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Aula 10 – Autodepuração

Prof. Eloá Cristina Figueirinha Pelegrino


Autodepuração
Conceito: fenômeno vinculado ao restabelecimento do
equilíbrio no meio aquático, após as alterações induzidas
pelos despejos afluentes.

Importância: determinação da qualidade permitida para o


lançamento de efluentes, níveis de tratamento necessários e
eficiência requerida na remoção de DBO.

Não existe depuração absoluta: novos produtos e


subprodutos foram introduzidos, o meio aquático pode estar
em equilíbrio, porém em condições diferentes da anterior.
O Balanço de Oxigênio Dissolvido

Água pobre em oxigênio dissolvido, pois o mesmo apresenta


baixa solubilidade.
Oxigênio no ar Oxigênio na água

270 mg/l 9 mg/l


Qualquer consumo em maior quantidade traz sensíveis
repercussões
➢No processo de autodepuração tem um balanço entre as
fontes de consumo e as fontes de produção de oxigênio.
Autodepuração
A autodepuração é decorrente da associação de vários
processos de natureza física (diluição, sedimentação e
reaeração atmosférica), química e biológica (oxidação e
decomposição) (Hynes, 1960; Sperling, 1996).
Autodepuração
Consumo de OD: Produção de OD:
• Oxidação da matéria orgânica; • Reaeração atmosférica;
• Nitrificação (oxidação da • Fotossíntese
amônia);
• Demanda bentônica.
Autodepuração
Consumo de OD
A oxidação total da matéria orgânica, também conhecida como
mineralização, gera produtos finais, simples e estáveis (por exemplo,
CO2, H2O, NO3-).
Os organismos decompositores, principalmente as bactérias
heterotróficas aeróbias, são capazes de oxidar a matéria orgânica (MO)

A nitrificação é o processo pelo qual bactérias autotróficas


(Nitrosomonas e Nitrobacter), utilizam o oxigênio dissolvido para
transformar formas nitrogenadas de matéria orgânica em nitritos (NO2-)
e nitratos (NO3-).
As Nitrosomonas são responsáveis pela oxidação da amônia a nitrito e
as Nitrobacter pela oxidação do nitrito a nitrato.
Autodepuração
Consumo de OD
• O consumo de OD por estas reações é denominado demanda nitrogenada
ou demanda de segundo estágio, por ocorrer numa fase posterior a das
reações de oxidação da matéria orgânica carbonácea (as bactérias
nitrificantes, autotróficas, possuem uma taxa de crescimento menor que as
bactérias heterotróficas).
• A MO decantada também pode consumir OD, e nesse caso é denominada
demanda bentônica ou demanda de oxigênio pelo sedimento. Grande parte
da conversão dessa matéria orgânica se dá em condições anaeróbias, em
virtude da dificuldade de penetração do oxigênio na camada de lodo.

Figura – Demanda bentônica


(adaptado de Eckenfelder, 1980)
Autodepuração
Consumo de OD
• Esta forma de conversão, por ser anaeróbia, não implica no consumo de
oxigênio. Porém, a camada superficial do lodo em contato direto com
a água geralmente sofre decomposição aeróbia, resultando no
consumo de oxigênio (Sperling, 1996).
• Na maioria das vezes, a sedimentação dessa MO implica na
diminuição de DBO da massa líquida, porém, quando a massa
decantada é ressuspendida (por turbulências ou a altas velocidades de
escoamento do líquido), ocorre o contrário.

Figura – Demanda bentônica


(adaptado de Eckenfelder, 1980)
Produção de OD Autodepuração
• Produção de oxigênio: a reaeração atmosférica é o principal processo responsável
pela introdução de oxigênio no corpo hídrico.
• Esse processo se dá por meio da transferência de gases, que é um fenômeno físico
(moléculas de gases são trocadas entre o meio líquido e gasoso pela sua interface).
• Esse intercâmbio resulta num aumento da concentração do oxigênio na fase
líquida, caso esta não esteja saturada com o gás.
• Esta transferência do meio gasoso para o meio líquido se dá basicamente por meio
de dois mecanismos: a difusão molecular e a difusão turbulenta (Sperling,
1996), que variam conforme características hidrodinâmicas do corpo d’água..
• Difusão molecular: tendência de qualquer substância de se espalhar
uniformemente pelo espaço disponível (lento).
• Difusão turbulenta: criação de interfaces (onde ocorre o intercambio gasoso) e
renovação das interfaces (evita pontos de saturação localizados e conduz a gás a
várias profundidades), mais efetivo (depende das condições climáticas)
• Corredeiras com pequena profundidade: eficiente turbulência
• Lagos: predomina difusão molecular
Autodepuração
Produção de OD

• O processo de fotossíntese, apresentado na equação abaixo, pode


representar a maior fonte de OD em lagos e rios de movimento lento.

• A fotossíntese é o principal processo utilizado pelos seres


autotróficos para a síntese da matéria orgânica, sendo característica
dos organismos clorofilados, particularmente algas.
• De acordo com Sperling (1996), os seres autótrofos realizam muito
mais síntese do que oxidação, gerando sempre um superávit de
oxigênio.
• Porém com o aumento da turbidez, a possibilidade da presença de
algas é menor.
Autodepuração
A poluição é seletiva!!!
• A autodepuração é um processo natural, no qual ocorre a
neutralização de cargas poluidoras de origem orgânica que foram
lançadas em um corpo d’água.
• De acordo com Sperling (1996), a autodepuração pode ser entendida
como um fenômeno de sucessão ecológica, em que há um
substituição sistemática de uma comunidade por outra, até que uma
comunidade estável se estabeleça em equilíbrio com as condições
locais
Aspectos ecológicos da autodepuração:
• Ecossistemas em condições naturais: elevada diversidade de
espécies (várias espécies e pequeno número de indivíduos em cada
uma delas)
• Ecossistema em condições perturbadas: baixa diversidade de
espécies (poucas especies e grande número de indivíduos em cada
espécie)
Autodepuração
O processo de autodepuração se desenvolve ao longo do tempo e da
direção longitudinal do curso d’água, e segundo Braga e col. (2002),
os estágios de sucessão ecológica presentes nesse processo são
fisicamente identificados por trechos (Figura).
Autodepuração
• Zona de águas limpas - localizada em região à montante do lançamento do
efluente (caso não exista poluição anterior) e também após a zona de recuperação.
Essa região é caracterizada pela [↑OD] e vida aquática superior (equilíbrio);
• Zona de degradação - localizada à jusante do ponto de lançamento, sendo
caracterizada por uma diminuição inicial na [OD] e presença de organismos mais
resistentes, aumento de CO2 e formação de ácido carbônico (↓pH)
• Zona de decomposição ativa - região onde [OD] atinge o valor mínimo e a vida
aquática é predominada por bactérias e fungos (anaeróbicos), presença de CO2,
metano e gás sulfídrico (reações anaeróbias);
• Zona de recuperação - região onde se inicia a etapa de restabelecimento do
equilíbrio anterior à poluição, com presença de vida aquática superior.
Autodepuração de rios
Balanço de massa – Vazão de diluição

Poluição Pontual:

Sentido do escoamento

Montante Jusante
Regimes hidráulicos
Fluxo em Pistão Cada seção transversal funciona
como um êmbolo, na qual a
qualidade da água é a mesma em
todos os pontos, e a comunidade
se encontra adaptada às condições
ecológicas em cada instante (ex.
rio)
Mistura Completa Concentração efluente é igual em
qualquer ponto do corpo d’água,
ex. lagos e represas bem
misturadas
Fluxo disperso Situação intermediária de
dispersão entre as duas extremas:
dispersão total (mistura completa)
e dispersão nula (fluxo em pistão)

Para simplificação será considerado o curso d’água (rios) com regime de fluxo em
pistão
Cinética da desoxigenação

Efeito ecológico da poluição orgânica


Decréscimo (depleção) dos teores de oxigênio
dissolvido

DBO
Consumo de oxigênio dissolvido varia ao longo do tempo

Valor de DBO em dias distintos, é diferente


Cinética da desoxigenação

O conceito da DBO representa:


Tanto a matéria orgânica, quanto o consumo de oxigênio (unidade
massa de oxigênio por unidade de volume: mg O2/L)

Duas condições distintas:

DBO remanescente: DBO exercida:


• Concentração da matéria • Oxigênio consumido para
orgânica remanescente na estabilizar a matéria
massa líquida em um dado orgânica até este instante
instante (matéria orgânica
não consumida)
Cinética da desoxigenação
Progressão da DBO ao longo do tempo, segundo os dois conceitos:

L0
DBO exercida
yt Consumo acumulado de
oxigênio

y0
Lt DBO remanescente

Progressão temporal da oxidação da matéria orgânica.


DBO exercida = oxigênio consumido (acumulado)
DBO remanescente = DBO restante ao longo do tempo
Cinética da desoxigenação

A cinética da reação da matéria orgânica remanescente (DBO


remanescente) se processa segundo uma reação de primeira
ordem (taxa de mudança da concentração de uma substância é
proporcional à primeira potência da concentração), segundo
equação diferencial: Quanto maior a [DBO],
mais rápida será a
dL
= −k 1L
desoxigenação!

dt
L = Concentração de DBO remanescente (mg/L)
k1= constante de desoxigenação (dias-1);
t = tempo (dia)
dL/dt = Taxa de oxidação da MO em função do tempo
Cinética da desoxigenação
DBO Remanescente
L t
dL = −k L 1
 L dL =  − k1dt
Integrando
1
dt L0 0

L0
L = L0 . e -K1 .t
Lt DBO
remanescente

L é a DBO remanescente em um tempo “t” qualquer;


L0 é a DBO imediatamente após o ponto de lançamento, ou seja, DBO
remanescente no tempo t=0
k1= coeficiente de desoxigenação;
Cinética da desoxigenação
Consumo de OD – DBO exercida y = L0 − L

Consumo acumulado
de oxigênio
L = L0 . e -K1 .t

y = L0 1 - e( -K1 .t
)
• y é a DBO exercida em um tempo t (mg/L) (diferença entre a quantidade de
oxigênio dissolvido consumido desde o instante inicial até o instante t )
• L0 é a DBO imediatamente após o ponto de lançamento, ou seja, DBO remanescente
no tempo t=0. Também denominada de demanda última (representa a DBO total ao
final da estabilização)
• k1= coeficiente de desoxigenação;
Cinética da Desoxigenação

• Coeficiente de desoxigenação: k1
– Função das características da matéria orgânica, da temperatura e
presença de substâncias inibidoras;
– Os valores obtidos em laboratório não necessariamente
representam a condição do corpo hídrico (apenas rios lentos e
profundos).
Efluentes tratados tem taxa
de degradação mais lenta,
parcela Valores típicos de k1 em condições de laboratório (base e,20ºC)
da MO facilmente
assimilável já foi consumida Origem K1(dia-1)
Água residuária concentrada 0,35 – 0,45
Água residuária de baixa concentração 0,30 – 0,40
Efluente primário 0,30 – 0,40
Efluente secundário 0,12 – 0,24
Rios com águas limpas 0,08 – 0,20
Água para abastecimento público < 0,12
Fonte: Adaptado de Von Sperling (2006)
Cinética da desoxigenação

Influência metabolismo microbiano

Taxas de estabilização da matéria orgânica


Relação entre a temperatura e a taxa de desoxigenação pode ser
expressa por:
K1T = K1(20) x θ(T – 20)
Em que:
O valor de k1 aumenta
K1T = K1 a uma temperatura T qualquer (dia-1) 4,7% a cada acréscimo
K1(20) = K1 à temperatura T= 20º C (dia )
-1 de 10C de temperatura
T = temperatura do líquido (ºC)
θ = Coeficiente de temperatura (valor empregado 1,047)
Exemplo 1 - DBO e lançamento de efluente
A interpretação de análise de laboratório de uma amostra de
água de um rio a jusante do lançamento de uma amostra de
esgoto conduziu aos seguintes valores:
(a)Coeficiente de desoxigenação K1= 0,25 d-1
(b) Demanda última L0 =100mg/l.
Calcular a DBO exercida a 1, 5 e 20 dias.

Solução:
Utilizando-se a equação da DBO exercida onde y = L (1 - e
0
-K1 . t
)
•Para t = 1 dia

y = 100(1 - e
1
-0,25x1
) = 22 mg/l
Continuação
•Para t = 5 dias:
y = 100(1 - e
5
-025x5
) = 71 mg/l
•Para t = 20 dias:

y = 100(1 - e
20
-0,25x20
) = 99 mg/l
➢Observa-se que a 20 dias a DBO já está praticamente toda exercida
(y20 praticamente igual a L0 ).
➢A relação entre a DBO5 e a demanda última L0 é: 71/100 = 0,71.
Assim ao quinto dia, aproximadamente 71% da matéria orgânica
total (expressa em termos de DBO) já está estabilizada.
Exemplo – DBO e lançamento de efluente

Resolução:
Cinética da desoxigenação

Cinética da reaeração
Cinética da reaeração
Exposição da água a um gás

Intercâmbio de moléculas da fase líquida para


gasosa e vice-versa

Estabilidade na fase líquida atingida, Fluxos de igual magnitude

Equilíbrio dinâmico

Concentração de saturação (Cs)


Cinética da reaeração

Trocas gasosas na interface gás-líquido

Líquido deficiente de gás Sistema em equilíbrio

Equilíbrio Dinâmico define a


Concentração de Saturação (Cs)
Cinética da reaeração

Quando a concentração de solubilidade na fase líquida é


atingida, ambos os fluxos passam a ser de igual
magnitude.

Equilíbrio Dinâmico define a


Concentração de Saturação (Cs)

Estabilização da matéria orgânica, concentrações do


oxigênio abaixo do de saturação.
Cinética da reaeração
Caracterizada por uma reação de primeira ordem

dD
= −k 2 D
dt
D = déficit de oxigênio dissolvido, ou seja, a diferença entre a concentração de
saturação (Cs) e a concentração existente em um tempo t (C), em mg/L
t = tempo (dia)
k2 coeficiente de reaeração (d-1)

A taxa de absorção de oxigênio é diretamente proporcional ao


déficit existente.

Quanto maior for o déficit, maior a “avidez” da massa líquida


pelo oxigênio, implicando em uma taxa de transferência maior.
Cinética da reaeração
Progressão do déficit (D = Cs- C) e da concentração do OD

CS
Concentração
de OD

D = CS − C
Déficit de OD

À medida que a concentração de OD se eleva devido à reaeração, o


déficit diminui.
Cinética da reaeração
Progressão temporal do déficit e da concentração de OD

dD
= −k 2 D CS
dt Concentração
de OD
Aplicando a
Int.

D = D0 . e K 2.t Déficit de OD

D0 = déficit de oxigênio inicial (mg/L) D = CS − C


t = tempo (dia)
C = concentração de OD em um tempo t (mg/L)
Cs = Concentração de saturação de OD (mg/L)
k2 = coeficiente de reaeração (d-1)
Cinética da reaeração

Coeficiente de reaeração K2
1. Valores médios tabelados
2. Valores em função das características hidráulicas do
corpo d’água
3. Valores correlacionados com a vazão do curso d’água

Estudo com traçadores : determinação da dispersão longitudinal e do


coeficiente de reaeração

O valor de K2 tem maior influencia no resultado do balanço de


OD do que o coeficiente k1
Cinética da reaeração
1. Valores médios tabelados
• Características hidráulicas do canal (profundidade e declividade), presença de
surfactantes, partículas suspensas, ação do vento e da temperatura da água;

Quadro 2- Valores típicos de K2(base e, 20ºC)


Corpo d’água K2(dia-1)
Profundo Raso

Pequenas lagoas 0,12 0,23


Rios vagarosos, grandes lagos 0,23 0,37

Grandes rios com baixa velocidade 0,37 0,46


Grandes rios com baixa velocidade normal 0,46 0,69
Rios rápidos 0,69 1,15
Corredeiras e quedas d’água >1,15 >1,61
Cinética da reaeração
2. Valores em função das características hidráulicas do corpo d’água
Corpos d’água mais rasos e mais velozes tendem a possuir um maior
coeficiente de reaeração
Influência das Características Físicas no Coeficiente K2
Profundidade

Baixa Elevada
profundidade profundidade
Elevado K2 Baixo K2

Velocidade

Elevada Baixa
velocidade velocidade
Elevado K2 Baixo K2
Cinética da reaeração
2. Valores em função das características hidráulicas do corpo d’água

Literatura várias fórmula, relacionando K2 com a


profundidade e velocidade do curso d’água.

Várias técnicas de campo empregadas na elaboração dos


estudos dentre elas:
✓Traçadores radioativos;
✓Distúrbios de equilíbrio;
✓Balanço de massa e outras.
Cinética da reaeração
2. Valores em função das características hidráulicas do corpo d’água
Quadro 3- Três principais fórmulas:
Pesquisador Fórmula Faixa de aplicação
O’Connor e Dobbins 3,73xV0,5xH-1,5 0,6m ≤ H < 4,0 m
(1958) 0,05m/s ≤ V < 0,8m/s
Churchill et al (1962) 5,0xV0,97xH-1,67 0,6m ≤ H < 4,0 m
0,8m/s ≤ V < 1,5m/s
Owens et al (apud 5,3xV0,67xH-1,85 0,1m ≤ H < 0,6 m
Branco, 1976) 0,05m/s ≤ V < 1,5m/s
V: velocidade do curso d’água;
H: altura da lâmina d’água.
Influência da Temperatura
Em dois diferentes estágios:
➢O aumento da temperatura reduz a solubilidade
(concentração de saturação) do oxigênio no meio líquido;
➢O aumento da temperatura acelera os processos de
absorção de oxigênio (aumento do K2).

O efeito da temperatura no coeficiente de reaeração K2


pode ser expressa por:

K2T = K2(20) x θ(T – 20)


Influência da Temperatura

K2T = K2(20) x θ(T – 20)

Onde:
K2T = K2 a um temperatura T qualquer (dia-1);
K2(20) = K2 a um temperatura T= 20º C (dia-1);
T = temperatura do líquido (ºC);
θ =Coeficiente de temperatura (-), valor empregado 1,024
Parte 2

continua...
Parte 2

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