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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE QUÍMICA

Cinética e Equilı́brio das Reações Quı́micas

QG111 - QUÍMICA TEÓRICA

TEORIA PARA AS TURMAS A, B, F, G, H, I

Adalberto B.M.S. Bassi


Fone: (0xx19)(352)13101
E-mail: bassi@iqm.unicamp.br

2018 - 1o PERÍODO

Leitura Complementar: Bruce M. Mahan e Rollie J. Myers,


“Quı́mica - Um Curso Universitário”, Tradução da 4a Edição,
Blücher, 1995.
Sumário

1 Conceitos Fundamentais 1
1.1 Corpo e Sistema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Função de Estado e Função de Processo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.3 Propriedade Extensiva e Intensiva, Homogeneidade . . . . . . . . . . . . 5
1.4 Equilı́brio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.5 Fronteiras especiais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

2 Processo Quı́mico I 12
2.1 Definições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
2.2 Imposição do Não Acúmulo de Intermediários . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.3 Exercı́cio 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.4 Grau de Avanço Absoluto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.5 Grau de Avanço Relativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.6 Exercı́cios 2 e 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.7 Velocidade de Avanço . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

3 Cinética Quı́mica 20
3.1 Velocidade de Reação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
3.2 Exercı́cio 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
3.3 Lei de Velocidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
3.4 Exercı́cio 5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

4 Primeira e Segunda Lei da Termodinâmica 26


4.1 Conteúdos e Trocas de Energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
4.1.1 Conservação da energia e convenção de sinais para trocas energéticas 26
4.1.2 Movimentos internos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
4.1.3 Energia interna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
4.1.4 Energia de forma rı́gida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
4.1.5 Trocas e balanceamento energético em sistema fechado . . . . . . 28
4.2 Exercı́cio 6 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
4.3 Enunciado da primeira lei . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
4.4 Trabalho volumétrico, não-volumétrico e entalpia . . . . . . . . . . . . . 31
4.4.1 Trabalho volumétrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
4.4.2 Entalpia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
4.4.3 Complementação por resolução de exercı́cio . . . . . . . . . . . . 34
4.5 Entropia e Energias de Helmholtz e de Gibbs . . . . . . . . . . . . . . . . 36

i
5 Processo Quı́mico II 41
5.1 Sistema em equilı́brio de fases . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
5.2 Processos fundamentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
5.2.1 Processo TBS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
5.2.2 Processo ITBEF . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
5.3 Estudo do processo ITBEF . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
5.3.1 Afinidade quı́mica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
5.3.2 Sistema exergônico, endergônico e em equilı́brio quı́mico . . . . . 45
5.3.3 Reação reversa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
5.3.4 Equilı́brio cinético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
5.3.5 Reação quı́mica reversı́vel e irreversı́vel . . . . . . . . . . . . . . . 48
5.3.6 Exercı́cio 7 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
5.4 Aproximação de processo TBS a ITBEF . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
5.5 Constante de Equilı́brio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
5.6 Dissolução e Dissociação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
5.7 Reação entre solutos de solução lı́quida diluı́da . . . . . . . . . . . . . . . 54
mj
5.7.1 Uso de aj ≈ m para sais pouquı́ssimo solúveis . . . . . . . . . . . 55
5.8 Exercı́cios 8 a 12 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

ii
Capı́tulo 1

Conceitos Fundamentais

1.1 Corpo e Sistema


Corpo é uma região, do espaço fı́sico natural em que vivemos, a qual deseja-se estudar.
Tal estudo é efetuado por meio de teorias que idealizam o corpo, de uma forma ou
de outra. Em outras palavras, nenhuma teoria consegue descrever o corpo de modo
totalmente exato. Quando o corpo é idealizado em conformidade com determinada teoria,
ele passa a ser chamado sistema.
No presente texto, o corpo é idealizado em conformidade com as teorias clássicas
(mecânica, termodinâmica etc.). Isto significa que, ao aplicar sobre o corpo um determi-
nado conjunto de experimentos denominados experimentos clássicos, dentro do limite
de precisão dos instrumentos disponı́veis as teorias clássicas são experimentalmente com-
provadas. Neste texto, a afirmação de que algo é experimentalmente comprovado suben-
tende que a comprovação restringe-se aos experimentos clássicos e ao limite de precisão
dos instrumentos disponı́veis. Neste texto, por definição,

um sistema é um corpo onde as teorias clássicas são experimentalmente com-


provadas.

Nesta definição, bem como em tudo o que se segue, deve-se sempre lembrar a restrição
subentendida, a não ser quando explicitamente colocado que não é este o caso.
Desde já, deve-se ressaltar que o uso dos adjetivos macroscópico, para designar regiões
onde as teorias clássicas são experimentalmente válidas e microscópico, onde isto não
ocorre, exige uma clara redefinição dos significados destes adjetivos. Isto porque uma
região de tamanho macroscópico pode não ser um sistema, ou seja, a aplicação das teorias
clássicas a tal região pode não produzir resultados experimentalmente corretos, conforme
será posteriormente exemplificado. Por sua vez, embora em todo material exista região
suficientemente pequena para não ser um sistema (para que as teorias clássicas não sejam
a ela aplicáveis), em geral o termo microscópico não implica na satisfação desta exigência,
ou seja, podem ser consideradas microscópicas regiões não suficientemente diminutas para
não serem sistemas.
Considere, no espaço ocupado por um corpo, somente dois tipos de locais geométricos:

1. pontos, cuja dimensão é nula por definição e

2. conjuntos contı́nuos tridimensionais de infinitos pontos, chamados partes finitas

1
do corpo, denominação esta que inclui o corpo como um todo, delimitados por
superfı́cies (por definição bidimensionais, porque sem espessura) geometricamente
fechadas, ou seja, que envolvem cada parte finita. Tais superfı́cies pertencem às
correspondentes partes finitas que delimitam e são denominadas as fronteiras das
partes finitas. Evidentemente, uma fronteira não é uma parede real, sendo que esta
última pode ser externamente adjacente à fronteira, logo pode pertencer ao exterior
da parte finita considerada.

Portanto, é contı́nuo o espaço ocupado por qualquer corpo. Tal espaço é denominado
volume do corpo. Mas, embora o volume do corpo seja contı́nuo, a massa do corpo
não será contı́nua se for considerado que todo corpo seja formado por partı́culas que, em
relação aos seus tamanhos, possam estar bem distantes entre si. Portanto, de acordo
com a teoria corpuscular, o volume do corpo é maior do que o espaço ocupado pela
massa do corpo. Mas, de acordo com a hipótese de continuidade da matéria, todo
corpo formado por uma única substância (uma única espécie quı́mica) pode ser dividido
em partes menores sem que suas propriedades quı́micas se alterem, independentemente
do tamanho da parte a ser dividida. Logo, de acordo com esta hipótese, a massa e o
volume do corpo ocupam o mesmo espaço.
As teorias clássicas impõem ao sistema a hipótese de continuidade da matéria, en-
quanto que a definição de sistema implica em que as teorias clássicas descrevam de modo
experimentalmente correto o comportamento do mesmo. Isto, porém, não significa que
tal hipótese seja mais apropriada do que a teoria corpuscular, para descrever a estrutura
da matéria. Na verdade, a teoria corpuscular consegue explicar fenômenos naturais que
as teorias clássicas não conseguem justificar, justamente porque estas últimas impõem a
hipótese da continuidade da matéria. Mas, num sistema, ambas levam aos mesmos re-
sultados, experimentalmente confirmados. Logo, teorias radicalmente diferentes podem
levar aos mesmos resultados.
A última afirmação indica que resultados experimentalmente corretos são necessários,
mas não suficientes para garantir a exatidão da teoria considerada. Aliás, conforme inici-
almente antecipado, nenhuma teoria que justifique fenômenos naturais é absolutamente
correta, ou exata, considerando-se superior a teoria mais abrangente, em termos de re-
sultados experimentalmente confirmados, considerando aqui tanto experimentos clássicos
como não clássicos. Uma teoria menos abrangente, porém, pode ser mais útil, porque
matematicamente mais simples, quando aplicada em situações onde seus resultados se-
jam experimentalmente confirmados (apenas experimentos clássicos). Nestas situações,
os efeitos dos desvios conceituais da teoria menos abrangente, em relação à mais abran-
gente, são de alguma forma anulados.
No caso da teoria corpuscular e das teorias clássicas que exigem a continuidade da
matéria, a anulação dos efeitos do desvio conceitual das segundas, em relação à primeira,
ocorrerá sempre que for imposto que o número de partı́culas presentes na amostra a ser
experimentalmente analisada seja suficientemente elevado para que o valor da medida
coincida com o valor estatisticamente esperado da grandeza considerada. Portanto, de-
finir sistema como um corpo onde as teorias clássicas são experimentalmente válidas é
o mesmo que definir sistema como um corpo cujas amostras a serem experimentalmente
analisadas sempre contenham um número de partı́culas suficiente para que o valor da
medida coincida com o valor estatisticamente esperado da grandeza considerada. Um

2
sistema será um corpo macroscópico se e somente se o adjetivo macroscópico tiver este
último significado, ao invés de referir-se a tamanho.
Para melhor entender por que estas duas definições de sistema são iguais, considere
uma parte finita com volume 1 cm3 , no interior de um corpo gasoso. Inicialmente, su-
ponha um gás tão rarefeito que contenha, em média, uma partı́cula por cm3 . Uma
medida da massa da parte finita considerada, efetuada num intervalo de tempo suficien-
temente curto, poderá fornecer o valor da massa de uma partı́cula, de nenhuma (valor
100% menor), de duas (valor 100% maior) etc.. Isto jamais aconteceria se a hipótese de
continuidade da matéria fosse obedecida, ou seja, o valor experimental pode não coinci-
dir com o valor estatisticamente esperado (massa de uma partı́cula) exatamente porque
esta hipótese não é obedecida. Note que este exemplo envolveu uma região de tamanho
macroscópico que não é um sistema.
Suponha, agora, um gás que contenha 1023 partı́culas por cm3 . Jamais será medido
o valor da massa de 2 × 1023 partı́culas (valor 100% maior do que o estatisticamente
esperado), nem massa nula (valor 100% menor). Aliás, a flutuação em torno do valor
esperado será tão pequena que nenhum instrumento a captará. É exatamente porque,
a partir de medidas experimentais como esta, a hipótese de continuidade da matéria
não pode ser descartada, que tal hipótese foi, durante mais de um milênio, considerada
fisicamente correta. Este segundo exemplo envolveu uma região de tamanho macroscópico
que é um sistema.
Quando um corpo for considerado um sistema se admitirá que a sua massa ocupe
o seu volume de modo contı́nuo, o que significará que os dois tipos de locais citados
anteriormente serão válidos para o estudo de todas as grandezas materiais associadas ao
sistema, não apenas para o seu volume. A grande vantagem de considerar que os corpos
sejam sistemas consiste precisamente em impor a validade dos dois tipos de locais citados
para o estudo de todas as grandezas materiais, ou seja, em impor a validade do cálculo
diferencial e integral em tal estudo.

1.2 Função de Estado e Função de Processo


Entre as grandezas materiais associadas ao sistema, algumas (nem todas) são chamadas
propriedades do sistema.Toda propriedade está associada a pelo menos um dos dois
tipos de locais mencionados. Uma grandeza material não será uma propriedade associada
a um dos dois tipos de locais quando, naquele tipo de local, o seu valor jamais puder
ser uma não constante função real do tempo. Em outras palavras, para que uma
grandeza material possa ser uma propriedade associada a um dos dois tipos de locais não
é exigido que, naquele tipo de local, o seu valor sempre seja uma não constante função
real do tempo. Basta que, naquele tipo de local, o seu valor possa ser uma não constante
função real do tempo. Logo, basta que exista a possibilidade de que o seu valor, naquele
tipo de local, conjuntamente
1. seja um real e

2. seja único em cada instante e

3. varie com o decorrer do tempo.

3
Em resumo, para que uma grandeza material seja uma propriedade associada a um dos
dois tipos de locais é preciso que, naquele tipo de local, exista a possibilidade do seu valor
ser uma não constante função real do tempo. A existência desta possibilidade, porém, não
é a condição “necessária e suficiente”.1 Portanto, a existência desta possibilidade é um
requisito que precisa ser satisfeito para que uma grandeza material seja uma propriedade
associada ao tipo de local considerado, mas a sua satisfação não garante isto. Logo, a
existência desta possibilidade é uma “condição necessária e não suficiente”.
Uma função do tempo é como uma tabela de duas colunas onde, procurando na coluna
referente ao tempo o valor t desejado, na mesma linha em que este valor t for encontrado,
mas na coluna referente à função temporal, encontra-se o correspondente e único valor
f (t). Portanto, a possibilidade de existência de uma tabela destas, que apresente valores
f (t) reais e variáveis no tempo, é uma condição “necessária e não suficiente”. Existindo
tal tabela, a condição “necessária e suficiente” para que a grandeza seja uma propriedade
envolve esclarecimentos sobre as informações que são exigidas para a construção desta
tabela.
Se, para o preenchimento da coluna dos valores f (t) correspondentes a cada cada
instante t, forem exigidas somente informações referentes àquele preciso momento consi-
derado, a condição “necessária e suficiente” estará satisfeita e a grandeza será uma propri-
edade. Caso contrário, a grandeza não será uma propriedade. Por definição, propriedades
são também chamadas funções de estado, enquanto que grandezas que satisfaçam à
especı́fica condição “necessária e não suficiente” antes colocada, mas não satisfaçam à
condição “necessária e suficiente”, são denominadas funções de processo. Não existe
uma denominação criada para englobar grandezas materiais que nem sejam funções de
estado, nem sejam funções de processo.
Pode-se exemplificar geometricamente a construção da mencionada tabela. Para isto,
considere que um ponto se encontre, inicialmente (t = 0), na origem de um sistema
tridimensional de coordenadas cartesianas mas que, num instante t > 0, ele se situe a
uma distância d = f1 (t) da origem. A única informação exigida, para a construção da
tabela, é a distância a que o ponto se encontra, em relação à origem, em cada momento
t. Logo, para cada instante t são exigidas somente informações referentes àquele preciso
momento, ou seja, nesta analogia a distância à origem é uma propriedade ou função de
estado. Suponha ainda que, a cada instante t, uma foto incluindo o ponto e a origem
seja tirada. Para construir a tabela, para cada linha (instante t) basta uma só foto. Por
isto, d = f1 (t) é uma função de estado, ou propriedade do sistema.
1
Para que β seja azul é necessário que β seja colorido, mas esta condição não é suficiente para afirmar
que β é azul. Trata-se, portanto, de uma condição “necessária e não suficiente”. Outras condições
“necessárias e não suficientes” podem existir, como, por exemplo, que β não seja preto. Ser azul escuro
é uma condição suficiente para que β seja azul, embora não seja uma condição necessária para isto, logo
trata-se de uma condição “suficiente e não necessária”. Outras condições “suficientes e não necessárias”
podem existir, como, por exemplo, que β seja azul claro. Ser colorido com uma ou mais tonalidades
da cor azul é a (única) condição “necessária e suficiente” para que β seja azul. A interseção de uma
condição “necessária e não suficiente” com uma “condição suficiente e não necessária” é esta última,
não é a (única) condição “necessária e suficiente”. Isto ocorre porque toda condição “necessária e não
suficiente” contém a (única) condição “necessária e suficiente” e esta última contém todas as condições
“suficientes e não necessárias”. Costuma-se chamar às condições “necessárias e não suficientes” apenas
de condições “necessárias”, assim como às condições “suficientes e não necessárias” apenas de condições
“suficientes”. Isto é evitado, neste texto, para que não se incorra no erro de se supor que a interseção de
alguma condição “necessária” com alguma “suficiente” seja a (única) condição “necessária e suficiente”.

4
Seja, agora, c = f2 (t) o comprimento do caminho percorrido pelo ponto, desde o
momento inicial até o instante t. A foto incluindo o ponto e a origem no instante t
permite conhecer o valor de d naquele momento, mas absolutamente não permite saber
o valor de c no mesmo instante, ou seja, não permite a construção desta segunda tabela.
Para isto, mais informação (mais fotos) são necessárias. Na verdade, para saber com
absoluta certeza o valor exato de c = f2 (t), ou seja, para preencher com exatidão a linha
da tabela correspondente ao instante t é exigido uma sequência contı́nua de infinitas
fotos, tiradas desde o momento em que o ponto se encontrava na origem até o instante t.
Logo, para cada instante t não são exigidas somente informações referentes àquele preciso
momento. Por isto, c = f2 (t) é uma função de processo.

1.3 Propriedade Extensiva e Intensiva, Homogenei-


dade
Por definição, propriedades extensivas são grandezas materiais que:

Não são propriedades quando associadas ao tipo de local denominado ponto, porque,
em qualquer ponto, o valor da propriedade extensiva ou sempre será nulo (logo,
não poderá variar no tempo), ou sempre não será real.

São propriedades quando associadas ao tipo de local chamado parte finita, porque:

1. Em qualquer parte finita, o valor da propriedade extensiva costuma, em cada


instante, ser um real único que depende do instante considerado. Logo, neste
tipo de local, que inclui o sistema como um todo, elas podem ser não constantes
funções reais do tempo.
2. Os valores que tais funções assumem sempre dependem exclusivamente de
medidas efetuadas somente no instante a que se referem.

As propriedades extensivas são classificadas como aditivas ou não aditivas, de acordo


com o comportamento das mesmas ao serem associadas a qualquer parte finita do sistema.
Uma propriedade extensiva será aditiva quando

o valor da propriedade, para a união de quaisquer duas partes finitas perten-


centes a um mesmo sistema qualquer, partes estas que não ocupem nenhum
espaço comum, for a soma dos valores da mesma propriedade, no mesmo
instante, para as duas partes consideradas.

Quando isto não ocorrer, a propriedade extensiva será não aditiva. Massa, volume e
quantidade de matéria são exemplos de propriedades extensivas aditivas, enquanto que
seus inversos são exemplos de propriedades extensivas não aditivas. Note que, conforme
esperado, os valores destas propriedades são sempre nulos (no caso das aditivas) ou
sempre divergem (no caso das não aditivas) em todo ponto de qualquer sistema.
Por definição, propriedades intensivas são grandezas materiais que:

5
São propriedades quando associadas ao tipo de local denominado ponto, porque, em
qualquer ponto, elas podem ser não constantes funções reais do tempo, funções es-
tas cujos valores sempre dependem exclusivamente de medidas efetuadas somente
no instante a que se referem. Quando, em determinado momento, uma propriedade
intensiva apresentar o mesmo valor em todos os pontos de uma parte finita, naquele
instante tal parte finita é dita homogênea em relação à propriedade intensiva con-
siderada. Caso contrário, naquele momento a parte finita é dita não homogênea
em relação à propriedade intensiva considerada.

São propriedades quando associadas ao tipo de local chamado parte finita homogênea
em relação à propriedade intensiva considerada.

Não são propriedades quando associadas ao tipo de local denominado parte finita não
homogênea em relação à propriedade intensiva considerada, porque o valor da pro-
priedade intensiva considerada sempre não será único em tal tipo de local.

Temperatura, pressão, densidade, concentração e seus inversos são exemplos de proprie-


dades intensivas.
A divisão de duas propriedades extensivas aditivas é o produto de uma propriedade
extensiva aditiva pelo inverso de outra propriedade extensiva aditiva, que por sua vez
é o produto de uma extensiva aditiva por uma extensiva não aditiva, cujo resultado
só pode ser uma extensiva não aditiva. Esta última, freqüentemente recebe o nome
de valor médio de alguma propriedade intensiva. Por exemplo, a massa (extensiva
aditiva) dividida pelo volume (extensiva aditiva) de uma determinada parte finita do
sistema produz a densidade média (extensiva não aditiva) desta parte do sistema
(densidade é uma propriedade intensiva). Denominar uma propriedade extensiva não
aditiva e uma propriedade intensiva com o mesmo nome, mantendo a distinção apenas
por meio do adjetivo médio(a), provém do fato de que, para o limite no qual a parte
finita tende a um ponto e somente para este limite, a propriedade média transforma-se
na correspondente propriedade intensiva.
O conceito matemático de limite corresponde, neste caso, a uma extrapolação da
divisão da parte finita em outras menores, porque qualquer número de divisões seguidas
levará, sempre, a uma parte finita cada vez menor, nunca a um ponto. Um ponto é
uma inatingı́vel extrapolação, porque exigiria um número infinito de divisões. É por isto
que existe uma diferença qualitativa entre uma parte finita, por menor que ela seja e
um ponto. Esta diferença qualitativa se reflete na diferença, também qualitativa, entre
a propriedade média (extensiva não aditiva) e a correspondente propriedade intensiva.
Esta conclusão, embora exemplificada usando-se a densidade, tem validade geral e mostra
como se atribui o valor de uma propriedade intensiva a um ponto. Mostra, também, a
importância de não omitir o adjetivo médio(a), no caso da propriedade extensiva não
aditiva.
Mas suponha que, em determinado instante, os valores de todas as propriedades inten-
sivas sejam reais respectivamente únicos e invariantes de um ponto para todos os outros
pontos do sistema. De acordo com a definição de propriedade intensiva, neste instante
pode-se, então, falar da temperatura, da pressão, da densidade, da concentração e de
todas as outras propriedades intensivas do sistema, porque um único valor existe, no sis-

6
tema, para cada propriedade intensiva. Neste instante, tem-se um sistema homogêneo.
Portanto,

um sistema é homogêneo num instante t se, naquele instante, os valores de


todas as suas propriedades intensivas forem respectivamente os mesmos em
todos os pontos do sistema.

Neste texto, fase é sinônimo de sistema homogêneo (ao invés de ser sinônimo de estado
de agregação).
De acordo com a definição de propriedade intensiva, é também possı́vel que seja ga-
rantida a homogeneidade de apenas uma ou mais propriedades intensivas no instante
t, nada se informando sobre as outras. Por exemplo, um sistema será termicamente
homogêneo, ou baricamente homogêneo, ou termobaricamente homogêneo res-
pectivamente quando a temperatura, a pressão ou ambas forem homogêneas no instante
t. Nada impede que, por exemplo, seja homogêneo um sistema termicamente homogêneo.
Mas, se apenas a(s) propriedade(s) intensiva(s) considerada(s) for(em) homogênea(s), o
sistema não será homogêneo, logo não será uma fase.
Seja o instante t, pertencente ao intervalo aberto (que não contém seus extremos),
não nulo e finito (nem infinitesimal, nem ilimitado) t# < t < t# , denominado tempo
de existência do processo que ocorre no sistema. Admite-se que existam processos
homogêneos, durante os quais o sistema poderia variar os valores das propriedades in-
tensivas, mas o sistema permaneceria homogêneo em todo momento pertencente ao tempo
de existência do processo e, também, nos instantes terminais t# e t# . Evidentemente,
processos homogêneos são abstrações matemáticas.
Mas processos reais podem aproximar-se suficientemente de tais abstrações para, na
prática, serem tratados como homogêneos. Quando for garantida a homogeneidade de
apenas uma ou mais propriedades intensivas, os mesmos advérbios utilizados para siste-
mas são também usados para processos. Tem-se, assim, processos termicamente ho-
mogêneos, baricamente homogêneos e termobaricamente homogêneos, os quais
também são abstrações matemáticas.
Note que um sistema pode ser homogêneo no instante t porque este momento per-
tence ao tempo de existência de um processo homogêneo. Mas pode, também, acontecer
de um sistema ser homogêneo no instante t sem que este momento pertença ao tempo de
existência de um processo homogêneo, ou seja, não sendo o sistema homogêneo ao longo
de todo um intervalo não nulo, aberto e finito que contenha o instante t. Analogamente
para sistema termicamente homogêneo, baricamente homogêneo e termobaricamente ho-
mogêneo.

1.4 Equilı́brio
Num sistema estacionário no instante t, todas as propriedades intensivas, em todos
os pontos do sistema, desde o instante imediatamente anterior ao considerado até este, e
deste para o instante imediatamente posterior, não se alteram (invariância temporal no
instante t), embora não precisem ser espacialmente invariantes no momento t. Afirmar
que “desde o instante imediatamente anterior ao considerado até este, e deste para o

7
instante imediatamente posterior, não se alteram” é o mesmo que dizer que “a tendência
de alteração temporal, no instante t, é nula”. Por sua vez, matematicamente esta última
frase pode ser dita “a derivada em relação ao tempo, no instante t, é nula”. Portanto,

um sistema é estacionário no instante t se, neste momento, o valor da deri-


vada em relação ao tempo de cada uma das suas propriedades intensivas x,
escrita dx
dt
(t), em todos os pontos do sistema for nula.

Logo, se um sistema for estacionário no instante t e se x for qualquer propriedade


intensiva do sistema, neste momento dx dt
(t) = 0 em todos os pontos do sistema. Note ainda
que, num sistema homogêneo, ocorre exatamente o oposto do que acontece num sistema
estacionário, porque neste último não precisa ocorrer invariância espacial, enquanto que
no primeiro as derivadas temporais não precisam ser nulas. Um sistema conjuntamente
homogêneo e estacionário no instante t é um sistema em equilı́brio naquele momento.
Num processo estacionário as propriedades intensivas do sistema podem variar de
ponto para ponto do sistema, mas o sistema permanece estacionário em todo momento
pertencente ao tempo de existência do processo e, também, nos instantes terminais t# e
t# . Portanto, num processo estacionário o sistema, que pode não ser homogêneo, per-
manece idêntico ao longo de todo o tempo de existência do processo e nos seus instantes
terminais t# e t# . Um processo conjuntamente homogêneo e estacionário mantem o sis-
tema em equilı́brio durante todo o tempo de existência do processo e nos seus instantes
terminais t# e t# , sendo chamado processo estático. Logo, em processo estático o sis-
tema homogêneo permanece idêntico ao longo de todo o tempo de existência do processo
e nos seus instantes terminais t# e t# .
Sistemas e processos termicamente estacionários, baricamente estacioná-
rios e termobaricamente estacionários são definidos de modo análogo, mas exclu-
sivamente em termos da(s) propriedade(s) intensiva(s) referida(s) no advérbio utilizado.
Por exemplo, num sistema termicamente estacionário no instante t, em todos os pontos
do sistema é nula a tendência de alteração temporal dos valores da temperatura, dada
pelo valor da sua derivada parcial em relação ao tempo, no momento e ponto considera-
dos. Porém, o valor da temperatura não precisa ser espacialmente invariante no instante
t.
Um sistema termicamente homogêneo e termicamente estacionário no instante t é
um sistema em equilı́brio térmico naquele momento. Um sistema baricamente
homogêneo e baricamente estacionário no instante t é um sistema em equilı́brio
mecânico naquele momento. Um sistema termobaricamente homogêneo e termoba-
ricamente estacionário no instante t é um sistema em equilı́brio termomecânico
naquele momento.
Um processo termicamente homogêneo e termicamente estacionário é um processo
isotérmico. Logo, em todo processo isotérmico o sistema encontra-se em equilı́brio
térmico durante todo o tempo de existência do processo e nos seus instantes terminais
t# e t# . Evidentemente, isto não impõe que o sistema permaneça idêntico, como acon-
teceria tanto se o processo fosse estacionário como estático, porque apenas o equilı́brio
térmico precisa ser mantido, ou seja, apenas a homogeneidade térmica, em temperatura
temporalmente idêntica, precisa ser mantida. Claramente, todo processo estático (não
todo processo estacionário) é isotérmico, mas o vice-versa não é verdade.

8
Um processo baricamente homogêneo e baricamente estacionário é um processo iso-
bárico. Logo, em todo processo isobárico o sistema encontra-se em equilı́brio mecânico
durante todo o tempo de existência do processo e nos seus instantes terminais t# e
t# . Um processo termobaricamente homogêneo e termobaricamente estacionário é um
processo isotermobárico. Logo, em todo processo isotermobárico o sistema encontra-
se em equilı́brio termomecânico durante todo o tempo de existência do processo e nos
seus instantes terminais t# e t# . Evidentemente, comentários análogos ao colocado no
parágrafo anterior, para processo isotérmico, também cabem para os processos isobárico
e isotermobárico.
Um sistema pode ser estacionário no instante t porque este momento pertence ao
tempo de existência de um processo estacionário. Mas pode, também, acontecer de
um sistema ser estacionário no instante t sem que este momento pertença ao tempo de
existência de um processo estacionário, ou seja, não sendo o sistema estacionário ao longo
de todo um intervalo não nulo, aberto e finito que contenha o instante t. Analogamente
para sistema termicamente estacionário, baricamente estacionário e termobaricamente
estacionário.

1.5 Fronteiras especiais


Como o sistema pode ser influenciado pelo seu exterior, considera-se que

tal influência ocorre sobre a sua fronteira, a qual pertence ao sistema, limi-
tando-se a ela.

Por exemplo, considere que o sistema seja um material contido num recipiente, o qual
impeça a passagem de massa. Neste caso o recipiente, que pertence ao exterior do
sistema, impõe à sua fronteira a caracterı́stica de ser fechada. De fato, por definição
uma fronteira fechada, por influência do exterior, impede a passagem de massa entre o
sistema e seu exterior, tendo-se então um sistema fechado. Caso contrário, a fronteira e
o sistema são abertos. Costuma-se ressaltar quatro tipos de fronteira fechada:

1. diatérmica, a qual apenas impede a troca mássica, correspondendo a um sistema


diatérmico;

2. adiabática, a qual impede a troca mássica e, também, a troca energética de tipo


térmico, ou calor (definido no item “Trocas e balanceamento energético em sistema
fechado” da seção 4.1) e define um sistema adiabático;

3. isolante, a qual impede passagem de massa e, além disto, também bloqueia qual-
quer troca de energia entre o sistema e seu exterior (não apenas o calor), assim
definindo um sistema isolado.

4. rı́gida, a qual não aceita toda e qualquer modificação morfológica, garantindo que
o volume do sistema seja temporalmente invariável.2
2
Uma fronteira rı́gida garante que o volume do sistema é invariável, mas este pode manter seu volume
fixo mesmo sem que sua fronteira seja rı́gida.

9
Neste texto, sempre que for mencionado sistema ou fronteira fechada, todos estes quatro
tipos serão permitidos. Entretanto, se um ou mais deles forem especificamente citados,
os outros estarão excluı́dos e o adjetivo fechado será omitido, porque redundante.
Outras caracterı́sticas que o exterior pode impor à fronteira do sistema levam à ter-
mostatização, ou à barostatização, ou ambas, do sistema. Um sistema termostatizado
no instante t apresenta, neste momento, a mesma temperatura, T 00 (t),3 em todos os pon-
tos da sua fronteira. Logo, se no instante t o exterior impuser temperaturas diferentes
a pontos da fronteira também diferentes, não existirá uma temperatura homogênea para
a fronteira, logo não existirá a temperatura T 00 (t) e, no momento considerado, o sistema
não será termostatizado.
Um sistema barostatizado no instante t apresenta, neste instante, a mesma pressão,
00
P (t),4 em todos os pontos da sua fronteira. Um sistema termobarostatizado no
instante t apresenta, neste instante, a mesma temperatura, T 00 (t) e a mesma pressão,
P 00 (t), em todos os pontos da sua fronteira. Evidentemente, observação análoga àquela
feita para sistema termostatizado, no que se refere à possibilidade do exterior não impor, a
todos os pontos da fronteira, idêntico valor da propriedade intensiva considerada, também
deve ser colocada para os sistemas barostatizado e o termobarostatizado.
Como a fronteira pertence ao sistema e como um ponto não pode apresentar, no
mesmo instante, mais do que um único valor para cada propriedade intensiva, um sistema
termicamente homogêneo na temperatura T (t), em determinado momento t, é termosta-
tizado em T 00 (t) = T (t) naquele instante, mas o vice-versa não ocorre necessariamente,
ou seja, termostatização não implica em homogeneidade térmica.
Analogamente, um sistema baricamente homogêneo na pressão P (t), em determinado
momento t, é barostatizado em P 00 (t) = P (t) naquele instante, mas o vice-versa não é
verdadeiro. Ainda, um sistema termobaricamente homogêneo na temperatura T (t) e
na pressão P (t), em determinado momento t, é termobarostatizado em T 00 (t) = T (t)
e P 00 (t) = P (t) naquele instante, mas o vice-versa é falso. Lembre que, em todas as
circunstâncias,
T 00 (t) e P 00 (t) são, única e exclusivamente, caracterı́sticas da fronteira impos-
tas pelo exterior,
assim como ocorre com o fato da fronteira ser aberta ou fechada, bem como, neste último
caso, ser diatérmica, adiabática, isolante ou rı́gida.
Num processo termostatizado o sistema é termostatizado, na temperatura T 00
temporalmente invariante, em todos os instantes pertencentes ao tempo de existência do
processo e, também, nos instantes terminais t# e t# . Mas,

além disto, nos instantes terminais o sistema é termicamente homogêneo.


Num processo barostatizado o sistema é barostatizado, na pressão P 00 temporalmente
invariante, em todos os instantes pertencentes ao tempo de existência do processo e,
também, nos instantes terminais t# e t# . Mas,
3
Em alguns livros didáticos, a temperatura T 00 é chamada temperatura do exterior, do ambiente ou
do banho termostático.
4
Em alguns livros didáticos, a pressão P 00 é chamada pressão do exterior, do ambiente ou pressão de
oposição.

10
além disto, nos instantes terminais o sistema é baricamente homogêneo.

Num processo termobarostatizado o sistema é termobarostatizado, na temperatura


T 00 e na pressão P 00 , ambas temporalmente invariantes, em todos os instantes pertencentes
ao tempo de existência do processo e, também, nos instantes terminais t# e t# . Mas,

além disto, nos instantes terminais o sistema é termobaricamente homogêneo.

Num processo adiabático, o sistema é adiabático ao longo de todo o tempo de existência


do processo e, também, nos seus instantes terminais.
Evidentemente, todo processo isotérmico (antepenúltimo parágrafo da seção 1.4) é
um processo termostatizado, mas nem todo processo termostatizado é um processo
isotérmico, porque o processo termostatizado pode não ser termicamente homogêneo.
Entretanto,

todo processo termostatizado e termicamente homogêneo é isotérmico, porque


trata-se de um processo termicamente homogêneo e, também, termicamente
estacionário.

Analogamente, todo processo isobárico (penúltimo parágrafo da seção 1.4) é um processo


barostatizado, mas nem todo processo barostatizado é um processo isobárico, porque o
processo barostatizado pode não ser baricamente homogêneo. Entretanto,

todo processo barostatizado e baricamente homogêneo é isobárico, porque tra-


ta-se de um processo baricamente homogêneo e, também, baricamente esta-
cionário.

Ainda, todo processo isotermobárico (penúltimo parágrafo da seção 1.4) é um processo


termobarostatizado, mas nem todo processo termobarostatizado é um processo isoter-
mobárico, porque o processo termobarostatizado pode não ser termobaricamente ho-
mogêneo. Entretanto,

todo processo termobarostatizado e termobaricamente homogêneo é isoter-


mobárico, porque trata-se de um processo termobaricamente homogêneo e,
também, termobaricamente estacionário.

De fato, uma situação real muito comum são processos quı́micos reacionais termobarosta-
tizados, onde apenas nos instantes terminais t# e t# ocorre homogeneidade termobárica
do sistema.

11
Capı́tulo 2

Processo Quı́mico I

2.1 Definições
Seja um sistema contendo J espécies quı́micas distintas, algumas delas participantes de
uma reação quı́mica. Seja |νj | 6= 0 (leia-se ni minúsculo o sı́mbolo ν) o adimensional coe-
ficiente estequiométrico referente ao reagente ou produto cuja fórmula quı́mica, acrescida
do seu estado de agregação, é Wj , onde 1 ≤ j ≤ J. De fato, impõe-se que

νj seja um adimensional negativo quando Wj for um reagente, positivo se


Wj for um produto e nulo quando Wj for uma substância inerte na reação
quı́mica considerada.

Logo, νj não é o coeficiente estequiométrico de Wj , este último sendo, conforme já colo-
cado, |νj |, desde que |νj | =
6 0. Por exemplo, a reação 6HCl (g) + Al2 O3 (s) −→ 2AlCl3 (s)
+3H2 O(g), efetuada numa atmosfera de N2 (g), poderá ser simbolizada |ν1 |W1 + |ν2 |W2
−→ ν3 W3 + ν4 W4 , onde ν1 = −6, W1 = HCl (g), ν2 = −1, W2 = Al2 O3 (s), ν3 = 2,
W3 = AlCl3 (s), ν4 = 3, W4 = H2 O(g), ν5 = 0 e W5 = N2 (g). Isto indica que qualquer
reação quı́mica pode ser simbolizada por Jj=1 νj Wj .
P

Seja o instante t, pertencente ao tempo de existência do processo reacional, t# < t <


t . A cota inferior máxima1 t# , do tempo de existência do processo reacional, pode ser
#

qualquer momento anterior a t# , desde que haja processo reacional em todo momento
posterior a t# e anterior a t# . Esta cota será chamada instante inicial do processo
reacional, embora não pertença ao processo. Analogamente, a cota superior mı́nima t#
pode ser qualquer momento posterior a t# , desde que haja processo reacional em todo
momento posterior a t# e anterior a t# . Esta cota será chamada instante final do
1
Seja x um real que possa assumir uma quantidade finita ou infinita de valores. Se x nunca for
menor do que a, então a é uma cota inferior de x. Analogamente, se x nunca for maior do que b, então
b é uma cota superior de x. Chama-se cota inferior máxima à maior entre as cotas inferiores de x,
independentemente de x poder, ou não, atingir tal valor. Denomina-se cota superior mı́nima à menor
entre as cotas superiores de x, independentemente de x poder, ou não, atingir tal valor. Por exemplo, seja
um real x tal que (1) a < x < b, (2) x ≤ a e (3) b ≤ x. Considerando (1), a e b são, respectivamente,
cotas inferior e superior de x. Para (2), a é uma cota superior mı́nima de x, enquanto que em (3) b é
uma cota inferior máxima de x.

12
processo reacional, embora não pertença ao processo.
Seja a quantidade de matéria correspondente a cada reagente, num hipotético con-
junto constituı́do só por reagentes e que inclua todos eles, respectivamente o seu adimen-
sional coeficiente estequiométrico |νj | =
6 0, multiplicado por uma constante positiva com
dimensão de quantidade de matéria e com igual valor para todos os reagentes. Então, a
este conjunto corresponde um outro com igual massa total, mas formado só por produtos
e que inclua todos eles, onde cada produto apresenta quantidade de matéria igual ao seu
respectivo coeficiente estequiométrico, multiplicado pela mesma constante considerada
para os reagentes. Esta pode ser a definição de conjunto de coeficientes estequiométricos,
desde que seja válida, de acordo com as regras da estequiometria, a mencionada cor-
respondência entre os dois conjuntos hipotéticos de reagentes e produtos, ambos com a
mesma massa total.
Portanto, o conjunto dos adimensionais coeficientes estequiométricos, definido a me-
nos de uma constante multiplicativa positiva dimensional, informa as proporções entre
as quantidades de matéria de reagentes e produtos nos citados dois conjuntos hipotéticos
de igual massa. Estas atemporais proporções entre quantidades de matéria, dadas pelos
coeficientes estequiométricos, não dependem do modo como a reação de fato ocorra na
natureza, nem da sua lentidão ou presteza experimental. Aliás, tais proporções não de-
pendem, sequer, de que as leis da Quı́mica teoricamente permitam, ou não, a ocorrência
da reação. Convém, portanto, destacar as fundamentais diferenças entre as quantidades
de matéria e os coeficientes estequiométricos:

1. As propriedades Nj (t), j = 1, . . . , J, são as quantidades de matéria das respecti-


vas espécies quı́micas Wj que, no instante t, efetivamente encontram-se presentes
no sistema e podem, pelo menos em princı́pio, serem medidas. Os coeficientes
estequiométricos, |νj | =
6 0, j = 1, . . . , J, são valores abstratos.

2. A unidade de Nj (t), j = 1, . . . , J, no SI (Sistema Internacional de unidades), é o mol


(plural mols), cujo sı́mbolo é mol (sem plural), enquanto que |νj | = 6 0, j = 1, . . . , J,
é adimensional.

3. Se Wj for um reagente ou um produto, Nj (t), j = 1, . . . , J, variará ao longo do


tempo de existência do processo reacional, enquanto que |νj | =6 0, j = 1, . . . , J,
permanecerá inalterado.

4. O valor de cada Nj (t), j = 1, . . . , J, é bem definido a todo instante durante o tempo


de existência do processo reacional, enquanto que o conjunto de valores |νj | 6= 0,
j = 1, . . . , J, pode ser multiplicado por qualquer real positivo com dimensão de
quantidade de matéria, ou seja, tal conjunto é definido a menos de uma constante
multiplicativa positiva dimensional.

2.2 Imposição do Não Acúmulo de Intermediários


Imponha que, em todo instante t durante o tempo de existência do processo reacional:

1. sejam iguais as velocidades de aniquilação de massa de reagentes e de criação de


massa de produtos e

13
2. tanto a aniquilação como a criação de massa ocorram respeitando-se as proporções
estequiométricas de reagentes e produtos na reação.
Esta imposição poderia, alternativamente, ser colocada como a exigência de que inexistis-
sem intermediários2 na reação, ou as quantidades de matéria de todos os intermediários
se mantivessem constantes (não obrigatoriamente constantes no valor zero, o que carac-
terizaria inexistência) durante o tempo de existência do processo reacional, porque cada
um dos dois enunciados acarreta o outro. Por isto, ela é a imposição de não acúmulo
de intermediários.
Note que a possibilidade de todos os intermediários manterem quantidades de matéria
constantes não nulas é matematicamente permitida pelo fato do tempo de existência do
processo reacional ter sido definido como um intervalo aberto, o que garante a possibi-
lidade de descontinuidades das quantidades de matéria nos instantes t# e t# (eviden-
temente, tais descontinuidades não ocorrem na realidade, sendo na verdade alterações
muito rápidas que são matematicamente aproximadas por meio de descontinuidades).
A imposição de não acúmulo de intermediários é necessária e suficiente para que,
entre quaisquer dois instantes tb > ta pertencentes ao tempo de existência do processo,
Nj (tb )−Nj (ta )
a razão νj
independa de j

(para que esta razão seja um real, é necessário que νj 6= 0, logo é necessário que Wj
seja um reagente ou um produto da reação). Esta afirmação decorre do próprio conceito
de conjunto de coeficientes estequiométricos de uma reação, apresentado na seção 2.1.
Como outra decorrência deste conceito tem-se que a escolha do conjunto de coeficientes
estequiométricos, para toda reação quı́mica,
independe do fato de ser, ou não, constatado acúmulo de intermediários na
reação.

2.3 Exercı́cio 1
Exercı́cio 2.1 Escolha uma reação qualquer e, supondo a imposição de não acúmulo de
intermediários para t# < t < t# , sendo j = 1, . . . , J e νj 6= 0 calcule Nj (tb )−N
νj
j (ta )
para
diversos reagentes e produtos Wj , nos mesmos instantes ta e tb . Verifique se é verdade
que, para a reação escolhida, Nj (tb )−N
νj
j (ta )
independe de j.
Sugestão: considerando t# < ta ≤ tb < t# , arbitrariamente proponha uma possı́vel
variação na quantidade de matéria de um determinado reagente ou produto, ocorrida no
intervalo de tempo entre ta e tb . Obtenha, em seguida, as variações de todas as outras
quantidades de matéria, neste mesmo intervalo de tempo.
Observação: A confirmação de que a fração dada independe de j acontecerá inevita-
velmente, porque o único método de que os alunos geralmente dispõem, para a obtenção
das variações de todas as outras quantidades de matéria, quando for sabida uma destas
2
Intermediário de reação é uma espécie quı́mica reativa que não aparece, na reação quı́mica, nem como
reagente, nem como produto. Ela se encontra presente durante uma parte ou todo o tempo de existência
do processo reacional, porque é formada a partir de reagentes, catalisadores ou de outros intermediários
e decompõe-se em produtos, catalisadores ou em outros intermediários, mas não se encontra presente
nos instantes terminais t# e t# deste intervalo temporal não nulo, aberto e finito. Note que o complexo
ativado não é um intermediário de reação.

14
variações, foi apreendido ainda no ensino médio. Tal método é deduzido utilizando a
imposição de não acúmulo de intermediários, logo implica na aplicação desta imposição,
embora nem sempre os alunos do ensino médio estejam cientes deste fato.

2.4 Grau de Avanço Absoluto


Seja ξ = ξ(t) (leia-se csi minúsculo ao sı́mbolo ξ) o grau de avanço absoluto da reação
considerada, no instante t. Havendo a imposição de não acúmulo de intermediários,
define-se a variação de grau de avanço absoluto, desde o instante ta até ao momento tb ,
por meio da expressão
Nj (tb ) − Nj (ta )
ξ(tb ) − ξ(ta ) = , (2.1)
νj
Nj (t)
onde t# < ta ≤ tb < t# , νj 6= 0 e, evidentemente, nada exige que ξ(t) = νj
. Mas, se
não houvesse a imposição de não acúmulo de intermediários, ter-se-ia

Nj (tb ) − Nj (ta )
ηj (tb ) − ηj (ta ) = , (2.2)
νj

onde ηj (t) é o nı́vel de transformação do reagente ou produto Wj , no instante t.


Portanto, a citada imposição pode ser matematicamente representada por

ξ(t) = ηj (t) para t# < t < t# , j = 1, . . . , J e νj 6= 0 . (2.3)

A eq. 2.3 indica que, para um mesmo intervalo temporal tb − ta > 0, as variações
das quantidades de matéria dos participantes Wj da reação, grafadas Nj (tb ) − Nj (ta ),
podem diferir em módulo e em sinal, mas a variação ηj (tb ) − ηj (ta ) independe de j. Isto
torna o uso de ∆a→b ξ = ξ(tb ) − ξ(ta ) mais interessante do que o de alguma especı́fica
∆a→b Nj = Nj (tb ) − Nj (ta ), para quantificar o avanço do processo reacional em deter-
minado intervalo temporal ∆a→b t = tb − ta . Porém, enquanto que a diferença ∆a→b Nj
pode ser medida, a diferença ∆a→b ξ depende de qual seja o conjunto de coeficientes
estequiométricos arbitrariamente preferido, ou seja, este último valor é dependente de
uma informação adicional, arbitrariamente definida. Isto representa uma desvantagem,
inerente ao uso de ∆a→b ξ, em relação à utilização de alguma especı́fica diferença ∆a→b Nj .
A eq. 2.2, portanto, somente será de fato útil quando a eq. 2.3 for válida, ou seja,
quando a eq. 2.2 se transformar na eq. 2.1. A validade da eq. 2.3, o que é o mesmo
que dizer a validade da imposição de não acúmulo de intermediários, será subentendida,
a partir deste ponto do texto, para o restante deste capı́tulo 2. Note que, como νj é
adimensional, a unidade de ξ e ηj é a unidade de quantidade de matéria, que no SI é o
mol.
Lembrando que, nos instantes terminais, podem ocorrer descontinuidades nos valores
de Nj e ξ, portanto lembrando que, nestes dois instantes, os valores de Nj e ξ podem
não ser bem definidos, serão grafados da seguinte forma os valores limites de Nj e ξ,
referentes ao processo:

Nj# = lim Nj (t) e Nj# = lim# Nj (t) , para j = 1, . . . , J , além de (2.4)


t→t# t→t

15
ξ# = lim ξ(t) e ξ # = lim# ξ(t) . (2.5)
t→t# t→t

Note que, como a eq. 2.1 não define o grau de avanço absoluto, mas apenas uma dife-
rença entre valores do grau de avanço absoluto, deve-se arbitrar um e apenas um valor
ξ, correspondente a determinado valor t (evidentemente, isto não ocorre com os experi-
mentalmente bem definidos valores Nj ). Convencionalmente, define-se então

ξ# = lim ξ(t) = 0. (2.6)


t→t#

Utilizando a eq. 2.6, se tb for um instante qualquer t, pertencente ao tempo de


existência do processo reacional, mas ta tender à cota inferior máxima deste intervalo
temporal, t# , a eq. 2.1 poderá ser escrita

Nj (t) = Nj# + νj ξ(t) , onde ξ(t) > 0. (2.7)

A desigualdade ξ(t) > 0 provém do fato da quantidade de matéria dos produtos só pode
aumentar com o passar do tempo, enquanto que a quantidade de matéria dos reagentes
só pode diminuir, logo, na eq. 2.1,
se tb > ta , então ∆a→b Nj = Nj (tb ) − Nj (ta ) apresentará o mesmo sinal de
νj .
Portanto ξ(tb ) > ξ(ta ) se tb > ta , ou seja, a convenção imposta pela eq. 2.6 implica em
ξ(t) > 0. Além disto, ξ(tb ) > ξ(ta ) se tb > ta implica em

ξ # = lim# ξ(t) = ξ max . (2.8)


t→t

Ao contrário da eq. 2.1, que não define o grau de avanço absoluto, mas apenas uma
diferença entre valores do grau de avanço absoluto, a eq. 2.7 define o grau de avanço
absoluto ξ(t) para todo instante t pertencente ao processo reacional, a partir da con-
venção dada pela eq. 2.6. Porém, o grau de avanço absoluto depende de qual seja o
conjunto de coeficientes estequiométricos escolhido para representar a reação, o que é um
inconveniente, porque tal conjunto pode ser arbitariamente multiplicado por qualquer
constante positiva.
De fato, devido à importância deste conceito, repita-se que, partindo de experimen-
talmente bem definidas quantidades iniciais de matéria Nj# , para j = 1, . . . , J, por meio
de uma reação determinada e em condições de temperatura e pressão fixas, após um
dado intervalo de tempo t − t# atingem-se quantidades de matéria Nj , para j = 1, . . . , J,
também bem definidas experimentalmente. Entretanto, tais quantidades de matéria, bem
definidas, podem corresponder a diferentes graus de avanço absoluto, de acordo com o
conjunto de coeficientes estequiométricos arbitrado.

2.5 Grau de Avanço Relativo


Fazendo t tender para t# na eq. 2.7, pode-se calcular o valor de ξ max , definido pela eq. 2.8,
a partir do conhecimento de valores Nj# e Nj# referentes a qualquer um dos reagentes ou
produtos Wj . Logo, Wj pode ser escolhido de acordo com a conveniência experimental. O
correspondente valor νj é decidido arbitrariamente, mas em coerência com os coeficientes

16
estequiométricos dos demais reagentes e produtos. Obtem-se, deste modo,
Nj# = Nj# + νj ξ max . (2.9)
Explicitando ξ e ξ max respectivamente nas eqs. 2.7 e 2.9 e dividindo o primeiro pelo
segundo, define-se o grau de avanço relativo
ξ(t) Nj (t) − Nj#
α(t) = = ou Nj (t) = Nj# + (Nj# − Nj# ) α(t) . (2.10)
ξ max
Nj# − Nj#
Note que o valor do grau de avanço relativo independe do conjunto arbitrado de coefici-
entes estequiométricos, ao contrário do que ocorre com ξ(t). Mas α(t), assim como ξ(t),
independe de j e não é um real bem definido quando νj = 0. O grau de avanço relativo é
adimensional e 0 < α < 1 para t# < t < t# (para o grau de avanço absoluto, este inter-
valo temporal corresponde a 0 < ξ < ξ max ). A denominação de α costuma ser substituı́da
por outras, de acordo com o tipo especı́fico de reação considerado (por exemplo, grau de
dissociação, onde α = 0 para reagente puro e α = 1 para produto puro).
As eqs. 2.7 ou 2.10 permitem que as quantidades de matéria de todos os reagentes
e produtos presentes no sistema reacional, no instante t, sejam respectivamente subs-
tituı́das pela única variável ξ(t) ou α(t) (isto não se aplica às substâncias inertes na
reação quı́mica considerada, para as quais νj é nulo). Mas, definindo
J J−I J−I
e N# = Nj# ,
X X X
N (t) = Nj (t) , N# = Nj# (2.11)
j=1 j=1 j=1

onde I é o número de substâncias inertes na reação quı́mica considerada, as quais devem


ser excluı́das dos últimos dois somatórios, a eq. 2.10 indica que

N (t) = NI + N# + (N # − N# ) α(t) , (2.12)


onde NI é a soma das quantidades de matéria inertes. A eq. 2.12 fornece a quantidade
total de matéria no sistema, no instante t, sabido o grau de avanço relativo naquele
momento, a quantidade total de matéria inerte e as quantidades totais de matéria, inicial
e final, de reagentes e produtos.3
No caso do sistema reacional ser homogêneo, definem-se as frações em mol
J
Nj (t) X
Xj (t) = , logo Xj (t) = 1 , (2.13)
N (t) j=1

que são propriedades intensivas adimensionais. Neste caso, as eqs. 2.10, 2.12 e 2.13
mostram que, no instante t, para o reagente ou produto Wj tem-se

Nj# + (Nj# − Nj# ) α(t)


Xj (t) = . (2.14)
NI + N# + (N # − N# ) α(t)
No caso do sistema não ser homogêneo, a eq. 2.14 fornece frações em mol médias para o
sistema, que são propriedades extensivas não aditivas.
3
No caso da quantidade total de matéria não se alterar no tempo, qualquer valor de α(t) satisfará
a eq. 2.12, porque a obtenção de α, a partir das grandezas presentes nesta equação, produzirá uma
indeterminação. Porém, mesmo neste caso a eq. 2.10 precisamente determinará α(t).

17
2.6 Exercı́cios 2 e 3
Exercı́cio 2.2 A 2257 K e 1, 00 bar , a água está 1, 77% dissociada, no equilı́brio quı́mico
da reação 2H2 O(g) −→ 2H2 (g) + O2 (g). Calcule as frações em mol de H2 O(g), H2 (g) e
O2 (g).
Sugestão: Use a eq. 2.14, considere α = 0 e t = t# para H2 O(g) puro, α = 1 e t = t#
para a solução gasosa contendo apenas H2 (g) e O2 (g), ocorrendo o equilı́brio quı́mico
num instante intermediário teqq , no qual α = 0, 0177, sendo t# < teqq < t# ; entretanto,
o exercı́cio pode também ser resolvido por meio de outros métodos, já aprendidos no
ensino médio, devendo-se evidentemente obter os mesmos resultados.

Exercı́cio 2.3 Tem-se a reação 2A(g) + B(g) −→ 3C(g) + 2D(g). Quando 1, 00 mol de
A(g), 2, 00 mol de B(g) e 1, 00 mol de D(g) são inicialmente misturados, sem a presença
de C(g), no equilı́brio quı́mico final a 298 K e 1, 00 bar a solução gasosa conterá 0, 90 mol
de C(g). Calcule α, NA , NB , XA e XB , no equilı́brio quı́mico.
Sugestão: Use as eqs. 2.12 e 2.13, considere α = 0 e t = t# para a mistura inicial
dada, α = 1 e t = t# quando a reação se interromper por falta de pelo menos um dos
seus reagentes, ocorrendo o equilı́brio quı́mico num instante intermediário teqq , sendo
t# < teqq < t# ; entretanto, o exercı́cio pode também ser resolvido por meio de outros
métodos, já aprendidos no ensino médio, devendo-se evidentemente obter os mesmos
resultados.

2.7 Velocidade de Avanço


Considerando que t# < ta ≤ t ≤ tb < t# e definindo ∆a→b t = tb − ta , ∆a→b Nj =
Nj (tb ) − Nj (ta ) e ∆a→b ξ = ξ(tb ) − ξ(ta ), supondo νj 6= 0 e dividindo a eq. 2.1 por ∆a→b t,
obtém-se a velocidade média de avanço absoluto da reação durante o intervalo
temporal ∆a→b t,
∆a→b ξ ∆a→b Nj
= . (2.15)
∆a→b t νj ∆a→b t
Se for nula a velocidade média de variação da quantidade de matéria de reagente
ou produto Wj durante o intervalo temporal ∆a→b t, grafada ∆∆a→b Nj
a→b t
, o processo quı́mico
∆a→b Nj
reacional se encontrará completamente parado, porque νj ∆a→b t
independente de j implica
em que, sempre que a quantidade de matéria de um dos reagentes ou produtos não
se alterar, as quantidades de matéria de todos os outros participantes também não se
modifiquem. De acordo com as definições de cota inferior máxima e cota superior mı́nima
do tempo de existência do processo reacional (seção 2.4), isto não é permitido ao longo
∆a→b Nj
deste intervalo temporal. Entretanto, se ∆a→b t
< 0, naquele intervalo Wj será um
reagente, enquanto que se ∆∆a→b Nj
a→b t
> 0, naquele intervalo Wj será um produto. A eq.
∆a→b ξ
2.15, que é a definição de ∆a→b t , mostra, então, que

∆a→b ξ
> 0, (2.16)
∆a→b t

18
em concordância com o que foi comentado após a eq. 2.7.
Quando os instantes ta e tb se aproximarem um do outro, diminuirá o intervalo tem-
poral ∆a→b t = tb − ta , mas também diminuirão as diferenças ∆a→b ξ = ξ(tb ) − ξ(ta ) e
∆a→b Nj = Nj (tb ) − Nj (ta ), para j = 1, . . . , J e νj 6= 0. No limite de aproximação, ta e
tb coincidirão, de modo a ambos apresentarem o valor t e ter-se-ão os valores, em t, das
derivadas
dNj ∆a→b Nj dξ ∆a→b ξ ∆a→b Nj 1 dNj
(t) = lim e (t) = lim = lim = (t),
dt ∆a→b t→0 ∆a→b t dt ∆a→b t→0 ∆a→b t ∆a→b t→0 νj ∆a→b t νj dt

j = 1, . . . , J, νj 6= 0 e t# < t < t# , (2.17)


as quais, respectivamente, são a velocidade de variação da quantidade de matéria
de reagente ou produto Wj , para j = 1, . . . , J e a velocidade de avanço absoluto
da reação, ambas no instante t para o qual conjuntamente tenderão ta e tb , quando
∆a→b t tender para zero. Note que as derivadas dN dt
j
(t) e dξdt
(t) são definidas apenas à
#
direita em t# e apenas à esquerda em t , logo estas derivadas não são definidas nos
instantes terminais do processo.
Todas as propriedades apresentadas para ∆∆a→b Nj
a→b t
e ∆ a→b ξ
∆a→b t
continuam respectivamente
dNj dξ dNj
verdadeiras para dt
e dt
, inclusive as suas unidades. Por exemplo, a unidade de dt
(t)
e dξ
dt
(t) é a unidade de quantidade de matéria dividida pela unidade de tempo, que no SI
é mol /s e, de acordo com a eq. 2.16,


(t) > 0 para t# < t < t# . (2.18)
dt

19
Capı́tulo 3

Cinética Quı́mica

3.1 Velocidade de Reação


Na eq. 2.172 definiu-se a velocidade de avanço absoluto da reação no instante t, dξ dt
(t),
válida somente para o caso de ser satisfeita a eq. 2.3. Não sendo satisfeita esta última
equação, pode-se partir da eq. 2.2, ao invés da eq. 2.1 e, analogamente, definir a velocidade
de transformação do reagente ou produto Wj , no instante t, por meio de

dηj 1 dNj
(t) = (t) , onde j = 1, . . . , J, νj 6= 0 e t# < t < t# . (3.1)
dt νj dt

Mas, em cinética quı́mica, no lugar das quantidades de matéria, Nj , geralmente usam-se


as concentrações, cj , respectivamente dos reagentes e produtos Wj , numa determinada
fase (ver a definição de fase na seção 1.3). A unidade de cj é a de quantidade de matéria
por volume, no SI mol m3
, porque cj representa a quantidade de matéria de Wj na fase, no
instante t, dividida pelo volume da fase, naquele instante.
Define-se, então, a velocidade de consumo do reagente ou formação do produto
Wj , no instante t a que se refere o valor dcdtj (t),

1 dcj 1 1 dNj 1 1 dNj 1 dηj


vel j (t) = (t) = (t) = (t) = (t),
±|νj | dt νj V dt V νj dt V dt

onde j = 1, . . . , J, νj 6= 0 e t# < t < t# , (3.2)


o processo reacional foi considerando homogêneo (seção 1.3), o volume da fase foi consi-
derado constante durante tal processo e utilizou-se a eq. 3.1. Evidentemente

vel j (t) > 0 , (3.3)

sendo a eq. 3.3 explicada pela mesma razão que justifica a eq. 2.18. A unidade de vel j é
mol
a de quantidade de matéria por volume e tempo (νj é adimensional), que no SI é m 3s .

Existem casos especı́ficos para os quais o valor vel j independe de j, quando então tem-se
vel j = vel para t# < t < t# e j = 1, . . . , J, sendo νj 6= 0. Em geral, porém, admite-se
que vel j possa, num mesmo instante t, assumir valores diferentes, de acordo com qual
for o reagente ou produto Wj considerado. Isto corresponde a permitir o acúmulo de
intermediários (seção 2.2), ao contrário do que foi imposto na subseção 2.4.

20
Nada impede que, em cada um dos dois instantes t# e t# , cj e vel j sejam descontı́nuos.
Estas descontinuidades são necessárias para que possam ser matematicamente justifica-
das algumas aproximações de grande utilidade para a cinética quı́mica, no estudo dos
mecanismos das reações. Por isto, define-se

cj# = lim cj (t), c#


j = lim cj (t) e vel j# = lim vel j (t), vel #
j = lim vel j (t). (3.4)
t→t# #
t→t t→t# t→t#

Lembre que num processo real tais descontinuidades não existem, sendo elas apenas
artifı́cios que visam simplificar o equacionamento matemático do mencionado processo.
Por isto, num processo que realmente ocorra na natureza, a continuidade exige que
somente existam as concentrações cj# , c# #
j e as velocidades vel j# , vel j , definidas por
meio das eqs. 3.4 respectivamente para os instantes t# e t# , porque todo processo real é
contı́nuo nestes dois momentos.

3.2 Exercı́cio 4
Exercı́cio 3.1 Para a reação 2W1 (aq) −→ W2 (aq), tem-se

t/min 0 10 20 30 40 ∞
−3
c2 /mol m 0 89 153 200 230 312

Considerando que o processo reacional se inicie no instante t = 0, que possa ser des-
prezado o efeito da reação reversa e que, além destes dois fatos e da tabela fornecida,
nenhuma outra informação seja conhecida, uma tabela correspondente à apresentada,
mas em termos das concentrações c1 , somente poderá ser construı́da para as primeira e
última colunas. Mas a tabela inteira poderá ser construı́da, se for adicionalmente infor-
mado que vel j (t) = vel (t) para t# < t < t# e j = 1, . . . , J − I, sendo νj 6= 0. Explique a
razão do que foi afirmado e construa a tabela, para ambos os dois casos.

3.3 Lei de Velocidade


Lei de velocidade ou lei cinética é uma função cuja imagem é o valor vel j em determi-
nado instante e cujo argumento contém concentrações de reagentes e produtos da reação
naquele momento. Ela pode variar de acordo com o reagente ou produto Wj a que se
refere vel j e, para determinada espécie quı́mica Wj fixa, pode mudar quando se alteram
faixas de concentrações. A princı́pio, pode apresentar qualquer forma matemática, desde
que tal forma reflita corretamente a observação experimental. Mas, para algumas entre
as reações cujas reversas apresentam velocidades desprezı́veis, é válida a forma genérica

J J
1 dcj kj Y dcj
(ci (t))zj i (t) = kj (ci (t))zj i ,
Y
vel j (t) = (t) = ou ± onde:
±|νj | dt |νj | i=1 dt i=1
(3.5)

1. A forma ± dcdtj (t) = kj Ji=1 (ci (t))zj i é muito mais utilizada, por que a retirada de
Q

|νj | é extremamente conveniente, devido ao motivo já apresentado na seção 2.4.

21
2. J é o número total de substâncias presentes no meio reacional.

3. zj i é a ordem da reação em relação ao reagente ou produto Wi , na lei de


velocidade referente ao reagente ou produto Wj . O expoente zj i é um real
(positivo, negativo, nulo, inteiro ou fracionário) adimensional, que independe de
concentrações, pressão, temperatura, existência de potência elétrica atuando sobre
o sistema e de qual for o conjunto de coeficientes estequiométricos arbitrariamente
escolhido para a reação. Sublinhe-se que zj i não é o coeficiente estequiométrico
correspondente a Wi . Por exemplo,
dc
2N2 O5 (g) −→ 4N O2 (g) + O2 (g), sendo − Ndt2 O5 (t) = kN2 O5 cN2 O5 (t), lei cinética
esta que é de primeira ordem em relação a N2 O5 (g) e de ordem nula tanto
em relação a N O2 (g) quanto a O2 (g). Note que nenhum coeficiente este-
quiométrico é igual à correspondente ordem mas, se dividı́ssemos todos os coe-
ficientes estequiométricos por dois, fortuitamente o coeficiente estequiométrico
do N2 O5 (g) coincidiria com a correspondente ordem.
dc
2N O(g) + O2 (g) −→ 2N O2 (g), sendo NdtO2 (t) = kN O2 (cN O (t)) 2 c O2 (t), lei ciné-
tica esta que é de segunda ordem em relação a N O(g), primeira ordem em
relação a O2 (g) e ordem nula em relação a N O2 (g). Note que apenas os co-
eficientes estequiométricos do N O(g) e do O2 (g) são, fortuitamente, iguais
às correspondentes ordens mas, se dividı́ssemos todos os coeficientes este-
quiométricos por dois, nenhum deles coincidiria com a correspondente ordem.
dc
2P H3 (g) −→ 2P (s) + 3H2 (g), sendo − PdtH3 = kP H3 . As leis cinéticas nos dois
exemplos anteriores independiam das concentrações dos produtos, o que é so-
mente casual. Esta última lei cinética, ao invés de depender tanto de reagentes
como de produtos, o que frequentemente ocorre, não depende nem de reagen-
tes, nem de produtos, pois é de ordem nula em relação a todos os reagentes e
produtos.

Nos três exemplos, não é possı́vel saber as velocidades das reações em relação a
outras substâncias que não as fornecidas, porque não foi informado que não ocorra
acúmulo de intermediários.

4. zj = Ji=1 zj i é a ordem (total) da reação, na lei de velocidade referente


P

ao reagente ou produto Wj .

5. kj é a constante de velocidade, na lei de velocidade referente ao re-


agente ou produto Wj . Trata-se de um real positivo, cuja unidade no SI
é mol (1−zj ) m3(zj −1) s−1 , o qual independe de concentrações, pressão e de qual
for o conjunto de coeficientes estequiométricos arbitrariamente escolhido para a
reação. Mas o valor de kj variará quando se alterar a temperatura, além de
também depender da atuação de potenciais elétricos sobre o sistema reacional.

6. Sublinhe-se, mais uma vez, que tanto as ordens zj i , onde i = 1, . . . , J, quanto a

22
constante de velocidade kj , dependem de qual é o reagente ou produto Wj a que se
refere a lei de velocidade considerada. Mas, nos casos excepcionais para os quais
tem-se vel j (t) = vel (t) para t# < t < t# e j = 1, . . . , J, sendo νj 6= 0, a igualdade
kj QJ zj i
vel (t) = |νj | i=1 (ci (t)) mostra que as ordens zj i , onde i = 1, . . . , J e o quociente
kj
|νj |
independem de qual seja o reagente ou produto Wj a que se refere a lei de
velocidade considerada. Portanto, nestes casos excepcionais zi = zj i e a constante
km , referente a Wm (j = m), será relacionada àquela referente a Wn (j = n),
anotada kn , por meio da igualdade
km |νm |
= , onde m, n = 1, . . . , J . (3.6)
kn |νn |
Deve-se lembrar que, embora os coeficientes estequiométricos sejam arbitrários, a
razão entre eles não é arbitrária, o que é coerente com o fato de que k1 e k2 são
experimentalmente bem determinados.
Evidentemente, muitas reações apresentam leis de velocidade que não obedecem à
forma genérica dada pela eq. 3.5. Nestes casos, as ordens da reação em relação a
algumas espécies quı́micas Wi podem até ser bem definidas, mas a ordem (total) não é.
De fato, quando a lei de velocidade não obedecer à forma genérica dada pela eq. 3.5,
mesmo assim considerar-se-á bem definida a ordem em relação a Wi se e somente se a
citada lei assumir a forma dada pela eq. 3.5 quando todas as concentrações, salvo a de
Wi , forem consideradas constantes.
Por simplicidade omite-se, no texto a seguir e até ao final deste capı́tulo 3, a
indicação (t), quando couber.
Como exemplo, tem-se
3/2
dcHBr k1 cH2 cBr2
H2 (g) + Br2 (g) −→ 2HBr (g) = , (3.7)
dt cBr2 + k2 cHBr
que é de primeira ordem em relação a H2 (g), porque se cBr2 e cHBr fossem constantes ter-
3/2
dcHBr k1 cBr
se-ia dt
= k cH2 , sendo k = 2
cBr2 +k2 cHBr
(desconsidere, por enquanto, o fato de que, se
cHBr fosse constante, necessariamente ter-se-ia dcdt
HBr
= 0). Porém, esta lei de velocidade é
de ordem indefinida em relação a Br2 e HBr , sendo sua ordem (total) também indefinida,
porque se cH2 e cBr2 fossem constantes, ou se cH2 e cHBr fossem constantes, não seriam
obtidas equações com a forma da lei cinética 3.5.
Experimentalmente, cBr2 e cHBr podem ser tornados quase constantes em relação a
cH2 , ao longo de todo o tempo de existência do processo reacional, se no instante inicial
existirem quantidades de matéria enormes de Br2 (g) e HBr (g), em relação à quantidade
dc
de matéria de H2 (g). Note que isto não causa dt Br2
≈ 0 e dcdt
HBr
≈ 0, porque cBr2 e
cHBr não são quase constantes no sentido absoluto, mas apenas quando suas variações
percentuais (não suas variações absolutas) forem comparadas com a variação percentual
de cH2 , para um mesmo intervalo de tempo. De fato, a expressão de k em termos k1 e k2

23
mostra que quantidades de matéria enormes de Br2 (g) e HBr (g), em relação à quantidade
de matéria de H2 (g), permitem que k seja considerado aproximadamente constante sem
que se tenha dcdt HBr
= 0, ou seja, permitem que dcdt
HBr
= k cH2 tenha valor não nulo sempre
que cH2 6= 0. Além disto, tais quantidades de matéria enormes permitem considerar que
dcHBr
dt
= k cH2 seja uma expressão aproximada da eq. 3.7.
Logo, a lei cinética 3.7, de acordo com as faixas de concentrações utilizadas, pode ser
experimentalmente substituı́da por dcdt HBr
= k cH2 , que tem a forma genérica dada pela
eq. 3.5. Aliás, o fato da lei cinética depender das faixas de concentração consideradas
já foi antecipado no inı́cio desta seção. Chama-se método do isolamento ao uso de
grandes excessos de todos os demais reagentes e produtos, em relação a um especı́fico
reagente ou produto, para se alterar a lei cinética de modo a que ela evidencie, ou isole,
esta especı́fica substância. O isolamento de H2 (g) destaca o seu comportamento, mas
não é capaz de fornecer informação quanto a Br2 (g) e HBr (g), porque envolve perda de
sensibilidade quanto a alterações percentuais nas concentrações destas duas substâncias.
Por isto, é correta a conclusão, obtida por isolamento de H2 (g), de que a lei cinética
exata, dada pela eq. 3.7, apresenta primeira ordem para H2 (g). Mas a aparente conclusão
de que esta mesma lei cinética apresenta ordem nula para Br2 (g) e HBr (g) é restrita às
faixas de concentração para as quais é válida a expressão dcdt
HBr
= k cH2 , onde há perda de
sensibilidade quanto a alterações percentuais nas concentrações destas duas substâncias,
portanto é uma conclusão falsa. Para se conhecer as ordens referentes a Br2 (g) e a
3/2
dcHBr k3 cBr
HBr (g) deve-se isolar respectivamente Br2 (g) e HBr (g), obtendo-se dt
= 2
cBr2 +k4
no
isolamento de Br2 (g) e dcdt
HBr
= k5 +k61 cHBr no isolamento de HBr (g). Note que, isolando-
se Br2 (g) ou HBr (g), não se obtém uma lei com a forma genérica dada pela eq. 3.5,
logo não se obtém nem ordem nula, nem nenhuma outra ordem definida. Pelo contrário,
fazendo-se estes isolamentos confirma-se que as ordens em relação a Br2 (g) e HBr (g)
são indefinidas.
Deve-se ainda comentar que, experimentalmente, o isolamento do Br2 (g) pode ser
efetuado de modo análogo ao do H2 (g), ou seja, cH2 e cHBr podem ser tornados quase
constantes em relação a cBr2 , ao longo de todo o tempo de existência do processo reacio-
nal, se no instante inicial existirem quantidades de matéria enormes de H2 (g) e HBr (g),
em relação à quantidade de matéria de Br2 (g). Mas, se o tempo de existência do processo
reacional for demasiadamente longo, será impossı́vel tornar cH2 e cBr2 quase constantes
em relação a cHBr , ao longo de todo o tempo de existência do processo reacional, por
meio da utilização, no instante inicial, de quantidades de matéria enormes de H2 (g) e
Br2 (g), em relação à quantidade de matéria de HBr (g). Esta impossibilidade ocorre
porque H2 (g) e Br2 (g) são reagentes, enquanto que HBr é um produto.
Portanto, para isolar experimentalmente um produto é necessário interromper a
reação após um intervalo temporal suficientemente pequeno para que o produto per-
maneça isolado durante todo o tempo de existência do processo reacional. Finalmente,

24
3/2
dcHBr k1 cH2 cBr
cabe observar que, neste exemplo, partimos da lei cinética exata dt
= 2
cBr2 +k2 cHBr
para
3/2
dcHBr dcHBr k3 cBr dcHBr 1
obter as leis cinéticas aproximadas dt
= k c H2 , dt
= 2
cBr2 +k4
e dt
= k5 +k6 cHBr
,
respectivamente correspondentes aos isolamentos de H2 (g), Br2 (g) e HBr (g). O processo
verdadeiro seria o oposto, ou seja, a lei cinética exata é desconhecida e, obtendo-se ex-
perimentalmente as leis cinéticas aproximadas correspondentes aos isolamentos de todos
os reagentes e produtos da reação, consegue-se deduzir a lei cinética exata.

3.4 Exercı́cio 5
Exercı́cio 3.2 Na reação 2W1 +W2 −→ 2W3 +3W4 , tem-se vel j = vel para t# < t < t#
e j = 1, . . . , J, sendo νj 6= 0. Sabendo-se que dcdt3 = 103 mol m−3 s−1 no instante t,
obtenha:
dc1
1. Os valores v, dt
, dcdt2 e dc4
dt
, no instante t.
dc3
2. A lei de velocidade em termos de v, sabendo-se que ela pode ser escrita dt
=
k c 1 c2 c3 .

25
Capı́tulo 4

Primeira e Segunda Lei da


Termodinâmica

4.1 Conteúdos e Trocas de Energia


4.1.1 Conservação da energia e convenção de sinais para trocas
energéticas
Parece óbvio que tudo o que interferir no sistema deverá ser estudado a partir das carac-
terı́sticas de tal interferência, não a partir do que aconteça fora do sistema. Por isto, o
princı́pio de conservação da energia será estudado em termos do seu efeito sobre o
conteúdo energético do sistema. Isto implica em que

qualquer troca energética entre o sistema e seu exterior tenha sinal positivo
quando energia fluir para dentro do sistema, sinal negativo quando houver
emissão de energia pelo sistema e seja nula quando não houver fluxo de ener-
gia entre o sistema e o seu exterior,

porque no primeiro caso o fluxo causa aumento no conteúdo energético do sistema, no


segundo ele ocasiona diminuição em tal conteúdo e no terceiro não ocorre variação no
citado conteúdo. Esta convenção de sinais, coerente com o efeito do princı́pio de con-
servação da energia sobre o conteúdo energético do sistema, deve ser esclarecida de inı́cio.
O princı́pio de conservação da energia, porém, não é a primeira lei da termodinâmica.

4.1.2 Movimentos internos


O entendimento da primeira lei exige, preliminarmente, a clara compreensão do que são
os movimentos internos de um todo. Por definição,

movimentos internos de um todo são alterações de distâncias e/ou ângulos


entre entes considerados, sem que se modifiquem os momentos linear e angu-
lar do todo que estes entes formam.

A conservação do momento linear, p~(t) = m d~ r


dt
(t) (m é a massa e ~r é o vetor posição),
ocorrerá quando for nula a força resultante que o exterior exercer sobre o todo. A con-
~
servação do momento angular L(t) = ~r(t) × p~(t) (o sı́mbolo × indica produto vetorial)

26
ocorrerá quando for nulo o torque resultante que o exterior exercer sobre o todo. Por-
tanto, quando forem simultaneamente nulos a força resultante e o torque resultante que
o exterior exercer sobre o todo, apenas movimentos internos poderão ser efetuados pelo
todo.
Por exemplo, o movimento translacional aleatório das moléculas que formam um gás
contido num recipiente imóvel é um movimento interno do gás, considerado como o todo
formado pelas moléculas. Como outro exemplo, o movimento vibracional dos átomos
que formam uma molécula isolada (que não interage com o ambiente no qual se encontra
imersa) é um movimento interno da molécula, considerada como o todo formado pelos
átomos. Além disto, o movimento do núcleo e dos elétrons, dentro de um átomo isolado,
é um movimento interno do átomo, considerado como o todo formado pelo núcleo e os
elétrons. Porém, o movimento de uma massa de ar, cuja translação afeta o ambiente
em que ela se encontra (vento), não é um movimento interno desta massa. O conteúdo
energético de todo sistema pode ser separado em duas parcelas aditivas, respectivamente
denominadas energia interna e energia de forma rı́gida.

4.1.3 Energia interna


A energia interna é a adição das energias dos movimentos internos:

1. do sistema, o qual é um todo cujos entes formadores são suas partı́culas (por exem-
plo, as partı́culas podem ser moléculas);

2. de todas as suas partı́culas, cada uma delas sendo um todo cujos entes formado-
res são suas respectivas subpartı́culas (por exemplo, as subpartı́culas podem ser
átomos);

3. de todas as subpartı́culas de todas a partı́culas, cada uma delas sendo um todo


cujos entes formadores são suas respectivas sub-subpartı́culas (por exemplo, as
sub-subpartı́culas podem ser núcleos e elétrons) e assim sucessivamente.

Note que a própria existência conceitual de tais subpartı́culas, sub-subpartı́culas etc.,


depende do modelo teórico usado para descrever a matéria. Por exemplo, supondo uma
substância de estrutura molecular e dependendo do nı́vel de refinamento do modelo ado-
tado, a energia dos movimentos internos das partı́culas, que no caso são moléculas, pode
considerar as energias vibracionais dos átomos nas moléculas, a energia dos movimentos
internos dos átomos pode considerar as energias dos elétrons nos átomos etc.
Mas, se para as partı́culas fosse adotado o modelo de esferas rı́gidas, os átomos seriam
considerados inexistentes, bem como seus núcleos, elétrons etc., reduzindo-se a energia
interna àquela causada pelos movimentos internos mencionados no item 1. Em outras
palavras, se num sistema gasoso for considerada válida a equação dos gases perfeitos,1
1
No modelo do gás perfeito, considera-se que sejam totalmente elásticos os choques entre partı́culas e
destas com as paredes do recipiente mas que, salvo choques, nenhuma interação ocorra entre as partı́culas
e entre estas e as paredes. Considera-se, também, que a massa m0 e o volume de cada partı́cula tendam
a zero e, simultaneamente, o número N 0 de partı́culas tenda a infinito, mantendo-se constante a massa
M = N 0 m0 total do gás, bem como o volume total V ocupado pelo gás. Supondo que N seja o
número verdadeiro de partı́culas gasosas presentes no recipiente, idênticas entre si, enquanto que m seja
a verdadeira massa de cada uma destas partı́culas, tem-se então N 0 m0 = N m = M para todo par de
valores < N 0 , m0 >, inclusive no limite N 0 → ∞ e m0 → 0.

27
que é um modelo de esferas rı́gidas cujos raios são nulos, por coerência a energia interna
incluirá apenas aquela relacionada aos movimentos citados no item 1.
Por isto, o valor da energia interna de um sistema pode, no máximo, ser conhe-
cido a menos de uma constante somativa. Em outras palavras, pode ser experimen-
talmente determinada a diferença entre as energias internas do sistema em dois ins-
tantes pertencentes ao tempo de existência de um processo a ele aplicado, simbolizada
∆a→b U = U (tb ) − U (ta ) , mas não são conhecidas as energias internas do sistema em tais
momentos, U (ta ) e U (tb ).

4.1.4 Energia de forma rı́gida


A energia de forma rı́gida apenas envolve a translação e a rotação do sistema, tomado
como um todo e considerando-se rı́gida a sua estrutura (estrutura rı́gida é aquela em que
são fixas as distâncias e os ângulos entre os entes que formam o todo), as estruturas das
partı́culas que o formam, das subpartı́culas que formam as partı́culas etc. Tal tipo de
movimento pode envolver acelerações lineares, angulares, ou ambas, as quais respectiva-
mente correspondem a mudanças nos valores dos momentos linear, angular, ou ambos, do
sistema tomado como um todo. Portanto, o tipo de movimento responsável pela energia
de forma rı́gida pode alterar, ou não, os momentos linear, angular, ou ambos, do sistema.

4.1.5 Trocas e balanceamento energético em sistema fechado


As trocas energéticas, entre um sistema fechado (veja a seção 1.5) e seu exterior, também
costumam ser separadas em duas parcelas aditivas:

1. Uma parcela corresponde a uma troca sujeita à restrição de que só pode ser efetu-
ada entre as energias internas do sistema e do seu exterior. É denominada troca
térmica ou calor. O calor, portanto, é uma forma de transmissão de energia (não
é um tipo de conteúdo energético do sistema) com uma peculiaridade fı́sica que
impede a sua absorção ou emissão pela energia de forma rı́gida. Note que este
conceito de calor independe do conceito de temperatura. No presente enfoque, o
conceito de calor antecede ao de temperatura. Neste enfoque, massa e energia são,
sempre, as grandezas fundamentais, a partir das quais outras podem ser definidas.
O calor desde o instante inicial, t# , até a um instante t pertencente ao tempo de

A massa molar é uma caracterı́stica macroscópica da substância considerada, assim como, por exemplo,
a densidade desta substância. Seu valor Mm , portanto, não depende do modelo utilizado para explicar
as propriedades da matéria. De fato, o valor da massa molar provém de leis básicas da Quı́mica, as quais
nem sequer exigem que a matéria obedeça a algum modelo corpuscular (ver, em livros de Quı́mica Geral,
o método de Cannizzaro para a obtenção de massas molares relativas e a padronização da massa molar
de um determinado isótopo do carbono em 12 × 10−3 kg mol −1 , do que resulta o estabelecimento de
massas molares para todos os elementos da tabela periódica). A constância de M e de Mm , enquanto
N 0 aumenta e m0 diminui, causa a constância da razão n = MMm , que é a quantidade de matéria gasosa
N
dentro do recipiente. Se NA for a constante de Avogadro, ter-se-á n = NA .

28
existência do processo, é simbolizado ∆q(t) = q(t) − q# , onde q# é o calor desde
um momento referencial até ao instante inicial do processo, enquanto que q(t) é o
calor desde o mesmo momento referencial até ao instante t. Arbitrando q# = 0, ou
seja, arbitrando que o momento referencial seja t# , tem-se ∆q(t) = q(t).

2. A outra parcela não está sujeita a restrição alguma, logo pode envolver tanto a
energia interna, quanto a energia de forma rı́gida, seja do sistema como do seu
exterior. É denominada troca atérmica ou trabalho e é simbolizada ∆wtot (t) =
wtot (t) − wtot # ou, analogamente ao colocado para o calor, arbitrando wtot # = 0
tem-se ∆wtot (t) = wtot (t). O trabalho, portanto, é uma forma de transmissão
de energia sem a peculiaridade fı́sica, apresentada pelo calor, que impede a sua
absorção ou emissão pela energia de forma rı́gida.
Por exemplo, imagine-se um chute numa bola. A maior parte do trabalho transferido
à bola se transforma em energia de forma rı́gida (translação e/ou rotação da bola), mas
uma pequena parte se transforma em energia interna (deformação da bola, no local do
chute, sobreposta ao movimento necessário para que tal deformação não altere os mo-
mentos linear e angular da bola). Sendo ∆Eforma rigida (t) = Eforma rigida (t) − Eforma rigida #
e ∆U (t) = U (t) − U# tem-se, então, o balanceamento energético para sistema
fechado
∆Eforma rigida (t) + ∆U (t) = ∆q(t) + ∆wforma rigida (t) + ∆w(t) , (4.1)
onde ∆wtot (t) = ∆wforma rigida (t)+∆w(t) e ∆w(t) simboliza a parcela do trabalho que se
transforma em energia interna, ou provém da energia interna (retornando ao exemplo da
bola, a ausência de ı́ndice representa o trabalho correspondente à deformação da bola, no
local do chute, sobreposta ao movimento necessário para que tal deformação não altere
os momentos linear e angular da bola). Note que
não há nenhuma peculiaridade fı́sica que distinga ∆wforma rigida (t) de ∆w(t).
Em outras palavras, os diversos tipos de trabalhos (mecânico volumétrico,
mecânico não-volumétrico, elétrico, magnético, eletromagnético, gravitacional
etc.) que podem ser efetuados pela energia interna são os mesmos tipos de
trabalhos que podem ser executados pela energia de forma rı́gida, enquanto
que calor é uma troca energética fisicamente diferente de trabalho.

4.2 Exercı́cio 6
Exercı́cio 4.1 Suponha-se que, sob determinadas condições, o gás He (Mm = 4, 003×
10−3 kg mol −1 ) em repouso possa ser considerado perfeito, sendo 400 m s−1 a velocidade
média dos seus átomos. Calcule a energia interna de um mol de He, nestas condições.

4.3 Enunciado da primeira lei


O enunciado mais genérico e conceitual da primeira lei da termodinâmica afirma que
energia interna e energia de forma rı́gida não se transformam diretamente
uma na outra.

29
Portanto, junto com o balanceamento de energia para sistema fechado dado pela eq. 4.1,
a primeira lei da termodinâmica implica em que:

1. Em um sistema isolado (seção 1.5), tanto a energia de forma rı́gida como a energia
interna não se alteram no tempo.

2. A parcela ∆wforma rigida (t), do trabalho total, produz a mudança ∆Eforma rigida (t) no
valor da energia de forma rı́gida e vice-versa. De fato, como a energia de forma
rı́gida não se pode alterar por meio de absorção ou emissão de calor, nem por meio
de transformação em energia interna, ela apenas pode ser alterada por meio da
parcela do trabalho que, no processo considerado, ou se transforma em energia de
forma rı́gida, ou provém desta energia do sistema.

Logo, o valor ∆Eforma rigida (t) = ∆wforma rigida (t) pode ser subtraı́do de ambos os lados da
eq. 4.1, o que resulta na substituição desta equação pelo conjunto de duas equações

∆Eforma rigida (t) = ∆wforma rigida (t)


e
∆U (t) = ∆q(t) + ∆w(t). (4.2)

Impor ao sistema fechado as duas eqs. 4.2, separadamente, define o seu comportamento
de modo muito mais restritivo do que impor apenas a soma das mesmas, dada pela eq.
4.1.
De fato, como a eq. 4.1 não considera a primeira lei da termodinâmica, durante o
intervalo temporal desde t# até t energia interna poderia se transformar em energia de
forma rı́gida e vice-versa, logo o calor ∆q(t) e o trabalho ∆w(t) tranferidos durante
este intervalo temporal poderiam, indiretamente, resultar em variação de energia de
forma rı́gida, enquanto que o trabalho ∆wforma rigida (t) poderia, indiretamente, resultar
em variação de energia interna. Com isto, as duas eqs. 4.2 perderiam a validade, enquanto
que a eq. 4.1, que continuaria válida, expressando apenas o princı́pio da conservação da
energia (ou seja, que a variação no conteúdo energético do sistema fechado é igual à soma
das trocas energéticas com o exterior).
Os princı́pios de conservação (do momento linear, do momento angular e da energia)
formam o cerne da mecânica. Logo, a eq. 4.1 é uma expressão da mecânica, não da
termodinâmica, uma vez que ela não considera a primeira lei da termodinâmica. A
eq. 4.21 também é objeto de estudo da mecânica. Não porque a mecânica considere a
decomposição da eq. 4.1 nas duas eqs. 4.2, logo considere a primeira lei da termodinâmica,
mas sim como um caso especı́fico da eq. 4.1, no qual o sistema tem forma rı́gida, logo
não tem energia interna e não absorve nem emite calor. Aliás, o estudo da mecânica das
formas rı́gidas é a parte inicial desta ciência.
Já a eq. 4.22 é a expressão matemática da primeira lei da termodinâmica para
sistemas fechados, sendo ∆U (t) = U (t)−U# , ∆q(t) = q(t)−q# e ∆w(t) = w(t)−w# .
Lembrando que o tempo de existência do processo é o intervalo aberto t# < t < t# , as
notações U# , U # , q# , q # e w# , w# são definidas por meio de limites, analogamente
ao que foi feito nas eqs. 2.4 e 2.5, para as grandezas Nj# , Nj# , ξ# e ξ # .

30
A partir deste ponto do texto, as convenções q# = 0 e w# = 0 serão sempre
adotadas.
Por isto, a eq. 4.22 será escrita

∆U (t) = q(t) + w(t) (sistema fechado) . (4.3)

Além disto,
também a partir deste ponto do texto, as grafias ∆U , q e w ao invés de,
respectivamente, ∆U (t), q(t) e w(t), indicarão que t → t# , ou seja, indicarão
que está sendo considerado o processo inteiro, desde o seu instante inicial até
ao seu momento final.
Portanto, para o processo inteiro a eq. 4.3 será escrita

∆U = q + w (sistema fechado) . (4.4)

A eq. 4.4 é a expressão mais usual da primeira lei da termodinâmica, mas a eq. 4.3 é
mais abrangente.
Embora, em cada instante, a energia interna seja conhecida a menos de uma cons-
tante somativa, ela é uma função de estado, ou propriedade, extensiva aditiva do sistema.
De fato, para determinar a diferença entre as energias internas nos momentos tb e ta ,
∆a→b U = Ub − Ua , sendo t# < ta ≤ t ≤ tb < t# , basta conhecer informações sobre o
sistema nos instantes tb e ta . A energia interna, portanto, comporta-se como se comporta-
riam o volume, a massa e a quantidade de matéria, se desejássemos determinar diferenças
volumétricas, mássicas ou de quantidade de matéria entre os mesmos momentos, não obs-
tante volume, massa e quantidade de matéria sejam, também, bem determinados a cada
instante, ao contrário da energia interna. Note que é correta a frase “a energia interna
do sistema no momento t”, analogamente à frase que seria utilizada para o volume, a
massa ou a quantidade de matéria.
Já o trabalho efetuado, até cada instante, é bem determinado, assim como ocorre
com o volume, a massa e a quantidade de substância, em cada instante (foi sublinhada
a diferença na frase). Mas, ao contrário do que acontece com o volume, a massa e
a quantidade de substância, para determinar a diferença entre os trabalhos realizados
até os momentos tb e ta , ∆a→b w = wb − wa , sendo t# < ta ≤ t ≤ tb < t# , não
basta conhecer informações sobre o sistema nos instantes tb e ta . Portanto, o trabalho
é uma função de processo. Analogamente, o calor também é uma função de processo.
A expressão matemática da primeira lei da termodinâmica para sistemas fechados, dada
pela eq. 4.3, mostra então que, entre os mesmos dois instantes tb e ta , o trabalho e o
calor ocorridos podem assumir infinitos valores diferentes, desde que todos eles resultem
na mesma alteração de energia interna do sistema.

4.4 Trabalho volumétrico, não-volumétrico e ental-


pia
O trabalho w(t), que se transforma em energia interna e vice-versa (eq. 4.3), por razões
históricas e também didáticas costuma ser decomposto em duas parcelas somativas, a

31
saber, o volumétrico, wv (t) e o não-volumétrico, wn v (t). Evidentemente, o trabalho
volumétrico foi destacado de todos os outros tipos de trabalho, enquanto que o trabalho
não-volumétrico engloba todos os outros tipos de trabalho (mecânico não-volumétrico,
elétrico, magnético, eletromagnético, gravitacional etc.). A razão didática para este
destaque encontra-se no fato de que, o que for colocado para o trabalho volumétrico, por
analogia poderá ser estendido para qualquer outro tipo de trabalho. Tem-se, então,

w(t) = wv (t) + wn v (t). (4.5)

A eq. 4.5 indica que a eq. 4.3 pode ser escrita

∆U (t) = q(t) + wv (t) + wn v (t) (sistema fechado) . (4.6)

4.4.1 Trabalho volumétrico


A potência volumétrica absorvida ou emitida por um sistema barostatizado (ver seção
1.5) no instante t é dada por dw dt
v
(t) = −P 00 (t) dV
dt
(t), onde o sinal negativo provem da
convenção de que energia emitida pelo sistema apresenta sinal negativo, enquanto que
energia absorvida pelo sistema apresenta sinal positivo (ver o princı́pio de conservação
da energia no começo da seção 4.1). Note que o referido instante t não precisa pertencer
ao tempo de existência, t# < t < t# , de um processo barostatizado, porque P 00 (t)
pode variar ao longo deste intervalo temporal aberto, ao contrário do que se exige num
processo barostatizado. Além disto, o instante t considerado pode pertencer ao tempo
de existência de um processo em cujos instantes terminais, t# e t# , o sistema não seja
barostatizado, nem homogêneo, novamente ao contrário do que se exige num processo
barostatizado.
Mas suponha um processo tal que, ao longo de todo o seu tempo de existência, o
sistema seja barostatizado, permitindo-se que P 00 (t) varie de modo contı́nuo ao longo
deste intervalo temporal e não se exigindo homogeneidade bárica em momento algum. A
expressão dw
dt
v
(t) = −P 00 (t) dV
dt
(t) implica em que, para tal processo,
Z wv (t) Z t Z t Z V (t)
dwv 00 dV
wv (t) = dwv = (t)dt = − P (t) (t)dt = − P 00 (V )dV. (4.7)
0 t# dt t# dt V#

Na muito excepcional situação de P 00 ser constante durante todo o tempo de existência


do processo, t# < t < t# , a eq. 4.7 mostra que wv = −P 00 ∆V , onde ∆V = V # − V# (foi
usada a convenção, já apresentada, de que a omissão da dependência temporal indica que
está sendo considerado o processo inteiro). Note que a expressão wv = −P 00 ∆V é válida
para processo barostatizado, mas não apenas para processo barostatizado, porque para
se chegar a ela nada precisou ser imposto ao sistema, referente aos instantes terminais
do processo. Isto acontece porque,

matematicamente, todo intervalo de integração é aberto.

Outra particularização da eq. 4.7 pode ser obtida considerando que, ao longo do
tempo de existência do processo, t# < t < t# , o sistema seja baricamente homogêneo
(veja a seção 1.3). Logo, considerando que, durante este intervalo temporal aberto, o

32
sistema sempre apresenta P (t) = P 00 (t), mas não se exigindo a constância temporal da
R V (t)
pressão. Neste caso, wv (t) = − V# P (V ) dV . Note que esta expressão é válida para
processo baricamente homogêneo, mas não apenas para processo baricamente homogêneo,
porque para se chegar a ela nada precisou ser imposto ao sistema, referente aos instantes
terminais do processo. Mas, se o processo for barostatizado e, também, baricamente
homogêneo, ele será um processo isobárico (último parágrafo da seção 1.5) e, neste caso,
wv = −P ∆V , embora a validade desta igualdade independa de imposições ao sistema,
nos instantes terminais do processo.

4.4.2 Entalpia
A entalpia é uma propriedade do sistema cujo valor é

H = U + PV , (4.8)

o que indica que apenas em sistemas baricamente homogêneos (seção 1.3), a entalpia é
bem definida. A eq. 4.8 indica, também, que no SI a unidade da entalpia, da energia
interna e do produto P V é a mesma, a saber, o J.
De acordo com a seção 1.5, num processo barostatizado P# = P # = P 00 , onde P 00 é
constante para t# ≤ t ≤ t# . A eq. 4.7 mostra que, num processo barostatizado,

wv = −P 00 [V # − V# ] = −(P # V # − P# V# ) = −∆(P V ). (4.9)

Para um sistema fechado sob processo barostatizado, a eq. 4.9 pode ser substituı́da na
eq. 4.6, com t → t# , produzindo

U # − U# = ∆U = q − ∆(P V ) + wn v = q − (P # V # − P# V# ) + wn v

ou, usando a eq. 4.8,

∆H = H # − H# = q + wn v (sistema fechado sob processo barostatizado). (4.10)

Note que, analogamente ao mostrado pela eq. 4.4, a eq. 4.10 reflete o efeito conjunto
da conservação da energia e da primeira lei da termodinâmica sobre o processo inteiro,
desde o seu instante inicial até ao seu momento final. A diferença encontra-se, apenas,
no fato de que a eq. 4.4 é aplicável a qualquer processo que ocorra num sistema fechado
(inclusive no caso especı́fico em que a eq. 4.10 também pode ser aplicada), enquanto que a
eq. 4.10 só pode ser usada quando um sistema fechado sofrer um processo barostatizado.
Tanto a eq. 4.4 como a eq. 4.10 mostram que, respectivamente para os mesmos instantes
inicial e final, cada um dos termos do segundo membro da equação pode alterar-se de
acordo com o especı́fico processo ocorrido, embora a soma destes termos não se possa
alterar.
Evidentemente, ter-se-á

∆H = q para processo barostatizado com wn v = 0, em sistema fechado.

Este último resultado é muito usado em termoquı́mica, onde frequentemente subentende-


se que as reações ocorram em sistema fechado, sob processo barostatizado que não troque

33
potência não-volumétrica com o seu exterior. Além disto, para sistema fechado sob pro-
cesso barostatizado que somente possa absorver ou emitir trabalho volumétrico e cujas
paredes sejam perfeitos isolantes térmicos, a entalpia não se altera no tempo. Portanto,
neste especı́fico sistema a entalpia tem o mesmo comportamento que, num sistema iso-
lado, é apresentado pela energia interna. Em quı́mica, os processos barostatizado em
sistema fechado e a propriedade entalpia são de fundamental importância.

4.4.3 Complementação por resolução de exercı́cio


Enunciado
Seja um processo em gás contido num cilindro vertical apoiado sobre uma mesa. Seja
a parede superior do cilindro um êmbolo móvel e seja o sistema constituı́do pelo gás.
Suponha que, (1) no instante “inicial inclusive” e antes, o êmbolo se mantenha fixo
em posição tal que o sistema permaneça baricamente homogêneo na pressão 0, 5MPa;2
(2) no instante “inicial exclusive” o êmbolo seja liberado, causando a rápida expansão
do sistema até ao instante “final exclusive”; (3) no instante “final inclusive” e após, o
êmbolo novamente encontre-se fixo e o sistema se conserve baricamente homogêneo na
pressão 0, 3MPa. Durante toda a expansão do gás, P 00 = 0, 1MPa. Pede-se:

1. O comportamento de P 00 , ao longo do tempo de existência do processo, nos seus


instantes terminais e, também, em momentos anteriores ao instante inicial e poste-
riores ao final.

2. O comportamento de P , ao longo do tempo de existência do processo, nos seus


instantes terminais e, também, em momentos anteriores ao instante inicial e poste-
riores ao final.

3. O trabalho de expansão volumétrica efetuado.

4. Uma explicação para o que acontece com o centro de massa do sistema.

5. Uma explicação sobre como seria o processo real matematicamente aproximado por
aquele descrito no cabeçalho.

Resolução
1. Para P 00 tem-se:

P 00 = 0, 5MPa para o tempo anterior ao processo, t ≤ t# .


P 00 = 0, 1MPa para o tempo de existência do processo, t# < t < t# .
P 00 = 0, 3MPa para o tempo posterior ao processo, t# ≤ t.
2
Pa é o sı́mbolo da unidade de pressão no SI, denominada pascal, sendo Pa = N m−2 (um múltiplo
do pascal muito utilizado é o megapascal, tal que 1 MPa = 1 × 106 Pa , porque o valor da pressão
atmosférica situa-se em 0,101325 MPa.

34
No instante t# coexistem o valor limite para o tempo de existência do pro-
cesso, P#00 = 0, 1MPa e o valor referente ao tempo anterior ao processo,
00
Pinicial = 0, 5MPa. Analogamente, no instante t# coexistem o valor limite
para o tempo de existência do processo, P 00 # = 0, 1MPa e o valor referente ao
tempo posterior ao processo, P 00 final = 0, 3MPa.3 Embora P 00 seja constante
no valor 0, 1MPa durante t# < t < t# e haja homogeneidade bárica nos instan-
00
tes inicial (Pinicial = Pinicial = 0, 5MPa) e final (P 00 final = P final = 0, 3MPa), o
00
processo não é barostatizado porque Pinicial 6= P#00 e P 00 final 6= P 00 # (a baros-
tatização exige P 00 constante e único4 em todo momento t tal que t# ≤ t ≤ t#
e, além disto, P 00 = P# = P # ).

2. Para P tem-se:

P = 0, 5MPa para o tempo anterior ao processo, t ≤ t# .


P indeterminado para o tempo de existência do processo, t# < t < t# , porque
não há homogeneidade bárica durante este intervalo temporal.
P = 0, 3MPa para o tempo posterior ao processo, t ≥ t# .
Por causa de ausência de homogeneidade bárica, não existem os valores P# e P # ,
respectivamente correspondentes a t → t# e t → t# , sendo t# < t < t# . Mas
existem os valores referentes t# e t# , respectivamente para o tempo anterior,
Pinicial = 0, 5MPa e posterior ao processo, P final = 0, 3MPa .

3. O trabalho de expansão volumétrica5 será wv = (−0, 1 × 106 ∆V ) J, se ∆V for


fornecido em m3 . Este também seria o valor do trabalho volumétrico se o processo
fosse barostatizado, porque a integração sempre ocorre sobre intervalo aberto (no
#
caso, a integral wv = − tt# P 00 (t) dV
R
dt
(t) dt, na eq. 4.7). Porém, não são válidas a
eq. 4.9, wv = −∆(P V ) e 4.10, ∆H = q + wnv . Mas o sistema é homogêneo em t#
e t# , porque nestes instantes valem, respectivamente, as caracterı́sticas do tempo
anterior e posterior ao processo.

4. Considerando que o trabalho volumétrico é absorvido ou emitido exclusivamente


pela energia interna do sistema, o centro de massa do mesmo não pode ser alterado
devido à execução deste trabalho. Entretanto, durante a expansão volumétrica
altera-se a posição do centro de massa. Esta alteração não é causada pela expansão
volumétrica em si, mas sim pela aplicação à massa gasosa do acréscimo que a
normal, produzida pela mesa, sofre durante a expansão. Tal acréscimo atua sobre
o sistema enquanto ele se expande, efetuando um trabalho positivo, wforma rigida ,
absorvido pela energia de forma rı́gida, enquanto que o trabalho volumétrico de
expansão do sistema é negativo e emitido pela energia interna.
3
Assim como acontece em cinética quı́mica, na verdade este é um modelo matemático aproximado,
pois o que ocorre com P 00 é uma rápida alteração no seu valor.
4
Conforme colocado na seção 1.5, tem-se P 00 (t), ou seja, P 00 é função do tempo, logo existe não mais
do que um só valor P 00 para cada instante.
5
No SI a unidade de volume é o m3 e a unidade de trabalho é o J, sendo J = Pa m3 .

35
5. No processo real, as descontinuidades apresentadas nos instantes terminais do
tempo de existência do processo são, na verdade, alterações contı́nuas extrema-
mente bruscas.

Comentário
Este exemplo serve, também, para sublinhar que, neste texto, o sı́mbolo # sempre re-
presenta um valor limite correspondente a uma sequência infinita de valores da variável
sub-indexada ou super-indexada por #. Os valores que formam a mencionada sequência
são imagens de uma função cujos argumentos são os instantes pertencentes tempo de
existência do processo, ou seja, pertencentes ao intervalo temporal aberto t# < t < t# .
Quando os instantes tenderem para t# , a sequência tenderá a um limite sub-indexado
por #, mas quando os instantes tenderem a t# , a sequência tenderá a um limite super-
indexado por #.
Portanto, se em algum dos extremos, t# ou t# , a citada função for descontı́nua (como
acontece com P 00 no exemplo dado), mesmo assim o mencionado valor limite da sua
imagem sempre existirá e será representado usando-se o sı́mbolo # (como P#00 = P 00 # =
0, 1MPa, no exemplo dado). Outros valores da variável, porventura também correspon-
dentes ao mesmo extremo do tempo de existência do processo, serão obrigatoriamente
00 00
representados de alguma outra forma (como Pinicial = 0, 5MPa e Pfinal = 0, 3MPa no
exemplo dado).

4.5 Entropia e Energias de Helmholtz e de Gibbs


Suponha-se uma esfera com um plano diametral imaginário que a separe nos compar-
timentos de igual volume I e II, em cujo interior movimentem-se ao acaso dois pontos
matemáticos indistinguı́veis x e y. Considere-se igual a probabilidade de acontecer qual-
quer um entre os quatro sub-estados “x em I, y em II”, “y em I, x em II”, “x e y em I,
nada em II” e “nada em I, x e y em II”. Entretanto, porque os dois primeiros sub-estados
são indistinguı́veis entre si, existem os três estados “um ponto em I, um em II”, “dois
pontos em I, nenhum em II” e “nenhum ponto em I, dois em II”, tendo o primeiro, em
cada instante, duas vezes mais probabilidade de ocorrência do que cada um dos outros
dois.
Suponha-se, agora, que os 52! = 8,066 × 1067 possı́veis ordenamentos de um baralho
de cartas sejam os sub-estados, enquanto que os estados sejam o baralho ordenado (antes
de tirado o lacre) e desordenado [qualquer um dos outros (52! − 1) possı́veis ordena-
mentos]. Considere-se, também, que todos os sub-estados tenham igual probabilidade de
serem encontrados, após embaralhamento. Então, a probabilidade do estado ordenado
ocorrer, após embaralhamento, será 52! − 1 vezes menor do que a de aparecer o desorde-
nado. Note que: (1) a razão entre as duas probabilidades favorece de forma tão exagerada
ao estado desordenado, que se pode afirmar ser impossı́vel que o estado ordenado seja
encontrado após o embaralhamento; (2) é totalmente arbitrário o uso do adjetivo orde-
nado para designar a especı́fica sequência de cartas existente antes de ser tirado o lacre
e, por isto, convém não afirmar que a ordem tenda à desordem.
O princı́pio da igual probabilidade ‘a priori’ é aplicado sempre que não exista in-
formação capaz de privilegiar um ou mais eventos, em relação aos demais eventos permi-

36
tidos. Por definição, ele é aplicável aos sub-estados e as diferenças de probabilidade entre
os estados são devidas exclusivamente às diferentes quantidades de sub-estados agrupa-
dos nos estados. A situação colocada no primeiro parágrafo é análoga àquela com que
trabalha a mecânica quântica, ciência aplicável a corpos formados por poucas partı́culas
(dezenas, centenas, milhares etc.). A situação colocada no segundo parágrafo é análoga
àquelas com que trabalham as teorias clássicas, aplicáveis a corpos cujas quantidades de
partı́culas são da ordem do valor numérico da constante de Avogadro.
A situação colocada no segundo parágrafo exemplifica o fato de que leis clássicas bem
estabelecidas, como a dos objetos não levitarem, na verdade refletem imensas probabi-
lidades relativas entre estados. Tais situações somente ocorrem quando a quantidade de
sub-estados com igual probabilidade ‘a priori’ de acontecer for extremamente elevada, o
que não acontece no exemplo do primeiro parágrafo. Como num sistema o número de
partı́culas é da ordem do valor numérico da constante de Avogadro, a quantidade de
sub-estados é colossal e as probabilidades relativas de existência dos estados plenamente
justificam a segunda lei da termodinâmica, a qual afirma que

todo sistema fechado poder-se-á alterar no tempo somente se for para atin-
gir um estado com uma quantidade enormemente maior de sub-estados do
que aquele em que o sistema inicialmente se encontrar. O estado provido
de quantidade enormemente maior de sub-estados, entre todos os estados al-
cançáveis a partir do estado inicial e permitidos pelas condições às quais o
sistema estiver submetido, é denominado estado estável do sistema, para
o estado inicial e as condições dadas. Uma vez atingido o estado estável,
este não mais se modificará, a não ser que as condições às quais o sistema
se encontrar submetido mudem de modo a que o citado estado não mais seja
estável.

Neste enunciado da segunda lei da termodinâmica, a definição de sub-estado depende


do modelo teórico usado para descrever a matéria, assim como acontece para a energia
interna (seção 4.1). Por exemplo, se as partı́culas fossem N esferas rı́gidas idênticas e não
interagentes, a não ser por meio de choques totalmente elásticos, cada sub-estado seria
representado por um dos possı́veis conjuntos de valores das 3N coordenadas espaciais e
das 3N componentes do vetor velocidade dos centros de massa das partı́culas presentes no
sistema, onde N é da ordem do valor numérico da constante de Avogadro. Evidentemente,
seria atribuı́da igual probabilidade de ocorrência para cada um destes conjuntos. Note
que, mesmo para um modelo teórico tão simples, a quantidade de sub-estados é colossal.
Neste mesmo enunciado, a definição de estado é utilitária. De fato,

o estado do sistema, no instante t, é representado pelo conjunto de valores


assumidos, neste momento, por todas as propriedades do sistema que se pre-
tenda considerar.

Deve-se informar que, para as mesmas condições às quais o sistema estiver submetido,
mais de um estado pode corresponder à mesma quantidade de sub-estados. Portanto, o
estado estável pode ser mais do que um só. Mas as condições iniciais do sistema, em
geral, tornam apenas um deles alcançável. É isto, por exemplo, o que acontece com as

37
reações quı́micas costumeiras. Convém sublinhar que jamais, em hipótese alguma um
sistema evoluirá de um estado estável para outro não estável, independentemente do que
for feito com o sistema. Um sistema somente sai de um estado estável se as condições às
quais o sistema se encontrar submetido forem alteradas de modo a tornar não estável tal
estado em relação a algum outro, que passa a ser o novo estado estável.
A entropia é uma propriedade do sistema cujo valor é representado por S. Ela
existe em qualquer sistema, assim como acontece, por exemplo, com o volume e com a
energia interna. Mas,
exclusivamente quando o sistema for isolado (seção 1.5), a entropia será uma
medida da quantidade de sub-estados correspondente a cada estado do sistema.
Portanto, a segunda lei da termodinâmica exige que
a entropia de um sistema isolado jamais diminua com o passar do tempo,
o que pode ser matematicamente escrito
∆S = S # − S# ≥ 0 (sistema isolado). (4.11)
Logo, num sistema isolado as duas leis da termodinâmica podem ser condensadas no
único enunciado:
num sistema isolado, a energia de forma rı́gida mantém-se temporalmente
constante e a energia interna pode redistribuir-se sem alterar a sua quantidade
total, até que a entropia atinja um máximo.
No SI, a unidade de entropia é J K −1 .
Sendo T o valor da temperatura absoluta, apenas para sistemas termicamente ho-
mogêneos (seção 1.3) define-se a propriedade energia de Helmholtz,

A = U − TS (4.12)
e, apenas para sistemas termobaricamente homogêneos, define-se a propriedade energia
de Gibbs,
G = U + P V − T S = H − T S = A + P V. (4.13)
No SI, a unidade de T é o grau Kelvin e a unidade de todas as parcelas, nas eq. 4.12
e 4.13, é o J. Para qualquer processo efetuado em sistema isolado, a segunda lei da
termodinâmica implica na validade da eq. 4.11. Mas, para um processo termostatizado
(seção 1.5) efetuado em sistema fechado, a segunda lei da termodinâmica implica na
validade de
∆A = A# − A# ≤ w (processo termostatizado em sistema fechado). (4.14)
A expressão matemática 4.14 indica que o trabalho absorvido ou emitido durante
o especı́fico processo citado, desde o seu instante inicial até ao momento final, apre-
senta uma cota inferior máxima igual a ∆A. Logo, quando tal cota for negativa existe
um valor máximo para o trabalho produzido, enquanto que se ela for positiva existe um
valor mı́nimo para o trabalho absorvido. Evidentemente, se no processo mencionado,
adicionalmente, o volume for mantido constante durante todo o tempo de existência

38
do processo, as igualdades 4.7 e 4.5 mostram que a expressão 4.14 poderá ser escrita

∆A = A# − A# ≤ wn v (processo termostatizado em sistema fechado


cujo volume se mantem constante). (4.15)

Considerando a eq. 4.9, para um processo barostatizado tem-se wv = −∆(P V ) logo,


de acordo com a eq. 4.5, em tal processo w = wn v − ∆(P V ). Este resultado pode ser
substituı́do na eq. 4.14, obtendo-se que, para um processo termobarostatizado efetuado
em sistema fechado, ∆A ≤ wn v − ∆(P V ) ou, usando a eq. 4.13,

∆G = G# − G# ≤ wn v (processo termobarostatizado em sistema fechado).


(4.16)

Evidentemente, se não existir trabalho não-volumétrico as expressões matemáticas


4.15 e 4.16 serão respectivamente escritas

∆A = A# − A# ≤ 0 e ∆G = G# − G# ≤ 0. (4.17)

A expressão 4.171 indica que

fixados ambos os valores da temperatura homogênea e do volume de um sis-


tema fechado que não troque potência não-volumétrica com o seu exterior, o
sistema se encontrará em estado estável quando sua energia de Helmholtz for
mı́nima.

Isto acontece porque, quando dois estados de um sistema fechado que não troque potência
não-volumétrica com o seu exterior apresentarem o mesmo volume e a mesma tempera-
tura homogênea, tais estados sempre poderão ser os estados terminais de um processo
termostatizado a volume constante que os interligue. Adicionalmente, a expressão 4.172
mostra que

fixados ambos os valores da temperatura homogênea e da pressão também


homogênea de um sistema fechado que não troque potência não-volumétrica
com o seu exterior, o sistema se encontrará em estado estável quando a sua
energia de Gibbs for mı́nima.

Analogamente ao que foi colocado para a energia de Helmholtz, isto acontece porque,
quando dois estados de um sistema fechado que não troque potência não-volumétrica
com o seu exterior apresentarem a mesma pressão homogênea e a mesma temperatura
homogênea, tais estados sempre poderão ser os estados terminais de um processo termo-
barostatizado que os interligue.
De acordo com a segunda lei da termodinâmica, nas condições para as quais a es-
tabilidade corresponde ao estado de máxima entropia, as quais são as condições de um
sistema isolado, tal estado apresenta uma quantidade de sub-estados enormemente maior
do que qualquer outro estado permitido e obtenı́vel a partir do estado inicial do sistema.
Analogamente, nas condições para as quais a estabilidade respectivamente corresponde
à energia de Helmholtz ou de Gibbs mı́nima, novamente o estado estável apresenta uma
quantidade enormemente maior de sub-estados. Portanto,

39
exclusivamente quando o sistema for fechado, não absorver ou emitir potência
não-volumétrica, sua temperatura for homogênea e fixa no tempo e seu volume
também for fixo no tempo, o simétrico6 da energia de Helmholtz será uma
medida da quantidade de sub-estados correspondente a cada estado do sistema.

Além disto,

exclusivamente quando o sistema for fechado, não absorver ou emitir potência


não-volumétrica, sua temperatura e sua pressão forem ambas homogêneas e
fixas no tempo, o simétrico da energia de Gibbs será uma medida da quanti-
dade de sub-estados correspondente a cada estado do sistema.

6
Simétrico de um real é outro real com o mesmo valor absoluto, mas sinal contrário.

40
Capı́tulo 5

Processo Quı́mico II

5.1 Sistema em equilı́brio de fases


Seja a espécie quı́mica Wj , onde j = 1, . . . , J, no instante t presente num sistema fechado.
Por definição:

1. o fluxo da espécie quı́mica Wj é a diferença, da ordem do valor numérico da


constante de Avogadro, entre a quantidade de partı́culas de Wj que, por unidade
de tamanho macroscópico (seção 1.1) de tempo e de área (no SI, respectivamente
s e m2 ), atravessa uma superfı́cie (real ou imaginária) num sentido e a quantidade
que atravessa no sentido oposto;

2. o potencial quı́mico da espécie quı́mica Wj , grafado µj , é uma propriedade


intensiva especı́fica da espécie quı́mica Wj cuja unidade, no SI, é J mol −1 ;

3. a homogeneidade material da espécie quı́mica Wj ocorrerá no instante t se,


neste momento, µj for homogêneo no sistema;

4. a homogeneidade material do sistema ocorrerá no instante t se, neste mo-


mento, o potencial quı́mico de toda espécie quı́mica presente no sistema for ho-
mogêneo;

5. a especie quı́mica Wj será materialmente estacionária no instante t se, neste


momento, a tendência de alteração temporal do seu potencial quı́mico, grafada dµ
dt
j
,
for nula em todos os pontos do sistema;

6. o sistema será materialmente estacionário no instante t se, neste momento,


ele for materialmente estacionário em relação a todas as espécies quı́micas presentes
no sistema;

7. denomina-se sistema em equilı́brio de fases a todo sistema termobárica e ma-


terialmente homogêneo (para o conceito de homogeneidade termobárica, veja a
seção 1.3), constituı́do por um número inteiro, positivo e finito de subsistemas ho-
mogêneos. Portanto, um sistema homogêneo é um sistema em equilı́brio de fases,
embora a afirmação reversa não seja verdadeira.

A partir destas definições é estabelecido que,

41
sem que ocorra qualquer obstáculo à livre transferência de partı́culas entre
quaisquer dois pontos do sistema, se um sistema se encontrar em equilı́brio de
fases no instante t, neste momento será nulo o fluxo de toda espécie quı́mica,
entre quaisquer dois pontos do sistema.

Além disto,

se um sistema se encontrar em equilı́brio de fases no instante t, o estado


do sistema, neste momento, é completamente determinado pelo conjunto de
valores < T (t), P (t), N1 (t), . . . , NJ (t) >.

Note que, de acordo com o conceito de estado coerente com a segunda lei da termo-
dinâmica (seção 4.5), esta definição estabelece que o valor de toda e qualquer proprie-
dade de interesse, no instante t, é função do conjunto de valores assumidos, no mesmo
momento, pelas propriedades T , P , N1 , . . . , NJ .

5.2 Processos fundamentais


Considere um processo que:

1. ocorra em Sistema Fechado (seção 1.5), sigla SF;

2. seja

(a) TermoBaroStatizado (seção 1.5), sigla TBS,


ou
(b) IsoTermoBárico (seção 1.4) e mantenha o sistema em Equilı́brio de Fases
(portanto, de acordo com a seção 5.1, mantenha o sistema materialmente
homogêneo, mas não precise mante-lo materialmente estacionário) durante
todo o tempo de existência do processo, t# < t < t# , sigla ITBEF;

3. esteja conjuntamente em Equilı́brio de Fases e Estacionário (subseção 1.4) nos seus


Instantes Terminais, t# e t# , sigla EFEIT;

4. apresente uma Única Reação Quı́mica, a qual ocorra, ao longo do tempo de exis-
tência do processo, Sem Acúmulo de Intermediários (seção 2.2), sigla URQSAI.

A sigla completa do processo proposto é, então, SF-TBS-EFEIT-URQSAI ou SF-ITBEF-


EFEIT-URQSAI, conforme a opção adotada seja, respectivamente, 2(a) ou 2(b). A partir
deste ponto do texto, estas duas siglas

serão respectivamente simplificadas para TBS e ITBEF,

logo as partes comuns a ambas serão omitidas, porque subentendidas. Evidentemente,

todo processo ITBEF é um processo TBS, mas a afirmação reversa não é


verdadeira. Isto indica que tudo o que caracteriza um processo TBS também
caracteriza um ITBEF, mas o reverso é falso.

42
5.2.1 Processo TBS
Na seção 4.5 foi mostrado que, para um processo termobarostatizado em sistema fechado,
o trabalho não volumétrico entre os instantes inicial e final do processo apresenta como
cota inferior máxima a variação de energia de Gibbs ocorrida entre estes instantes termi-
nais. Este fato foi sinteticamente representado pela expressão matemática 4.16, a seguir
transcrita:
∆G = G# − G# ≤ wn v .
Mas a eq. 4.10, também a seguir transcrita, é válida para processo barostatizado em
sistema fechado, logo também é válida para processo termobarostatizado em sistema
fechado:
∆H = H # − H# = q + wn v .
Enquanto que a penúltima expressão destacada reflete a segunda lei da termodinâmica
para este processo especı́fico, a última representa a primeira lei da termodinâmica para
este mesmo processo. Evidentemente, ambas as expressões podem ser divididas por
∆t = t# − t# , respectivamente produzindo

∆G wn v ∆H q wn v
≤ e = + . (5.1)
∆t ∆t ∆t ∆t ∆t
Logo, num processo TBS são válidas as eqs. 5.1. Além disto, por causa da im-
posição EFEIT e do colocado no último destaque da seção 5.1, nos instantes inicial e
final o estado do sistema é completamente determinado, respectivamente, a partir do
conjunto de valores < T# , P# , N1# , . . . , NJ# > e < T # , P # , N1# , . . . , NJ# >. Isto im-
plica em que os valores da energia de Gibbs, nos instantes inicial e final do processo,
sejam imagens de uma função cujo argumento é, respectivamente, o conjunto de valores
< T# , P# , N1# , . . . , NJ# > e < T # , P # , N1# , . . . , NJ# >. Analogamente para a entalpia e
qualquer outra propriedade do sistema. Desprezando a gravidade, no que se refere à não
homogeneidade bárica por ela produzida, a execução de processo TBS é extremamente
comum em laboratório de quı́mica.

5.2.2 Processo ITBEF


Evidentemente, todas as caracterı́sticas que, para os processos TBS, são somente aplicá-
veis nos instantes terminais, t# e t# , no caso dos processos ITBEF tais caracterı́sticas
são, também, aplicáveis ao longo de todo o tempo de existência do processo, t# < t < t# ,
a não ser no que se refere ao fato dos estados terminais serem estacionários. Logo, as
eqs. 5.1 são válidas para os processos ITBEF, bem como o colocado, imediatamente após
estas expressões, para os estados terminais do processo.
Mas, para os ITBEF pode-se, além disto, aplicar as eqs. 5.1 a qualquer intervalo
temporal ∆a→b t = tb − ta , onde t# < ta ≤ t ≤ tb < t# , não apenas ao intervalo
∆t = t# − t# , assim obtendo-se

∆a→b G ∆a→b wn v ∆a→b H ∆a→b q ∆a→b wn v


≤ e = + .
∆a→b t ∆a→b t ∆a→b t ∆a→b t ∆a→b t

43
Pode-se, portanto, fazer ∆a→b t tender para zero, em torno de qualquer instante t es-
colhido, pertencente ao tempo de existência do processo ITBEF, obtendo-se respectiva-
mente
dG dwn v dH dq dwn v
(t) ≤ (t) e (t) = (t) + (t), se t# < t < t# . (5.2)
dt dt dt dt dt
Note que as potências dqdt
(t) e dwdtn v (t) podem não ser definidas nos instantes terminais do
processo. Logo, é possı́vel que elas, apenas, sejam definidas à direita em t# e à esquerda
em t# . Porém, por causa da condição EFEIT (item 3, no inı́cio desta seção), as derivadas
das propriedades G e H são bem definidas nestes instantes terminais.
Ainda, para processo ITBEF tem-se

G(t) = G(N1 (t), . . . , NJ (t)) e H(t) = H(N1 (t), . . . , NJ (t)) , se t# ≤ t ≤ t# . (5.3)

De fato, nas eqs 5.3, a temperatura e a pressão homogêneas não participam dos argumen-
tos das funções porque são temporalmente constantes. Em adição, lembre que processos
ITBEF incluem a condição URQSAI (item 4, no inı́cio desta seção). Por isto, em pro-
cesso ITBEF todas as quantidades de matéria de reagentes e produtos que, no instante
t, estejam presentes num sistema reacional fechado, grafadas Nj (t) para j = 1, 2, . . . , J
e νj 6= 0, são bem determinadas pelo valor da variável ξ(t), por meio da eq. 2.7, a seguir
transcrita:
Nj (t) = Nj# + νj ξ(t) .
Portanto, em processo ITBEF tem-se

G(t) = G(ξ(t)) e H(t) = H(ξ(t)) , se t# ≤ t ≤ t# . (5.4)

5.3 Estudo do processo ITBEF


5.3.1 Afinidade quı́mica
Lançando-se valores G como ordenadas e valores ξ como abcissas, a curva obtida informa
o valor da energia de Gibbs do sistema para cada grau de avanço absoluto, ao longo do
processo ITBEF. Suponha que, ao construir tal curva, seu comprimento máximo tenha
sido considerado, portanto suponha que ela inclua todas as composições quı́micas do
sistema teoricamente possı́veis, referentes a um determinado processo ITBEF. Portanto,

esta curva existe, independentemente de que as condições a que o sistema


esteja submetido permitam, ou não, acesso a todas as suas regiões.

Ao longo de todo o seu comprimento, ela é contı́nua e não apresenta ângulos. Logo,

para toda abcissa ξ correspondente a algum ponto da curva, salvo os seus dois
pontos extremos, existe um valor para a derivada dG

(ξ).

Considerando a definição de instante inicial e final apresentada na seção 2.1, percebe-


se que, obedecendo às restrições lá colocadas, t# e t# são escolhidos de acordo com a
conveniência, logo são arbitrários. Porém, os pontos extremos da curva mencionada não
são arbitrários, porque são determinados pela reação quı́mica considerada.

44
Por isto, as abcissas dos pontos extremos da curva não são, necessariamente, ξ# = 0
(eq. 2.6) e ξ # = ξ max (eq. 2.8). De fato, elas são representadas pelos valores ξ∗∗ e ξ ∗∗ ,
tais que ξ∗∗ ≤ ξ# < ξ(t) < ξ # ≤ ξ ∗∗ . Porém, o maior interesse se refere ao tempo de
existência do processo, t# < t < t# , durante o qual existe ξ(t) e, também, aos instantes
terminais, t# e t# , para os quais se define ξ# = limt→t# ξ(t) (eq. 2.51 ) e ξ # = limt→t# ξ(t)
(eq. 2.52 ). Note que
dG

(ξ(t)) é o valor da tendência de variação da energia de Gibbs com o grau
de avanço absoluto de uma única reação que ocorre, sem acúmulo de inter-
mediários, de modo isotermobárico e mantendo a homogeneidade material do
sistema fechado. Este valor se refere ao instante t, pertencente ao tempo
de existência do processo, momento este no qual o grau de avanço absoluto
da reação é ξ(t). O simétrico desta taxa é chamado afinidade quı́mica da
reação, cuja unidade é a de energia por quantidade de matéria, logo J mol−1
no SI.

Mas, porque dt
(t) > 0 (eq. 2.18) e dG
dt
(t)dG

(ξ(t)) dξ
= dt
(t) , durante o tempo de
# dG dG
existência do processo, t# < t < t , as derivadas dξ (ξ(t)) e dt (t) não podem apresentar
sinais opostos. Além disto, para um mesmo valor experimental de dG dt
(t) , o módulo de
dG

(ξ(t)) aumentará na mesma proporção em que dξ
dt
(t) diminuirá, ou diminuirá na mesma

proporção em que dt (t) aumentará, quando os coeficientes estequiométricos forem, todos
eles, multiplicados por um escalar positivo. Por isto, o módulo de dG dξ
(ξ(t)), mas não o
seu sinal, depende do conjunto de coeficientes estequiométricos arbitrariamente escolhido
para a reação considerada.

5.3.2 Sistema exergônico, endergônico e em equilı́brio quı́mico


Num processo ITBEF, de acordo com a eq. 5.21 e com o último parágrafo da subseção
5.3.1, se em determinado momento dwdtn v (t) ≤ 0 ter-se-á dG

(ξ(t)) ≤ 0 (afinidade quı́mica
dwn v dG
não negativa) naquele instante e, somente quando dt
> 0(t), poder-se-á ter dξ
(ξ(t)) >
0 (afinidade quı́mica negativa; evidentemente, quando dwdtn v (t) > 0 também poder-se-á
ter dGdξ
(ξ(t)) = 0 e dG

(ξ(t)) < 0). Isto indica que G diminuirá, com o avanço da reação,
em qualquer momento no qual esta causar produção de potência não-volumétrica e que G
poderá aumentar, com o avanço, em algum momento no qual haja consumo de potência
não-volumétrica.
Um estado do sistema no instante t, pertencente ao tempo de existência t# < t < t#
de um processo ITBEF, é dito exergônico se dG dξ
(ξ(t)) < 0 e endergônico quando
dG

(ξ(t)) > 0. Deve-se ter cuidado para não confundir estes termos com exotérmico e
endotérmico. Estes dois últimos conceitos se referem à eq. 5.22 , para o caso em que
dwn v
dt
(t) = 0. Nesta situação, dH
dt
(t) é igual a dq
dt
(t) e o estado do sistema é dito exotérmico
dH dH
se dt (t) < 0 e endotérmico quando dt (t) > 0.
Mas, de acordo com sua definição, um estado endergônico só será possı́vel se, naquele
instante, houver uma potência dwdtn v (t) > 0 (por exemplo, se naquele instante o sistema
absorver uma potência elétrica). Um estado exergônico possibilitará que, no instante que

45
lhe corresponder, dwdtn v (t) < 0 (por exemplo, que naquele instante o sistema emita uma
potência elétrica), embora também possa ocorrer com dwdtn v (t) ≥ 0. Portanto, apenas num
estado exergônico potência elétrica pode ser produzida, embora esta produção muitas
vezes não aconteça (no estudo da eletroquı́mica, é mostrado como potência elétrica pode
ser obtida).

Num estado exergônico a reação avança espontaneamente, o que significa


que, para avançar, a reação não exige gasto de potência não-volumétrica.

Na curva obtida lançando-se valores G como ordenadas e valores ξ como abcissas,


desde ξ∗∗ até ξ ∗∗ (subseção 5.3.1), sempre aparece um mı́nimo denominado equilı́brio
quı́mico. O grau de avanço absoluto da reação, no equilı́brio quı́mico, é simbolizado
ξ eqq . Portanto,
dG eqq
por definição dξ
(ξ ) = 0.

O ramo da curva à esquerda do mı́nimo contém os estados exergônicos do sistema (ξ <


ξ eqq , logo mistura reacional mais rica em reagentes do que a de equilı́brio quı́mico),
enquanto que aquele à direita engloba os endergônicos (ξ > ξ eqq , logo mistura reacional
mais rica em produtos do que a de equilı́brio quı́mico). Evidentemente, o equilı́brio
quı́mico

pode ocorrer em algum instante pertencente ao tempo de existência do pro-


cesso, t# < t < t# , em um dos seus instantes terminais, t# ou t# , ou não
acontecer ao longo de t# ≤ t ≤ t# .

Por isto, a igualdade ξ eqq = ξ(teqq ) só é garantida quando t# < teqq < t# .

5.3.3 Reação reversa


Ao se passar um espelho vertical por ξ ≥ ξ max obtém-se, como imagem especular da
curva originalmente proposta (subseção 5.3.1), uma nova curva que representa a variação
da energia de Gibbs com o avanço da reação reversa à original, especificada por meio
do super-ı́ndice r.

Para a reação reversa devem ser válidas as mesmas expressões matemáticas


consideradas para a direta,

porque é arbitrária a escolha de qual é a reação direta e qual a reversa. Por exemplo,
assim como na reação direta tem-se dξdt
(t) > 0 para t# < t < t# (eq. 2.18), na reversa
r
vale dξ
dtr
(tr (t)) > 0 para tr# < tr < tr # .
Considerando que, na natureza, o tempo jamais retrocede, a eq. 2.18 garante que

o grau de avanço absoluto jamais retrocede,

ou seja, ξ e ξ r respectivamente tendem a aumentar com incremento de t e tr , respectiva-


mente ao longo de t# < t < t# e tr# < tr < tr # . Por isto, tanto na curva correspondente
à reação direta, quanto naquela referente à reversa, o ponto que representa o estado do

46
sistema pode permanecer parado (só nos estados terminais isto ocorre) ou mover-se para
a direita (durante o tempo de existência do processo), mas jamais para a esquerda.
Conforme já lembrado na subseção 5.3.1, a definição dos instantes inicial e final é
arbitrária e, de fato, pode-se interromper um processo quı́mico espontâneo antes que o
equilı́brio quı́mico seja atingido. Por exemplo, isto pode ser efetuado aplicando-se ao
sistema uma potência elétrica adequada. Logo, um ramo exergônico pode interromper-se
antes de atingir o equilı́brio quı́mico. Neste caso, ao se passar um espelho vertical por
ξ ≥ ξ max , obtém-se um ramo endergônico que se inicia após o equilı́brio quı́mico, uma vez
que a imagem especular de um ramo exergônico é um ramo endergônico que representa
a reação reversa àquela correspondente ao ramo exergônico. Porém,

se nenhuma potência não volumétrica puder ser absorvida ou emitida, ξ max


ocorre exatamente no equilı́brio quı́mico, logo ξ max = ξ eqq .

Um mesmo estado do sistema aparece representado sobre a curva arbitrariamente


considerada referente à reação direta e, também, sobre aquela que representa a corres-
pondente reação reversa. A escolha da curva não depende do estado, mas sim do processo
que se considere nele termine, ou nele se inicie, ou por ele passe. Isto acontece porque
o ponto (representação do estado do sistema) não determina a curva (representação do
processo imposto ao sistema) a que pertence.
De fato, se o ponto for considerado o estado final, ou o estado inicial, ou um estado
intermediário de um processo que exige que trabalho não-volumétrico seja injetado no
sistema, será fisicamente válida a curva na qual o ponto aparecer no ramo endergônico.
Por outro lado, se o ponto for considerado o estado final, ou o estado inicial, ou um estado
intermediário de um processo que não exige que trabalho não-volumétrico seja injetado
no sistema (trabalho não-volumétrico pode até ser injetado, mas isto não é exigido para
que o processo ocorra), será fisicamente válida a curva na qual o ponto aparecer sobre o
ramo exergônico.
Por exemplo, se for interrompida a corrente elétrica que estava impulsionando para
cima um ponto em um ramo endergônico, o ponto correspondente ao instante da inter-
rupção será o final de um processo endergônico e o inicial de um exergônico, o que exige
mudança de curva para representar o processo após a interrupção (lembrar que o ponto
jamais se move para a esquerda). Analogamente, se for conectada uma corrente elétrica
capaz de fazer retroceder um ponto que vinha descendo um ramo exergônico, o ponto
correspondente ao instante da conexão será o final de um processo exergônico e o inicial
de um endergônico, o que exige mudança de curva para representar o processo após a
conexão.
Matematicamente, as curvas referentes às reações direta e reversa são relacionadas
por meio da igualdade Gr (ξ r (tr )) = G(ξ(t)), desde que ξ# r
= ξ# = 0 e ξ r max = ξ max =
ξ r (tr ) + ξ(t), sendo tr − tr# = t# − t, onde tr# < tr < tr # e t# < t < t# . Arbitrando que
r
tr# = t# , a igualdade tr − tr# = t# − t indica que tr# = t# = t 2+t .

Junto com as demais igualdades colocadas neste parágrafo, aquela arbitrada


define o conceito quı́mico para par de reações opostas, a direta prevalecendo
antes do instante tr# = t# e a reversa, depois.

47
5.3.4 Equilı́brio cinético
Equilı́brio quı́mico não é o mesmo que equilı́brio cinético. No equilı́brio cinético,
as velocidades das reações direta e reversa (subseção 5.3.3) são iguais, o que não precisa
dNj
acontecer no equilı́brio quı́mico. Logo, no equilı́brio cinético dt
(t) = 0, para j = 1, . . . , J,

portanto dt
(t) = 0. Porém, ao longo de todo o tempo de existência do processo, de acordo

com a eq. 2.18 exige-se dt
(t) > 0. Portanto, o processo apenas se encontra em equilı́brio
cinético nos instantes terminais (condição EFEIT, item 3 no inı́cio desta seção). Note
que o conceito de equilı́brio cinético é absolutamente coerente com o colocado no último
parágrafo da subseção 5.3.3 e no seu destaque, em especial com a imposição da igualdade
tr# = t# .
Note que, como dG dt
(t) = dG

(ξ(t)) dξ
dt
(t) para t# < t < t# , quando o processo tender ao
equilı́brio cinético a derivada dG
dt
(t) tenderá a se anular, independentemente do valor a
que tenda a afinidade quı́mica nos instantes terminais t# e t# , logo independentemente
de ocorrer, ou não, equilı́brio quı́mico nestes momentos. Porém, quando o equilı́brio
quı́mico ocorrer em algum instante pertencente ao tempo de existência do processo,
dG
dt
(ξ(teqq )) = 0 (lembrar que, de acordo com o final da subseção 5.3.2, neste caso tem-se
ξ eqq = ξ(teqq )), embora não possa haver equilı́brio cinético em teqq , porque t# < teqq < t# .
Portanto,
nada impede que haja equilı́brio quı́mico sem haver equilı́brio cinético e vice-
versa.
Substituindo dG
dt
(t) dG
=

(ξ(t)) dξ
dt
(t) na expressão 5.21 e impondo dwn v
dt
= 0, tem-se
dG

(ξ(t)) dξ
dt
(t) ≤ 0. Como dξ
dt
(t) > 0 durante o tempo de existência do processo, um
sistema que não troque potência não-volumétrica com seu exterior ou encontra-se em seu
estado estável, ou nele ocorre um processo exergônico que tende ao equilı́brio cinético
no seu instante final, no qual, conforme já antecipado, há equilı́brio quı́mico. Este, por
definição, coincide com o estado de mı́nima energia de Gibbs. Note que, de acordo
com a segunda lei da termodinâmica, o estado de mı́nima energia de Gibbs é o estado
estável se e somente se o sistema não puder absorver ou emitir potência não-volumétrica
(seção 4.5), conforme imposto no inı́cio deste parágrafo. Percebe-se, portanto, a coerência
interna da teoria apresentada.

5.3.5 Reação quı́mica reversı́vel e irreversı́vel


Quando um dos ramos da curva definida na subseção 5.3.1 apresentar comprimento des-
prezı́vel em relação ao outro, a reação será dita irreversı́vel. Caso contrário, ela será
considerada reversı́vel. Portanto, quando a reação quı́mica for reversı́vel, a curva exi-
birá graus de avanço absoluto correspondentes a ambos os sinais de dG dξ
, enquanto que,
no caso da irreversı́vel, a faixa de graus de avanço absolutos correspondente a um dos
sinais de dG

será de extensão desprezı́vel em relação à outra faixa. Note que o conceito
de reversibilidade e irreversibilidade de uma reação quı́mica foi apresentado por meio de
uma caracterı́stica comum a ambas as curvas referentes à reação direta e reversa, não
envolvendo a passagem, de uma curva para a outra, da representação gráfica do sistema.
Note, também, que

48
o conceito de reação quı́mica reversı́vel e irreversı́vel nada tem a ver com
o de “processo” reversı́vel e irreversı́vel, apresentado em livros didáticos de
termodinâmica e não utilizado neste presente texto.
Considere, primeiramente, que as curvas correspondentes às reações direta e reversa
apresentem os dois ramos, nenhum dos dois com comprimento desprezı́vel. Se o sistema
for impedido de absorver ou emitir potência não-volumétrica, em ambas as curvas apenas
o equilı́brio quı́mico e o ramo exergônico serão acessı́veis. Portanto, os ramos acessı́veis
de ambas as curvas não serão imagens especulares um do outro, ou seja, corresponderão
a composições quı́micas do sistema jamais coincidentes, a não ser no equilı́brio quı́mico.
Isto
permite que o sentido espontâneo da reação seja alterado por meio de mudança
na composição quı́mica do sistema.
Considere, agora, que as curvas correspondentes às reações direta e reversa apresen-
tem um único ramo, porque o comprimento do outro é desprezı́vel. Se o sistema for
impedido de absorver ou emitir potência não-volumétrica, apenas uma das duas curvas
será acessı́vel, ou seja, aquela com o equilı́brio quı́mico e o ramo exergônico, porque na
outra curva apenas a representação gráfica do equilı́brio quı́mico será acessı́vel. Isto torna
a reação irreversı́vel, ou seja,
torna impossı́vel reverter o sentido espontâneo da reação por meio, somente,
de alteração em sua composição quı́mica.
Evidentemente, conforme já colocado,
se o sistema puder absorver ou emitir potência não-volumétrica, em processo
ITBEF tanto reações quı́micas reversı́veis como irreversı́veis poderão ser re-
vertidas.

5.3.6 Exercı́cio 7
Exercı́cio 5.1 Para uma reação quı́mica reversı́vel, esboce o gráfico G × α de um pro-
cesso ITBEF, considerando conhecidos seu gráfico G × ξ, o conjunto de coeficientes
estequiométricos da reação e as quantidades de matéria inicial e final de um especı́fico
reagente ou produto. Para isto, lembre que α(t)ξ max = ξ(t) (eq. 2.10) e que Nj# =
Nj# + νj ξ max (eq. 2.9), logo lembre que, se forem fixados Nj# , Nj# e o conjunto de
coeficientes estequiométricos da reação, ξ e α serão proporcionais. Suponha a existência
de um valor αeqq , correspondente ao equilı́brio quı́mico e tal que 0 < αeqq < 1. Identifique
as regiões exergônica e endergônica da curva e compare com a produção e o consumo de
trabalho não-volumétrico (por exemplo, trabalho elétrico). Esboce, em seguida, também
o gráfico relativo à reação reversa, onde αr = 1 − α e identifique as regiões exergônica
e endergônica deste último gráfico. Repita o exercı́cio, agora para uma reação quı́mica
irreversı́vel.

5.4 Aproximação de processo TBS a ITBEF


Conforme colocado ao final da subseção 5.2.1, a execução de processo TBS é extrema-
mente comum em laboratório de quı́mica. O mesmo, porém, não pode ser afirmado

49
em relação a processo ITBEF. Isto porque manter a condição de equilı́brio de fases nos
instantes terminais do processo, nos quais o sistema encontra-se estacionário, é experi-
mentalmente muito mais fácil do que mante-la durante todo o tempo de existência do
processo reacional. Analogamente, manter o processo termobarostatizado é muito mais
simples do que mante-lo isotermobárico. Aliás, em termos absolutamente rigorosos é im-
possı́vel efetuar um processo ITBEF em laboratório. Porém, em vários casos consegue-se
aproximar um processo TBS de um ITEBEF a ponto de, dentro do limite de precisão
dos instrumentos utilizados, o TBS poder ser considerado um ITBEF.
Porém, os sistemas correspondentes aos instantes terminais de todo processo TBS
sempre são os sistemas referentes aos instantes terminais de um hipotético ITBEF, in-
dependentemente do que aconteça durante os tempos de existência dos dois processos.
Este hipotético processo ITEBEF é aquele ao qual o TBS tenderia quando as condições
experimentais fossem adequadamente alteradas, mesmo que, na prática, não se consiga
efetuar tal adequação. Portanto,

os pontos < ξ# , G# > e < ξ # , G# >, referentes aos instantes terminais do


processo TBS considerado, pertencem à única e bem definida curva G contra ξ
(subseção 5.3.1) que corresponde ao hipotético processo ITBEF que é o limite
(único e bem definido) ao qual tenderia o processo TBS, se as condições
experimentais fossem adequadamente alteradas.

5.5 Constante de Equilı́brio


Define-se a energia de Gibbs padrão de reação de um processo TBS
J
∆r G = νj ∆f G
X
j , (5.5)
j=1

onde ∆f G j é um valor tabelado chamado energia de Gibbs padrão de formação


do reagente ou produto Wj . Trabalha-se com estas últimas energias de forma análoga
a como foi explicado, no ensino médio, para as correspondentes entalpias padrão de
formação, ∆f Hj . Ressalte-se que:

1. Os valores ∆f G j dependem do valor da temperatura homogênea comum aos es-


tados inicial e final do processo. Portanto, na eq. 5.5, ∆r G e todos os ∆f G
j
necessariamente referem-se a esta temperatura.

2. Todas as parcelas da eq. 5.5 não dependem do valor da pressão homogênea comum
aos estados inicial e final do processo, porque tais parcelas são definidas para estados
padrões referentes à temperatura considerada.

3. A energia de Gibbs padrão de formação de um elemento no seu estado estável é,


por definição, nula em qualquer temperatura.

4. No SI, tanto a unidade de ∆r G como de ∆f G


j é J mol
−1
(νj é adimensional).

50
Para um processo ITBEF define-se, também, o adimensional quociente de reação
 
dG
(ξ(t)) − ∆r G
Q(ξ(t)) = exp  dξ , logo
RT
dG
(ξ(t)) = ∆r G + RT ln Q(ξ(t)) , para t# < t < t# . (5.6)

A eq. 5.5 claramente indica que, fornecida uma determinada equação quı́mica e a tem-
peratura homogênea dos estados inicial e final do processo, o valor ∆r G é único e bem
determinado, não se alterando durante o tempo de existência do processo. Logo, o valor
de ∆r G não depende do valor ξ. Entretanto, a curva apresentada na subseção 5.3.1
indica que o valor dG

depende fortemente de ξ, o que mostra que Q depende de ξ. De
fato, como tem-se G(ξ(t)), então dG

(ξ(t)) e, como consequência, Q(ξ(t)). Todas as par-
celas, na eq. 5.62 , apresentam a unidade Jmol −1 , no SI. Evidentemente, esta é também
a unidade das entalpias padrão de formação, ∆f Hj .
A eq. 5.62 mostra que, para um processo ITBEF, a definição de equilı́brio quı́mico
(subseção 5.3.2) pode ser alternativamente escrita
dG
(ξ(teqq )) = 0 ou ∆r G = −RT ln K , onde K = Q(ξ(teqq )) . (5.7)

Portanto, a constante termodinâmica de equilı́brio quı́mico, K, é o especı́fico valor
que Q assumirá quando o sistema se encontrar em equilı́brio quı́mico, ou seja, quando o
grau de avanço absoluto da reação for ξ eqq = ξ(teqq ), sendo t# < t < t# . Evidentemente,
K pode ser calculada a partir dos valores tabelados ∆f G j . Portanto, K depende da
temperatura dos estados inicial e final do processo TBS, mas não depende da pressão de
tais estados.
Embora a eq. 5.7 tenha sido obtida restringindo-se a eq. 5.6 ao grau de avanço referente
ao equilı́brio quı́mico, tanto ∆r G quanto K independem do grau de avanço (K não
depende do valor ξ porque, por definição, refere-se a ξ eqq ), portanto a eq. 5.7 é válida
para qualquer grau de avanço, podendo ser substituı́da na eq. 5.6. Tal substituição
produz
dG Q(ξ(t))
(ξ(t)) = RT ln , (5.8)
dξ K
onde apenas dG

e Q dependem de ξ(t). A eq. 5.8 mostra que:
1. A reação é exergônica em todo momento no qual Q < K (a composição quı́mica
do sistema reacional contém excesso de reagentes, em relação à composição de
equilı́brio quı́mico, porque ξ < ξ eqq ), encontra-se em equilı́brio quı́mico quando
Q = K e é endergônica quando Q > K (a composição quı́mica do sistema reaci-
onal contém excesso de produtos, em relação à composição de equilı́brio quı́mico,
porque ξ > ξ eqq ).
2. Valores de K muito altos (por exemplo, da ordem de 1018 ou mais) correspondem
a reações exergônicas irreversı́veis, enquanto que valores de K muito baixos (por
exemplo, da ordem de 10−19 ou menos) indicam reações endergônicas irreversı́veis.
Isto acontece porque as curvas obtidas lançando-se valores G como ordenadas e

51
valores ξ como abcissas, nestes casos apresentarão um ramo com comprimento
desprezı́vel em relação ao outro.

As eqs. 5.6 e 5.8 apresentam, ainda, uma importante interpretação fı́sica. De fato,
elas mostram que o simétrico da afinidade quı́mica pode ser decomposto em duas par-
celas somativas, onde uma delas (respectivamente ∆r G e −RT ln K nas eqs. 5.6 e 5.8)
reflete as caracterı́sticas quı́micas e fı́sicas dos reagentes e produtos envolvidos, que são
invariantes com o grau de avanço da reação (como, por exemplo, acontece com as ca-
racterı́sticas quı́micas dos elementos presentes numa coluna da tabela periódica e com
estados de agregação da matéria).
A outra parcela (RT ln Q) envolve concentrações e interações não quı́micas entre
partı́culas, ambas as quais são caracterı́sticas que se alteram com o avanço da reação. Se o
sistema fosse um gás perfeito, não ocorreriam estas últimas interações entre as partı́culas,
no caso pontuais, a não ser por meio de choques elásticos, que apenas aconteceriam
quando mais do que uma partı́cula ocupassem um mesmo ponto no volume do sistema.
Por isto, para gases perfeitos a parcela RT ln Q envolve exclusivamente concentrações.

5.6 Dissolução e Dissociação


Denomina-se concentração analı́tica do soluto Wj (aq) ((aq) indica que o estado de
agregação do soluto é uma solução aquosa), grafada cj◦ , à razão entre a quantidade
de matéria de uma única espécie quı́mica (pura, no estado de agregação sólido, lı́quido
ou gasoso, cuja estrutura pode ser atômica, molecular ou de cristal iônico, o que será
representado por (s, l ou g)) que foi dissolvida, substância esta da qual o soluto Wj (aq)
provem, e o volume final da solução. Note que a quantidade de matéria da única espécie
quı́mica dissolvida é exclusivamente aquela que, de fato, gerou a solução, formando um
só estado de agregação com o solvente.
Então, por exemplo, quantidade de matéria adicionada à solução, mas que precipitou
ao se atingir a saturação da mesma, não é considerada. Note, também, que a dissolução
pode produzir mais do que uma única espécie quı́mica em solução, portanto a mesma
concentração analı́tica pode corresponder a mais do que um soluto. Evidentemente, a
unidade SI de cj (t) (subseção 3.1) e de cj◦ é a mesma, ou seja, é mol m−3 .
Denomina-se número de carga de um ı́on a um adimensional igual à carga elétrica
Z Z
do ı́on dividida pela carga elétrica do próton. Suponha, então, a fórmula WE++ WE−− , onde:

1. Z+ é o número de carga do cátion W Z+ (aq);

2. Z− é o número de carga do ânion W Z− (aq);

3. E+ = |Zd− | e E− = Zd+ , sendo d um adimensional inteiro positivo escolhido de


modo a que E+ e E− sejam respectivamente o número de partı́culas W Z+ e W Z−
Z Z
na fórmula WE++ WE−− . Geralmente d é o máximo divisor comum (o maior inteiro
positivo que divide exatamente) de Z+ e |Z− | . Evidentemente, E+ e E− também
são adimensionais.

52
Além disto, seja a reação sem acúmulo do intermediários (seção 2.2)
Z Z
WE++ WE−− (s, l ou g) −→ E+ W Z+ (aq) + E− W Z− (aq) , (5.9)

cujo grau de avanço relativo (seção 2.5), no instante t, é α(t). Note que, se α =
Z Z
0 corresponder ao reagente puro WE++ WE−− (s, l ou g), α = 1 indicar o produto puro
[ E+ W Z+ (aq) + E− W Z− (aq)],
Z Z
α(teqq ) será denominado grau de dissociação de WE++ WE−− (s, l ou g).
Se a espécie quı́mica W1 for o reagente, de acordo com a eq. 2.102 ter-se-á

N1 (teqq ) = N1# + (N1# − N1# ) α(teqq ) = N1# [1 − α(teqq )] , (5.10)

porque N1# = 0. Além disto, se a espécie quı́mica W2 for o cátion, de acordo com a eq.
2.102 ter-se-á

N2 (teqq ) = N2# + (N2# − N2# ) α(teqq ) = E+ N1# α(teqq ) , (5.11)

porque N2# = 0 e N2# = E+ N1# . Analogamente, para o ânion ter-se-á

N3 (teqq ) = N3# + (N3# − N3# ) α(teqq ) = E− N1# α(teqq ) . (5.12)

Se α(teqq ) < 1, a quantidade de reagente que não se transformou em produto, ao ser


atingido o equilı́brio quı́mico, não continua sob a forma de reagente, mas sim sob a forma
Z Z
de um soluto WE++ WE−− (aq), porque admite-se o artifı́cio de supor que, no intervalo
de tempo havido até se atingir o equilı́brio quı́mico, o reagente já sofreu a reação de
dissolução
Z Z Z Z
WE++ WE−− (s, l ou g) −→ WE++ WE−− (aq) ,
Z Z Z Z
onde WE++ WE−− (aq) é o reagente WE++ WE−− (s, l ou g) dissolvido na solução aquosa, mas
Z Z
sem dissociação. Logo, no equilı́brio quı́mico a espécie quı́mica W1 é WE++ WE−− (aq), que
será referenciada como “moléculas” (no instante inicial, N1# continua a se referir ao
Z Z
reagente WE++ WE−− (s, l ou g)). As eqs. 5.10, 5.11 e 5.12 mostram, então, que

cmoléculas (teqq )
= 1 − α(teqq ),
cj◦
ccátions (teqq )
= E+ α(teqq ),
cj◦
cânions (teqq )
= E− α(teqq ),
cj◦
cı́ons (teqq )
= (E+ + E− )α(teqq ) , (5.13)
cj◦
Nj cj
porque N1#
= cj◦
, para j = 1, . . . , 3, correspondendo 1 a moléculas, 2 a cátions e 3 a
ânions. Demonstra-se que, para
α(teqq ) < 1, em temperatura fixa α(teqq ) diminuirá quando cj◦ aumentar.

53
Entretanto, sais em estado sólido cristalino já se encontram sob a forma iônica.
Neste caso, então, a eq. 5.9 é uma reação de dissolução, seu reagente deve ser escrito
Z Z
WE++ WE−− (s) e α(teqq ) = 1, logo as eqs. 5.13 passam a ser escritas

cj (teqq )
= 0,
cj◦
ccátions (teqq )
= E+ ,
cj◦
cânions (teqq )
= E− ,
cj◦
cı́ons (teqq )
= E+ + E− . (5.14)
cj◦

5.7 Reação entre solutos de solução lı́quida diluı́da


Quando o processo ITBEF ocorrer entre solutos de uma solução lı́quida diluı́da, ter-se-á

J J 
eqq νj

(aj )νj
Y Y
Q= e K= aj , (5.15)
j=1 j=1

sendo aj um adimensional denominado atividade do reagente ou produto Wj e indicando


o superı́ndice eqq tratar-se do valor da atividade no estado de equilı́brio quı́mico. Note
que o fato de aj ser adimensional garante que Q e K também sejam adimensionais, o que é
matematicamente necessário porque as eqs. 5.62 , 5.72 e 5.8 envolvem funções logarı́tmicas
de Q e K.
Tem-se, também, a importante igualdade
mj
aj = a0j , onde: (5.16)
m
1. mj representa a molalidade de Wj , que é razão entre a quantidade de matéria de
soluto Wj e a massa (no SI, a unidade de molalidade é mol kg −1 ) de

solvente real do soluto Wj , o qual é uma solução cuja composição é


o limite ao qual a composição tenderá, quando a concentração analı́tica
de Wj tender a zero1 .

Note que molalidade é uma medida de concentração definida com alta precisão. Por
exemplo, a molalidade não varia com a temperatura, ao contrário da concentração
cj (esta última varia com a temperatura porque o volume também varia com a
temperatura);

2. m ≡ 1 mol kg −1 é a molalidade padrão, utilizada para tornar adimensional o


mj
valor mj , de modo a que m seja o valor numérico de mj , quando mj for dado em

mol kg −1 ;
1
Portanto, solutos provenientes da dissolução simultânea de substâncias distintas, num mesmo meio,
apresentam distintos solventes reais, enquanto que é o mesmo o solvente real de todas as substâncias
que se originam da mesma substância dissolvida.

54
3. a0j é um adimensional denominado coeficiente de atividade de Wj . O coeficiente
de atividade é, portanto, um fator que corrige o valor numérico da concentração,
medida em molalidade, transformando-o em atividade.

A atividade é, portanto, uma concentração corrigida que representará o soluto Wj nas
expressões de Q e K, quando um processo ITBEF ocorrer entre solutos de uma solução
lı́quida diluı́da. No final da subseção 5.5 foi afirmado que o quociente de reação Q
envolve concentrações e interações não quı́micas entre partı́culas, ambas as quais são
caracterı́sticas que se alteram com o avanço da reação. Portanto, a correção efetuada
na concentração é no sentido de se ter uma nova variável que, além de levar em conta a
própria concentração, também inclua as interações não quı́micas que afetam as partı́culas
dos solutos da solução lı́quida diluı́da.
Ainda de acordo com o final da subseção 5.5, se o sistema fosse um gás perfeito
tais interações, por definição, seriam inexistentes. Porém, a não ser para concentrações
baixı́ssimas de soluto (veja os valores adiante, no texto), estas interações não podem ser
desprezadas em solução lı́quida diluı́da. Em outras palavras, para estas soluções, em
geral, se as eqs. 5.15 fossem escritas em termos de concentrações ao invés de atividades,
as eqs. 5.6 e 5.8 não seriam satisfeitas.
A intensidade destas interações não quı́micas depende da temperatura (homogênea e
constante em processo ITBEF) da solução, diminuindo quando a temperatura aumentar,
por efeito da maior agitação das partı́culas. Como ocorrem interações entre partı́culas de
Wj e partı́culas do seu solvente real, a intensidade das mesmas também depende de quem
é o solvente real de Wj e de quem é o soluto Wj . Mas interações acontecem, também,
entre as próprias partı́culas de Wj e, em solução diluı́da, estas últimas são muito afetadas
pela concentração de Wj na solução. Logo, o valor a0j depende dos mesmos quatro fatores
mj
dos quais depende aj . Portanto, a eq. 5.16 não indica que aj seja proporcional a m ,
0 0
uma vez que aj não é uma constante de proporcionalidade, porque aj depende de mj .
Entretanto,
lim a0j = 1, em qualquer temperatura. (5.17)
mj →0

A eq. 5.17 ressalta a utilidade da eq. 5.16. De fato, aparentemente tal utilidade poderia
ser contestada, já que tanto aj como a0j dependem exatamente das mesmas grandezas.
Porém, em conjunto, as eqs. 5.16 e 5.17 mostram que, para valores mj suficientemente
mj
baixos, aj ≈ m
. Se Wj for um soluto não iônico, valores mj da ordem de 10−3 mol kg −1
mj
serão plenamente suficientes para se considerar aj ≈ m . Se Wj for um soluto iônico,

esta aproximação será totalmente justificada para valores mj da ordem de 10−5 mol kg −1 .

mj
5.7.1 Uso de aj ≈ m para sais pouquı́ssimo solúveis
Por exemplo, suponha uma solução aquosa saturada de Ag2 SO4 , ou seja, suponha uma
solução aquosa deste sal sólido cristalino que, se posta em contato com uma fase sólida de
Ag2 SO4 substância pura, com esta última mantenha equilı́brio quı́mico. Define-se solu-
bilidade de um soluto à sua concentração analı́tica máxima, nas condições dadas. Então,
de acordo com a solubilidade do sal, uma solução saturada pode ser desde extremamente
diluı́da até intensamente concentrada. Para a reação Ag2 SO4 (s) → 2Ag + (aq)+SO42− (aq)

55
tem-se, de acordo com a eq. 5.152 ,
(aeqq 2 eqq
Ag + ) aSO2−
4
Kps = ,
aAg2 SO4
onde o produto de solubilidade Kps é a constante de equilı́brio quı́mico especı́fica
para a reação de dissolução representada em 5.9, sem acúmulo de intermediários e com
coeficiente estequiométrico igual a um para o reagente sólido cristalino iônico.
meqq+ meqq2−
aeqq aeqq
SO
Note que Ag + ≈ Ag
m
e SO42−
≈ m
4
, por causa da baixı́ssima solubilidade do
sal Ag2 SO4 . Além disto, aplica-se a convenção de que

a atividade de uma substância pura, em fase condensada, é sempre igual a 1,


o que resulta em aAg2 SO4 = 1. Perceba, ainda, que a baixı́ssima solubilidade do sal
Ag2 SO4 implica em que
a massa de solução correspondente a 1 kg de solvente real seja muito próximo de 1 kg e
o volume correspondente a 103 kg de solução seja muito semelhante a 1 m3 (a densidade
da água é aproximadamente 1, 00 × 103 kg/m3 = 1, 00 kg/dm 3 ).
meqq+ meqq2−
Ag SO
Portanto, os adimensionais m
e m
4
serão, aproximadamente, os valores numéricos
das concentrações de Ag + e SO42− respectivamente, quando a unidade de concentração for
103 mol /m3 = mol /dm 3 . Por sua vez, usando as eqs. 5.14, as quais se referem a reagente
sólido cristalino iônico (assim como ocorre com o Ag2 SO4 ), tais valores numéricos podem
ser escritos em função da concentração analı́tica de Ag2 SO4 (a qual, no caso, é a sua
solubilidade). Pode-se, assim, a partir da solubilidade de sais pouquı́ssimo solúveis,
calcular o produto de solubilidade destes sais e vice-versa.

5.8 Exercı́cios 8 a 12
Exercı́cio 5.2 Sabendo-se que ∆f G (F eS, s, 298) = −100, 4 kJ mol−1 e ∆f G (H2 S,
g, 298) = −33, 56 kJ mol−1 , calcule K para a reação F e(s)+H2 S(g) −→ F eS(s)+H2 (g),
a 298 K.

Exercı́cio 5.3 Sabido que Kps [Cu3 (P O4 )2 ] = 1, 3 × 10−37 :


1. Calcule a solubilidade do Cu3 (P O4 )2 em mol m−3 .
2. Informe se a reação é reversı́vel ou irreversı́vel.
3. Explique se uma solução contendo 3 × 10−4 mol m−3 de Cu2+ e 2 × 10−4 mol m−3
de (P O4 )3− é exergônica ou endergônica.

Exercı́cio 5.4 Deduza a expressão especı́fica para o simétrico da afinidade da reação


Ag + (aq) + Cl− (aq) −→ AgCl(s) a 298 K, sabendo-se que ela ocorre sem acúmulo de
intermediários e que ∆f G (Ag + , aq, 298) = 77, 11 kJ mol−1 , ∆f G (Cl− , aq, 298) =
−131, 23 kJ mol−1 e ∆f G (AgCl, s, 298) = −109, 79 kJ mol−1 .

56
Exercı́cio 5.5 Demonstre que, para reações em solução:

1. A energia de Gibbs padrão da reação soma é a soma das energias de Gibbs padrão
das reações parcela.

2. O quociente de reação, para a reação soma, é o produto dos quocientes de reação


das reações parcelas.

Exercı́cio 5.6 Sabendo-se que ∆f G (Hg 2+ , aq, 298) = 164, 40 kJ mol−1 , ∆f G (Cl− ,
aq, 298) = −131, 23 kJ mol−1 e ∆f G (HgCl2 , s, 298) = −178, 6 kJ mol−1 , calcule a
solubilidade do HgCl2 (s, 298) em água, em mol m−3 .

57

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