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11.

1 CONCEITOS BÁSICOS

O carbono (C) é um dos elementos mais importantes nos ecossistemas


uma vez que está presente em todas as moléculas orgânicas em elevadas
proporções, sendo um dos átomos mais abundantes na biomassa dos
organismos. Dessa forma, o elemento carbono está presente em diversos
aspectos da Limnologia, como a produção primária (processo de fixação
de energia em compostos orgânicos), a transferência de energia e
matéria entre os componentes das teias alimentares e os estoques de
biomassa nos ecossistemas aquáticos. Ainda, o carbono é atualmente
reconhecido com peça chave no funcionamento do planeta pela
interconexão entre ecossistemas terrestres e aquáticos; e pela regulação
do clima global. Nesse capítulo, com ênfase no carbono orgânico,
abordaremos desde a conceituação básica, passando pela ciclagem,
importância no funcionamento dos ecossistemas aquáticos continentais
até sua importância global.
O carbono é o macronutriente mais abundante nos
organismos aquáticos e funciona como "esqueleto" das
estruturas bioquímicas. Além disso, apresenta-se como
“moeda energética" dos organismos e células. Suas
transformações bioquímicas entre formas orgânicas (p.
ex. açúcares) e inorgânicas (p. ex. dióxido de carbono -
C02 ) via produção primária ou secundária e via
respiração, são os principais processos de armazenagem
e transporte de energia nos seres vivos e entre os seres
vivos (STERNER & ELSER, 2002). Tais transformações
são reguladas pelas condições químicas e físico-
químicas dos ambientes (p. ex. temperatura,
disponibilidade de oxigênio dissolvido, pH, entre outros),
que afetam tanto os processos de transformação quanto
os organismos envolvidos.
Convenciona-se separar o carbono nos seguintes grupos
de moléculas: carbono inorgânico dissolvido (CID), carbono
orgânico dissolvido (COD) e carbono orgânico particulado
(COP). A soma de todas as formas de carbono na água é
chamada de carbono total (CT). Moléculas de carbono
orgânico (COD e COP) têm em comum o fato de serem
compostas por; pelo menos, 1 (um) átomo de carbono
ligado a, pelo menos, 1 (um) átomo de hidrogênio. Já a
distinção entre COD e COP é referente ao tamanho dos
compostos, realizada através de procedimentos de
filtração. Usualmente essa distinção é realizada entre as
porosidades de 0,45, 0,7 e 1,2 µm. Eventualmente, estudos
focados na dinâmica de organismos menores como
protozoários e bactérias, mais frequentemente utilizam
membranas filtrantes com porosidade de 0,45 ou 0,2 µm.
Estudos focados na decomposição do COP podem ainda
subdividir essa fração em COP fino e COP grosso.
 Dentro do grupo COD estão contidas inúmeras biomoléculas como açúcares,
proteínas, ácidos carboxílicos, substâncias húmicas, entre outros, formando
grupos de cerca de 4000 moléculas diferentes (BENNER, 2002). Nesse grupo
está contido ainda o carbono orgânico coloidal, devido à dificuldade de
separação do COD através da filtração. Particularmente relevantes para a
composição do COD natural são as substâncias húmicas dissolvidas.
Substâncias húmicas dissolvidas formam um grupo heterogêneo de moléculas
orgânicas, de médio a alto peso molecular; de coloração amarelada a
amarronzada e que compõe de 50 a 95% do COD (FARJALLA et alii, 2009;
STEINBERG et alii, 2006).
 São geralrnente formadas a partir da decomposição parcial de plantas
lenhosas, e foram, por muitos anos, consideradas inertes à biota, tendo suas
funções principais relacionadas ao tamponamento do pH, à quelação de
metais e à imobilização de nutrientes na coluna d'água. Atualmente, porém,
suas funções foram revistas e, através da ação direta de microrganismos, as
substâncias húmicas podem constituir uma importante fonte de energia e
matéria para as teias alimentares aquáticas (ver capítulo 20).
 Já no grupo do COP estão incluídos tanto os organismos, quanto matéria
orgânica particulada em decomposição, também conhecida como matéria
orgânica detrital. Esses dois tipos são tecnicamente muito difíceis de serem
distinguidos entre si por simples , filtração. E necessária a observação
microscópio, o que torna a separação, muitas vezes, inviável.
11.2 FONTES E REMOÇÃO DE CARBONO ORGÂNICO DOS
ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS CONTINENTAIS
As fontes de COD e COP para os ecossisten1as aquáticos podem ser
internas ( autóctones) ou externas (alóctones) ao ecossistema. A bacia
de drenagem, superficial, os aquíferos e lençóis freáticos e até mesmo
uma possível sedimentação de carbono orgânico presente na
atmosfera são as principais fontes de COD e COP alóctones para um,
ecossistema aquático continental ( figura 11.1). Como fontes
autóctones destacam, se o fitoplâncton, o perifíton e as macrófitas
aquáticas. Esses organismos incorporam CO2 do meio produzindo
moléculas orgânicas para sua biomassa. Através da excreção e/ou
morte desses organismos, o carbono pode ser liberado sob a forma de
COD, por processo conhecido com lixiviação, ou diretamente sob a
forma de COP nos ecossistemas aquáticos (figura 11.1). Ainda, a
partir das interações tróficas entre os organismos aquáticos, o
carbono orgânico circula entre os organismos autotróficos e
heterotróficos, planctônicos, nectônicos e bentônicos, a partir dos
quais pode ser liberado non1eio pela excreção e n1orte desses
organismos. O COP e o COD também podem retornar à coluna
d'água através da ressuspensão a partir do sedimento (material
FIGURA 11.1 Desenho esquemático das entradas, fluxo e saídas do carbono em lagos sob condições aeróbicas. Macrófitas aquáticas,
perifíton e fitoplâncton são as principais vias autóctones de entrada de carbono nos sistemas. A vegetação e animais terrestres são as
principais formas de entrada de carbono alóctone. As setas em linhas cheias indicam fluxo de carbono entre organismos e
compartimentos, as setas tracejadas indicam o fluxo de carbono em relações tróficas (incluindo a alça microbiana; ver capítulo 20) e as
setas pontilhadas indicam processos fotoquímicos de degradação do COO (fotodegradação ou fotoxidação).
 São várias as formas de remoção de COD e COP da coluna d'água dos
ecossistemas aquáticos. Tanto o COD quanto o COP podem ser exportados
diretamente pela própria ação da água corrente, no caso de ecossistemas
aquáticos lóticos (p. ex. rios) e mistos (p. ex. reservatórios de hidrelétricas),
quanto por fenômenos naturais ou antrópicos pontuais, como o caso das
aberturas das barras de areia que separam as lagoas costeiras do oceano. Parte do
COD e principalmente do COP podem ser perdidos da coluna d'água para o
sedimento límnico por sedimentação, podendo ficar estocados no sedimento por
longos períodos. Ainda, o COP e o COD podem ser incorporados nas cadeias
alimentares aquáticas através da utilização destes compostos orgânicos por
macroorganismos detritívoros e pelas bactérias planctônicas (alça microbiana;
ver capítulo 20). Neste caso, o carbono orgânico pode ser incorporado
diretamente na biomassa dos organismos ou mineralizado pela respiração dos
mesmos. Na presença de oxigênio, a respiração resulta na mineralização
completa do carbono orgânico em CID (p. ex. CO2) e, na ausência de oxigênio,
pode resultar na formação de metano (CH4 ; processo de metanogênese descrito
na seção 11.3.3). Finalmente, o COD e o COP podem também ser diretamente
mineralizados através de processos fotoquímicos conhecidos como fotoxidação
ou fotodegradação. As entradas e saídas de carbono nos ecossistemas aquáticos
estão representadas esquematicamente na figura 11.1.
11.3 AS TRANSFORMAÇÕES DO CARBONO NOS
ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS CONTINENTAIS
 As transformações das formas de carbono pelos processos
produtivos ou degradativos são realizadas por intermédio de
organismos, microrganismos, condições físico-químicas ou por
agentes físicos (p. ex. radiação solar) . Por isso, como dito
anteriormente, condições ambientais como concentração de
oxigênio, pH e temperatura são fatores de grande relevância
para a intensidade e direção dos processos ligados a ciclagem
do carbono. Por exemplo, a presença de oxigênio favorece a
dominância de organismos de metabolismo aeróbico
(normalmente consórcios de microrganismos) que promovem a
decomposição total do COD em CO2. Na ausência de
oxigênio (p. ex. sedimento anaeróbico), a degradação do COD
ocorre por vias alternativas. A figura 11.2 representa os
processos de ciclagem de carbono de acordo com as condições
ambientais de disponibilidade de oxigênio.
Nos ecossistemas aquáticos mais rasos, sujeitos às constantes ações
dos ventos e oxigenação total da coluna d'água, o ciclo do carbono
apresenta as etapas aeróbicas na coluna d'água e as etapas anaeróbicas
no sedimento, como exemplificado na figura 11.2. Entretanto, em
ecossistemas mais profundos (ou até supereutróficos) nos quais a
coluna d'água pode apresentar, com maior frequência, estratificação
quanto à concentração de oxigênio, as etapas aeróbicas e anaeróbicas
do ciclo do carbono podem ocorrer simultaneamente na coluna d'água
ou temporalmente separadas (p. ex. dinâmica nicten1eral , de
estratificação; ESTEVES et alii, 1994). É importante notar que,
diferente do ciclo do nitrogênio (ver capítulo 12), as transformações
entre carbono orgânico e inorgânico podem se completar sem a
necessidade da ocorrência de aerobiose e anaerobiose.
Dentre os processos de transformação do carbono se destacam a
fotossíntese e a respiração dos organismos, como as principais vias de
produção e mineralização, respectivamente, de carbono orgânico.
Ainda, os processos de fotodegradação do carbono orgânico e
produção e consumo de metano (CH4 ) ganharam destaque no cenário
mundial em função do aumento da incidência das radiações
ultravioleta e das mudanças climáticas no planeta. A seguir;
descrevemos em detalhes esses processos.
11.3.1 Fotossíntese
• A fotossíntese é um processo responsável por sustentar e fornecer energia
para grande parte dos processos aquáticos (DODDS, 2002). Representa a
fixação de energia luminosa em compostos orgânicos (o processo de
quimiossíntese é análogo, entretanto utiliza energia química ao invés de
luminosa) formados a partir da utilização de moléculas inorgânicas de
carbono (p. ex. CO2; ver equação da fotossíntese no capítulo 7 ). Por isso, a
fotossíntese tem importância fundamental no balanço de carbono entre os
ecossistemas aquáticos e a atmosfera, com implicações para as mudanças
globais, bem como na entrada de carbono para a cadeia trófica. A fotossíntese
é regulada principalmente pela luminosidade, temperatura e disponibilidade
de nutrientes, sendo a luminosidade o fator mais imediato, uma vez que é a
fonte de energia do processo e se altera fortemente ao longo de um dia ou
com a profundidade ( atenuação da luz na água; ver capítulo 9)
• A temperatura apresenta importância sazonal na regulação dos processos
metabólicos dos produtores prim1ários, enquanto que os nutrientes
apresentam importância espacial, por afetar as características dos corpos
d'água. Em nível ecossistêmico, a produção primária pode ser estimulada
como produção primária líquida (PPL), como sendo a soma da fixação de
energia de todos os produtores primários (fitoplâncton, fitobentos, macrófitas
aquáticas, perifíton), menos os processos de mineralização do carbono
(respiração) resumindo pela fórmula (ODUM et alii, 2004): Produção
11.3.2 Respiração
• O processo de respiração aeróbica é resultante de uma série de transformações
bioquímicas do COD que resultam na formação de CO2 e, assim como a fotossíntese,
é fundamental para o balanço de carbono entre ecossistemas aquáticos e atmosfera.
Esse processo consiste na liberação da energia fixada pelo processo de fotossíntese (do
próprio organismo no caso dos produtores primários ou do alimento nos organismos
hetero, tróficos) para o funcionamento (metabolismo) de suas células e produção de
biomassa. Assim como a fotossíntese, a respiração é fortemente influenciada pela
temperatura e pelas concentrações de nutrientes no ecossistema (APPLE et alii, 2006;
BIDDANDA et alii, 2001).
• Na prática, a respiração em ecossistemas aquáticos é dividida em:
a) respiração ecossistêmica - estudada pela va1iação nas concentrações de O2 ou CO2
na coluna d'água como um todo, considerando vento, temperatura, etc. Esses
procedimentos incluem todos os organismos no compartimento aquático (plâncton,
nécton, etc.) e no sedimento (bentos);
b) respiração planctônica - estudada pela variação nas concentrações de O2 ou CO2 em
frascos com água não filtrada do ecossistema. Essa abordagem inclui os organismos
planctônicos como fitoplâncton, zooplâncton, bacterioplâncton, etc.;
c) respiração bacteriana - estudada pela variação nas concentrações de O2 ou CO2 em
frascos com água filtrada através de filtros ou membranas com porosidades maiores que
o bacterioplâncton nos ecossistemas (p. ex. 1,2 µm, 1,0 µm, 0, 7 µm ou 0,45 µm);
d) respiração bentônica - estudada pela va1iação nas concentrações de O2 ou CO2 em
tubos com sedimento e água.
• Nas regiões mais frias, com invernos rigorosos, a va1iação anual de
temperatura tem papel fundamental na regulação da respiração, uma vez
que impõe limitações metabólicas aos organismos. De maneira geral, com
o final do inverno, as temperaturas aumentam, a partir de 4ºC, permitindo
o aumento das taxas de respiração. Em regiões mais quentes, nas quais as
médias de temperatura são superiores, a temperatura deixa de ser um fator
limitante (p. ex. superiores a 15°C) e, questões locais, como uso do solo
no entorno, que afetam as concentrações de nutrientes e matéria orgânica
(grau de trofia dos ambientes) e composição das comunidades (p. ex.
comunidade bacteriana), passam a ser os fatores preponderantes sobre as
taxas de respiração nos ecossistemas (APPLE et alii, 2006; HALL et alii,
2008). Compilando dados de estudos realizados nos grandes lagos norte-
americanos (Lago Superior, Michigan, etc.), ve1ifica-se que o desvio
padrão das taxas de respiração no plâncton aumenta expressivamente (em
escala logarítmica) a partir de 15°C, como mostra a figura 11.3, indicando
a existência de outros fatores reguladores da respiração e1n águas mais
quentes (BIDDANDA et alii, 1994; BIDDANDA & COTNER 2002;
LAUSTER et alii, 2006). Esses resultados têm importância fundamental
para o entendimento do comportamento do ciclo do carbono aquático, no
atual cenário de mudanças globais e aumento da temperatura média do
planeta.
FIGURA 11.3 Relações da respiração planctônica (RP) com a temperatura da água. (A) Gráfico de dispersão de RP em relação à temperatura
(N = 71 ). A seta tracejada em vermelho indica a temperatura de 15ºC, ponto no qual aumenta a variação da RP. (B) Desvio padrão de RP
para os dados classificados por grau de temperatura (p. ex. 20ºC, 24ºC, etc). A linha vermelha indica o modelo de aumento exponencial da
RP com a temperatura (P < 0,05). Dados retirados de Cotner et alii (em preparação), Biddanda & Cotner (2002), Biddnada et alii (1994) e
Lauster et alii (2006). Agradecimentos ao Dr. Cotner pela concessão de dados não publicados para compor esta figura.
De maneira geral, a concentração de nutrientes está
diretamente relacionada com as taxas metabólicas dos
organismos aquáticos, logo, influencia diretamente as
taxas de respiração. Quanto maiores as concentrações
de nutrientes (gradiente de trofia, p. ex. nitrogênio e
fósforo), maiores as taxas de respiração total do
plâncton (BIDDANDA et alii, 2001) e das bactérias
planctônicas (BERGGREN et alii, 2010). Entretanto,
vale ressaltar que a respiração planctônica total
aumenta em razão maior que a respiração do
bacterioplâncton, devido a fatores ligados a
competição por nutrientes, excreção de COD,
predação e mortalidade por vírus (BIDDANDA et alii,
2001; COTNER & BIDDANDA 2002). Dessa forma,
quanto mais eutrófico for um ecossistema, menor a
contribuição relativa das bactérias para a respiração
ecossistêmica.
• Os sedimentos límnicos, conforme tratado mais adiante
no capítulo 19 deste livro, forman1 um compartimento
acumulador de matéria orgânica proveniente da coluna
d'água. Dessa forma, torna-se um. importante sítio de
armazenagem e transformação de carbono, sendo
responsável por grande parte da mineralização desse
elemento em lagos (tabela 11.l; JONSSON et alii, 2001).
Neste compartimento, os processos de respiração
aeróbica são análogos aos da coluna d'água mencionados
acima. Entretanto, a estrutura química do sedimento com
uma camada aeróbica (normalmente reduzida) e outra
camada anaeróbica (ver figura 13.5 - capítulo 13), faz
com que os processos de respiração anaeróbica sejam
mais relevantes nesse compartimento.
• Na ausência do oxigênio outros compostos inorgânicos (p. ex. , )
podem fazer o papel de aceptores finais de elétrons para a
realização da respiração anaeróbia (figura 11.2). Como exemplo
pode-se citar os processos de desnitrificação e de redução
dissimilatória do nitrato/nitrito ( ) que, resurnidan1ente,
promovem a oxidação total do COD, produzindo CO2 + R
(radical correspondente a cada reação), utilizando o oxigênio do
nitrato/nitrito como aceptor final de elétrons (ver capítulo 13). Por
outro lado, na ausência dos compostos inorgânicos citados acima,
organismos heterotróficos podem utilizar compostos orgânicos de
carbono, através de processos de fermentação, transformando-os
em moléculas orgânicas mais simples ou mesmo em inorgânicas
para a liberação de energia (DODDS 2002).
• Existe uma grande quantidade de reações de fermentação
conhecidas e, muitas delas, dominadas pela indústria, possuem
grande importância econômica com, por exemplo, a fermentação
de glicose para a geração do álcool utilizado como combustível,
como segue:
Glicose ➔ 2 etanol + 2 CO2
• A fermentação do acetato (íon acetato; ) pode resultar, por
exemplo, na formação de metano (CH4 , ver seção
11.3 .3), um gás de importância global, pois tem
capacidade de aquecimento algumas vezes (cerca de 20
vezes) maior que a do CO2. Comumente, a fermentação
de compostos produzidos por vegetais superiores resulta na
formação de substâncias húmicas (citadas anteriormente),
que apresentam coloração escura, conferindo coloração
amarelada ou marrom a água, quando em grandes
quantidades. Como exemplo desse tipo de ecossistema tem
o rio Negro na Amazônia e inúmeras lagoas costeiras
comumente conhecidas como "lagoa da Coca-cola". Esse
tipo de ecossistema normalmente apresenta baixa produção
primária planctônica pela limitação por luz, que é
fortemente atenuada, e alta reatividade com a luz
resultando em altas taxas de degradação fotoquímica ou
fotodegradação (ver seção 11.3.4).
11.3.3 Produção, Consumo e Emissão de Metano (CH4 )
em Ecossistemas Aquáticos
• A produção microbiana de CH4 , processo denominado
metanogênese (realizado por arqueobactérias
metanogênicas), é o último estágio da decomposição do
carbono em vários ambientes anaeróbicos, tais como, trato
gastrointestinal de animais, solos inundados, habitats
geotén11icos e sedin1ento de áreas alagadas de água doce
ou salina (FENC HEL et alii, 1998). Desta forma, a
metanogênese pode ser considerada um dos mais
importantes processos de degradação da matéria orgânica
em sedimentos aquáticos anóxicos. A produção de CH4
pode ocorrer através da decomposição parcial de
moléculas de acetato (1) bem como pela transformação de
CO2 en1 CH4 (2), como seguem as reações:
• (1) CH3 COO- ➔ CH4 + CO2 (metanogênese
acetoclástica)
• (2) CO2 + 4 H2 ➔ CH4 + 2 H2 O (metanogênese
autotrófica)
• Por outro lado, na presença de oxigênio, o CH4 pode ser
oxidado resultando na formação de CO2 através da ação de
microrganismos denominados bactérias metanotróficas (3).
Esses organismos, que ocorrem nas camadas superficiais
dos sedimentos límnicos (pouco 1nilíinetros) e na coluna
d'água, consomem cerca de 90% do CH4 produzido nos
ecossistemas para a produção de biomassa e/ou respiração
(produção de CO2 ; UTSUMI et alii, 1998). Funcionam
con10 biofiltro de forma que apenas menos de 10% do
CH4 produzido nos sedimentos é liberado para a coluna
d'água e atmosfera (FRENZEL et alii, 1990).
• (3) CO2+4H2 ➔ CH4+2H2O (metanotrofia)
Em um ambiente aquático a emissão de CH4 para a atmosfera depende,
basicamente, do balanço entre a produção (metanogênese) e consumo
(metanotrofia - oxidação) deste gás (MURASE et alii, 2005). Essa
emissão pode ocorrer por difusão em meio aquoso ou através da
formação de bolhas em ecossistemas com sedimento anaeróbico e rico
em matéria orgânica (figura 11. 4). As bolhas de CH4 se formam e
acumulam formando bolsas de gás que podem ser liberadas do
sedimento, atravessar a coluna d'água e chegar a atmosfera após atingir
a lâmina d'água (parte superficial). A emissão de CH4 para a atmosfera
através de bolhas diminui a possibilidade de ocorrer oxidação
(metanotrofia) na coluna d'água sendo, portanto, uma importante via de
perda de carbono em ambientes aquáticos. Em regiões colonizadas por
macrófitas aquáticas emersas o CH4 pode, por difusão, entrar no
sistema radicular e ser transportado para a atmosfera através do tecido
vegetal até atingir a atmosfera. Por outro lado, o oxigênio presente nas
raízes pode difundir para o sedimento adjacente criando um micro-
habitat aeróbico onde pode ocorrer a metanotrofia (KING, 1994; figura
11.4). De maneira geral, a presença de vegetação emergente resulta em
maiores taxas de emissão de CH4 nos ecossistemas aquáticos
(BAZHIN, 2004).
• A produção e consumo do CH4 são regulados por fatores ambientais tais
como: temperatura, quantidade e qualidade de substratos orgânicos
disponíveis, concentração de oxigênio dissolvido (OD), nutrientes e presença
ou ausência de macrófitas aquáticas nas regiões litorâneas de ambientes
aquáticos. Os microrganis1nos metanogênicos são estritamente anaeróbicos
que, embora não cresçam ou produzam CH4 na presença de oxigênio, podem
ser tolerantes à sua exposição (ZINDER, 1993). Por outro lado, os
organismos metanotróficos são aeróbios. Dessa forma, a presença de oxigênio
caracteriza o ambiente (p. ex. sedimento lacustre) como consumidor de CH4 ,
enquanto que a ausência de oxigênio caracteriza como produtor de CH4.
• Ambientes em estado de eutrofização artificial (ver capítulo 27), devido à sua
alta produtividade primária, apresentam acúmulo de matéria orgânica,
sobretudo no sedimento. Essa condição, associada a elevadas concentrações
de nutrientes, favorece a ocorrência de sedimentos anaeróbios com a
consequente formação de sítios de produção de CH4. Então, ecossistemas
eutrofizados natural ou artificialmente podem ser considerados importantes
fontes de emissão de CH4 para a atmosfera (CASPER et alii, 2000). A
produção de CH4 está diretamente relacionada com as concentrações de
matéria orgânica (substrato; CONRAD, 1989). Contudo, em estudos
realizados por Yavit et alii (1997) foram observados que a adição de glicose
(carbono orgânico lábil) estimulou de 2 a 6 vezes, a metanogênese. Portanto,
a metanogênese pode ser fortemente limitada pela natureza refrataria da
matéria orgânica.
• Ecossistemas aquáticos sujeitos a fortes variações de nível da água tais
como ecossistemas amazônicos (lgapó/várzea) e estuários, promovem a
inundação periódica de áreas ricas em matéria orgânica. Durante os
períodos de inundação, ocorre rápido consumo de oxigênio pela
decomposição, formando sítios com grandes potenciais de produção e
emissão de CH4 para a atmosfera. Estudando um lago de inundação na
planície amazônica (Lago- Batata, PA), Figueiredo-Barros (2008) registrou,
em áreas de inundação, taxas de emissão de metano 17 vezes superior a
regiões permanentemente inundadas (região limnética) do ecossistema.
• O processo de bioturbação por organismos bentônicos (ver capítulo 25)
realizado por macroinvertebrados bentônicos interfere diretamente na
dinâmica de emissão de CH4 em ecossistemas aquáticos. Alguns autores
têm observado redução significativa das concentrações de CH4 no
sedimento colonizado por macroinvertebrados bentônicos. Por aumentar
a fração oxigenada do sedimento, a bioturbação estimula a metanotrofia
na interface sedimento-água, resultando em menores concentrações de
CH4 no sedimento (FIGUEIREDO-BARROS et alii, 2009, LEAL et alii, 2007).
Dessa fon11a, esses organi.sn1os reduzem a possibilidade de formação
de bolhas, ricas em CH4, e consequente emissão para a atmosfera.
• Recentemente foi proposto que o processo de
metanotrofia, por resultar no fornecimento de energia
para a produção de biomassa microbiana, pode
representar um importante reforço para a produção
planctônica em lagos (i.é, alça microbiana; ver capítulo
20). Por exemplo, Taipale et alii (2007) mostraram que
bactérias metanotróficas contribuem com 64 a 87% da
dieta de Daphnia durante o período de baixa
produtividade fitoplanctônica, representando uma
importante fonte alternativa de energia para o
zooplâncton. Portanto, a metanotrofia em lagos pode não
só reduzir a emissão de CH4 para a atmosfera, umas
também subsidiar carbono e energia para a cadeia
alimentar aquática (BASTVIKEN et alii, 2003
11.3.4 Fotodegradação do Carbono Orgânico
• O processo de fotodegradação do COD consiste na absorção dos
raios solares pelo COD e sua consequente oxidação. Esse
processo representa um importante passo da ciclagem do
carbono nos ecossistemas aquáticos, uma vez que é
responsável por importante fração da mineralização do COD,
chegando a cerca de 8% da mineralização total em ecossistemas
profundos (tabela 11.1; JONSSON et alii, 2001) e a ser de
mesma magnitude da respiração bacteriana em ecossistemas
tropicais (AMADO et alii, 2006). Apesar da fotodegradação ter
sido identificada no final do século XIX (como processo de
fotoclaremento da água, do inglês photo-bleaching), somente
na década de 1970 e mais expressivamente na década de 1990
passou a ser estudada sob a ótica da ciclagem do carbono, em
função dos alertas para o aquecimento global e aumento das
radiações ultravioleta B sobre a superfície terrestre (para
revisão ver AMADO, / 2008, p. ex. GRANEL! et alii, 1996, 1998;
LINDELL et alii, 1995, 2000; STROME & MILLER, 1978).
• Como resultado da fotodegradação, pode ocorrer a
oxidação total do COD com liberação de moléculas
inorgânicas (p. ex. CO2 , CO), oxidação parcial com a
geração de moléculas de menor peso molecular (p. ex.
ácidos carboxílicos), complexação de moléculas de COD
formando outras de maior peso molecular (humificação),
produção de espécies reativas de oxigênio (p. ex.
peróxidos de hidrogênio, oxigênio singleto), dentre
outros co1npostos (SUHETI et alii, 2006). Pode1n ser
destacados con10 os principais precursores dessas
reações fatores con10: a intensidade das radiações
incidentes, a capacidade do COD absorver energia
luminosa (coloração do COD, p. ex. substâncias húmicas),
concentração de COD (substrato para degradação) e a
concentração de oxigênio na água (BERTILSSON &
TRANVIK, 2000; FARJALLA et alii, 2001; GRANÉLI et alii,
1996, 1998).
• Notadamente as radiações solares incidentes na região tropical ao
longo do ano são superiores à região temperada. Dessa forma, o COD
nos ecossistemas aquáticos tropicais está sujeito ao processo de
fotodegradação com maior intensidade. Ainda, de maneira geral, as
concentrações de COD são maiores na região tropical do que na região
temperada, provavelmente pela maior quantidade de chuvas nos
trópicos e maior retenção de COD nos solos da região temperada
(SILVER et alii, 2000). Por esses motivos, as maiores taxas de
fotodegradação do COD foram registradas na região tropical, sendo
significativamente maiores que na região temperada (figura 11.5;
AMADO, 2008; FARJALLA et alii, 2009; SUHETT et alii, 2006).
• Por afetar a composição das moléculas do COD, o processo de
fotodegradação afeta também a atividade bacteriana. Pode intensificar
a degradação bacteriana, pela transformação de compostos refratários
(p. ex. substâncias húmicas) em compostos mais disponíveis à
degradação biológica (p. ex. ácidos carboxílicos). Pode ainda, reduzir a
atividade bacteriana pelo consumo de compostos biodisponíveis
(competição), pela humificação e pela produção dos compostos
tóxicos (AMADO et alii, 2007; CORY et alii, 2010; OBERNOSTERER &
BENNER, 2004; TRANVIK & BERTILSSON, 2001).
11.4 CICLO DO CARBONO EM CONTEXTO NACIONAL E
GLOBAL
• O planeta experimenta hoje o acúmulo de gases do efeito estufa na
atmosfera, como CO2 , CH4 e o N2O, que vem sendo noticiado e
acompanhado pelo Painel internacional de mudanças climáticas
(IPCC, do inglês Internacional Panel of Climate Changes) e diversas
instituições de pesquisa atmosférica em todo o mundo. Esse acúmulo
vem acarretando na alteração do clima em diversas partes do planeta,
como aumento da temperatura nos polos seguida de degelo, aumento
do nível dos oceanos, aumento da imprevisibilidade de chuvas,
redução de chuvas em áreas já áridas, dentre outros. De maneira geral,
os ecossistemas aquáticos continentais representam importantes fontes
de CO2 para a atmosfera, advindo da decomposição da vegetação
terrestre (COLE et alii, 1994; SOBEK et alii, 2003). Aumentos na
temperatura do planeta, conforme previsões do IPCC, causariam
efeitos de maior liberação de CO2 dos ecossistemas aquáticos para a
atmosfera, pelo efeito físico da redução da saturação dos gases na
água, mas também pela intensificação metabólica da produção de CO2
na água e nos sedimentos (APPLE et alii, 2006; GUDASZ et alii,
2010; HALL & COTNER, 2007).
• Semelhante ao resto do Globo, no Brasil, a maioria dos
ecossistemas aquáticos são fontes de CO2 para a atmosfera,
sendo supersaturados em CO2 (MAROTTA et alii, 2009).
Estudando ecossistemas aquáticos em diversas latitudes,
Marotta et alii (2009) construíram um modelo relacionando a
temperatura com as concentrações de CO2 na água. A partir
desse modelo, podemos fazer previsões sobre os efeitos do
aumento da temperatura sobre a quantidade de CO2 presente
nos ecossistemas brasileiros. De acordo com Marengo et alii
(2009), previsões feitas por modelos climáticos demonstram
que até 2100, ocorrerá um aumento médio de 4°C na
temperatura atmosférica no Brasil. Com base nesses dados,
podemos estimar que o aumento médio da temperatura
atmosférica previsto, resultaria no aumento de cerca de 4%
nas concentrações de CO2 na água (figura 11.6), o que pode
representar um mecanismo de retroalimentação desse gás
estufa, agravando ainda mais o aquecimento e suas
consequências.
Referência Bibliográfica

Fundamentos de limnologia/ Francisco de Assis Esteves (coordenador). - 3. ed. Rio de


Janeiro: Interciência, 2011.

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