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A guerra terminou.

Eu estou caída no chão, tem um zumbido na minha cabeça.


Ual, que dor de cabeça, está tudo meio embaçado ainda. A vila está
destruída, muita gente está morta nos escombros. Algumas casas
estão pegando fogo, tem pedras por todo o chão. A guerra acabou,
finalmente.
Onde ele está? Ai, minhas pernas doem muito, mas eu
consigo levantar devagar. Lucian… Ele se foi. Ele me deixou.
Passo a mão na minha costela, está sangrando, tem um corte
muito grande, mas já vai passar. Meu sangue vai fazer o trabalho.
Consigo me arrastar até um barril de água que está próximo e me
apoio para levantar. Com muita dificuldade eu levanto do chão, pego
um pouco de água, limpo o ferimento e também bebo um pouco.
Acho que finalmente meu corpo se lembrou do que é capaz e
começou a fazer o serviço. A dor está passando.
Eu olho pra rua e tem algumas pessoas se ajudando, outras
abandonadas, algumas saindo de dentro dos seus abrigos. A guerra
acabou.
Foram muitos dias de luta, os Drowins vieram com tudo. Eu
precisei ajudar, essas pessoas precisavam de mim. A maioria delas
não morreu porque eu estava aqui. Não é todos os dias que se pode
contar com uma mulher meio dragão que tem poderes de fogo e
cura. Pronto, já está começando a fechar o corte na minha costela.
Eu caminho até um bar próximo ainda cambaleando um
pouco, está vazio. As pessoas fugiram quando começaram a cair as
pedras. Mas a bebida ficou. Pego uma garrafa que não sei muito bem
o que é, mas pelo cheio tem álcool e bebo dois goles no gargalo.
Sinto ela queimar minha garganta. Aah. Estou viva. Espero mais
alguns minutos e checo o corte mais uma vez, está quase bom, mas
ainda dói.
Levanto e deixo umas moedas em cima da mesa pela bebida.
É hora de ir e a estrada é longa.
Preciso encontrar o Guile, preciso ver como as coisas
ficaram, se foram muitas perdas. Ele deve estar no forte cuidado dos
enfermos. Decido passar lá pra ver como ficaram as pessoas da vila.
Prossigo desviando das pedras e buracos, entro por um
trecho do bosque e logo chego ao forte. A cena é muito triste, mas é
preciso ter esperança. São muitas pessoas feridas. Guile está aqui.
Ele está cuidando de duas crianças feridas.
Guile é um amigo que fiz a alguns poucos anos, no início do
meu treinamento, ele é meio elfo, estatura média, jovem, cabelos
brancos e bagunçados, e acredito que ele seja gay, porque quando
ficamos bêbados um dia, ele deu em cima do atendente
descaradamente, fora isso ele tem alguns poderes, mas usa mais
para fins medicinais e causas nobres.

- Oi Guile, como estão as coisas por aqui?


- Oh Leceni. - Ele me abraça. - Graças aos céus você está viva.
Como conseguiu sobreviver? Eu tive tanto medo que você não
fosse aguentar, mas eu tive que ajudar as pessoas a se
abrigarem e não pude te ajudar mais.
- Tudo bem Guile, eu sei, você fez o que era certo e ainda bem
que ajudou a socorrer as pessoas. Eu acordei faz pouco tempo,
tinha um corte horrível nas minhas costelas, demorou um pouco
pra curar, mas estou conseguindo. Como eu posso ajudar?
- Se você puder curar algumas pessoas, seria de grande ajuda.
- Guile, não sei se vou conseguir, estou sem treinamento completo
ainda. Tive que vir antes de terminar pra ajudar. Aquilo que eu fiz
na batalha foi… instinto. Eu não estava dominando nada.
- Eu sei que você consegue é só sentir e emanar.

Fiquei alguns segundos pensando. Não custava tentar. Fui


até uma moça que estava com o braço quebrado. Fechei os olhos,
coloquei minhas mãos estendidas sobre o ferimento dela e me
concentrei. Comecei a sentir uma energia vindo para as palmas das
minhas mãos, mas as lembranças da batalha foram voltando. Uma
luz muito forte, um poder muito grande. De repente a energia parou,
eu não consegui. A dor de cabeça voltou. Preciso descansar.
A sensação de derrota e incapacidade tomam conta da minha
mente. Não aguento mais falhar, eu sei que minha magia está aqui
em algum lugar, eu sinto, mas porque é tão difícil me conectar?
Levanto e volto pra onde o Guile está.
- Guile, me desculpe, eu não consigo, eu não sei onde ela está…
- Tudo bem minha querida, você tentou, é isso que importa. Você
nos salvou, precisa descansar. Um poder desse tamanho deve
ter acabado com você. Coma alguma coisa ali na cozinha e vá
dormir.
Fiz como ele mandou, mas eu precisava voltar pro vale, voltar
pro meu treinamento, pra minha vida. Pro Luc… Não.
Comi uma maçã e um pedaço de pão, subi em uma maca e
adormeci.
“Mamãe, olha o que consigo fazer”. Eu estava sonhando com
ela. “Haha, sai foguinho, olha mamãe”, “Isso minha linda, é assim
mesmo, se concentre, respire fundo, o poder vem da respiração”. O
sonho estava ótimo, eu sinto falta dela, mas começou a mudar.
Dessa vez era uma voz masculina forte. “Leceni se você não se
concentrar você não vai chegar a lugar nenhum! Nunca vai conseguir
me superar e eu não suporto gente fraca. Vamos!”. Agora eu estava
na batalha, eu sentia tudo emanando de mim, meu couro brilhava
como rubi, minhas escamas estavam cintilantes. “Você é
maravilhosa, mas ainda é fraca”. A mesma voz. Eu acordei.
Já havia amanhecido, nossa eu dormi muito. Olhei o lugar
onde estava o corte e nem aparecia mais. “Pelo menos meu corpo
sozinho sabe o que fazer”, pensei.
Bom já esta na hora de ir. Arrumei uma bolsa com umas
coisas pra viagem, coloquei minhas adagas em seus devidos
lugares, uma no pulso direito e outra na bota esquerda. Me despedi
do Guile e segui viagem.
Foram alguns dias de caminhada, parando em grutas e
subindo em árvores pra dormir, caçando pequenos animais e frutas
pra comer e bebendo água dos riachos, até que avistei no horizonte.
O vale dos caçadores. Meu lar nos últimos 3 anos. Aqui aprendi tudo
que sei sobre magia, a teoria, porque a prática não tem sido lá
grandes coisas. Moudrost, meu gato guardião me ensinou muita
coisa, mas ele não tem todo o conhecimento e aprofundamento
necessário para completar meu treinamento.
Moud, como eu o chamo carinhosamente, está comigo desde
quando eu nasci, pra um gato ele até que viveu demais, mas ele
também não é qualquer gato. Ele possui uma sabedoria invejável,
além de se transformar em uma pantera gigante quando precisa lutar
para me proteger. Seu pelo é completamente preto e seus olhos
âmbar, parecem duas pedras preciosas amarelas. Ele costuma pegar
muito no meu pé, mas eu sei que é por preocupação. Ele não veio
comigo nessa missão, primeiro porque eu saí sem avisar e segundo
porque ele estava estudando pra descobrir o que tem travado meus
poderes, ele acha que não é só pela minha imensa dificuldade de me
concentrar.
Entrei na fortaleza e fui direto pra biblioteca. Abri a porta e lá
estava ele sentado em frente a um livro enorme.
- Porque você não me avisou? - Disse ele sem tirar os grandes
olhos amarelos do livro.
- Eu não queria que se preocupasse.
- Não me preocupasse? - Ele olhou pra mim, achei que ia me
derreter com aqueles olhos. - Eu existo pra te proteger e te
ensinar Leceni. Se você morrer, o legado de gerações de sua
raça acaba e o tesouro ficará…
- Desprotegido. Eu sei. - Cruzei os braços emburrada.
- Não faça mais isso.
- Ok Sr. Felino.
- Não me chame assim.

Eu dei uma risada e me sentei do lado dele.

- E aí, encontrou algo?


- Ainda não. Mas descobri que seu “problema” de concentração
está ligado a alguma magia de restrição que foi lançada em
você.
- E tem como cancelar ou reverter?
- Estou tentando descobrir.
- Aaah. - Soltei um bocejo.
- Sono? Vá descansar, sua viagem foi longa.
Levantei, dei um beijinho na cabeça dele e fui pro meu quarto.
Ele estava como deixei. Minha cama com as cobertas reviradas, a
mesa ao lado com alguns livros e pergaminhos, uma xícara de chá
bem frio já. Deitei do jeito que estava e dormi.
Levantei cedo no dia seguinte, peguei meu arco e flecha,
precisava treinar. Fui até o campo, era bem amplo, tinha um pequeno
riacho que corria no fundo, atrás dos alvos, a grama bem verde,
algumas flores, era um campo bonito, eu gostava de vir pra cá
pensar de vez em quando.
Respirei fundo, arrumei minha flecha, fechei os olhos, senti o
vento balançar meus longos cabelos ruivos, abri os olhos novamente,
fixei o ponto no centro do alvo. "O segredo é a respiração". Soltei.
Errei por pouco, mas já está ficando melhor.

- Senhorita Leceni.
Me virei rapidamente.
- Ah olá Tulio, está tudo bem?
- Sim senhorita, só gostaria de lhe avisar que temos um novo
visitante.
- Visitante? Quem poderia ser?
- Na verdade, ele foi trazido para passar um tempo conosco e
aprimorar o treinamento dele também.
Fiquei intrigada, um novo caçador? Eu precisava ver isso.

- Ok, obrigada por me avisar Tulio.


- Disponha. - e me deu uma piscadela.

O que será que isso significava? Bom, é o que eu vou


descobrir. Subi no telhado e me esgueirei de fininho até conseguir
ver a área externa principal. Lá estava o "hóspede" novo, cabelos
castanhos, não era muito alto, talvez pouco maior do que eu, branco,
tinha barba, um pouco ruiva, os olhos… não consigo ver, parece
inteligente e não muito sociável. Depois de observar um pouco,
resolvi descer e me apresentar. Tive que dar a volta no forte para
entrar pela frente. Me ajeitei, com uma pose de guerreira altamente
treinada, para passar uma boa impressão e fui. Passei por ele e agi
como se nem o tivesse visto, notei os olhos dele em mim, mas segui
sem nem olhar pro lado.
Fui direto pro meu quarto

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Eu estou sentindo o vento batendo nos meus cabelos. "Onde


eu estou?"
- Leceni!
Eu me viro pra trás e ele está lá sorrindo.

- Está distraída é? Venha, você precisa treinar mocinha. - Ele


abre um vórtex e entra dentro.
- Preste atenção.

E ele já está do outro lado e eu vejo uma bola de fogo roxo


vindo na minha direção e desvio rápido o suficiente para não queimar
meu rosto, mas foi por pouco.

- Se continuar distraída assim não vai aprender rápido o


bastante.

Moud está deitado sobre uma pedra grande tomando sol,


enquanto Lucian me ensina alguns truques para controlar a magia.
Ele é um mago bem poderoso que tem capacidade de dobrar o
espaço formando vórtexs e assim consegue ir onde quiser, além das
chamas roxas vivas que ele também conjura.
Eu o conheci no mercado da minha cidade natal, enquanto
estava sendo atacada por criaturas que eu nunca havia visto até
então e ele me seguiu e conseguiu me salvar antes que o pior
acontecesse, por um acaso ele estava caçando essas criaturas
naquela região. Depois de muito insistir eu consegui que ele me
ajudasse com meu treinamento e aqui estamos.
Eu desvio de outra bola de fogo.

- Eu não estava preparada!


- Se você não se esforçar não vai conseguir.

Nós ficamos ali por umas duas horas aproximadamente e


quando ele cansou de testar meus limites, abriu um vórtex atrás de
mim e me puxou pela cintura e falou bem perto do meu ouvido.

- Apesar de ser desatenta, você está melhorando.

E com um sorriso de canto chegou perto do meu rosto e eu


olhei pra ele completamente indefesa. "Como consegue me deixar
assim?", pensei. E ele me beijou.

- Vamos pra casa?

E eu acordei. Porque eu estou sonhando com aquele filho


da…

- Acho bom você sair da minha cabeça! - falei alto pra mim
mesma.
No dia em que conheci Lucian, eu fui fazer compras pro meu
pai na feira da cidade, Moud foi comigo e até então eu não sabia que
tinha poderes, muito menos que existia um mundo mágico. Eu era
uma garota comum, vivendo numa vila comum, ajudando meu pai
que era professor de línguas estrangeiras. Uma vida normal e
pacata, até que eu tive uma sensação de ser vigiada naquela manhã,
era como se tivessem olhos em mim o tempo todo. Eu ignorei e
continuei comprando alguns artigos pro meu pai. Quando terminei o
que precisava, entrei num numa rua estreita e escutei passos atrás
de mim com alguns grunhidos e ao me virar vi três criaturas
horrendas, magras, de pele esverdeada, orelhas e nariz compridos,
dentes pontudos e roupas esfarrapadas vindo na minha direção.
Nesse momento, Moud entrou na minha frente e começou a
rosnar para eles, como se fosse fazer alguma diferença um gato
mostrar os dentes para esses bichos. Meu coração acelerou e eu
comecei a notar que tudo estava ligeiramente mais lento que o
normal, eu ouvia meu sangue pulsando dentro dos meus ouvidos e
foi então que escutei um rugido. Quando olhei para o Moud, ele
estava se transformando em uma Pantera enorme, o pelo preto
brilhoso, os olhos âmbar reluzentes de raiva e as presas imensas,
arrancariam a mão de alguém como quem morde uma maçã.
Eu me assustei e caí para trás. As criaturas recuaram por um
instante, mas foi só até criarem coragem de encarar o felino. Eles
avançaram correndo, quase a galope na minha direção, Moud pegou
um deles pelo pescoço e arremessou contra a parede, enquanto
outro pulava nas costas dele e o terceiro me olhava com cara de
satisfação.
Quando ele resolveu avançar na minha direção, uma bola de
fogo roxo acertou a cara dele e um segundo depois um homem
apareceu na minha frente. Era ele. Roupa toda preta, uma capa
cobrindo quase seu corpo todo, botas pretas, cabelos compridos e
pretos, um ar meio sombrio e misterioso.
Em um único golpe ele pegou a criatura pelo pescoço e jogou
ele dentro de uma espécie de portal, que depois eu descobri que era
um vórtex. Escutei algo caindo brutalmente dentro do mar, mas não
deu tempo de ver. Moud conseguiu tirar o que estava em cima dele e
cravou os dentes em sua barriga. O que estava desacordado foi
recobrando a consciência e quando viu o que havia acontecido com
os amigos dele, só fugiu.
O homem se virou para mim, Moud havia matado o último
bicho, e me ofereceu a mão para me levantar.

- Você está bem?

Eu estava assustada e ao mesmo tempo deslumbrada, ele


era lindíssimo. Segurei a mão dele e me levantei

- O que aconteceu aqui?


- Prazer, eu sou Lucian. Bom, isso? São caçadores de
recompensa, devem estar atrás de algo que você tem.
- Caçadores de recompensas?

Eu ainda não estava acreditando no que tinha acabado de


acontecer.
- Sim, caçadores de recompensas, mas… - ele deu uma pausa
- me intriga o fato de eles estarem atrás de você. Eles não
atormentam humanos, a menos que…
- A menos que o que?
- Você é maga?
- Sou o que!? Tá maluco, não e essa coisa de magia não
existe.
- Ah não é? Da próxima vez eu deixo eles te matarem então, já
que não existem né?

Eu parei e fiquei pensando sobre o que tinha acontecido.


Realmente foi assustador e inesperado.

- Bom, de qualquer forma, eu preciso ir. Fique bem, garota.

Ele entrou em um vortex e sumiu. Eu olhei pro Moud e ele


ainda era uma pantera.
- O que é isso?
- Bom, eu não queria que você soubesse dessa forma, mas é
melhor que saiba logo. Eu explico tudo em casa, aqui não é
seguro.

Meu gato estava falando. Naquele momento eu tive certeza


de que tudo que eu havia vivido até esse dia não passava de uma
ínfima parte do que o mundo poderia ser.

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- Leceni, sente-se aqui. Eu vou te contar uma história.

Meu pai estava sentado na sua cadeira preferida e me


chamou para sentar ao seu lado. Eu não entendi qual era o
objetivo dele com aquilo, mas me sentei no chão ao lado dele
e encostei minha cabeça em sua perna. Ele começou a
afagar meus cabelos ruivos.

- Esses cabelos… - Ele deu um sorriso triste e


continuou depois de um suspiro - Eu nunca te contei
como conheci sua mãe, né?
- Eu estava em uma vila com meu grupo de guerreiros.
Eu era o subcomandante deles e meu irmão mais
velho era o comandante. Numa das noites que
estávamos descansando, depois de um dia árduo de
busca pelo tesouro dos dragões, estávamos bebendo
uma cerveja na taverna quando eu senti uma brisa
calma passar pela minha nuca, junto com um perfume
encantador. Eu me levantei e fui para fora do bar olhar
a Lua, curioso com aquela brisa. Um pouco mais
adiante eu a vi, uma mulher lindíssima, pele branca
como a lua e os cabelos longos e negros feito carvão,
uma sutileza que até chamava a atenção em meio aos
cidadãos que caminhavam pela rua. Não era muito
tarde, havia acabado de anoitecer, ela conversava
agachada com duas crianças e sorria para elas, usava
um manto verde escuro bem longo com capuz. Eu
fiquei admirado com a beleza daquela mulher e ela me
notou, olhou para mim só levantando os olhos.
- Você foi falar com ela?
- Não, eu fiquei observando, estava encantando demais
para conseguir dizer qualquer coisa. Ela se levantou e
virou na rua ao lado. Eu fui atrás dela, mas ela havia
sumido. Naquela noite quase não dormi pensando
naquela mulher. "Quem será essa bela dama?”, era o
que eu pensava.
Mais uns dias se passaram e da janela do meu
quarto eu senti de novo aquele cheiro e me levantei
num salto, vesti a roupa o mais rápido possível e corri
para a porta. Ela estava do outro lado da rua
acariciando um cavalo que estava amarrado. Eu me
aproximei devagar. Ela sorriu sem olhar para mim e
disse:
- Boa noite guerreiro.
Eu fiquei sem reação, mas a comprimentei.
- O que o traz aqui para o lado de fora?
Ela sabia que eu havia descido só para vê-la e
perguntei:
- Como a doce donzela se chama?
- Verakne, e o senhor, guerreiro?
Eu pigarreei e respondi "Alphonse".
- É uma lisonja conhecê-lo guerreiro, mas tenho
que ir. - E ela saiu andando.
- Posso vê-la amanhã? - Gritei enquanto a via se
distanciar.
- Talvez.
E ela se foi mais uma vez. No dia seguinte lá estava
ela de novo, começamos a conversar todos os dias desde
então, mas cada dia que passava ela ia embora um pouco
mais cedo, até que um dia me convidou a ir até as
montanhas, onde morava, e eu fui.
Estávamos apaixonados, vivendo o amor à flor da
pele. Meu irmão notou que eu andava meio bobo e começou
a me questionar a razão disso. Eu menti, não queria que ele
soubesse que eu estava saindo com uma mulher da vila. Os
dias se tornaram semanas e chegou a hora de ir embora,
chamei ela para vir comigo, mas ela disse que não podia sair
dali, então eu resolvi ficar, mal sabia eu que você já estava
dentro dela. Demerius, meu irmão, ficou furioso quando disse
a ele que eu ficaria e me casaria, ele não queria perder o
irmão e o braço direito dele
.
- O que aconteceu papai?
- Bom, eu fiz como disse ao meu irmão, me casei com
sua mãe e então ela me contou do legado da família
de vocês. Ela era meio dragão, assim como você, eu
não estava acreditando, pedi a ela para me mostrar e
numa noite, bem no meio da floresta, numa clareira,
ela se transformou em um belo dragão negro, suas
escamas brilhavam ligeiramente em um tom de azul
com a luz do luar, os olhos gigantes e verdes. Ela
abaixou a cabeça na minha direção, me olhou e riu.
Perguntei se poderia passar a mão nas suas escamas
e ela deixou. Foi a coisa mais linda que eu já vi na
vida.

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Eu estava deitada nos braços dele, depois de uma noite de


amor, o sol começava a nascer e a grama estava úmida da
relva, eu conseguia escutar o coração dele e a respiração
leve de quem ainda dorme em sono profundo.
- Alphonse, querido. Eu preciso te contar uma coisa.
Ele abriu os olhos devagar, ainda com sono.
- Bom dia minha amada. Está tudo bem?
- Sim, é só que eu estou apaixonada por você e por isso
tem algo que não posso mais te esconder, mas você
precisa me jurar que nunca, jamais irá contar isso a
ninguém e esse segredo deve morrer com você.
- Que jeito interessante de dizer o que sente por mim. -
ele riu- Mas você está me deixando preocupado Ver, o
que houve? É claro que juro.
- Preciso te mostrar.
Eu me levantei e caminhei até o centro da clareira. Meu
coração estava acelerado, mas ele precisava saber. Fechei meus
olhos e deixei a transformação vir, quando abri de volta os olhos dele
estavam num misto de medo, surpresa e fascínio.
- V-voce é um dragão?
- Sim.
- Pelas barbas de Merlin, que linda!

Confesso que fiquei surpresa com a reação dele, não


esperava que fosse aceitar com tanta naturalidade.

- Não está assustado?


- Assustado não, eu diria mais surpreso, mas eu sabia
que você tinha algo, deu pra sentir que não era
humana.

Lentamente fui voltando à forma humana.

- Você nunca poderá contar isso a ninguém, entendeu?

Ele me abraçou e me deu um beijo na testa.

- Nem que eu precise morrer, mas ninguém saberá.

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Meus pais se amavam, eu sentia na voz e nos olhos do meu
pai quando ele falava da mamãe e eu achei que um dia encontraria
meu amor também, mas infelizmente não foi como eu imaginava.
Depois do evento no mercado, eu não vi mais o Lucian por meses e
até cheguei a acreditar que nunca mais o veria, ele me deixou
intrigada, mas eu precisava focar na minha vida. Um dia acordei no
meio da noite com sede e fui meio sonolenta até a cozinha e tive a
impressão de alguém estar no escuro, esfreguei os olhos e olhei
novamente, não tinha nada. Tomei minha água e voltei a dormir. Na
semana seguinte a mesma coisa e na outra também, até que eu
resolvi não levantar da cama e ficar na espreita olhando por uma
fresta na coberta e foi aí que eu vi, um círculo fracamente claro, de
cor roxa aparecendo rapidamente e depois sumindo, questão de
milissegundos. E lá estava ele, em silêncio, me olhando. Eu saltei da
cama com uma adaga que estava na minha mão e apontei pra ele.

- O que está fazendo aqui?


- Ow, calma mocinha, abaixa esse negócio aí, pensei que
estivesse dormindo. Você dorme bem profundamente até.
- Eu estava desconfiando que tinha alguém me observando, a
3 semanas, só não imaginava que era você.
- Pois é, logo depois que nos encontramos no mercado, eu
continuei minha missão, por alguns meses, até conclui-la e aí
voltei pra casa. Que por um acaso fica naquela ilha ali.
ele apontou pra janela e bem ao longe se via a ilha de
(preciso de uma ilha).
- E voltar pra cá me fez lembrar do que aconteceu e
estava pensando em você e sua falta de
conhecimento em magia, pensei que talvez eu
pudesse ajudar, estou meio entediado agora, então…
porque não né?
- Você quer me ajudar? - e devagar eu fui abaixando a
adaga.
- Sim.
- E como exatamente pretende fazer isso Sr…? - Moud
apareceu na conversa.
- Lucian. Bom, eu tenho um conhecimento avançado
em magia, poderia guiá-la no processo e ajudar
também com reflexos em combate, afinal, se vieram
atrás de você, acredito que virão novamente.
- Leceni, venha cá. - Moud me chamou e eu me
aproximei dele.
- Você confia nele? - disse cochichando no meu ouvido.
- Não, mas é a primeira oportunidade real que me
aparece pra eu entender tudo isso.
- Ok Senhor, podemos iniciar o treinamento dela,
entretanto se pisar um centímetro fora da linha, eu
acabo com você.
Eu com certeza tinha o melhor gato do universo.

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Acordei entorpecida, no meio de uma floresta negra. Para todos


os lados que eu olhava só haviam árvores, sem folhas, os troncos
retorcidos, escuros como obsidiana. Eu estava sozinha. Fui deixada
ali, para morrer e eu queria morrer. Mais uma vez meu coração
estava partido. Eu limpei as folhas que estavam no meu corpo, me
levantei meio cambaleando, passei a mão nos cabelos, respirei
fundo. Cada vez eu quase morro, mas isso me torna mais forte e
confio ainda menos nas pessoas. Como alguém pode te prometer
nunca te abandonar e te deixar no meio da escuridão? Qual o
tamanho da crueldade dos seres humanos?

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