O carbono (C) é um dos elementos mais importantes nos ecossistemas
uma vez que está presente em todas as moléculas orgânicas em elevadas proporções, sendo um dos átomos mais abundantes na biomassa dos organismos. Dessa forma, o elemento carbono está presente em diversos aspectos da Limnologia, como a produção primária (processo de fixação de energia em compostos orgânicos), a transferência de energia e matéria entre os componentes das teias alimentares e os estoques de biomassa nos ecossistemas aquáticos. Ainda, o carbono é atualmente reconhecido com peça chave no funcionamento do planeta pela interconexão entre ecossistemas terrestres e aquáticos; e pela regulação do clima global. Nesse capítulo, com ênfase no carbono orgânico, abordaremos desde a conceituação básica, passando pela ciclagem, importância no funcionamento dos ecossistemas aquáticos continentais até sua importância global. O carbono é o macronutriente mais abundante nos organismos aquáticos e funciona como "esqueleto" das estruturas bioquímicas. Além disso, apresenta-se como “moeda energética" dos organismos e células. Suas transformações bioquímicas entre formas orgânicas (p. ex. açúcares) e inorgânicas (p. ex. dióxido de carbono - C02 ) via produção primária ou secundária e via respiração, são os principais processos de armazenagem e transporte de energia nos seres vivos e entre os seres vivos (STERNER & ELSER, 2002). Tais transformações são reguladas pelas condições químicas e físico- químicas dos ambientes (p. ex. temperatura, disponibilidade de oxigênio dissolvido, pH, entre outros), que afetam tanto os processos de transformação quanto os organismos envolvidos. Convenciona-se separar o carbono nos seguintes grupos de moléculas: carbono inorgânico dissolvido (CID), carbono orgânico dissolvido (COD) e carbono orgânico particulado (COP). A soma de todas as formas de carbono na água é chamada de carbono total (CT). Moléculas de carbono orgânico (COD e COP) têm em comum o fato de serem compostas por; pelo menos, 1 (um) átomo de carbono ligado a, pelo menos, 1 (um) átomo de hidrogênio. Já a distinção entre COD e COP é referente ao tamanho dos compostos, realizada através de procedimentos de filtração. Usualmente essa distinção é realizada entre as porosidades de 0,45, 0,7 e 1,2 µm. Eventualmente, estudos focados na dinâmica de organismos menores como protozoários e bactérias, mais frequentemente utilizam membranas filtrantes com porosidade de 0,45 ou 0,2 µm. Estudos focados na decomposição do COP podem ainda subdividir essa fração em COP fino e COP grosso. Dentro do grupo COD estão contidas inúmeras biomoléculas como açúcares, proteínas, ácidos carboxílicos, substâncias húmicas, entre outros, formando grupos de cerca de 4000 moléculas diferentes (BENNER, 2002). Nesse grupo está contido ainda o carbono orgânico coloidal, devido à dificuldade de separação do COD através da filtração. Particularmente relevantes para a composição do COD natural são as substâncias húmicas dissolvidas. Substâncias húmicas dissolvidas formam um grupo heterogêneo de moléculas orgânicas, de médio a alto peso molecular; de coloração amarelada a amarronzada e que compõe de 50 a 95% do COD (FARJALLA et alii, 2009; STEINBERG et alii, 2006). São geralrnente formadas a partir da decomposição parcial de plantas lenhosas, e foram, por muitos anos, consideradas inertes à biota, tendo suas funções principais relacionadas ao tamponamento do pH, à quelação de metais e à imobilização de nutrientes na coluna d'água. Atualmente, porém, suas funções foram revistas e, através da ação direta de microrganismos, as substâncias húmicas podem constituir uma importante fonte de energia e matéria para as teias alimentares aquáticas (ver capítulo 20). Já no grupo do COP estão incluídos tanto os organismos, quanto matéria orgânica particulada em decomposição, também conhecida como matéria orgânica detrital. Esses dois tipos são tecnicamente muito difíceis de serem distinguidos entre si por simples , filtração. E necessária a observação microscópio, o que torna a separação, muitas vezes, inviável. 11.2 FONTES E REMOÇÃO DE CARBONO ORGÂNICO DOS ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS CONTINENTAIS As fontes de COD e COP para os ecossisten1as aquáticos podem ser internas ( autóctones) ou externas (alóctones) ao ecossistema. A bacia de drenagem, superficial, os aquíferos e lençóis freáticos e até mesmo uma possível sedimentação de carbono orgânico presente na atmosfera são as principais fontes de COD e COP alóctones para um, ecossistema aquático continental ( figura 11.1). Como fontes autóctones destacam, se o fitoplâncton, o perifíton e as macrófitas aquáticas. Esses organismos incorporam CO2 do meio produzindo moléculas orgânicas para sua biomassa. Através da excreção e/ou morte desses organismos, o carbono pode ser liberado sob a forma de COD, por processo conhecido com lixiviação, ou diretamente sob a forma de COP nos ecossistemas aquáticos (figura 11.1). Ainda, a partir das interações tróficas entre os organismos aquáticos, o carbono orgânico circula entre os organismos autotróficos e heterotróficos, planctônicos, nectônicos e bentônicos, a partir dos quais pode ser liberado non1eio pela excreção e n1orte desses organismos. O COP e o COD também podem retornar à coluna d'água através da ressuspensão a partir do sedimento (material FIGURA 11.1 Desenho esquemático das entradas, fluxo e saídas do carbono em lagos sob condições aeróbicas. Macrófitas aquáticas, perifíton e fitoplâncton são as principais vias autóctones de entrada de carbono nos sistemas. A vegetação e animais terrestres são as principais formas de entrada de carbono alóctone. As setas em linhas cheias indicam fluxo de carbono entre organismos e compartimentos, as setas tracejadas indicam o fluxo de carbono em relações tróficas (incluindo a alça microbiana; ver capítulo 20) e as setas pontilhadas indicam processos fotoquímicos de degradação do COO (fotodegradação ou fotoxidação). São várias as formas de remoção de COD e COP da coluna d'água dos ecossistemas aquáticos. Tanto o COD quanto o COP podem ser exportados diretamente pela própria ação da água corrente, no caso de ecossistemas aquáticos lóticos (p. ex. rios) e mistos (p. ex. reservatórios de hidrelétricas), quanto por fenômenos naturais ou antrópicos pontuais, como o caso das aberturas das barras de areia que separam as lagoas costeiras do oceano. Parte do COD e principalmente do COP podem ser perdidos da coluna d'água para o sedimento límnico por sedimentação, podendo ficar estocados no sedimento por longos períodos. Ainda, o COP e o COD podem ser incorporados nas cadeias alimentares aquáticas através da utilização destes compostos orgânicos por macroorganismos detritívoros e pelas bactérias planctônicas (alça microbiana; ver capítulo 20). Neste caso, o carbono orgânico pode ser incorporado diretamente na biomassa dos organismos ou mineralizado pela respiração dos mesmos. Na presença de oxigênio, a respiração resulta na mineralização completa do carbono orgânico em CID (p. ex. CO2) e, na ausência de oxigênio, pode resultar na formação de metano (CH4 ; processo de metanogênese descrito na seção 11.3.3). Finalmente, o COD e o COP podem também ser diretamente mineralizados através de processos fotoquímicos conhecidos como fotoxidação ou fotodegradação. As entradas e saídas de carbono nos ecossistemas aquáticos estão representadas esquematicamente na figura 11.1. 11.3 AS TRANSFORMAÇÕES DO CARBONO NOS ECOSSISTEMAS AQUÁTICOS CONTINENTAIS As transformações das formas de carbono pelos processos produtivos ou degradativos são realizadas por intermédio de organismos, microrganismos, condições físico-químicas ou por agentes físicos (p. ex. radiação solar) . Por isso, como dito anteriormente, condições ambientais como concentração de oxigênio, pH e temperatura são fatores de grande relevância para a intensidade e direção dos processos ligados a ciclagem do carbono. Por exemplo, a presença de oxigênio favorece a dominância de organismos de metabolismo aeróbico (normalmente consórcios de microrganismos) que promovem a decomposição total do COD em CO2. Na ausência de oxigênio (p. ex. sedimento anaeróbico), a degradação do COD ocorre por vias alternativas. A figura 11.2 representa os processos de ciclagem de carbono de acordo com as condições ambientais de disponibilidade de oxigênio. Nos ecossistemas aquáticos mais rasos, sujeitos às constantes ações dos ventos e oxigenação total da coluna d'água, o ciclo do carbono apresenta as etapas aeróbicas na coluna d'água e as etapas anaeróbicas no sedimento, como exemplificado na figura 11.2. Entretanto, em ecossistemas mais profundos (ou até supereutróficos) nos quais a coluna d'água pode apresentar, com maior frequência, estratificação quanto à concentração de oxigênio, as etapas aeróbicas e anaeróbicas do ciclo do carbono podem ocorrer simultaneamente na coluna d'água ou temporalmente separadas (p. ex. dinâmica nicten1eral , de estratificação; ESTEVES et alii, 1994). É importante notar que, diferente do ciclo do nitrogênio (ver capítulo 12), as transformações entre carbono orgânico e inorgânico podem se completar sem a necessidade da ocorrência de aerobiose e anaerobiose. Dentre os processos de transformação do carbono se destacam a fotossíntese e a respiração dos organismos, como as principais vias de produção e mineralização, respectivamente, de carbono orgânico. Ainda, os processos de fotodegradação do carbono orgânico e produção e consumo de metano (CH4 ) ganharam destaque no cenário mundial em função do aumento da incidência das radiações ultravioleta e das mudanças climáticas no planeta. A seguir; descrevemos em detalhes esses processos. 11.3.1 Fotossíntese • A fotossíntese é um processo responsável por sustentar e fornecer energia para grande parte dos processos aquáticos (DODDS, 2002). Representa a fixação de energia luminosa em compostos orgânicos (o processo de quimiossíntese é análogo, entretanto utiliza energia química ao invés de luminosa) formados a partir da utilização de moléculas inorgânicas de carbono (p. ex. CO2; ver equação da fotossíntese no capítulo 7 ). Por isso, a fotossíntese tem importância fundamental no balanço de carbono entre os ecossistemas aquáticos e a atmosfera, com implicações para as mudanças globais, bem como na entrada de carbono para a cadeia trófica. A fotossíntese é regulada principalmente pela luminosidade, temperatura e disponibilidade de nutrientes, sendo a luminosidade o fator mais imediato, uma vez que é a fonte de energia do processo e se altera fortemente ao longo de um dia ou com a profundidade ( atenuação da luz na água; ver capítulo 9) • A temperatura apresenta importância sazonal na regulação dos processos metabólicos dos produtores prim1ários, enquanto que os nutrientes apresentam importância espacial, por afetar as características dos corpos d'água. Em nível ecossistêmico, a produção primária pode ser estimulada como produção primária líquida (PPL), como sendo a soma da fixação de energia de todos os produtores primários (fitoplâncton, fitobentos, macrófitas aquáticas, perifíton), menos os processos de mineralização do carbono (respiração) resumindo pela fórmula (ODUM et alii, 2004): Produção 11.3.2 Respiração • O processo de respiração aeróbica é resultante de uma série de transformações bioquímicas do COD que resultam na formação de CO2 e, assim como a fotossíntese, é fundamental para o balanço de carbono entre ecossistemas aquáticos e atmosfera. Esse processo consiste na liberação da energia fixada pelo processo de fotossíntese (do próprio organismo no caso dos produtores primários ou do alimento nos organismos hetero, tróficos) para o funcionamento (metabolismo) de suas células e produção de biomassa. Assim como a fotossíntese, a respiração é fortemente influenciada pela temperatura e pelas concentrações de nutrientes no ecossistema (APPLE et alii, 2006; BIDDANDA et alii, 2001). • Na prática, a respiração em ecossistemas aquáticos é dividida em: a) respiração ecossistêmica - estudada pela va1iação nas concentrações de O2 ou CO2 na coluna d'água como um todo, considerando vento, temperatura, etc. Esses procedimentos incluem todos os organismos no compartimento aquático (plâncton, nécton, etc.) e no sedimento (bentos); b) respiração planctônica - estudada pela variação nas concentrações de O2 ou CO2 em frascos com água não filtrada do ecossistema. Essa abordagem inclui os organismos planctônicos como fitoplâncton, zooplâncton, bacterioplâncton, etc.; c) respiração bacteriana - estudada pela variação nas concentrações de O2 ou CO2 em frascos com água filtrada através de filtros ou membranas com porosidades maiores que o bacterioplâncton nos ecossistemas (p. ex. 1,2 µm, 1,0 µm, 0, 7 µm ou 0,45 µm); d) respiração bentônica - estudada pela va1iação nas concentrações de O2 ou CO2 em tubos com sedimento e água. • Nas regiões mais frias, com invernos rigorosos, a va1iação anual de temperatura tem papel fundamental na regulação da respiração, uma vez que impõe limitações metabólicas aos organismos. De maneira geral, com o final do inverno, as temperaturas aumentam, a partir de 4ºC, permitindo o aumento das taxas de respiração. Em regiões mais quentes, nas quais as médias de temperatura são superiores, a temperatura deixa de ser um fator limitante (p. ex. superiores a 15°C) e, questões locais, como uso do solo no entorno, que afetam as concentrações de nutrientes e matéria orgânica (grau de trofia dos ambientes) e composição das comunidades (p. ex. comunidade bacteriana), passam a ser os fatores preponderantes sobre as taxas de respiração nos ecossistemas (APPLE et alii, 2006; HALL et alii, 2008). Compilando dados de estudos realizados nos grandes lagos norte- americanos (Lago Superior, Michigan, etc.), ve1ifica-se que o desvio padrão das taxas de respiração no plâncton aumenta expressivamente (em escala logarítmica) a partir de 15°C, como mostra a figura 11.3, indicando a existência de outros fatores reguladores da respiração e1n águas mais quentes (BIDDANDA et alii, 1994; BIDDANDA & COTNER 2002; LAUSTER et alii, 2006). Esses resultados têm importância fundamental para o entendimento do comportamento do ciclo do carbono aquático, no atual cenário de mudanças globais e aumento da temperatura média do planeta. FIGURA 11.3 Relações da respiração planctônica (RP) com a temperatura da água. (A) Gráfico de dispersão de RP em relação à temperatura (N = 71 ). A seta tracejada em vermelho indica a temperatura de 15ºC, ponto no qual aumenta a variação da RP. (B) Desvio padrão de RP para os dados classificados por grau de temperatura (p. ex. 20ºC, 24ºC, etc). A linha vermelha indica o modelo de aumento exponencial da RP com a temperatura (P < 0,05). Dados retirados de Cotner et alii (em preparação), Biddanda & Cotner (2002), Biddnada et alii (1994) e Lauster et alii (2006). Agradecimentos ao Dr. Cotner pela concessão de dados não publicados para compor esta figura. De maneira geral, a concentração de nutrientes está diretamente relacionada com as taxas metabólicas dos organismos aquáticos, logo, influencia diretamente as taxas de respiração. Quanto maiores as concentrações de nutrientes (gradiente de trofia, p. ex. nitrogênio e fósforo), maiores as taxas de respiração total do plâncton (BIDDANDA et alii, 2001) e das bactérias planctônicas (BERGGREN et alii, 2010). Entretanto, vale ressaltar que a respiração planctônica total aumenta em razão maior que a respiração do bacterioplâncton, devido a fatores ligados a competição por nutrientes, excreção de COD, predação e mortalidade por vírus (BIDDANDA et alii, 2001; COTNER & BIDDANDA 2002). Dessa forma, quanto mais eutrófico for um ecossistema, menor a contribuição relativa das bactérias para a respiração ecossistêmica. • Os sedimentos límnicos, conforme tratado mais adiante no capítulo 19 deste livro, forman1 um compartimento acumulador de matéria orgânica proveniente da coluna d'água. Dessa forma, torna-se um. importante sítio de armazenagem e transformação de carbono, sendo responsável por grande parte da mineralização desse elemento em lagos (tabela 11.l; JONSSON et alii, 2001). Neste compartimento, os processos de respiração aeróbica são análogos aos da coluna d'água mencionados acima. Entretanto, a estrutura química do sedimento com uma camada aeróbica (normalmente reduzida) e outra camada anaeróbica (ver figura 13.5 - capítulo 13), faz com que os processos de respiração anaeróbica sejam mais relevantes nesse compartimento. • Na ausência do oxigênio outros compostos inorgânicos (p. ex. , ) podem fazer o papel de aceptores finais de elétrons para a realização da respiração anaeróbia (figura 11.2). Como exemplo pode-se citar os processos de desnitrificação e de redução dissimilatória do nitrato/nitrito ( ) que, resurnidan1ente, promovem a oxidação total do COD, produzindo CO2 + R (radical correspondente a cada reação), utilizando o oxigênio do nitrato/nitrito como aceptor final de elétrons (ver capítulo 13). Por outro lado, na ausência dos compostos inorgânicos citados acima, organismos heterotróficos podem utilizar compostos orgânicos de carbono, através de processos de fermentação, transformando-os em moléculas orgânicas mais simples ou mesmo em inorgânicas para a liberação de energia (DODDS 2002). • Existe uma grande quantidade de reações de fermentação conhecidas e, muitas delas, dominadas pela indústria, possuem grande importância econômica com, por exemplo, a fermentação de glicose para a geração do álcool utilizado como combustível, como segue: Glicose ➔ 2 etanol + 2 CO2 • A fermentação do acetato (íon acetato; ) pode resultar, por exemplo, na formação de metano (CH4 , ver seção 11.3 .3), um gás de importância global, pois tem capacidade de aquecimento algumas vezes (cerca de 20 vezes) maior que a do CO2. Comumente, a fermentação de compostos produzidos por vegetais superiores resulta na formação de substâncias húmicas (citadas anteriormente), que apresentam coloração escura, conferindo coloração amarelada ou marrom a água, quando em grandes quantidades. Como exemplo desse tipo de ecossistema tem o rio Negro na Amazônia e inúmeras lagoas costeiras comumente conhecidas como "lagoa da Coca-cola". Esse tipo de ecossistema normalmente apresenta baixa produção primária planctônica pela limitação por luz, que é fortemente atenuada, e alta reatividade com a luz resultando em altas taxas de degradação fotoquímica ou fotodegradação (ver seção 11.3.4). 11.3.3 Produção, Consumo e Emissão de Metano (CH4 ) em Ecossistemas Aquáticos • A produção microbiana de CH4 , processo denominado metanogênese (realizado por arqueobactérias metanogênicas), é o último estágio da decomposição do carbono em vários ambientes anaeróbicos, tais como, trato gastrointestinal de animais, solos inundados, habitats geotén11icos e sedin1ento de áreas alagadas de água doce ou salina (FENC HEL et alii, 1998). Desta forma, a metanogênese pode ser considerada um dos mais importantes processos de degradação da matéria orgânica em sedimentos aquáticos anóxicos. A produção de CH4 pode ocorrer através da decomposição parcial de moléculas de acetato (1) bem como pela transformação de CO2 en1 CH4 (2), como seguem as reações: • (1) CH3 COO- ➔ CH4 + CO2 (metanogênese acetoclástica) • (2) CO2 + 4 H2 ➔ CH4 + 2 H2 O (metanogênese autotrófica) • Por outro lado, na presença de oxigênio, o CH4 pode ser oxidado resultando na formação de CO2 através da ação de microrganismos denominados bactérias metanotróficas (3). Esses organismos, que ocorrem nas camadas superficiais dos sedimentos límnicos (pouco 1nilíinetros) e na coluna d'água, consomem cerca de 90% do CH4 produzido nos ecossistemas para a produção de biomassa e/ou respiração (produção de CO2 ; UTSUMI et alii, 1998). Funcionam con10 biofiltro de forma que apenas menos de 10% do CH4 produzido nos sedimentos é liberado para a coluna d'água e atmosfera (FRENZEL et alii, 1990). • (3) CO2+4H2 ➔ CH4+2H2O (metanotrofia) Em um ambiente aquático a emissão de CH4 para a atmosfera depende, basicamente, do balanço entre a produção (metanogênese) e consumo (metanotrofia - oxidação) deste gás (MURASE et alii, 2005). Essa emissão pode ocorrer por difusão em meio aquoso ou através da formação de bolhas em ecossistemas com sedimento anaeróbico e rico em matéria orgânica (figura 11. 4). As bolhas de CH4 se formam e acumulam formando bolsas de gás que podem ser liberadas do sedimento, atravessar a coluna d'água e chegar a atmosfera após atingir a lâmina d'água (parte superficial). A emissão de CH4 para a atmosfera através de bolhas diminui a possibilidade de ocorrer oxidação (metanotrofia) na coluna d'água sendo, portanto, uma importante via de perda de carbono em ambientes aquáticos. Em regiões colonizadas por macrófitas aquáticas emersas o CH4 pode, por difusão, entrar no sistema radicular e ser transportado para a atmosfera através do tecido vegetal até atingir a atmosfera. Por outro lado, o oxigênio presente nas raízes pode difundir para o sedimento adjacente criando um micro- habitat aeróbico onde pode ocorrer a metanotrofia (KING, 1994; figura 11.4). De maneira geral, a presença de vegetação emergente resulta em maiores taxas de emissão de CH4 nos ecossistemas aquáticos (BAZHIN, 2004). • A produção e consumo do CH4 são regulados por fatores ambientais tais como: temperatura, quantidade e qualidade de substratos orgânicos disponíveis, concentração de oxigênio dissolvido (OD), nutrientes e presença ou ausência de macrófitas aquáticas nas regiões litorâneas de ambientes aquáticos. Os microrganis1nos metanogênicos são estritamente anaeróbicos que, embora não cresçam ou produzam CH4 na presença de oxigênio, podem ser tolerantes à sua exposição (ZINDER, 1993). Por outro lado, os organismos metanotróficos são aeróbios. Dessa forma, a presença de oxigênio caracteriza o ambiente (p. ex. sedimento lacustre) como consumidor de CH4 , enquanto que a ausência de oxigênio caracteriza como produtor de CH4. • Ambientes em estado de eutrofização artificial (ver capítulo 27), devido à sua alta produtividade primária, apresentam acúmulo de matéria orgânica, sobretudo no sedimento. Essa condição, associada a elevadas concentrações de nutrientes, favorece a ocorrência de sedimentos anaeróbios com a consequente formação de sítios de produção de CH4. Então, ecossistemas eutrofizados natural ou artificialmente podem ser considerados importantes fontes de emissão de CH4 para a atmosfera (CASPER et alii, 2000). A produção de CH4 está diretamente relacionada com as concentrações de matéria orgânica (substrato; CONRAD, 1989). Contudo, em estudos realizados por Yavit et alii (1997) foram observados que a adição de glicose (carbono orgânico lábil) estimulou de 2 a 6 vezes, a metanogênese. Portanto, a metanogênese pode ser fortemente limitada pela natureza refrataria da matéria orgânica. • Ecossistemas aquáticos sujeitos a fortes variações de nível da água tais como ecossistemas amazônicos (lgapó/várzea) e estuários, promovem a inundação periódica de áreas ricas em matéria orgânica. Durante os períodos de inundação, ocorre rápido consumo de oxigênio pela decomposição, formando sítios com grandes potenciais de produção e emissão de CH4 para a atmosfera. Estudando um lago de inundação na planície amazônica (Lago- Batata, PA), Figueiredo-Barros (2008) registrou, em áreas de inundação, taxas de emissão de metano 17 vezes superior a regiões permanentemente inundadas (região limnética) do ecossistema. • O processo de bioturbação por organismos bentônicos (ver capítulo 25) realizado por macroinvertebrados bentônicos interfere diretamente na dinâmica de emissão de CH4 em ecossistemas aquáticos. Alguns autores têm observado redução significativa das concentrações de CH4 no sedimento colonizado por macroinvertebrados bentônicos. Por aumentar a fração oxigenada do sedimento, a bioturbação estimula a metanotrofia na interface sedimento-água, resultando em menores concentrações de CH4 no sedimento (FIGUEIREDO-BARROS et alii, 2009, LEAL et alii, 2007). Dessa fon11a, esses organi.sn1os reduzem a possibilidade de formação de bolhas, ricas em CH4, e consequente emissão para a atmosfera. • Recentemente foi proposto que o processo de metanotrofia, por resultar no fornecimento de energia para a produção de biomassa microbiana, pode representar um importante reforço para a produção planctônica em lagos (i.é, alça microbiana; ver capítulo 20). Por exemplo, Taipale et alii (2007) mostraram que bactérias metanotróficas contribuem com 64 a 87% da dieta de Daphnia durante o período de baixa produtividade fitoplanctônica, representando uma importante fonte alternativa de energia para o zooplâncton. Portanto, a metanotrofia em lagos pode não só reduzir a emissão de CH4 para a atmosfera, umas também subsidiar carbono e energia para a cadeia alimentar aquática (BASTVIKEN et alii, 2003 11.3.4 Fotodegradação do Carbono Orgânico • O processo de fotodegradação do COD consiste na absorção dos raios solares pelo COD e sua consequente oxidação. Esse processo representa um importante passo da ciclagem do carbono nos ecossistemas aquáticos, uma vez que é responsável por importante fração da mineralização do COD, chegando a cerca de 8% da mineralização total em ecossistemas profundos (tabela 11.1; JONSSON et alii, 2001) e a ser de mesma magnitude da respiração bacteriana em ecossistemas tropicais (AMADO et alii, 2006). Apesar da fotodegradação ter sido identificada no final do século XIX (como processo de fotoclaremento da água, do inglês photo-bleaching), somente na década de 1970 e mais expressivamente na década de 1990 passou a ser estudada sob a ótica da ciclagem do carbono, em função dos alertas para o aquecimento global e aumento das radiações ultravioleta B sobre a superfície terrestre (para revisão ver AMADO, / 2008, p. ex. GRANEL! et alii, 1996, 1998; LINDELL et alii, 1995, 2000; STROME & MILLER, 1978). • Como resultado da fotodegradação, pode ocorrer a oxidação total do COD com liberação de moléculas inorgânicas (p. ex. CO2 , CO), oxidação parcial com a geração de moléculas de menor peso molecular (p. ex. ácidos carboxílicos), complexação de moléculas de COD formando outras de maior peso molecular (humificação), produção de espécies reativas de oxigênio (p. ex. peróxidos de hidrogênio, oxigênio singleto), dentre outros co1npostos (SUHETI et alii, 2006). Pode1n ser destacados con10 os principais precursores dessas reações fatores con10: a intensidade das radiações incidentes, a capacidade do COD absorver energia luminosa (coloração do COD, p. ex. substâncias húmicas), concentração de COD (substrato para degradação) e a concentração de oxigênio na água (BERTILSSON & TRANVIK, 2000; FARJALLA et alii, 2001; GRANÉLI et alii, 1996, 1998). • Notadamente as radiações solares incidentes na região tropical ao longo do ano são superiores à região temperada. Dessa forma, o COD nos ecossistemas aquáticos tropicais está sujeito ao processo de fotodegradação com maior intensidade. Ainda, de maneira geral, as concentrações de COD são maiores na região tropical do que na região temperada, provavelmente pela maior quantidade de chuvas nos trópicos e maior retenção de COD nos solos da região temperada (SILVER et alii, 2000). Por esses motivos, as maiores taxas de fotodegradação do COD foram registradas na região tropical, sendo significativamente maiores que na região temperada (figura 11.5; AMADO, 2008; FARJALLA et alii, 2009; SUHETT et alii, 2006). • Por afetar a composição das moléculas do COD, o processo de fotodegradação afeta também a atividade bacteriana. Pode intensificar a degradação bacteriana, pela transformação de compostos refratários (p. ex. substâncias húmicas) em compostos mais disponíveis à degradação biológica (p. ex. ácidos carboxílicos). Pode ainda, reduzir a atividade bacteriana pelo consumo de compostos biodisponíveis (competição), pela humificação e pela produção dos compostos tóxicos (AMADO et alii, 2007; CORY et alii, 2010; OBERNOSTERER & BENNER, 2004; TRANVIK & BERTILSSON, 2001). 11.4 CICLO DO CARBONO EM CONTEXTO NACIONAL E GLOBAL • O planeta experimenta hoje o acúmulo de gases do efeito estufa na atmosfera, como CO2 , CH4 e o N2O, que vem sendo noticiado e acompanhado pelo Painel internacional de mudanças climáticas (IPCC, do inglês Internacional Panel of Climate Changes) e diversas instituições de pesquisa atmosférica em todo o mundo. Esse acúmulo vem acarretando na alteração do clima em diversas partes do planeta, como aumento da temperatura nos polos seguida de degelo, aumento do nível dos oceanos, aumento da imprevisibilidade de chuvas, redução de chuvas em áreas já áridas, dentre outros. De maneira geral, os ecossistemas aquáticos continentais representam importantes fontes de CO2 para a atmosfera, advindo da decomposição da vegetação terrestre (COLE et alii, 1994; SOBEK et alii, 2003). Aumentos na temperatura do planeta, conforme previsões do IPCC, causariam efeitos de maior liberação de CO2 dos ecossistemas aquáticos para a atmosfera, pelo efeito físico da redução da saturação dos gases na água, mas também pela intensificação metabólica da produção de CO2 na água e nos sedimentos (APPLE et alii, 2006; GUDASZ et alii, 2010; HALL & COTNER, 2007). • Semelhante ao resto do Globo, no Brasil, a maioria dos ecossistemas aquáticos são fontes de CO2 para a atmosfera, sendo supersaturados em CO2 (MAROTTA et alii, 2009). Estudando ecossistemas aquáticos em diversas latitudes, Marotta et alii (2009) construíram um modelo relacionando a temperatura com as concentrações de CO2 na água. A partir desse modelo, podemos fazer previsões sobre os efeitos do aumento da temperatura sobre a quantidade de CO2 presente nos ecossistemas brasileiros. De acordo com Marengo et alii (2009), previsões feitas por modelos climáticos demonstram que até 2100, ocorrerá um aumento médio de 4°C na temperatura atmosférica no Brasil. Com base nesses dados, podemos estimar que o aumento médio da temperatura atmosférica previsto, resultaria no aumento de cerca de 4% nas concentrações de CO2 na água (figura 11.6), o que pode representar um mecanismo de retroalimentação desse gás estufa, agravando ainda mais o aquecimento e suas consequências. Referência Bibliográfica
Fundamentos de limnologia/ Francisco de Assis Esteves (coordenador). - 3. ed. Rio de