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Leitura – direito da cidadania para todos | Revista Emília 07/02/2021 09:27

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Leitura – direito da cidadania para E EMÍLIA
todos PARTICIPE
POR JOSÉ CASTILHO MARQUES NETO | 20 DE NOVEMBRO DE 2015 | POLÍTICAS DE LEITURA |

Em toda a América Latina, Central e Caribe, padecemos todos da carência Últimas


de leitores, somando-se o atraso histórico de nossas nações ao direito à
leitura, com os novos desafios contemporâneos provocados pela Livros,
civilização digital e suas novas formas de escrever e ler. remédios
da alma
As circunstâncias atuais são tão duras para o livro e a leitura como a POR FABÍOLA
FARIAS
conhecemos tradicionalmente que entendo e estou de acordo, embora não
totalmente, com a observação do editor espanhol Antonio Ventura que disse
recentemente em palestra no Brasil: “Na Espanha de Franco os livros eram Fechando
suspeitos, hoje os livros são ausentes e desconhecidos e ainda temos o império 2020
POR REVISTA
das telas mentirosas. Sou ontologicamente otimista e circunstancialmente EMÍLIA

pessimista”.

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Se partirmos de circunstâncias mais otimistas do que esta, mesmo assim será


Quer ler
necessária a pergunta que toca a todos nós: haverá ainda uma função para a
junto?
escritura e a leitura no mundo contemporâneo e em nossos países? A ousadia
POR REVISTA
dos primeiros desbravadores e de tantos outros entre nós que lutaram por um EMÍLIA

país de leitores plenos, ainda tem vigência no mundo contemporâneo,


considerando-se os parâmetros construídos durante mais de um século de Leiturar
movimento pela leitura no Brasil e nos demais países de “nuestra América”? POR MARÍA
EMILIA LOPÉZ

Percebidas como práticas essencialmente sociais e culturais, como aponta o


texto norteador do Plano Nacional do Livro e Leitura do Brasil, a leitura e a
escrita são a “expressão da multiplicidade de visões do mundo, esforço de PESQUISAR …
interpretação que se reporta a amplos contextos…” (p.32). Mas este tradicional
conceito encontra dimensão mais precisa no livro de Constantino Bértolo – O
banquete dos notáveis – (Coleção Emília/Livros da Matriz Editora) quando de
Siga-nos.
forma cortante e incisiva já nas primeiras linhas introdutórias ele afirma: “A escrita
Compartilhe.
nasceu, podemos afirmar, ligada ao poder, embora gostemos de pensar que foi
criada para dar voz, honra e acolhida à memória.” (p.11)
" FACEBOOK

O universo literário no qual navegamos é, indubitavelmente, o universo do


“patrimônio público que a linguagem representa e mediante o qual nos
constituímos como seres sociais que somos…” (Bértolo, p. 12). Assim compreendida $ YOUTUBE
como práticas sociais e culturais, exercício de poder e patrimônio público que
constitui os seres sociais, o livro, a leitura e a literatura podem ser
dimensionados e compreendidos nas três dimensões das políticas culturais # INSTAGRAM
recentemente implantadas no Brasil, ou seja, a política cultural como economia,
como direito à cidadania e como valor simbólico.

No mundo contemporâneo é imenso o desafio de se considerar a leitura


enquanto política social, cultural e educacional abrangente e inclusiva. A esse
desafio, somam-se outros apresentados pelas novas plataformas da
“textualidade eletrônica” como denominou Roger Chartier. E, nessa nova
“textualidade”, podemos observar modificações cada vez mais profundas e
complexas incidindo no processo da escritura e da leitura, modificando,
objetivamente, a relação entre o autor, o modo de editar e seus leitores.

No Brasil as TICs e a leitura digital estão deixando de ser uma questão apenas
teórica e começam a ter bases reais de sustentabilidade e permanência. Pode-
se observar a veracidade dessa afirmação pelos dados do Comitê Gestor da
Internet no Brasil, publicados em 2014: em 2013, 43% dos domicílios brasileiros
possuíam acesso à Internet; 89% das crianças e adolescentes de 10 a 15 anos
entrevistadas utilizaram computador; e 85% afirmaram já ter utilizado a Internet,
principalmente para atividades escolares (90%). Além dos games, é também
significativo o interesse nas redes sociais: 78% das crianças entrevistadas já

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usaram o Facebook, entre outros sites de relacionamento.

Para além das questões do já adolescente mundo virtual, chamo a atenção aqui
também para outros aspectos que devemos considerar. Alguns deles marcados
por uma profunda visão desesperançada das possibilidades emancipadoras da
civilização contemporânea.

Em seu provocador livro A civilização do espetáculo, Mario Vargas Llosa comenta


que a tendência natural e saudável do ser humano é buscar uma vida alegre,
leve, que busque o “passar bem”. No entanto, o fato de a sociedade
contemporânea elevar esse estado a um valor supremo da civilização provoca,
por outro lado, “a banalização da cultura, a generalização da frivolidade e, no
campo da informação, a proliferação do jornalismo irresponsável, da fofoca e do
escândalo”. Para quem trabalha com a literatura, com a escrita da disseminação
do conhecimento e da informação, escrever e publicar num mundo dominado
pela lógica do espetáculo é uma espécie de remar contra a corrente: se avança,
mas o esforço é enorme, permanente e muitas vezes encarado como inútil dada
à avassaladora força contrária que parece a todos “natural”.

O problema é antigo, mas hoje se apresenta superlativo. Se examinarmos a


história do livro e da edição, seguramente encontraremos a tensão permanente
que marca essa atividade cultural e social: a frágil fronteira entre preservar e
divulgar a literatura, a informação e o conhecimento versus o confronto com a
realidade do mundo cada vez mais oligopolizado da edição, do comércio e da
distribuição, demasiadamente marcados por regras e valores inversamente
proporcionais àquelas que geraram o trabalho autoral. No que lamentavelmente
chamamos de “mundo real” na sociedade contemporânea, o que vale é a regra
do que é mais lucrativo, ou melhor, do que é mais imediatamente lucrativo. É
altamente inflamável a mistura entre a sociedade do espetáculo descrita por
Llosa e as regras de mercado atuais que pautam a oferta que chega ao público
leitor e, na maioria das vezes, encarceram as possibilidades de desenvolvimento
autônomo e libertário da autoria, da literatura, do texto informativo e da
bibliodiversidade.

Em um contexto complexo como este, a pergunta que os espíritos lúcidos se


fazem, talvez formulada pela primeira vez pelo antigo questionamento socrático
dos “males da leitura” no Fedro de Platão, lá por voltas dos anos 380 a.C., hoje
ganha dimensão estratégica para a política cultural e educacional:

Há desenvolvimento humano que seja sustentável sem a formação de leitores


plenos no mundo contemporâneo? Qual o tamanho deste problema nesta era
autodenominada da informação e do conhecimento?

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Mais do que uma questão cultural ou educacional, formar leitores plenos e


altamente capacitados, além de um direito da cidadania, deve ser parte
constitutiva da necessária estratégia de construção de países que se pretendem
autônomos, inovadores, parceiros e não subalternos no século XXI.

Quando o assunto é livro e leitura é preciso, antes, distingui-los, sendo o livro,


independentemente de sua plataforma tradicional ou digital, necessariamente
um produto cultural único, resultado de elos de uma complexa cadeia produtiva
que vai do autor ao editor e deste para as redes de distribuição, formando o que
chamamos de “economia do livro”. Já a leitura, que se “configura um ato criativo
de construção dos sentidos, realizado pelos leitores a partir de um texto criado por
outros sujeitos” (PNLL), embora não totalmente dependente do livro, tem
naquele objeto o seu principal aliado mesmo que hoje ele adquira formas
virtuais e plataformas insólitas de suporte do texto.

Se observarmos o quadro da produção editorial e dos programas de leitura em


nossa região, de maneira geral poderíamos concluir que se este quadro é, em
alguns países, bastante produtivo e exala dinamismo na produção de livros, por
outro lado ele exibe gigantescas deficiências e contradições no que se refere ao
desenvolvimento e a formação de leitores.

É importante examinar os esforços do Estado neste item. Além das significativas


compras governamentais, com destaque para Brasil e México, de livros
didáticos, de literatura e de informação que alimentam há anos principalmente
as escolas, um número expressivo de países conta com planos e programas
importantes que se avolumaram na última década na cultura e na educação.

No âmbito da cultura as bibliotecas públicas, as bibliotecas comunitárias ou


populares, embora com deficiências, mas também com grandes virtudes, são os
equipamentos culturais mais presentes na absoluta maioria das cidades latino-
americanas e veículos fundamentais na democratização do acesso à leitura. Na
educação, as bibliotecas escolares têm um histórico de atuação muito difícil e
distanciada das práticas pedagógicas das escolas. Com exceção do Chile, que
tem um programa de Estado há 22 anos, as Bibliotecas Escolares CRA (Centro
de Recursos de Aprendizagem), desconheço programas exitosos de longa
permanência na maioria dos países da região, que em regra carecem de uma
política adequada nesta área.

Em meu país, o Brasil, apesar dos grandes avanços no que se refere à


universalização do ensino, com 30 milhões de novos estudantes que adentraram
o sistema escolar nos últimos dez anos, o problema do iletramento é assustador
e uma das principais fragilidades do país.

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No imenso Brasil que não lê, o índice mais crítico apontado é a persistência de
25% apenas de leitores plenos segundo dados do Indicador de Alfabetismo
Funcional – Inaf: “O percentual da população brasileira alfabetizada
funcionalmente foi de 61% em 2001 para 73% em 2011, mas apenas um em cada
quatro brasileiros domina plenamente as habilidades de leitura, escrita e
matemática”. Em outras palavras, o Brasil tem 47% de analfabetos funcionais,
20% em um nível rudimentar de alfabetização e 6% de analfabetos absolutos.

Trabalhar este dado é a chave básica, primária, para desenrolarmos o processo


de formação e desenvolvimento do cidadão brasileiro. E essa tarefa não será
realizada se não modificarmos profundamente a nossa visão e estratégia sobre a
importância vital da leitura para a educação, para a cultura e para todos os
setores da vida no século XXI, notoriamente o da era da informação e do
conhecimento. De algum modo, temos que provocar a compreensão desta
evidência necessária, mas que ainda caminha com dificuldade e parcos recursos
nas mãos isoladas de poucos militantes da leitura dentro e fora dos governos,
como se essa necessidade de termos países leitores fizesse parte apenas do
mundo acadêmico, do mundo dos escritores e poetas, dos bibliotecários e
agentes de leitura e da indústria criativa do livro.

Entre os que pesquisam, tendo por diretriz uma visão ampla que incluí as bases
econômicas do déficit de leitura com alcances sociais importantes (e
desastrosos) para o desenvolvimento sustentável do Brasil, está a Cátedra
UNESCO de Leitura da PUC-RJ. Em proposta recente, a Cátedra apresenta
indícios da dimensão do problema e de “quanto custa o Brasil que não lê”. Antes,
nos alerta que a preocupação que agora nos acerca já foi objeto de estudo nos
USA em 1999, realizado pelas agências National Alliance of Business e pelo
National Institute for Literacy. Este estudo revelou que a “deficiência de
habilidades básicas dos empregados era responsável por uma queda de
produtividade que causava prejuízos em torno de US$60 bilhões anuais” [nos
USA].

Lembra esse projeto da Cátedra que os efeitos do iletramento e do


analfabetismo funcional no Brasil “caracterizam-se, sobretudo, pela
intangibilidade, os prejuízos decorrentes dessa sequela social permanecem, na
grande maioria das vezes, ocultos e, portanto, excluídos da contabilidade
empresarial, política e social”. Assim, oculto o fator que tem influência no
desenvolvimento econômico, nós nos limitamos a dimensionar unicamente os
outros aspectos que valorizam a necessidade da formação de leitores,
desprezando, às vezes com veemência e muito preconceito e hipocrisia, os
fatores econômicos que fazem parte deste setor da economia criativa.

A prospecção do projeto em estudo da Cátedra UNESCO de Leitura da PUC-RJ

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e que tem todo o apoio e interesse do PNLL do Brasil, aponta alguns dos
principais setores atingidos na perspectiva de desenvolvimento econômico pelo
déficit de leitura no nosso país. Para fins de exemplo, destaco dois:

1. Saúde pública: “Pesquisas na área já apontam para o fato de que a


incapacidade de ler e compreender corretamente a prescrição médica, não
apenas retarda o tratamento, como agrava consideravelmente o quadro clínico
de muitos pacientes, devido ao uso inadequado de medicamentos.” Para além
dos aspectos humanitários que afligem diretamente a saúde e o bem-estar
dos doentes, é evidente o desperdício de recursos financeiros em remédios e
tratamentos destinados pelo Estado e pelos cidadãos diretamente, que hoje
se constituí num dos itens orçamentários mais importantes dos governos e
dos indivíduos.

2. Segurança no trabalho: “São incontáveis os acidentes de trabalho provocados


tanto pelo mau uso de equipamentos de segurança, quanto pela incapacidade
de ler instruções básicas de prevenção de acidentes no trabalho”. A conclusão é
a mesma que se aplica para a saúde. Sofrimento ao indivíduo acidentado e
evasão de recursos econômicos privados e governamentais que poderiam ser
poupados.

Fazer as contas de quantos fatores como os descritos acima desses e de outros


setores da vida que envolve a economia de estados, instituições e cidadãos
brasileiros é tarefa que se soma às tradicionais reivindicações dos que lutam
pelo livro, pela leitura, pela literatura e pelas bibliotecas. Dar “visibilidade aos
danos sociais e prejuízos econômicos causados pelo analfabetismo funcional que
impacta o desenvolvimento do país, seja nas empresas públicas, seja nas
privadas” é tarefa urgente e fator de crescimento da visibilidade estratégica que
a importância da leitura pode alcançar em termos de conscientização pública.
Seguramente será um fator de impulso para mobilizar recursos financeiros e
humanos para a evolução do grau de letramento e da conquista do direito à
leitura que todos os cidadãos devem ter em regimes democráticos e livres.

Sou da geração que viu o homem descer na Lua e que cantou o lamento de
Gilberto Gil com este fato em “Lunik 9”: “Poetas, seresteiros, namorados, correi! É
chegada a hora de escrever e cantar, talvez as derradeiras noites de luar!”
Felizmente tudo ficou na linda e romântica canção do poeta Gil e a lua
permanece nos corações enamorados, nos poemas e nas canções, apesar das
pesquisas científicas e das expedições espaciais. Não nos assustemos em

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incorporar também dimensões econômicas às análises do que entendemos ser


belo e sublime, como é o caso da leitura. Os seres humanos e suas infinitas
criações têm múltiplas e intermináveis causas e consequências, é preciso
compreendê-las, aceita-las ou rejeitá-las e ninguém fará essa operação
conscientemente se não estiver plenamente habilitado a tirar das palavras
escritas e faladas, dos gestos corporais e expressões artísticas, o significado que
nos identifica como seres plenamente conhecedores, cognitivos, plenos para
nos comunicarmos de igual para igual com outros seres humanos e com a
natureza que nos cerca.

Tão árdua quanto necessária, a tarefa de formar leitores deve envolver o Estado
e a Sociedade, e ter a educação e a cultura na condução dos esforços que são
interdisciplinares e envolverão gerações, planejamentos, objetivos de longo
prazo e mudança no pensar e no sentir. Conquistarmos habilidades necessárias
de leitura e escrita para nos inserirmos enquanto nação no mundo
contemporâneo é antes de tudo um direito individual e coletivo, um brado pela
liberdade e pela emancipação social e econômica.

A leitura por si só não é a solução para todos os males, mas certamente ela é
um instrumento fundamental para quebrar a ignorância cognitiva, possibilitar
atitudes libertadoras e ser a chave de todos os direitos humanos. Um leitor
pleno, que lê a linha e a entrelinha, que dá sentido e significado aos caracteres,
não tem o direito de dizer que não faz escolhas, que não sabe o que quer. E aí
está a base e a condição de exercício da cidadania, de determinarmos
conscientemente o que é e o que pode ser no nosso território cultural e social.

No Brasil atual temos o Plano Nacional do Livro e Leitura – PNLL – que se


postula como a chave para essas conquistas da sociedade. Seus quatro eixos
são uma senha para o futuro da leitura no Brasil: democratização do acesso à
leitura; fomento à leitura e à formação de mediadores; valorização institucional
da leitura e incremento de seu valor simbólico; desenvolvimento da economia
do livro. Estou convicto quanto aos instrumentos que viabilizarão os programas
formadores de novos leitores, derivados das diretrizes do PNLL: profissionais da
educação e da cultura bem formados e reconhecidos, trabalhando em escolas e
bibliotecas vivas e acolhedoras, em total sintonia com as tecnologias de
informação e conhecimento, com o objetivo de formar leitores e cidadãos
plenos, recusando o mero treinamento pelo privilégio à formação integral do ser
humano.

Apesar das minhas argumentações, que talvez possam causar estranhamento


aos mais puristas, por sua visão política, sociológica e econômica, afirmo a
vocês, mulheres e homens da cultura e da educação e que trabalham
fundamentalmente com o coração, que meus sentimentos mais profundos se

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movem com muito cuidado e admiração por todos que fazem esse trabalho tão
especial. Sei que tudo isso que afirmei aqui só se realizará com maestria apenas
por aqueles que, além da técnica, forem também pessoas especiais que amem,
antes de tudo, os outros seres humanos.

Para expressar essa convicção, e encerrar esta fala, cito um texto de Jean Marie
Goulemot extraído de seu livro O amor às bibliotecas, que editei no Brasil em
2011 pela Editora UNESP. A referência às bibliotecas pode ser estendida a todos
os campos dos que trabalham pela leitura e para seus protagonistas, mulheres e
homens militantes que buscam um mundo leitor e melhor:

É preciso preservar bibliotecas que sejam humanas e onde seja mantido o vínculo
carnal com o livro, que reúnam nesse ato estranho – a leitura refletida – uma
comunidade de seres lendo juntos e, contudo, isolados. Que as bibliotecas
permaneçam assim lugares de vida, onde as ideias não nasçam somente da
relação entre um leitor e seu livro, mas também da conversa em torno de uma
xícara de café, de encontros com leitores estrangeiros, do devaneio que invade o
público no torpor de uma tarde de verão. Desejo que meu neto, quando tiver
idade para isso, possa preferir à leitura seca na tela, espremido entre os metros
quadrados de seu escritório, o espaço aberto de uma biblioteca, o contato
material com os livros que lerá, que terá carregado nos braços até a sua mesa.
Que ele saiba que um livro não é uma sequencia de páginas dispostas
verticalmente, um espaço de duas dimensões, mas, como para as gerações que
o precederam, um volume que se toma na mão e cujas páginas se viram sem
precisar para isso apertar a tecla de um computador. (…) Porque eu o amo, penso
em suas felicidades futuras e desejo-lhe que deforme os bolsos de seus casacos
com os livros que tiver enfiado neles para lê-los ao sol ou tranquilamente à
sombra, no banco de um parque. Desejo-lhe também que levante os olhos de
seu livro para olhar uma leitora passar entre as estantes da biblioteca e que
retome a leitura pensando que a vida vale a pena de ser vivida e mesmo sonhada.
Assim seja.

Texto apresentado no Congresso Para Leer el Siglo XXI, Havana, outubro 2015.

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SOBRE O AUTOR

José Castilho Marques Neto


• Doutor em Filosofia pela USP, professor
aposentado na FCL-UNESP/Araraquara,
pesquisador, conferencista, escritor, editor e
Publisher, gestor público. Atualmente é
consultor na JCastilho – Gestão&Projetos –
Livro-Leitura-Biblioteca
(www.jcastilhoconsultoria.com.br) e Assessor do
CERLALC para Planos Nacionais de Leitura.
Dirigiu a Editora UNESP, a Biblioteca Pública
Mário de Andrade (São Paulo) e foi Secretário
Executivo do Plano Nacional do Livro e Leitura
do Brasil (MinC e MEC). Presidiu em vários
mandatos a Associação Brasileira e a
Associação Latino-americana e Caribenha das
Editoras Universitárias (ABEU e EULAC). É
consultor de organismos nacionais e
internacionais na área acadêmica, educacional
e cultural. Membro do Conselho Gestor da
Revista Emília.

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