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“Gawain esteve sempre presente nas histórias de Cavalaria Arturiana, não só como
sobrinho do Rei Artur e símbolo do perfeito Cavaleiro cortês, mas também como
parte de um dispositivo de narração por espelho, usado nas histórias do Graal de
fundo mais pagão, onde é apresentado como um duplo de Perceval ou Parzival. Os
literatos, clérigos de corte por profissão, optam por criar romances com narrativas
baseadas num sistema de espelhos, simetrias e duplas faces, tal como fará
modernamente o escritor Lawrence Durrel no seu Quarteto de Alexandria, contando
duas histórias diferentes, mas semelhantes quanto ao fim da Demanda, que se
unem e bifurcam com encontros e desencontros dos seus heróis duplicados. Neste
texto Gawain caminha sozinho, sem duplo nem alter-ego (Perceval/Parzival), sem o
auxílio de um paliativo literário que o coloque como duplicado menor do grande
herói. Contudo, pode dizer-se que este confronto entre Gawain e Sir Bertilak
(Cavaleiro Verde) configura-se no modelo do Herói em confronto com a sua própria
Sombra.” (p.02)
“Tal como nas histórias do Graal, o Banquete pertence à tipologia dos banquetes de
subversão. O Banquete, que tem como finalidade solenizar a paz e o convívio por
um rito de aliança entre homens e mulheres da nobreza de Logres, é interrompido
por um elemento de subversão: um cavaleiro mascarado que desafia a coragem dos
Cavaleiros da Távola Redonda. […] Pierre Lavron apelidou este incidente de
de Brân. ( Brân é uma divindade gigante do panteão celta que surge no Mabinogion,
uma colectânea de textos galeses medievais. Os celtas acreditavam que a cabeça
humana era o local onde residia a alma e que tinha poderes mágicos como os da
fertilidade e da profecia, bem como a capacidade de se manter viva mesmo
separada do corpo. Acreditavam ainda que a cabeça que servia de entretenimento
sapiencial no Submundo. Quando atentamos no episódio do degolamento do
Cavaleiro Verde, podemos entendê-lo à luz da tradição celta. O Rei Artur havia
pedido entretenimento antes da refeição e eis que surge o Cavaleiro Verde que os
recorda não só da força fertilizante da natureza pela sua cor, mas também que os
Cavaleiros da Távola Redonda já estão condenados à morte, numa antevisão do
que será a Terra Devastada pela Queda de Camelot e da própria Cavalaria falida
nas Cruzadas.). (p.03)
“Numa Inglaterra marcada pela presença nórdica, agora há muito cristianizada, mas
existindo ainda como uma força formadora do imaginário medieval inglês, não
estranha que seja uma festa solsticial de inverno (Winterblót/Yuleblót 4), um período
cósmico muito importante de transição anual das trevas para a luz, que seja aqui
comemorado um Rito de Iniciação da Cavalaria. Este marco é simbólico e diz
respeito apenas a Gawain e, através dele, a toda a Cavalaria: ele tem de passar de
seu estatuto profano de guerreiro galante e superficial e elevar-se à Luz, a uma
maturidade de carácter mais espiritualizada, através de testes e ordálios que o
esperam sob os ardis tanto da própria Natureza, como de seus agentes epifânicos:
Morgana e seus títeres, a Senhora Bertilak e o Cavaleiro Verde.” (p.04)
“Na verdade, não há um evento ritual na tradição helénica e germânica, isto é, indo-
europeia, que não viva na ambivalência simbólica de um sacrifício e banquete.”
(p.05)