus aspectos. É o estabelecimento e o
desabrochar da totalidade originária, potencial. Os símbolos utilizados pelo inconsciente para
exprimi-la são os mesmos que a humanidade sempre empregou para exprimir a totalidade, a
integridade e a perfeição; em geral, esses símbolos são formas quaternárias e círculos. Chamei a
esse processo de processo de individuação.
— C.G. Jung: Psicologia do Inconsciente § 186
Quando conseguimos estabelecer a denominada função transcendente, suprime-se a desunião
com o inconsciente e então o seu lado favorável nos sorri. A partir desse momento, o
inconsciente nos dá todo o apoio e estímulo que uma natureza bondosa pode dar ao homem em
generosa abundância. O inconsciente encerra possibilidades inacessíveis ao consciente, pois
dispõe de todos os conteúdos subliminais (que estão no limiar da consciência), de tudo quanto foi
esquecido, tudo o que passou despercebido, além de contar com a sabedoria da experiência de
incontáveis milênios, depositada em suas estruturas arquetípicas.
O inconsciente está em constante atividade, e vai combinando os seus conteúdos de forma a
determinar o futuro. Produz combinações subliminais prospectivas, tanto quanto o nosso
consciente; só que elas superam de longe, em finura e alcance, as combinações conscientes.
Podemos confiar ao inconsciente a condução do homem quando este é capaz de resistir à sua
sedução.
— C.G. Jung: Psicologia do Inconsciente § 196-197

Quero sublinhar apenas o fato de que se trata de uma mudança essencial. Dei o nome de função
transcendente a esta mudança obtida através do confronto com o inconsciente. A singular
capacidade de transformação da alma humana, que se exprime na função transcendente, é o
objeto principal da filosofia alquimista da baixa Idade Média. Essa filosofia representa tal
capacidade anímica pela conhecida simbologia alquimista.[...] Houve uma filosofia “alquímica”
precursora vacilante da moderna psicologia. Seu segredo é a “função transcendente” e a
transformação da personalidade através da mistura e fusão de elementos nobres e vulgares, das
funções diferenciadas e inferiores do consciente e do inconsciente.
— C.G. Jung: O Eu e o Inconsciente § 360

É esta a função transcendente, que nasce da união dos opostos.


— C.G. Jung: O Eu e o Inconsciente § 368

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