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O esquecimento é um lugar doce.

Sem dor. Sem pensamentos modestos do passado.

Sem culpa por minhas ações recentes.

No fundo, há uma parte de mim que sabe quão fodido

estou.

Tria se foi e a possibilidade de que me perdoe, em meu

estado atual, é exatamente zero. Sei que tenho que me

recompor, aceitar minhas responsabilidades e tentar

emendá-las, mas não tenho nem ideia de por onde começar.

Sem trabalho.

Sem apartamento.

Vivo nas ruas com outros drogados.

Se antes tinha pouco a oferecer, agora não tenho nada

para lhe dar. A única saída é me desintoxicar e contar a

verdade sobre meu passado, mas a ideia de reviver as

lembranças é tão dolorosa que nem sequer posso pensar tempo

suficiente para encontrar uma solução.

Cheguei ao fundo do poço e nem sequer sei como sair.


Perder o controle.
Na minha cabeça, não havia nada.
Nem desejo, nem necessidade, nem dor. Eu somente estava...
Feliz.

Por que não estaria? Não havia nenhuma razão para me


sentir triste. De fato, tudo estava bem. O sol brilhava através
da janela e por parte do sofá onde minhas pernas estavam
cobertas, quente e suave. Os raios de sol dançavam ao redor
do meu rosto. Podia senti-lo intensamente, mas não era
irritante e abrasador. Olhava-o fixamente com um grande
sorriso em meu rosto enquanto os raios subiam por minhas
coxas e depois por cima do meu estômago.

Tudo era diferente desta vez. Quando tive uma recaída


antes, existia culpa e abstinência. Não desta vez. Desta vez
não havia inconveniente. Não estava acabado pelas drogas ao
amanhecer. Inclusive trabalhei ontem à noite. Lutei. Venci.
Ganhei dinheiro suficiente para cobrir os meses seguintes de
aluguel e mais heroína. Yolanda sequer se deu conta que
estava drogado.

Eu tinha certeza de que isso aconteceu ontem à noite.


Não importava. Nada importava.
Quando lembranças recentes cintilavam brevemente
pela minha cabeça, eu as afastava facilmente. Inclusive as
imagens do cabelo de Tria, ao redor de seus ombros, e a
forma como ela me cheirava quando eu a apertava fortemente
contra o meu peito, era fácil de ignorar.

Tudo o que fizemos juntos já não importava. As


lembranças dos jantares que ela cozinhava para nós, os
passeios que fizemos até a pequena árvore e a jeito como
passava os dedos pelo meu cabelo eram irrelevantes. Não
importava o quanto era maravilhosa, doce e tão tolerante
comigo.

Não importava que a fodi da forma mais profunda. Não


importava que pus sua vida em perigo, algo que jurei que
nunca faria a outra mulher e que fugi correndo de sua vida
quando me disse que estava grávida. Sua teimosia e falta de
compressão quanto ao perigo em que estava não importava.
Voltar para o apartamento e me dar conta que ela havia me
deixado, não importava.

Nada importava exceto a próxima dose.

Pisquei e o quarto ficou escuro.

Rolei para o lado e caí de quatro no chão. Rindo para


mim mesmo, levantei-me. Ainda havia um pouco de heroína
na mesa da cozinha. Peguei uma agulha nova e preparei
tudo. Teria que sair para conseguir um pouco mais antes que
fosse tarde. A que eu tinha não duraria até ao dia seguinte.

O formigamento em meu braço começou assim que


peguei a agulha. A sensação se estendeu até meu ombro e foi
se encaminhando até ao centro do meu peito antes de
irradiar para fora. Calma encheu minha mente e minhas
extremidades. Levantei meus braços e inclinei minha cabeça
para trás. O teto branco sujo era lindo, como cascas de ovos.
Perguntei-me se cairiam garotas acaso se quebrasse.

Minha própria risada ecoou na sala vazia.

— Vamos Max!

— Já te disse amigo, sem esmola.

— Não é esmola! — Peguei meu cabelo e o estiquei um


pouco. Começava a tremer. — É apenas.... Um pouco de
tempo. É tudo o que preciso. Faça uma exceção. Trabalharei
esta noite e trarei o dinheiro para vocês. Terei o suficiente
para agora e para mais tarde também.

— Não posso fazer nada, amigo.

— Filho de puta! — Saí furioso do edifício em ruínas e


decidi ir a pé até o ―Feet First‖. Não tinha dinheiro para o
ônibus, e mesmo se tivesse, não o gastaria. Eu tinha coisas
mais importantes para comprar.

Mantive minha mente focada no chão. Contava os


passos e tentava ignorar o modo que meu estômago se
retorcia de fome. Se Max ao menos tivesse me dado uma dose
pequena e rápida, eu estaria bem. Agora teria que tentar
trabalhar neste estado.

— Está atrasado! — Yolanda gritou — Nada mais entra


pela porta. É a porra da noite do desafio! Você deveria ter
chegado há uma hora para que pudesse fazer uma avaliação!

Fiz tudo o que pude para ignorá-la. Passei por ela sem
dar uma palavra e fechei o trinco da porta do vestiário atrás
de mim para poder me trocar. Yolanda bateu várias vezes,
gritou umas poucas palavras através da fechadura e se deu
por vencida.

Respirei profundamente enquanto estava sobre a rampa


de cimento, logo abaixo muito barulho. Estiquei meus braços
um pouco e tentei não deixar que o grito da multidão fizesse
eco em minha cabeça. Era tão forte. Quando minha hora
chegou, o ruído foi pior.

Minha cabeça palpitava.

O primeiro rival era jovem e não muito alto. Eu o deixei


no chão rapidamente, apesar de que ele conseguiu dar um
bom golpe no meu queixo antes de derrubá-lo. O segundo
não foi muito melhor, mas se moveu muito ao meu redor.
Tive que ser rápido para manter o ritmo com ele.

Tudo o que conseguia pensar era o quanto de heroína eu


poderia comprar com cada vitória. Precisava conseguir o
suficiente para me abastecer até sexta-feira, mas depois de
derrotar os primeiros dois lutadores, fiquei cansado. Tão
cansado. Minha cabeça pesava e apenas consegui levantar
meus braços no momento que o terceiro lutador entrou.
Observei Yolanda sair da jaula. Aparentemente, fiquei
olhando em sua direção, pois recebi um golpe na cabeça
antes de me dar conta que a luta havia começado.

Cambaleei para trás, sacudi minha cabeça e recuperei o


equilíbrio. Levantei os punhos diante do meu rosto e saltei
ligeiramente na ponta dos pés, esperando o próximo
movimento. Cercamo-nos lentamente, golpeando, mas sem
encontrar nosso ponto de referência. Minha cabeça começou
a dar voltas outra vez.

Precisava pôr um fim. Tinha que conseguir terminar a


luta, assim poderia recolher meus lucros e pegar mais
heroína. O efeito passou muito rápido. Eu precisava me pôr
de pé novamente.

Corri atacando-o com minha direita e logo com minha


esquerda. Tomei uma cotovelada no rosto e senti meu
pescoço estalar para trás.

O que eu sabia era que o cara estava em minhas costas


e logo depois, estava sentado, montado em meu peito. Dei-me
conta da minha cabeça sendo jogada de um lado a outro com
golpes, mas não podia me concentrar o suficiente para tirá-lo
de cima de mim. Golpeei seus flancos, mas foi ineficaz.

Com minha cabeça dando voltas, golpeei minha mão


três vezes no chão.

—Yuu yuuu! — O rival saltou de cima de mim e


começou a correr ao redor da pequena jaula.
Podia ouvir as aclamações, vaias e pessoas gritando,
mas não podia entender as palavras. Virei e me forcei a
levantar antes de cambalear para fora da jaula.

— Jesus, Liam! — De volta ao vestiário, Yolanda se


preocupava com o corte em cima de meu olho e meu lábio
ensanguentado, enquanto eu tentava empurrar suas mãos
para colocar minha calça jeans. — Que demônios aconteceu
com você?

— Esquece! — Gritei. — Tenho que ir.

— Ah, sim? Por quê? Não tem nada te esperando em


casa.

Virei meus ombros e apertei as mãos. Não me lembrava


de contar a Yolanda sobre Tria me deixando, mas
aparentemente o fiz. Tinha medo de abrir a boca agora.
Estiquei cada músculo para me aguentar e não tremer. Se
Yolanda percebesse, imaginaria por quê.

Se ela se desse conta, me pararia. E seria ruim?

Sim, é o mais certo.

Não poderia me arriscar. Se Yolanda soubesse o que eu


fazia, me arrastaria para algum lugar para me desintoxicar.
Pegaria o dinheiro que acabei de ganhar e estaria
absolutamente fodido. Não podia deixar que isso acontecesse.

— Preciso sair. — Disse outra vez. Ao passar, esbarrei


em seu ombro e saí pela porta, ignorando seus gritos atrás de
mim. Não parei no bar para agradecer aos fãs ao meu redor
quando saí.
Levei o dinheiro que ganhei até Max e o troquei por toda
a heroína que pude conseguir. Voltei para meu apartamento e
me tranquei.

Êxtase.

Tudo estava perfeito.

Estiquei-me e toquei o travesseiro. Era terrivelmente


suave e confortante. Acariciei-o e imagens dos seios de Tria
se arrastaram por minha cabeça, me fazendo sorrir. Acariciei
meu pênis enquanto pensava nela, mas não consegui gozar.

Podia escutar uma voz na outra sala, mas não me


preocupei então não me mexi. Através dos olhos pesados,
observei os montes de roupa suja por todo o chão. Encontrei
formas de animais nos adornos, como desenhos de nuvens.

— Os feijões acabaram.

Virei minha cabeça para o lado e levantei o olhar até ao


rosto de Krazy Katie. Sorri e tentei dizer alguma coisa, mas
minha língua não cooperava. Concentrei-me em seus olhos
enquanto me olhava disfarçadamente.

— Trens necessitam de um maquinista. — Disse Krazy


Katie.

— Está tudo bem. — Falei. Minha língua estava


estranha, toda inchada e pesada. Retorci-a em minha boca e
isto fez cócegas em meus dentes. Pisquei algumas vezes antes
de voltar a olhar para minha vizinha. — Tenho o leme. Sou
muito bom. Os trens tinham leme ou eram somente os
navios? – Sorri.

Krazy Katie cobriu os olhos com uma das mãos. Podia


ver seu peito levantar-se e abaixar, enquanto tomava longas
respirações. Comecei a contar lentamente em minha cabeça,
mas rapidamente esqueci os números.

— Deixamos a estação. — Disse tranquilamente. — Sem


o engenheiro, chutando o traseiro. Nada nos monitorando.

Ela deu a volta em um movimento lento e observei o


rastro de fumaça de sua fina camiseta formar redemoinhos
pelo quarto enquanto saía. Escutei a porta fechar e então,
silêncio.

— Sou muito bom. — Sussurrei. Não houve resposta.

Embora meus braços e pernas estivessem muito


relaxados para serem movidos, acabei saindo da cama. Meu
equipamento estava na mesa da cozinha, tudo preparado.
Ainda estava ligado, mas podia sentir a escuridão fechando-
se ao meu redor e não era o que eu queria.

Queria calor e felicidade.

Tubo de plástico, braço apertado e batido, a puta da


agulha.

— Como um maldito profissional.

Apoiei minha cabeça na mesa enquanto o fluido de


sensações se arrastava através do meu corpo. Tria não
importava. Esqueceria com o tempo. De fato, provavelmente
já o fiz. Como não esquecer?

— Sou bom. De verdade sou.

Nunca fui dos que mentem para si mesmo, mas era


sempre o mais fácil.
Buscar ajuda
A garganta estava seca e eu sabia
que provavelmente deveria conseguir uma bebida ou algo
assim, mas me levantar para ir até ao armário pegar o copo e
depois até a pia enchê-lo com água, dispendia muito esforço.
Minhas pernas estavam me matando e meu estômago doía.
Não conseguia mais ficar deitado estava com muito calor,
mas me sentar e levantar não eram possíveis, pois não me
sentia bem.

Sempre esquecia o quanto me sentia mal depois que


passava o efeito de um chute (jargão de usuários - droga que
se injeta).

— Porra! Há uma boa forma de arrumar essa porra —


murmurei — Conseguindo outra dose? Já!

Tudo estava ainda sobre a mesa desde o dia anterior.


Deixei-me cair na cadeira, peguei a seringa e o copo de água
que usei para mesclar a heroína para prepará-la para a
agulha.

Havia utilizado todas as agulhas que comprei do Max.


Provavelmente, deveria ir procurar o cara estranho, religioso,
que sempre estava ao lado do banco de mantimentos,
oferecendo agulhas novas, mas estava muito longe.
Possivelmente, mais tarde.

De qualquer modo, somente eu usei essas agulhas.


Levei meu traseiro até a pia para tentar limpá-la um pouco ao
menos. Inclusive me forcei a beber um pouco de água, apesar
de saber que era asquerosa.

De volta à mesa, dei uma olhada na parafernália e tentei


não me sentir doente pela familiaridade. Era tão, fácil voltar
para isso, muito fácil. Uma rápida parada na casa de Max,
entregar o dinheiro voltar ao apartamento e esquecer o
mundo ao meu redor. O dinheiro era um problema, mas
havia formas de lutar com isso também.

Lembrei-me da garota no sofá com o Max e seu


oferecimento de uma mamada por uma dose rápida. Ele tinha
aceitado a oferta também. Sabia que certamente se movia em
ambas as direções, mas me recusava a pensar ou lembrar-me
de alguma coisa. Passei a língua pelos lábios secos e engoli o
sabor pela minha garganta antes de voltar para minha tarefa.

Com a agulha pronta para usar, envolvi meu braço e


coloquei a ponta sobre a veia.

— Que demônio está fazendo?

Engoli novamente com força. A ponta da agulha


descansava sobre meu braço quando senti uma ligeira picada
enquanto começava a perfurar a pele. Minha respiração saía
curta e ofegante, uma vez que apertava meu punho, forçando
à veia a subir.

— Ela odiaria isto.


Peguei a seringa e a joguei sobre a mesa da cozinha
antes de pôr a cabeça entre minhas mãos. Falava comigo
mesmo e se isso não me fazia parecer um louco, não estava
certo do que o faria. Meu estômago ardia e minhas mãos
começaram a tremer. Queria vomitar, mas sabia que não
seria capaz de fazê-lo.

— Não quero me sentir assim. — Escutei-me sussurrar.


— Não quero sentir nada. — Um estranho som saiu da minha
garganta, mas não sabia o que significava — Faça mais um
chute, a perfeição te espera.

Comecei a alcançar a seringa novamente, mas me detive


por um segundo.

— Sempre acaba.

Sai de perto da mesa e caminhei cambaleando para o


outro cômodo. Joguei quase toda minha roupa no chão e caí
sobre a cama. Envolvi os braços ao redor da minha cabeça e
enterrei o rosto no colchão. Simplesmente, queria me
confundir nele desaparecer entre os lençóis e os travesseiros
para sempre, mas, em troca, virei à cabeça para o outro lado
e olhei pela janela.

Apesar de não me lembrar de dormir, devo ter


conseguido, porque, de repente, estava envolto em seu
aroma. Meus olhos se abriram e meu coração pulsou com
esperança, mas meus braços só rodeavam o travesseiro de
Tria.

Ainda estava sozinho na cama.


Abraçando o travesseiro contra mim, enterrei o nariz no
tecido e inalei profundamente. Minhas pernas doíam e me
ardiam os olhos, mas os fechei com força e tentei deixar a
memória em branco. Sabia como fazer, era bom nisso.
Pratiquei muito expulsando pensamentos desagradáveis da
minha mente durante anos. Se ficasse pior, havia uma
agulha preparada para mim na cozinha.

Virando-me, agarrei seu travesseiro e o joguei para o


outro lado do quarto, onde aterrissou em cima da roupa suja.
Mentalmente me dei uma bofetada por pensar como foi legal
quando fui à lavanderia com ela e me virei para enfrentar a
janela novamente. Eu gostava do vidro transparente e escuro
enquanto olhava para a noite.

Outro longo suspiro me ajudou a lembrar de seu aroma


delicioso, mais ou menos, e fechei os olhos para tentar dormir
de novo. Não deveria ser tão difícil. Fiz isso antes. Era um
perito em me isolar de tudo e de todos ao meu redor. Estar
sozinho não era novidade.

Na realidade, preferia assim, sempre o fiz. Era por isso


que cada vez que fodi uma garota no passado, sempre voltava
para casa logo depois. Sempre era melhor dessa forma,
porque não queria que ficassem muito pegajosas. Isso era o
que deveria ter feito com ela em primeiro lugar. Poderia voltar
a fazê-lo de novo, sem problema.

E Tria poderia voltar para... O quê?

Uma nova sensação de pânico me invadiu e minha


mente já não parecia disposta a bloquear mais nada.
Financeiramente, Tria fora quase que completamente
dependente de mim. Sim, ela trabalhava meio período, mas
não era o suficiente para que conseguisse alugar seu próprio
apartamento. Ainda faltavam algumas semanas para
terminar seu primeiro ano na universidade. Não tinha onde
morar, nenhum emprego fixo e estava grávida.

E sozinha.

Sacudi a cabeça e apertei os dentes.

Porém, não precisava estar sozinha. Era inteligente,


muito bonita e, provavelmente, poderia capturar o coração do
primeiro cara que encontrasse no campus. Havia um monte
deles por lá e com uma história triste como a dela, com seu
namorado imbecil e drogado deixando-a grávida, certamente
atrairia alguém. Hoffman era bastante conhecido por só
escolher os aspirantes mais qualificados para ir à
universidade, por isso dificilmente havia um inútil em todo o
grupo. Teria alguém legal para cuidar dela e do bebê.

Meu bebê.

Engoli a bílis.

Algum outro cara acabaria ficando com ela, criando o


meu filho. Inclusive poderia dá-lo a Nikki e a Brandon, e o
bebê cresceria nessa pequena cidade, tirando lagostas de
suas armadilhas.

— Não!

Sentei-me na cama.
— De jeito nenhum! — Gritei no escuro e vazio cômodo.
— De nenhum modo meu filho crescerá nesse maldito
manicômio! Ninguém criará o meu filho, exceto eu!

Levantei-me da cama, coloquei a calça de moletom e as


botas e saí com toda pressa de casa. Meus pés golpeavam
contra o cimento enquanto corria para a parada de ônibus.
Dei-me conta que às quatro da manhã demoraria ao menos
uma hora antes que outro ônibus passasse para ir à direção
correta e saí correndo novamente. Inclusive correndo muito
mais lento do que normalmente o fazia, e consegui chegar ao
metrô em menos de dez minutos.

O segurança me lançou um olhar, como se me


reconhecesse de outro lugar, mas me deixou entrar, até que
percebi que não tinha dinheiro. Gritei um pouco, mas não
ajudou em nada, então corri de volta à rua e caminhei até ao
outro lado do centro da cidade. Corri pelas últimas quatro
quadras sob a garoa das primeiras horas do dia. O hospital
apareceu diante de mim.

— O doutor Baynor não estará aqui até às nove. —


Informou-me a garota da recepção. Olhou-me de cima a baixo
e me dei conta que nem sequer usava uma camiseta, somente
a calça de moletom com cordão adaptável e minhas botas. –
Os horários de atendimento em seu consultório estão
anexados em...

— Onde é seu consultório? — Perguntei.

— É paciente do doutor Baynor?


— Sim. — Respondi, enquanto inclinava a cabeça e a
girava para um lado. — Quer ver a cicatriz?

Ela ignorou meu comentário, mas me disse onde ficava


seu consultório. Encontrei o caminho para um elevador e logo
me dirigi pelo corredor até uma porta com seu nome nela.
Bati apenas, mas ninguém respondeu. Girei a fechadura e a
encontrei aberta.

O interior do consultório do doutor Baynor se parecia


mais com um estúdio ou uma sala de estar na casa de
alguém do que qualquer outra coisa. Havia uma grande mesa
de escritório em madeira, um par de cadeiras estofadas perto
dela e algumas mesas auxiliares combinando. A cadeira do
escritório era alta, de couro e de aparência presidencial. As
paredes estavam cobertas de livros e meu primeiro
pensamento foi de que Tria adoraria.

— Porra! — Murmurei, enquanto me deixava cair em


uma das cadeiras estofadas e inclinava a cabeça para trás.
Fechei os olhos e tentei ignorar a sensação estranha que
invadia minha pele ou pensar que deveria sair logo dali e
voltar rapidamente para casa e dar um chute, provavelmente
poderia retornar no horário que doutor Baynor chegasse.
Esta porra seria muito mais fácil se fizesse isso primeiro.

Poderia sair também, mas minha cabeça continuava


latejando cada vez que me movia. Sentia náuseas. Lá estava à
voz em minha mente de novo, me lembrando de que se me
mantivesse drogado durante dias, não estaria me obrigando a
me colocar de pé e a voltar por mais.
Ocorreu-me que na realidade não comi nada no café da
manhã antes de ir ao ginásio naquele dia. Nem sequer sabia
há quantos dias estive lá. Três? Quatro? Porra poderia ser a
uma semana.

— Você parece uma porcaria. — A voz do doutor Baynor


soou ao meu lado, me assustando. Quando levantei o olhar,
seus olhos se suavizaram. – Você fodeu tudo, certo?

— Muito. — Respondi.

— Ela foi embora?

Só pude balançar a cabeça.

— Posso perguntar o que fez?

— Ela está.... Bem.... Está grávida. — Movi os pés pelo


chão um pouco. — Não é que não nos cuidássemos, nem
nada, as pílulas estavam defeituosas, acredito.

Pus a cabeça entre minhas mãos e me senti invadido


por um enjoo. Engoli saliva algumas vezes para evitar
vomitar.

— Houve uma retirada do mercado. — Confirmou.

— Não importa como aconteceu. — Respondi. —


Aconteceu.

— Quando ela lhe disse isso? — Interrogou. Inclinou-se


para trás na cadeira de seu escritório e tamborilou os dedos
ritmicamente nos braços.

— Bem.... Faz alguns dias, acho. — Respondi me dando


conta que não tinha nenhuma ideia de que dia foi ou há
quanto tempo ela havia me dito. — Cheguei em casa depois
do treino na segunda-feira quando ligaram da clínica. Ela já
havia feito o teste.

Talvez fosse à última segunda-feira, talvez não. Não


parecia ser um grande problema isso, ao menos. Detive-me e
deixei escapar um longo suspiro.

— Como reagiu? — Perguntou-me, e soltei uma risada


áspera.

— Queria que desse um fim nele. — Admiti.

— Assumirei que sua presença aqui indica que ela não


concordou com isso.

— Disse que teria o bebê. — Respondi.

— E o que você respondeu?

— Nada.

— Nada?

— Fui embora. — Depois de um momento de silêncio,


levantei o olhar para ver sua face apertada e seu olhar sério.
Lambi os lábios secos. — Simplesmente saí.

— O que fez então?

— Eu.... Bem.... Fui preso por assalto, — disse — mas


retiraram as acusações. Acabei com o meu apartamento, mas
não é como se houvesse alguém que se importasse. Comprei
um pouco de heroína, entretanto, só a usei uma vez. Não me
injetei uma segunda agulha.

A mentira saiu tão facilmente.


— Esta é sua forma de me dizer que poderia ser pior? —
Perguntou.

Esfreguei a parte de trás da cabeça enquanto o olhava


um pouco envergonhado.

— Talvez? — Soltei um pigarro, esfreguei os olhos e me


sentei um pouco mais ereto. — Estraguei tudo.

— Sim. — Concordou. — Está limpo agora?

Massageei o lugar na parte interna de meu braço.

— Ontem à noite foi à última vez. — Respondi e minha


garganta e meu peito se fecharam. — Acredito. Só injetei uma
dose na realidade. Quando despertei daria outra, mas ao
invés disso, vim até aqui.

Ficando de pé, rodeou a mesa, pegou meu pulso e virou


meu braço para olhar os hematomas das múltiplas
espetadas. Seus dedos cobriram meu pulso enquanto
observava seu relógio durante alguns segundos. Colocou uma
daquelas luzes em meus olhos e me examinou. Sem dizer
uma palavra, pegou um algodão com álcool e o passou pela
parte interna do meu braço.

— Injetou muito mais de uma dose. — Seus olhos


atravessavam os meus.

— Acredito que foram mais do que algumas vezes. —


Meu estômago sacudiu um pouco. — Não estou certo de
quantas.

— Ainda tem as coisas em seu apartamento? —


Perguntou.
— Sim. — Respondi.

O doutor Baynor levantou o telefone e disse a quem quer


que esteja no outro lado da linha que cancelasse suas
consultas ou as transferisse para outro médico. Tirou as
chaves do bolso de sua jaqueta e apontou para a porta.

— Vamos.

O carro que ele dirigia era um Lexus e o adverti a


respeito de estacioná-lo em minha vizinhança, mas parecia
que não se importava. Havia um par de adolescentes no
estacionamento atrás do apartamento, ele se aproximou e
disse que daria cinquenta dólares para cada um se seu
automóvel estivesse intacto quando retornasse. Os dois
meninos encolheram os ombros, aceitaram e se sentaram na
calçada perto de onde estava estacionado.

Logo que entramos no apartamento, Baynor olhou ao


redor, viu a droga sobre a mesa e imediatamente foi até lá.
Pegou a revista com a heroína virtualmente moída no centro,
levantou-a com cuidado e a levou até a pia. Foi muito rápido
para que eu fizesse algum comentário antes que a lavasse,
umedecendo o papel no processo, o que imaginei, era a ideia.

Pegou a agulha e a examinou.

— Ao menos era nova? — Perguntou.

— Sim. — Respondi. — Estava embrulhada.

— Bem, então não é completamente estúpido — ele


disse — somente muito estúpido.
Pôs a agulha tampada e a seringa em uma bolsa de
papel, enrolou-a e a guardou em seu bolso. Colocou a mão no
outro bolso, retirou sua carteira e deixou um dinheiro em
cima da mesa.

— O que é isso? — Perguntei.

— Estou comprando suas drogas. — Respondeu-me. —


Suponho que o preço na rua é esse, contando tudo o que já
utilizou.

Na verdade, estava bastante preciso.

— Tenho que te internar no hospital? — Perguntou.

— Na realidade, não estou tão ansioso. — Disse. Outra


mentira fácil. — Simplesmente.... Não quero pensar.

Apoiei-me pesadamente contra a parede entre a cozinha


e a sala de estar. Tentei não pensar no quanto eu gostava de
sustentar Tria contra ela, mas as lembranças de nosso
primeiro beijo voltaram em minha mente. A noite do
aniversário do meu primo seguiu depois.

— O que quer agora, Liam? — Interrogou o doutor


Baynor.

— Tria. — Respondi sem vacilar.

— O que você está disposto a fazer por ela? —


Perguntou-me.

— Não posso.... Não posso pensar nesta coisa. — Disse.

– Que coisa? — Quis saber.

— Tudo.
— Ter um filho?

— Porra. — Murmurei. — Definitivamente não posso


pensar nisso.

— Qual é a razão pela qual ela se foi? — Assinalou.

Somente encolhi os ombros. Meu peito estava apertado


e respirar estava difícil.

— Falou com ela depois disso?

— Não sei onde está. — Admiti. — Levou todas as suas


coisas, mas não sei para onde foi.

— Para casa de uma amiga?

— Ela conhece alguns amigos de sua classe. —


Respondi. — Há uma garota chamada Elisa que fez vários
projetos com ela, mas acredito que mora em um dormitório,
no campus. Nem sequer sei seu sobrenome, mas
provavelmente poderia encontrá-la, imagino.

— E então, o quê? — Perguntou-me.

— Bem... — Franzi o cenho quando o olhei. – Dizer-lhe


que eu fodi tudo? — O doutor Baynor se inclinou para frente
e apoiou os braços no respaldo da cadeira da cozinha.

— Sim? E então quê? — Fiquei apenas olhando para ele.


— Foi o que pensei. — Afirmou. Suspirou e se endireitou
novamente. — Liam, deixe eu te fazer uma pergunta: Faça de
conta, por um segundo, que você é Tria. Que acaba de
descobrir que terá um bebê não planejado. O pai enlouquece
completamente, nem sequer explica o porquê, vira as costas e
então te abandona. Diga-me agora, em sua situação se a
perdoaria somente porque admitiu que fodeu tudo?

Fui até o sofá, coloquei o cotovelo no braço, apoiei a


cabeça em minha palma e comecei a morder nervosamente a
ponta do polegar. Sentia-me como se estivesse me afogando
ou meus pulmões não estivessem funcionando bem.

Ultimamente, não tinha muita certeza do que falar.

— Liam — insistiu o doutor Baynor, com a voz mais


suave — deixe eu te perguntar uma coisa mais, ok? —
Esperou até que assentisse antes de continuar. — Você a
ama?

Fechei as mãos em punhos e me inclinei para frente,


apoiando os cotovelos em meus joelhos. Não podia ficar
quieto e sentia seus olhos se arrastando pela minha pele.
Queria responder, mas não sabia o que dizer.

— Eu.... Quero que ela volte — respondi finalmente —


mas sei que não a mereço.

— Por isso a deixou quando disse que estava grávida?

— Essa é uma razão. — Confirmei. — Mas droga! Não


tenho nada a oferecer. Vivemos nos subúrbios em um
apartamento horrível. Brigo em um bar por dinheiro e,
principalmente, sou um imbecil.

— Não, nem sempre viveu assim. — Olhou ao redor da


sala enquanto se aproximava para sentar-se ao meu lado.

— Não falarei dessa porra. — Adverti-lhe. — Não tenho


nada a ver com a minha família.
— Entendo! — Respondeu com um assentimento. —
Essa é a única coisa que concordo com você.

— Concorda comigo?

— Que não a merece. — Respondeu. — Poderia, mas no


momento, não lutará consigo mesmo. Vi o suficiente de Tria
para saber que ela merece alguém que esteja disposto a lutar
contra seus próprios demônios. Deixou uma vida de luxo
para viver em uma das piores áreas da cidade. Começou a
usar drogas pesadas em vez de confrontar o que te
aconteceu. Ao menos sabe por que escolheu essa vida?

Sacudi a cabeça uma vez e o doutor deixou escapar um


suspiro.

— Tudo aqui se resume ao que esconde de todo mundo,


não é? Por isso é que se enfureceu com a sua mãe e porque a
gravidez da Tria te levou ao limite, não é assim?

Percebi que balançava para frente e para trás e minhas


mãos estavam fechadas em punhos novamente. Realmente
precisava bater em alguma coisa, mas o único alvo possível
era o médico sentado ao meu lado. Apesar de saber que
precisava de sua ajuda, estava bastante tentado.

Não respondi. Nem sequer o olhei novamente.

— Precisa dizer a ela, Liam. — Advertiu o doutor


Baynor. — Se quer mesmo arrumar essa situação, arrumar a
si mesmo e ter Tria de volta, precisará ser homem e contar
tudo o que acontece em seu íntimo. Então precisará procurar
ajuda para superar. Será duro também. Será a segunda coisa
mais difícil que fará em sua vida, mas terá que fazê-lo. É a
única forma de provar que conseguirá realizar a coisa mais
difícil de sua vida.

Confuso com suas palavras, olhei-o de volta, tentando


entender o que estava me dizendo realmente. Entretanto, não
conseguia saber pela sua expressão, por isso me vi obrigado a
perguntar.

— A mais difícil?

Inclinou-se no sofá, pôs as mãos atrás de sua cabeça e


me olhou fixamente antes de falar.

— Ser um pai.

Todo meu corpo paralisou. Fiquei em silencio no sofá


enquanto Baynor tirava uma agulha hipodérmica de sua
maleta médica e me dava uma injeção.

— Metadona (analgésico)?

— Não. — Respondeu — Só vitamina B12.

Baynor pegou o telefone celular e foi até a cozinha. Podia


ouvi-lo falar em voz baixa, mas não consegui distinguir as
palavras. Depois de uns minutos, retornou com um copo
grande de água.

— Beba tudo.

Peguei o copo e bebi um pouco. Ele ficou me olhando até


que terminei tudo.

— Estou tentado a levá-lo ao hospital para administrar


alguns remédios por via intravenosa. Preciso que seja um
pouco mais preciso de quanto tempo usou esta porcaria.
— Que dia é hoje?

— Domingo. — Informou-me o doutor Baynor. – Liguei


para o ginásio e me disseram que a última vez que esteve lá
foi na segunda-feira, faz seis dias. Quanto tempo esteve
drogado, realmente?

— Passei a noite de segunda-feira na cela da cadeia. —


Lembrei. — Comprei a heroína na terça-feira à noite.

— Verifiquei os boletins policiais. — Assegurou Baynor.


— Isso aconteceu há três semanas. Está drogado há mais de
quatro dias. Foi ao hospital por volta das cinco desta manhã.
Comprou muito mais que uma pedra de heroína, então não
minta.

Baynor e eu procuramos por todo meu apartamento e


descobri que todo o dinheiro que pensei que possuía, já não
estava lá. Deveria ter perto de cento e cinquenta que separei
para o aluguel, inclusive com as pedras que me lembrei de ter
comprado. Quando Baynor procurava, encontrou mais
agulhas no cesto de lixo do banheiro.

— Por que não me lembro de nada disso? — Perguntei.

— Do que você se lembra?

— Depois de descobrir que ela foi embora, destruí a casa


toda e fui até ao traficante de drogas. Fora isso, somente a
lembrança de estar drogado.

— Isso acontece. — Afirmou Baynor com um


assentimento.

— O quê?
— Perder a noção do tempo, perder a noção de si
mesmo. — Respondeu. — Entre suas reações pós-
traumáticas e as drogas, estava muito centrado em si mesmo
para saber o que acontecia a seu redor. Presumo que isso
também acontecia, quando costumava se drogar
habitualmente.

— Sim. — Respondi enquanto me lembrava. —


Simplesmente não precisava estar em nenhum lugar, então
não, nada me importava.

Conversamos durante quase toda a manhã. Logo depois


me levou ao restaurante e me fez comer um sanduiche e uma
salada de batatas. Meu estômago não estava contente com
isso, mas ao menos não vomitei. Depois de uma rápida
viagem ao supermercado para assegurar-se de que tivesse o
suficiente para comer durante os próximos dias, levou-me
para casa e me disse que fosse ao seu consultório na terça-
feira, ou antes, caso fosse necessário.

Antes de sair, Baynor me deu um cartão com o nome e o


número de telefone de um conselheiro que aparentemente me
daria algumas sessões grátis. Meu primeiro desejo foi atirar o
cartão no lixo enquanto ainda estava em meu apartamento,
mas ao contrário, guardei-o no bolso.

Minha única prioridade era encontrar Tria. Agora que


minha mente estava mais clara, procurei o número de
telefone de Elisa e liguei. Ela viu Tria na classe, mas não
tinha ideia de que já não estávamos vivendo juntos. Parecia
estar tão preocupada que não acreditei que estivesse
mentindo para escondê-la ou outra coisa. Pensei que talvez
pudesse ir ao campus amanhã para tentar encontrá-la.

Enquanto deixava o telefone, as palavras do doutor


Baynor flutuavam dentro e fora da minha mente. Não queria
pensar em nada do que ele disse, mas também havia uma
parte de mim que acreditava que ele talvez tivesse razão em
algumas coisas. O único pensamento que continuava dando
voltas em minha mente era a palavra ―se‖. Se a queria de
volta. Arrumar a bagunça. Por alguma razão, ele tinha mais
esperança que eu.

Queria mais heroína.

Entretanto, queria mais ela.

Recuperá-la significava tê-la de volta e grávida. Corri


para o banheiro e vomitei tudo o que tinha comido.

Brinquei com o cartão no fundo do meu bolso enquanto


pensava na fé que o doutor Baynor depositava em mim. Fez
com que eu me perguntasse se havia uma pequena
possibilidade de que pudesse fazer alguma coisa para
arrumar toda essa bagunça novamente. Sabia que havia
muito mais no que pensar, mais do que era capaz no
momento, mas primeiro precisava falar com Tria e dizer a ela
o quanto eu fui imbecil e precisava fazê-lo antes de começar a
cumprir com todo o resto.

Entretanto, seria muito mais fácil se pudesse me drogar


mais uma vez. Baynor decidiu confiscar todo meu dinheiro,
mas disse que poderia me dar algum caso precisasse, só teria
que avisá-lo. Eu apenas concordei. Concordaria com tudo que
pudesse trazê-la de volta.

Não consegui encontrá-la em Hoffman, não tinha ideia


de onde continuar procurando. Peguei um pacote de cigarros,
cruzei a sala e saí pela janela. Krazy Katie estava lá fora, é
obvio, mas não disse nada. Apoiei-me contra a parede, acendi
um cigarro e a olhei, finalmente. Ela estava me observando
fixamente e eu só podia imaginar que esse era sua versão de
um olhar assassino.

— Qual é o seu problema? — Perguntei, mas ela não


respondeu. Apenas continuou me olhando. Dava-me
calafrios.

Fumei a metade do cigarro com ela me fulminando antes


de me virar para ela novamente.

— Poderia me deixar sossegado? Que raios fiz?

Com isso, Krazy Katie afastou o olhar, colocou as mãos


debaixo de suas pernas para ficar em pé e logo se virou em
minha direção. Caminhou alguns passos até que parou na
minha frente, levantou a mão e me deu uma bofetada no
rosto.

Simplesmente fiquei ali, surpreso.

Krazy Katie se virou lentamente, sentou-se novamente e


virou para mim, com um olhar que lançava uma mensagem
muito clara. Ela sabia. Sabia que Tria me deixou. Demônios,
provavelmente até sabia o motivo. Sentei-me ao seu lado no
chão da escada de incêndios e acendi outro cigarro.
— Não sei o que fazer. — Disse, me perguntando o
quanto estava fora de mim para confiar em uma pessoa
louca.

— Neste momento, ela pode ter tudo o que quiser


inclusive o bebê. Faria qualquer coisa agora mesmo só para
tê-la de volta, mas não tenho ideia de onde está.

— Precisa de treinamento. — Respondeu Krazy Katie.

Olhei-a com o cenho franzido.

— Presume-se que isso faça algum sentido?

Nada.

Tentei tirar algo mais, tanto com palavras duras e


suaves, mas não me disse nada. Aparentemente, me dar uma
bofetada no rosto, me fulminar com o olhar e pronunciar
duas palavras eram as únicas ações das quais era capaz esta
noite. Finalmente me rendi e voltei a entrar. Todo meu corpo
estava dolorido e cansado, assim acabei me atirando na cama
tentando não pensar de que jeito conseguiria mais droga.

Apoiei-me no travesseiro e imediatamente virei à cabeça


para inalar o aroma de Tria das mantas que sempre me
roubava durante a noite. Só fez com que meu peito doesse,
sentei-me e me inclinei sobre meus joelhos.

Precisa de treinamento.

No que precisaria de treinamento?

Demônios, em que não precisaria de treinamento?

Ou talvez não se tratasse de mim. Talvez, estivesse


dizendo que Tria precisava de um pouco de treinamento, mas
do quê? De como ser mãe? Em como lutar comigo? Não
estava certo de onde poderia conseguir esse treinamento,
exceto de.... Um treinador.

Meu treinador.

Nunca gostei de quebra-cabeças, mas as peças


finalmente caiam em seu lugar.
Revelar o passado.
Um momento depois estava fora da
cama, peguei minha jaqueta e corri para a porta para pegar o
ônibus para o bairro de Yolanda. Ela vivia no lado oeste da
cidade, onde era um pouco mais agradável. Não consegui
pegar o ônibus, pois Baynor estava com todo meu dinheiro,
assim fiz o percurso a pé. Uma hora mais tarde estava
batendo na porta da Yolanda e quando a abriu, minha
treinadora olhou fixamente para meu rosto.

O contato visual com Yolanda durou nove segundos.

No décimo segundo, ela me bateu forte o suficiente para


me empurrar para trás. Quando menos percebi, eu estava no
chão e ela estava sentada sobre meu estômago, me dando
uma surra. Bateu em meu estômago, mas primeiro nos rins e
logo se moveu para meu peito e cabeça.

Cobri meu rosto, mas deixei que me fizesse o pior que


podia.

Realmente era uma pequena libertação. Fechei meus


olhos e só senti os golpes até que ela se deu conta do que
exatamente estava fazendo e se deteve. Olhei para ela só para
que me golpeasse mais algumas vezes, antes de ficar de pé.
— Posso vê-la? — Perguntei enquanto me arrastava de
novo até ficar de pé.

— Saia daqui. — Grunhiu Yolanda. — É uma causa


perdida.

— Preciso falar com ela.

— O quê, para lhe dizer que mate o bebê porque não


pode ser um homem? Você é um fodido!

Golpeou meu estômago de novo. Encolhi-me e esfreguei


o lugar antes de subir minha mão esquerda e pô-la sobre
minha cabeça.

Engano.

Os olhos da Yolanda se arregalaram enquanto agarrava


meu braço e o retorcia. Seu olhar percorreu a parte interna
de meu braço.

— Está drogado. — Grunhiu enquanto virtualmente


lançava minha própria mão de volta para mim.

— Maldição, eu sabia! Dei-me conta em sua última


briga!

— Não agora. — Eu disse. — Eu.... Estava um pouco


louco. Estou bem agora, sério.

— Causa perdida. — Repetiu. — Terminei contigo, Liam


Teague. Terminamos. Já não te treinarei ou o ajudarei com
seus problemas. Porra, Liam! Achei que você tinha algum
potencial! Mas você não pode tirar sua cabeça dos problemas
tempo suficiente para fazer alguma coisa de útil no seu
tempo!
— Por favor, Yolanda. — Eu disse. — Sei que ela está
aqui. Só quero falar com ela.

— Não.

— Tria! — Gritei por cima do ombro de Yolanda, e ela


me empurrou de volta para o corredor.

— Dê o fora daqui porra. — Disse enquanto se movia


mais à frente para bloquear a porta.

— Não até que a veja. — Insisti.

— Meu edifício tem segurança. — Disse Yolanda. —


Farei com que o tirem daqui.

— Acredita que pode me vencer? — Perguntei, cruzando


meus braços. — Espero que haja mais de um.

— Desapareça!

— Quero falar com ela!

— Não quero falar com você.

Instintivamente, voltei minha cabeça para sua voz. Tria


estava de pé, na entrada do quarto de hóspedes de Yolanda,
envolta em um robe púrpura que estava amarrado ao redor
de sua cintura. Estava escuro no corredor e não consegui ver
bem o seu rosto, mas meu coração começou a pulsar mais
rápido perante o som de sua voz.

— Por favor — implorei — só me dê uma oportunidade.

— Por que eu deveria dar mais uma oportunidade?


— Sinto muito. — Eu disse. Sentindo-me assustado
comecei a falar. — Sinto muito sair daquele modo, só me dê
uma oportunidade para explicar.

— Explicar? — Repetiu com uma risada amarga. —


Explicar o quê?

— O que dirá Teague? — Perguntou Yolanda com uma


careta. Ela estendeu as mãos e golpeou meu peito. —
Finalmente dirá a ela o porquê é tão idiota? Porque não
deixarei você entrar aqui a menos que esteja preparado para
lhe dizer tudo.

Olhei para minha treinadora e quase desejei que


apenas me batesse novamente. Esse tipo de golpe eu poderia
aguentar. O que ela queria que eu fizesse, esse era um golpe
baixo.

— Contou a ela? — Soube a resposta antes que Yolanda


sacudisse sua cabeça. Quase desejei que houvesse dito tudo
a Tria, tornaria as coisas muito mais fáceis. Em minha
cabeça, escutei o doutor Baynor me perguntando se me
levaria de volta. Olhei para Tria.

— Contarei tudo.

Tria cruzou os braços sobre o peito enquanto se apoiava


contra a parede e me olhava fixamente.

— Tudo? — Perguntou ela.

— Eu juro que contarei tudo.

— Responderá qualquer pergunta que tenha com uma


resposta completa, sem me ocultar nada?
— Sim. — Disse-lhe.

Tria soprou por seu nariz. Yolanda voltou a olhá-la e


levantou uma sobrancelha.

— Ficaria feliz apenas por te bater até você ficar


inconsciente. — Disse ela.

— Tudo bem, Yolanda. — Respondeu Tria com um


suspiro. — Darei alguns minutos para que ele tente se
explicar.

Yolanda nos olhou enquanto Tria voltava para o quarto


de hóspedes. Quando entrei no apartamento, Yolanda me
pegou pelo braço e cravou seus dedos em minha pele.

— Não te darei outra oportunidade. — Disse Yolanda


definitivamente. — Não acredito que ela deva te dar outra
também. Você e eu acabamos. Está claro?

Assenti e engoli o nó em minha garganta. Sabia que


havia muito mais implicações em suas palavras do que
simplesmente encontrar outro treinador, mas eu teria que
pensar nisso mais tarde. Nada mais importaria se Tria não
me escutasse.

Caminhei pela sala de estar do apartamento de Yolanda


e pelo curto corredor para o quarto de hóspedes. Lembrava-
me bem do quarto que eu vivi durante algumas semanas
quando estava me desintoxicando. Os móveis e os enfeites
brilhavam e ainda eram os mesmos, mas as paredes estavam
pintadas de azul a verde.
Com as mãos apoiada sobre suas coxas, Tria se sentou
em uma desgastada poltrona perto da janela. Retorcia seus
dedos ao redor dos pequenos laços que seguravam sua roupa.
Agora que podia vê-la melhor pela luminosidade da janela,
parecia diferente, mas não entendi essa mudança, já que a vi
apenas algumas semanas. Seu rosto estava pálido, seus
traços estavam pesados, e eu tinha certeza de que esteve
chorando recentemente.

Dando um passo para frente, coloquei-me por completo


no quarto. Tria, obviamente sabia que estava ali, mas não
levantou o olhar para mim. Manteve seus olhos fixos em suas
mãos sobre seu colo e se sentou imóvel como uma estátua.

— Tria... — Minha voz não foi mais que um quente


sussurro.

— Não tenho nada para falar com você. — Informou-me.


— Ou me conta o que aconteceu para fazê-lo agir dessa forma
ou vá embora.

Encolhi-me pelo seu tom e pelas palavras. Esteve


zangada comigo antes e eu já sabia como seria. A forma em
que falava agora era completamente diferente e me sentia
como ser chutado na cara repetidamente.

— Direi. — Disse em voz baixa. — Embora vá demorar


mais de cinco minutos. — Olhou-me, semicerrou os olhos e
ficou me olhando fixamente.

— Quer saber Liam? — Respondeu finalmente. —


Esqueça. Eu não ligo, apenas vá embora. Tenho outras coisas
no que pensar agora e não tenho tempo para uma criança
grande que não pode encarar a si mesmo. Terei uma criança
de verdade muito em breve, que precisará muito de mim.

Eu preciso de você.

— Definitivamente, você vai.... Tê-la? — Perguntei. Ela


semicerrou os olhos ainda mais.

— Sim.

Meu corpo congelou, deixei cair meu olhar para o chão e


fechei fortemente meus olhos por um momento.

— Não quero que te aconteça nada. — Disse-lhe.

— Já não é mais problema seu.

— Por favor. — Pedi enquanto olhava para ela. —


Estou.... Estou assustado, Tria. Estou apavorado com essa
situação.

— Está com medo de que o bebê atrapalhe seu estilo de


vida? — Grunhiu.

Apenas sacudi minha cabeça, incapaz de dizer nada que


tivesse algum significado ou valor. Notei o sabor da bílis no
fundo da minha garganta, mas não podia me deixar cair
agora, tinha que chegar a ela primeiro. Era jovem e ingênua,
exatamente como eu estava um dia. Não imaginava o que
poderia acontecer.

— Posso te dizer agora? – Perguntei. — Eu só… eu devo


lhe dizer primeiro.

— Deveria ter me dito há meses! — Gritou, e sua mão se


esticou para limpar suas lágrimas.
— Eu sei. Deveria ter dito desde o começo, mas na
realidade nunca falei a ninguém, exceto a Yolanda e ela,
literalmente, arrancou isso de mim.

— Eu sei como ela se sentiu. — Murmurou Tria. Apertou


seus dedos ao redor da sua roupa.

— Pode me bater se quiser. — Disse.

Inclinou sua cabeça o suficiente para me olhar e franzir


o cenho.

— Não, realmente não, Liam. — Disse. — Apenas quero


seguir em frente.

Meu estômago apertou como se estivesse recebendo


golpes de todos os lados. Tenho certeza de que não era o que
ela queria, absolutamente, não era seu estilo, qual seria seu
ponto? Era mais uma coisa em que era muito melhor do que
eu.

— Vai me ouvir? — Perguntei.

— Fale. — Respondeu com um ligeiro movimento de sua


mão. — Já que estamos aqui, posso ao menos escutá-lo.

— Eu... — Fiz uma pausa, sem saber como começaria a


falar, agora que o momento havia chegado. Limpei minha
garganta e tentei novamente. — Você vai...

Vacilei. Tria simplesmente cruzou os braços e me olhou.

Preciso fazer isso, disse-me. Se não o fizer, não haverá


possibilidade de volta, nenhuma.

Movendo-me de um lado a outro sobre meus pés, tentei


resolver onde poderia ser o melhor ponto de partida. Na
realidade, não havia nenhum, então resolvi que o melhor
seria começar pelo princípio.

— Quando estava no colégio... — comecei, e parei quase


que imediatamente, me perguntando o quanto estava
parecendo estúpido.

— Continue. — disse Tria. — Não deixarei que isto dure


para sempre. Pare de adiar e fale.

— Não estou adiando!

Ela me olhou feio e me obriguei a lembrar de que sua


irritação definitivamente era justa.

— Não é fácil. — Disse-lhe. — Além das pessoas que


estavam envolvidas, Yolanda é a única que sabe um pouco
sobre tudo isso.

— Não posso suportar mais suas desculpas. — Disse


enquanto sacudia a cabeça de um lado a outro. — Tudo
mudou agora, tenho que crescer e deixar de brincadeira.
Agora alguém conta comigo e parece que sou a única neste
quarto que se dá conta disso.

— Eu sei.... Dou-me conta...

— Bobagem! Tudo o que você quer é acabar com ele,


filho de puta.

Sua voz falhou e ela virou sua cabeça para longe de


mim, enquanto secava mais lágrimas que escorriam pelo seu
rosto.

— Eu.... Sinto muito, Tria... Não era minha intenção...


eu somente...
— Sim, está com medo. Entendo. A paternidade é uma
porcaria.

— Não! — Gritei em resposta. Apertei minhas mãos em


punhos e senti como se um enorme buraco em meu peito o
esmigalhasse. — Não é isso, absolutamente! Só tem que me
deixar.... Deixe-me te contar tudo.

Ela virou seus olhos novamente para mim, severos,


brilhantes e cheios de animosidade, como eu nunca havia
visto neles.

— Conte logo, então!

Meus joelhos estavam fracos, por isso me deixei cair no


chão no meio do quarto. Ajoelhei-me e esfreguei minhas mãos
suadas sobre as pernas de meu jeans. Com uma respiração
gigantesca, comecei a falar.

— Foi.... No meu primeiro ano. — Falei. — No segundo


semestre, uma garota nova entrou. Eu estudava em uma
dessas escolas especiais, uma... Escola magneto como é que
a chamavam. Uma escola que acreditavam que era para
crianças mais brilhantes. Mas, na realidade, era para os
ricos. De vez em quando, precisavam escolher alguém para
uma bolsa de estudo, sabe? Um... Bom... Aimee ganhou a
bolsa.

Tria se jogou um pouco para trás na cadeira, mas não


disse nada, assim continuei.

— Ela era realmente inteligente. — Falei, recordando. —


Merecia estar ali mais do que as outras garotas, tenho
certeza. Foi escolhida entre tantos outros do grupo por ser da
parte da cidade em que o resto de nós seria capturado e
morto. Ela e sua mãe viviam em um parque de trailers, no
lado sudoeste da cidade. É um pouco melhor do que a área
em que nós.... Que eu vivo, mas não muito. Seu pai nunca
esteve presente, eram apenas ela e sua mãe. As pessoas
diziam um monte de coisa, mas ela permanecia calma.
Começamos a sair depois de um mês, mais ou menos, depois
que começou a frequentar minha escola. Fomos juntos ao
baile de formatura, a todas as festas de final de semana,
estudávamos juntos e tudo o mais. Ela era... Era tão diferente
de todas as outras garotas. Era real. Era genuína. Nunca
senti como se tivesse que lembrar quem era meu pai, assim
teria que lembrar para seus pais que estaria segura ao sair
comigo. Era como você.

Olhei para Tria, mas sua expressão era ilegível. Já não


era um olhar de morte, me senti um pouco melhor. Lambi
meus lábios um par de vezes, eu respirei fundo e continuei.

— É obvio que meus pais não estavam muito contentes


com essa história. Havia uma garota que havia me envolvido
no ano anterior, era filha de um dos advogados de papai.
Terminamos, e eles não aceitaram muito bem, mas quando
levei Aimee em minha casa e se deram conta de sua origem....
Bem, não ficaram satisfeitos. Superaram, mas eu sabia que
haveria resistência. Provavelmente, só esperavam que fosse
uma fase, que passaria. Bem, não foi. Nós.... Começamos a
ficar sérios. Ela foi à primeira.... Sabe?

Como um idiota, olhei para Tria novamente enquanto


ela elevava uma sobrancelha.
— Um.... Sim — gaguejei. — Sinto muito.

Passei a mão pelo meu cabelo e continuei.

— Fomos infantis.... Estúpidos — disse. — Usava


preservativo a maioria das vezes, mas... Bom.... Não sempre.
Ela ficou grávida durante o verão, antes do nosso último ano.

Os olhos da Tria se arregalaram e ela levantou a mão até


cobrir sua boca.

— Você já tem um filho! — Sussurrou.

Alfinetes e agulhas corriam pelas minhas pernas


enquanto meu corpo se esticava. A princípio, não consegui
responder e vi uma lágrima chegar à quina do olho dela e
derramar sobre sua bochecha.

— Não. — Disse. — Hum.... Dê-me um segundo.

Esfreguei os olhos e então segui meus dedos com o olhar


enquanto deixava cair minhas mãos para descansar sobre as
pernas. Apertei meus joelhos um pouco.

— Assustei-me quando ela me contou. — Admiti. — Mas


minha reação foi provavelmente bastante normal dada às
circunstâncias. Éramos jovens e estávamos assustados. Eu
sabia que meus pais ficariam zangados e que a conversa seria
ruim, mas eu sabia que meu dinheiro seria o suficiente para
cuidar dela, mesmo que ambos ainda estivéssemos na
universidade. Resolvi que mudaríamos para casa dos meus
pais e contrataria uma babá para que pudéssemos terminar o
colégio e então iriamos para Hoffman, assim estaríamos perto
de casa e do bebê. Eu não havia planejado ir para essa
faculdade, papai havia assegurado meu lugar na Escola de
Negócios, em Harvard, mesmo assim iria funcionar. Quer
dizer, eu já estava encaminhado, havia um trabalho e uma
carreira à minha espera. Uma vez que resolvemos as coisas,
nos sentimos muito melhor. Aimee cresceu sem nada e nem
sequer passou pela sua cabeça que com o dinheiro que eu
tinha, poderia nos manter e ao bebê por completo enquanto
construíamos as nossas vidas juntas. Ela conhecia apenas a
história de sua prima, que ficou grávida e se casou jovem. O
pai do bebê acabou por ser um verdadeiro idiota e finalmente
a deixou sem nada, sem dinheiro, sem educação. Imagino
que saber que ainda poderia terminar o colégio e entrar em
uma universidade foi o que realmente a ajudou. —Respirei de
forma longa e lenta. Deixei o ar sair com calma. — Decidimos
contar primeiro aos meus pais. — Falei. — Sabia que não
ficariam felizes, mas a reação deles, sobretudo a do meu pai,
foi muito mais cruel do que pensei que seria. Ficou louco,
quero dizer muito, mas muito louco. Chamou Aimee de todos
e cada um dos palavrões que conhecia e declarou que não era
mais do que uma puta barata que havia engravidado de
propósito.

Tive que parar por um segundo, pressionando meus


punhos fortemente contra minhas coxas enquanto tentava
falar dessa porra.

— E sua mãe? — Perguntou Tria em voz baixa.

— Ela só chorava. — Falou — Não fez nada mais do que


chorar. Quando tentei conseguir o seu apoio, simplesmente
deu a volta e saiu.
Esfreguei minhas têmporas por um segundo, tentando
afugentar o som do meu batimento cardíaco em minha
cabeça. Apesar de não ter nenhuma intenção de recair, meu
corpo definitivamente estava me avisando que queria mais
lixo.

— Papai disse que não teríamos nada. — Continuei. —


Nem dinheiro, nem apoio. Disse que apenas pagaria pelo
aborto, mas já falávamos sobre isso durante tanto tempo que
ela já estava pensando nele como seu filho, nosso bebê. Ela
não queria o aborto.

Os olhos da Tria se suavizaram um pouco pela garota de


meu passado que nunca conheceria. Acho que nunca prestei
atenção antes ou apenas nunca havia notado o quanto Tria
fazia isso, sentir empatia pela garota em meu passado, mas
agora me esquentava saber o quanto ela era boa. Perguntei-
me se haveria alguma coisa que pudesse dizer sobre Keith
que me fizesse simpatizar com ele e decidi que não.

Era uma das centenas de maneiras porque era uma


mulher incrível, extraordinária.

— Aimee passou de aceitar o que acontecia a entrar em


pânico por toda a situação. Depois da terrível reação dos
meus pais, ela não conseguiu dizer a sua mãe, de jeito algum.
Pelos dois meses seguintes, ocultou a gravidez enquanto eu
tentava convencer meus pais que reconsiderassem. Ambos
pensávamos que se meus pais nos ajudassem sua mãe não
se assustaria tanto com a notícia.

Outra respiração profunda.


— Meu pai não cedeu. — Falei. — Mamãe não iria
contra ele e simplesmente continuou dizendo o quanto estava
decepcionada porque não fomos cuidadosos. Finalmente fui
falar com meu pai e disse que teríamos o bebê e que ele teria
que viver com isso. Tivemos uma grande briga e enquanto
saía, ele me disse que não voltasse, e eu não voltei.

Minhas mãos começavam a tremer e eu sabia que se


estivesse em qualquer outro lugar, estaria me dirigindo
diretamente à agulha mais próxima neste momento.

— Aimee estava com quase seis meses de gravidez. —


Disse a Tria. — Eu dormia em meu carro, perto do
estacionamento da escola e passava o tempo todo indo e
vindo com Aimee até a escola. Tentei fazer com que ela se
abrisse e que dissesse a sua mamãe sobre o bebê, mas ela
não o fez. Estava com muito medo de que a expulsasse
também e não tivesse nenhum lugar para viver antes do
nascimento do bebê. Comprei um monte de roupas folgadas
para ela, e inclusive me fez usar roupas folgadas também,
assim poderia dizer que apenas era a última moda. Sua mãe
não era realmente tão observadora de qualquer jeito. Acredito
que simplesmente apreciava que comprasse algumas coisas
para a sua filha.

— Onde está ela agora?

— Estou.... Estou quase chegando lá. — Respondi em


voz baixa.
Com o coração começando a pulsar fortemente em meu
peito, trabalhei para manter minha respiração o mais normal
possível à medida que continuava.

— Era sábado, mais ou menos uma semana antes de


Natal. — Falei. — Eu ainda tinha cerca de setecentos dólares
em dinheiro e fiz algumas compras. Comprei um monte de
coisas para o bebê e esconderíamos na casa de Aimee. Ao
entrar pela porta, tive a estranha sensação, como se alguma
coisa estivesse errada. Não sei o motivo ou talvez fosse
apenas coisa da minha cabeça, mas isso é o que lembro. Sua
mãe estava na sala principal e nem sequer me olhou quando
entrei. Deu-me apenas uma pequena saudação.

— A porta do banheiro estava fechada, e imaginei que


Aimee estivesse lá dentro, então fui ao seu quarto e fiquei lá
esperando. Não passou muito tempo antes que a horrível
sensação de que algo não estava bem surgisse novamente,
assim fui ao banheiro para ver como ela estava.

Minha respiração parou em minha garganta e afogou


minhas palavras. Percebi que estava me balançando, para
frente e para trás, no chão, na frente de Tria, que já não me
olhava fixamente, apenas olhava com um pouco de
curiosidade.

— Está se sentindo bem? — Perguntou. – Você está um


pouco pálido.

— Só preciso.... Continuar — falei. Minha respiração


saía muito rápida, e começava a me sentir um pouco enjoado.
Tria me deu um leve assentimento e se sentou novamente.
— Chamei-a, mas ela não respondeu. Bati na porta e
logo golpeei meu punho contra ela, mas continuou não
respondendo. Sua mãe gritava para que me calasse, mas só
soube nesse momento que.... Alguma coisa estava errada.
Realmente muito errada. Então abri a porta com um
empurrão.

Engoli em seco quando tentei puxar o ar para falar.


Minhas palavras saíram pausadas e cortadas.

— A porta literalmente voou de suas dobradiças


quando.... Quando dei um chute. A mãe de Aimee começou a
gritar, mas não sei o que ela disse, porque quando olhei
dentro do banheiro...

Minha voz não saiu e eu não conseguia respirar,


absolutamente. Meu coração pulsava tão rápido em meu
peito que comecei a sentir enjoos. Meu peito começou a doer,
e parecia que minha garganta se fechava. Baynor falou que
eu estava com estresse pós-traumático ou o que fosse isso
poderia me causar um ataque no coração.

Envolvi os braços a meu redor e tentei continuar.

— Ela.... Ela.... Ela.... Estava no chão. — Gaguejei


apenas capaz de formar as palavras. — Tudo estava coberto
de.... De.... De.... De vermelho.... De sangue. Havia tanto,
tanto sangue.... Que nem sequer conseguia enxergar o chão.
Eu.... Eu.... Dei um passo até ela, mas escorreguei.... Caí...

Minha garganta fechou e eu não conseguia mais


respirar. Enquanto ofegava, sentia lágrimas quentes saírem
dos meus olhos e mãos em meu cabelo. Tria ajoelhou-se no
chão, na minha frente, com seus braços ao meu redor.

— Acalme-se. — Ordenou a suave voz de Tria. — Liam,


por favor, está me assustando.

Apoiei-me contra ela, mas as náuseas em meu estômago


foram fortes e tive que empurrá-la longe o suficiente para
chegar ao cesto de papéis, assim poderia vomitar. Quando
terminei, passei o dorso da minha mão sobre a boca e me
balancei sobre os joelhos. Tria gritava para Yolanda, dizendo
que precisava de ajuda. Eu não sabia o que precisava, mas
não podia deixar de tremer, nem sequer quando os braços de
Tria voltaram a me abraçar, sustentando minha cabeça em
seu ombro.

— Shh. — Disse ela. — Está bem, Liam. Tudo ficará


bem. Só relaxe agora, está bem?

— N... N... Não!

Queria gritar. Precisava contar tudo, o Dr. Baynor disse


que precisaria contar se quisesse ter alguma possibilidade de
recuperá-la. Tria também disse o mesmo. Yolanda nem
sequer me deixaria entrar até que contasse tudo a ela. Se eu
conseguia entender o que acontecia agora, Yolanda chamava
uma ambulância.

Não podia parar agora.

— Caí.... Caí em.... Em.... Naquela coisa — solucei. Tria


tentou novamente que eu parasse de falar, mas sabia que se
parasse, nunca mais seria capaz de terminar, assim
continuei. — Não sabia o que era.... Simplesmente parecia....
Parecia como um pedaço de carne jogada no chão. Como um
pedaço de carne que o açougueiro descartou depois de cortar
uma vaca ou algo assim. Mas, quando olhei mais de perto...
Era... Era ele... Era nosso bebê. Eu caí sobre ele.

— Oh, meu Deus! — Escutei Tria dizer, mas tentei não


prestar atenção. Precisava sair disso e a única forma de fazê-
lo era somente falando cada palavra. Empurrei-me até ela e
passei meus braços ao seu redor e coloquei minha cabeça
contra seu pescoço.

— Sua mãe gritava atrás de mim e tudo o que pude fazer


foi me sentar no meio daquilo tudo. Não pude me mover e...
Eu.... Não conseguia pensar. Seu sangue estava em cima de
mim, e quando a toquei, seu braço estava rígido. Não queria
olhar, mas continuei olhando para.... Para ele. A mãe de
Aimee gritava.... Ela chorava enquanto perguntava o que eu
fiz à sua filha. Imagino que tenha ligado para 911, porque eu
não conseguia me mexer. A ambulância chegou e com o
tempo me tiraram dali quando vieram para retirar... Os
corpos.

Fui até o cesto de papéis de novo, mas nada aconteceu.


Tria ainda me sustentava com força. Dei uma profunda
respiração e deixei escapar todo o resto em uma longa frase.

— Levaram-me em uma ambulância também, me


disseram que estava em choque e quando estava na sala de
emergência, disseram-me que Aimee teve um aborto e uma
hemorragia. E me disseram também que se alguém tivesse
percebido e ligado mais cedo, sua mãe provavelmente
poderia.... Poderia tê-la levado ao hospital a tempo..., mas
quando eu coloquei a porta abaixo, ela já estava morta há
mais de uma hora.... Estava morta antes mesmo que eu
sequer chegasse lá e não havia nada que pudessem fazer e
o... O... O bebê.... Foi enterrado com ela e sua mãe não me
deixou entrar no local do funeral.... Então fui embora. Se eles
não tivessem dito aquelas coisas.... Se não tivesse dito tudo
aquilo, ela teria chamado alguém.

— Você culpa seus pais. — disse Tria. — Ela não contou


à sua mãe por causa da reação deles.

— Sangrou até morrer por culpa deles! — Gritei. Os


olhos ardendo e minha face apertada perante a ideia. — Se
eles apenas tivessem nos apoiado, se ao menos percebessem
que queríamos fazer a coisa certa, ainda estaria viva! Ainda
poderia ter perdido o bebê, mas Aimee estaria bem. Teria
ficado bem!

Com a mão de Tria movendo-se lentamente sobre minha


bochecha, caí de lado com a cabeça em seu colo. Eu gritei
sobre o tecido de sua roupa e deixei que minhas lágrimas
empapassem sua pele. Abracei-a tão forte quanto pude.

— Não posso permitir que isso aconteça com você, Tria!


— Chorei. — Por favor, por favor! Não faça isso! Não posso te
proteger di.... Disso! Por favor, por favor, Tria!

— Liam, isso não acontecerá...

— Você não sabe! — Gritei enquanto a agarrava de novo.


— Não tem como saber. Tria, não posso te perder! Não posso!
Eu preciso de você, Tria. Eu te amo, não posso te perder!
Ela passou seus dedos por minha bochecha e eu me
joguei o suficiente para envolver meus braços ao redor de
seus ombros e levá-la até meu peito.

— Por favor, Tria... Eu te amo... não faça isto... por


favor...

— Liam, precisa se acalmar...

— Por favor, não.... Por favor...

— Shh, baby...

Ouvi um barulho forte e vozes que vinham da outra


sala, mas o ignorei e só me mantive lá por minha vida e meus
cuidados.

— Eu te amo.... Não posso deixar que isso aconteça com


você...

— Aí está ele. — Ouvi Yolanda falar.

Três rapazes entraram no quarto e eu me agarrei a Tria


quando tentaram me levantar e me colocar em uma dessas
macas. Não queria mais dar uma surra em quem estivesse
agarrando meu braço, estava mais interessado em manter
meu contato com Tria.

— Por favor, não brigue! — Disse Tria. – Deixe que eles o


ajudem.

— Não! — Agarrei-a e a abracei mais forte.

— Vou com você. — Disse ela. — Inclusive vou junto na


ambulância.
Ela olhou para o paramédico e ele assentiu. Yolanda
ainda me ameaçou um pouco, mas finalmente deixei que me
carregassem e me prendessem. Tria ficou comigo,
sustentando minha mão enquanto eu me acalmava, e deixava
sair às coisas que estavam dentro da minha cabeça.

Nunca fui dos que aceitavam ajuda, mas sabia o quanto


estava fora de mim naquele momento.
Fazer a promessa.
— Agradeceria se ele tivesse me
chamado antes de sair correndo para te buscar.

— Teria feito diferença?

— Poderia tê-lo preparado um pouco. Precisa levar a


sério o tratamento: medicação e terapia. Não acredito que
perceba quando tem um ataque de pânico e este, sem dúvida,
foi grave.

— Ele melhorará?

— Depende dele.

As vozes do Dr. Baynor e de Tria se misturavam dentro


da minha pesada cabeça. Abri os olhos lentamente e me
encontrei em um lugar muito semelhante, se não exatamente
igual, ao local que despertei depois da cirurgia. Igual à última
vez havia uma intravenosa em meu braço direito, com uma
agulha picando em minha pele, mas em meu braço esquerdo
também sentia uma picada. Uma muito pior que a outra e
quando me movi para me coçar, lembrei-me que era parecida
com a que usei quando havia me drogado outra vez.

Pouco a pouco, os acontecimentos dos últimos dias se


derramaram em minha mente.
— Bem-vindo de novo. — Disse o Dr. Baynor, estava
sorrindo quando o olhei. — Não fale ainda. Espere alguns
minutos.

Foi ao lado da cama e injetou algo em minha veia.

— Deve ajudar com a coceira. — Disse em voz baixa.


Assentiu para meu braço e logo pegou um copo de água ao
lado da cama. Dei um gole rápido através do canudo. —
Como se sente?

— Eu... — Limpei a garganta um par de vezes. — Sinto


como se me tivessem atropelado.

— Não me surpreende.

Olhei para Tria e tentei encontrar alguma forma de que


―essas portas de entrada da alma‖ me dessem um pouco de
inclinação para onde estava naquele momento, mas não me
disseram nada.

— Quando posso voltar para casa? — Perguntei, e uma


vozinha em minha cabeça se perguntou se ainda teria uma
me esperando. — Porque este lugar é uma porcaria.

— Poderia considerar umas férias nos Alpes. — Sugeriu


Baynor. — Como se sente sobre esquiar?

— Estaria lá? — Perguntei.

— Claro, eu o acompanharei.

— Então esquece.

Baynor riu, mas Tria simplesmente brincou com a


correia do Hercules Humvee enquanto Baynor explicava um
monte de coisa a respeito do porquê eu sofria ataques de
ansiedade, e que o que tive no apartamento da Yolanda foi
muito sério.

— Poderá ir para a casa amanhã. — Disse-me. —


Deixarei você aqui em observação e quero conversar sobre o
início do tratamento, tanto para sua ansiedade como para
seus outros problemas. Pode cooperar, o que significa que
deixarei você sair daqui amanhã ou pode reclamar e
reclamar, e me ameaçar e o manterei aqui durante os
próximos três dias para uma avaliação psicológica. A escolha
é sua.

— Maldito. — Murmurei.

Ele pegou meu prontuário e escreveu alguma coisa nele


enquanto Tria ficava ao seu lado, no extremo da cama.
Nossos olhos se encontraram, mas ela baixou a vista para o
chão. Depois de um minuto, me olhou novamente.

— Posso.... Posso falar com você? — Perguntei. Dei o


meu melhor olhar de cachorrinho que geralmente funcionava
quando estava resfriado e queria que cozinhassem para mim.

Baynor olhou de mim para a Tria, logo me deu um meio


sorriso, tocou o arco da porta com a mão e saiu. Tria não se
mexeu, mas ficou no extremo da cama sem me olhar.

— Tria? — Sussurrei e finalmente ela elevou a vista.

— Aqui estamos novamente. — Disse. Fez um pequeno


gesto para o quarto do hospital.
— Sim. — Disse-lhe. — Hum.... Talvez se chegarmos a
um acordo, poderíamos nos mudar.... Para economizar no
aluguel ou algo assim.

Seu sorriso de lábios apertados não expressou nenhum


humor.

— Sim.... Provavelmente não. A decoração aqui é uma


porcaria.

— Tria? — Olhou-me de novo.

— Você.... Quero dizer.... Vai.... Já sabe.... Voltar para


casa?

Durante muito tempo, não quis me olhar nos olhos.


Quando por fim moveu a cabeça para cima, não teve que
responder.

— Por favor. — Ouvi-me sussurrar. — Por favor, só....


Não o faça. Não faça isso. Volte...

— Tem alguma ideia do que foram para mim essas


últimas semanas? — Perguntou em voz baixa. — Não sabe?

Não podia continuar olhando-a porque seu ponto era


muito, muito válido. Além de me perguntar onde estava e ser
paranoico sobre sua volta para o Maine, realmente não tinha
pensado no que acontecia com ela.

— Passei toda a tarde imaginando como eu te contaria


sobre a gravidez. — Sua voz quebrou um pouco e quando
voltei a olhá-la, as lágrimas começaram a rolar por suas
bochechas. — Sei que os bebês são muito dispendiosos, então
pensei em passar algum tempo na biblioteca, procurando
algum modo de diminuir esses custos. Daria de mamar no
peito, usaria fraldas de pano. Qualquer coisa que pudesse
fazer para que não nos custasse tanto porque pensei que essa
seria a razão pela qual você se preocuparia.

Passou o dorso da mão pelo rosto antes de me olhar


novamente.

— Mas quando.... Disse que não o queria.... Que queria


que eu.... Desfizesse-me dele... — Ficou sem fôlego e respirou
antes de continuar. — E então você começou a gritar e
quando olhei em seus olhos, nem sequer sabia quem estava
ali. Tudo o que Keith havia dito ao meu respeito, o jeito como
ele foi violento comigo, tudo veio à minha mente... E quando
você pegou a mesa e...

Ela se engasgou e cobriu a boca.

— Achei que você a atiraria em mim.

— Oh, porra, não. — Sussurrei. — Nunca, nunca faria


isso, Tria. Porra.

— Normalmente, eu concordaria — disse — mas não era


você naquele momento e eu não sabia quem era. E então você
apenas foi embora.

Ela parou de falar e mordeu o lábio com força suficiente


para deixá-los doloridos. Cobriu a boca com a mão e olhou
para a janela, apesar das cortinas estarem fechadas.

— Você disse que não o faria de novo. — Recordou-me.


— Apesar disso, pensei que talvez retornasse uma hora ou
outra. Pensei que só precisaria um pouco de tempo para se
acalmar.

Endireitou os ombros um pouco e logo se voltou para


mim.

— Então não voltou. — Disse simplesmente. — E


comecei a me perguntar se voltaria em algum momento.
Então... Bom, comecei a pensar a respeito de tudo. Agora há
algo mais importante em minha vida, mais importante do que
eu ou você. Precisava fazer o que era correto para o meu
bebê. Yolanda era a pessoa mais provável para me ajudar.
Estava por perto, então ainda poderia ir à faculdade e... Bem,
sinceramente, ela conhece você melhor do que eu o conhecia.

— Eu apenas precisava... O que disse... — falei. —


Acalmar-me um pouco. Mas fui preso no metrô.

A boca da Tria caiu aberta enquanto olhava para mim,


sem fala.

— Posso perguntar o motivo?

— Algum bêbado apenas.... Incomodou-me. Apontou-me


uma faca.... Não deram queixa. – Encolhi meus ombros.

— Isso realmente não faz com que eu me sinta melhor.


— Informou-me.

— Eu sei. — Respirei com força, sabendo que não


deveria esconder nada. — Quando cheguei ao apartamento, e
você não estava lá... Hum.... Enlouqueci.

Tria me olhou rapidamente, mas desviei o olhar.

— O que fez?
— Eu.... Saí e, hum... — Não tinha nem a puta ideia de
como falar sem que parecesse ruim. Simplesmente não havia
perfume suficiente para cobrir o fedor desta porra. —
Comprei heroína e usei.

Até agora, não sabia ao certo se Baynor ou Yolanda


haviam contado ou não. O jeito como seu corpo ficou rígido
quando se deu conta do que eu disse, deixava claro que ela
não sabia.

— Começou a usar essa porcaria novamente. — Assim


que escutei sua voz tensa, olhei para o outro lado, sem querer
admitir, mas sabendo que na realidade não havia nenhum
sentido em negar. Precisava dizer a verdade, de qualquer
modo.

— Quando percebi, já estava lá. — Admiti — Eu.... Não


consegui lutar contra, então voltei para o vício.

— Enquanto eu passei a semana inteira me


perguntando como criaria uma criança sozinha. — disse Tria,
e suas palavras fizeram com que eu quisesse me enfiar
debaixo da cama.

Eu não tinha como negar. Não havia como me defender.


Só poderia tentar explicar da melhor maneira possível e então
esperar que ela me aceitasse de volta e me deixasse passar o
resto da vida compensando-a.

— Há mais. — Falei. — Quero dizer, eu não disse tudo


antes. Não há muito mais, mas há mais um pouco. Quero
que saiba tudo.
— E somente agora é que me diz. — Murmurou. Deixou
escapar um longo suspiro. — Sinto muito. — Disse em voz
baixa. — Continue. — Disse com um gesto de mão.

— Eu disse que me levaram para a sala de emergências,


certo? — Tria assentiu. — Bem, saí do hospital antes que
meus pais chegassem. Sabia que se meu pai não houvesse
dito todas aquelas coisas horríveis a ela, Aimee não teria
medo de dizer à sua mãe. Se o tivesse feito, nada daquilo
aconteceria. Acredito que se os tivesse visto nesse momento,
poderia ter tentado matá-los. Quando a mãe de Aimee não me
deixou ir ao funeral, apenas permaneci na cidade durante um
tempo, então estacionei meu carro perto do rio e fiquei lá
sentado.... Nem sequer sei por quanto tempo. Havia um
grupo de pessoas perto do rio, todas apinhadas e os observei
durante algum tempo. Eu desci do carro e me aproximei
deles. Era um grupo de pessoas viciadas, metendo uma dose.
Todos estavam drogados e quando eles tentaram me explicar
como era eu ofereci dinheiro para que me deixassem tentar
chutar.

— Tentar chutar? — Perguntou Tria em voz baixa.

— Hum.... Sim, a injeção de heroína se chama chute.


Ou acerto.

— Então foi lá que começou a usar heroína?

Assenti.

— Essa foi à primeira vez. — Falei. — Depois desse dia,


passava o tempo todo, consumindo ou tentando arrumar
dinheiro para poder comprar mais. Quer dizer, até que
Yolanda me encontrou. Ela... Hum.... Salvou-me, suponho.

— Ela o salvou? — Comentou Tria enquanto levantava


as sobrancelhas.

— Em comparação à vida que eu vivia. — Encolhi os


ombros. — Já sabe praticamente todo o resto. Um.... Essa foi
à razão de tudo. Como cheguei lá.

Minhas mãos tremiam quando me sentei e esperei que


dissesse alguma coisa. Tria permaneceu em silêncio
enquanto seguia retorcendo os dedos e olhando para chão.

— Tria? — Olhou-me, mas seu rosto estava em branco.


— Eu sabia o quanto fodido estava. — Eu disse. — Dei-me
conta disso antes que fosse.... Antes que fosse tarde demais.
Estive com o Dr. Baynor, e ele pegou todas as minhas coisas,
pegou todas as drogas, quero dizer. Não queria ser assim...
Não quero ser assim. Não sabia o que fazer sem você.
Perguntei a Elisa se ela havia te visto, e ela me disse que
esteve na aula, normalmente, mas não disse a ela o motivo.
Queria te buscar, mas não sabia onde. Então fiquei pensando
nisso e imaginei que poderia estar com Yolanda. Bom, Krazy
Katie disse qualquer coisa que me fez pensar.... Não importa.

Esfreguei o meu queixo, a qual ainda estava bastante


dolorido pelo primeiro golpe da Yolanda em meu rosto.

— Estava bastante seguro de que assim que abrisse a


porta estaria lá.
Não sabia o que mais eu poderia dizer, então esperei que
respondesse. Ela limitou-se a fechar as cortinas e não
pareceu disposta nem sequer a me olhar.

— Por favor.... Diga alguma coisa. — Implorei e


imediatamente me arrependi.

— Não quero criar meu filho com um drogado. — Disse


com segurança.

Não foi só meu coração que paralisou, todas as minhas


vísceras o fizeram junto com ele.

— Não usarei mais. — Consegui articular através do nó


em minha garganta. — Nunca mais... Nunca, Tria.

O som que proveio dela, quase parecia como uma risada


embora não havia nada de gracioso e lágrimas começaram a
escorrer de seus olhos novamente.

— Se eu acreditasse — disse com voz carregada — como


posso ficar com você se nem ao menos deseja o nosso bebê?
Como posso, inclusive, considerar estar com um homem que
nem sequer consegue expressar suas emoções sem que tenha
um ataque de pânico?

Meu estômago se contraiu e levantei meus joelhos até


meu peito, me inclinando para frente, tampei meu rosto com
as mãos e deixei que a tensão em meus músculos
sustentasse meu corpo. Tinha certeza de que cairia para o
lado se não o fizesse.

Ela não voltaria comigo. Teria o bebê sem mim.


Tirando as mãos do rosto, abri os olhos lentamente e
logo a olhei enquanto tentava averiguar o que estava
acontecendo em minha cabeça. Imagens indesejadas de Tria,
sentada no desgastado sofá da sala de nosso apartamento
com um bebê em seus braços, encheram minha mente. Em
minha cabeça, eu levava um copo de suco de maçã e sentava
ao seu lado, sorrindo para a pequena criatura em seus
braços.

— Não é assim... — grunhi.

— O que, não é assim? — Perguntou.

Franzi o cenho enquanto tentava encontrar as palavras


certas.

— Não é que não queira o bebê. — Falei finalmente. —


Simplesmente não posso.... Não posso suportar a ideia de que
alguma coisa te aconteça. Cada vez que penso nisso, embora
só seja um pouco, vejo você ali no chão do banheiro no lugar
de.... No lugar da Aimee, e quase me mata.

— O que está dizendo? — Perguntou Tria em voz baixa.

— Não é que não queira um bebê. — Repeti. — Só... Não


quero que esteja grávida. Tria, não imagina o quanto pode ser
perigoso.

— Sei que problemas podem acontecer. — Disse-me. —


Sei que há perigos, Liam, e agora entendo por que ficou tão
assustado com tudo isso, mas não muda o que tenho que
fazer. Vou ter este bebê e não posso criá-lo com um homem
que lança objetos e foge quando as coisas ficam difíceis. Fora
as drogas.
Minhas mãos e pés estavam dormentes e não conseguia
me mexer ou respirar como queria.

— Por favor.... Não. — Disse-lhe. — Não farei nada disso


de novo.

— É mais complicado que isso, Liam.

— Farei o que for preciso! — Havia mais pressão no


interior do meu crânio e respirar não estava sendo fácil.
Mesmo eu implorando ou jurando qualquer coisa, pude ver
em seus olhos.... Não importaria. Nada do que dissesse faria
qualquer diferença.

— O quê?

— Não a abandonarei novamente. — Prometi.

— Já prometeu isso antes. — Lembrou-me. — Disse que


não me deixaria outra vez, mas o fez, duas vezes. Disse que
tinha acabado com as drogas e as utilizou novamente. Não
posso mais confiar em você, Liam.

— Vou te provar. — Falei — Mas precisa me dar uma


oportunidade.

— Faça o tratamento. — disse Tria.

Falei isso para não pôr os olhos em branco com minha


própria imaginação, mas não foi fácil.

— Vamos ter que economizar cada centavo extra, Tria.


— Disse-lhe. — Não podemos nos permitir...

— Liam. — disse Tria enquanto se levantava, o tom de


sua voz se aprofundou um pouco. — A menos que receba
ajuda, não haverá um nós. Entendo muito melhor agora,
mesmo assim terei este bebê. E isso significa que passarei os
próximos seis meses grávida. E depois haverá um bebê. Se
não deseja.... Renunciar, então isso significa que vamos criá-
lo.

— Não o dará em adoção. — Falei. Meu coração


começou a pulsar com força em meu peito de novo enquanto
suas palavras filtravam em mim. Concentrei meu ouvido em
cada palavra, tentando entender exatamente o que estava
dizendo, tentando escutar uma luz de esperança em sua voz.
— Se... Chegar até ao final.... Com isso...

Tive que me obrigar a respirar para seguir falando.

— Com a gravidez, então, ficaremos com o bebê.

— Se quiser ser parte da vida desta criança, terá que se


recuperar.

— Vou me recuperar. — Eu disse com uma inclinação


de cabeça. — Não tocarei mais em drogas, nunca mais.

Olhamo-nos fixamente um ao outro, sem nos mover,


durante longos minutos. Tinha esperança em Deus de que ela
acreditasse em mim. Disse a sério cada palavra, não tocaria
nesta droga de novo, não se isso significasse perdê-la. Sabia
que poderia sobreviver à abstinência e sabia que poderia
superar tudo isso porque já fiz antes. Não poderia sobreviver
sem ela, estava certo disso.

— Enquanto conseguir se manter afastado das drogas,


nunca o impedirei de ver seu filho. Espero que saiba que
quero que faça parte da vida dele.
Tão agradável como soavam suas palavras, não esqueci
o que havia entre as linhas.

— O que acontece... O que é essa coisa de fazer parte


de... Da sua vida? — Perguntei.

Mentalmente, preparei-me para a resposta. Fisicamente,


meu corpo já lutava com o monstro em mim. Entre minhas
mãos trementes, meus pés dormentes e o estômago revolto,
surpreendeu-me que não houvesse uma dúzia de ruídos
procedentes das máquinas ao lado da cama.

— Não sei Liam. — Respondeu Tria em voz baixa. —


Assustou-me e agora o compreendo, mas isso não muda sua
conduta.

— Não foi minha intenção te assustar. — Disse-lhe.

— Sei que não foi sua intenção — disse — mas


assustou. E não sei como fazer com que se sinta melhor.

Agarrei os lençóis da cama tentando me manter


centrado. Precisava pensar com clareza. Precisaria mudar
essa situação.

Estava perdendo e não podia perder.

— Se for fazer isto... — Lutei enquanto minha garganta


travava. Demorou um minuto e tive que começar de novo. —
Se for seguir adiante com isto quero estar presente. Preciso te
proteger.... Manter-te segura.

Tria deixou escapar uma risada suave, sem humor.


— Liam, não está em condições de salvar a si mesmo.
Como acha que terá condições de me ajudar.... Ou me
proteger nesse momento?

— Eu melhorarei. — Assegurei-lhe. — Não farei nada


disso de novo, eu juro...

— Não! — Gritou Tria, me cortando. — Não me faça


outra promessa, Liam Teague. Não aguentarei mais
nenhuma.

Olhou-me durante um minuto.

— Ações. — Disse. — Tem que tomar algumas medidas


para que inclusive pense nisso.

— O que quer dizer? — Perguntei e logo decidi que não


importava. — Seja o que for Tria.... Eu farei. O que quiser... O
que for necessário.

— Trinta dias. — disse Tria com um movimento de


cabeça.

— O quê? — Recostei-me um pouco enquanto minhas


sobrancelhas se juntavam.

— Te darei trinta dias. — Repetiu. — Faça o que o


doutor Baynor pedir, encontre-se com um conselheiro,
consiga a medicação necessária, cuide de si mesmo, se
mantenha limpo... Diabos mantenha seu apartamento limpo.
Não quero escutar nenhuma desculpa do motivo que não
consegue fazer nada disso.

Engoli em seco e concordei.


— Há uma coisa a mais — disse — e sei que
provavelmente será a mais difícil, mas acredito que é muito
importante.

— O quê? — Perguntei.

— Converse com sua mãe. — Os olhos de Tria estavam


tranquilos e seguros, enquanto meu interior se sentia como
se estivesse sendo virado de cabeça para baixo. — Algum dia
terá que falar com seu pai, mas deve começar com sua mãe.

— Não! — Respondi. — Não falarei com ela.

Moveu sua boca em um triste sorriso de lábios


apertados enquanto olhava para o chão.

— Então não está preparado para ser pai.

Tria se virou lentamente e se dirigiu à porta. À medida


que se afastava de mim, os sentimentos revolvendo-se em
meu estômago, estenderam-se ao resto de meu corpo.

— Não! — Gritei. — Não vá! Por favor! Vou fazer! Falarei


com ela!

Mantive seus olhos nos meus e avistei mais lágrimas


causadas por mim, rolando por suas bochechas, foi mais do
que podia suportar.

— Farei! — Disse-lhe. — Falarei com qualquer um deles,


com todos. Com quem desejar, com minha família, com os
médicos.... Simplesmente não.... Não me deixe.

— Trinta dias. — Disse novamente. — Demonstre que


pode fazê-lo.

— Farei!
— Espero que sim. — disse Tria — Porque esteve
levando toda essa desgraça em seu interior por muito tempo e
acredito que precisará da sua família para superar tudo isso.

— Foram eles que começaram. — Grunhi, lamentando


imediatamente o tom. Respirei fundo para me acalmar, mas
meu estômago começava a agitar-se novamente. — Falarei
com ela se for uma de suas condições, mas isso não quer
dizer que será uma conversa divertida e feliz. Isso não quer
dizer que tomaremos chá e pão-doces no final.

Tria deu mais alguns passos em direção à porta,


movendo lentamente a cabeça. Antes de sair, parou e me
olhou mais uma vez.

— Isto não está certo. — Disse em voz baixa. — Não


deveria fazer isto porque estou te ameaçando.

— Não.... Não é por isso — falei, sabendo que era ao


menos parcialmente mentira. Sem querer mentir, segui
balbuciando. — Quero dizer, faço-o até certo ponto. Não
posso discutir com isso. Mas Tria, farei algo que deseje. Sei
que não.... Valho a pena, mas quero fazê-lo. Quero ser melhor
para você.... Para você e... E... — Tentei detê-la, mas uma
lágrima quente escorregou pelo meu rosto, escapando do
canto do meu olho. — Para você e para o nosso bebê.

Observei seu rosto e vi que ainda estava cheio de


dúvidas.

— Eu farei. — Falei. — Eu te amo Tria. Farei qualquer


coisa para que tudo fique bem. — Uma lágrima caiu do
queixo dela enquanto me oferecia seu primeiro sorriso real.
— Cumpra com a sua palavra. — Declarou Tria — E se
depois de trinta dias o Dr. Baynor concordar que você fez
todo o possível para melhorar, poderemos conversar sobre
tentar novamente.

Nunca fui do tipo de fazer acordos, mas essa era a única


oportunidade que eu teria.
Escrever a lista.
Quanto tempo eu fiquei na cama do
hospital depois que Tria se foi, observando a porta vazia,
poderia ser uma incógnita. Em algum momento, o rosto do
doutor Baynor apareceu. Fechou um pouco os olhos e sorriu-
me com cautela.

— Como se sente?

— Como se minha namorada grávida tivesse me


deixado.

— Ela se foi já faz algumas semanas. — Disse.

Como se precisasse que me lembrasse disso.

— Desta vez parece que está um pouco mais decidido.

Entrou no quarto e se aproximou, comprovou meus


sinais vitais e logo fez rodar a cadeira para o lado da minha
cama.

— Você lhe contou. — Afirmou. Não tinha que


perguntar.

— Sim, sábio, a porcaria de conselho que me deu, idiota.

— Devo admitir que não acreditei que o faria realmente.


Se houvesse dito, eu teria preparado você melhor. Tampouco
me disse, ainda assim não sei quais serão os fatores
desencadeantes.

Olhei-o com os olhos estreitados, mas não estava com


força para me passar com ele.

— E agora o quê? — Perguntei.

— Agora. — Disse o doutor Baynor — Você quem me


diz... — Neguei e ri sem humor.

— Sim, é uma ideia brilhante. Quase tive um ataque do


coração da última vez e quer que eu faça novamente? O que
acontece, está de brincadeira? Está precisando praticar um
pouco com a equipe de desfibrilação?

— Não! — Respondeu. — Sou realmente muito bom


nessa prática. Liam, não teve um ataque do coração. Teve um
ataque de pânico. Manteve essa história dentro de si por uma
década. Pode pensar que ignorá-la por tanto tempo pudesse
te fazer bem, mas sua incapacidade para falar nesse assunto
sem ter uma reação física intensa significa que não.

— Parece uma droga para mim. — Murmurei enquanto


olhava longe.

— Parece perfeitamente razoável. — Respondeu Baynor.


— É por isso que não quer falar sobre o assunto.

Olhando-o rapidamente, considerei simplesmente


escapar da conversa e do hospital em seu conjunto. Tinha
certeza de que poderia sair mais rápido do que ele poderia
conseguir alguém para me segurar. É obvio, não vestia nada
mais do que a bata com o maldito traseiro de fora.
— O que aconteceu? — Falou finalmente. Pressionou os
lábios e olhou suas mãos.

— Acredito que não está preparado para isso. — Disse


em voz baixa. Ele ficou em pé e começou a atravessar o
quarto enquanto imagens de Tria fazendo o mesmo,
afastando-se de mim, encheram minha mente. Meu estômago
apertou e senti que fazia uma cambalhota completa em meu
interior.

— Espere! — Disse em voz alta.

Ele se virou e arqueou uma sobrancelha.

— Posso.... Posso tentar.

Ainda tremendo, me acomodei e deixei que a enfermeira


passasse um pano frio sobre a parte posterior de meu
pescoço. Uma parte de mim queria dar um murro em sua
cara, e outra parte queria que fosse a merda, mas não o fiz.
Estava muito cansado para qualquer coisa.

Baynor permitiu que eu fosse devagar e conversei com


ele durante três horas antes de conseguir falar tudo. Meu
estômago se rebelou, o suor saía de minha pele, minhas mãos
tremiam. Não estava seguro se era porque meu corpo queria
heroína ou porque minha mente queria bloquear tudo, mas o
Dr. Baynor não me deixava.
Imaginei que me sentiria melhor depois de jogar tudo
para fora, mas não me senti.

Nem sequer consegui dormir nessa noite.

Meu médico retornou pela manhã e me entregou uma


bolsa de papel marrom. Olhei-a com receio e, lentamente,
peguei um pequeno livro com capa de tecido. Folheei-o, mas
todas as páginas estavam em branco.

— Que diabos eu devo fazer com isto? — Perguntei-lhe.

— Escrever nele. — Respondeu com um encolhimento


de ombros. — Isso é o que se costuma fazer com um diário.

— Está me dando um diário? — Perguntei. — Pareço


uma menina de doze anos?

— Não, parece um homem adulto completamente


destruído. — Colocou as mãos nos quadris e me olhou. —
Você vai para casa amanhã. Quero que ao menos escreva
alguma coisa nele antes da sua primeira sessão com Erin
Chambers.

Nem sequer dei atenção ao que me disse, embora


provavelmente devesse fazê-lo.

— Pensei que precisaria apenas falar sobre toda essa


porcaria. Por que tenho que escrever?

— Nós conversamos — disse — mas há mais do que isso


e você sabe.

Olhei com o cenho franzido para o diário em minhas


mãos, dei a volta, e depois folheei as páginas em branco de
novo.
— O que devo escrever? — Perguntei. Deu-me um nó na
garganta. — Tenho que.... Escrever toda essa porcaria que
falamos? Tudo sobre o que me aconteceu?

— A respeito de Aimee e da morte do bebê? — Disse em


voz baixa. Engoli enquanto assentia lentamente. — É bom
expressar em palavras, Liam — disse-me. — Evitou durante
muito tempo, mas não mais. Não tem que escrever nada em
particular. Escreva o que sentir vontade de escrever.

— Não entendo. — Admiti.

— Já entenderá. Pegue uma caneta, abra o livro e


escreva alguma coisa.

O pequeno diário parecia pesado e continuei olhando


enquanto o colocava sobre a mesinha. Parecia que essa coisa
me observava, e eu a ele com olhos pequenos e brilhantes.

— De jeito nenhum farei isso. — Falei.

— Liam, está procurando desculpas.

— Não. — Neguei enquanto argumentava. — Não são


desculpas, de qualquer modo, o aluguel vence neste fim de
semana e me resta apenas um pouco de dinheiro. Preciso
ganhar mais para o... O bebê. Nem sequer posso pagar por
esta pequena ―noite na cidade‖, aqui.

Baynor me observou por um minuto antes de abrir a


boca.

— Trouxeram você aqui no meio de um ataque de


pânico. — Disse. — Propus que ficasse para uma avaliação,
assim não há gastos com a sua estadia no hospital. Seu nível
incomum o qualifica para obter ajuda com a terapia,
incluindo as primeiras dez sessões, sem custos. Sabe que
pode conseguir também ajuda do governo.

— Da assistência social? Porra.

— Poderia fazê-lo.

— Não farei isso. Nunca fiz.

— Bem, estou apenas dizendo que poderia conseguir


ajuda, se quiser. — Repetiu. — Também não se esqueça dos
cupons de mantimentos e do Programa de Nutrição para
mulheres e crianças (WIC). Tria precisará desse tipo de ajuda,
enquanto estiver grávida e depois que o bebê nascer.

Comecei a golpear meus dedos investindo contra a


ponta da cama. Não pensei em uma assistência por essa
razão em particular. Tria precisava estar o mais saudável
possível para que ela.... Ela.... Para que nada desse errado. O
bebê precisaria de mais coisa do que eu poderia dar com o
meu salário como boxeador.

— Droga. — Murmurei.

— Pense nisso. — Disse Baynor. — Vou te dar algumas


receitas para que pegue também. Tenho algumas amostras
que devem durar por um tempo.

— O que são? — Perguntei.

— Alguns são para ajudar com os sintomas da


abstinência. — Informou-me. — Não quero dar nada muito
forte, porque apesar de sua recaída ser relativamente curta,
ainda está em uma situação precária. Passarei um
ansiolítico. Não tenho nenhuma amostra, mas poderá
conseguir o genérico por cinco dólares nessa clínica a poucas
quadras de seu apartamento. Isso deve ajudar a te manter
estável também.

— Não me arruinarei novamente. — Falei. — Não posso.

— Sei que pensa dessa forma neste momento — disse


Baynor com um movimento de cabeça — mas quando estiver
de volta em casa tente determinar como enfrentará essa
situação, você pode se sentir de jeito diferente. Esses
remédios poderão ajudá-lo a superar os momentos mais
difíceis, mas quero que me chame cada vez antes de tomar
uma. Ao menos até que vá para o terapeuta.

Concordei com o que ele disse por que sabia que era o
certo a fazer.

Ao caminhar novamente em meu apartamento me sentia


estranho. Uma vez que cheguei e abri à porta, foi ainda pior
do que pensava.

Além de sentir o vazio do lugar sem as coisas de Tria e


sua presença, ainda estava totalmente destruído. Percebi que
o havia destruído ainda mais durante o meu uso excessivo de
heroína.

Atravessei a desordem cuidadosamente. Havia tantas


coisas jogadas, notei que minha jaqueta e outras coisas que
trouxe do hospital fariam com que me sentisse pior, então as
deixei na sala de estar e fui para a cama.

Tirei a roupa, deixei cair no chão e subi na cama.


Apesar de ter passado os dias basicamente sem fazer nada,
exceto ficar sentado em um quarto de hospital e conversar,
me sentia tão cansado que parecia que treinei no ginásio todo
o tempo. Minha cabeça doía meus músculos também, e
minhas vísceras pareciam pregadas.

Estiquei a mão, alcancei o travesseiro de Tria e o


aproximei de mim. Seu aroma havia desaparecido, mas o
travesseiro era melhor do que nada. Fechei os olhos e tentei
dormir um pouco. Precisaria trabalhar em algumas horas,
mas o sono não chegava. Pressionei meu rosto contra o
travesseiro, mas não era o mesmo que fazê-lo em seu ombro
ou em seu cabelo. Apertei-o com força, sustentando o
travesseiro contra meu peito tão forte como pude, mas
simplesmente não ajudou. Inclusive com o ligeiro aviso de
que sua presença não me ajudava a dormir.

Precisava dela, sua presença, seu calor.

Esfregando meus olhos, grunhi de frustração antes de


me levantar e sair da cama. Fui até a sala de estar pisando
forte e procurei meus cigarros. Decidindo que simplesmente
não me importava, deixei-me cair no centro da sala e o
acendi. Tentei não pensar, mas não funcionou. Havia muitas
armadilhas diferentes na minha frente, sabia que não
conseguiria evitá-las por completo. Ia cair e não havia
ninguém ao redor para me segurar.
Queria culpar a outros demônios, ou qualquer outro por
esse fato, sabia que realmente era minha culpa. Nem sequer
era necessário procurar um espelho. Yolanda havia me
recolhido muitas vezes no passado e havia se tornado muito,
muito claro depois da última vez que não voltaria a fazê-lo.
Sim, isso aconteceu há anos, mas ela não era uma pessoa de
duas palavras.

Não é como se eu o tivesse feito.

Essa foi uma das razões que me afastaram de Tria. Fugi


dela, quando prometera não o fazer e a assustei. No momento
que ela mais precisava. E eu apenas me afastei.

Sequei as lágrimas. Não havia percebido que estava


chorando.

Em minha mente, pude ver seu rosto. Os detalhes de


como parecia quando soube da notícia eram muito mais
claros do que foram no momento. Seus olhos grandes, as
lágrimas correndo por seu rosto, e a forma em que se
sobressaltou, cobrindo seu estômago com as mãos por
instinto, mostraram-me o idiota total e completo que eu fui.

Estava bastante fodido.

Não tinha dinheiro suficiente para o aluguel.

Mesmo depois da breve recaída, ainda sentia uma


grande quantidade de sintomas da abstinência, tanto físicos
como mentais.

Não tinha treinador.

Minha cabeça estava uma confusão.


Tria foi embora.

Eu só realmente me importava com a última.

Deitado de costas, eu fiquei olhando o teto e tentei ver


alguma coisa. Não havia absolutamente nada de interessante,
mas continuei olhando de qualquer jeito. Depois de alguns
minutos, minha cabeça caiu para o lado e olhei o chão em
seu lugar. Havia um copo caído a uns vinte centímetros da
minha mão. Estiquei-me, peguei-o e joguei a bituca de cigarro
dentro dele. Escutei um som sibilante que saiu junto com o
ligeiro aroma de plástico queimado.

Do outro lado do copo havia uma bolsa de papel com o


diário em branco. Para meu bem e ter alguma coisa para
fazer, aproximei-me e o alcancei. Toquei sua capa até abrir na
primeira página.

Devolveu-me o olhar.

Não passei muito tempo procurando no chão antes de


encontrar um lápis. Tentei não pensar que provavelmente era
o que Tria havia utilizado recentemente para trabalhar em
algumas estatísticas de seu último projeto com Elisa. Apoiei a
ponta sobre o papel e o olhei durante um minuto antes de
começar a escrever.

Não sei o que diabos devo fazer com isso.

Sentei-me novamente e olhei para a primeira linha. Por


alguma razão, me fez dar risada.

— Que confusão de porcaria você parece. — Murmurei


enquanto dava a volta sobre mim mesmo. Fiquei olhando a
frase um momento mais antes de voltar a jogar o diário no
chão e o lápis contra a parede.

Entre o lixo pelo chão e a mesa de café destruída, havia


uma vasilha. Arrastei-me para me aproximar, até que pude
chegar até ela. Era uma das vasilhas gigantes de loção para
mãos que Tria sempre levava em sua ridícula bolsa e tive que
assumir que simplesmente caiu quando ela foi embora.
Nunca o teria esquecido, ainda tinha muito.

Rolando sobre minhas costas, sustentei a vasilha na


frente do meu rosto e o girei algumas vezes. Abri a tampa e o
cheirei. Não era perfumado, no entanto, por isso não cheirava
a ela. Virei-me novamente e o deixei cair no chão.

Olhei minha jaqueta, estava caída no chão no mesmo


lugar que sempre esteve antes de Tria vir morar comigo e me
fizesse pendurá-la. Um pequeno nó voltou a se formar em
meu estômago e virei para o outro lado, assim não veria mais
a jaqueta, mas tive uma bonita vista da parte inferior da
poltrona.

— Patético.

Meu corpo estava totalmente esgotado, mas minha


mente não parava. Meus olhos ardiam. Não chorei tanto
desde.... Bem, talvez nunca. Só precisava dormir. Se eu
conseguisse dormir por umas duas horas, talvez pudesse
melhorar um pouco.

Talvez um bom orgasmo ajudasse. Estava acostumado a


me ajudar a conciliar o sono durante os ataques de insônia
ocasionais. Não me sentia particularmente excitado,
entretanto. Nunca ficava quando usava drogas.

Notei a revista pornô que usei para esmagar a droga e


estiquei a mão para alcançá-la. Era do mês de março de mais
de um ano atrás e havia ficado debaixo do sofá. Havia pó ao
redor da capa, mas quando a folheei, as páginas estavam
bem. Bom, exceto as que eu arranquei.

Todas as garotas tinham seios bem grandes. Bem, à


exceção de uma, que era loira e muito atraente.

Mesmo assim, folheei as páginas com a mão em minhas


calças, mas o pequeno idiota mal-humorado se tornou muito
mais exigente desde que Tria esteve por aqui. Nem sequer me
insultou com um pouco de contração. Acabei rasgando a
revista em dois e atirando-a pelo quarto.

É obvio, acabou adicionando-se à confusão já


desastrosa do apartamento.

Deixei escapar um grande suspiro, levantei-me e


comecei a recolher os pedaços de papel. Coloquei tudo no lixo
da cozinha e logo voltei ao sofá para recolher o resto das
revistas pornográficas e jogá-las também. O lixo estava
bastante cheio, então o arrastei para fora e logo o substituí,
usando uma sacola de supermercado como revestimento para
o interior do cesto.

Voltei a olhar para a sala de estar, soltei um suspiro e


comecei a encher outra vez o cesto com o lixo jogado no chão.
Uma vez feito isso, voltei a mesa de café e revisei os danos.
O lugar estava virtualmente uma ruína. O proprietário
não ficaria feliz por isso, absolutamente. A mesa de café veio
com o apartamento e embora ainda fosse utilizável, uma das
pernas estava quebrada. Acomodei a mesa de modo que não
caísse, mas se alguém tropeçasse nela ou tentasse movê-la, a
perna cairia novamente. Se um dia me mudasse, o
proprietário, sem dúvida, usaria isso como desculpa para
ficar com a caução.

Comecei pela sala de estar, recolhi toda a sujeira do


chão, joguei algumas coisas fora e outras guardei no lugar.
Lavei os pratos da cozinha, limpei as superfícies do banheiro
e empilhei toda minha roupa suja em um monte, ligeiramente
mais ordenada.

Tria não levou o aspirador, então o passei sobre todos os


tapetes enquanto evitava que minha mente divagasse nas
imagens de como ela fazia o mesmo a cada domingo, depois
do café da manhã. Em minha imaginação, usava o vestido e
as pérolas de June Cleaver (personagem de TV, Comediante).

Consegui trabalhar até provocar um pouco de suor de


tanto andar ao redor, limpando. A quantidade de trabalho
que fiz em um curto período de tempo era realmente
impressionante, para mim, ao menos. Olhei ao redor uma vez
mais, peguei um par de coisas que esqueci antes, tirei o pó da
estante vazia de cor azul e então caí no sofá.

O apartamento estava limpo agora. Eu tinha alguma


coisa que poderia marcar em uma lista se tivesse uma.
Olhei o diário novamente e o peguei. Abri na primeira
página e fiz uma lista tal e qual mamãe sempre havia me
ensinado, colocando como primeiro elemento ―fazer uma
lista‖, assim sempre haveria alguma coisa para escrever.

Fazer uma lista:

 Limpar o apartamento;

 Fazer a consulta com o psiquiatra;

 Conseguir as receitas com o psiquiatra;

 Falar com mamãe;

 Juntar minhas coisas;

 Ter Tria de volta.

Bem, era um bom começo.

Imediatamente risquei as duas primeiras coisas da lista,


o que fez com que eu me sentisse bem. Foi estranho o quanto
eu me senti bem ao riscar isso, mas era como se na realidade
progredisse para a última, que era a mais importante de
todas.

Ok, já estava na hora de fazer alguma coisa acerca disto


tudo.

Olhei a mesa de café e depois o pé quebrado. Eu tinha


certeza de que, se tivesse algum tipo de cola, poderia arrumá-
la de uma forma que ninguém perceberia. Decidi perguntar a
Dordy se tinha alguma que pudesse me emprestar.

Olhei para o relógio. Realmente era muito cedo para ir


trabalhar, mas pensei que poderia ir do mesmo jeito. Na
realidade, não tinha falado com Dordy, mas inclusive não
escolheu alguém para lutar por ele esta noite, sempre poderia
fazer algumas lutas improvisadas se fosse desafiado com
qualquer pessoa que pensasse que poderia aceitar. Droga,
provavelmente poderia espalhar o fato de que estive internado
no hospital e que não usava mais, isso atrairia mais
desafiadores.

Nunca fui do tipo que tira proveito de uma lesão, mas


dessa vez, precisaria fazê-lo.
Tocar fundo.
Caminhando apressado pela rua,
cheguei ao bar antes mesmo de terminar meu primeiro
cigarro. Aproximei-me da barra e fiz contato visual com
Dordy. Ele me olhou enquanto secava um copo, mas só por
um momento. Definitivamente algo em seu olhar me fez ficar
desconfiado.

— Olá, Liam! — Saudou.

Sua voz parecia.... Cautelosa? Definitivamente


aconteceu alguma coisa.

— Olá, Dordy. — Respondi. — Como está tudo?

— Os negócios estão bem. — Comentou. Estreitando um


pouco os olhos. — O que faz aqui?

Encolhi os ombros.

— O médico me deu alta. — Expliquei. — Posso


trabalhar esta noite. — Ri e passei a mão pelo cabelo. —
Preciso trabalhar. — Admiti. — Amanhã terei que pagar o
aluguel e com a estadia no hospital e essa porra, não tenho
como pagar. Preciso lutar até a hora de fechar. Estou
disponível.
— Droga, Liam. — Resmungou Dordy enquanto deixava
o copo sobre a barra. — Pensei que você e Yolanda tivessem
resolvido a situação. Temos um novo lutador.

— Têm o quê? — Questionei. Novamente o asqueroso


sentimento que tive quando percebi que Tria levou todas as
suas coisas começou de novo.

— Um novo lutador. — Repetiu Dordy, como se


realmente precisasse escutá-lo de novo.

Sim, sim.... Eu perguntei.

— Que demônios? — Exclamei.

— Yolanda disse que não voltaria mais a trabalhar com


você. — Explicou Dordy. — Ela trouxe um novo cara há
alguns dias. Frank.

Frank. Sim, Frank Hess treinava no ginásio comigo.


Mais ou menos o dobro do meu tamanho eu sabia
exatamente o que Yolanda fez. Não só havia me substituído,
mas o fez com alguém acima de meu peso, então nem sequer
poderia lutar com ele se quisesse, não sem engordar vinte ou
vinte e cinco quilos. Porra, agora mesmo estava bastante
abaixo do peso médio, provavelmente teria que ganhar trinta
quilos para ter uma oportunidade.

— Sinto muito amigo! — Desculpou-se Dordy. —


Realmente pensei que havia se entendido com ela.

— Você é quem me paga. — Falei. — Que diferença faz


com quem eu treino?
— Liam, você sabe como isto funciona. Yolanda é minha
garota. Ela traz os lutadores. Se não usar o cara que trouxer,
ela leva seu trabalho para outro bar e não tenho ninguém que
faça minhas lutas ou que atraia os combates. Sabe que aqui
essa é a atração principal.

— Eu sou a principal atração! — Exclamei.

— Foi! — Respondeu Dordy — Mas Frank já está


atraindo público.

— Porra! — Murmurei. — Posso continuar ajudando no


bar, como fazia quando estava me recuperando?

— Droga! — Resmungou Dordy. — Sabe que só fazia


isso para te ajudar quando estava convalescente, não preciso
de nenhuma ajuda no bar. Isso só diminui o lucro. Realmente
sinto muito, amigo. Eu darei referências ou o que precisar,
mas aqui não tenho mais nada para você.

Não haveria discussão. Não me incomodei em falar com


Wade ou Gary, peguei os poucos objetos pessoais que ainda
estavam no vestiário e deixei o ―Feet First‖. Enquanto
caminhava, o formigamento de temor crescia lentamente,
estendendo-se por minhas extremidades e me engoliu.

Não seria capaz de completar o aluguel nas próximas


vinte e quatro horas. Morava no apartamento há tempo
suficiente para que o dono provavelmente me deixasse
atrasar um dia, mas não mais do que isso. Baynor devolveu o
dinheiro que estava com ele e, no momento, estava com
quatrocentos e cinquenta dólares em dinheiro. Precisaria de
mais cem para pagar o aluguel.
Sem lutar, estaria total e completamente fodido.

Fazia um grande esforço para não entrar em pânico,


mas não era fácil. Provavelmente, a clínica ainda estava
aberta e seria um bom momento para conseguir a prescrição,
mas nem sequer queria usar os cinco dólares que Baynor
indicou que custaria.

Droga, o que mais poderia fazer para ganhar dinheiro


rapidamente? Deveria começar a procurar outro lugar para
lutar? Tria nunca gostou das lutas, talvez fosse um tipo de
bênção. Ao menos, seria se tivesse o dinheiro suficiente para
pagar o aluguel amanhã.

Fodido, fodido, fodido.

Queria que Tria estivesse aqui, assim poderíamos


conversar. Não queria preocupá-la nem nada, só a queria ao
meu lado. Queria conversar com ela, abraçá-la e...

Maldição.

Assim que cheguei ao apartamento, coloquei o traseiro


no sofá e apoiei a cabeça entre as mãos. Resmunguei alto,
passei as mãos pelo cabelo e olhei a mesa quebrada na
minha frente, o diário estava lá, peguei-o e procurei a página
onde estava minha lista e acrescentei lá em cima:

 Procurar trabalho.

A página seguinte estava em branco. Olhei-a por um


momento e decidi que, depois de tudo, poderia falar com Tria.
Bem, ou alguma coisa parecida. Peguei o lápis da mesa e
comecei a escrever:
Tria,

Quero o melhor para você. Sei que pedi que fizesse


um aborto, mas eu estava assustado, com medo que
acontecesse alguma coisa com você. Ainda não posso
suportar a ideia de que algo ruim te aconteça e me
assusta muito. Mas se quiser ter o bebê, então quero
estar aí para você. Não sei como explicar a bagunça que
tenho na cabeça, só sei que quero estar em sua vida. Se
formos ter um bebê, quero que fiquemos juntos como uma
família.

Não estou certo do que farei para te ajudar e assim


que puder terminar a universidade, mas não voltarei a
lutar. Pensei que você gostaria dessa notícia.

Eu te amo.

Liam.

Perguntei-me se deveria arrancá-la e colocá-la sob a


porta do apartamento da Yolanda, mas estava com medo de
que Tria não quisesse saber de mim. De qualquer maneira,
quem me garante que Yolanda não a rasgasse antes que Tria
a lesse. Sabia que ela normalmente não faria isso, mas a
coisa do trabalho.... Isso me zangou. Sabia que não haveria
outro jeito de conseguir dinheiro e sabia que precisaria ser
capaz de ajudar ela. Inclusive se nunca mais conversasse
comigo, mesmo assim, ainda teria que dar uma pensão em
dinheiro para o bebê.

Nosso bebê.

Droga.

Simplesmente não entendia por que Yolanda faria algo


assim. Estava zangada e tinha toda a razão em estar, mas
ainda parecia golpe baixo.

Engolindo a saliva com dificuldade, joguei o jornal sobre


a mesa, peguei todo o dinheiro que tinha e fui me encontrar
com o proprietário para ver se seríamos capazes de encontrar
uma solução. Ele pegou o dinheiro que eu entreguei, contou-
o e logo, levantou o olhar para mim.

— Faltam cem dólares. — Exigiu.

— Sim, eu sei. — Admiti. — Imaginei que, talvez,


pudesse me dar alguns dias a mais. Conseguirei. Preciso
apenas de um pouco...

— Não! — Interrompeu simplesmente. — Não dou mais


prazo e pelo tempo que mora aqui, já deveria saber. Pague
tudo de uma vez ou saia.

— É que perdi o emprego e...

— Não! — Gritou e fixou o olhar em mim. — Nem outra


droga palavra mais sobre isso, pode ir com ou sem o dinheiro!

Fechei as mãos em punho e tive a sensação de que este


filho da puta conseguiria de mim toda a raiva que esta noite
deveria ser direcionada ao ringue de lutas.
— Vá-se foder! — Gritei enquanto apontava com um
dedo. – Moro aqui há muito tempo, sempre fui um bom
inquilino e nunca atrasei mais de um dia. Ao menos podia me
dar até segunda-feira!

— Não, não posso e não o farei. — Inclinou-se sobre a


mesa com uma das mãos apoiada na superfície. Estava com a
outra sob a mesa, mas não pensei em nada disso. — Eu não
gosto de seu tom de voz e se pensa que me tratará assim,
pode sair daqui. Pode sair e me trazer o resto do aluguel
amanhã ou então, seu cretino, saia do meu edifício.

Tirou a mão que estava embaixo da mesa e de repente


eu olhava para o cano recortado de uma arma. Parte de mim
se perguntava como havia conseguido entrar em um filme de
terror, mas a maior parte somente ficou muito, muito quieta.

— Não faço exceções. — Assegurou. — Sei que está na


pior, mas não me importa. Sem aluguel, não há apartamento.
Tem até manhã a noite para me dar o dinheiro ou ir embora.
Vou te jogar na rua e trocar as fechaduras.

Comecei a abrir a boca novamente, mas pensei melhor.


Não acreditei que ele hesitaria em apertar o gatilho caso se
sentisse ameaçado e as probabilidades eram de que se sairia
bem. Provavelmente, já o fez antes.

Retrocedendo lentamente, mantive as mãos levantadas


onde pudesse vê-las e segui caminhando até a porta.

— Sabe uma coisa? — Questionou. — Esqueça.


Simplesmente tire agora mesmo suas coisas.
— Vamos lá. — Repliquei. Fui muito, muito cuidadoso
em manter a voz baixa. — Moro aqui há muito tempo, tem
que me dar um pouco mais. Verei se posso encontrar...

— Não! — Respondeu de supetão. — Eu não gostei da


sua atitude e, agora mesmo, não me importa nem se tirar o
dinheiro de seu traseiro. Saia!

— Ao menos, me devolva o dinheiro.

— Que se foda. — Falou com desdém. — Tem uma hora


para sair, seu cretino, antes que um grupo de caras bem
maiores e muito piores do que você apareça aqui para dar um
chute no seu rabo.

O estalo da arma finalizou o argumento e saí dali o mais


rápido que pude. Meu coração pulsava com força, embora
não acreditasse que tivesse muito que fazer com uma arma
apontada para o meu rosto. Sentia-me como se estivesse no
meio de alguma avalanche. Tentei pensar em alguma coisa,
mas meu cérebro só me lembrava de que seria muito mais
fácil de dar um jeito nessa situação se tivesse um pouco de
droga em meu sistema.

Entrei no apartamento que já não era nosso, nem meu,


agora era apenas um apartamento, e me apoiei contra a
porta. Dei uma olhada ao redor e me perguntei onde poderia
guardar minhas coisas enquanto tentava ganhar dinheiro
para encontrar outro local.

— Mas já limpei o maldito lugar!


O problema de ser um sem teto depois de ficar
desempregado era que ninguém consegue um trabalho
legítimo sem um endereço fixo. Nem sequer podia preencher
uma droga solicitação sem um. E não havia um modo de que
um empresário me chamasse com uma oferta quando não
tinha um maldito telefone.

Fiz doze dólares ajudando as pessoas a levar suas


compras ao automóvel antes que o gerente da loja chamasse
à polícia. Ao menos foi o suficiente para me alimentar por
mais alguns dias. Nem sequer estava perto de chegar aonde
precisava estar.

Quando fui ao hospital para procurar o doutor Baynor,


descobri que ele teve uma emergência familiar e precisou
deixar a cidade subitamente. Não sabiam quando voltaria.
Ainda tinha o cartão da terapeuta, mas não queria chamá-la.
Não fui apresentado pelo doutor e não ligaria para uma
psiquiatra desconhecida para pedir um lugar para ficar.

Já estava na rua há quase uma semana e estava a ponto


de perder a cabeça. A primavera começava e já fazia frio à
noite. Krazy Katie não se importou em ficar com minhas
coisas em sua casa, eu não poderia ficar no mesmo edifício
sem que o dono me visse. Francamente, acho que atiraria em
mim, se me encontrasse.
Noutra altura, eu até o deixaria. Mas agora não.
Precisava encontrar um trabalho. Teria que pensar em Tria e
me assegurar que conseguiria tudo o que precisasse para
ficar saudável. Era a única coisa que me fazia seguir em
frente, mas então minha determinação começava a ruir. Em
parte, pela horrível situação, mas principalmente pela cena
familiar. Estava de volta à parte rica da cidade, inclusive
porque era um dos poucos bairros onde se podia dormir em
um banco ou um beco sem que a polícia ou alguém me
tirasse de lá. No passado, quando não ocupava ilegalmente
um imóvel, fiquei em um refúgio para os sem teto da região,
mas agora estava em reforma, sem condições de passar a
noite.

Estava a apenas algumas quadras da casa de Max e


sabia que a qualquer momento poderia fazer algumas coisas
para conseguir uma cama, um pouco de heroína e inclusive
comida. Eu não queria ir por esse caminho, precisava
encontrar outras opções. Inclusive havia uma boa
possibilidade de que ele me recrutasse para o tráfico.

Sim, Tria adoraria escutar sobre isso. Papai é um


traficante.

Cada dia ficava mais difícil não ir até lá. Dizia a mim
mesmo que era apenas para conseguir um lugar seco onde
dormir à noite, mas sabia o que aconteceria. Não havia
nenhum modo de ficar tão perto das drogas sem que
encontrasse algum meio para usá-las.

Estava completamente fodido.


Sem trabalho, nem lugar para viver, sem Tria.

Vagando no que parecia ser um modo ausente, parte de


mim sabia que estava dando voltas para chegar à casa de
Max. Não queria ir, mas meus pés tinham vida própria e me
levavam naquela direção. Fechei os olhos com força,
tropeçando um pouco e me forçando a lembrar de que se
fosse por esse caminho, o ligeiro brilho de esperança
acabaria.

Havia uma pequena porta de um lado da rua. Em algum


momento poderia ser à entrada de uma loja ou algo assim,
mas não parecia ser usada há muito tempo. Havia um
cadeado na maçaneta. Inclinei à minha direita e a empurrei
com o ombro. A porta nem se moveu, mas me conteve de
seguir adiante.

Também começou a chover.

Droga de chuva.

Esta tormenta terminaria?

Bater com a parte de trás da cabeça na porta ajudou a


me centrar um pouco. Considerei simplesmente seguir e
encontrar alguém a quem incomodar com a esperança de
começar uma briga, mas as pessoas aqui nunca cercariam
uma briga justa e não precisava que me apunhalassem
novamente.

Que demônio faria? Como melhoraria para Tria se agora


eu tinha menos que quando ela partiu? Sem trabalho, sem
morada. Sem morada, não há trabalho. Além de Yolanda,
realmente não tinha nenhum amigo a quem pudesse recorrer.
Mesmo se Tria não estivesse morando com ela, eu sabia que
Yolanda quis dizer o que disse. Pedir ajuda já não era uma
opção.

Tremendo na soleira, coloquei a cabeça entre os joelhos


e abracei meus ombros. Tentei ignorar a vozinha na minha
cabeça que me dizia como fazer para que tudo desaparecesse,
todo o pesar e toda a dor, apenas por pouco tempo.

Ela disse que queria que eu estivesse limpo.

Disse que era pelo bem do bebê. Ainda não havia bebê.
Apenas um chute. Pode voltar a se desintoxicar.

— Disse.... Disse... — Minha voz quebrou e as lágrimas


se mesclaram com a chuva que caía sobre mim.

Não quero ser assim... Não quero.... Não quero...

A garoa se transformou em um aguaceiro, as enormes


nuvens bloqueavam o sol quase por completo. Havia um
pequeno abrigo onde estava sentado perto do edifício, mas em
pouco tempo ficaria encharcado. Não que eu me importasse
nada mais me importava, exceto conseguir Tria de volta.

Eu precisava encontrar uma forma. Precisava fazer


alguma coisa.

O quê? O que eu poderia fazer?

Olhei para a rua onde sabia que poderia encontrar todas


as drogas que quisesse por um pouco de humilhação. Minha
garganta tremeu quando engoli a saliva e passei o dorso da
mão pelo rosto para secar as gotas de chuva. Mesmo que não
tivesse dinheiro, sempre haveria um jeito se estivesse
disposto.

Só uma agulha.

Uma vez.

Só usaria para voltar a me recompor outra vez e então


poder pensar com claridade e averiguar o que deveria fazer
depois. O brilho de um sonho se converteu em um futuro
potencial quando me vi contando a Tria sobre a última vez
que me droguei. O que teria que fazer para conseguir o
dinheiro necessário para as drogas me golpeou na mente.

Fodido, fodido, fodido.

O que mais poderia fazer?

Minhas opções diminuíam mais e mais. Podia fazê-lo


pelo dinheiro e não pelas drogas.... Não.

Só uma espetada.

Levantei-me usando a porta como apoio e cambaleei rua


abaixo. Disse-me que não estava me dirigindo a nenhum
lugar em particular, mas a ameaça iminente à minha frente
era um grupo de prostitutas partilhando agulhas e fazendo
broches para os homens que paravam o carro no beco.

Só mais algumas quadras a frente.

Tiros me assustaram, e eu olhei para o lado oposto da


rua aonde dois caras vinham correndo belo beco. Subiram na
parte traseira de um oxidado Monte Carlo, que logo acelerou
rua abaixo, quase atropelando uma delas no processo.
Ela deu a volta e gritou alguns insultos enquanto estava
de pé no meio da rua.

— Hey, cara? — Um homem mais velho, com cabelo


branco encaracolado saiu dando tombos de um lado do
edifício. — Tem um isqueiro?

— Um.... Sim... — consegui murmurar. Tirei o isqueiro


do bolso e entreguei para o cara.

— Tem cigarro?

Lindo.

Dei um a ele, que o acendeu com mãos trementes antes


de me dar um obrigado e voltar para o chão, perto do limite
do edifício, onde a chuva não era tão forte. Arrastou-se
alguns metros para uma grande caixa de papelão com o teto
côncavo, assim poderia fumar sem que a chuva apagasse o
cigarro.

Voltei minha atenção aos drogados perto da esquina.


Estavam todos de pé na chuva, drogando-se e parecendo tão
miseráveis como podiam ser. Exceto que sabia que não se
sentiam miseráveis. Sentiam-se fantásticos.

Ela quer que eu fique limpo.

— Não quer nada de mim. — Murmurei. — Não tenho


nada a oferecer.

Deu um nó na minha garganta e precisei me deter por


um momento e me apoiar contra uma parede. Elevei a cabeça
para o céu e a chuva caiu sobre mim, me ensopando por
completo.
Dobrando-me, coloquei os braços sobre o estômago e
fechei os olhos com força. Depois de um minuto mais ou
menos, consegui começar a respirar bem outra vez, mas
minha cabeça ainda estava agitada de hiper ventilar. Em
minha mente, vozes insistentes batalhavam entre si.

Preciso de Tria.

Ela não te quer.

— Não a mereço. — Sussurrei. — Não assim. Ela não


precisa ficar com alguém assim, não quando está.... Está...

Uma umidade quente encheu meus olhos e desceu pelas


minhas bochechas.

— Ela terá o meu bebê.

Morder o interior das bochechas foi a única maneira que


consegui evitar meus gritos, não é que alguém ao meu redor
tivesse notado ou se importasse. Atravessei, dando tombos na
rua para um beco, a ponto de tropeçar em um homem
curvado, no chão. Baixando a vista, vi seus olhos abertos
como pratos e com o olhar perdido no céu. Estremeci um
pouco e fui para o outro lado do beco antes de seguir em
frente.

Havia passado anos desde que estive nesta parte da


cidade, mas ainda me lembrava de onde estavam as coisas.
Honestamente, não havia muito, uma destilaria que ficava em
frente a uma casa de apostas ilegal e uma casa de tabaco
barato que tinha ao menos uma janela quebrada. Havia outra
relíquia de um lado da rua e enquanto me aproximava,
esperava e rezava para que ainda funcionasse. Fiquei muito
surpreso quando abri a porta de dobradiças da cabine
Telefônica e vi que havia um telefone dentro dela que ainda
funcionava.

Rebuscando nos bolsos, consegui tirar moedas


suficientes para uma ligação local. Assim que consegui
sustentar as moedas firmemente nos dedos para colocá-las
na ranhura, consegui marcar todos os números conhecidos
em ordem. Respirei longa e profundamente e coloquei o
telefone na orelha.

— Olá? — Disse uma voz familiar no telefone. Havia


alguns sons ao fundo e imaginei que estava no carro.

— Um... Olá, Michael. — Saudei.

— Liam? — Definitivamente estava surpreso.

— Sim, sou eu.

— É um prazer ouvir você. — Comentou. — Embora não


posso dizer que não esteja surpreso. A última vez que vi você
pensei que fosse matar meu irmão durante a recepção de
meu enteado.

— Sim.... Bem... — Não tinha nem ideia se deveria rir,


pedir perdão ou apenas lembrá-lo que foi a esposa
manipuladora de Ryan que me arrastou até lá em primeiro
lugar. Poderia ter tentado seguir por essa direção, mas não
tinha a força mental, assim fui pela opção mais rápida. —
Sinto muito por tudo.

— Sente? — Questionou brandamente.

— Não realmente. — Admiti.


Um rápido suspiro no telefone foi seguido pela voz de
Damon no fundo, mas não pude escutar o que disse.

— Já chegou tarde. — Respondeu Michael. — Já peguei


a autoestrada.

Ouvi mais alguns murmúrios ao fundo antes que


voltasse a falar comigo.

— Então, a que devo o prazer de sua chamada? —


Perguntou Michael. — Tenho que fazer um discurso em uma
das amostras da joalheria na convenção do centro. Seu pai
está em Lima, trabalhando na aquisição de uma nova mina,
assim de momento só estou eu mesmo.

— Oh, isto... — Ainda não tinha nem ideia do que dizer.


Tossi um pouco e coloquei a mão no bolso para pegar um
cigarro.

— Liam? — Perguntou Michael. — Está tudo bem?

— Um.... Acredito que.... Não? — Não queria que


parecesse como uma pergunta, mas o peso de tudo caiu de
volta sobre meus ombros e me agachei sobre o chão da
cabine telefônica para não cair. Sem aviso prévio, comecei a
chorar alto.

— O que está errado? — Perguntou Michael, com tom


definitivamente alarmado agora. — Liam? O que aconteceu?

— Tria.... Ela.... Deixou-me — confessei.

— Oh, Liam. — Murmurou com simpatia no telefone. —


Sinto muito. Vocês pareciam se entender tão bem.
— Eu a fodi. — Sussurrei no telefone. — Não foi ela.
Simplesmente a fodi toda. — Dei uma longa tragada em meu
cigarro e logo comecei a tossir enquanto a chuva aumentava
ao redor da pequena cabine de vidro. Os trovões estalaram no
céu e um par de bêbados saiu dando tombos do bar e
perambularam pela calçada.

— Se tivesse dinheiro, encontraria uma puta para foder!


— Declarou um ao outro enquanto caminhavam.

Seu companheiro lhe deu um tapa nas costas, quase o


fazendo cair e continuaram adiante.

— Realmente fodi tudo.

— Você sabe que pode contar comigo. — Assegurou-me


Michael. — Apesar de toda a loucura do passado. Inclusive
quando bateu em Douglas e colocou fogo no bolo de
casamento, sempre poderá contar comigo. É para isso que
serve a família, Liam. Esqueceu-se completamente?

Eu senti um nó na garganta e meus olhos arderam


novamente. Passei a mão sob o nariz e respirei fundo.

— Sim. — Sussurrei.

Houve uma longa pausa do outro lado do telefone.

— Quer que eu vá te encontrar para irmos a algum lugar


para tomarmos um café? — Perguntou Michael. — Aquela
cafeteria que você sempre gostou desde que era menino ainda
está aberta, apesar da grande empresa ao fundo da rua.

— Disse que precisava fazer um discurso. — Falei.


— Posso usá-lo como desculpa para não o fazer. —
Informou-me. — Odeio essas coisas.

— Uh.... Sim — respondi. — Está bem.

— Está em seu apartamento?

— Bem.... Não. — Passei a mão pelo rosto. — Estou...


Bem... Estou... Droga.

— O que foi? — Interrogou Michael. Agora parecia ainda


mais preocupado. — Preciso pagar a fiança?

— Não.... Apenas.... Bem, não tenho mais um


apartamento.

— Entendo. — Comentou Michael em um sussurro. —


Onde está agora?

— Em uma cabine telefónica — informei. — Fica... Entre


a Central e a Nove.

— Escutei bem?

— Sim, provavelmente. — No que se referia às piores


regiões da cidade, esta levava o prêmio.

— Porra. — Murmurou Michael. — Liam, está.... Está se


drogando outra vez?

— Estou tentando não o fazer. — Respondi e me rompeu


a voz. — Fiz isso por um tempo.

— Damon, sairemos daqui, dirija para sul. — Ordenou a


voz apagada de Michael.

— Liam, vá para...
Parou de falar por um momento e colocou a mão sobre o
telefone, porque conseguia escutar sua voz, mas não
entender suas palavras. Voltou rapidamente.

— Existe uma sapataria a duas quadras de onde você


está. — Indicou-me. — Ainda deve estar aberta. Vá até lá.
Chegarei em... Vinte e dois minutos, se este GPS for confiável.

— Eu irei. — Baixei os olhos para os últimos quatro


dólares que tinha na carteira. — Bem... Michael?

— Sim, Liam?

— Disse... Bem... Sempre disse que se precisasse de


alguma coisa... — Deixei a frase pela metade, esperando que
eu não precisasse ter que lembrá-lo. Quando a pausa ficou
muito longa, cuspi — Sempre disse que se precisasse de
alguma coisa, poderia pedir.

— Sim, sempre te disse isso. — Concordou Michael. —


Então, o que precisa de mim, Liam?

— Preciso de um trabalho. — Respondi.

Nunca fui de engolir o orgulho, mas era a única opção


que tinha no momento.
Engolir o orgulho.
— Jesus, Liam, está um desastre.

Michael me arrastou até o banco de trás do carro com a


ajuda de Damon. A chuva ficou muito fria e eu estava
tremendo em minha jaqueta. Damon pegou a sacola do
ginásio que eu tinha em meu ombro e a jogou no porta-malas
do Rolls Royce.

— Há uma manta aí atrás? — Michael gritou pela janela


aberta.

— É obvio senhor. — Respondeu Damon. Um momento


depois, envolveu uma dessas mantas ao redor dos meus
ombros.

Falou-se muito pouco enquanto Damon nos levava à


mansão de Michael, ao norte da cidade. Olhei pela janela e
observei as luzes das ruas e os automóveis que passavam,
tentando eliminar qualquer pensamento ruim da minha
cabeça ao mesmo tempo. Pensar só.... Doía

Michael deve ter ligado antes para sua esposa para


avisar que entrei em contato com ele, porque ela estava nos
esperando no alpendre quando o automóvel parou em frente
à entrada. Inclusive manteve a porta aberta para mim
enquanto eu me movia para o vestíbulo e tentava não
escorregar por causa dos meus sapatos molhados. Tirei-os e
o mordomo de Michael pegou os sapatos com um olhar de
desgosto. Ignorei o olhar que ele me deu. Chelsea se
aproximou e sorriu com cautela.

— Venha comigo. — Disse em voz baixa.

Pegou minha mão e me levou pelas escadas como se


tivesse esquecido onde estava o banheiro. Não tinha força
para fazer nada mais do que a seguir, assim a observei
passivamente enquanto me sentava em um banquinho perto
da banheira e me preparava um banho.

— Espuma? — Perguntou.

Apenas tive força suficiente para levantar uma


sobrancelha, o que a fez rir.

— Não fale que eu te contei, — disse — mas Ryan adora


tomar banhos com bastante espuma. Diz que são muito
relaxantes principalmente quando teve um dia longo ou
quando as coisas não correram muito bem. Você parece como
se precisasse muito disso.

Sem esperar que respondesse, adicionou um líquido


púrpura bem debaixo do jato de água e as bolhas começaram
a se formar. Uma imagem mental de Ryan, com seu metro e
oitenta, banhando-se com espuma na banheira, me fez rir um
pouco.

— Não o recuse até que experimente. — Disse Chelsea


com um sorriso.
Revolveu a água da banheira uma vez mais,
pulverizando as bolhas, assim não ficariam todas juntas em
um lado só e ajustou a temperatura da água. Pegou uma
esponja e algumas toalhas brancas do armário e as deixou no
aparador.

— Por que está fazendo isso? — Perguntei. — Quero


dizer, acabei com o aniversário de seu filho e acredito que não
trocamos mais do que dez palavras um com o outro em dez
anos.

Chelsea franziu o cenho.

— É o sobrinho de Michael. — Explicou com


simplicidade. — Fiquei esperando para fazer isso por você
desde que partiu há tantos anos. Inclusive conversamos
sobre isso.

— Conversaram sobre isso? — Era minha vez de ficar


confuso. — Do que está falando? Quem falou sobre isso?

— Michael e eu. — Disse. — Quando estava muito


preocupado com você, ficávamos imaginando que um dia
voltaria para a sua família. Michael imaginou que talvez
quisesse vir aqui primeiro e sabíamos que passava por uma
fase difícil... bem, imaginamos que precisaria de um pouco de
amor, carinho e cuidados quando decidisse vir até nós. Foi
muito difícil para ele não pedir que voltasse para casa, mas
você ficou muito bravo quando conversaram. Michael tinha
muito medo de que realmente se ferisse nas ruas e ele se
sentia melhor quando conversávamos e planejávamos sua
volta.
Os olhos da Chelsea estavam cheios de lágrimas quando
ela me olhou.

— Ele gosta muito de você, Liam.

Meu olhar era inexpressivo. Lembrei-me quantas vezes


Michael tentou se aproximar para tentar me convencer a
conversar com ele, dizendo: ―me diga o que sente, volte para
casa, aceite uma oferta de trabalho‖, mas eu sempre o
mandava a merda e pedia que me deixasse sozinho. Com o
tempo, não me procurava tanto, mas quando o fazia, usava
uma aproximação mais sutil e nos últimos tempos visitava-
me apenas uma ou duas vezes ao ano.

Sempre fui um completo idiota com ele quando aparecia.

— Nunca se deu por vencido em relação a você. —


Disse-me, como se lesse minha mente. — Quando se afastou
de todos, sabíamos que era uma questão de tempo. Não se
pode tirar alguém da escuridão até que esteja preparado.

Fechou a torneira, levantou e se aproximou de mim.


Esticou seus braços e os envolveu ao redor dos meus ombros,
me abraçando. Por instinto, coloquei meus braços ao redor de
sua cintura.

— Sua própria mãe deveria fazer isso, — Chelsea disse


brandamente, enquanto mexi a cabeça — mas de algum
modo, não acredito que deseja que a chame.

Lambi meus lábios e apoiei a cabeça no ombro de


Chelsea. Cheirava a salada de frutas.

— Não neste momento. — Respondi em voz baixa.


Afastou-se para trás e colocou suas mãos sobre minhas
bochechas.

— Ela sente tanta saudade — disse. — Ambos sentem.

Fiquei rígido com suas palavras e meus ombros se


esmagaram contra meu corpo. Quando a olhei, havia
lágrimas em seus olhos, apesar do sorriso através delas.

— Vou deixá-lo aqui. — apontou para a banheira. — No


armário há alguns pijamas de Ryan para você. Michael está
falando com o cozinheiro para que ele prepare um jantar
decente, não parece que estava se alimentando muito bem.

Decidi não dar detalhes do quanto essa declaração era


verdadeira.

Chelsea fechou a porta e tirei minha roupa molhada


antes de entrar na banheira. Estava quente e as bolhas
cheiravam bem. Feminino, para ser mais preciso, mas não
cheiravam a Tria. O aroma era o que imaginava que
cheiravam as avós, entretanto, não conseguia lembrar-me da
minha. A mãe do meu pai morreu quando eu era um bebê e
minha outra avó havia falecido antes que eu nascesse.

O banho me fez tão bem que eu nem me importava se


saísse cheirando como uma senhora. Encostei-me contra o
extremo da banheira e afundei até ao queixo, com os olhos
fechados.

A água quente me esquentou e a comida que o


cozinheiro de Michael preparou nutriu meu corpo. Depois de
não aguentar mais comer, ele me levou até um dos quartos
de hóspede e me ajudou a deitar na cama. Provavelmente, ele
queria falar comigo um pouco mais, mas dormi quando
minha cabeça fez contato com o travesseiro.

Despertar na casa de Michael foi irreal.

Havia uma parte desesperada e imatura em mim que


queria acreditar que tudo pelo que passei fora somente um
sonho e estava de volta ao instituto depois de ter passado
muitas horas jogando videogames na sala de jogos com Ryan
e Mandi e era muito tarde para voltar para a casa. Por mais
que fosse muito tentador seguir com a fantasia, a dor de
cabeça, a coceira no interior do meu braço e o conhecimento
de que havia uma mulher lá fora que precisava da minha
ajuda quando eu não era mais do que um grave desastre para
ela, trouxe-me de volta à realidade rapidamente.

Virei-me sobre os lençóis suaves de algodão egípcio e


esfreguei meu rosto contra o travesseiro do mesmo material.
Depois de todos os anos, ainda era familiar. Muito estranho,
mas não encontrava conforto na comodidade. Preferia muito
mais acordar em meus lençóis de cento e cinquenta fios da
Big Lots, com os braços envoltos ao redor dela. Essa era
minha definição de comodidade.

Bocejei e sacudi a cabeça um pouco. Com exceção da


dor de cabeça, não me sentia muito mal. Dormi muito bem e
me perguntava quanto desse relaxamento tinha a ver com o
longo banho de água quente com aroma de lavanda.

— Está acordado?

Michael apareceu na soleira da porta e eu fiz um gesto


para que entrasse.

— Como se sente?

— Bem, acredito. — Respondi encolhendo os ombros.


Apoiei-me sobre os travesseiros e respirei um pouco. —
Melhor, sem dúvida. Obrigado.

— Chelsea acredita que ficará. — Disse Michael


enquanto se sentava na cadeira ao lado da cama. — Disse-lhe
que não tivesse muita esperança.... Bem, que eu não as
tivesse, na realidade.

Por mais que meu orgulho quisesse apenas dizer um


rápido obrigado e sair, não poderia fazer mais isso.

— Posso? — Perguntei tranquilamente. — Quer dizer,


apenas por algum tempo? Até que possa resolver as minhas
coisas?

— Pode ficar aqui todo o tempo que quiser. — Disse


Michael. O alívio e emoção em seus olhos eram óbvios. — Não
há nada que eu queira mais.

— Vai.... Falará ao meu pai que estou aqui?

— Não, se não quiser que eu fale. — Disse. —


Entretanto, em algum momento, ele perceberá. Ele e Julianne
sempre jantam conosco aos domingos.

— Vou esconder-me. — Falei.


— Sabe que não será suficiente.

— Que dia é hoje? — Perguntei. Michel deixou sair um


longo suspiro.

— Quarta-feira.

— Então tenho tempo para pensar, não? – Falei. —


Tenho que melhorar, ou estou fodido.

— O que quer dizer?

— Tria.... Disse-me que tinha que fazer algumas coisas


antes dela... Bem, antes de considerar voltar comigo. Preciso
de um trabalho melhor...

— Que porra? — Murmurou.

— Não é assim! — Espantei-me, sabendo que ele não


entendeu. — Ela somente.... Precisa que eu esteja bem.... Por
ela e...

— E? — Perguntou Michael quando não continuei.

Neguei movendo a cabeça, levantei-me da cama e fui até


a sacola do ginásio do outro lado do quarto. Abri e tirei o
diário com capa de tecido. Virei as páginas e mostrei o que se
converteu em minha lista original.

Fazer uma lista:

 Limpar o apartamento;

 Fazer uma entrevista com o psicólogo;

 Conseguir as prescrições do psicólogo;


 Falar com mamãe;

 Pôr em ordem minhas coisas;

 Recuperar a Tria;

 Conseguir um trabalho;

 Não comprar heroína;

 Encontrar um melhor lugar para dormir;

Michael leu a lista, incluindo as poucas coisas que


acrescentei desde que estive vivendo nas ruas.

— Podemos riscar estes. — Disse enquanto apontava os


dois últimos pontos.

Assenti.

— Apenas preciso de um trabalho. — Falei finalmente.


— Yolanda me despediu como lutador e não consigo
encontrar mais nada. Estava sem dinheiro para o aluguel e
agora... bem, não tenho como encontrar um serviço. Preciso
de dinheiro para Tria.

— Disse-me que terminou com ela. — Recordou-me


Michael.

— Ela foi embora. — Corrigi.

— Acredito que perdi alguma coisa aqui. — Disse


Michael. — Por que precisa de dinheiro para ela se já não
estão mais juntos? Acredita que pagará para que volte
contigo?

— Não! — Gritei. — Ela não é assim!


— Bem, não seria a primeira vez. — Disse cinicamente.

— Não tenho nada, Michael! — Lembrei-o. — Ela não é


como Amanda e suas mãos imundas tentando obter tudo
para ela!

— Você tem muito. — Grunhiu novamente, ignorando


meu comentário sobre sua nora. — Você sabe e um monte de
outras pessoas também. Nunca houve uma mudança no
testamento, Liam. Tudo pertencerá a você no final.

— Não quero.

— Não deixará de ser seu. — Replicou Michael. —


Herdará muito como sócio majoritário em hotéis, também.

Grunhi por dentro e esfreguei os olhos. Não queria


pensar em toda essa bagunça e muito menos falar sobre isso.

— Preciso de dinheiro para a Tria. — Falei.

— Por quê? — Perguntou Michael. Inclinou-se um pouco


para trás e cruzou os braços enquanto me olhava.

— Está grávida. — Falei finalmente em voz baixa. Os


olhos de Michael arregalaram.

— Ela sabe? — Perguntou em voz baixa. — Quero


dizer... sobre... sobre...

— Aimee. — Sussurrei. Meu estômago apertou e me


inclinei para frente um pouco, tentando me controlar.

Michael assentiu em reconhecimento.

— Disse-lhe, mas já era muito tarde. — Continuei. — Já


havia fodido tudo. Tenho que ser capaz de ajudá-la, Michael.
Embora ela não queira falar comigo, não tem dinheiro nem
médico, vitaminas e toda essa porcaria. Tenho que ser capaz
de apoiá-la para que se mantenha saudável. Se acontecer
alguma coisa com ela...

Não pude dizer nada mais e Michael assentiu com


solenidade.

— Possivelmente deveria me contar o que aconteceu.

Levantei meus joelhos até ao peito, apoiei o queixo neles


e relatei as últimas duas semanas a Michael. Consegui falar
tudo sem chegar a vomitar, embora o considerasse em um
par de ocasiões.

— Assim, tenho que conseguir um trabalho. — Terminei.


— Tenho que fazer o suficiente para ser capaz de mantê-la e
não posso lutar no momento, não sem que alguém tenha
lutas programadas e me treine.

— Que eu saiba ela não gosta dessas lutas. —


Lembrou-me Michael. — Talvez seja a hora de uma mudança.

Assenti lentamente enquanto olhava meu tio.

— Eu faço qualquer coisa. — Disse-lhe.

— Trabalhe comigo. — Disse. — Vou colocá-lo na lista


de pagamentos na segunda-feira e pode ficar aqui o tempo
que quiser. Tria... já foi ao médico? De quantos meses está?

— Não sei. Caralho, Michael, não tenho nem ideia!

O pânico que lutei durante todos esses dias estava


perigosamente perto de me atingir novamente. Minhas mãos
começaram a tremer e eu não conseguia respirar, não havia
ar suficiente em meus pulmões. Comecei a ficar enjoado e
saltei quando a mão de Michael entrou em contato com a
minha pele.

— Calma Liam! — Sua mão pousou em meu braço. —


Relaxe, faremos com que isso funcione.

Neguei de novo.

— Acabou. — Sussurrei. — Não há nada mais que se


possa fazer, não agora. É muito tarde.

— Nada disso. — Disse Michael com suavidade. — O


Liam que conheci a vida toda ainda está aí em algum lugar e
nunca renunciou a nada. Prioriza quais as coisas mais
importantes em sua vida, e não se renderá agora. Se o tivesse
feito, teria uma agulha em seu braço em vez de uma conversa
comigo.

Levantei minha cabeça e nós olhamos durante um longo


momento.

— Não sei o que fazer. — Disse em voz baixa. — Tudo


está nas mãos dela, não tenho nenhuma escolha aqui.

— É obvio que tem. — Disse Michael. — Como reagirá a


tudo isso é sua escolha. Então vamos nos centrar nisso, sim?

Assenti.

— Está bem. — Disse enquanto dava um longo suspiro


— Vamos pensar nos objetivos aqui.

— Objetivos?
— Deve ter um objetivo. — Disse-me Michael. — Não
lembra? Averiguar onde está agora e onde quer estar, então
começar a dar os passos para chegar lá.

— Isso me parece como alguma coisa que meu pai diria.

— Ele disse. Muitas vezes. Então, qual é o primeiro?

— Preciso trabalhar.

— Não, primeiro os objetivos. Conseguir um trabalho é


um trampolim, não a meta final. Qual é seu objetivo final?

Concentrou seus olhos escuros nos meus e me prendeu


em seu olhar por um momento. Sabia exatamente o que
estava dizendo, era uma lição que me dava em uma idade
muito tardia. Ainda podia ouvir suas palavras.

— Pense no que deseja ou precisa. Logo subirá os


degraus para alcançá-lo. Conheça seu objetivo. Então, fixe
sua meta e deixe que aconteça.

— Quero minha família. Tria, o bebê e eu. Quero que


fiquemos juntos. — O sorriso de Michael se estendeu por todo
seu rosto de uma forma que era, provavelmente, muito
horripilante para qualquer um que não o conhecesse. Seus
olhos abriram e suas sobrancelhas levantaram quando me
deu um amplo sorriso.

— Então, este é o objetivo.


Depois de discutir durante bastante tempo na mesa do
café da manhã, Michael e eu conseguimos descartar muitas
posições possíveis no que se referia ao hotel. Ele queria me
colocar como executivo e me dar um salário de seis dígitos,
quando o lembrei de que nunca obtive um diploma em
negócios e que nem sequer possuía um certificado da escola
secundária, para o cargo.

A falta de um diploma limitava os postos de trabalho


para os quais estava qualificado, inclusive para solicitá-los e
não estava disposto a aceitar nepotismo para o próximo nível,
permitindo que ele me desse um posto que não estivesse nem
remotamente capaz de exercer. Apesar de tudo, ainda me
restava um pouco de orgulho e sabia que não precisava nem
de longe do tipo de dinheiro que Michael estava me
oferecendo. Só queria um trabalho normal com um salário
fixo.

Michael arrastou consigo um notebook e começou a


procurar na base de dados por outras vagas. Quase todas
elas precisavam ao menos de um diploma de escola
secundária e Michael tentava não me empregar para fazer o
trabalho de zelador em um dos edifícios. Rolei os meus olhos
e o deixei continuar procurando, mesmo tendo certeza de que
esse seria o único cargo que eu estava capacitado.

A doze dólares a hora, poderia ao menos trabalhar por


tempo suficiente para fazer algum dinheiro e conseguir que
Tria fizesse algumas consultas médicas. Michael parecia
pensar que eu enlouqueceria fazendo esse tipo de trabalho e
não discutiria esse ponto. De qualquer modo eu não me
importava, pois se não conseguisse Tria de volta, aí sim
enlouqueceria, e esse era o primeiro passo.

— Hum... — cantarolou enquanto tocava com um dedo


no botão do mouse. — Isto poderia ser interessante.

— O que tem aí? — Perguntei. Aproximei-me um pouco


mais para poder ver a tela.

— Se não me falha a memória, fez um pouco de


colocação de pedras em sua juventude, não?

— Sim, não muito. — Falei. — Nada muito especial, mas


posso fazer o básico. Pelo menos.

— Ótimo, possivelmente temos alguma coisa para você


bem aqui. — Michael me olhou com as sobrancelhas
levantadas.

— É uma das principais lojas, a que se encontra acima


de Glendale. Há duas vagas para bisel (colocadores de pedras
em joalherias).

Apontou a parte relevante da lista, no site da Web, e me


inclinei para ver melhor. A vaga era para alguém que pudesse
fazer bisel bastante simples e algumas coisas mais delicadas,
o que fiz muitas vezes em meu segundo ano da escola
secundária. Não era um perito, mas fiz algumas peças
bonitas para o aniversário da minha mãe, naquele ano.

— Esta é sua oficina básica, não? — Perguntei. — Quero


dizer, não tem que fazer uma grande quantidade de trabalho
artístico por lá. Só terei que colocar uma pedra e seguir em
frente, certo?
— Certo, — confirmou Michael — mas está qualificado
para isso.

Tocou a tela com o dedo e olhei os requisitos. Ele tinha


razão, não havia a necessidade de um diploma da escola
secundária e só especificava uma mínima experiência. Por
um breve instante, fui golpeado com uma onda de otimismo.

Logo me dei conta de outra coisa.

— Você não é o responsável pela parte das joias dos


negócios. — Disse-lhe.

— Não... não sou. — admitiu Michael.

— Não tem como me dar esse trabalho. — Recostei-me


na cadeira e dobrei meus braços sobre o peito. Minha pele
coçava enquanto as implicações do que tentava arrumar
ficavam claras. — Trabalharia para meu pai.

— De uma forma muito, muito indireta. — Explicou


Michael. — Não é como se estivesse no edifício onde ele
trabalha. Provavelmente nunca o veria.

— Mesmo assim é trabalhar para ele. — Repeti.

— Sim, tecnicamente, seria.

— Droga, Michael! — Fiquei de pé e o olhei.

— Vinte e cinco dólares a hora, Liam! — Michael ficou


de pé ao meu lado. — É isto ou o posto de zelador e este
salário é quase o dobro. O que seria melhor para Tria?

Eu poderia dizer que estava um pouco frustrado comigo


mesmo. Não que não houvesse razão. Não tinha a menor
ideia de como executar qualquer um dos trabalhos sobre os
quais conversamos. Inclusive lavar banheiros dificilmente
fosse meu forte. Este, entretanto, sabia como fazê-lo. Estava
enferrujado e fora de prática, mas conseguia lembrar o
básico.

E se fosse completamente honesto, uma vez inclusive


gostei da tarefa.

— Droga. — Murmurei, mas toda a minha briga indo


embora.

— Isso significa...? — Michael me olhava enfaticamente,


tentando ler entre as linhas da minha desagradável frase.

— Tentarei. — Suspirei.

— Bom! Agora vamos juntar alguma coisa que ao menos


pareça um currículo, está bem? — O celular tocou e ele
suspirou enquanto se esticava e olhava na tela antes de
colocar seu telefone de volta no bolso.

Aproximou seu notebook e começou a procurar através


de alguns sites diferentes, alguns modelos para currículo.
Colocamos todas as minhas informações e seu endereço como
sendo meu também. Inclusive usamos meu trabalho no bar
como experiência e pusemos Dordy como referência.

O telefone de Michael tocou novamente, e quando olhou


para a tela, o ignorou. Ao continuar tocando, ele finalmente
se rendeu.

— Maldição. — Grunhiu. — Não sei quem é, mas me


deixe atender assim param de interromper.
— Está bem. — Murmurei. Enquanto ele respondia a
chamada, fui até a janela e olhei para a colina onde uma fina
linha do rio era visível. Perguntava-me se teria tempo para
sair e fumar sem que Chelsea notasse o que estava fazendo.

A mulher falando com Michael estava bastante alterada


ou muito nervosa, eu conseguia escutar o som de sua voz
através da sala, embora as palavras estivessem muito
amortecidas para que conseguisse entendê-las. Michael
parecia não conseguir dizer uma palavra em resposta e o
olhar em seu rosto era comicamente tenso. Finalmente,
elevou sua voz.

— Tria, por favor, fique calma! — Gritou — Liam está


bem... olhou-me e senti minhas vísceras caírem até meus
sapatos. — Ele está aqui comigo agora.

— Deixe-me falar com ela. — Falei enquanto


rapidamente atravessava o lugar. Queria que minhas
palavras parecessem normais, mas não pareceram nada mais
que um rogo. Ainda podia escutar a voz que agora era
dolorosamente familiar enquanto me aproximava de meu tio.

— Talvez fosse melhor que ele mesmo explicasse. —


Dizia Michael. — Liam quer falar com você.

Peguei o telefone de sua mão.

— Tria?

— Liam! Liam! — A voz mais doce do mundo estava


justamente em meu ouvido e a inabilidade de realmente ver
seu rosto ou tocar sua pele me fazia enlouquecer.
— Estou aqui. — Sussurrei.

— Oh Deus! — Soluçou e continuou falando, mas suas


palavras eram todas incoerentes pelo pranto e não pude
entender quase nada do que dizia.

— Devagar! — Gritei no telefone. — Jesus! Está bem?


Deus, por favor, Tria, me diga que está bem!

Os sete segundos que ela demorou a recuperar o fôlego


foram o suficiente para que entendesse que foram os
momentos mais longos da minha vida.

— Estou bem. — Falou.

Deixei escapar um ligeiro suspiro, mas não foi


suficiente.

— E... E está... quero dizer, ainda está... — Afoguei-me


com minhas próprias palavras. — Está tudo bem contigo?
Com... Ehh... O...

— Ainda estou grávida, sim.

Meu corpo relaxou e deixei sair um suspiro muito mais


audível.

— Estava tão preocupada. — Disse ela. — Quando eles


me deram a intimação, o policial perguntou se eu sabia onde
encontrá-lo. Estavam te procurando por todos os lados.

— Intimação?

— Nós teremos que ir a um tribunal para depor contra


Keith. — Disse-me. — É pela sentença, já que ele se declarou
culpado de assalto grave ou alguma coisa assim. A polícia
disse que tentaram falar com você em casa e no trabalho,
mas não conseguiram te localizar.

— Sim, as coisas estiveram um pouco... loucas. —


Encolhi-me ante a minha admissão.

— Fui ao apartamento, mas ninguém respondeu quando


toquei. Fiquei preocupada, então tentei abrir a porta com a
minha chave, mas não funcionou. Então uma mulher subiu
pelas escadas e começou a gritar para que eu saísse do
apartamento dela.

Tria começou a chorar de novo.

— Tria, onde está?

— Estou no ―Feet First‖. — Disse. — Acabei de bater na


Yolanda.

— Você o quê? — Gritei no telefone.

— Preciso ver você, Liam.

Levantei o olhar para o Michael.

— Pode emprestar-me Damon e um carro?

— É obvio.

— Tria, estarei aí assim que puder. — Disse. — Só fique


na frente com o Wade, pode ser?

— Está bem. — Soprou outra vez.

Embora eu não quisesse, desliguei o telefone e o


entreguei a Michael. Um minuto depois, estava na parte de
trás do Rolls e Damon dirigia para a estrada.

— Sabe aonde vamos? — Perguntei a Damon


— É obvio senhor Teague. — Respondeu Damon. —
Levei seu tio a esse local em particular, muitas vezes.

Tentei me lembrar de quantas vezes Michael veio ao


―Feet First‖ e me dei conta que foram muito mais do que
apenas uma vez por ano. E o via de vez em quando, mas
geralmente escolhia ignorá-lo. Algumas vezes, ele se
aproximava, mas geralmente se rendia e acabava indo
embora sem dizer nada.

Quantas vezes? Quantas vezes ele esteve aqui, tentando


me ajudar e eu agi como um completo idiota com ele?
Quantas vezes Ryan fez o mesmo? Quantas vezes, Chelsea
ligou só para que eu não a atendesse?

Deus eu fui um idiota.

Michael vinha para assegurar-se que eu estava bem em


Portland e o havia ofendido por fazer o que provavelmente era
uma bastante razoável hipótese sobre o tipo de companhia
que andava comigo. Mesmo depois de tudo, ele ficou e tentou
conhecer Tria. Inclusive deixou dinheiro para a viagem.

Ele sabia que eu não pediria e sabia que deveríamos


estar precisando, ou não teríamos ido até seu hotel, em
primeiro lugar. Fez tudo isso por nós... bem, por mim. Não
conhecia Tria. Não pediu nada em troca. Apenas estava lá.
Esteve lá para mim.

Porra!

Esfreguei as palmas das mãos sobre meu jeans e fechei


os olhos por um minuto. Meu estômago tinha cãibras de
novo, mas havia tantos pensamentos fodidos passando pela
minha cabeça, que eu não sabia a qual deles culpar.

Olhando pela janela, reconheci a área e soube que


estávamos perto. Havia um monte de pessoas paradas ao
redor do ―Feet First‖, fumando ou apenas passando o tempo.
Não consegui encontrar Tria imediatamente e senti o pânico
acumulando-se dentro de mim.

Disse que precisava falar comigo, mas e se ela havia


mudado de ideia? E se percebeu finalmente o total idiota que
fui e decidiu apenas mudar a direção para qualquer lugar,
longe de mim, cortar as amarras, cortar suas derrotas e
simplesmente ir embora?

Damon estacionou na calçada, bem em frente ao bar.


Tria deve ter reconhecido o automóvel, embora de todas as
formas ele se destacasse nesta vizinhança e imediatamente
apareceu no meio da multidão. Correu para a porta traseira
do automóvel, abriu e saltou no interior antes que Damon
tivesse a oportunidade de dar à volta para abrir para ela. A
porta se fechou fortemente atrás dela quando ela se jogou em
mim.

Pela primeira, vez desde que me contou sobre a gravidez,


tudo me pareceu bem de novo.

Seu aroma não estava mais apenas na minha mente,


mas sim me rodeava, enchendo a parte de trás do carro e na
minha mente, era como tudo de bom e correto no mundo.
Envolvi meus braços ao seu redor e a apertei contra meu
peito. Ela se envolveu em meus braços enquanto Damon
manobrava o carro de volta para a estrada. Sustentei-a tão
forte quanto pude, como se toda minha vida dependesse de
sua presença.

Talvez dependesse mesmo.

Quando suas lágrimas tocaram minha pele, não pude


evitar chorar com ela. Chorava em meu ombro e pescoço e
seu corpo se sacudia tão forte, que seguia sentindo que meu
abraço não seria forte o bastante para segurá-la comigo.

Não deixaria que se fosse.

— Desculpe-me! — Soluçou Tria. — Sinto tanto! Nunca


devia ter te deixado...

— Deveria sim... eu merecia. Deus Tria, Desculpe-me...


Nunca te decepcionarei de novo... Juro.

— Estava tão assustada e não sabia sobre tudo o que


você passou...

— Nunca te disse nada...

— Estava com muito medo pelo bebê... fui um idiota


contigo... com todos...

— Disse que estava usando de novo...

— Você desapareceu e me assustei...

— Não sabia o que fazer...

— Nunca te deixarei novamente, Tria, eu prometo a


você.

Era entristecedor, catártico, doloroso, eufórico e


exaustivo. No momento em que ambos colocamos tudo para
fora, todas as desculpas, estávamos chorando um sobre o
ombro do outro e nos apertamos o mais forte possível. Movi
minha mão de cima a baixo pelas suas costas, sentindo o
calor de seu corpo sob meus dedos. Coloquei minha cabeça
no espaço entre seu pescoço e o ombro e respirei fundo.

Não havia nada melhor que o aroma de sua pele. Nem a


pizza ou o sexo ou a heroína, nada se comparava com seu
aroma.

Separei-me dela e utilizei minhas mãos para roçar suas


bochechas, ainda me perguntando se esse momento era ou
não real. Sequei as lágrimas em suas bochechas e mantive
meus olhos nos seus enquanto me aproximava. Apesar de ter
a intenção de dar um beijo suave e delicado, Tria puxou a
parte posterior da minha cabeça e me empurrou bruscamente
contra sua boca.

Gemendo, correspondi, movendo meus lábios, boca e


língua em conjunto para fazê-la minha outra vez. Ao mesmo
tempo, ela reclamava a minha boca e eu não queria nada
mais que me entregar a ela em qualquer lugar e de todas as
formas possíveis. Eu era dela, total e completamente.

Quando finalmente nos separamos, apenas a sustentei e


olhei fixamente em seu rosto durante mais tempo. Tria se
virou ligeiramente para sentar-se em meu colo com seus
braços ao redor do meu pescoço e minha mão sobre o seu
quadril. Olhando para baixo, movi minha mão para o centro
de seu ventre. Sobre o tecido de sua blusa, massageei sua
barriga brandamente.
— Tudo está bem, não é? — Sussurrei.

— Sim. — Ela disse. — Quero dizer, pelo que sinto... eu


acho?

— Você foi ao médico?

— Não. — Respondeu com um movimento de sua


cabeça.

— Procurei a clínica para fazer o pré-natal, mas eu não


tinha todo o dinheiro. Yolanda me emprestará, quer dizer, ia.

— Que diabo aconteceu? — Perguntei.

— A polícia veio para me entregar à intimação. — Disse


Tria. — Perguntaram se eu sabia onde te encontrar dei o
endereço e eles disseram que você não morava mais lá.
Pensei que estavam enganados, por isso fui te procurar, e
como te disse, havia essa outra mulher morando lá.

— Não consegui dinheiro suficiente para o aluguel. —


Admiti. — O idiota não me deu uma oportunidade para
conseguir o resto e...

Minha voz apagou, decidindo que realmente não queria


que ela pensasse no resto dessa bagunça. O estresse não era
bom para uma mulher grávida, certo?

— Pensei que trabalharia esta noite, — Continuou Tria


— mas quando cheguei ao bar, Wade me disse que não
estava mais lutando. Então vi Yolanda...

Os olhos de Tria se endureceram.

— Ela não me disse! Conseguiu outro lutador e não me


avisou que não estava trabalhando!
— E o que você fez?

— Perguntei que diabos ela acreditava que você fosse


fazer para conseguir dinheiro se não pudesse lutar e ela me
disse que já não era mais problema seu, que não queria mais
saber. Que teria que deixá-lo ir embora e seguir adiante.

— E? — Impulsionei quando parou de falar.

— Então eu dei um murro nela. — Grunhiu Tria e seus


olhos arderam — Ela mereceu por fazer o que fez. Como você
conseguiria ir ao médico ou a terapia ou as outras coisas sem
um trabalho?

— Foi... difícil — respondi. Não queria dizer que nem


sequer consegui fazer nada disso ainda. Estiquei-me até que
seu rosto se voltou para o meu e seus olhos suavizaram
enquanto se centraram em mim.

— Não sabia onde você estava. — Disse. — Ninguém o


viu em lugar nenhum, então liguei para o seu tio. Pensei que
talvez ele fosse capaz de me ajudar a te encontrar. Nunca
esperei que estivesse lá, com ele.

— Longa história. — Disse com um encolhimento de


ombros.

Outra lágrima caiu pelo seu rosto e lábio,


desaparecendo atrás de seus dentes.

— Você fez... quero dizer... esteve...?

— Não usei nada. — Falei. — Eu queria, mas não usei


de novo. Ainda estou limpo. — Ela deixou escapar um
suspiro de alívio quando colocou sua cabeça em meu ombro.
— O que fazemos agora? — Perguntou em voz baixa.

Meus músculos esticaram e essa horrível sensação


espinhosa se arrastou sobre minha carne. Não sabia se Tria
me deixaria de novo ou não, mas a ideia de levá-la a uma ilha
deserta onde fôssemos somente nós dois era muito tentadora.

— Quero que fiquemos juntos. — Disse em voz baixa.


Corri minha mão sobre sua barriga novamente — Sei que
disse que não o queria, mas sempre tive a intenção de voltar.
Sei que enlouqueci, mas não acontecerá novamente. Por
favor... por favor, não me deixe. Não conseguirei ficar longe de
você, não quando está... Assim. Não quando vai... ter um
bebê. Meu bebê.

Seus olhos se encheram de lágrimas outra vez e me


perguntei se íamos alagar a parte de trás do Rolls.

— Mas disse... disse que não queria o bebê. — Disse


Tria e sua voz começou a romper outra vez. — Não queria ter
um bebê, absolutamente! Ninguém nunca me quis e não
estava disposta a ter um bebê que não fosse amado pelo seu
pai!

―Ninguém nunca me quis.‖

Suas palavras vibraram em minha mente quando me dei


conta do quão estúpido eu estava ao não pensar nisso antes.
Enquanto eu guardei todos os meus segredos, Tria havia me
revelado todos os seus demônios do passado quando
estivemos juntos pela primeira vez. Seu medo de não ser
querida e digna de ser amada quase abriu uma brecha entre
nós. A rejeição por parte de sua mãe, quando Tria ainda era
uma menina pequena e então a influência dos Harrison e
suas palavras venenosas dizendo que nunca ninguém a quis,
deixou sérias marcas em sua vida.

Em sua cabeça, ela acreditava que eu me sentiria da


mesma forma em relação ao bebê, a mesma rejeição que sua
mãe teve por ela.

— Não, Tria. — Disse-lhe. — Não é assim, não é!

— Você não quer ser pai. — Soprou quando a olhei e


minha mão cavou sua bochecha.

— Eu quero. — Sussurrei. — Desde... desde esse


momento. Sempre quis ser pai.

— Você queria que eu...

— Sei o que falei. — Interrompi. — Mas não é porque


não quero ser pai. Foi o que imaginei quando me disse
sobre... quando me disse que estava grávida...

Fiz uma pausa e respirei fundo várias vezes.

— Simplesmente continuava te vendo... Como Aimee. —


Tive que parar de novo para lutar com as imagens surgindo
em minha cabeça. Os braços de Tria apertaram ao meu redor
e eu devolvi o abraço. — Se alguma coisa te acontecer,
morrerei. Não é que não queira o bebê. Apenas preciso muito
de você também.

Durante um longo tempo, apenas sustentamos um ao


outro. Às vezes nos olhávamos, mas sobretudo nos
abraçávamos com lágrimas correndo por nossas bochechas.
Algumas vezes, nossos lábios se encontravam brandamente,
mas em sua maioria, contemplei seu rosto e agarrei-me a ela,
com medo que desaparecesse em meus braços.

Tria correu seus dedos por minha bochecha e por meu


queixo. Arranhou ligeiramente a barba de vários dias
crescendo em meu rosto e logo acariciou a pequena cicatriz
sobre minha sobrancelha com seus dedos.

— Não vai mais lutar? — Perguntou em voz baixa.

— Não. — Falei enquanto movia minha cabeça um


pouco. — Bem, acredito que trabalharei para... Ahn... Bom,
para a empresa da minha família. Será o suficiente para nos
manter... — Deixei que minha voz se desvanecesse, não
sabendo muito bem se haveria um nós para manter.

Tria levantou sua mão em minha nuca e jogou meu


cabelo para trás.

— Está precisando de um corte de cabelo. — Soprou


enquanto afastava alguns fios. Meus lábios torceram em um
meio sorriso.

— Deveria ter me visto ontem. — Falei. — Estou muito


melhor agora. — Ela franziu o cenho, e lamentei havê-lo
mencionado.

— O que faremos agora? — Apenas pude ouvir suas


palavras, mas a mensagem dizia muito.

— Quero ficar com você. — Falei. Não me atrevia a


separar os olhos dela, nem por um segundo — Eu a quero
perto de mim, assim posso te proteger e te manter a salvo.
Toquei seu estômago novamente. Apesar de não ter
ainda nenhum sinal da gravidez, me sentia atraído pela sua
barriga e as possibilidades que estavam ocultas por baixo de
sua pele. Um menino, uma menina... Potencial para um novo
começo... para todos nós.

— Por favor, me deixe ser o pai do nosso bebê. — Falei


enquanto meus olhos encontravam os seus. — Por favor, me
deixe tentar ser o que for preciso para que o seja.

Enquanto esperava desesperadamente que ela


respondesse, a dúvida, preocupação e lágrimas em seus olhos
faziam com que eu me rasgasse em pedaços, mas me mantive
tranquilo. Tria estudou meu rosto por um momento e olhou
para baixo, onde minha mão descansava sobre seu estômago.

— Está bem. — Disse tranquilamente.

Nunca fui alguém que rezasse, mas quando não se tem


mais nada a perder, tudo que nos resta é ganhar.
Pedir perdão.
— Você bateu nela, realmente?

O sorriso tímido de Tria e o vermelho em suas


bochechas confirmaram.

O quarto de hóspedes era uma casa para mim, longe da


minha própria, quando era ainda um menino e agora me
parecia, inclusive, muito melhor com Tria deitada ao meu
lado na cama tamanho Queen. Mantive um braço ao redor de
suas costas, assim poderia sustentá-la perto de mim e com o
outro, simplesmente a tocava por todas as partes de seu
corpo, como se precisasse ter certeza que estávamos vivendo
uma cena real. Toquei sua bochecha, seu cabelo, ombros,
mãos e dedos, então sua barriga.

Sempre voltava a tocar sua barriga e o ato produzia um


conglomerado de horríveis conflitos e sentimentos de
remorso, terror, consolo e alegria.

Tria se moveu em meus braços e então, olhou-me no


rosto enquanto elevava a mão para passar as pontas dos
dedos pela marca negra e azul sob meu olho esquerdo... A
que tinha aproximadamente a forma do gancho de esquerda
da Yolanda.
— Sinto tanto por tudo o que aconteceu. — Sussurrou
com lágrimas formando-se novamente em seus olhos.

Levantei a mão e as sequei.

— Não faça isso. — Pedi. — Não foi você que me


despejou do apartamento, fui eu quem gastou o dinheiro do
aluguel com drogas. Yolanda sempre me dava uma surra
quando recaía, assim era de esperar. — Lambi os lábios e
olhei para o outro lado, por um momento. — Eu mereci.

— Por que fez isso? — Perguntou Tria. Brincando com o


cabelo da minha nuca.

— Fiz o quê? — Iniciei uma risada sem graça. — Quero


dizer, fiz um monte de coisa estúpida ultimamente.

— Voltar para a heroína.

— Oh! — Estiquei-me e tentei pensar o que deveria


dizer.

— Preciso entender. — Explicou.

Realmente não tinha nem ideia de como explicar, mas


não pensei que fosse escapar apenas dizendo a palavra
fodido. Além disso, ela precisava um pouco mais de esforço.

— Apenas... doía muito — sussurrei. — Não conseguia


bloquear a dor... não conseguia parar de pensar em você e...
O que havia dito. Não conseguia deixar de pensar em você...
no chão... com sangue. E não havia nada que pudesse fazer,
porque foi embora. Não poderia mantê-la a salvo.

— Mas por que heroína?


— Faz-me deixar de pensar. — Afirmei. — Quando uso é
como se todo o resto se derretesse e deixo de sentir qualquer
coisa. Ela faz com que toda a dor desapareça.

Virei à cabeça para olhá-la.

— Doía muito. — Reiterei. — Saber que estava lá fora e


que não havia nada que pudesse fazer para te manter a salvo.
Saber que o mesmo poderia te acontecer que... que... —
engoli saliva e me obriguei a falar. — Aconteceu com Aimee.
Não cheguei até ela a tempo. Se a tivesse encontrado antes,
ela poderia ter sobrevivido.

Respirei pelo nariz e o soltei entre meus lábios


apertados.

— Não conseguia suportar. — Admiti. — Era demais,


acredito que me convenci que você morreria então eu nem
sequer conseguia me manter consciente, porque não sabia
onde te encontrar. Você poderia ter deixado a faculdade ou
voltado para o Maine (estado americano), pelo que eu sabia.

Afundei minha cabeça em seu ombro.

— Tudo era muito entristecedor e doía muito. Não


conseguia mais suportar me sentir assim.

— Sentiu-se assim de novo? — Perguntou Tria. — Quero


dizer, depois que saiu do hospital a segunda vez? Depois que
eu... Depois de conversamos e eu ir embora?

— Sim. — Respondi.

— Mas não usou novamente?


— Não. — Olhei-a nos olhos. — Eu juro Tria... não a
toquei. Absolutamente.

— Por que não? — Questionou.

— O quê?

— Por que não a usou desta vez? — Perguntou. — Foi


tão ruim como antes... inclusive pior. Não tinha trabalho ou
um lugar para viver, mas não usou. Por quê?

— Estava... tão zangado — relatei. Pisquei algumas


vezes enquanto focava de novo em seu rosto. — Você me
disse que precisava ficar limpo se... Se quisesse que
voltasse... se quisesse que tudo ficasse bem novamente. A
única forma que você poderia me deixar te proteger era se
continuasse limpo, então fiquei.

Minha garganta fechou e meus olhos começaram a arder


novamente.

— Eu quis ficar limpo. — Disse desesperadamente. —


Pensava sobre isso todo o tempo. Estava justamente ali e tão
perto. Se tivesse dinheiro naquele momento, não seria capaz
de me deter. Mas ter que conseguir dinheiro para drogas e...
Bom...

Fiz uma pausa, tentando decidir quanto mais precisava


revelar e escolhi que algumas coisas, era melhor não dizer.

— Minhas opções eram limitadas. — Continuei


finalmente. — Eu não queria ter que te dizer que tinha usado
de novo ou o que tive que fazer para conseguir o dinheiro.

Tria apertou os dedos em meu rosto.


— Não o fez, não é?

— Não o fiz. — Assegurei. — Juro.

Voltou a esfregar minha nuca e deixou de fazer


perguntas.

Fechando os olhos, inalei o perfume dos seus cabelos


enquanto a sustentava contra meu peito. A cama era
notavelmente mais cômoda com ela deitada ao meu lado e
com suas mãos cobrindo minha pele. Ela passou um dedo
pela lateral dos meus bíceps.

— Senti saudades. — Sussurrei.

Apertei-me sobre ela e ela relaxou contra mim.

Era tarde, já passava da meia-noite, mas nenhum dos


dois conseguiu dormir. Não fizemos nada, apenas
sustentamos um ao outro e nós olhamos. Fiquei
perfeitamente bem com isso. Sentia a necessidade de
memorizar tudo sobre ela.

Tria parecia contente apenas por passar as mãos sobre


meus braços e peito, o que também estava bem para mim.
Era cômodo e sensual, embora acreditasse que nenhum dos
dois quisesse chegar ao próximo nível no momento. Tudo
estava certo simplesmente assim.

Acariciou meu rosto e arranhou meu pescoço.

— Eu sinto muito. — Sussurrou.

— Não o faça. — Falei automaticamente. — Depois de


tudo o que fiz a você, eu mereci...
— Refiro-me ao que você passou. — Esclareceu. — Sinto
pelo que aconteceu à sua noiva, a você e... Ao bebê.

Estiquei o corpo completamente e fechei os olhos com


força. Tentei assentir em aceitação, mas todo meu corpo
congelou.

— Não me disse antes — continuou Tria — entendo por


que não me contou, e porque ainda não quer falar sobre o
assunto.

Só consegui assentir, mas pensei que era melhor do que


nada.

— Não espero que converse comigo sobre isso —


comentou — mas você sabe que precisa de terapia.

— Eu sei. — Respondi — Farei. Baynor indicou uma


terapeuta.

— Fez uma consulta?

— Ainda não.

— Terá que fazer logo.

— Eu sei. — Concordei.

— Não quero... chantageá-lo para que se trate.

— Sei que não. — Respondi. — Eu sei que tenho que


fazê-lo.

Não sabia tal coisa, mas estava determinado a fazer o


que fosse para mantê-la ao meu lado... para mantê-la a salvo.
Se isso significasse falar com um completo estranho sobre a
bagunça que sentia... bem, eu faria. Ao menos, tentaria.
Tria apoiou a cabeça em meu ombro e a sustentei com
mais força, mas o sono ainda se negava a aparecer para
qualquer um dos dois. Havia muitas coisas que não foram
ditas, muitas coisas a resolver. Ambos parecíamos pensar a
mesma coisa.

— Estive tentado... a fazer tudo o que Baynor me pediu.


— Contei-lhe.

— Como o quê?

— É... Bem, não me picar. — Deus, isso soou muito feio.


— Refiro-me... Mais do que isso. Eu... ah, tenho uma lista
completa.

— Uma lista?

— Sim... quero dizer, Baynor me deu um diário.

— Um diário? — Tria elevou o olhar e levantou uma


sobrancelha — Escreveu em um diário?

— Sim. — Respondi encolhendo um ombro. — Escrevi


nele.

— O que escreveu?

Contragosto, saí de seus braços e peguei o diário.


Encostei-me nos travesseiros, e Tria se aproximou de mim.
Entreguei o diário e ela viu a declaração da primeira página
sobre como eu não sabia que porra faria. Deu-me uma olhada
com um meio sorriso e voltou novamente à página.

— Fiz uma lista. — Expliquei. — É uma lista de todas as


coisas que preciso fazer.

Ela deu uma folheada.


— Realmente, limpou o apartamento? — Perguntou.

Sorri entre dentes.

— Sim, justamente antes de me derem um pontapé na


bunda.

— Não precisa fazer isso. — Apontou em voz baixa. —


Seu dedo riscou as palavras ―Falar com mamãe‖. — Apenas...
pensei que seria bom você estar em contato com a sua
família, mas não deveria... não deveria pedir isso.

— Não sei. — Respondi. — Posso precisar de mais do


que um empurrão. Entretanto, não posso dizer que seja algo
que quero fazer.

Tria voltou a passar a página.

— Então... escrevi uma carta para você também. —


Falei. Ela me olhou rapidamente.

— Posso lê-la? — Indagou.

— Bem... sim — afirmei. — Afinal, é para você.

Olhei seu rosto enquanto lia as palavras que escrevi. Ela


cobriu a boca com a mão e seus olhos ficaram rasos de água.

— O que aconteceu? — Perguntei.

— Quis mesmo dizer todas essas palavras? —


Perguntou. — Refiro-me... não estava... Drogado ou alguma
coisa parecida?

— Não acredito que pudesse achar a posição correta da


caneta se estivesse drogado. — Expliquei. — Foi depois. —
Baynor não me deu o diário até o dia que deixei o hospital.
Ela assentiu e moveu os dedos sobre a última frase.

— Não lutará mais?

— Não. — Respondi.

— O que fará?

— Tentarei conseguir um trabalho na empresa da minha


família. — Respondi — Colocando pedras preciosas em uma
das oficinas.

— Colocar pedras preciosas?

— Tipo, colocar lindas pedras nos suportes para


pingentes, colares e anéis. Fazia antes e... Bom,
provavelmente consiga a vaga, já que Michael me deu
referência. Eu não gosto de fazer as coisas desta forma, mas
preciso de um trabalho decente com bons benefícios e tudo
mais.

Tria fungou o nariz.

— Por que está chorando? — Perguntei.

Ela deixou cair o diário em seu colo, me abraçou e


começou a chorar em meu ombro.

— Tria! O que foi? O que aconteceu?

— Está fazendo tudo isto por mim! — Exclamou.

— Bem, sim! — Respondi confuso ainda.

Continuou chorando e eu não entendi absolutamente


nada. As mulheres eram estranhas, isso era a única coisa
que eu sabia. Simplesmente a segurei e quando parou, peguei
a caixa de lenços da mesinha de cabeceira. Mantive os braços
a seu redor. Ela assuou o nariz e se recompôs.

— Onde moraremos? — Questionou Tria enquanto


jogava o último lenço no lixo.

Senti que meus lábios queriam sorrir com a implicação


de nós.

— Estive procurando na parte noroeste da cidade. —


Expliquei. — É uma área industrial, mas há apartamentos ao
redor. Seria muito mais fácil ir de ônibus para o trabalho.

— Como chegarei à universidade?

— Porra. — Resmunguei em voz baixa. Realmente não


pensei nisso. — Provavelmente o ônibus também vai até lá.
Já terminou o semestre?

— Os exames finais são na próxima semana. —


Respondeu.

— Então temos tempo até ao outono, não é?

— Ainda tenho o trabalho na biblioteca. — Recordou-me


Tria. — Atualmente são apenas dois dias por semana, mas
me disseram que se quisesse poderia fazer horas extras
durante o verão. Isso ajudaria. Se a linha de ônibus próxima
aos apartamentos passar pela faculdade, provavelmente deve
passar também pelo trabalho.

— Seriam duas passagens de ônibus. — Assinalei


enquanto negava — O dobro do custo. Penso que deveríamos
procurar um lugar próximo ao campus. Há muitos
apartamentos na região. Teria que pegar o ônibus um pouco
mais longe para o trabalho, mas seria capaz de caminhar ou
pegar o transporte da faculdade.

— Acredita que vamos conseguir um apartamento?

— Vamos começar a procurar imediatamente. —


Respondi. — Assim que conseguir uns dois meses de salário
seremos capazes de pagar o aluguel. Michael me disse que
poderia ficar aqui até que estivesse preparado. Tenho certeza
de que não se importará com uma pessoa a mais.

Ela assentiu, mas continuou mordiscando o lábio com


os dentes. Aproximei-a de mim e beijei sua testa. Inalei
profundamente, embriagando-me com seu cheiro.

— Eu te amo Tria. — Mencionei. — Faremos com que


tudo funcione. Não te decepcionarei. Quero que tudo fique
bem para você e... E para o bebê.

Ainda, por alguma razão, era muito difícil dizer essa


palavra.

Tria tocou minha face e outra vez, formaram-se lágrimas


no canto de seus olhos.

— Oh, Liam — disse brandamente — também te amo.

Suas palavras bateram no centro do peito e por um


momento, não consegui respirar. Parecia que havia um balão
dentro do meu estômago.

— Quando? — Perguntei.

— Quando o quê?

— Quando soube? Quer dizer, quando soube com


segurança?
Tria sorriu gentilmente.

— Isso é fácil. — Assegurou. — A primeira noite que


fiquei em seu apartamento e despertei em seus braços. Então
eu soube.

Provavelmente, arregalei os olhos.

— Nunca me disse nada.

— Não. — Respondeu. — Se o tivesse feito, teria te


assustado. Certamente o teria feito, inclusive depois, sabia
que não estaria preparado para escutar até que você o
dissesse.

— Isso não te incomodou?

— Sabia como se sentia. — Confirmou, encolhendo os


ombros. — Isso era tudo o que importava.

— Quando soube? — Perguntei.

— Quando deu um soco em seu tio Michael por me


chamar de puta.

Dei risada.

— É uma mulher muito observadora. — Falei. Peguei-a


pelos quadris e a coloquei em cima de mim. — Mas não há
perigo que eu deixe que outra pessoa fale algo de você que te
faça sentir menos do que é. É muito maravilhosa para que
qualquer pessoa...

Formou um nó em minha garganta e, por um momento,


não conseguia respirar.
Fui um completo idiota! Não pensei no que tudo isso
significava, o que tinha que acontecer e aconteceria
rapidamente antes...

— Oh, Maldição! — Exclamei enquanto me sentava na


cama. Tria chiou e se segurou em meus ombros para evitar
cair.

— O que aconteceu?

— Droga, droga, droga!

— Liam, o que está errado? Está me assustando!

Olhei-a diretamente nos olhos e segurei seu rosto entre


minhas mãos.

— Precisamos nos casar. — Comentei. —


Imediatamente, para que o bebê não se dê conta que foi um
acidente.

Minha proposta improvisada de casamento na noite


anterior não havia dado muito certo. A única coisa que eu
tinha a meu favor era que ela não poderia se beneficiar de
meu seguro médico a menos que estivéssemos legalmente
unidos. A ideia, absolutamente, não parecia fazê-la feliz e não
estava certo de como me sentir a respeito, mas conversamos
sobre isso no momento. Eu a queria. Queria a nossa família.
O único jeito de tornar a situação sólida, era nos casando.

Aparentemente, ela não estava tão segura.


Saí da ducha, seco e vestido. Tria não estava no quarto,
assim desci as escadas e fui até a cozinha. Antes de chegar à
porta, consegui ouvir as vozes de Tria e Chelsea, então fiz
uma pausa antes de entrar.

Elas estavam sentadas junto à mesa de café da manhã,


com xicaras de café e pequenas fatias de bolo de queijo
dinamarquês. Simplesmente, pelo tom de voz, pude confirmar
que estavam falando sobre mim, então apenas fiquei ao lado
da porta em silêncio, escutando às escondidas.

— Ele me contou o que aconteceu — dizia Tria — mas


não entendo por que ninguém foi buscá-lo e o levou para
casa. Era apenas um menino.

Chelsea assentiu várias vezes e pegou a xicara com os


dedos.

— Estava completamente inconsolável. — Explicou


Chelsea. — Douglas entendeu por que Liam estava irritado
com ele, mas não acredito que nenhum de nós se deu conta
do quanto ele culpava seu pai e Julianne, por isso passou por
tudo sozinho. Excluiu-nos. Não quis falar com ninguém, nem
sequer com Ryan. Então, no dia do funeral, desapareceu...
sozinho.

— Ele mencionou que a mãe de Aimee não o deixou ir ao


enterro. — disse Tria.

— A pobre mulher estava um desastre, igual a ele. Se


estivessem juntos naquele momento, poderiam ter
encontrado consolo um no outro e talvez as coisas fossem
diferentes.
— Como assim? — Perguntou Tria.

— Ele afastou a todos. — Respondeu Chelsea. —


Primeiro mentalmente e depois fisicamente. Não conseguimos
encontrá-lo durante semanas. Ninguém tinha a menor ideia
de onde ele poderia estar. Acabava de fazer dezoito anos
naquele verão e mesmo com os contatos de Douglas, a polícia
quase não podia fazer nada. Quando finalmente o
encontraram e conversaram com ele, ficou claro que Liam foi
embora por vontade própria e que não queria voltar para
casa. Legalmente já era adulto e não podiam obrigá-lo a sair
de onde estava. Não havia nada que pudessem fazer para nos
ajudar.

— Contratei um investigador particular. — Comentou


Michael do outro lado da cozinha. — De fato, quatro deles.
Descobri onde ficava e o que fazia.

— Estava se drogando. — interrompeu Tria.

— Tinha certeza que se mataria. — Murmurou meu tio.


— Desejei que cometesse qualquer crime, mas a única coisa
que poderia fazer por ele era prendê-lo por posse de drogas.
Isso o teria afastado das ruas temporariamente, mas com seu
temperamento... assim, não acreditava que se daria bem na
prisão.

Deu um longo suspiro.

— Tudo o que poderia fazer era ficar vigiando. —


Continuou. — Perdemos sua pista algumas vezes nos meses
seguintes e logo o seguíamos outra vez. Estava muito mal,
vivendo em um armazém queimado com um monte de
drogados e prostitutas. Realmente considerei sequestrá-lo e
arrastá-lo para o Caribe. Talvez devesse ter feito isso. Estava
desesperado e sem ideias quando essa mulher, a treinadora,
o acolheu. Pelo menos, conseguiu fazer com que ficasse
limpo.

— Yolanda. — comentou Tria, assentindo.

— Provavelmente salvou sua vida. — Disse Michael. Deu


um passo até a mesa e me viu. — Precisava de alguém que
fosse forte por ele. Quando ficou limpo, ao menos foi
conversar com Ryan e comigo. Neguei-me a me afastar por
completo, apesar de que ele não facilitou as coisas.

— Ryan tão pouco se rendeu. — Continuou Chelsea,


mas ela não havia me visto. — Continuava o encontrando
cada dia pior, mas Liam não voltaria para casa. Quando
levou Douglas para conversar com ele para que voltasse,
Liam o agrediu e saiu correndo. Ficou claro para nós, que
cortaria o pouco contato que tinha com seu tio e primo se
continuássemos pressionando.

— Eu não queria. — Falei da porta. — Era um aviso e


não precisava me lembrar de todas essas porras.

Chelsea se virou para me ver e serrou um pouco os


olhos. Suspirei.

— Coisas. — Corrigi.

Olhei para Tria e tentei dizer-lhe com o olhar que


parasse com essa conversa e deixasse as coisas ficarem. De
alguma forma sabia que ela não o faria, não completamente,
mas precisava tentar. Não podia aguentar nada mais neste
momento.

— Liam, somos sua família. — Recordou-me Michael.

— Afirmaram que nunca desistiram de mim. — Virei-me


e o olhei seus olhos escuros. — Por que não?

— Os brincos. — Falou sem hesitar.

— Brincos? — Instintivamente alcancei os dois aros de


prata em minha orelha esquerda.

— Sabia que enquanto os usasse, ainda haveria uma


oportunidade. — Nunca admitiria que meu tio tivesse razão,
mas bem lá no fundo, sabia que tinha.
Começa a cura.
Os dias seguintes foram estranhos,
por assim dizer. Tria se sentou comigo e mudou minha lista
de prioridades, incluindo voltar ao velho edifício de
apartamentos e pegar as coisas que deixei com Katie. Levar a
Tria à clínica e encontrar um novo local para vivermos.
Michael havia deixado claro que não só éramos bem-vindos
em sua casa, mas sim esperava que ficássemos até que Tria
começasse seu próximo semestre na faculdade, no outono.
Eu não gostei, mas com os três me atacando sobre logística
não pude ganhar essa porra.

Na realidade, foi quando Tria me olhou com esses


enormes olhos castanhos que eu não pude negar nada.
Chelsea e ela ficaram próximas rapidamente, e eu tinha
certeza de que ela a convenceu de que era melhor para nós
ficarmos aqui por um tempo.

Uma viagem de negócios fez com que o almoço de


domingo com meus pais fosse cancelado e fiquei muito
aliviado. Ainda não sabia o que fazer com a eventual visita.

— Não quero que ele saiba. — Disse a Michael. Apoiei-


me na poltrona e resisti ao impulso de pôr meus pés sobre a
mesa de café de Chelsea. — Não precisa saber que estou
hospedado aqui e muito menos que Tria está aqui também.

— Não é como se ele não a conhecesse. — Disse


Michael. Serviu um pequeno copo de uísque e me ofereceu o
mesmo. — Sabe que falei sobre ela no momento que voltei de
Portland. Emocionou-me saber que estava em uma relação.
Ele também ficou.

— Bem, não precisa ficar sabendo de nada mais.

— Liam, ele é seu pai.

— Não! — Gritei. — Perdeu esse direito há muito tempo!

— Ele está tentando arrumar a situação. — Colocou a


garrafa de uísque de novo no balcão e limpou o local onde
deve ter derramado um pouco.

— Isso é mentira! — Respondi.

— Não é mentira! — Gritou Michael. Deixou o uísque de


lado e atravessou a sala com seu dedo em riste. — Ele tentou
falar com você, Liam! Tentou se desculpar, inclusive antes do
funeral da Aimee! Você não falou com ele! Tentou te
encontrar depois e então novamente não conversou com ele!
Quando Ryan finalmente te encontrou, e estavam juntos,
quebrou o seu maxilar.

— O quê? — Perguntei um pouco surpreso por sua


revelação.

— Nem percebeu, não é verdade? — Michael arqueou as


sobrancelhas. — Quebrou-o em três lugares e ele perdeu
quatro dentes. Teve seu maxilar fechado com cabos por dois
meses enquanto se alimentava através de um canudo. Nem
sequer deixou Julianne tentar outra vez depois disso,
acreditando que poderia machucá-la. Estava fora de controle,
Liam! Ele também fodeu tudo, mas não pode culpar seu pai
por tudo!

Apertei meus dentes enquanto me forçava a não


responder. Queria gritar para que calasse a boca, que nada
do que dizia poderia mudar a situação, não poderia. Tinha
que me calar pelo bem de Tria. Devia mantê-la a salvo e
justamente agora, precisava de Michael para poder fazê-lo.

Havia batido em meu pai, mas não me lembrava de


havê-lo golpeado com tanta força.

— Não mentirei para o meu próprio irmão sobre o


paradeiro de seu filho. — Disse Michael firmemente. — Não
precisa ficar aqui quando vier e não direi antes de domingo,
mas não mentirei.

— Mentir para quem? — Perguntou Tria enquanto


entrava carregando uma mochila de Mary Poppins. Parou de
mexer nas coisas dentro dela tempo suficiente para nós
olhar. — O que houve?

— Não importa. — Estiquei-me, peguei sua mão e a levei


para a porta. — Vamos buscar todas as minhas coisas na
mulher louca.

Mesmo tentado como estava, não fui ao escritório do


arrendatário, embora tivesse pensamentos sobre entrar e
socá-lo até cair. Sabia que provavelmente terminaria com
uma bala no corpo e isso era a última coisa que Tria
precisava agora.

Deixamos Damon dirigir ao redor da quadra enquanto


íamos ao apartamento de Krazy Katie.

Pela primeira vez estava em casa, inclusive abriu a porta


quando bati e gritei seu nome. Isso era bom, porque não
queria subir pela saída de incêndios outra vez.

Assim que a porta abriu, Krazy Katie se aproximou e


pegou o maço de cigarros que eu segurava em uma das mãos
e Tria na outra. Voltou para dentro e se sentou junto à
parede. Abriu a caixa de cartões, jogou os pacotes no tapete e
começou a trabalhar. Enquanto Tria tirava os rolos de fita,
peguei algumas caixas onde estavam minhas coisas e desci
as escadas para jogá-las no porta-malas do Rolls enquanto
circulava no prédio.

— Como sabe que é uma menina? — Tria perguntava a


Krazy Katie quando entrei para pegar as últimas coisas —
Nem sequer aparece ainda.

O que quer que seja, que Krazy Katie disse, parecia ter
acabado de falar. Tria me olhou.

— Sabe que está falando bobagem? — Recordei-lhe. —


Você disse que estava grávida?

— Parece que ela já sabia. Provavelmente, nos escutou.


As paredes são finas.

— Disse que é uma menina. — disse Tria.


Engoli em seco em minha garganta. Durante a maior
parte do tempo, estive sobrevivendo tentando esquecer que
Tria estava grávida, e por algumas horas, havia funcionado.
Então, alguém dizia alguma coisa sobre isso e minhas mãos
começavam a suar.

Na verdade, não queria terminar outra vez no hospital.

— Sugeriu que colocasse seu nome? — Perguntei. —


Krazy Katie soa bem.

— Basta. — repreendeu-me Tria. — Não deveria zombar


dela.

— Não estou zombando. Estou apenas sendo honesto.

Tive que sorrir ante a familiaridade da conversa. Não


podia me lembrar de quantas vezes Tria havia dito que não
chamasse nossa vizinha de Krazy Katie, como se tentasse
insultá-la. Por sorte, ela parecia não se importar.

— Gostaria de poder fazer mais por ela. — disse Tria


enquanto nos colocávamos de pé e nos preparávamos para
sair.

— Comprei cigarros. — Falei. — Ela não quer outra


coisa.

— Deveríamos comprar um pouco de alimento.

— Eu olhei, tem o suficiente para algum tempo. — Tria


mordeu o lábio, e me estiquei para pegar sua mão. —
Voltaremos para levá-la para pegar seu dinheiro na próxima
quinta-feira. — Ela assentiu e se esticou para abraçar Krazy
Katie, que pareceu não a notar.
Antes de sair, Tria ainda sentia a necessidade de
assegurar que voltaríamos para ajudá-la ocasionalmente.

Essa foi à parte fácil.

Próxima parada, a casa da Yolanda.

— Não me diga que voltou para esse babaca. — A


saudação de Yolanda nos assaltou assim que ela abriu a
porta.

— Estou limpo. — Disse-lhe. Tentei manter a voz baixa e


permanecer calmo, mas tudo o eu que queria fazer era bater
nela. Havia passado muito tempo desde que o fiz e começava
a me sentir como Dexter. Dezesseis dias, nove horas, e
quarenta e dois minutos da última vez que bati em alguém.

— Já escutei isso antes — disse Yolanda — muitas


vezes. Eu disse que terminamos.

— Eu vim apenas para buscar minhas coisas. — disse


Tria.

— Não precisa fazer isso. — Disse. — Pode ficar aqui,


sem ressentimentos.

— Sem ressentimentos? — Os olhos de Tria


aumentaram, então começou a gritar. — Sem
ressentimentos? Deixou-o para morrer!

— Tem ideia de quantas vezes? — Espetou Yolanda. —


Quantas vezes arrastei seu lastimoso rabo fora da boca-de-
lobo para dar banho e deixá-lo sóbrio? Tem ideia? Todas às
vezes as mesmas palavras saíam de sua boca ―não acontecerá
outra vez‖.
Mesmo querendo muito discutir e me defender, havia
muita verdade em suas palavras.

— Não por muito tempo. — Disse em voz baixa. Era tudo


o que tinha.

— Então o fez por quatro anos. — Disse Yolanda com


um assentimento. — Quatro anos de calmaria em sua vida.
Comer, se exercitar, brigar e dormir. E então, assim que
acontece alguma coisa que é um pouco dura ou inesperada, o
que você faz?

Desviei o olhar, tentando encontrar sentido em uma


mancha no tapete, no corredor.

— Volta para a heroína. — Disse. — Apesar de toda a


vontade que está pondo nisso, ainda é o homem mais fraco
que conheço.

— Cale-se. — disse Tria. Sua voz, estranhamente


tranquila. — Liam conseguirá um pouco de ajuda real agora,
não apenas bater em alguém ao invés de usar drogas. Ajuda
profissional.

— Verá um psiquiatra? — Riu Yolanda. — Realmente


acredita que depois de dez anos fará alguma diferença?

— Não decepcionarei a... — Falei finalmente.

— Também ouvi isso antes. — Respondeu Yolanda.

— Apenas pare. — disse Tria. — Preciso apenas pegar as


minhas coisas e vamos embora.

— Não vá de novo com ele, Tria. — Disse Yolanda. Sua


voz se suavizou. — Não estou te tratando como uma cadela.
Conheço-o há muito tempo. Pode estar fora agora e talvez
permanecer assim durante um ano. Droga, talvez dois. E
então algo acontecerá. Talvez o bebê tenha cólica ou adoecerá
ou o que quer que seja e não será capaz de lidar com isso.
Voltará novamente para a heroína e você estará de volta à
minha porta.

Tria me olhou e não sabia o que dizer. Em muitos


sentidos, sabia que Yolanda poderia estar certa. Estive aqui
antes, falei que terminei com toda a droga, mas com o tempo
recaíra. Não queria que acontecesse novamente, mas não
podia negar que Yolanda tinha os fatos a seu lado.

Também sabia que havia algumas coisas que não seria


capaz de fazer. Olhei para Tria.

— Se você morrer por causa da gravidez, eu comprarei a


maior quantidade de heroína que puder e injetarei até que eu
morra. — Disse-lhe. — Mas enquanto estiver bem,
permanecerei longe dela. Tanto por você, como para que
possamos ter a nossa família.

— Não está me fazendo sentir bem aqui. — disse Tria.

— É tudo o que tenho no momento. — Respondi. —


Farei tudo o que combinamos. Melhorarei juro.

— Já escutei tudo isso antes. — Falou Yolanda.

— Cale-se! — Gritou Tria outra vez.

— É jovem, ingênua e estúpida. — Disse-lhe Yolanda. —


Fique aqui comigo e me assegurarei de que você e o bebê
estejam bem cuidados.
— Não! – Falei. — É meu bebê, eu cuidarei dela.

— Chega! — Tria nos olhou. — Os dois. Eu não aguento


mais. — Baixei a vista para seu rosto e vi o quanto estava
pálida.

— Droga, Tria! — Gritei enquanto a pegava e a jogava


contra mim. — Está bem? Precisamos ir ao hospital?

— Não, não. — Disse. — Estou bem. Eu apenas... não


posso suportar mais essa conversa. Yolanda eu preciso das
minhas coisas agora e vamos embora.

Peguei tudo rapidamente e inclusive pedi a ajuda de


Damon para que conseguíssemos fazer apenas três viagens
ao invés de seis. Yolanda continuou fazendo observações,
mas Tria a ignorou. Só queria fazer tudo o mais rápido
possível, porque nossa próxima parada seria a clínica.

— Você ainda lamentará essa decisão — disse Yolanda


quando saímos pela última vez — mas ainda terá um lugar
aqui quando precisar.

— Obrigada. — disse Tria, enquanto pegava minha mão


e começava a afastar-se.

Parte de mim sentiu que deveria dizer alguma coisa a


única amiga da minha vida por muitos, muitos anos, mas
não consegui encontrar as palavras certas.

Nossa última parada foi na clínica na Universidade


Hoffman.

— Está por volta de onze semanas. — Disse a médica


enquanto a examinava. — Seu último período foi em março?
Fiquei escondido roendo a ponta do meu polegar e
esperei que o outro sapato caísse. Ou isso foi jogado em
minha mente. Ou que ele simplesmente amarrou os laços do
meu outro sapato e caí e bati o nariz contra o pavimento.

Esperar que o outro sapato caísse.

Que significava isso, de qualquer forma?

— Foi quando comecei a tomar pílula. — disse Tria. —


Um... eram só um pouco irregulares depois disso, mas a
enfermeira disse que isso era normal.

— Geralmente é. — confirmou a médica. — Você foi uma


das que comprou um lote ruim, não é?

— Sim.

— Vou dar alguns papéis que pode levar ao seu


advogado. — Mexeu em uma gaveta da mesa, antes de
entregar a Tria um formulário. — Existem algumas pessoas
que estão tentando fazer uma ação judicial.

— Está bem. — disse Tria. Olhou-me preocupada, mas


não sabia o que pensava. Não podia me concentrar, porque
toda a cena era horrivelmente familiar. Já passei por isso
antes, apenas o médico era outro em uma clínica diferente.

— Sua data de parto será em meados de novembro. — A


médica revisou alguns gráficos. — Em quinze de novembro,
para ser mais preciso.

— Ela está bem? — Perguntei finalmente. — Quero


dizer, está tudo bem com ela? O bebê... quer dizer... tudo está
bem?
— Sim, está tudo bem. — Disse. Olhou-me com um
breve sorriso. — Papai está um pouco nervoso, certo?

Apertei os punhos e contive a respiração, mas não disse


nada.

— Acredito que ele se sentiria um pouco melhor com


algumas garantias. — disse Tria.

— A senhorita Lynn está em excelente estado de saúde.


— Disse a doutora. — Seu útero está bem e o bebê está no
tamanho certo. Não posso dizer muito mais sem um
ultrassom, mas esses podem custar caro sem seguro médico.
O coração do bebê bate forte, entretanto. Quer escutá-lo?

Antes que eu pudesse responder, a doutora pegou um


pequeno instrumento com forma ovalada e o colocou contra a
barriga de Tria. Um momento depois, houve um pequeno
tamborilar saindo dele. Era um som estranho, não era nada
parecido com o que eu me lembrava de quando usava um
estetoscópio em meu próprio coração. Era muito mais rápido
e soava como se estivesse debaixo da água.

Olhei para Tria. Ela olhava seu corpo com a boca aberta
e uma expressão de assombro em seu rosto.

— Ele está mesmo lá. — Sussurrou. Sua cabeça se


voltou para mim, e o sorriso mais lindo cobria seu rosto. —
Ele está mesmo lá.

Devolvi o sorriso o melhor que pude apesar da pressão


em meu peito e a entristecedora sensação de medo que
destruiu qualquer tipo de alegria que eu poderia sentir
naquele momento.
Nunca admitiria meus sentimentos, mas estava
completamente aterrorizado.
Enfrentar a

realidade.
Fiel à sua palavra, Michael me recomendou ao
supervisor da oficina de colocação de pedras e consegui o
trabalho sem sequer ver meu pai. Seu escritório ficava no
centro e aparentemente não visitava essa oficina, em
particular, há mais de um ano.

O ambiente não era ruim e eu tinha minha própria mesa


de trabalho. Apresentei-me apenas como Liam, evitando usar
o sobrenome com aqueles que me rodeavam. Não havia razão
alguma para que alguém, salvo o meu chefe, precisasse
saber, e eu disse que gostaria de ser tratado como qualquer
outra pessoa. Ele pareceu entender.

As pedras eram de uma qualidade ruim e seriam


vendidas às lojas que não ostentavam o nome Teague Silver
nelas. Embora isso provavelmente fosse o melhor, havia
passado muito tempo desde que eu fiz um trabalho tão
delicado. Eles mantinham um registro das pessoas que
costumavam quebrar as pedras.

Imaginei que qualquer um que quebrasse muitas delas,


seria demitido, mas eu não era tão ruim.
Sentado no banco, esculpindo a prata da forma correta
para dar um lugar à pedra era um trabalho solitário e
silencioso. Eu relaxei e fiquei surpreso ao descobrir durante o
primeiro dia, o quanto lembrei e quanto gostei de fazê-lo.

Em meu segundo dia de trabalho foi meu primeiro


encontro com a terapeuta. Pensei umas dezesseis vezes antes
de realmente pegar o telefone, marcar o número e fazer a
consulta. Poderia pegar o ônibus para chegar até ao
consultório, mas fiquei com medo de não conseguir chegar,
então pedi a Damon que me levasse.

— Me seguirá até o consultório? — Perguntei-lhe. Quero


dizer, para ter certeza que eu entre?

— É obvio senhor Teague.

— Também deveríamos ir mais cedo. — Acrescentei. —


Não quero me atrasar.

Damon dirigiu até o edifício onde ficava o consultório e


estacionou o carro em frente ao hospital onde Baynor
trabalhava. Respirei profundamente enquanto ele segurava a
porta aberta e esperava que eu saísse. Cada vez que
começava a me mexer para sair, meus músculos paralisavam.

— Não me deixarei acovardar. — Disse em voz baixa.


Esfreguei as pontas de meus dedos em meus olhos e soprei.

— Há bastante tempo, senhor Teague. — Disse Damon.


— Terá uns bons cinco minutos antes que eu realmente
arraste seu traseiro para fora do assento.
Dei risada imaginando a cena e então continuei fazendo
algumas respirações profundas até que senti que eu hiper
ventilaria.

— Senhor Teague? — Damon permanecia parado, seu


rosto sem mostrar nada mais que compaixão por mim.

— Eu sei. — Falei, praticamente saltando até sua


garganta. Imediatamente me desculpei.

— Ainda tem algum tempo. — Disse-me Damon.

— Essa situação simplesmente... acaba comigo. —


Murmurei.

— É obvio que sim, senhor Teague. — Ele se agachou


até ao meu nível e olhou diretamente em meus olhos. —
Liam, é o que você precisa fazer pela Tria e pelo seu filho que
está a caminho.

Engoli mais uma vez e assenti. Damon se endireitou e


deu um passo para trás com sua mão ainda na porta do
automóvel. Antes que eu tivesse um ataque de nervos, me
movimentei rapidamente para me virar no assento e coloquei
meu pé na calçada. Mais uma respiração e me obriguei a sair
e caminhar até a entrada do edifício mais à frente.

Fazia um maldito calor naquele dia e eu optei por uma


camiseta sem mangas e uma bermuda que pertenciam ao
Ryan, mas não ajudava. O suor gotejava entre minhas
omoplatas antes que eu chegasse à porta. Era quase uma da
tarde e a terapeuta aparentemente ainda não retornara do
almoço. Embora fosse cedo, a recepcionista disse que eu
poderia esperar no escritório da senhorita Chambers
enquanto Damon me esperava no vestíbulo.

Não havia dúvida que estava nervoso e ter que esperar


sozinho no escritório da psiquiatra não ajudava. Havia uma
grande janela que dava vista para o estacionamento e uma
triste ameixeira pequena. Em uma estante havia uma pilha
de livros que parecia muito com a secção de autoajuda da
livraria ―Barnes e Noble‖, duas poltronas e um sofá.

É obvio que havia um sofá.

Todo o arranjo foi obviamente feito para fazer com que o


paciente se sentisse calmo, o que me deixava realmente
nervoso. Sinceramente, acho que Yolanda tinha razão, dez
anos era muito tempo. O que poderia fazer um falatório sobre
esta bagunça para mim, agora?

Talvez conseguisse boas drogas.

Não, provavelmente não conseguiria, um viciado em


recuperação e tudo o mais.

Então, o que ela realmente poderia fazer por mim? Ela


deveria conversar o bastante para desencadear um ataque de
pânico? Se eu falasse o suficiente e entrasse em pânico, eu
acabaria por não ter mais ataques? Eu poderia me matar se
tivesse muitos ataques?

Que porra era um ataque de pânico? E estresse pós-


traumático, o que demônios significavam cada uma destas
porcarias? Pensei que esse tipo de coisa só acontecia para os
caras que serviam em guerras no exterior.
Olhei pela janela, para a pequena árvore, e me perguntei
se poderia passar por ela e sair correndo daqui antes que a
médica ou Damon se dessem conta do que fiz. Provavelmente
não teria tempo, mas não parecia que a janela se abriria com
facilidade.

Toquei o vidro frio e depois me movi para baixo até ao


fecho metálico.

— Bonita tatuagem. — Disse uma voz feminina atrás de


mim.

Dei a volta e olhei nos olhos azul claro de Erin, a mulher


que conheci na lavanderia. Era a mesma garota que havia me
seguido até ao ―Feet First‖, antes de começar a sair com Tria.
Tomamos algumas bebidas e levei a miserável até os
vestiários para uma foda rápida, mas as coisas não
funcionaram exatamente.

— Bem, isso será um pouco constrangedor. — Disse


Erin enquanto empurrava seus longos cabelos loiros alisados
por cima de seu ombro.

— Tem que estar brincando. — Murmurei.

— Deveria ter reconhecido seu nome. — Disse com um


suspiro — Sinto muito, poderia ter evitado essa situação.

— O que quer dizer com evitado?

— Não posso fazer isto, Liam. — Disse. — Não posso


continuar com seu tratamento. Embora não foi muito, mas
temos um pouco de... História. Não seria apropriado. Terei
que encontrar outra pessoa que possa trabalhar com você.
Não. Porra não! Não podia deixar que isso acontecesse.
Agora que eu consegui chegar até aqui. Já estava bastante
doloroso apenas vir ao consultório. Se tivesse que voltar para
começar a fazer outra entrevista, chegar ao edifício, entrar no
escritório, nunca conseguiria. Atrasaria tudo, também. Eu
tinha que conseguir melhorar o mais rápido possível pela Tria
e... E pelo bebê.

Não podia deixá-la simplesmente me descartar, não por


essa razão.

— Se houvéssemos trepado, poderia entender seu ponto


— falei — mas não o fizemos. Você lembra que meu pau não
funcionou, então simplesmente, continuaremos com isto.

— Não podemos Liam.

— Por que não?

— Sinto-me atraída por você. — Disse francamente.

— Bem, eu tenho namorada. — Respondi — Então, não


importa.

Erin suspirou e encostou-se à cadeira. Sacudiu sua


cabeça lentamente enquanto se esticava até o telefone, mas
eu não permitiria que ela me descartasse facilmente. Fui até
ela e coloquei minha mão sobre o teclado do telefone do
consultório antes que pudesse começar a teclar.

— Por favor. — Falei. — A mulher mais maravilhosa do


mundo está grávida. Sou um drogado fodido que nem sequer
pode pensar nela estando nesse estado sem ter um ataque de
pânico e nem sequer sei o que é um ataque de pânico. Preciso
de sua ajuda. Por favor.

Seus lábios esticaram enquanto me olhou durante um


longo momento.

— Está bem. — Disse através de seus lábios apertados.


— Três sessões. Veremos como funcionará. Se houver algo
remotamente incômodo ou pouco profissional, será
transferido para outro terapeuta. Enquanto isso, pedirei ao
doutor Baynor para encontrar alguém que se encaixe em
suas necessidades e esteja aceitando novos pacientes, caso
não dê certo.

— Funciona para mim. — Falei.

— Então, vamos começar.

Porra. Agora que ela aceitou, não tinha nem ideia do que
fazer. Mantive meu olhar no seu enquanto caminhava até ao
sofá e timidamente me sentava na beirada.

Estiquei-me e arranhei minha nuca enquanto me


esforçava para pensar em alguma coisa para dizer.
Finalmente, decidi ser direto.

— Quando estava na escola, minha namorada morreu


por causa de um aborto. — Nunca fui alguém que se abrisse,
mas sabia que tinha que começar por algum lugar.
Fazer a pergunta.
Levou algum tempo, muito tempo,
mas consegui me controlar. Vomitei apenas uma vez.

De fato, Erin reorganizou o resto de sua tarde para me


deixar ficar ali e continuar pelo tempo que precisasse. Depois
de tremer e de ligeiramente enlouquecer, acalmei-me o
suficiente para convencê-la a desistir da hospitalização. Com
uma garrafa de água e um cesto de lixo a meus pés, sentei-
me na poltrona e tentei estabilizar minha respiração.

— Diga-me o que passa por sua cabeça neste momento.


— Disse Erin brandamente.

Meu interior estava tão destroçado, que não sabia o que


pensava ou sentia. O desejo de afastar as lembranças era
fenomenal, mas sabia que se o fizesse não me levaria a lugar
nenhum. Estar drogado era muito mais cômodo, exatamente
como disse ―Pink Floyd‖.

— Eu apenas... não sei.

— Ainda se lembra desse dia?

— Não.

— Por que não?

— Porque... porque dói muito.


— É horrível ver alguém que você ama dessa forma. —
Disse Erin. — Você se dá conta que esta é uma reação
perfeitamente normal, levando em consideração pelo que
passou, certo?

— Dez anos depois? — Deixei escapar uma única


gargalhada aguda. — Nunca lutei contra isso. — Disse.

— Bem poderia acontecer ontem. — Meu peito subia e


baixava enquanto perdia o controle de minha respiração.

— Conte comigo. — Disse Erin.

— O quê?

— Conte comigo. — Repetiu. — Em voz alta. Cada vez


que dissermos os números, quero que se imagine pegando
um lápis e escrevendo o número em um pedaço de papel
azul. Faça isso em sua cabeça enquanto fazemos a contagem.
Entendeu?

— Mmm... Está bem.

Não sabia o que fazer com esse pedido ridículo, então fiz
o que me pediu. Contamos juntos lentamente até que
chegamos ao cinquenta.

— Melhor? — Perguntou.

— Um pouco. — Admiti.

— Essa é uma forma simples e rápida de se manter sob


controle. — Disse. — Visualize os números enquanto conta.
Seus sintomas parecem piorar se sua mente se concentra no
horror da memória. Pense em alguma coisa mudando e
mantenha o foco nisso até que sua mente saia desse estado.
Assenti. Realmente não sabia se acreditava ou não, mas
não podia negar que havia me acalmado. Talvez tivesse razão.
Droga, talvez todos tivessem.

— Então Baynor tinha razão? — Perguntei.

— Sobre o quê? — Erin escreveu em uma pasta.

— Disse que tinha PTSD (transtorno de estresse pós-


traumático).

— Acredito que isso é bastante óbvio, Liam.

— Bem. Que demônios significa isso?

— Significa — disse — que você passou por um evento


trágico e muito intenso. Quando as lembranças desse evento
aparecem, sua adrenalina sobe e reage deixando você
extremamente sensível às lembranças que o assustam.

— Sabe, não terminei a escola. — Levantei uma


sobrancelha para ela.

— Não é estúpido, Liam. — Disse Erin. — Está


devidamente apto, mesmo não tendo a graduação. Não me
venha com tolices.

Olhei para a pequena árvore do lado de fora da janela.

— O PTSD (sigla em inglês) explica por que você reage


tão forte às emoções — disse — qualquer coisa que lembre o
que te aconteceu há quase dez anos, causa um conjunto de
respostas em seu cérebro... Respostas que não é capaz de
controlar. Tem pesadelos?

Olhei-a.
— Não realmente.

— Costumava tê-los?

— Antes de me drogar, sim.

— Como a heroína te ajudou?

— Fez-me esquecer — disse com um encolhimento de


ombros — sentia-me adormecido. Era melhor do que pensar
nisso.

— E o que fez depois que deixou de consumi-la?

— Obriguei-me a deixar de pensar nisso. — Encolhi os


ombros. — Precisei esforçar-me um pouco, especialmente no
início, mas apenas... Deixei de pensar. Então quando batia
em alguém, não precisava pensar.

— Então passou todo este tempo sem pensar, nem lutar


com isso.

— Se eu não pensar por que tenho que lutar com isso?


— Desafiei-a.

— Diga-me você. — Respondeu. — Realmente acredita


que as coisas continuarão funcionando como no passado?
Está aqui por uma razão.

— Tria.

— E a criança que terão.

Estiquei-me um pouco antes de assentir.

— Então... pode me curar?

— Curá-lo? — Respondeu. — Não, você terá que curar a


si mesmo.
— Não tenho ideia do que significa isso.

— Significa que vamos começar uma terapia muito


intensa. — Disse Erin. — Quero que investigue algumas
drogas usadas para tratar o estresse pós-traumático. Há
muitas pesquisas sobre neurotransmissores que ajudam a
inibir os sintomas do PTSD. Algumas delas são bastante
similares à heroína pela forma que funcionam no cérebro e
não quero usá-las, conhecendo seu histórico, mas há outras
opções. Vou te indicar alguns sites na web para que
investigue e juntos decidiremos qual a melhor droga que
funcionará para você.

Procurou em sua gaveta por um momento antes de me


dar um par de folhetos.

— Essa será a parte fácil.

Olhei os folhetos.

— Parece muito complicado para mim.

— A parte difícil será o que faremos neste consultório. —


Disse-me. — Tem muitas coisas envoltas em sua cabeça que
precisam sair. Também tenho o pressentimento que tem
muitas ideias errôneas sobre o que aconteceu durante esse
tempo. Ambos, porque estava obviamente traumatizado pelos
acontecimentos e por causa do seu vício. Vamos tentar um
pouco com o tratamento de dessensibilização e
reprocessamento por movimentos oculares também.

— Falará português em algum momento?


— Você precisará confrontar sua família. Prefiro que seja
um por um e como parte de nossas sessões.

— Por que demônios quer fazer isso?

— Porque será fundamental para entender o que fez e


por quê. — Disse Erin. — Por agora não se preocupe com
isso, só queria que soubesse o que vem pela frente.

— Será uma porcaria. — Murmurei.

Erin me deu um pequeno sorriso enquanto se reclinava


em sua cadeira.

— Posso fazer uma pergunta? — Perguntou finalmente.

— Tenho outra opção?

— Disse que tudo isto começou quando seu pai te


colocou para fora de casa.

— Sim. E?

— Então qual foi o tema principal dessa conversa?

Fechei meus olhos e considerei um momento antes de


responder.

— Falei que queria ser homem e ser pai, assumir a


criança, e ele me disse que esquecesse isso.

Erin assentiu.

— O que disse a Tria na primeira vez, quando ela contou


que estava grávida? — Franzi o cenho, porque eu não gostei
nada do caminho para onde ia esta conversa.

— Isso foi diferente — falei. — Agora eu sei, por uma


experiência bastante dolorosa, como a gravidez pode ser
perigosa. Tria é jovem e não passou por uma droga como esta
antes. Só queria protegê-la.

Mais assentimentos por parte da minha terapeuta.


Começava a me incomodar.

— Diga-me uma coisa — disse Erin. — Como acha que


seu pai justificaria suas ações? — Meu corpo relaxou um
pouco enquanto algumas palavras que ele me disse, há tanto
tempo, começaram a chegar a meus tímpanos fortemente.

— Não sabe o que diz Liam! É muito jovem ainda e pensa


que o mundo simplesmente se acomodará a você, mas já te
avisarei que não funciona dessa forma. Não tem a experiência
que eu tenho na minha idade, filho. Só quero evitar que cometa
um terrível engano que possa te perseguir pelo resto de sua
vida...

— Cacete. — Levantei-me, cruzei o consultório e fechei a


porta enquanto saía dali. Damon se levantou logo que me viu.
— Preciso ir para casa.

Damon não disse nenhuma palavra enquanto me levava


de volta para casa de Michael e eu também não estava com
humor para ter uma conversa. Ele dirigiu pela entrada
circular e parou o carro em frente às escadas. Fiz uma pausa
no assento traseiro até que ele veio e abriu a porta para mim.

Golpeou-me o fato de como eu havia me acostumado


rapidamente com esse gesto, novamente. Dez anos sem nem
sequer ter um automóvel e depois de alguns dias, já havia me
acostumado a ter alguém que dirigisse por mim, de novo.
Senti-me estranho e perfeitamente normal ao mesmo tempo.
Sacudi minha cabeça, subi as escadas e me sentei no
sofá da casa. O térreo estava tranquilo, mas pude escutar
vozes vindas da escada. De repente ficaram mais fortes e Tria
desceu as escadas com Michael e Chelsea.

— Acreditei ouvir Damon estacionar. — Disse Michael


quando cruzou a sala e me viu sentado no sofá. — Como foi?

— Foi uma porcaria totalmente fodida. — Falei


imediatamente. — E não voltarei.

Michael clareou a garganta e lançou um olhar entre nós.


Tria cerrou um pouco seus olhos e pressionou os lábios
enquanto me olhava.

— Acredito que deixarei que se encarregue disso. —


Disse Michael. Pegou a mão de Chelsea e a levou até a porta.
— Temos um compromisso esta tarde no clube. Ben estará
aqui para cozinhar até as oito, se por acaso quiser que
prepare algo para você.

Saíram rapidamente da casa enquanto Tria se


aproximou e se sentou ao meu lado. Antes que pudesse me
dizer alguma coisa, inclinei-me e envolvi meus braços a seu
redor.

— Não quero falar sobre isso. — Falei.

— Está bem. — Respondeu. — Não falaremos.

Com minha cabeça colocada entre o ombro e o pescoço


dela, apertei mais forte meus braços e tentei empurrar todos
os pensamentos da minha mente. Não os queria ali, mas
pareciam perfeitamente felizes por ficar em meu cérebro e
esmagar todas as lindas flores que a negação plantara.

Tria não disse nada. Apenas passou seus dedos pelo


meu cabelo enquanto me enroscava contra ela. Passou um
minuto ou dois antes que o silêncio ficasse muito pesado.

— Odeio essa cadela. — Grunhi na pele de Tria. Apertei


meu abraço e tentei me fundir nela. Não funcionou, mas foi
quente.

— Não pode ser tão ruim. — disse Tria. — Simplesmente


está sobrecarregado. Está bem. Hoje deve ser a parte mais
difícil, certo? Refiro-me ao fato de não se conhecerem e
estarem começando do zero.

— É a única parte. — Respondi. — Não voltarei.

— Liam...

— Não. — Falei. — Só quero ficar aqui... com você...


Assim.

Fechei os olhos e respirei profundamente. Envolto em


seu aroma, finalmente me senti relaxado pela primeira vez
desde que deixei a casa com Damon. Pelo menos não tremia.

Tria colocou a mão em um lado de meu rosto e eu me


virei rapidamente para pressionar meus lábios em sua palma.
Quando a olhei, seu olhar era triste. Estendi minha mão e
percorri sua bochecha com um dedo.

— Não me olhe assim. — Disse em voz baixa. —


Apenas... não funcionou. Tentarei outra coisa.

— Precisa tentar mais uma vez. — disse Tria.


Grunhi em resposta.

— Precisa tentar sim. — Insistiu. — Precisa dar mais


uma oportunidade antes de decidir que não funcionará. Se
der uma oportunidade real e ainda a odiar, procuraremos
outra pessoa.

— A odiei. — Disse-lhe.

— Não acredito que possa odiá-la.

— Ela é realmente muito bonita. — Sabia que


provavelmente caminhava em uma perigosa e fina camada de
gelo, mas havia pouquíssimas coisas no mundo que quisesse
menos nesse momento, do que voltar a entrar no consultório
daquela mulher novamente. — Cabelo comprido e loiro, muito
atraente entre outras coisas.

Tria me empurrou um pouco para trás, ficou em pé e


caminhou até a metade da sala.

— O que está tentando fazer agora? Deixar-me com


ciúmes da sua terapeuta? Sério?

— No que me diz respeito, é minha ex-terapeuta!

— Liam, apenas acabe com isso, ok? — Tria cruzou os


braços enquanto me olhava. — Concordou em tentar fazer
terapia, tentar de verdade. Não pode voltar atrás apenas
porque a primeira vez não foi legal. Será terrível, já sabia.

Ela saiu de perto de mim e eu soube que não havia


muitas coisas mais que pudesse falar para fazê-la mudar de
opinião.

Ou havia?
— Quase a fodi, sabia.

Lamentei assim que as palavras saíram da minha boca,


mas não podia retirá-las. Olhei pela porta do pátio para a
grande superfície de tijolos forrados, atrás da casa. O
intricado padrão parecia uma estrela, cujo extremo norte
apontava para um grande andaime e uma barra de pedra.
Continuei olhando para fora enquanto observava Tria com
minha visão periférica.

— Está apenas dizendo isso para me deixar zangada? —


Respondeu finalmente.

— Mais ou menos. — Respondi, encolhendo os ombros.


Decidi que não era tão errado falar sobre o assunto,
considerando todas as coisas. Quer dizer, ela deveria saber,
não?

Tentei me convencer que era em honra à verdade, mas


na realidade, apenas queria ter uma boa razão para não
voltar para aquele maldito consultório outra vez e Tria
concordando comigo, era uma boa opção como qualquer
outra. Tentaria algo muito mais drástico se fosse necessário.

— Está funcionando. — Deixou escapar um longo


suspiro antes de se deixar cair no sofá ao meu lado. — Não
acredito que seja muito profissional para uma terapeuta te
atender depois... depois disso.

— Foi o que ela disse.

— Liam. — Tria suspirou novamente. Não respondi. —


Liam?
Como eu não respondia, ela pegou meu braço tentou me
virar para que a olhasse.

— Você...?

— Eu disse ―quase‖. — Falei.

Tria permaneceu imóvel e em silêncio por alguns


momentos enquanto me observava. Levei meu olhar para
minhas mãos e retorci os dedos.

— Fale sério. — Disse. — Quando aconteceu?

Levantei o olhar e me dei conta que ela temia o pior.

— Muito antes de você morar comigo. — Disse-lhe.

Ela soprou pelo nariz.

— O quê? — Perguntei.

— Estou decidindo se acredito em você. — Respondeu


com honestidade. Olhei com meus olhos em branco.

— A esta altura, realmente acredita que exista alguma


coisa que eu ficaria incomodado em dizer a você? Você viu o
pior de mim. Não acredito que tenha muito sentido esconder
nada.

— Não posso discutir sobre isso. — Admitiu Tria.

— Aconteceu antes que estivéssemos juntos. — Disse-


lhe. — Mas eu te conhecia. Eu já... Bom... acredito...

Suspirei novamente. Se já vira minha pior versão ou


não, falar sobre outra mulher com ela era incômodo por
assim dizer.

— O quê? — Perguntou Tria.


— Eu a vi no bar. Ela se insinuou e a levei para o
vestiário para treparmos. Meu pau já estava virtualmente
obcecado por você e nem sequer considerou dar uma
oportunidade a ela.

Olhei em seus olhos.

— Nada aconteceu. — Disse-lhe. — Meu pau é um


pequeno idiota mal-humorado, e inclusive, queria funcionar
apenas contigo.

— Pequeno? — Tria elevou uma sobrancelha.

Copiei seu gesto e acrescentei um sorriso.

— É uma expressão. — Falei.

Tria negou com a cabeça, mas já não parecia irritada.


Fui até ela de novo e coloquei um braço ao redor de seus
ombros para aproximá-la. Acariciei sua bochecha, e Tria
passou sua mão pelo meu braço para agarrar meus bíceps.
Nossos lábios se encontraram breve e brandamente e quando
nos separamos nossos olhares permaneceram entrelaçados
durante alguns minutos.

O pequeno idiota escutou falar dele, porque pensou que


era um bom momento para se fazer notar.

— Parece que foi há uma eternidade. — Disse em voz


baixa.

— Foi há uma eternidade. — Ela concordou.

— Michael e Chelsea não voltarão até mais tarde.

Fiquei surpreso por não atingir nada caro na nossa


corrida para o quarto de hóspedes onde estávamos. Tria teve
sorte quando tirou as roupas rapidamente, talvez eu
simplesmente as tivesse arrancado do meu caminho se ela
não o tivesse feito. Para ser exato, elas acabaram no chão
entre a porta e a cama. Arranquei a bermuda e a camiseta e
as joguei longe, enquanto me equilibrava sobre a cama.

Em outra ocasião teria apenas esperado e aproveitado o


momento com as exaustivas preliminares, mas não agora. A
necessidade que tinha dela era muito grande e considerando
como ela baixou sua mão e agarrou meu pau para posicioná-
lo, Tria devia sentir-se do mesmo jeito.

— Ah! Maldição, baby... — gemi enquanto me afundava


nela. — Quase esqueci... O bem...

— Eu não esqueci. — Sussurrou em meu ouvido. —


Senti falta... muito...

— Oh, meu Deus!

Comecei a sair e entrar nela, mas me detive quando


entrei em pânico de repente.

— E o bebê... será que pode acontecer alguma coisa com


o bebê?

— Li que é normal... que está tudo bem. — Disse Tria.

— Tudo bem, certo? — Talvez parecesse indiferente, mas


soltei um grande suspiro de alívio.

— Foi uma das primeiras coisas que pesquisei. — Disse


com um riso. — Mais para a frente na gravidez, o movimento
na realidade, pode balançá-lo até fazê-lo dormir.

— Pois bem — respondi — boa noite, bebê.


Decidindo que ser precavido ainda era uma ideia
decente, não me introduzi nela como queria, mas optei por
impulsos profundos e prolongados, os quais a tiveram
gemendo e desfazendo-se debaixo de mim em um minuto.
Usei minha boca para dar a cada um de seus mamilos um
pouco de atenção com minha língua. Grunhi sobre sua pele
quando afundou suas unhas em meus ombros. O prazer
misturado com a dor.

— Liam... Por favor... Mais...

— O que quiser. — Respondi.

Ela empurrou contra meu ombro, e tomei o sinal para


dar a volta até que estivesse em cima de mim, sentando-se
escarranchada sobre meu pau e se movendo rapidamente.
Cobri seus seios para evitar que balançassem por todos os
lados e seus dedos se moveram até onde estávamos unidos.
Ela se masturbou com eles.

— Isso é tão sexy. — Disse-lhe. — Se esfregue mais.


Maldita seja baby! É incrível quando faz isso.

Deixou escapar um longo gemido, mas não disse


nenhuma palavra. Preferiu manter a conversação ao mínimo,
embora adorasse ouvir minha boca suja.

— Monte-me. Monte-me duro, baby.

Ela se ajustou colocando suas mãos sobre meu peito,


para ter um pouco mais de equilíbrio enquanto se movia para
cima e para baixo sobre mim. Apenas olhei meu pau
movendo-se dentro e fora dela e me perguntei se havia algo
melhor que isto.
Precisando de controle, me sentei, dei a volta e fiquei em
cima dela novamente. Fiz um caminho de beijos desde a sua
garganta e sobre seu queixo enquanto voltava aos impulsos
mais lentos e profundos. Ela rodeou minha cintura com suas
pernas e gritou quando me empurrou para dentro dela com
seus pés.

— Nada no mundo é tão bom como isso. — sussurrei


em seu ouvido e ela gemeu em resposta. Não acreditei que ela
realmente entendeu o que eu queria dizer, mas não me
importei. Estar aqui nessa cama, dentro dela era de longe
muito melhor do que a heroína. Se pudesse apenas fazer
amor com ela, tudo ficaria bem. Simplesmente precisaria me
abster de fazer qualquer estupidez.

O calor de meu fôlego se dispersou sobre seu ombro


enquanto me balançava sobre ela devagar e com delicadeza.
Movi meus quadris contra os seus e escutei suaves gemidos
quando se desfez debaixo de mim, murmurando meu nome.

Não incrementei meu ritmo, mas sim o mantive lento e


contínuo. Não queria me precipitar, embora soubesse que ela
já estava satisfeita. Não queria que acabasse nunca. Talvez
fosse possível manter este momento único vivo para sempre.
Se apenas conseguisse fazer isso, não teria que me preocupar
com qualquer outra coisa fora desta cama.

Naturalmente, não poderia durar para sempre, não


quando passou tanto tempo desde a última vez que estive
dentro dela. Tentando não ser muito ruidoso, sussurrei sobre
a pele de seu pescoço enquanto minhas bolas se apertavam e
meu pau estremecia. Tria cravou seus dedos sobre meu
traseiro enquanto me sujeitava contra seu corpo, e a enchia.

Virei-me para um lado e a abracei com força para


manter nossos corpos juntos. Meus músculos relaxaram e me
permiti afundar no colchão, exausto, mas satisfeito. Tria
suspirou brandamente quando pressionou sua bochecha em
meu ombro. Repousou sua mão sobre meu rosto.

— Foi realmente incrível. — Cantarolou.

— Fantástico, acredito.

Tria sorriu e meu pau se contraiu perante o som, mas


rapidamente me dei por vencido e decidi que dormir era mais
apropriado.

Cobri sua barriga nua com a mão espalmada. Era difícil


imaginar que havia uma pessoinha crescendo ali,
simplesmente passando o tempo, à espera de ser o
suficientemente grande para sair e viver por sua conta. Não
havia nenhuma protuberância ou nada para mostrar ainda,
mas segundo a médica, sem dúvida estava ali.

— É estranho, não é? — Disse Tria em voz baixa.

— Sim. — Estava de acordo.

Para mim, era familiar. Familiar de um jeito que eu não


gostava absolutamente.

Apesar de tudo ser novo para Tria, eu já passei por essa


situação antes, o terror inicial que desembocava no
entusiasmo crescente pelas possibilidades futuras. O
problema era que não podia superar o terror agora.
— No que está pensando? — Perguntou.

— Que estou me cagado de medo. — Admiti. Tria


assentiu.

— Também estou, sabe! — Disse.

— Está? — Meu coração começou a pulsar com força e


me senti como um lixo total por fazer com que se
preocupasse.

— Não acredito que tenhamos medo das mesmas coisas,


mas sim, estou assustada.

— Do que tem medo?

— Sermos pais. — Disse. — Não tenho ideia de como ser


mãe. Quer dizer, meu pai era genial, mas tivemos pouco
tempo juntos. Minha mãe não é um exemplo de
impressionantes habilidades de criação a seguir. Não tive
muito exemplo.

Toquei a ponta de seu queixo e girei sua cabeça para


mim.

— Será uma mãe fabulosa. — Disse-lhe. — Além disso,


compensará pelo avoado que sou.

Sorriu e negou um pouco.

— Falo sério. — Insisti. — Será maravilhosa.

— Alegra-me que tenha confiança em mim. —


Respondeu. — Não estou muito segura. Quer dizer, nunca
troquei uma fralda.

Dei risada.
— Muito menos eu.

— Estamos fodidos. — disse Tria com um sucinto


movimento de cabeça.

— Totalmente fodidos. — Concordei.

Ela se acomodou em meu ombro e continuei esfregando


seu ainda não volumoso ventre, enquanto minha mente se
perdia através de minha própria infância.

O tema mais predominante na memória, era minha mãe.

Pensei que a escutava enquanto adormecia, e a forma


como eu sentia seus cabelos quando mexia neles. Lembrei-
me o quanto era cuidadosa comigo, assegurando-se sempre
que eu estivesse bem preso ao cinto de segurança antes de
sair com o carro e a como eu tinha que pedir minha própria
comida no restaurante, inclusive quando me sentia tímido.
De forma clara, me lembrava de sua risada e de seu sorriso.

Também me lembrei da expressão em seu rosto quando


me levantei da mesa e saí de casa pela última vez e como
tampou a boca quando arrastei Tria da pista de baile na
recepção de Ryan.

Precisava começar a pensar em outra coisa.

— Quando precisa ver a médica de novo?

— Não por algumas semanas. — disse Tria. — O


problema principal será durante o verão, porque a clínica da
escola fecha todo o mês de julho e parte do mês de agosto.

— Precisamos encontrar outro médico. — Falei.

— Realmente não podemos nos permitir a nada mais.


Franzi o cenho e a segurei um pouco mais perto. Apertei
meus dedos sobre seu estomago.

— Agora eu tenho um salário fixo, quer dizer, não


receberei meu primeiro cheque de pagamento por um tempo,
mas deverá ser suficiente para cobrir o médico.

— Liam. É sério. — Suspirou Tria. — Como pagará por


um pré-natal e um parto sem seguro? Não há jeito de fazê-lo
sem passar por uma clínica. Provavelmente eu poderia fazer
tudo gratuitamente...

— Não! — Falei. — De jeito nenhum!

— Por que não?

— Já esteve lá?

— Não.

— Não levaria uma barata mascote a esse lugar. Por que


acredita que Yolanda sempre me levou ao centro se
precisasse de pontos ou o que quer que fosse? Você não vai
lá.

— Bom, então só nos resta a da escola.

Grunhi em frustração.

— Há outras opções.

— Não comece de novo.

— Podemos nos casar. — Disse-lhe. — Estaria em meu


seguro em trinta dias e todos estariam cobertos com um
médico de verdade e tudo mais.

Tria suspirou.
— Liam, me diga uma coisa.

— Qualquer coisa.

— Teria me pedido em casamento se não estivesse


grávida?

Neguei.

— Não.

— Então esqueça. — Disse.

Soltei outro suspiro de frustração.

— Me diga uma coisa, então. — Sentei-me na cama e a


olhei. — Como vamos chamar o bebê?

— Não sei. — Respondeu. — Realmente nunca falamos


sobre isso. Pensei que se fosse um menino, poderia
escolher...

— Quero dizer, qual sobrenome terá? — Interrompi. —


Lynn-Teague? Teague Lynn? Tea-lynn? League?

Sorriu.

— Não esse último!

— Portanto, há outra razão para nos casarmos. —


Concluí.

— Está assumindo que eu teria seu sobrenome. — Disse


Tria. — Que diabos é um ―Teague‖ de todos os modos?

Riu dissimuladamente então fiz cócegas em suas


costelas até que me rogou que parasse.
— Deve ter meu sobrenome! — Insisti enquanto
arrastava o dorso de meus dedos pelas suas costelas
novamente.

Tria se retorceu e riu.

— Bem! — Exclamou. — Serei Tria Teague!

Parei com as cócegas e a aproximei novamente.

— Isso é um sim, então?

— É um talvez. — Disse.

— Então, só mudará seu nome e não se casará? Não é


um pouco estranho?

Tria deixou escapar um longo e comprido suspiro, logo


se voltou para mim.

— Por que eu diria sim, quando já admitiu que não me


pediria em outras circunstâncias?

— Quero que sejamos uma família. — Disse-lhe. —


Quero que estejamos unidos de todas as formas possíveis,
incluindo a legal.

— Mas realmente não quer se casar comigo.

— Não foi o que eu quis dizer. — Respondi com um


suspiro. — Não pediria nesse momento. Esperaria que você
terminasse a faculdade, que tivesse certeza do caminho que
gostaria de seguir, o que gostaria de fazer com sua vida,
antes de perguntar se iria querer se estabelecer nesse lugar.

— E agora é diferente. — Disse.

— Sim, muito diferente.


— Ainda quero terminar a faculdade.

— É obvio. — Falei. — Terminará. Farei com que possa


me assegurar que você termine a escola. E então, se desejar
se mudar para outro lugar, iremos. Eu gostaria de ir para
onde quer que você tenha um trabalho ou que queira viver.

— O que você possivelmente não teria feito se não


tivéssemos um filho?

— Gostaria de ter lhe dado a opção. — Disse em voz


baixa. — Embora, nunca vivi em nenhum lugar melhor do
que aqui.

— E sou uma garota do campo. — disse Tria com um


sorriso.

— Não é uma garota de cidade, isso é certo!

— Acredito que eu gosto mais da cidade. — disse Tria. —


Nem sequer posso dizer exatamente por que, sobretudo
porque não estive precisamente nas zonas mais bonitas.
Entretanto, eu gosto de todas as opções. Dá-me mais
oportunidade de ver como a economia afeta as diferentes
regiões da cidade.

— Você tem manias estranhas. — Disse com um sorriso.

— É o que me interessa. — Disse com um encolhimento


de ombros. — Provavelmente poderia utilizar sua experiência
como parte da minha tese, já sabe. Passando por tudo isto...
— agitou a mão no ar... — E depois bairros mais pobres.

— Sim, embora eu seja fraco em entrevistas.


Tria sorriu e colocou a cabeça em meu peito. Perguntei-
me como se sentiria se visse os móveis dos meus pais. Em
comparação com a deles, a casa de Michael era bem menos
opulenta.

— Ainda precisa de um seguro de saúde. — Recordei-


lhe. — A escola só cobrirá um pouco. Se nos casarmos, tanto
você como o bebê estarão cobertos. Não ganho o suficiente
para uma apólice à parte para você.

— Daremos um jeito. — disse Tria. — Não quero que se


sinta pressionado a se casar comigo somente pelo... por isso

Ela acariciou sua barriga, e eu coloquei minha mão


sobre a sua.

— Então, conseguirei o dinheiro para o seguro com


Michael. — Disse em voz baixa. Não é o que eu gostaria, não
de tudo, mas Tria precisaria ser atendida, e não deixaria que
algo estúpido, como o dinheiro, atrapalhasse seu tratamento.

Talvez se eu tivesse feito isso com Aimee... minha


garganta apertou um pouco.

— Conseguirei com Michael. — Repeti.

Tria de repente moveu sua mão para o lado do meu


rosto.

— Pedirá ao Michael uma esmola? — Perguntou.

— Sim, se isso for o que precisar. — Disse-lhe. — Será


como um empréstimo, entretanto.

Olhou-me nos olhos.


— Fala sério! — Disse Tria. — Realmente pedirá o
dinheiro?

— Sim, falo sério. — Falei enquanto fechava meus olhos.


— Por que não o faria? Tria observou-me durante um longo
momento, enquanto um lento sorriso se estendia pelo seu
rosto.

— Está bem. — Disse.

— Está bem? — Perguntei-lhe. — Está bem, o quê?

— Está bem. — Disse outra vez. — Casarei com você.

Nunca fui dos que na realidade gritam de alegria, mas


realmente não consegui evitar.
Casar.
Com Tria embaixo do meu corpo,
bem envolta entre meus braços na cama que compartilhamos
na casa do meu tio, quase conseguia me sentir em paz.

Quase.

O ar frio do ar condicionado, por Deus, como senti


saudades do ar condicionado, misturado com o suor nas
costas do recente esforço me fez tremer um pouco. Tria ainda
respirava com dificuldade enquanto fechava os olhos e
apoiava a cabeça no colchão. Com medo de esmagá-la, movi-
me para o lado e paralisei nos lençóis com meus braços ainda
envoltos ao redor dela.

Alcancei seu ventre automaticamente. Eu não conseguia


evitar a ação ou o medo intrínseco que a acompanhava.

— O que está pensando? — Perguntou Tria.

—Nada. — Menti. Neguei e tentei afastar meus


pensamentos.

— Sim, em que está pensando. — argumentou Tria. —


Diga-me.

Fechei os olhos e respirei fundo antes de olhar em seu


rosto. Durante um longo momento não falei nada, apenas me
limitei a olhá-la. Tentei focar meus pensamentos em outra
coisa que não fossem as manchas vermelhas no chão, o
aroma acre e o som da minha própria voz gritando em meus
ouvidos.

Os olhos de Tria ficaram presos em mim, mas quando


ela tocou minha bochecha, seu olhar suavizou. Não consegui
parar de pensar em todas aquelas músicas onde as pessoas
alegavam que podiam ver a alma dos outros. Eu adivinhei
que, enquanto ela estava olhando para mim, também poderia
ver a minha.

— Cada vez que penso nisso... — Fiz uma pausa e me


recompus. Meus dedos se esticaram sobre seu ventre por um
momento antes de voltar a falar. — Vejo você... E o sangue.
Não posso fazer nada para parar.

Seus dedos circularam pela a lateral da minha face.

— Estou bem, Liam. Tudo ficará bem.

— Você não tem como saber.

— Eu acredito.

— Não é o mesmo. — Afastei o olhar e escondi meu rosto


em seu ombro. Ela utilizou sua mão para inclinar minha
cabeça para trás para que pudesse olhá-la.

— O que posso fazer? — Perguntou. — O que posso


fazer para te ajudar a se sentir melhor?

Encolhi os ombros. Se eu tivesse alguma ideia, sem


dúvida diria.

Ela soprou pelo nariz e franziu as sobrancelhas


enquanto seus dedos me faziam cócegas na bochecha.
— Deveríamos nos casar agora? — Perguntou de
repente.

— Agora? — Repeti.

— Refiro-me ao dia de hoje. — Disse. — Então eu


poderia ir ao médico com seu seguro. Creio que isso o faria se
sentir melhor? Então, poderíamos fazer um ultrassom e você
veria que tudo está normal.

Olhei-a por tempo suficiente para saber que não


brincava.

— Poderia. — Admiti.

— Bem, faremos isso então.

Doze minutos.

Esse foi o tempo que demorou entre o momento em que


entramos no escritório do juiz e o que recebemos uma
certidão assinada de casamento para apresentá-la no
escritório do secretário.

— Sorria! — A câmera de Chelsea cintilou em meus


olhos.

— Vamos! — Falei pondo os olhos em branco. — Dá


para parar com isso?

— É o dia do seu casamento. — Disse. — Precisamos de


algumas fotos.
— Estou usando jeans, por Cristo!

— Bem, Tria você está linda, inclusive, Liam, precisa de


um corte de cabelo. — Disse Chelsea enquanto se esticava e
esfregava minha cabeça.

— Sim, precisa. — concordou Tria.

Que sorriu para mim e por um breve momento, tudo foi


absolutamente perfeito.

Tria estava linda, tal como disse Chelsea. Vestia uma


linda blusa azul marinho e jeans que, segundo ela, estavam
começando a ficar muito justos e não poderia sentir-se mais
feliz, mesmo se estivesse vestida em cetim branco ou o que
quer que fosse. Mesmo atravessando o impacto próximo de
perceber o que fizemos, não pude parar de olhar para ela.

As pessoas sempre dizem que quando uma mulher está


grávida ela brilha como o sol de verão, Tria estava exatamente
assim. Quando ela sorria, parecia como se a luz irradiava de
dentro dela e me envolvia em seu calor.

Estendi a mão e a rodeei com um braço para aproximá-


la. Ainda me focando nesse sorriso, beijei-a brandamente,
nas escadarias do cartório e Chelsea continuou fazendo as
fotos.

— Vamos jantar para comemorar? — Perguntou


Michael.

Olhei-o com uma sobrancelha levantada.

— Nem sequer recebi meu primeiro pagamento ainda. —


Recordei-lhe. — Não até na próxima sexta-feira.
— Estou convidando. — Disse Michael. — Considere
como um presente de casamento.

— Você já fez o suficiente. — Disse-lhe. Peguei a mão de


Tria e fui para o automóvel.

— Liam! — Sussurrou Tria com dureza.

— O quê?

— Deixa de ser assim!

— Assim como? — Perguntei.

— Sabe como. — Insistiu. — Michael quer nos levar para


comemorar e você não deixa. Olha como ele está
decepcionado!

Olhei para o outro lado enquanto enchia meus pulmões


de ar. Ela tinha razão em uma coisa: não queria que ele o
fizesse. Não queria que nos pagasse o jantar, mesmo se
tivesse uma boa razão.

Antes que eu pudesse abrir minha boca, olhei para os


rostos que olhavam para mim, praticamente me desafiando a
dizer não. Revirei os olhos novamente.

— Então vamos. — Falei. Virei-me para Michael, que


envolveu seu braço ao redor de sua esposa. — Em nenhum
lugar caro.

Michael sorriu.

— É obvio que não. — Respondeu e nos acompanhou


até ao automóvel. Fiel à sua palavra, levou-nos a um pequeno
lugar razoavelmente modesto, mas elegante. Tria nunca
provou uma comida feita de aperitivos e foi divertido vê-la
tentar adivinhar o que viria a seguir. Brindamos com uma
garrafa de suco de uva espumosa e Tria riu das bolhas em
seu nariz.

Na maioria das vezes era bom, simplesmente vê-la


desfrutar de tudo o que sempre fiz por um longo tempo.
Enquanto meus olhos estavam fixos nela, o nó em meu
estômago se afrouxou um pouco. Foi quando ela se levantou
e foi até ao banheiro e não voltou em trinta segundos que
comecei a enlouquecer. Chelsea foi ver como estava e esperei
lá fora.

— Ela está perfeitamente bem. — Disse Chelsea quando


apareceu com a cabeça na porta. — Vá se sentar!

— Fique com ela, pode ser?

— Ficarei. — Prometeu Chelsea.

Ainda estava um desastre até que ela retornou a mesa e


a rodeei com um braço.

— Não volte a fazer isso. — Grunhi.

— O quê? — Disse Tria. — Xixi?

— Demorar tanto! — Respondi bruscamente.

— Não tinha papel!

Apertei os punhos. Sabia que era ridículo, mas não


podia evitar. Empurrei a cadeira para trás, fui até a varanda
do restaurante e acendi um cigarro. Senti que ela estava
atrás de mim antes que estendesse a mão e tocasse meu
ombro.
— Desculpe-me. — Falei enquanto dei a volta e envolvi
meu braço ao seu redor. Então me lembrei do que tinha na
outra mão. — Droga! Não pode ficar perto disto!

Joguei o cigarro na rua e vi as cinzas voarem com o


vento.

— Não estou digerindo isto muito bem. — Admiti.

— Está bem. — Disse em voz baixa. — Não espero que


esteja magicamente melhor depois de uma sessão com um
terapeuta.

— Não quero voltar. — Recordei-lhe.

— Mas voltará?

— Sim. — Suspirei e toquei minha testa com a sua. Ela


passou seus dedos ao longo da minha têmpora e em meu
cabelo.

— Vamos fazer uma consulta com o obstetra na


segunda-feira. Chelsea me disse que talvez pudesse me
conseguir uma consulta mais rápido, pois é seu médico.

Assenti e Tria apoiou a bochecha em meu ombro.

— Está tudo bem. — Sussurrou. — Tudo ficará bem.

Gostaria de acreditar, mas me conformei fingindo


durante a sobremesa. Voltamos para a casa de Michael e
ambos rapidamente se desculparam para ir ao cinema.

Sutil.
— Você está bem? — Perguntou Tria enquanto eu tirava
minha camisa e a deixava cair no chão. Ela veio por trás de
mim, recolheu-a e a colocou no cesto.

— Estou bem. — Falei. Antes que pudesse dizer algo


mais, peguei seus braços e a aproximei de mim. Escondi meu
rosto em seu pescoço e a abracei. — Desculpe-me.

— Pelo quê? — Perguntou.

— Por ser um imbecil. — Respondi. — E por atirar a


roupa no chão.

— Sim, é um bobo. — Esteve de acordo.

— Sinto muito. — Abracei-a com mais força e ela rodeou


meu pescoço com seus braços. Senti seus dedos penteando
os cabelos da minha nuca.

— Realmente precisa de um corte de cabelo.

— Não tenho muitas razões para fazê-lo neste momento.


— Falei. — Não vou lutar, então não acredito que nada
acontecerá com ele.

Tria puxou brandamente as mechas.

— Sim, mas quando o faz só me excito. — Disse com


uma risada. Peguei-a em meus braços e a deixei cair sobre a
cama. Deitei-me sobre ela e comecei a mordiscar seu pescoço.

— Isso faz cócegas! — Gritou.

— Eu sei. — Disse com um sorriso. Parei e me inclinei


para trás o suficiente para vê-la bem. — Minha esposa.

Tria sorriu, e suas bochechas avermelharam.


— Um pouco estranho, não acha?

— Realmente não me sinto diferente. — Admiti. Escondi


meu rosto novamente em seu pescoço. — Sabe que fui seu
desde a primeira vez que a vi.

— Certeza?

Assenti.

Os dedos de Tria perambularam pelas minhas costas e


meus ombros.

— Eu te amo. — Disse em voz baixa.

— Eu te amo mais. — Respondi. Ela sorriu.

— Mudei meu nome por você. — Respondeu ela.

— Humm... Senhora Teague. Isso eu gosto.

— Eu também. — Admitiu.

Silenciei-a com meus lábios enquanto abria os botões de


seu jeans. Empurrei-os para baixo o suficiente para
conseguir que meus dedos estivessem onde queriam estar,
então comecei a conduzi-la a gritar meu nome uma e outra
vez antes que finalmente oferecesse misericórdia.

Penetrei-a lentamente, puxei para trás e a voltei a


penetrar. Ela me cercou, me envolveu e me completou
enquanto me derramava em seu interior.

Com tudo, foi uma foda muito boa para a noite de


núpcias.
A habitual tranquilidade da manhã na casa do meu tio
foi interrompida por uma inesperada visita para o jantar de
domingo. As vozes, embora o volume fosse suficientemente
baixo para não despertar ninguém que estivesse no andar de
cima, eram acaloradas e muito familiares. Detive-me em
minha descida pelas escadas e me sentei sobre o degrau, sem
saber o que fazer a seguir.

Acreditava-se que deveria estar fora da casa antes que


isto acontecesse.

— Ele esteve aqui durante dias? — Grunhiu Douglas


com a voz baixa. — Meu filho esteve aqui, em sua casa,
durante dias e nem sequer me avisou? Sério Michael?

— Não ajudará se começar uma discussão. —


Respondeu Michael com muito mais calma. — Isso
certamente não o ajudou no passado.

— Lindo. — Replicou murmurando. — Não preciso que


jogue isso na minha cara. — Inclinando-me ligeiramente
sobre a escada de caracol, pude vê-los em pé, no corredor de
entrada, bloqueando minha fuga. Meu pai vestia calça escura
e uma camisa polo azul-claro e caminhava de um lado a
outro sobre o piso de mármore como se estivesse no campo,
procurando bolas de golfe perdidas.
— Não estou jogando nada na sua cara — disse Michael
— mas apenas lembrando o porquê você precisa se acalmar
de uma vez por todas. Ele está lá em cima, e essa não é uma
reunião executiva.

— Sei, sei. — Murmurou Douglas. — Sinto muito, tem


razão.

Ambos caminharam para a direita e para fora da minha


vista. Tanto quanto eu sabia que nada de bom poderia surgir,
silenciosamente desci o resto das escadas para a entrada da
cozinha. Eu podia ouvi-los sentados nos banquinhos, em
frente à mesa de café da manhã, quando meu pai respirou
fundo várias vezes antes de começar a falar novamente.

— Como ele está? — Perguntou. — Está bem? Quer


dizer, está com problemas ou qualquer outra coisa?

— Ele está... bem. — Disse Michael.

— Isso não me parece bem.

Fui para o outro lado da porta e pude ver seus reflexos


difusos em uma grande pintura de paisagem no corredor. As
mãos de Michael sustentavam uma xícara de café enquanto
falava.

— Ligou-me do mesmo lugar onde a polícia o prendeu


pela primeira vez.

— Droga, naquele armazém desagradável? Onde o


encontraram com essa garota morta?

Um breve brilho, uma vaga lembrança das viaturas


policiais, as sirenes, uma ambulância e o rosto pálido, sem
expressão de uma mulher cujo nome não sabia, passaram
pela minha mente. Pisquei rapidamente, mas não havia nada
mais na lembrança. Não havia nada mais, exceto a névoa
mental e a apatia induzida pela heroína.

— Esse lugar foi demolido já faz alguns anos. — Disse


Michael. — Mas não estava muito longe do local.

— Está... está usando drogas novamente?

— Não... não. — Disse Michael em voz baixa. — Ele me


disse que queria, mas não estava drogado quando o
encontrei.

— Jesus! — Sussurrou meu pai.

Arrumou seu cabelo por um momento enquanto apoiava


seus cotovelos sobre a mesa.

— Pensei que estávamos, além disso. Pensei que essa


treinadora havia dito que o manteria limpo.

— Ele está bem, Douglas. Está seguro e está aqui. Fique


agradecido por isso.

— Não posso acreditar que não me disse nada. — Disse


Douglas. — Quando concordamos que você o controlaria isso
não foi o que discutimos. Seu detetive privado sequer sabia o
que acontecia?

— Pensava em contar durante o jantar desta noite. —


Disse Michael. — Os relatórios do detetive chegam toda à
semana e no último havia a informação que ele já não estava
em seu apartamento. Perdeu a pista de Liam durante alguns
dias, e quando o descobriu, ele já estava aqui.
Outro longo suspiro.

— Então, por que ele te ligou? Por que agora?

— Bem, tenho que admitir que fica um pouco


complicado neste ponto. — Disse Michael. A imagem no
quadro se tornou imprecisa quando uma nuvem passou pela
casa e diminuiu o nível de luz que entrava pelas janelas da
cozinha. Houve um pouco de movimento ao redor e o som de
mais café sendo servido nas xícaras.

— Lembra-se da jovem que veio com ele no aniversário


do Ryan?

— A senhorita Lynn.

— Está gravida. — Disse Michael. — Dará à luz em


novembro. — Uma longa pausa seguiu.

— Não sei o que pensar sobre isso. — Disse Douglas


tranquilamente. — Estou... estou um pouco surpreso,
Michael. Você é o sensível, o que acredita que devo estar
sentindo?

— Acredito que não posso responder a isso por você. —


Disse.

Silêncio.

Por mais que eu desejasse aparecer pelo canto e


começar a atirar coisas, não o fiz. Queria sair da casa nas
pontas dos pés, também não o fiz. Apenas fiquei ali, ao lado
da entrada da cozinha, olhando para a paisagem e esperando
que o sol voltasse a aparecer.
— Não quero voltar a foder tudo novamente. — Apenas
consegui escutar a voz de meu pai. — Precisa me ajudar.

— Antes que fique aflito. — Disse Michael. — Agora tem


a oportunidade de pensar mais claramente.

— Pensava que estava antes. — Disse. — Como eu


poderia prever o que aconteceu? Simplesmente não queria
que ele jogasse sua vida fora, mas ele o fez de qualquer
forma. No processo, perdi a única coisa que alguma vez
significou algo para mim.

— Não está perdido, Douglas. Ele ainda está aqui.

— Está perdido para mim. Esteve perdido durante


quase uma década. Quase perco Julianne, também.

— Julianne perdeu a si mesma.

— Julianne se perdeu na tristeza. — Corrigiu meu pai.


— Morreu por dentro quando se deu conta de que ele não
voltaria para casa.

Meu peito apertou.

— Tudo foi minha culpa. — Disse.

— Não pode mudar o passado. — Respondeu Michael. —


Precisa encontrar um modo de seguir em frente. Agora ele
está aqui e continuarei conversando com ele, mas não pode
esperar que simplesmente acorde um dia e diga que tudo está
bem outra vez. Não acontecerá nenhum milagre.

— Ele está aqui. — Disse Douglass. — Está aqui, não


morreu nas ruas. Isso, por si só, já é um milagre neste
momento.
— Há mais coisas que precisa saber. — Continuou meu
tio. — Eles se casaram ontem.

— Tem que estar brincando. — Escuto o som do banco


da cozinha arrastando pelo chão e uma dura risada escura.
— Tem mais surpresas para mim, Michael? Porque acredito
que já tive o suficiente.

— Ela é boa para ele. — Disse Michael. — Jovem, mas


sensata. Provavelmente mais sensata do que ele.

O sol voltou a aparecer, e pude ver a figura de meu pai


encurvada com a cabeça entre seus braços. O banco metido
atrás dele.

— Sem acordo pré-nupcial?

— Honestamente, Douglas, nem sequer acredito que ela


saiba o que é isto.

— Isso é um não, então?

— É obvio que não. — Espetou Michael. — Ele não tem


o dinheiro para um advogado e não mudou exatamente de
opinião com relação à ajuda financeira...

— Não é uma ajuda financeira. É dele... É tudo dele. Não


há razão para tudo isso sem ele.

— Obrigado. — Michael riu entre dentes.

— Sabe ao que me refiro.

— Sim, eu sei.
— Julianne estará aqui em uma hora. — Disse Douglas.
— O que direi a ela? Ficou um desastre depois do aniversário
de Ryan e agora tudo isso? Nem sequer sei por onde começar.

— Ele não tinha a intenção de ficar. — Disse Michael. Ia


sair da casa antes que chegasse.

— Acredita que falará comigo?

— Não acredito. Ainda não, é muito cedo. Está vendo


um especialista, dê um pouco de tempo.

— E sobre ela? — Pressionou meu pai. Sua voz se


intensificou. — Senhorita Lynn... Err... caramba! Como se
chama agora? Teague? Realmente tenho uma nora casada
com um filho que não fala comigo? Isto é realmente o que
consegui fazer com minha vida? Multi-fodidos-trilhões e nada
do que realmente importa?

Minha garganta tremeu quando engoli seco e fechei os


olhos durante um momento. Mantive minhas mãos apertadas
em punhos para evitar que tremessem, mas não podia evitar
o fio de suor escorrendo atrás do meu pescoço.

— Abaixa a voz! — Falou Michael.

— Sinto muito. — Murmurou meu pai. — Isto só é um


pouco demais. Terá meu neto e nem sequer sei como chamá-
la.

— Que tal se a chamar de Tria?

— Certo. — Deixou escapar um longo suspiro. — Tria


falará comigo?
O endurecimento do meu queixo deveria ser
suficientemente forte para alertá-los da minha presença. Só
escutá-lo falar seu nome, me deixou preparado para começar
a jogar golpes por todos os lugares.

— Não sei. — Respondeu Michael. — Liam não vai


querer, estou certo disso.

— Deus, Michael. Não pode jogar um osso aqui?

— Acabaram-me todos.

Meu peito apertou enquanto eu passei pelo corredor e


parei na porta. Meu pai e meu tio rapidamente me olharam,
seus olhos se arregalaram antes de piscar.

— Liam. — Sussurrou meu pai.

— Afaste-se dela. — Adverti-lhe. — Não fale nada para


perturbá-la. Se disser uma palavra e ela... se... Se algo
acontecer a ela, juro por Deus, que eu te matarei.

Minhas mãos tremiam, e mesmo quando as apertei nos


punhos, as vibrações só se moveram para os meus braços.

— Não o farei. — Disse meu pai em voz baixa. — Não o


faria, juro. — Seus olhos azuis brilhavam, enquanto me
olhava durante um longo momento. — Nunca quis te fazer
mal. — Informou.

Soltei uma risada, mas o som era tudo menos divertido.


Meu pai desviou o olhar e baixou a vista, e Michael deu um
ligeiro passo para frente antes de sussurrar.

— Douglas, não perca as poucas palavras que possa ter


aqui.
Meu pai olhou para meu tio por um breve momento
antes de assentir e voltar a me olhar.

— Sinto muito, Liam. — Disse Douglas. — Sinto por


tudo. Tudo o que aconteceu. Sei que se eu tivesse agido de
forma diferente... Bom... não sei o que aconteceria, mas ao
menos não precisaria lidar com isso sozinho.

— Foda-se. — respondi com desprezo enquanto rechacei


sua desculpa. — Acredita mesmo que pode falar para sair
de...

As expressões de ambos mudaram drasticamente,


enquanto ao mesmo tempo olhavam para o vestíbulo atrás de
mim. Não precisei olhar para saber quem era. Conhecia a
sensação das mãos de Tria em meu braço. Não diria que seu
toque me acalmou, mas me senti mais centrado.

— Precisamos ir agora. — Disse sem olhá-la.

— Ainda não. — Respondeu ela.

— Tria, não...

— Não precisa ficar. — Disse. Olhou para meu pai e


afrouxou seu toque em meu braço enquanto começou a
caminhar para ele.

— Tria. — Disse seu nome em um grunhido. Não sabia o


que outra coisa dizer, mas não queria que fizesse o que eu
pensava que faria. Olhou-me e negou lentamente.

— Preciso saber Liam.

— Saber o quê?
— Preciso escutar todo o resto. Só conheço um lado da
história, Liam... sua parte. Preciso escutar o resto.

— Tolice.

— Eu sei. — Disse enquanto retrocedeu alguns passos


para mim e estendeu a mão para cavar minha bochecha. —
Sei o que significa para você, mas há alguém mais a quem
você e eu devemos considerar Liam.

— Estou pensando no bebê! — Disse-lhe com os dentes


apertados. — É por isso que não quero você perto dele!

Ela colocou a mão em meu ombro enquanto se apoiava


em mim.

— O bebê precisa de amor — disse-me — o teu e o meu,


é obvio, mas o amor de toda uma família, também.

Olhei sobre meu ombro, e pude ver Chelsea aparecer em


minha visão periférica.

— Você a meteu nisto? — Disse-lhe, franzindo o cenho


para minha tia.

— Está na hora de reparar os danos, Liam. — Disse


Chelsea — Todos nós precisamos seguir adiante.

Dei um pequeno passo para longe de Tria e terminei


com as costas apoiada no arco da porta.

O que era apropriado. Meus pulmões lutaram por ar


enquanto minha cabeça começou a rodar.

— Não agora. — Escutei-me dizer.

Tria colocou a mão em meu braço.


— Venha comigo. — Ordenou-me.

Um momento depois, me fez retroceder pelo corredor


para a sala de estar, longe da cozinha, onde me empurrou
sobre o sofá e se ajoelhou em minha frente.

— Precisa de um desses comprimidos? — Perguntou.

Tremia demais para lhe dar uma resposta clara, mas me


assegurei de agarrar em suas mãos. Não queria que ela fosse
a lugar nenhum. Felizmente, a mochila estava por perto e
Tria guardava nela minha medicação para a ansiedade.

Eu nem sequer conseguia lembrar o nome dos malditos


comprimidos. Apenas sabia que funcionavam. O tremor
parou em poucos minutos e fiquei com apenas o desejo de
dormir. Eu me sentia como na manhã depois de uma noite
ruim, após uma bebedeira, mas sem a dor de cabeça.

— Sente-se melhor? — Perguntou Tria.

Joguei a cabeça para o lado e percebi que estava deitado


no sofá.

— Sim. — Falei. Olhei ao redor e vi Michael fora da sala,


me olhando. Meu pai estava a vários metros dele, como se
tentasse se esconder ou algo assim. Muito tarde para isso.
Chelsea se aproximou com um copo de água e me ofereceu,
mas neguei.

— Está se acalmando muito mais rápido agora. —


observou Tria — Inclusive depois de tão pouco tempo.

Assenti com a cabeça, mas havia partes da conversa


anterior que ainda estavam na minha cabeça.
— O que ele quis dizer? — Perguntei, enquanto olhava
para o vestíbulo e então para a Tria. — O que ele quis dizer
sobre a Yolanda?

— Eu... não sei. — Tria olhou para meu tio, que se


balançava de um pé para outro. — Michael?

— Foi a melhor forma de nos mantermos informado


sobre ele. — Disse Michael a Tria. — Uma vez que
percebemos que ele não estava mais nas ruas, que alguém o
tinha acolhido, falamos com ela e nos asseguramos que o
mantivesse limpo.

— Asseguraram-se? — Perguntou Tria me roubando as


palavras.

— Nós demos dinheiro a ela. — Admitiu meu pai. —


Dinheiro suficiente para manter seu trabalho como
treinadora indefinidamente.

— Que demônios. — Murmurei. Não entendia bem o que


diziam.

— Ela estava machucada. — Disse Michael. — Não


podia mais lutar e não tinha muita sorte trabalhando como
treinadora. Demos a ela os recursos para levantar sua
academia e ela se reunia com meu detetive particular e
informava como ele estava.

— Bem. — Murmurei.

O medicamento fazia-me ficar sonolento. Queria ficar


bravo, mas já não tinha forças. Estava acordado há apenas
uma hora e queria me arrastar de novo para cama. Era uma
sensação que odiava, mas era melhor do que ir parar no
hospital outra vez.

Fechei os olhos, estendido no sofá e apoiei minha cabeça


sobre o colo de Tria. Escutei alguém chegar perto e ajoelhar-
se ao meu lado, ao lado da minha cabeça. Quando abri um
olho, quase estremeci, pois, meu pai estava muito perto.

— Fodido de merda. — Murmurei. — Espionar-me dessa


forma. Pagar para que fizessem isso. Maldito.

— Liam. — Disse meu pai em voz baixa. — Pode me


odiar pelo resto de sua vida, e ainda me asseguraria que
alguém cuidasse de você. Sempre. Não deixou que fosse eu,
então precisei improvisar. Acredito que algum dia entenderá.
Espero que entenda.

— Que se foda. — Murmurei de novo à medida que


minha cabeça nadou um pouco e tudo escureceu. Quando
acordei, Douglas Teague havia ido embora e o jantar de
domingo foi adiado indefinidamente.

Nunca fui dos que contavam minhas benções, mas


fiquei feliz que ele saiu.
Visita ao cemitério.
Com uma cópia da certidão de
casamento em meu arquivo pessoal e Tria acrescentada ao
meu seguro da Teague Silver, conseguimos uma consulta
com o obstetra e ginecologista de Chelsea então ela realmente
começou a se cuidar. O doutor até deu equivalente a três
meses de vitaminas pré-natais que, segundo ele eram muito
importantes.

Eu nem sequer imaginava que existia tal coisa.

— Você acredita que a falta de cuidado pré-natal


contribuiu para o que aconteceu antes?

Nós passamos a marca mágica de três sessões há uma


semana e Erin foi bastante agressiva sobre algumas das
coisas que lidamos. Ela disse que conversaríamos sobre
minha família atual, mas eu teria que assumir primeiro a que
perdi. Se não o fizesse, falharia com a que tentava criar e não
podia permitir que isso acontecesse. Então, Erin foi muito,
muito dura. Quase queria que ela fosse uma lutadora ou, ao
menos, uma fisiculturista... não me sentiria tão mal se eu
acabasse batendo nela.

É obvio, fazia exatamente o que pediram que fizesse.


Cadela.
Estremeci um pouco e voltei a olhar para Erin.

— Nem sequer ouvi falar das vitaminas pré-natais —


confessei — ou porque Tria precisa se certificar que tenha
bastante ácido fólico em sua dieta. Não sabia nada disso até
vermos o médico de Chelsea.

— É isso um sim?

— Não sei. — Falei. — A mãe de Aimee nunca falaria


comigo a esse respeito, além de não saber o que dizer quando
a encontrei... bem, nunca soube nada mais sobre o assunto.

Em minha mente, houve um breve flash... uma


compreensão que acabei de falar seu nome e não me encolhi.

— Então, você nunca descobriu o que aconteceu?

— Que diferença faz?

— Talvez nenhuma — assinalou — ou pode haver muita.


Poderia te dar um encerramento. — Deixei cair meus olhos e
brinquei com meus dedos, o que parecia ser a única coisa
que fiz mais do que falar durante minhas sessões com Erin.

— Há um túmulo? — Ela perguntou suavemente. Eu


assenti.

— Você já esteve lá? — Neguei.

— Talvez devesse.

Neguei com mais força.

— Por que não? — Perguntou.

— Apenas... não posso. Se for, provavelmente ficaria


louco e não quero que Tria me veja desse jeito.
— Por que Tria o veria? — Perguntou.

— Não posso fazer isso sozinho. — Sussurrei. Não


consegui olhá-la enquanto admitia meu vergonhoso defeito...
Era muito fraco para ir até lá sozinho. Não conseguiria passar
pelas portas.

— Vou com você, Liam.

— De verdade? — Olhei-a.

— Podemos fazer sua próxima sessão lá.

Um longo fôlego encheu meus pulmões enquanto


pensava.

— Não sei. — Murmurei por fim.

Ela se inclinou para frente em sua cadeira e se centrou


em meus olhos.

— Como será um marido para Tria e um pai para seu


filho quando não consegue deixar que Aimee e o seu primeiro
filho se vão?

Odiava a simples ideia, mas Erin tinha talento e mesmo


que eu não dissesse uma fodida coisa, sempre fazia o que ela
sugeria. Esta não foi uma exceção e na quinta-feira, Damon
me levou ao pequeno cemitério Baptista onde Aimee e o bebê
estavam enterrados juntos. Erin esperava na entrada quando
chegamos.

Demorei vinte minutos para sair do automóvel e outros


dez para caminhar os quarenta e cinco metros para o lugar
onde eles estavam descansando.

Descansando.
Parecia tão pacífico, mas tudo o que eu conseguia ver
era ela tombada no chão do banheiro, coberta de sangue.

— Não posso fazer isso. — Sussurrei.

— Tome seu tempo. — Ofereceu Erin. — Se for demais,


tentaremos de novo na semana que vem.

Apoiei-me contra a casca áspera de uma árvore, tentei


parar de hiper ventilar cada vez que eu olhava para as duas
pequenas e lisas lápides correspondentes com nada além de
seus nomes e datas. Não havia como eu pudesse fazer isso
novamente, não na semana que vem ou nunca. Se eu fizesse
qualquer tipo de progresso, teria que ser agora.

Dei um passo para frente e segurei um galho da árvore.

Meus dedos flexionaram e dei outro passo. Podia ver a


parte de cima das lápides, com seus nomes sobre elas. A de
Aimee tinha duas datas, a de seu nascimento e de sua morte,
mas a outra apenas uma data.

— Matthew. — Sussurrei. Olhei para minha terapeuta.


— Ela deu esse nome por causa do avô de Aimee. Realmente
as pessoas dão nomes aos bebês que... que não sobrevivem?

— É obvio que sim, Liam. As pessoas choram quando


experimentam a perda e o lamento precisa de um nome.

— Matthew. — Falei outra vez, inclusive mais baixo do


que a primeira vez. — Estaria com nove anos agora.

Quando me dei conta, perdi o equilíbrio e caí de bunda


no chão, na terra entre eles. Uma débil apunhalada de dor
percorreu meu cóccix e a surpresa afligiu o resto dos meus
sentidos. Meu corpo convulsionou uma vez e terminei meio
que ajoelhado. Estendi as mãos, minha palma direita sobre a
tumba do filho que nunca conheci e a esquerda sobre a
lápide de sua mãe... A garota que nunca teria uma
oportunidade.

Suspirei.

Angustiantes e espantosos gritos se elevaram sob a


cálida luz do sol.

Não tinha nem ideia de quanto tempo eu fiquei ali ou em


que ponto acalmei dando-me conta que Erin estava ao meu
lado, com sua mão descansando brandamente sobre meu
ombro.

— Preciso de Tria. — Minhas palavras foram tão


afogadas que somente eu pude me entender.

— É obvio que precisa. — Replicou Erin em voz baixa.


— Vamos encontrá-la.

Ao invés de me levar para o carro, Erin me levou ao


escritório perto da frente do cemitério. Havia uma pequena
área com uma mesa e uma cadeira e uma sala do outro lado.
Tria estava lá, sentada em um sofá esperando por mim, com
sua mochila aos seus pés.

Dei uma olhada em Erin, que assentiu uma vez.

— Ela o levará para casa quando estiver preparado. —


Disse minha terapeuta. Ela e Tria intercambiaram um rápido
olhar e então Erin se foi.
Cambaleei para ela enquanto ficava em pé e me ajudou
a sentar no pequeno sofá. Eu a abracei e provavelmente a
segurei com muita força, mas ela não podia me forçar a
afrouxar meu abraço.

— Não falharei com você. — Afirmei. — Juro... não farei


isto.

— Não falhou amor. — Sussurrou. — Você era somente


um rapaz.

Não discutiria... não tinha a energia. Tudo o que parecia


capaz de fazer era me enterrar em Tria e tentar manter minha
concentração na sensação de seus dedos movendo-se sobre
minha bochecha, pelo meu pescoço e entre meus cabelos.

— Eu te amo. — Sussurrei. — Nunca, nunca permitirei


que algo aconteça a você.

— Sei que não. — replicou Tria. — Também não


permitirei que nada te aconteça. Eu te amo, Liam. Muito...

Abraçamo-nos, a mão de Tria contra minha bochecha e


meus braços envoltos com força ao seu redor. Fiquei
escutando sua respiração por um longo tempo. Era relaxante
e pacífica, como o lento ritmo do coração em meu peito.
Lembrei-me do som dos batimentos do coração do bebê
quando fomos à médica pela primeira vez e levei minha mão
ao ventre de Tria.

— Quero acreditar no que disse. — Declarei.

— O que disse sobre o quê? — Perguntou.

— Que... Que está bem. Que ficará bem.


— Estarei. — Confirmou. — Prometo tudo ficará bem.

Fechei os olhos com força quando minha mente se


rebelou contra a mera ideia de fazer uma promessa tão
ilógica. Não havia nada no mundo que pudesse garantir.
Existiam ônibus que poderiam atropelar as pessoas. Havia
aviões que poderiam cair do céu. Havia maremotos que, de
repente, se formariam e afogariam a todos.

— Quero acreditar em você. — Elevei o olhar para o seu


rosto. — Tentarei acreditar em você.

O trabalho seguiu bem, em sua maioria. Quando me


deixavam sozinho para me sentar em minha mesa e colocar
pedras preciosas, o dia passava relativamente tranquilo e
rápido. As pedras eram ruins, mas, mesmo assim, sentia-me
mal quando quebrava algumas delas enquanto tentava
aprender como moldar o metal na posição certa para a gema.

Geralmente fazia anéis, e me senti um lixo total por


nunca ter dado um para Tria. Precisaria fazer algo engenhoso
sobre isso, mas não estava certo do que seria. Eu queria fazer
alguma coisa em relação a isso, mas teria que pagar pelos
materiais e não tinha dinheiro sobrando.

Selecionei uma pequena pedra e comecei a esculpir o


metal para encaixar na forma da ágata de fogo colocada ao
meu lado na mesa. Justamente quando estava pronto para
colocar a pedra, a pessoa que apareceu depois da hora se
aproximou de mim.

— Você me parece familiar. — Disse-me. — Eu sei que já


o vi antes.

O rapaz tinha cabelo gorduroso, curto na frente e


comprido atrás e cavanhaque. Ele se encaixava muito bem
com a descrição da clientela habitual do ―Feet First‖, então
não ficaria muito surpreso se soubesse quem eu era. Tentei
não dar muita atenção, mas ele não percebeu indireta.

— Só tenho essa cara. — Repliquei com um meio


sorriso.

— Qual é o seu nome?

— Liam. — Respondi.

— Faz muito tempo que trabalha aqui?

— Há apenas algumas semanas. — Respondi. — Ainda


estou aprendendo...

Acenei com a mão para a mesa de trabalho e esperei que


ele pegasse a dica e fosse embora. Ele não foi, é claro.

— Ainda acho que você parece muito familiar. —


Proclamou. — Qual é mesmo o sobrenome que você me falou?

— Não falei. — Repliquei.

— Está bem... então, qual é?

Decidindo que o cara nunca se renderia e estando muito


cansado para responder com qualquer tipo de réplica
engenhosa, simplesmente soltei.
— Teague. — Soltei. — Liam Teague.

— Teague? Sério? — Mostrou um grande sorriso. —


Você é algum primo distante ou algo parecido?

— Não. — Respondi.

— Mas, é da família, certo?

— Sim. — Murmurei.

— Bom qual é o parentesco?

Baixei a pedra e me virei para olhar o rapaz.

— Sou o filho de Douglas Teague. — Espetei. — Agora,


acha que pode me deixar em paz?

Ele sorriu.

— Besteira! — Gritou. — De nenhuma fodida maneira!

— O que quiser. — Tentei voltar ao trabalho, mas as


bochechas com espinhas estavam em meu rosto novamente.

— Quem realmente é?

— Jesus! — Grunhi. — Quer uma cópia da porra da


certidão de nascimento?

O supervisor deu a volta, um que eu não conhecia já


que não estava em meu turno normal e aproximou-se de nós.

— Há algum problema aqui, cavalheiros?

— Tire esse imbecil de perto de mim. — Grunhi.

— Acredito que precisa se acalmar. — Indicou o


supervisor.

―Acalmar-me‖.
Apertei meus punhos contra minhas coxas e lutei contra
a urgência de começar a socar um deles, enquanto chutava o
outro, derrubando-o para bater mais tarde. Lembrando-me
que o oposto de lutar é fugir, saí e o empurrei, indo
diretamente para o banheiro dos homens, onde respirei
profundamente até me acalmar. Meu turno quase havia
terminado, então voltei despercebido até que chegou minha
hora de ir embora.

Eu precisaria descobrir uma forma de lidar com essa


situação, ou seria demitido da empresa que estava destinado
a dirigir. Decidi discutir o problema com Erin na nossa
próxima sessão, mas quando cheguei lá, descobri que ela já
tinha planos para hoje.

— Eu acho que preciso de ajuda para o controle da


raiva. — Anunciei quando entrei em seu consultório.

Ela sorriu.

— Estou disposta a concordar — afirmou — mas há


algumas coisas importantes que precisa assumir primeiro,
antes de começamos.

— Quais?

— Vamos falar sobre todas as coisas maravilhosas em


sua vida. — Assinalou quando me sentei.

— Bem... isso é sarcasmo?

— Não. — Respondeu — Absolutamente.

— Então — comecei devagar — ainda tenho um trabalho


neste momento, embora, provavelmente quase o perdi hoje.
— Essa é a razão por que sugeriu o controle da raiva?

— Sim.

— Entendido. Abordaremos mais tarde. O que mais?

— Eu não sei por que fazer isso. — Grunhi.

— Parte da cura é reconhecer o lado bom, Liam. Há


muitas coisas positivas em sua vida que você escolheu
ignorar para se focar apenas nas negativas. Vamos ter que
passar isso.

— A porcaria se destaca. Tudo o que aconteceu agora


me lembra a... Ao que aconteceu antes. Quando vamos ao
médico ou Tria diz alguma coisa do que sente... tudo volta. Já
passei por isso antes, embora ela não. Cada palavra que sai
de sua boca me faz pensar em... Aimee.

— Mas Tria não é Aimee. — Expôs. — Você amava


Aimee?

— Sim. — Declarei.

— E ama Tria agora?

— Mais que tudo no mundo.

— Como se sente em relação ao bebê que virá?

— Não sei se consigo sobreviver tanto tempo. — Disse


com um rápido bufo de risada.

— Por que diz isso?

— Simplesmente não sei como conseguirei. — Confessei.


— Quero dizer, Tria acaba de passar do primeiro trimestre.
Faltam meses ainda.
— E a cada dia te leva mais perto do final. — Destacou.

— Assim é como me sinto. — Concordei.

— Isso não é o que eu quero dizer. — Disse Erin. — Falo


que leva você mais perto do final da gravidez... para o início
da paternidade, verdadeiramente.

— Na realidade, não penso nisso. — Admiti. — Essa


coisa toda de ser pai. É muito... muito abstrato.

— Pensava nisso quando Aimee estava grávida?

— Sim. E olha onde isso me levou.

— Liam. — Ela se inclinou para frente em seu assento


como sempre fazia quando tentava mostrar algum ponto
monumental e que eu acabaria sem entender

— Que droga você acha que significa isso?

— Tudo o que aconteceu em seu passado, trouxe você


onde está hoje. Acredita que teria qualquer oportunidade de
conhecer Tria se não fosse pelas tragédias que aconteceram
em sua vida?

— Está dizendo que Aimee precisou morrer para que


Tria e eu ficássemos juntos? — Fiquei em pé com o dedo em
riste. — Isso é a coisa mais fodida que ouvi em minha vida!
Aimee e o bebê precisaram morrer para que assim eu
pudesse ser feliz com outra garota? Fala sério?

— Não me referia a isso e você sabe. — Explicou


brandamente. — Por favor, sente-se.

Soprei enquanto lentamente voltava a me sentar no sofá


clichê.
— Apenas peço que reconsidere as coisas positivas em
sua vida. — Esclareceu Erin. — Seu foco está frequentemente
nos aspectos negativos, mas há muitas coisas boas que
aconteceram também.

— Tria.

— Sim, Tria. — Concordou. — E que não teve outra


recaída também. — Assenti.

— O que mais? — Apontou.

— Bem... não estou na rua.

— Tem um tio que se preocupa muito com você.

Assenti outra vez e notei que mordia o lábio inferior da


mesma maneira que Tria fazia quando estava perdida em
seus pensamentos e me obriguei a parar.

— Chelsea também. — Eu disse. — Ela é incrível com


Tria e comigo. Não acho que Tria realmente teve uma mulher
em sua vida para fazer qualquer coisa por ela, como Chelsea.
Ela é mais mãe para ela do que a que ela já teve.

— É a esposa de seu tio, correto?

— Sim. — Confirmei. — Também a mãe de Ryan.

— Conversou com Ryan desde que se mudou para casa


do seu tio?

— Não. — Respondi. — Está em alguma grande viagem


de negócios para a China ou algo assim. Não voltará até o
final do mês.
— Sua relação com ele permaneceu civilizada enquanto
não estava em contato com o resto de sua família.

— Geralmente. — Concordei. — Tivemos nossos


momentos.

— Vocês eram próximos quando eram mais jovens?

— Quando Michael se casou com Chelsea. — Comentei


— Ryan veio junto. Tínhamos a mesma idade e nos demos
bem imediatamente. Foi bom ter alguém com quem passar o
tempo durante as reuniões familiares e tal... não tinha isso
antes.

— E agora?

— Sua esposa é uma cadela. — Assinalei com uma


gargalhada.

— Como assim?

— Apenas é. Estudava conosco também. Acredito que


Ryan a viu como uma fera que poderia domesticar. Tiveram
uma relação ioiô desde o primeiro ano até três anos atrás.
Casaram-se no inverno passado.

— Mas você não aprovou.

Dei de ombros.

— Eu acho que realmente não me importo. — Falei. —


Ryan a ama, então eu acho que esta é a parte que importa.
Ela diz que o ama também e penso que seja verdade. Ainda
acho que ela ama o dinheiro mais do que tudo.

— Você se afastou do dinheiro. — Argumentou.


— Ganhei o suficiente lutando. — Repliquei com
indiferença. — Bem, acredito que ganho mais agora, mas não
é o mesmo. Lutar era...

— Era o quê? — Perguntou quando não terminei.

— Libertador, acredito. Sim, essa é provavelmente a


melhor palavra para descrever. Eu gostava de lutar.

— Por que deixou de lutar?

— Bom, fui mais ou menos enxotado, para começar. —


Recordei.

— Eles o tiraram da luta, na gaiola de um bar, Liam. Há


muitos ginásios onde você poderia praticar boxe ou outras
artes marciais. Por que não procura um lugar?

— Na realidade, não pensei nisso.

— Não é ruim praticar boxe. — Asseverou. — Pode ser


uma boa saída para a sua hostilidade.

— Tria não gosta.

— Tria não gosta que ganhe a vida lutando. — Corrigiu.


— Isto não seria o mesmo. Por que não conversa com ela
sobre isso?

— Não quero incomodá-la. — Encolhi os ombros uma


vez. — Sempre enlouquecia quando voltava para casa
machucado, e se incomodava muito quando tinha apenas um
olho roxo ou um hematoma particularmente desagradável.

— Você acha que lutar em uma gaiola com pessoas


aleatórias que querem fazer de um esporte, um espetáculo de
sangue, é o mesmo que colocar um par de luvas e boxear com
um treinador?

— Não.

— Então, por que acredita que Tria o veria da mesma


forma?

— Que se foda. — Murmurei.

Ela se inclinou para frente em sua cadeira.

— Posso fazer uma observação? — Perguntou.

— Desde quando pede permissão? — Argumentei. Ela


assentiu.

— As primeiras palavras que saem da sua boca cada vez


que digo alguma coisa com a qual você concorda em segredo
são ―que se foda‖.

— Baboseira.

— Essa é sua segunda resposta para a mesma coisa.

Cruzei os braços, encostando-me ao sofá, e a fulminei


com os olhos.

— E possivelmente para a resposta número três —


concluiu com um sorriso — o silêncio.

Estava prestes a rolar os olhos, mas eu tinha uma boa


ideia de que a número quatro entraria em jogo se eu fizesse.

Quatro! Quatro maneiras de evitar a verdade! Há! Há!


Há!

Não era daqueles que se rendiam, mas finalmente admiti


que ela tivesse razão.
Liberar a tensão.
— Tria? Posso te perguntar uma
coisa?

Estava muito quente, aconchegante e muito calmo na


cama para arruinar o momento como estava prestes a fazer.
Por outro lado, provavelmente nunca haveria um bom
momento. Passei minha testa contra seu ombro e a puxei-a
para mais perto de mim. Cheirava tão bem.

— É obvio. — Respondeu.

— Eu...? — Duvidei. Falar sobre isso com Erin não foi


fácil, mas era mais abstrato. Dizendo em voz alta para Tria se
tornava real.

— Você o quê? — Perguntou Tria. Ela se moveu e


levantou seu ombro ligeiramente, então precisei olhar para
ela.

Olhei seu rosto um instante e deixei cair o olhar. Baixei


minha mão também e cobri a pequena barriguinha
arredondada em seu abdômen. Suspirando novamente, olhei
ao redor do quarto e perguntei-me por que não me ocorreu
usar táticas para ganhar tempo antes de abrir minha boca,
ao invés de pensar isso depois.
Tria ficou me observando até que comecei a falar de
novo.

— Acha que eu...? — Mais uma pausa. Apertei meus


lábios, franzi o cenho e tentei encontrar as palavras corretas.
Não havia nenhuma, é obvio, assim escolhi as piores e as
deixei sair. — Quão grande idiota eu sou?

— Que pergunta é essa?

Eu dei de ombros.

— Sou um idiota. — Declarei.

— Algumas vezes. — Cerrou os olhos para mim. —


Sobre o que é isso agora?

— É sobre uma coisa que Erin e eu conversamos. —


Falei. Mais dúvidas da minha parte fizeram com que Tria me
desse um pequeno empurrão.

— Erin te chamou de idiota? — A incredulidade tingiu


suas palavras.

— Não exatamente.

— Do que se trata tudo isso? — Perguntou enquanto se


virava um pouco para que a olhasse.

— Acredita... acha que eu... já sabe... Escondo-me das


coisas?

— O que quer dizer com ―esconder-se das coisas‖?


Esconder-se do quê?
— Da verdade. — Disse com um encolhimento de
ombros. Não pude olhá-la mais, assim pressionei meu rosto
contra o flanco de seu pescoço e olhei sobre sua clavícula.

Tria passou o dedo indicador pelo centro das minhas


costas, ao longo do meu pescoço e subiu pelo meu rosto.
Moveu-se um pouco, suspirou e virou sua cabeça para a
minha.

— Quando alguém fala alguma coisa que você não quer


escutar, você geralmente a evita, sim. Quando é alguma coisa
importante, então... como não pode bater em ninguém, você
simplesmente foge.

— Como quando me contou... contou sobre... sobre a


gravidez?

— Exatamente isso. — Pude escutar a tensão em sua


voz.

— Desculpe-me. — Eu disse. Sabia que já pedi antes,


mas eu tinha a sensação de que, de alguma forma, jamais
seria o suficiente. Não havia desculpas suficientes para o que
fiz.

Erin dizer era uma coisa, mas ouvir Tria confirmar,


deixou minha cabeça dando voltas apontando quantas vezes
evitei o que acontecia ao redor da minha própria
incapacidade de lidar com as situações adversas. Evitar essas
situações se iniciou com a morte de Aimee me levando
diretamente às drogas. A heroína foi à fuga mais fácil, mas
fugir de Tria em mais de uma ocasião era outra. Inclusive
dizer que pensasse em mim como seu irmão era outra forma
de evitar o que sentia por ela no começo.

Escondi-me em uma gaiola uma grande parte da minha


vida para evitar a realidade que estava fora dela. O tipo de
dor e feridas dentro da gaiola era algo que sabia como lidar,
mas as emoções que experimentei fora dela eram demais.

Então o que eu deveria fazer agora?

— Não quero mais fazer isso. — disse a Tria. — Mas não


sei como.

Ela me abraçou mais forte.

— Fico feliz em ouvir isso. — Disse. — E ―como‖ virão


para você. Imagino que provavelmente é mais importante que
você perceba o que faz agora mesmo e descobriremos a outra
coisa quando chegarmos a ela.

Eu ri com suavidade e a abracei com mais força.

— Eu te amo. — Falei.

— Eu também te amo. — Respondeu. — Estarei aqui


para você, para o que você precisar. — Aproximei-me ainda
mais dela.

— Você pensa...? — Parei de novo. Por que diabos era


tão difícil falar, de todos os modos? — É só que, Erin
pensou... Droga.

— Está tudo bem, Liam. — disse Tria. — Fale no seu


tempo.

— Há algumas coisas que devo fazer. — Soltei. — São


algumas coisas que talvez, se as fizesse antes, não teria que
fazer agora, mas se as fizesse, não estaria aqui contigo, então
talvez estivesse bem depois de tudo. Ou pelo menos por uma
razão, você sabe?

— Não tenho a menor ideia do que está falando, Liam.

— Droga.

— Apenas se acalme um pouco e comece novamente. —


Sugeriu.

— Eu acho... — Parei uma última vez. — Acho que


quero falar com minha mãe.

Tria me olhou fixamente e passou a ponta da língua pelo


lábio inferior. Lutei contra o desejo de lamber seus lábios eu
mesmo e então, talvez, fazê-la rolar pelos lençóis por um
tempo. O momento não parecia certo, no entanto.

— Está preparado para fazê-lo? — Perguntou Tria.

— Eu acredito que sim. — Falei, mas então pensei nisso


de novo. — A verdade, é que não. Acredito que se esperar até
que esteja preparado, jamais acontecerá.

— Então, acredito que deve conversar com ela. — Esteve


de acordo. — Tem alguma ideia de quando ou onde?

— Erin me falou que seria melhor se fosse a uma


sessão. — Falei. – Imagino que faça sentido.

— Também acho.

— Ela ligará para minha mãe para combinar.

— Bem. — Tria passou a mão pelos meus cabelos. Eu


ainda não cortei e ele começava a ficar bagunçado e
completamente indomável. Simplesmente não aceitava o
preço que cobravam, não quando deveria economizar o
dinheiro para as consultas médicas.

Esfreguei a pequena protuberância no ventre de Tria


novamente.

Falávamos muito pouco sobre o bebê. Eu só poderia


assumir que era porque sou um idiota sobretudo. Falar sobre
manter Tria em boa saúde era uma coisa, eu gostaria de fazer
isso, não importa o quê, mas realmente não falamos muito
sobre o bebê.

Por que não?

Porque tudo que eu poderia pensar era na porcaria que


comprei, que no final jamais foi usada. Praticamente havia
drenado toda a minha poupança comprando todo o tipo de
bobagens para um bebê que nunca chegou. Todas as coisas
que tinham valor terminaram em uma casa de penhor para
alimentar meu vício, enquanto o resto foi descartado em uma
lixeira.

Tria não é Aimee, lembrei-me, e o bebê não é Matthew.

Falar sobre isso faria com que tudo se tornasse muito,


muito real. O medo de que algo acontecesse era real todo o
tempo, mas a iminente chegada do bebê era a coisa mais
distante da minha mente. Lembrei-me de Tria escondendo
rapidamente as revistas de bebês e maternidade que ela
olhava quando entrei no quarto e me senti como um grande
babaca.

Acariciei seu ventre novamente.


— Quando está marcada a ultrassonografia? —
Perguntei calmamente.

— Sexta-feira. — Respondeu Tria. — Não consegui outro


horário, exceto durante suas horas de trabalho, mas está
tudo bem. Chelsea disse que pode me levar.

— Eu vou. — disse.

— Não precisa ir. — disse Tria enquanto seu corpo se


esticava.

— Eu quero ir. — Disse-lhe. Virei minha cabeça e elevei


o olhar para seu rosto de novo. — Quero ver nosso bebê.

Tria virtualmente se derreteu enquanto eu olhava a


tensão desaparecer de seu rosto e ombros. Uma lágrima caiu
do canto de seu olho. Elevei a mão e rapidamente a limpei.

— Fala sério? — Perguntei.

— Eu vou. — falei. — Quero saber se Krazy Katie tem


razão sobre ser uma menina.

Tria riu e me abraçou com força. Rolei sobre minhas


costas, levando-a comigo e beijei o topo de sua cabeça. Inalei
profundamente seu aroma para o mais dentro da minha
mente. Cheirava deliciosamente, como sempre e por algum
motivo, que me fez começar a pensar sobre o quanto eu
estava bem, depois de tudo. Completa e totalmente bem. Bom
para mim.

E o que ela conseguiu? Um ex-viciado que não podia


enfrentar seu passado. Que boa troca, hein.

―Você está melhorando‖.


Sim, talvez. Erin disse isso. Tria parecia bem com o
progresso que fiz mesmo se houvesse coisas que eu ainda não
podia fazer. Esperava que ir com ela para o ultrassom fosse
uma boa jogada e que não perdesse o controle nem nada.
Essa ideia poderia ser bastante estressante, embora não
pudesse dizer exatamente a razão. Ver o... Bebê... Dentro dela
com uma pequena máquina que via através de sua pele? Era
simplesmente estranho.

E um pouco nojento.

Mas, mesmo assim, eu tinha que fazer essas coisas,


tinha que demonstrar a ela que poderia ser o que ela
precisava. Não estava realmente certo de que ela sabia, o que
pensava a respeito e dizer-lhe apenas parecia estranho.

―Se não disser a Tria como se sente, como pode esperar


que ela saiba? Por osmose?‖

A voz de Erin ecoou em minha cabeça.

Lambi os lábios e respirei profundamente. Movi minha


mão pelas costas de Tria, mas ainda havia muita tensão sob
minha pele. O desejo profundamente assentado de atingir
alguma coisa estalava em meu corpo. Eu queria fazer um
movimento, entrar em contato e sentir a sensação tremente
em meu braço. Queria sentir a dor nos meus dedos quando
acertava um golpe.

Eu queria lutar.

— Você sabe que eu te amo certo? — Falei. Minha voz


parecia desesperada, mas eu não tinha certeza do motivo. Eu
só sabia que era importante que ela soubesse assim como
Erin me disse.

— Eu sei Liam. — Respondeu. Ela se levantou, se


apoiou contra mim e cruzou os braços sobre meu peito antes
de descansar o queixo sobre meus braços. — Também te
amo.

Seus olhos sorriram, mas não me ofereceram conforto.


Apenas me estressou ainda mais.

— Realmente, realmente te amo. — Disse com mais


sinceridade. Envolvi ambos os braços ao redor de seus
ombros. Quando a abracei, aproximei-a um pouco mais em
meu peito.

— Eu sei. — Disse de novo.

— Eu faria qualquer coisa por você.

Ela levantou a mão e tocou a ponta do meu nariz com o


dedo.

— Liam, aonde você quer chegar?

— Quero... quero... — Parei. Não podia falar. Não queria


incomodá-la.

— O que quer? — Pressionou.

Suspirei pesadamente.

— Quero voltar a lutar. — Falei e senti que Tria se


esticou antes que pudesse dizer qualquer coisa. Rapidamente
continuei. — Não competitivamente nem nada disso, em um
ginásio. Tipo, praticando, treinado, lutas curtas.
— Sem gaiola?

— Sem gaiola. — Conformei.

Tria ficou em silencio por um tempo e a cada segundo


que passava, eu estava mais nervoso. Quando ela abriu a
boca, eu estremeci e me preparei para o pior.

— Então faça isso. — Disse.

— Sério? — Meus olhos se arregalaram quando olhei


seu rosto para me certificar que não imaginei tudo. — Mas
você odeia lutas.

Tria apertou seus lábios por um momento.

— Eu não gostava da gaiola. — Sussurrou. — Você


estava sempre ferido e eu nunca sabia quando você
terminaria no hospital com alguma contusão mais séria ou
para levar pontos. Sempre temia o pior. Eles pagavam seu
dinheiro e já que tudo estava na mesa, você não tinha como
se defender se não o faziam. Mas o que falou... — ela acenou
com a mão tirando importância — isso não é o mesmo. Sei
que você gosta... de lutar. Não fingirei que entendo, mas sei
que significa muito para você. Eu acredito que frequentar um
ginásio, treinar, lutar, fará bem a você.

— Fala sério?

— Claro.

Não havia nenhuma forma de dizer como eu me sentia,


apenas envolvi meus braços ao redor dela tão forte como
pude sem machucá-la e a beijei uma e outra vez até que ela
se retorcia e se rendia em meus braços.
— Não te mereço. — Informei-lhe.

Tria pegou meu rosto em suas mãos, inclinou sua


cabeça e fez aquela coisa tão profunda de ―olhar minha alma‖
que apenas ela conseguia fazer.

— Bem, você está preso comigo de qualquer modo.

—Eu posso viver com isso.

Território neutro.

Era assim que Erin o chamava.

Não me sentia em território neutro, parecia mais como


se estivesse no corredor da morte. Comi minha ―última
refeição‖ barra de proteína enquanto o relógio se movia e
Damon se sentava bem perto da porta da sala de espera para
me pegar caso eu tentasse fugir por ela.

Respirações profundas e tranquilizadoras não fizeram


nada por mim.

— Preparado, Liam?

Olhei ao redor da sala, um pouco confuso, mas me


levantei e segui Erin até seu consultório.

— Achei que ela estaria aqui.

— Estará. — Disse Erin. — Queria te dar um pouco


mais de tempo para se acalmar antes que ela chegue. Deve
estar aqui em quinze minutos.
— Oh.

— Como se sente agora?

— Nervoso. — Admiti.

— Parece muito razoável, dadas às circunstâncias.


Quando foi a última vez que falou com a sua mãe?

— Eu a vi no casamento de Ryan. — Falei. — Também


foi até ao hospital depois que fui apunhalado.

— E não falou com ela desde então? — Perguntou Erin.

— Não... exatamente. Nós mais gritamos do que


conversamos.

— Imagina que hoje será assim também?

— Não tenho a menor ideia.

— Diga-me alguma coisa que se lembre de sua mãe


quando ainda era pequeno. — Sugeriu Erin.

— Ela lia muito para mim. — Falei.

— E você gostava?

— Acredito que sim. — Dei de ombros.

— O que mais você lembra?

Sorri.

— Quando passávamos os ―dias fora‖. — Falei. —


Mamãe escolhia todos aqueles lugares estranhos que íamos
aos finais de semana quando papai viajava a negócios.

— Lugares estranhos?
— Não exatamente estranhos. — Falei. Tentei encontrar
a melhor jeito para descrevê-los. — Eram apenas lugares
comuns. Não íamos ao cinema ou ao parque. Nós íamos ao
lago perto da universidade e alimentávamos os cisnes ou
íamos ao sótão de algum apartamento de um dos velhos
edifícios do campus e o explorávamos. Simplesmente... não
eram as atividades normais de mãe e filho, acho.

— Você gostava de fazer essas coisas?

— Sim. — Falei. — Nunca mais fiz essas coisas.

Uma tímida batida soou na porta do consultório e meus


olhos foram até Erin.

— Preparado? — Perguntou brandamente.

Minha cabeça sacudiu com um não de dúvida e Erin


sorriu com meia boca.

— Se decidir que é muito para você — disse-me — toque


seu joelho com o dedo indicador e terminarei a sessão. Está
bem?

— Ok. — Repliquei com voz rouca. Saber que eu poderia


sair daqui a qualquer momento me fez sentir melhor.

Erin se levantou e atravessou a sala no que parecia ser


em câmera lenta, em lentidão que nunca existiu fora da
minha imaginação. Demorou horas e, ao mesmo tempo, foi
muito rápida. Ela apertou o botão. A porta abriu e lá estava
ela.

Vestida com um terninho elegante, cabelo penteado,


maquiagem perfeita, assim como sempre a vi.
Extraordinariamente linda e parecendo ter envelhecido
apenas um ano na última década, Julianne Teague entrou no
consultório.

Apesar de sua aparência delicada, ainda poderia se


ajoelhar em uma caixa de areia e brincar sem mover nenhum
fio de cabelo. O teria feito também. Ou ao menos, o faria no
passado.

Faria isso com meu bebê?

— Oi, Liam. — Disse ela. Sua voz era tão baixa que mal
conseguia ouvi-la, embora soubesse que disse isso.

— Mamãe. — Respondi. Precisei engolir e afastar o


olhar. Erin colocou sua cadeira em frente à minha.

— Sei que é difícil para os dois. — Disse Erin. — Tenho


a esperança de que ambos decidam conversar um com o
outro sem a minha interferência, mas também posso ajudá-
los. Acredito que seria bom se Julianne contasse um pouco
sobre como se sente. Está bem para você, Liam? Está bem
que sua mãe comece?

— Sim. — Clareei a garganta. — Está bem.

— Julianne? Conte a Liam o que sente agora.

— Eu sinto sua falta. — Disse imediatamente. Não a


olhei. Não consegui. Sabia que havia lágrimas escorrendo
pelo seu rosto e não queria vê-las. — Muito Liam, eu não
posso nem mesmo...

Tomei uma profunda e entrecortada respiração.


— Estou tão, tão feliz de que esteja morando com seu tio
agora e que se dispôs a conversar comigo.

— É o que Tria queria. — Contestei. Soou pior do que eu


queria.

— Nós temos...? — Ela parou de falar e eu escutei sua


respiração ficar mais agitada.

— O que quer dizer, Julianne? — Perguntou Erin em voz


baixa.

— Temos uma chance? — Perguntou, um pequeno


soluço escapou de sua garganta. — Fale comigo, por favor?

Por um longo momento, apenas olhei meus dedos em


meu colo. Minha mente estava completamente em branco e
eu não tinha nem ideia do que dizer. Não sabia se tudo
poderia ser arrumado, e nem tinha certeza se era isso que ela
queria.

— Tria quer uma família. — Falei finalmente. — Ela


está... ela terá um bebê, já deve saber.

— Eu sei. — Disse mamãe. — Seu pai me contou.

— Novembro. — Falei. — A data provável é que nasça


em novembro.

— Michael disse que estava... assustado.

Estiquei-me. Eu não gostei que ele falasse sobre mim.


Quero dizer, sabia que ele o faria, não é como se tivesse
pedido segredo, mas escutá-la falar em voz alta... bem, isso
era diferente. Eu não gostei.

Bom, eu não gostei em grande parte.


Parte de mim lembrou que ela queria saber, que eles
falaram sobre mim nos últimos dez anos todo o tempo. Que
ainda estava em suas mentes e em seus corações mesmo
quando eu não os aceitava. Eu queria saber que eles não se
esqueceram de mim ou deixaram de se preocupar e que
realmente sentiam saudades.

— Ficará tudo bem. — Disse em voz calma. — Vamos


cuidar de você. Vamos cuidar de Tria, também.

Não tinha ideia do que era. Suas palavras... seu tom.


Talvez fosse só porque disse que cuidaria de Tria... não sabia.
Eu apenas desmoronei.

Completamente.

Totalmente.

Por uma vez, os braços de minha mãe estavam ao meu


redor enquanto toda a dor e a sensação de perda
derramaram. Embora ela estivesse no centro disso por anos,
não consegui evitar encostar-me a ela quando se sentou ao
meu lado no sofá e me abraçou. Ela chorou. Eu chorei.

De fato, foi estranho. Muito estranho.

Muito.

Separei-me dela e fui para o outro lado do consultório.


Fiquei ao lado da janela ao invés da porta, assim não poderia
sair. Apenas me inclinei e contei como desculpa as árvores lá
de fora.

— Liam, pode dizer a sua mãe o que pensa agora?

— Ela permitiu. — Murmurei.


— Permitiu o que? — Pressionou Erin.

Virei-me e fulminei a minha mãe com o olhar.

— Você não o impediu. — Declarei. — Simplesmente


deixou... deixou-o dizer todas aquelas porcarias. — Disse —
Ele disse todas aquelas coisas horríveis a Aimee e deu a ela
um susto terrível. Ela não sabia o que fazer e não disse nada
a ninguém depois disso. Você deixou...

— Eu sabia que ele tinha razão, Liam. — Disse mamãe


suavemente.

Eu fiquei tenso e estava prestes a sair porque ficar


poderia significar que eu bateria em minha mãe. Erin me
parou com uma das mãos e me fez sentar novamente.

— Julianne, pode, por favor, esclarecer o que quer dizer


com isso? Parece que concordou com as duras palavras que
Douglas disse para Aimee.

— As palavras em si, não — disse — mas a ideia por


trás delas. Se estivessem fora da vida um do outro, você não
teria ficado tão determinado com a ideia de se tornar pai aos
dezessete anos. Você não estava preparado para esse tipo de
responsabilidade.

— Como sabia para quais demônios estava preparado?


— Gritei enquanto me virei para olhá-la.

— Porque você era meu filho! — Gritou em resposta. —


Ainda é e eu ainda o conheço... mesmo estando separado da
família todo este tempo! Posso ver o quanto você mudou...
cresceu. Mesmo depois do casamento. Você está diferente.
Olhei para a janela outra vez e tentei manter minha
respiração sem perder totalmente o controle. Não conseguia
pensar bem quando isso acontecia.

— Ele apenas queria protegê-lo. — Escutei-a sussurrar.

— Bom, ele não conseguiu! — Falei. — Não me protegeu


absolutamente!

— Eu sei! — Soluçou. — Não funcionou! Nada


funcionou! E então você... apenas se foi!

Não me movi da janela enquanto tentava ignorar seu


pranto. Não funcionou, o que foi surpreendente. Meu peito
apertou e embora eu não estivesse mais hiperventilado, ainda
me sentia tonto.

— Procuramos você por semanas, Liam. — Disse. —


Depois... Depois do funeral. Não havia nenhum sinal seu! A
polícia continuou procurando, mas cada vez que pensavam
que haviam te encontrado, era outra pessoa. Quando o
relatório veio... quando finalmente o encontraram...

Outro soluço afogado.

— Você... do jeito que vivia... E não queria sair! Não


conversava conosco! Disse que preferia ir para a cadeia a
conversar com a gente! Disseram que você se drogava... por
dias! Quase teve uma overdose! Liam, você costumava falar
sobre o quanto era ruim fumar quando estava no jardim de
infância e usava heroína!

Um calafrio percorreu meu corpo.

O armazém.
Eu sabia do que ela falava. Tinha algumas vagas
lembranças, nubladas pela heroína, de viaturas de polícia,
uma ambulância, um coronel..., mas nada de concreto.

Estive morto por dias.

Deveria ser condenado.

Meninos tolos e drogados.

— Liam? — A voz de Erin flutuou para a janela e


ricocheteou em minha cara. — Pode falar comigo?

— Eu... não me lembro. — Admiti. — Não me lembro de


nada disso.

— Poderia se sentar outra vez?

Deixei-a me levar de volta à cadeira, do lado oposto de


mamãe, no sofá. Uma veia latejava em minha testa e olhei
para o tapete, no chão. Para tirar as lembranças da minha
cabeça, tentei fazer algum sentido nos padrões do tapete. Não
conseguia. Era aleatório e sem sentido.

— Liam? — Perguntou Erin novamente. Por acaso elevei


o olhar depois que ela repetiu meu nome várias vezes. —
Lembra-se do que conversamos anteriormente? Sua
preocupação com Tria quando ela disse que estava grávida?

— Mmmm... — Clareei a garganta novamente. — Sim.

— Havia coisas nas quais você não pensava quando...


Coisas que disse a Tria.

— Essa porra... — Queria dizer que não me importava,


que não era o mesmo. Queria negar tudo, mas não conseguia.
Em vez disso, olhei para os olhos da minha mãe pela primeira
vez.

Os soluços aumentaram, seu cabelo começava a


despentear-se, sua maquiagem estava borrada.

Quando ela fez algo além de tentar fazer o certo?


Quando fiz algo além de tentar afastá-la?

— Eu... não... não... não posso... — gaguejei e então me


lembrei do que Erin disse antes e comecei a tamborilar meu
dedo sobre meu joelho.

— Eu acho que é o suficiente por enquanto. — Disse


Erin imediatamente. Pude ver a surpresa de minha mãe, mas
isso não incomodou minha terapeuta. Vinte segundos depois,
apressou-se em tirar minha mãe pela porta. Um minuto
depois estava de volta e ajoelhada ao meu lado. — Está se
sentindo bem?

— Não sei. — Falei. — Acho... talvez.

— Muito intenso?

— Sim.

— Intenso bom?

— Ainda não tenho certeza.

— Isso é justo. — Erin ficou em pé. — Leve alguns


minutos para se recuperar. Isso é mais que suficiente para
um dia. Na próxima semana, falaremos sobre hoje e sobre se
queremos ou não fazer isso novamente.

— Outra vez? — Falei. — Está louca?


— Não acha que isso foi tudo, não é?

— Eu... não sei.

— Um passo de cada vez. — Disse Erin. — Você se saiu


muito bem. Estou orgulhosa. — Ela sorriu e eu assenti,
dando um pequeno sorriso em resposta, fiquei sentado por
alguns minutos enquanto ela escrevia em seu caderno e
depois saí do consultório.

— Como está se sentindo, Liam? — Perguntou Damon


enquanto descíamos as escadas.

Perguntei-me se ele já havia me feito essa pergunta


alguma vez e não consegui responder.

— Estou... bem — respondi. — Cansado.

— Acredito que é de se esperar. — Disse com um


assentimento. — Para casa, suponho?

— Não. — Falei. — Quero ir até a academia e acertar


alguns golpes.

— Para a academia, então.

O treinador não estava preparado para se defender


contra mim e fiquei bem com isso. Deixei-o estendido sobre o
tapete por um tempo o que, definitivamente, me fez sentir
melhor. Mesmo com as luvas. Quando eu terminei, estava
suando e exausto.

Damon ficou ao lado do quadrilátero e me olhou com


um meio sorriso em seu rosto.

— O quê? — Perguntei enquanto passava sobre as


cordas.
— Você se saiu bem. — Falou Damon.

— Chutei alguns traseiros. — Falei. Dei meu próprio


sorriso torcido.

— Isso mesmo. — Ele concordou. — Está se sentindo


melhor?

— Sim. — Falei.

— Para casa? — Perguntou.

— Para a Tria. — Respondi.

— Para a Tria. — Concordou.

No dia seguinte foi a tão esperada audiência de sentença


para Keith Harrison, por assalto e agressão.

O filho de puta pediu por sua própria queda pela


tentativa de homicídio, pelo amor de Deus. Ninguém
perguntou minha opinião. Não havia nenhuma dúvida de que
ele tentou me matar, não que eu me importasse agora.
Consegui a garota. Ele seria sentenciado à prisão.

Tria apertou minha mão com força quando entramos na


sala de audiências e nos sentamos. Keith estava em um
desses uniformes laranjas da prisão e se sentou ao lado de
um advogado designado pela corte na parte da frente. Ele
olhou em nossa direção enquanto entravamos e seus olhos
me fulminaram.
Devolvi o olhar e apenas para me assegurar, baixei a
mão e a esfreguei na barriga de Tria. Ela cobriu minha mão
com a sua e encostou sua cabeça em meu peito. Ela não
queria vê-lo, isso sabia bem. Só esperava que ele ficasse bem
longe durante muito tempo.

Os olhos de Keith se arregalaram e eu soube que ele


entendeu a mensagem. Um momento depois se deixou cair
ligeiramente em seu assento e sacudiu sua cabeça.

Resisti ao desejo de gritar com ele e lembrá-lo do que


aconteceu para que ela estivesse em tal estado. Não parecia
exatamente o momento nem o lugar, mas estaria mentindo se
dissesse que não senti um grande prazer com a sua reação.

Realmente, eu adorava o fato dele ser um idiota.

O promotor se aproximou e nos disse que não nos


preocupássemos, tudo deveria terminar rapidamente e Tria
provavelmente nem teria que subir para testemunhar. Fiquei
feliz por isso. O promotor pensou que eu teria que
testemunhar, mas depois de doze segundos do início, os
advogados foram até ao juiz para um pequeno intercâmbio.
Quando terminaram, Keith foi sentenciado há cinco anos e
nos disseram que poderíamos ir embora.

— Porra! — Exclamei. — Isso foi fácil demais. Não


tivemos que fazer nada.

— Estou feliz que acabou. — sussurrou Tria. Estava


pálida e eu envolvi meu braço ao redor de sua cintura para
segurá-la mais perto.
— Tudo bem. — Disse-lhe. — Ele ficará fora por um
longo tempo e nós ficaremos bem.

Cada um ganhou vinte dólares por comparecer na


audiência.

— Poderíamos sair e celebrar. — Sugeri.

Tria sorriu ligeiramente, mas negou com a cabeça.

— Provavelmente seria melhor usar o dinheiro para


alguma coisa mais necessária.

Não pude discutir com sua lógica.

— Poderíamos... Mmm... — Fiquei tenso com meus


próprios pensamentos. Isso o tornou mais real para mim do
que qualquer outra coisa. Quantas vezes fiz isso antes, correr
até uma loja depois da aula para comprar coisinhas para o
bebê? — Nós temos algumas horas sobrando antes da
consulta para o ultrassom. Poderíamos fazer algumas
compras... Mmm... para o bebê?

Tria envolveu seus braços ao redor de meu pescoço.

— Sim, por favor.

Fizemos isso. Prestando muita atenção aos preços,


conseguimos comprar bastante coisa por quarenta dólares.

Damon nos levou para uma dessas lojas que vendiam


artigos de segunda mão para bebês. Encontramos uma
cadeirinha para carro que normalmente custaria muito mais
caro do que poderíamos pagar e outras coisas também. Tria
começou a chorar quando pegamos os pacotes.
— O que foi? — Perguntei. Aproximei-me dela e deixei
que molhasse toda a frente da minha camisa.

— Estou... apenas feliz. — Disse. — Estava realmente


preocupada em não ter onde colocar o bebê. Agora temos um
lugar para isso.

Não fazia sentido para mim. Ainda faltavam alguns


meses antes que o bebê precisasse ser colocado em algum
lugar, mas, aparentemente, isso era importante para Tria. Ela
se agarrou a mim e chorou um pouco mais, então riu de si
mesma.

— Eu me sinto boba. — Sussurrou. Ela olhou em volta


para outros clientes.

— Não. — Falei. — Há algo mais que queira pegar


agora?

Escolhemos algumas coisinhas mais, antes que Damon


nos levasse de volta para a casa de Michael. Suspirei assim
que chegamos, imediatamente reconhecendo o veículo do
meu primo estacionado logo à frente. Seu gosto habitual por
carros não mudou.

— Ryan está aqui. — informei Tria.

— Você está bem com isso?

Encolhi os ombros.

— Estou bem. — Não havia muito que eu poderia fazer


sobre isso. A casa era de seus pais.

Carreguei as sacolas para dentro e emocionei-me como a


morte ao ver Amanda no hall de entrada assim que entramos.
Como ficou esse pensamento na escala do sarcasmo?

— Olá, Liam... Tria. — O sorriso da Amanda era falso,


para dizer o mínimo. Eu não gostei da forma como ela disse o
nome de Tria, muito menos. Não podia compreender muito
bem, mas me lembrei de que jamais perguntei a Tria sobre
como ela conhecia Amanda desde pequena. Teria que lembrar
depois.

— Mandi. — Assenti. Enquanto estivesse nesta casa,


seria relativamente gentil com ela.

— Ouvi dizer que devo felicitá-los. — Disse. — Fazendo


as coisas fora da ordem, casamento e bebê, hein?

Parei e olhei para ela, mentalmente revogando todos os


pensamentos sobre ser educado.

— Que pena que você não teve uma cerimônia para que
pudéssemos assistir. — Continuou. — Seria agradável ver o
tipo de cena que você poderia provocar durante a sua
recepção.

— Você praticamente me forçou a participar. — A


lembrei. — Se acha que me desculparei por isso, pode se
foder.

— Liam! — falou Tria.

— Apenas em sentido figurado. — disse, olhando em


sua direção.

— Não é o ponto! — Tria me fulminou com o olhar. —


Guardarei estas coisas.
Passou rapidamente ao lado de Amanda e subiu as
escadas.

— A reunião familiar está tranquila, pelo que vejo? —


Michael veio da cozinha com Ryan atrás dele.

— Você se casou com uma cadela. — Disse ao Ryan.

— Sim, mas ela é sexy. — Disse Ryan com um grande


sorriso. Ele se aproximou por trás de Amanda, que estava
com a feição amargurada e envolveu o braço ao redor de sua
cintura. Ele tentou beijar seu pescoço, mas ela o afastou.

— Preciso falar com Chelsea. — Murmurou enquanto


saia.

— Faça isso. — Burlei-me de volta. — E da próxima vez


que rejeitar seu fodido convite, aceite a porra da resposta. —
Parou na parte de baixo das escadas e olhou sobre seu ombro
para mim.

— Sabe que só o fiz para seu próprio bem. — Disse


Amanda. — A verdade é que não saiu tão bem como eu
esperava, mas fiz apenas para reuni-lo novamente com a
família. Ryan queria demais. Eu sei que nós realmente não
conversamos desde que estávamos no ensino médio, mas sei
o quanto você significa para essa família, e o quanto eles
significam para você. Tudo isso não mudou, nem mesmo
depois de tudo o que você passou.

Cerrei os olhos para ela, mas não respondi.

— Ela fala de coração. — Disse Ryan enquanto se


aproximava. Sua mão se aferrou em meu ombro. — Foi uma
droga o jeito como se expressou, eu sei. Ela nunca aprendeu
como fazer algumas dessas coisas quando era mais nova.

— Que coisas? — Perguntei.

— Para estar com as pessoas. — Disse Ryan encolhendo


os ombros. — Lembra como ela era na escola.

— Era uma cadela completa. — Eu disse. — Ela apenas


era agradável se ganhasse no Halo (jogo online).

— Por que acha que ainda a deixo ganhar? — Ryan riu.

— Amanda tem seus momentos. — Admitiu Michael. —


Algumas vezes são tão difíceis como o seu Liam.

Senti a frase ―vai à merda‖ e a palavra ―baboseiras‖


subir ao redor de minha língua e a urgência de cruzar de
braços e rolar meus olhos imediatamente depois de morder a
língua. Quando considerei várias reações inapropriadas para
a verdade, Tria voltou descendo as escadas.

— Está pronto? — Perguntou Tria. Olhou ao redor por


um momento, supostamente procurando por sua prima. —
Olá, Ryan.

— Olá, Tria. — Disse Ryan. — Bem-vinda à família.

— Obrigada. — disse Tria.

— Vamos. — Falei. Peguei sua mão e saí quase correndo


de lá. Ver as vísceras de Tria em um monitor era uma ideia
muito mais agradável do que sair por aí com a esposa de meu
primo.

Damon nos levou ao consultório médico e ficamos na


sala de espera cheia de crianças gritando e mulheres com
barrigas simplesmente gigantes. Tria sorriu e deu risada
pelas travessuras da criançada, mas isso me deixou nervoso.
Quando chegou a nossa vez, Tria se deitou na maca enquanto
a enfermeira preparava a sala.

— Tudo pronto? — Perguntei. Podia escutar o


nervosismo em minha voz.

— Estou. — disse Tria. — Você está preparado?

Só consegui assentir. Qualquer palavra poderia revelar


minha ansiedade.

Tria estremeceu e se queixou pelo gel frio que a


enfermeira aplicou em sua barriga, mas assim que a
enfermeira foi ao seguinte passo e as imagens começaram a
aparecer no monitor ao seu lado, ela deixou de falar
imediatamente e apenas ficou olhando para a tela.

— O que é isso? — Perguntou assombrada.

— Esse é o coração do seu bebê pulsando. — Disse a


enfermeira. Sorriu e apontou a cabeça, o estômago, os braços
e as pernas. — Querem saber o sexo?

— Sim. — Respondemos em uníssono.

A enfermeira sorriu, moveu a ―varinha mágica‖ ao redor


da barriga de Tria novamente e então anunciou que teríamos
uma menina. Não fazia nem ideia de como ela descobriu isso,
eu não podia distinguir a cabeça de um pé.

— Droga! — Murmurei. — Ela tinha razão!

— Pensei que teria. — disse Tria. — Ela estava muito


confiante a respeito.
— Uma vez que ela tinha certeza de que o bêbado do
outro lado da rua era o Hitler. — Informei a Tria. — Não
acreditaria em sua palavra, sobre isso muito menos, embora
o cara tivesse um fodido bigode.

Tria riu e a enfermeira tirou algumas imagens do bebê.

— Que nome nós daremos a ela? — Perguntou Tria


enquanto subíamos no banco de trás do Rolls. Ela não parou
de olhar para a foto e eu tive que segurar sua mão para que
não tropeçasse nem nada.

— Não tenho nenhuma ideia. — Falei.

— Eu também não.

— Algum nome surgirá. — Assegurei-lhe.

Tria percebeu que foi mal-educada e rapidamente se


moveu para o assento do motorista e mostrou as fotos a
Damon.

— É incrível o que eles podem fazer nestes dias. —


Disse.

— Você tem filhos? — Perguntou Tria.

— Tenho uma filha. — Ele disse. — Ela cuidava de Liam


quando era criança. Agora tem dois filhos. Lembro-me
quando veio para casa com fotos parecidas.

— Acredito que se parece com você. — disse Tria


enquanto elevava a foto.

— É uma mentirosa. — Falei.


— Falo sério. — insistiu Tria. — Tem sua estrutura
facial.

Revirei os olhos, sorri e me aproximei mais da minha


esposa enquanto Damon dirigia.

Embora eu realmente não pudesse dizer o que olhava na


imagem granulada em preto e branco, não pude deixar de vê-
las repetidas vezes enquanto passeávamos pela cidade. Em
um momento, levantei minha mão e enxuguei uma lágrima
do canto dos olhos de Tria.

— Será linda. — sussurrou Tria.

Nunca fui do tipo que discute com uma mulher e não


começaria agora.
Mudança de cenário
— Têm dois quartos, um banheiro
com banheira e ducha e uma cozinha.

O proprietário da pequena casa de aluguel, apenas cinco


quarteirões do campus, ficou incrivelmente satisfeito pelo fato
de uma família procurar pelo lugar ao invés de grupo de
estudantes, que estavam muito mais propensos a estragar o
lugar. Era apenas uma casinha em uma fila de outras
casinhas, pintada de amarelo claro, com persiana marrom.
Ela tinha uma varanda de bom tamanho com um balanço,
para o qual Tria sorriu antes que entrássemos.

— O segundo quarto fica bem ao lado do quarto


principal, por isso será perfeito para sua iminente chegada.
— Deu a volta e sorriu amplamente para Tria, que
instintivamente cobriu sua barriga proeminente.

Ainda não estava grande, mas como Tria era miudinha,


ficou óbvio que com cinco meses de gravidez, Tria teria um
bebê. Tentei ocultar o fato de que contava os dias antes que
fosse mais além do que Aimee chegou quando perdeu
Matthew.

Era estranho saber o nome dele, mesmo que fosse o


nome que a mãe de Aimee o abençoou, me fazia pensar mais
nele. Erin comentou que era porque agora eu tinha um nome
para o luto, mas me pareceu que seria mais para separá-lo do
bebê que Tria esperava.

Uma menina.

Isso também ajudou.

O lugar era perfeito, eu tinha que concordar. Para mim,


havia dois pontos principais de perfeição, era grande o
suficiente e se ajustava ao nosso orçamento. Tria adorou que
houvesse um pequeno quintal nos fundos, cercado, assim
poderia levar o bebê para brincar.

Mudamos quatro dias depois.

— Eu acho que me acostumei a ter um carro disponível


quando precisávamos. — Mencionou Tria enquanto
carregávamos os mantimentos pelos degraus da varanda.

Levava as coisas leves e volumosas, o pão e o papel


higiênico. Não deixaria que ela levasse qualquer das coisas
pesadas e se negou a me deixar carregar tudo sozinho.

— Tenho certeza de que Damon a levará sempre que


quiser. — Lembrei-a.

— Eu acho que, na realidade, Michael gostará de ter seu


motorista de volta. — indicou Tria.

— Ele e a Chelsea gostavam de ter você na casa. —


Assegurei. — Para o caralho, o motorista.

— O que você acha de convidá-los para jantar? —


Perguntou Tria. — Seria um bom começo para as centenas de
anos de compensação que devo a ambos.
— Parece um bom plano.

Coloquei os mantimentos enlatados em um dos


armários. Guardei todas as nossas coisas enquanto Tria
retirou duas bolsas para Krazy Katie.

— Você gostaria de vê-la esta tarde?

— Provavelmente. — Respondeu Tria. — Já faz duas


semanas que fomos até lá.

— Da última vez deixamos coisas para abastecer por


pelo menos um mês. — Recordei-lhe.

— É verdade — concordou Tria — mas me sinto mal por


não a visitar. Ela deve se sentir muito sozinha agora que não
tem mais seu parceiro para fumar na escada de incêndio.

Pegamos duas sacolas com suprimentos e nos dirigimos


à parada de ônibus. Demoramos um pouco mais de uma
hora, mas finalmente conseguimos chegar ao nosso antigo
prédio de apartamentos na parte ruim da cidade.

Talvez fosse apenas porque não estive lá por algum


tempo, mas o lugar parecia ainda pior do que eu lembrava.
Havia lixo por toda parte e três prostitutas a um quarteirão
de distância, em plena luz do dia. Levantei o olhar para a
escada de incêndios, mas Krazy Katie não estava fora.

Envolvi Tria protetoramente com um braço enquanto


entrávamos no edifício e subíamos as escadas. O lugar
cheirava mal, o que era outra coisa que não me lembrava.
Caminhamos pelo corredor e ambos olhamos para a porta do
apartamento onde vivíamos e então nos desviamos para o
seguinte. Dei uma batida na porta.

— Abre cadela louca!

— Liam! Para!

— É uma expressão de carinho. — Protestei.

— Oh, não é! — Replicou de repente. Aproximou-se e


voltou a chamar.

— Katie! Katie, trouxemos algumas coisas para você! —


Nenhuma resposta.

— Não acredito que esteja aqui. — Comentei. — Se


estivesse, abriria a porta, ela sempre abre. Não estava na
escada de incêndio, por isso deve ter saído para algum lugar.

— Aonde? — Questionou Tria quando se virou para mim


e colocou as mãos sobre os quadris. Sua expressão era tensa
e preocupada. — E alguma vez ela já saiu?

— Imagino que ela se encontre com sua assistente social


uma vez por semana. — Esclareci.

— E qual dia é esse?

Soprei pelo nariz.

— Às terças-feiras. — Respondi. — Hoje é segunda-feira.


Tentarei entrar pela janela.

Deixando Tria na porta com os mantimentos, arrastei-


me até a escada de incêndio e levantei a perna por cima do
corrimão. Havia cerca de cinquenta bitucas de cigarros
perfeitamente alinhadas em um ângulo contra o ralo de forma
que se elevassem sobre seus extremos. Neguei um pouco com
a cabeça antes de abrir a janela e entrar.

O cheiro ruim ficou mais forte assim que entrei. Era


suficiente forte para me fazer tampar um pouco o nariz, mas
não tinha certeza do realmente era. Parecia um aroma antigo
e rançoso que ficou pior enquanto caminhava para a porta da
frente.

— Que cheiro ruim é esse? — Perguntou Tria logo que


abri a porta.

— Não tenho certeza. — Admiti.

Tentei não mostrar minha preocupação, mas começou a


formar um nó na boca do meu estômago. Deixei a porta
aberta e fui diretamente para o quarto enquanto Tria levava
as sacolas até à cozinha.

Estava escuro, mas isso não foi o que me deixou


nervoso. O cheiro estava mais forte e familiar, de um modo
que eu não gostava, absolutamente. Ele me lembrou de
quando minha tia estava em cuidados paliativos antes de
morrer e papai me levou para visitá-la. Era ocre no final.

Olhei para o chão sujo e depois me fixei no único móvel


que existia no quarto, a cama de casal. As mantas e lençóis
estavam enrugados na parte inferior, com o colchão exposto.
Um diminuto e enrugado monte estava no centro do colchão.
Seus olhos escuros olhavam fixamente para o armário.

— Porra. — Murmurei.
Demorei três passos para chegar ao lado da cama. Uma
vez ali, não sabia o que fazer. Estendi a mão na tentativa de
tocar seu ombro, sem saber o que aconteceria. No momento
que senti sua pele fria, seus olhos piscaram duas vezes.

— Porra. — Ofeguei. — Pensei que estivesse morta.

— Liam? — Tria me chamou na sala.

— Ela está aqui. — Exclamei. Voltei a olhar para o vulto


na cama. — Assustou-me muito, per...

Parei de falar quando ela virou os olhos e começou a


convulsionar.

— Tria! Ligue para emergência! — Gritei para o outro


cômodo. — Peça uma ambulância!

Meu coração começou a bater com força enquanto


tentava segurá-la o suficiente para evitar que caísse da cama
e se machucasse. Não entendia nada sobre convulsões, mas
imaginei que ajudava. O ataque não durou muito tempo e
quando acabou não voltou a abrir os olhos e o aroma
característico de urina chegou ao meu nariz.

Isto não era bom, não era bom mesmo.

— Krazy Katie?

Nenhuma resposta.

Eu a sacudi um pouco e parei quase que imediatamente.


Ela acabou de convulsionar violentamente e depois disso não
disse nada. Tentei segurar seus dedos, porém não obtive
resposta. Podia sentir seu pulso lento e sentir sua respiração,
mas esta estava muito fraca.
— Liam, o que aconteceu?

— Ligou para a emergência?

— Liguei. Eles estão vindo.

— Alguma coisa está errada com ela. — Expliquei.


Levantei o olhar, desesperado por vê-la me dar algum sinal de
que saberia o que fazer, mas Tria apenas a olhava com os
olhos arregalados e a boca aberta. — Quero dizer, muito
errada. Porra, Tria, o que eu faço?

— Não sei. — Sussurrou.

Não sabia se eles demoraram muito tempo para chegar


porque estavam ocupados, se os paramédicos não gostavam
de vir para este bairro ou se era apenas minha percepção. No
momento que eles chegaram, Krazy Katie começou a tossir
sangue. Embora ela tenha aberto os olhos quando a
colocaram na maca, não disse uma palavra.

Tria ligou para Damon e ele nos levou ao hospital.


Vimos um desfile de pacientes entrar e sair da sala de
emergência com feridas sangrentas, golpes na cabeça
desagradáveis e braços quebrados, obviamente. As coisas
aumentaram o ritmo e diminuíram em intervalos regulares
até que já eram duas da manhã, quando um grupo de idiotas
bêbados com os lábios e nódulos arrebentados foram trazidos
pela polícia e um médico, finalmente, saiu para nos dar uma
atualização sobre o estado de Krazy Katie.

Parei de respirar e dificilmente sentia a mão de Tria


enquanto segurava meus dedos. Ela utilizou a outra mão
para cobrir sua boca enquanto o médico falava. As lágrimas
imediatamente começaram a cair de seus olhos.

Câncer de pulmão.

Avançado.

Descansando agora.

Não há nada mais que possamos fazer.

Tem apenas alguns dias de vida. Talvez uma semana.

Senti que meu corpo adormecia enquanto o médico


falava. Tria precisou sacudir meu braço antes que eu me
dessa conta de que ele foi embora e uma enfermeira tentava
obter algumas informações.

— Você é da família?

— Não. — Consegui dizer. — Não acredito que ela tenha


parente. Quero dizer, não conheço nenhum. Nunca ninguém
apareceu para visitá-la.

— Éramos seus vizinhos — esclareceu Tria — mas nos


mudamos há algum tempo. Tem uma mulher do serviço
social que pode saber um pouco mais. Liam, você tem o
número da mulher?

Procurei em minha carteira, retirei um pequeno cartão e


o entreguei.

— Entraremos em contato com o serviço social. —


Indicou a enfermeira enquanto saía do quarto.

Já ouvi essa frase a respeito das pessoas que sentiam o


peso do mundo sobre seus ombros, mas isto era mais como
uma mordaça do tamanho corporal, que estava ao meu redor,
até o ponto em que meu interior estalaria justamente pela
parte superior. Deixei-me cair sobre um dos horrendos
bancos de plástico, porque foi onde me sentei. Poderia ser o
chão com a mesma facilidade.

Nunca fui o tipo de pessoa que chorasse com as más


notícias, mas logo que caí no banco, às lágrimas
simplesmente transbordaram.
Escolher o nome
Pequena.

Essa era a palavra que vinha em minha mente enquanto


baixava o olhar para a minúscula figura deitada, sem se
mover, no meio de uma caixa de carvalho que era muito
grande para ela.

A pequena funerária perto do pequeno cemitério católico


estava quase vazia.

Tria e eu nos sentamos na segunda fileira e a assistente


social de Krazy Katie se sentou atrás da gente. Erin se sentou
do outro lado, e se negou a me escutar quando eu a assegurei
que não precisava vir. Damon estava ao redor da última fila,
como faziam normalmente os choferes, sempre nas sombras.
Mais à frente, perto do caixão, estava o padre, em pé e
falando de como Krazy Katie estaria em um lugar melhor.

Na realidade, ele não disse Krazy Katie, modifiquei-o em


minha mente. Na medida em que ela iria para um lugar
melhor, bem, eu não poderia argumentar contra isso. Onde
ela esteve, estava muito ruim.

Não fui capaz de negar quando Michael comentou que


pagaria pelo funeral apropriado para a mulher que era minha
amiga, se isso fosse o que fora. Não tinha muita certeza do
que pensar sobre ela. Sentia-me como se estivesse em uma
confusão de descrenças durante os últimos quatro dias.

O médico comentou que ela passou muito mal e deveria


sentir muita dor, há muito tempo, o que me fez sentir muita
raiva. Como não percebi isso antes? Como ninguém
percebeu?

Mas nós não percebemos, ninguém percebeu. Nem Tria,


nem sua assistente social... Ninguém. No momento que eu
percebi o que acontecia, ela morreu e eu pegava um terno
emprestado de Ryan para o serviço funerário.

Pedi a minha família que ficassem afastados, não a


conheciam. Não havia razão para que viessem. Michael
aceitou, mas apenas se Damon nos trouxesse e não
tivéssemos que pegar um ônibus ou o que quer que fosse.
Aceitei assim me deixariam em paz.

Tria pegava e soltava minha mão quando usava o lenço


na outra para limpar o nariz. Tentei não pensar no estresse
sob o qual ela estava e como poderia afetar o bebê. Erin me
assegurou que seria melhor deixar que Tria soltasse suas
emoções no funeral do que tentar mantê-la calma, e foi isso o
que eu fiz.

Honestamente, tive um momento difícil em manter a


compostura para me preocupar muito mais pela Tria e o
bebê. Talvez a mudança de ritmo fosse melhor para mim.
Chorei no hospital a primeira vez que me disseram, mas não
o fiz depois, nem sequer quando Tria saiu correndo do quarto
para me dizer que havia acabado.
Krazy Katie sofreu muito e vê-la assim era doloroso.
Não conseguia respirar corretamente e cada vez que tentava,
ela estremecia de dor. Foi muito estressante para a Tria e
muito para suportar quando eu nem sequer conseguia lutar
com meus próprios problemas. Apoiei-me muito em Michael e
Chelsea, inclusive tive duas sessões a mais com minha mãe.

Foi tão bom como na primeira vez.

Acima de tudo, me senti muito mal quando Krazy Katie


morreu. Se fosse outra coisa e não câncer, provavelmente
seria uma boa droga, mas não foi. Sentia-me como um bosta
porque parte de mim estava contente por ela ter morrido.

Uma grande parte de mim.

Olhei os dedos de Tria enrolados ao redor dos meus.


Suas mãos eram macias e quentes, quando passei o dedo
pela ponta dos seus, me fez sentir um pouco excitado, o que
estava muito errado, dadas as circunstâncias. Não sabia
direito como lidar com isso.

Honestamente, quanto mais tempo passava na terapia,


mais fodido me sentia. O padre terminou falando sobre a fé, o
céu e o que quer que fosse. Todos nos levantamos,
murmuramos um hino sem nenhuma música de
acompanhamento ao falsete do padre e então nos sentamos.
Um minuto depois, voltamos a nos levantar e depois nos
ajoelhamos então nos sentamos e, por último, nos
levantamos. Quando estava a ponto de perder a cabeça, o
padre finalmente nos disse que nos aproximássemos e a
olhássemos pela última vez.
Bem, não foi exatamente o que ele disse, mas foi alguma
coisa parecida.

A assistente social se benzeu antes de se afastar e Tria


se aproximou para ficar ao lado da parte aberta do túmulo.
Uma silenciosa lágrima caiu pela sua bochecha quando ela
esticou a mão e tocou o rosto de Krazy Katie. Sorveu um
pouco pelo nariz e se afastou, me deixando sozinho.

Arrastei alguns passos até ficar em frente a ela. Olhei


para os meus pés e me perguntei se eles mudavam o tapete
neste ponto mais frequentemente do que em outros lugares.
Quantas pessoas haviam permanecido de pé assim, dizendo
adeus?

Olhei para seu rosto e minha primeira reação foi que


simplesmente não a via. Ela estava muito maquiada, algo que
ela nunca fez antes e pentearam seu cabelo para que ficasse
liso. Olhei sobre o meu ombro e vi Tria e a assistente social
conversando com o padre. Ninguém olhava.

Coloquei a mão em seus cabelos e o despenteei, assim


ficava melhor.

— Isso está melhor. — murmurei me sentindo um pouco


idiota.

Voltei a olhar ao redor rapidamente, mas todos ainda


estavam ocupados com o que quer que fosse que estivessem
conversando, assim me virei para o corpo de Krazy Katie.

Tive uma sensação de frio e formigamento enquanto a


observava, incapaz de desviar a vista, mas odiando-o ao
mesmo tempo. Simplesmente não... não estava legal. Não
deveria morrer assim. Krazy Katie foi uma constante. Ela
sempre esteve lá, sempre no mesmo lugar fazendo a mesma
loucura. Permanecia na escada de incêndio empilhando
bitucas de cigarros e gritando profecias tolas às pessoas.

É como o mundo deveria ser.

— Você, louca. — sussurrei. — Como foi que fez isto?

Minha voz quebrou e minha garganta fechou


dolorosamente. Precisei me obrigar a engolir saliva só para
conseguir respirar novamente.

As lembranças das noites frias de vento congelante e dos


quentes dias de verão, sentado na saída de incêndio,
fumando e a observando fazer coisas estranhas revoaram
minha mente. Não pude deixar de sorrir para nenhuma das
imagens. Pelo menos, Krazy Katie me manteve entretido.

— Você poderia usar algumas de suas palavras de


sabedoria, sabe? — Confessei. — Quero dizer... quando
estava no hospital. Tria... estava preocupada e eu não sabia
se o bebê... se ela, estaria bem. Ela sempre pensou que as
coisas que dizia eram brilhantes e profundas. Eu disse que
apenas estava louca, mas... Bom, ela acreditou em você. De
qualquer forma, você tinha razão sobre o bebê.

Embora no hospital ficasse consciente algumas vezes,


não disse uma palavra. Inclusive, quando tentei falar com ela
sobre a bagunça que fiz na saída de incêndio, só me olhava
como se não tivesse certeza de quem eu era e então começava
a tossir sangue.
Na realidade, parecia melhor agora do que quando
estava no hospital.

— Disseram que tinha quarenta e oito anos. —


Mencionei. — Não tinham nem ideia qual era sua idade.

Estava a ponto de completar vinte e nove anos e percebi


que quando tivesse a idade dela minha filha estaria na
universidade.

E se o mesmo acontecesse comigo? Comecei a fumar


quando tinha dezessete anos e fumei assiduamente nos
últimos dez anos. Eu realmente nunca pensei muito no que
fazia com meu corpo. Nunca quis.

Pensar em fumar me fez perceber que eu poderia estar a


caminho do mesmo destino. Se morresse com quarenta e oito
anos, nunca veria minha filha graduar-se na universidade,
casar-se ou ter seus próprios filhos. Nem sequer conheceria
meus netos.

Tria teria que fazer tudo sem mim.

Peguei o pacote de Marlboro do bolso. Havia fumado três


cigarros entre a casa de Michael e a igreja, forçando Damon a
estacionar, para que eu pudesse ter um pouco de sossego e
conseguisse não desmoronar a caminho.

Voltei a olhar para trás, mas ainda estavam todos


ocupados.

Lentamente, alcancei o bolso e tirei o pacote de cigarros


e o isqueiro. Verificando primeiramente se alguém estava me
observando, rapidamente coloquei tudo no caixão, sob a mão
de Krazy Katie. Simplesmente sabendo que, na realidade,
parecia mais ela mesma do que fora em seu velório.

— Imagino que a saúde já não é mais alguma coisa com


que se preocupe. — murmurei. — Então, aproveite onde quer
que esteja certo?

— Liam?

Dei um pequeno salto.

— Desculpe-me. — sussurrou Tria. — Já é hora de nos


dirigirmos ao cemitério.

— Sim. — respondi. Clareei um pouco a garganta. —


Vamos.

Pensei que assistir enquanto a sepultavam seria a pior


parte, mas uma vez que o caixão estava fechado, senti como
se tudo já tivesse terminado, embora o padre continuasse a
falar. Tria chorou, fiquei com um braço ao seu redor e olhei
impassivelmente para o chão. Erin se aproximou e me
perguntou se eu estava bem, abraçou Tria e foi embora.

Damon abriu a porta de trás do Rolls quando nos


aproximamos e nos informou que nos levaria para comer.

— Almoçar? — Tria me olhou, encostei-me ao assento e


suspirei.

— Minha família acredita que assim que acaba o


funeral, todos devem se reunir e comer juntos. É como uma
norma da família Teague ou algo assim. Damon, eu não
acredito...
— Senhor Teague. — disse Damon com um tom
excepcionalmente firme — Normalmente cumpriria seus
desejos, mas em relação a...

— Sim, sim, sim. — Murmurei, movendo a mão. —


Vamos comer.

— Muito bem, senhor.

— Aonde vamos? — Perguntou Tria suavemente.

— Tamara's. — respondi. — Um restaurante chique no


lado norte da cidade. Certo, Damon?

— Correto, senhor.

— É onde a família tende a acabar por qualquer tipo


de... Ocasiões especiais eu suponho. Eles também fizeram a
comida servida no casamento de Ryan. Honestamente, em
sua maioria, é um lugar de carne e peixe. Não haverá muito
no cardápio para mim.

— Não pense nisso. — comentou Tria.

— Tudo bem. — Eu disse calmamente. — Não estou com


muita fome.

Tria colocou seu braço ao meu redor e nos revezamos


para olhar pela janela até que chegamos ao Tamara's. Damon
abriu a porta e corremos para o restaurante. Minha família já
estava lá, Michael e Chelsea, Ryan e Amanda e, é obvio meus
pais.

Além das pessoas cujos salários eram assinados pelo


próprio Tamara’s, apenas aqueles relacionados ao sobrenome
Teague estavam presentes no restaurante. Era um pouco
cedo para o almoço, mas deveria ter mais pessoas ao redor, o
que significava que meu pai reservou o lugar.

Já havia uma garrafa de uísque escocês de trinta anos


sobre a mesa.

Às onze da manhã?

Sacudi lentamente a cabeça e me virei para Tria,


segurando-a um pouco mais perto.

— Não quero fazer isso. — resmunguei entre dentes.

— Não precisamos. — indicou Tria.

— Sim — suspirei — precisamos. É uma tradição


Teague e não se fode com as tradições.

Haviam reservado dois assentos para nós, justamente à


direita dos meus pais. Michael e Chelsea estavam na frente
deles e Ryan e Amanda à esquerda de meu pai, à direita de
Michael e Chelsea.

Pai, esposa, filho, namorada etc. Tradição.

Não havia pensado em nada disso em anos, não desde o


primeiro Natal que passei afastado da minha família e sóbrio.
Lembrei-me que sentado em meu apartamento tentando
encontrar Rudolph na televisão, porque todos deveriam
assistir a esse filme na Véspera de natal, não é? Não passava
em nenhum dos canais a cabo e quase estive a ponto de ter
uma recaída por isso.

Sentei-me e papai me serviu um copo de uísque escocês


sem dizer uma palavra. Um garçom se aproximou, pegou o
pedido da bebida de Tria e colocou pequenas cestas de pão ao
redor da mesa, para todos, embora ninguém as tocasse e as
pequenas xicaras de azeite de oliva e vinagre balsâmico
permaneceram intactas.

Estiquei a mão e passei os dedos pela beira do copo.


Apesar da hora, uma bebida parecia bem atraente.

— Liam — Douglas disse em voz baixa — você deveria


fazer um brinde.

Mais tradição.

Era incrível o quanto esqueci, mesmo assim, lembrei-me


rapidamente.

Clareei a garganta e percebi meu cérebro tentando


encontrar alguma coisa inteligente para dizer, mas não
consegui pensar em nada, então, falei apenas o que pensava.

— Não deveríamos ter qualquer pessoa como


―garantida‖, eternamente, em nossa vida — comecei
calmamente. Eu falei... precisaria falar. — Acabei
considerando Kate como garantida. Que ela sempre estaria lá
para mim, que simplesmente poderia chegar em meu
apartamento, ir até a escada e simplesmente conversaria
qualquer coisa com ela, as que realmente eu não queria
conversar com mais ninguém... Bom, ela sempre estava lá
para me ouvir. Pensei que sempre estaria.

Elevei o copo para o centro da mesa.

— Eu a tinha como ―garantida‖ em minha vida! — Repeti


e choquei o copo com o de Michael, Ryan e meu pai. Ao
mesmo tempo, as taças de vinho de minha mãe e Amanda e o
copo de limonada de Tria se uniam aos copos de uísque
escocês.

O uísque queimou na garganta e esquentou meu peito.


Tria encontrou minha mão sob a mesa e deu um apertão.

— Tive muitas pessoas como ―garantidas‖ em minha


vida. — interveio meu pai com um assentimento. — Pessoas
que trabalhavam para mim, pessoas que faziam as coisas
para mim. Talvez seja a natureza humana. Também tomei
por ―garantida‖ uma das pessoas mais importantes da minha
vida.

Ele não olhou para mim, mas continuou a olhar para o


líquido âmbar girando em seu copo.

— Eu pensei que ele estaria para sempre comigo, mas


então, perdi um terço de sua vida. Nunca mais conseguirei
recuperar esse tempo, jamais.

Estendeu a mão com o copo e todos bateram com o dele.

— Tive meu filho como ―garantido‖, que estaria para


sempre em minha vida. — confessou mamãe. Ela não era
alguém de fazer rodeios para falar. — Eu tomei por certa sua
presença quando era jovem e desejaria não ter feito. Ele era
minha vida e eu o mimei muito, o estraguei, tentei incutir
alguns princípios em sua cabeça que não importavam. Agora
sei muito mais em relação a ele.

Mais uma vez os copos se chocaram em um brinde.

— Tive minha família como ―garantida‖. — comentou


Michael.
Chelsea foi a seguinte e então Ryan, o mesmo tema.
Apenas Amanda teve algo diferente a dizer.

— Tomei minha posição como garantida. — murmurou


Amanda. Passando o olhar para a Tria, mas não acreditei que
ela percebeu. — Não farei mais isso.

Todos olharam para Tria, que se remexeu em seu


assento.

— Tentei não fazer isso, mas — sussurrou. — Acho que


houve um tempo que menosprezei Liam...

Levantou o olhar para mim.

— Mas não farei novamente.

Os copos voltaram a se chocar, mas apenas saboreei o


escocês. Se não fosse pela queimação, nem sequer saberia o
que estava bebendo.

Houve um pequeno bate-papo sobre o funeral e a morte


de Krazy Katie. Não era como se Tria e eu pudéssemos falar
realmente sobre ela. Notei muitos olhares entre Amanda e
Tria que me fizeram perguntar o que demônio acontecia entre
elas. Eu tinha uma vaga ideia, Tria me contou que elas se
conheciam da casa de acolhimento e que Amanda era
bastante competitiva, mesmo naquela época.

Eu também tinha uma boa ideia sobre o que Amanda


quis dizer sobre posição. Tria carregava o filho mais velho do
primogênito, o herdeiro do império Teague depois de mim. Até
onde eu sabia Amanda e Ryan não planejavam filhos, ainda.
O chef preparou uma massa e verduras junto com um
sortido de pão fresco e crème brûlée para a sobremesa. Nem
percebi que todos pediram comida vegetariana até que Tria
comentou depois.

— Nos veremos no domingo? — Perguntou Michael


enquanto dava a mão ao meu pai.

— É obvio. — respondeu Douglas.

— Liam? — Chelsea o abraçou e depois pegou uma das


mãos entre as suas. — Você e Tria se juntarão a nós no
jantar do domingo?

Tria pegou minha mão e olhei em seus olhos. Pude ver


uma súplica para que aceitasse o convite. Ela queria ir.
Queria ver Chelsea e Michael, queria que todos tentassem
fazer as pazes.

Eu não estava convencido de que isso funcionaria ou


mesmo que valeria a pena o esforço, mas assenti e aceitei o
convite de qualquer forma. Mas de uma coisa eu tinha
certeza, pelo menos por enquanto, era que não queria
assumir sozinho. Não queria considerar nada como
garantido.

Krazy Katie partiu, mas ainda havia muitas outras


coisas ou pessoas que ainda estavam aqui e que negligenciei
ao longo do tempo. Nem ao menos saberia por onde começar,
mas definitivamente, não deixaria que o passado voltasse a
atrapalhar o futuro.

Tinha que pensar em Tria e no que ela precisava.


Quando finalmente partimos no meio da tarde, Tria
simplesmente teve que me levar até o carro. Provavelmente o
melhor foi que Damon e Ryan ajudaram. Colocaram-me no
banco de trás e Tria afivelou o cinto de segurança.

Enquanto eu me encostei ao assento, senti lágrimas


quentes escorrer pelo canto dos meus olhos. Não as esperava
e não sabia o que fazer com elas. O conhecimento de que
Krazy Katie não mais se sentaria na saída de incêndios,
apertava meu peito, mas era mais do que isso e não tinha
certeza de como lidar com a mistura de sentimentos que
giravam em mim.

Krazy Katie teve uma vida ruim, uma vida que não a
levou em nenhum lugar. O que mais poderia ter o futuro
preparado para ela? Não é como se ela pudesse ter sido a
madrinha do bebê.

— Quando meu avô morreu, tomei meu primeiro copo de


uísque escocês. — Murmurei.

— A sério? — Respondeu Tria com risada na voz. —


Quantos anos tinha na época?

— Dez. — Afirmei. — A bebida era três vezes mais velha


do que eu.

Tria riu.

— Permitiram que eu bebesse apenas um dedo... —


sustentei o indicador no ar, apenas para o caso de Tria ter
esquecido como era e quando chegamos em casa, não
consegui sair do carro porque minhas pernas estavam
amortecidas.
Minha cabeça caiu para o lado e aterrissou felizmente
no ombro de Tria. Era suave e quente, então fechei os olhos.

— Podemos chamar o bebê de Katie? — Escutei-me


perguntar.

Tria colocou a mão na minha e nossos dedos se


entrelaçaram. Damon me olhou pelo espelho retrovisor.

— Pensava a mesma coisa. — confessou Tria.

Levou minha mão até seus lábios e beijou os nódulos.

Nunca fui uma pessoa sentimental, mas eu me senti


bem com esse nome.
Tomar a decisão.
E a vida segue como dizem.

Era incrível como uma rotina constante fazia com que o


tempo voasse. Eu trabalhava mais ou menos de cinco a oito
horas por dia, chegava a nossa pequena casa de aluguel,
beijava minha esposa grávida na bochecha e então caia no
sofá por mais ou menos doze segundos antes que ela
começasse a me dar uma lista de coisas para fazer ou
começasse a elaborar vinte perguntas.

Realmente não me importava.

Tudo o que realmente podia sentir na maioria dos dias


era alívio. Como o médico de Tria disse que o bebê estava
suficientemente avançado para que tivesse uma boa
oportunidade de sobreviver se nascesse prematuro, eu fiquei
muito mais relaxado. Erin também notou e estava me
tratando com muito mais firmeza, ultimamente. Ela queria
mais uma sessão com minha mãe, que não pôde ser feita por
causa do funeral da Krazy Katie. Embora estando um pouco
embriagado, eu concordei em comparecer ao jantar de
domingo. Até agora, consegui encontrar uma desculpa para
cada um que não compareci não que eu precisasse de uma
desculpa, os fins de semana de fato pareciam mais ocupados
do que os dias da semana, provavelmente porque Tria passou
a ficar maníaca para preparar tudo para a chegada da bebê.

— Você acha que o berço ficará melhor nessa parede? —


Perguntou Tria enquanto eu saía da ducha, esfregando uma
toalha sobre minha cabeça. — Ficará mais longe da porta,
mas estará mais próximo ao nosso quarto e acho que vamos
conseguir ouvi-la melhor.

— Nós temos uma babá eletrônica, com monitor. —


lembrei. — Chelsea comprou e parece uma dessas coisas que
poderia utilizar para vigiar uma estação espacial. Inclusive
com vídeo. Vamos conseguir escutá-la de todas as maneiras.

Com Tria quase a ponto de começar o semestre de


outono novamente, ela começava a me deixar louco com
preparativos. Chelsea também não ajudou, ela continuou
enchendo a cabeça de Tria com todo o tipo de coisas que ela
precisaria para quando o bebê chegasse.

Quero dizer, é sério? Uma vez que consegui superar o


pânico que Tria estava grávida, algo que aconteceu quase
magicamente no dia que passou os seis meses, a realidade de
tudo me atingiu.

Íamos ter um bebê.

Íamos ser pais.

Que demônios significava isso realmente?

Para a Tria, significava ter tudo no lugar exato antes do


nascimento do bebê e a reorganização das pequenas meias
nas pequenas gavetas da cômoda eram de suma importância.
Pensei que todo o assunto de preparação era ridículo. Ela
comeria, dormiria e cagaria. O que mais ela precisaria, além
de fraldas, um berço e os seios de Tria?

Os seios dela... seria muito difícil compartilhá-los. Eles


ficaram agradavelmente gordinhos ultimamente, embora
precisasse ficar muito mais cuidadoso quando os tocava ou
levava uns tapas. Mas, eram tão suaves... E grandes... E
redondos...

— Mas estará mais perto se ela estiver lá! — A voz de


Tria ficava notavelmente mais forte à medida que apunhalava
o ar com o dedo. — Se precisarmos nos levantar no meio da
noite e sabe que teremos que fazer isso, pelo menos, eu o
farei. Eu acho que você pode simplesmente ficar lá, deitado!

Ela me lançou um olhar amedrontador. Na realidade,


considerei me esconder na mochila de Frankenstein (ela
sempre carrega uma mochila com desenhos de monstro).

— Que demônios eu fiz? — Perguntei, como um idiota


total.

— Não ajuda, em nada! — Exclamou Tria enquanto


corria para fora do quarto.

Jesus Cristo em uma pista de hóquei montando uma


polidora de gelo.

Eu a segui, caminhando na ponta dos pés até a sala de


estar e me perguntando se entrei na cova do leão. Tria estava
no sofá, com a cabeça em suas mãos, soluçando
ruidosamente. Assim que me sentei ao seu lado, ela se jogou
em meus braços.
— Você acha que estou feia! — Lamentou-se.

— Tria! Pelo amor de Deus, por que fala isso?

— Não quer fazer sexo comigo porque sou um maldito


balão gigante com dois balões em cima do primeiro balão e
um par de balões maiores no fundo das costas!

Tentando salvar minha própria vida, mordi minha


língua com força suficiente para que a dor aguda me
impedisse de rir em voz alta.

— Tria... querida, sabe que não é isso. — Eu parei à


medida que as adagas da maternidade em espera se
cravaram em meu coração a partir de seus olhos. — Quero
dizer... Porra, Tria! Quero fodê-la o tempo todo!

— Você não fez hoje! Nem sequer comprou as coisas que


escrevi na lista desta manhã!

Não tinha nenhuma ideia sobre o que a lista das


compras tinha que ver com isso, mas não perguntei.

— São apenas dez da manhã! Fiquei acordado apenas


por uma hora e você já reorganizava os móveis!

— Não fizemos sexo ontem.

— Nem sequer te vi ontem! Foi fazer compras com


Chelsea logo cedo e cheguei em casa do trabalho tarde. Você
já dormia.

— Você costumava me acordar para fazer amor.

Suspirei. Sabia que não ganharia essa discussão apenas


com palavras. Qualquer coisa e tudo o que eu dissesse era
jogado em um liquidificador hormonal sem tampa e
terminaria salpicando as paredes. Poderia lembrá-la que
quase me castrou da última vez que a acordei para fazermos
amor ou que precisamos dormir tanto quanto pudesse agora,
porque uma vez que a bebê nascesse, era provável que não
conseguíssemos dormir por um bom tempo, mas não havia
sentido.

Eu só poderia ganhar com ações, sem palavras, então eu


gentilmente peguei seus braços e a segurei em minha frente.
Examinei seu rosto lindo, enxuguei as lágrimas de suas
bochechas e olhei nos olhos dela.

— Estou feia. — sussurrou. — Estou gorda e feia.

— Silêncio. — Com a mão ao lado do seu rosto, passei


meu polegar sobre sua boca. — Você é incrivelmente linda.

Ela tentou virar sua cabeça para o outro lado, mas não
permiti.

— Toda vez que olho para você — falei — eu vejo não


apenas uma bela mulher que apareceu em minha vida e me
deu uma razão para viver, mas a manifestação de tudo o que
somos juntos.

Movi minha mão lentamente sobre sua barriga.

— Toda vez que eu olho para você, te amo ainda mais.


Cada vez que te toco, se torna mais importante para mim.
Não há nada neste mundo que possa me fazer sentir
diferente, então não me diga o que eu gosto e o que não faço.
Eu gosto de você exatamente como está neste momento. Você
é linda e atraente, e é minha.
Sem dar a ela a oportunidade para responder, esmaguei
meus lábios sobre os seus. Minhas mãos vagaram pelos seus
quadris, seu ventre até ao generoso peito. Toquei-o
ligeiramente com a parte posterior de meus dedos. Encontrei
o seu pescoço com minha boca e lentamente o beijei até sua
orelha.

— Sabe o que se passava em minha cabeça quando


saíamos? — Perguntei. Minha voz era suave e profunda,
quase um grunhido. Continuei antes que respondesse. —
Quando íamos a outros lugares, costumava ver outros caras
te olhando...

Um pequeno grunhido escapou da minha garganta.

— Eles olhavam para você e logo em seguida eu percebia


que eles me avaliavam, imaginado se poderiam me jogar de
lado e te fazer deles. — Balancei a cabeça lentamente, meus
lábios nunca deixando a pele logo abaixo de sua orelha. —
Mas agora... agora, quando eles olham para você... — emiti
outro grunhido suave. — Agora, quando a olham e veem...
não apenas se perguntam, eles sabem. Sabem que você é
minha. E eu adoro olhá-los e ver que eles sabem que você
carrega a minha filha. Sabem que é minha, as duas são. Eu
adoro que saibam exatamente o que eu fiz para colocar esse
bebê aí dentro. Eu adoro que não haja dúvida, que não haja
absolutamente nenhuma dúvida. Eles sabem que não há
mais oportunidade.

Eu a abracei mais perto.


— Você é minha. — Grunhi em seu ouvido. — Do jeito
que você brilha agora, apenas prova isso. Nunca vi você mais
bonita do que o jeito que está agora e cada homem que a
olhar, sabe onde estive.

Tria ficou em silêncio por um momento, respirando um


pouco mais forte e permanecendo completamente imóvel até
que finalmente falou.

— Você... Um... Acredito que conseguiu uma dose extra


de testosterona quando Deus o criava. — Disse e logo riu
ligeiramente.

— Talvez você tenha razão. — admiti. Encostei-me nas


almofadas do sofá e me impedi de fazer qualquer comentário
potencialmente letal sobre hormônios enlouquecidos. — Não
posso evitar. Eu adoro que outros caras saibam que eu fodi
você, que fiz isso com você.

Passei ambas as mãos sobre sua barriga.

— Você não está bem da cabeça. — informou-me. — É


muito doce.

Eu dei um sorriso torcido e então me lembrei de que na


realidade não era tão doce assim. De fato, estava um fracasso
total, ao menos uma vez.

Está bem, mais de uma vez. Houve um tempo em que


não era tão doce. Precisava corrigir isso agora.

— Tenho uma coisa para você. — anunciei.

— O que é? — Perguntei.
— Não é muito. — respondi quando me levantei e me
aproximei da minha jaqueta. Tirei uma pequena bolsa de
tecido do bolso e voltei a me sentar no sofá. — Você sabe que
não sou muito bom com essas coisas, então apenas darei
isso, já que nunca te dei um antes.

Abri a bolsa e coloquei um pequeno anel de ouro branco


na mão dela. Havia um centro redondo cheio de diamantes e
safiras em um padrão ondulado aleatório em uma treliça de
ouro branco.

— Você deve ficar com ele. — disse com um


encolhimento de ombros.

Os olhos de Tria se moveram rapidamente do anel para


o meu rosto e de volta para o anel.

— O... O... ... você o.…?

— Fui eu que fiz. — confirmei. — Paguei pelas pedras


que quebrei nas primeiras duas semanas até que tive
suficiente para colocá-las no anel. Trabalhei nele a noite,
enquanto você fazia suas coisas na universidade.

Ela pôs o anel sobre o dedo e girou o pulso de um lado


ao outro para fazer com que as pedras recortadas captassem
a luz. Meu coração começou a bater mais rápido e percebi
que isto era justamente o tipo de coisa que deixaria todos
saberem que ela era minha, mesmo depois do nascimento da
nenê.

— Esse é um... um... um anel de casamento?


— Um... sim, na verdade. — Eu ri. — Você quer se casar
comigo?

Tria olhou sua mão com a boca aberta, mas nenhum


som saiu dela.

— Não é muito. — falei. — Quero dizer, essas pedras


não valiam muito antes de quebrá-las...

De repente ela me cobriu com a sua boca e por um


momento, mal consegui respirar enquanto subia sobre mim e
me imobilizava contra o braço da poltrona. Eu a segurei pelos
quadris, agora arredondados. Deus, amava como eles
estavam agora e evitei que esmagasse sua barriga entre nós.

— É lindo! — Gritou quando envolveu seus braços no


meu pescoço e quase cortou a circulação de sangue na minha
cabeça. — É o anel mais lindo em todo mundo, eu juro!

Tive que rir.

— Duvido que seja verdade. — Falei. Eu me ajeitei para


que ela se sentasse novamente no sofá, ao meu lado, então
coloquei um braço ao redor dos seus ombros e a observei
olhar o brilho do anel até que as lágrimas voltaram a se
formar em seus olhos.

— Desculpe-me. — disse Tria em voz baixa.

— Por quê?

— Fui uma cadela a manhã toda.

— Não tem que se desculpar. — Disse-lhe. — Eu


entendo.

— Agi como uma louca. — sussurrou.


— Um pouco. — Sorri quando ela suspirou e se apoiou
em mim.

Coloquei minha mão sob sua camiseta e a passei por


sua barriga descoberta. Um pequeno joelho ou cotovelo me
chutou. Esfreguei o local e Tria relaxou mais em mim.

— Eu te amo — lembrei-a — mesmo com todos esses


hormônios. É temporário e depois que a nenê nascer, você se
sentirá melhor.

— Depois que ela nascer, precisarei alimentá-la à noite,


trocar fraldas e tudo o mais. — disse Tria. — E se ao invés de
melhorar, piorar?

— Será... diferente. — falei. — Possivelmente não será


nem melhor nem pior e nem tão mal como está agora.

— Isso é porque não carrega esta bagagem para todos


os lados, o tempo todo! — Disse Tria. Sua voz ficando mais
estridente novamente.

— Prometo que depois que ela nascer passarei bastante


tempo com ela no colo, está bem?

— Você a carregará durante os primeiros nove meses


depois que ela nascer! — Sorveu Tria. — É o justo!

Inclinei-me e beijei seu nariz.

— Se quiser, posso carregar as duas agora.

Passei meus braços sob suas pernas e costa, levantei-a


e a levei para o quarto. Eu a coloquei do seu lado da cama
debrucei sobre ela e a beijei novamente.
— Descanse. — falei. — Basta pensar no que você quer
fazer no quarto da nenê enquanto tirar uma soneca, e
quando eu voltar, arrumarei do jeito que você quiser, quantas
vezes quiser. Você também pode me culpar por qualquer
coisa que não pareça certa. Enquanto isso eu verificarei a
lista de compras e vou até à loja.

Tria sorriu enquanto se esticava para acariciar minha


bochecha.

— Eu te amo. — disse em voz baixa.

— Também te amo.

Estava meio adormecida antes mesmo que eu saísse do


quarto. Encontrei a lista no balcão da cozinha e a coloquei
em minha bolsa de ginástica antes de sair. Eu consegui
chegar à parada de ônibus no momento certo, encontrei uma
caixa no mercado que estava vazia, e consegui fazer as
compras em tempo recorde.

Depois de tudo isso, eu precisava dar alguns socos.


Embora meu novo treinador na academia não fosse realmente
um desafio, consegui manter o ritmo muito bem. Fui rápido e
consegui me esquivar muito mais do que apanhar, mas
esteve bem.

— Hey! Al! — Chamei-o enquanto atravessava o


colchonete para o quadrilátero. — Está preparado?

— Liam! — Respondeu Al. — Momento perfeito! Quero


que conheça uma pessoa!
Rodeei o quadrilátero para me encontrar com um cara
sentado em uma das cadeiras dos árbitros do outro lado.

— Liam, este é Graham. — disse Al. O homem ficou de


pé e apertou minha mão. — Graham faz muitas coisas de
MMA. Imaginei que se dariam bem e possivelmente não iria
para casa com tantos machucados.

Ele me deu um sorriso irônico eu dei de ombros, meio


que me desculpando.

— Olá, Liam. — disse Graham. Ele era um cara de


tamanho decente, perto dos noventa quilos e possivelmente
alguns centímetros mais baixos do que eu, então ele parecia
um pouco mais resistente. Os cabelos eram curtos e escuros,
os olhos eram brilhantes e davam essa aparência robusta que
os leitores encontravam nas revistas de esporte.

— Qual é sua preferência?

Arqueei uma sobrancelha.

— Garotas. — falei, e Graham riu.

— Eu disse que ele era um idiota. — Falou Al enquanto


se afastava. — Qual é a sua preferência para lutar?

— Estou acostumado sem luvas. — falei. — Faço uma


mescla do Muay Thai e Akido, principalmente.

— Assombroso! Vamos sacudir um pouco!

Al ajudou a colocar as fitas em minhas mãos e eu


atravessei as cordas para me reunir com Graham no meio do
ringue. Movi-me para cima e para baixo sobre os dedos dos
pés e apertei meus punhos algumas vezes para voltar a senti-
los novamente. Passou um longo tempo desde que lutei sem
luvas, com um competidor desconhecido.

Nós nos rodeamos lentamente, ambos observando um


ao outro com intensidade e sem nos sentirmos muito
apressados para iniciar a luta. Imaginei que ele esperaria que
eu fizesse o primeiro movimento, então eu fui para cima dele.

Ele era rápido.

Ele se abaixou, segurou meus dois ombros e deu uma


joelhada ao lado do meu corpo.

Com um grunhido, dei a volta, recuperei o equilíbrio e


bati duas vezes. Ele recuou os olhos arregalados de surpresa.
Os lutadores de mãos sem luvas raramente golpeavam
diretamente, era provável que ferisse tanto suas mãos como o
rosto do oponente, mas eu estava acostumado a isso. Eu
quebrei meus dedos com tanta frequência, que era um
milagre que ainda não tivesse se desprendido das minhas
mãos.

Eu o segui com um salto, e baixei com meu joelho para


seu peito. Ele agarrou minha perna, me virou e ambos
caímos sobre a lona. Eu ouvia as pessoas gritando, acho que
reunimos uma pequena multidão, mas não prestei muita
atenção a isso. Estava concentrado.

Minha visão se apurou. Estava em meu elemento.

Girando, lancei meu cotovelo em seu queixo, que atingiu


sua cabeça contra a lona. Ele rodou o suficiente para se
afastar e me chutar com ambos os pés quando fui até ele
novamente. Senti as cordas afundarem em minhas costas
quando fui empurrado para trás, impulsionei-me para fora e
voltei para meu adversário.

Para trás e para frente.

Ele chutava, eu dava um murro.

Ao acertá-lo com uma rápida sucessão de golpes com


meu pé em seu estômago, finalmente tive uma vantagem
quando seu diafragma teve um espasmo e ele não conseguiu
recuperar o fôlego. Um momento depois estava atrás dele com
o braço em volta da sua garganta, apertando contra o lado do
seu pescoço.

Sua mão bateu na lona três vezes e o soltei.

— Santa merda! — murmurou. — Tem um golpe do


caralho.

Al deu risada ao lado do ringue quando nos jogou duas


garrafas de água. Abri a tampa de uma delas antes de ajudar
Graham a levantar-se.

— Tudo bem? — Perguntei.

— Muito bem. — Respondeu. — No entanto, ficarei


dolorido amanhã!

Rindo, atravessei as cordas e caí no chão com Graham


me seguindo.

— Você realmente é muito bom. — disse. — Estou


impressionado.

— Obrigado! — Falei. — Já faz algum tempo. Acho que


estou um pouco fora de forma. — Graham se virou para meu
treinador e ambos começaram a conversar enquanto recolhia
minhas coisas.

— É bom ver que não perdeu seu toque.

A voz me assustou, não porque eu não percebi que havia


alguém atrás de mim, eu ouvi os passos enquanto conversava
com Graham, mas porque eu reconheci a voz.

— Que você faz aqui? — Perguntei.

— Checando você. — Respondeu Yolanda.

— Que bobagem. — Respondi com um grunhido. — Você


terminou comigo, lembra? Além do mais, meus pais já
cancelaram os pagamentos.

Yolanda recuou meio passo. De fato, teve a decência de


ficar envergonhada, mas eu realmente não me importava
mais.

— Essa não foi... — Fez uma pausa, e olhou nos meus


olhos. — Essa não foi a única razão, sabe.

— É mesmo? — Respondi com puro sarcasmo. — Eu


não sei, você pegava uma parte do meu pagamento e eles
ainda pagavam para que você cuidasse de mim. Qual era
exatamente o motivo, então?

Ela caminhou até o banco e se deixou cair pesadamente.


Pousou a testa em suas mãos enquanto se inclinava sobre os
joelhos.

— Sim, eu recebi dinheiro. — admitiu. — Mas essa não


foi a razão pela qual eu te aceitei. Você já morava comigo
quando seu pai apareceu e me ofereceu o acordo.
Minha reação instintiva foi dizer para ir embora. Eu
queria que ela desaparecesse, mais do que qualquer outra
coisa, mas muitas das coisas que Erin me disse sobre tornar
minha vida mais fácil e realmente escutar as pessoas
rondavam minha cabeça. Então, ao invés de falar novamente
que era besteira, cruzei os braços, observei e fiquei
esperando.

Yolanda me olhou com desconfiança por um momento e


então continuou.

— Tudo o que me pediram para fazer foi cuidar de você,


mantê-lo fora das drogas, dar uma razão para ficar sóbrio. Eu
faria isso.

— Por quê?

— Por que... por que... Porra, o que importa?

— Provavelmente não mesmo — encolhi os ombros —


mas se você quiser me contar, provavelmente será a única vez
que estarei disposto a ouvi-la.

Ela se inclinou na parede de concreto e levantou o olhar


para o teto enquanto deixou escapar um longo suspiro entre
os lábios franzidos. Fechou os olhos por um momento e
suspirou antes de começar a falar novamente.

— Meu irmão... meu irmão mais novo... — Ela fez uma


nova pausa — Ele lutava no ensino médio, assim como você.
Também era bom. Melhor do que você. Tinha todo esse
potencial para fazer o que quisesse, mas ao invés disso,
conheceu essa garota.
Meu peito apertou um pouco, mas tentei não
demonstrar.

— Era uma péssima menina, essa. Fodida com todos os


tipos de drogas. Começou a fumar erva, depois provou outras
coisas, ópio, LSD, não sei o que mais. Só sei que, em algum
momento, decidiu provar cocaína. O que nenhum de nós
sabia é que ele tinha um problema no coração... um que
talvez nunca causasse qualquer problema, mas que acabou
não se misturando bem com a cocaína.

Suas mãos tremiam um pouco, mas segurou suas coxas


e continuou.

— Seu coração bateu muito rápido por causa da coca e


simplesmente parou. Morreu na primeira vez que a provou.

Olhou de novo para mim.

— Você me lembra dele. — disse. — Sempre lembrou.


Eu pensei que ajudando você, talvez conseguisse compensar
um pouco o fato de não ter ajudado ele.

Ela engoliu, me olhou e então afastou o olhar para secá-


los. Havia algo totalmente... ―Estranho‖ sobre o gesto e
lembrei o motivo.

Ainda estava em algum lugar... na realidade, não estava


drogado, mas em declive, depois de uma recaída. Ela estava
chateada... muito, muito chateada comigo. Havia me
nocauteado quando cheguei à sua porta.

Estava deitado no sofá, vendo televisão e meio que


assistindo um anúncio de algum produto que mudaria a vida
das donas de casa. Yolanda estava no telefone e eu só prestei
atenção, porque não era comigo que gritava.

— Caralho mãe! — Gritava Yolanda. — Não a ajudarei


novamente. Certamente você deveria ter tido mais de um
filho, então você teria mais alguém para ligar e foder. Eu não
estou interessada!

Yolanda bateu o telefone com um forte golpe, suficiente


para me sobressaltar e me fazer cair do sofá.

— Está totalmente cheia de lixo, certo? — Perguntei.

— O quê? — Respondeu, mas não estava realmente


surpresa. O pequeno salto em sua voz chegou muito tarde.

— Você. — disse com claridade. — Está cheia de lixo.

— Liam, eu apenas queria...

— Oi, Yolanda! — Al chegou mais perto e deu um


abraço. — Há anos que eu não a via! Como tem passado?

— Estou... estou bem. Como você está?

— Não posso me queixar. — disse com um grande


sorriso. — Especialmente não com Teague passando um
tempo no ginásio. Se eu reclamasse, provavelmente ele me
acertaria!

Sorri, mas não o senti.

— Ele é um dos bons. — disse Yolanda.

— Vocês se conhecem? — Perguntou.

Fizemos contato visual rapidamente antes de admitir


que sim.
— Bem, demônios, Liam — disse. — Yolanda é uma das
melhores treinadoras por aqui. Seus meninos estão por toda
a cidade. Estou surpreso que ela nunca o apresentou ao
Graham.

— Você conhece o Graham? — Elevei uma sobrancelha


para ela.

— Você conversou com ele? — A surpresa na voz de


Yolanda foi evidente. — Não aceitou nenhuma oferta, certo?

— Oferta? — Repeti.

Yolanda olhou-me com expectativa.

— Não chegamos tão longe. — Al explicou. — Acabaram


de se conhecer esta noite. Graham queria vê-lo em ação e eu
não queria o problema chutando em mim de novo, então...

— Do que falam? — Falei.

— Acho que você descobriu. — Graham acariciou meu


ombro enquanto passava ao meu lado e beijava a bochecha
de Yolanda. — Bom te ver, Yolanda. Não achei que você
apareceria por aqui.

— Passei apenas para ver meu ―filho‖. — O sorriso de


Yolanda de repente se voltou venenoso enquanto dava um
passo mais perto de mim e tentava enlaçar seu braço com o
meu. Afastei-me, mas me mantive perto.

— Seu filho? — Repetiu Graham com as sobrancelhas


elevadas. — Tem um contrato com Liam?

Graham olhou-nos quando Yolanda e eu respondemos


ao mesmo tempo.
— Sim. — disse Yolanda.

— Não. — Insisti e então olhei a minha antiga


treinadora. — Que porra, Yolanda?

— Agora não, Liam! — Sussurrou. — Explico mais tarde!

— Que se foda. — grunhi antes de me voltar para o


Graham. — Não tenho contrato com ninguém.

Graham olhou para a Yolanda de novo e cruzou seus


braços.

— Maldição, Liam! — Gritou ela de repente. — Nunca


soube como manter sua droga boca fechada!

Antes mesmo que pudesse pensar em lhe dar um murro,


ela se virou e saiu do ginásio. As portas de vidro não a
atingiram no traseiro quando saiu, mas tive a sensação de
que esta seria a última vez que eu a veria.

Sem arrependimentos.

— Que demônio foi isso? — Perguntou Al.

— Ela nunca gostou da competição. — Graham riu. —


Imagino que trabalhou com ela no passado?

— Sim. — falei. — Treinava com ela. Arrumava meus


oponentes para lutas na gaiola no lado sul da cidade.

— Jesus, sério? — Al sacudiu a cabeça. — É muito


melhor do que isso. Mesmo se Graham não fizer nada por
você, conheço algumas pessoas que arrumariam lutas
itinerantes. Há muito dinheiro. É tudo legítimo também,
assim pode treinar à parte, fazer horas suficientes para
conseguir benefícios... E tudo o mais.
— Sinto muito — falei — mas não tenho ideia do que
estão falando.

— Venha e sente-se com a gente. — Disse Graham.

Caminhamos para o lado mais longínquo do ringue e


entramos em um pequeno escritório na parte de trás. Al
fechou a porta e Graham e eu nos sentamos nas cadeiras
giratórias.

— Estou com ―The Ultime Industries‖. — disse Graham.


— Sou caça talentos da UFC12 e eu gostaria de falar com
você sobre talvez programar uma ou duas lutas. Eu acho que
tem muito potencial aqui, se pudermos controlar um pouco o
lutador de gaiola.

— Ultime... O quê? — Repeti. — UFC? Quer dizer, UFC


real... O UFC? Na televisão e tudo?

Graham deu uma gargalhada.

— O verdadeiro ―The Ultime Fighting Championship‖,


sim.

— Porra. — Murmurei. — Se eu soubesse, não teria


reprimido tanto.

A forma que Graham ergueu a sobrancelha me fez


sorrir.

— Você tem muita atitude — disse — mas acho que


podemos fazer com que isso funcione para nossa vantagem. É
um grande lutador, Liam e poderia ficar melhor ainda. Você
também tem uma ótima aparência, fará com que as fãs
fiquem enlouquecidas.
A sensação da primeira parte da conversa estava
girando dentro da minha cabeça como uma banheira de
hidromassagem. Ele falava sobre lutar... verdadeira e
profissional luta!

Parte de mim estava quase mais animado do que nunca


estive um dia, mas assim que minha cabeça começou a
absorver a conversa, caiu de repente.

— Tria. — sussurrei.

— Podemos fazer um contrato, Liam. — dizia Graham.


— Três lutas para começar... uma aqui, uma em Chicago e
outra em Cleveland. Dependendo de como você se sair,
podemos começar a procurar por algo mais permanente.

— Minha... minha esposa. — Falei. — Terá um bebê em


dois meses. Tenho... preciso pensar.

— Ficarei na cidade até sexta-feira. — disse Graham. —


A oferta fica de pé até lá. Converse com a sua família e me
avise o que decidir.

— Está bem. — A voz nem parecia a minha.

Saí devagar do ginásio com minha bolsa presa sobre


meu ombro e meus olhos no chão. Passei pela parada de
ônibus pensando em simplesmente voltar caminhando para
casa. Minha cabeça estava muito aturdida para me sentar
quieto.

Não havia dúvida que Yolanda me manteve onde estava


de propósito. Se para receber dinheiro dos meus pais ou
apenas para cortar minhas asas, eu não tinha como saber.
Mesmo porque, já não me importava. Ela estava fora da
minha vida e eu tinha intenção de que continuasse dessa
forma.

Minha vida.

Exatamente o que isso significava agora?

Quem eu era? Um lutador? Um fabricante de anéis?

Deveria mudar meu nome de ―Takedown‖ para


―Sauron‖?

Minha mão foi instintivamente para meu bolso, mas


estava vazio. Maldição, precisava de um cigarro.

O fato era que nem precisaria conversar com a Tria. Eu


já sabia qual seria minha resposta. O UFC não era nada mais
que um breve sonho se tornando real para qualquer lutador e
se eu tivesse conhecido Graham há um ano, não hesitaria em
aceitar a oferta.

Mas agora as coisas eram muito, muito diferentes. Eu


tinha uma esposa.

Tinha uma bebê a caminho.

Fazia um bom trabalho colocando pedras preciosas, e


finalmente possuiria uma gigantesca corporação, querendo
ou não. Mesmo que resolvesse dar a minha parte ao meu
primo, comecei a me dar conta que Teague Silver sempre
seria o meu destino.

E Tria estaria a meu lado.

Nunca fui dos que tomavam o caminho altruísta, mas


agora havia coisas mais importantes.
Recolocar os pertences.
Assim que peguei o telefone, me arrependi. Eu pensei
que tudo estava bem ultimamente, mas minha reação inicial
foi uma dessas ambivalentes, revolvendo sensações de medo
e obrigação em meu estômago.

— Imagino que não poderia me dar uma das mãos, não


é? — Perguntou a assistente social de Krazy Katie. — O
proprietário é bastante hostil e embora a senhorita Took não
tenha muitas coisas, poderia precisar de ajuda.

— Sim, claro. — disse com um suspiro. Definitivamente


não era o que eu queria fazer, mas eu estava de folga e Tria
estaria na universidade até a tarde. Sem nenhuma desculpa,
tirei meu traseiro de casa.

Peguei um ônibus para cruzar a cidade até a minha


antiga vizinhança. Apenas ver o edifício me fez desejar um
cigarro e eu sabia que encontraria pacotes deles escondidos
dentro do apartamento de Krazy Katie. Não seria fácil resistir.
Prometi a mim mesmo que iria até o ginásio quando
terminássemos, esperando que ao menos acalmasse um
pouco a minha vontade.

De certo modo, a abstinência da nicotina foi pior do que


a de heroína. Não é que a sensação fosse pior, eu não me
senti psicologicamente doente, mas estava mais mal-
humorado do que Tria e passava muito tempo simplesmente
ficando do lado de fora, na varanda, para evitar abandoná-la.
Se começasse a gritar, ela começaria a chorar e me sentiria
como um total imbecil.

Na realidade eu não disse a ela que deixei de fumar.


Queria ter certeza de que realmente conseguiria, primeiro.

Subir as escadas era igualmente perturbador, tanto por


causa do lugar aonde ia e pela familiaridade de me dirigir
para a porta do antigo apartamento e saber que não entraria.
Se o fizesse, Tria não estaria lá com as pernas dobradas
debaixo dela no sofá e sorrindo para mim com sua lição de
casa jogada pela mesa de café.

Tudo parecia tão simples naquele tempo.

Agora havia um bebê chegando e já que Tria passou a


temporada mais perigosa da gravidez, até onde eu pudesse
determinar, encontrei-me mais preocupado por não saber o
que faria com uma criança. Erin me falou para fazer uma
lista de coisas que meus pais acertaram comigo, assim
poderíamos conversar sobre como eu poderia fazer as
mesmas coisas com a minha filha.

Cheguei ao final das escadas e olhei fixamente para o


corredor cheio de sacos de lixo. A assistente social,
Samantha, já estava dentro do apartamento enchendo um
enorme recipiente com papéis e pacotes vazios de cigarro.

— O proprietário disse que todos os móveis pertencem


ao lugar. — Disse Samantha. — Imagino que ele queira todo o
resto fora do apartamento. Não há testamento e nem
parentes. Não sabia se você quereria alguma coisa, mas fique
à vontade. Tudo o que não é lixo será doado.

Eu acenei com a cabeça e depois fui até a cozinha para


começar a tirar toda a comida que restou e colocá-las em
caixas. Poderíamos levá-las a uma loja de doações na
esquina. Havia outra caixa para objetos que valiam a pena
doar, principalmente roupas, mas estava meio cheia. Em
cima das pilhas, encontrei duas de minhas camisetas, um
cinto que lembrei que era meu e minhas botas favoritas.

Pensei que as tinha perdido, mas aparentemente, minha


vizinha às pegou.

Samantha revirava alguns papéis e olhei por cima do


seu ombro algumas vezes. Estava com a esperança de que
talvez ela encontrasse alguma coisa que me dissesse um
pouco mais sobre ela, de onde vinha ou como acabou nesse
lugar, mas aparentemente não havia nada. A única coisa, que
inclusive remotamente a conectava a outra pessoa, era a
pequena foto na mesinha de cabeceira, ao lado de sua cama.

Era aquela que ela segurava na saída de incêndio, a foto


de sua mãe. Pelo menos eu estava bastante certo de que era.
Peguei a foto e perguntei a Samantha o que deveria fazer com
ela.

— Ela não tinha nenhum familiar. — disse Samantha.


— Provavelmente vai para o lixo.

— Ao diabo com isso. — murmurei e depois voltei a


olhá-la. — Então, posso ficar com ela.
— É claro que pode. — Deu de ombros.

Não sabia por que era tão importante ou o que eu faria


com ela, mas jogar a única coisa que Krazy Katie parecia se
importar, mais do que os cigarros, não me parecia nada
certo. Com a foto metida no bolso traseiro, voltei ao seu
quarto para continuar trabalhando com toda a bagunça que
havia lá.

Sacudindo minha cabeça pelo desastre que encontrei,


remexi no armário e em outra pilha de roupas. O vestido que
Tria usou no casamento de Ryan, também estava lá. Estava
também um de seus livros de bolso e várias canetas, eu tinha
certeza, também pertenciam a ela.

No fundo do armário de Krazy Katie havia outra pilha de


roupas. Peguei alguns montes e comecei a jogá-los,
espalhando sapatos por toda parte no processo. Quando
cheguei ao fundo da pilha, um objeto azul chamou minha
atenção.

Que demônios...?

No fundo do armário, sob uma pilha de roupas, estava a


pequena prateleira azul que eu fiz para Tria há alguns meses.
Tirei alguns sapatos de lá e depois a coloquei no meio do
quarto. Sem dúvida era a que eu fiz, estava apenas um pouco
mais gasta do que era originalmente. Havia uma lasca na
quina direita e algumas marcas pretas na parte baixa de trás,
o que me fez pensar, se ela tirou do lixo ou coisa parecida.
Tentei imaginar Krazy Katie subindo na imensa lata de
lixos para tirá-la, e essa imagem me pareceu muito
engraçada, mas também achei completamente provável.

Engolindo o nó em minha garganta, levei a pequena


prateleira para fora do quarto e a coloquei na porta.

— Os móveis não... — disse Samantha.

— Este não pertence ao proprietário. — Disse-lhe. — Fui


eu que fiz.

Ela me deu um olhar estranho, mas não fez nenhum


comentário sobre o assunto. Arrastei a coisa comigo até a
parada de ônibus, junto com as outras coisas que pertenciam
a Tria ou a mim. A ação me trouxe muitos olhares feios, mas
eu os ignorei.

Uma vez que tudo estava dentro de casa, não tinha


muita certeza do que fazer com a prateleira. Nosso quarto já
estava cheio de móveis e no quarto do bebê não havia
sentido, ela não precisaria durante um tempo. A sala de estar
era pequena e na realidade não havia um bom lugar para
colocá-la. Eu a coloquei no chão, ao lado da televisão, mas
realmente não se encaixava ali também.

Quando Tria chegou em casa, ela desistiu de encontrar


um lugar e a colocou de volta ao lado da TV. Estava jogado no
sofá com uma cerveja na mão e meus pés sobre a mesinha.

Tria suspirou quando entrou, deixou a mochila perto da


porta e se esticou para esfregar a parte de baixo de suas
costas.
— Vem aqui. — Eu disse e ela caminhou até ficar na
minha frente enquanto massageava com meus dedos acima e
abaixo do seu quadril.

— Está cada vez mais difícil. — disse em voz baixa.

— Foi assim que você conseguiu isso em primeiro lugar.


— respondi com um sorriso. Ela bateu no meu ombro,
brincando, antes de sentar-se ao meu lado.

— Eu tenho certeza de que ela pesará uns dez quilos ou


mais quando sair.

Envolvi meu braço a seu redor e Tria se inclinou para


mim, apoiando sua cabeça em meu ombro. Ela suspirou e
fechou os olhos por um momento, mas quando se abriram de
novo, ficou imóvel.

— De onde tirou isso? — Ofegou Tria. — Eu achei... que


havia desaparecido.

— Eu também. — Respondi enquanto seguia seu olhar


até a estante. — Pensei que nossas coisas haviam
desaparecido, mas Krazy Katie estava com muitas delas,
minhas botas também.

— Sim. — disse Tria. — E a mesinha.

Ela me deu um olhar significativo até que eu coloquei


meus pés outra vez no chão.

— Não estava certo de onde se encaixaria. — falei


enquanto olhava de novo para a estante. — Quero dizer, se a
quiser. Imagino que o bebê poderia usá-la...

— Não! — Disse Tria categoricamente.


Eu a olhei de esguelha.

— É minha! — Respondeu. Sua voz estava um pouco


suave, mas seu lábio inferior tremia ligeiramente.

Inclinando minha cabeça, virei-me para olhar seu rosto


antes de levantar uma sobrancelha. Tria deu de ombros.

— Agora tudo é para o bebê. — disse em voz baixa. — A


estante ficará para meus livros. É minha.

Tentei não dar risada.

— Está com ciúmes do bebê antes mesmo que ela


nasça?

— Não! — respondeu Tria firmemente. — Mas ela não


terá tudo. Não a deixarei mimada.

Ela cruzou os braços e sua expressão a deixava


totalmente incrível. Eu consegui aguentar minha risada por
cerca quatro segundos, o que me fez ganhar outro tapa no
ombro. Em troca, eu fiz cócegas pela lateral de seu corpo, o
que a fez gritar quase imediatamente.

Tria estava muito mais sensível ultimamente ao redor da


barriga. Ela tentou escapar, mas eu a peguei nos braços e a
levei até o nosso quarto. Era um pouco mais difícil carregá-la,
não porque estivesse muito mais pesada, ganhou apenas
quinze quilos até agora e eu ainda poderia usá-la como peso
sem muito esforço, mas seu equilíbrio estava totalmente
diferente.

Eu não comentaria isso com ela, afinal gostaria de


manter meu pau em meu corpo.
— O que acha que está fazendo? — Perguntou quando
deixou de lutar e envolveu seus braços ao redor de meu
pescoço.

— Foderei você. — Informei-lhe.

— Realmente? — Disse com um toque de indignação


fingida.

— Sim.

No quarto, eu a coloquei na cama com cuidado, antes de


tirar minha camiseta por cima da minha cabeça. Os olhos de
Tria escureceram enquanto me olhava desbotoar meu jeans.

— Você gosta de um pouco de show, não é?

— Humm, talvez. — respondeu com um evasivo


encolhimento de ombros.

Desfiz o último dos botões e depois baixei meu jeans só


um pouquinho, não o suficiente para mostrar mais do que os
meus quadris, mas apenas o suficiente para dar a ela uma
pequena ideia do que havia por baixo. Então eu me inclinei
contra a parede ao lado da cama e passei minha mão por
dentro do meu jeans, sobre meu pau.

Tria levantou uma sobrancelha.

— Só me fale o que você quer baby — falei — e é todo


teu.

— Você me arrastou até aqui.

— Eu te arrastei? — Repeti. — Bem, se não o quiser,


acho que eu mesmo terei que me ocupar dele sozinho.
Eu coloquei a mão dentro do meu jeans e empurrei
minha cueca para baixo o suficiente para tirar meu pênis.
Acariciei-o enquanto Tria tentava não olhar. Sua língua
passou rapidamente por cima de seus lábios, me fazendo
sorrir.

— Diga o que você deseja. — sussurrei. — Sabe que não


pode resistir. — Tria suspirou dramaticamente.

— Desejo seu pau. — disse completamente inexpressiva.


Depois começou a dar risada.

— Tire a roupa! — Gritei enquanto me aproximei e


agarrei a bainha da sua camiseta.

Ela sorriu, mas não resistiu, enquanto eu a despia


rapidamente e subia ao seu lado na cama. Passei minhas
mãos sobre seu ventre inchado por um momento, antes de
me inclinar e pressionar meus lábios contra ele.

— Linda! — Falei brandamente.

Tria virou de lado e eu me mexi atrás dela. O sexo


comigo em cima ficou impossível, e ultimamente ela não
ficava confortável sobre suas mãos e joelhos, então
recentemente escolhemos deitar lado a lado, fodendo-a por
atrás.

O sexo com Tria grávida era... diferente.

Era diferente, mas não era ruim, no mínimo, mas tudo


estava bastante diferente do que era, quando eu a pegava e a
jogava na parede muitas vezes antes de colocá-la sobre a
beira do sofá e a escutava gritar meu nome e assustar os
vizinhos. Não era rápido e frenético e não era mais grosseiro.
Apesar de que nenhum médico disse nada sobre isso, nós
dois mudamos naturalmente para uma abordagem mais lenta
e suave.

Entrei nela, empurrando com meus quadris


brandamente enquanto minha mão, lentamente e com
cuidado, acariciava primeiro um seio e depois o outro. Seus
mamilos estavam supersensíveis e ela respirou
profundamente assim que entrei em contato com eles. Movi
meus quadris para frente, até que estive completamente
enterrado nela, lentamente me movi para trás e depois outra
vez para dentro.

Dentro dela também estava mais suave. O que antes se


sentia como ser agarrado por uma luva de seda, agora se
sentia como uma quente e profunda pilha de seda em troca.
Era como se tudo dentro dela se preparasse para dar ao
nosso bebê uma viagem mais confortável até ao exterior, o
que era exatamente o que acontecia. De novo, nem melhor
nem pior, simplesmente diferente.

Realmente, sentia-me incrível ao fodê-la.

Com ênfase em foder.

Tria se mexia contra mim tanto quanto podia, mas


ficava cada vez mais difícil para ela. O médico disse que
poderíamos transar com normalidade até que chegasse o
momento do parto e que, na realidade, era uma boa ideia.
Boa ideia ou não, eu aproveitaria o máximo enquanto o bebê
não chegasse, assim sobreviveria seis semanas sem estar
dentro da minha esposa.

Eu me sentia tão bem.

Estiquei a mão ao redor de sua barriga e meus dedos


encontraram o caminho até seus clitóris. Toquei-o em
círculos lentamente, coincidindo com o ritmo de minhas
investidas. Tria gemeu e tentou manter sua perna elevada e
fora do caminho para facilitar o acesso, mas não teve muita
sorte, então eu me estiquei por baixo de suas coxas sustentei
sua perna por ela.

— Toque o seu clitóris. — disse. — Quero sentir você


gozar no meu pau. — Tria gemeu alguma coisa
incompreensível, mas não se mexeu.

— Se toque! — Ordenei um pouco mais forte. — Eu


quero ouvir você gritar meu nome! — Abaixou sua mão e se
dobrou um pouco para que pudesse olhar seus dedos.

— Tão excitante. — murmurei. — Eu adoro olhar... Ver


você fazer isso com meu pau dentro de você... Deus, você é
sexy demais. Isso, mais forte e mais rápido. Deixa-me te
sentir.

Igualei o ritmo de minhas investidas com seu dedo até


que ela começou a gemer.

— Assim... Mais... esfrega esse clitóris! Sim, baby...

Ela ofegou e ficou imóvel por um momento, grunhindo


algo que era mais como meu nome do que qualquer outra
coisa. Ela praticamente ficou inconsciente enquanto eu
continuava me movimentando dentro dela. Apoiei sua perna
em minha coxa então minhas mãos ficaram livres para
explorá-la um pouco mais. Acariciei seus quadris, sua barriga
e delicadamente segurei seus seios enquanto beijava sua
nuca.

— Tão linda! — Sussurrei.

Tria murmurava com os olhos fechados e apesar do


sorriso em seu rosto, eu sabia que ela adormeceria em mim
dentro de pouco tempo. Terminei rapidamente com meu rosto
enterrado em seu pescoço, enquanto ondas de prazer
atravessavam pelo meu estômago até a ponta do meu pau.

— Foi muito bom. — Falei outra vez. — Esgotei você?

Ela assentiu, mas não disse nada. Saí de dentro dela e


simplesmente a segurei em meu peito, enquanto respirava
lento até um ritmo constante.

— Eu te amo. — sussurrei em seu ouvido. Olhei para


sua barriga redonda. — Amo as duas.

Nunca fui um daqueles que assentam a cabeça, mas


finalmente me sentia como se tudo finalmente se encaixasse
no lugar.
Enfrentar a música.
Entorpecido era provavelmente a
melhor palavra que eu poderia usar para me descrever
enquanto permanecia em pé no consultório de Erin, olhando
para a pequena ameixeira, com frutas podres penduradas por
toda parte.

Mamãe acabara de sair depois que eu a mandei ir à


merda, e Erin me olhava com a expressão de que eu
realmente precisaria tentar mais.

— Diga-me o que se passa pela sua cabeça agora. —


disse Erin.

— Que pelo menos sou honesto a respeito disso. — disse


em um grunhido. Tamborilei meus dedos sobre o batente da
janela enquanto observava Damon ajudar mamãe a entrar no
Rolls. Eles saíram lentamente e eu me perguntei se ele
voltaria para me pegar ou me deixaria para que fosse de
ônibus.

Tanto faz. Não me importava.

— A respeito do quê?

— Inventar desculpas. É tudo o que ela sempre faz.

— Que parte era uma desculpa?


— Toda essa droga de pensar que eu simplesmente
voltaria logo depois de que ele me expulsou.

— Ela disse que você foi embora. — Erin me lembrou. —


Que seu pai simplesmente avisou você que, se fosse embora,
seria possível que eles não o recebessem de volta.

— É o mesmo. — grunhi.

— É? — Pressionou Erin. — Existem certas imagens que


vêm à mente quando as palavras são usadas. — ela me
lançou. — Essas imagens não são bem precisas, não é
verdade?

Dei de ombros, incapaz de responder. Sabia aonde ela


queria chegar. Era o mesmo que minha mãe tentava me
dizer, mas eu não queria escutar.

— Você quer dizer que foi minha culpa? — Perguntei


enquanto me virava para ela. — Quer dizer que se eu não
fosse tão teimoso, possivelmente tudo teria ficado bem?

— Ninguém sabe exatamente como poderiam ser as


coisas baseadas em uma mudança nas ações do passado. —
disse Erin. — Jogar o jogo... ―E se.…?‖ Nunca ajudou a
ninguém. Entretanto, não assumir a responsabilidade de
suas ações no passado podem prejudicar seus avanços hoje.
Não podemos mudar o passado, mas aprender como ele pode
mudar o futuro.

Continuei olhando pela janela e mordendo o meu


polegar. Não era tão bom como um cigarro, mas era melhor
do que nada.
— Poderia voltar a se sentar, por favor?

— Não.

— Liam...

— Vá se foder!

Não queria nem saber se Damon voltaria para me


buscar ou não, saí do consultório, não ligando para os
chamados de Erin e fui direto para a rua. Eram uns bons
quatro quilômetros até o ginásio e pensei que tanto o passeio
como o ar fresco seriam bom para mim.

O que eu realmente precisava estava no ginásio.

Assim que atravessei a porta, rapidamente vesti uma


bermuda esportiva e fui o mais rápido possível até o local
onde estavam os aparelhos. O saco de areia pesado estava
desocupado, por isso comecei a golpeá-lo. Nem sequer me
incomodei em colocar o protetor de segurança em minhas
mãos e meus nódulos se machucaram quase que
imediatamente.

Um dos empregados chegou e gritou, assim me ajudou a


colocar as tiras antes de reiniciar os golpes. Quanto mais eu
golpeava, melhor eu me sentia. Realmente me sentia muito
bem. Eu gostaria que tivesse algum cara para lutar, ao invés
de um saco de areia, mas era melhor do que nada.

— Disseram-me que você foi um grande lutador.

Não reconheci a voz nem o rosto do rapaz apoiado


contra a parede, me observando golpear o saco de areia. E
nem respondi. Golpear era muito mais importante.
— Comentaram que você lutava em um bar dentro de
uma gaiola. — disse o rapaz, rindo um pouco. — Isso não me
parece uma verdadeira luta. Eu treino desde os sete anos, e
receberei um contrato do UFC assim que me formar no
ensino médio este ano.

Olhei para ele, notando a provocação em seu rosto, mas


neguei.

— Não deve pesar mais de setenta e sete quilos.

— Quase setenta e nove. — Respondeu. — Estou quase


lá. Ou está preocupado que um garoto derrube você?

Eu o olhei.

— Tem dezoito anos? — Perguntei.

— Sim.

— Que tal se entrar no ringue e eu chutar o seu rabo?

Ele riu.

— Esperava que dissesse isso!

Ele veio para cima de mim rapidamente, mesmo antes


de subir completamente no ringue. Eu me esquivei, agachei e
dancei até o outro lado para vê-lo se movimentar. Seu
trabalho com os pés era bom e os arrastou com elegância ao
meu redor, primeiro cruzou seu pé esquerdo em seguida
arrastou seu pé direito, movendo-o atrás dele.

Equilibrando-se em minha frente, golpeou-me com sua


perna, a que chutei limpamente de um lado. Percebi nos
primeiros sessenta segundos que não perderia esta luta. O
rapaz tinha seus movimentos, sem sombra de dúvidas, mas
era evidente que não participou de muitas lutas reais.
Treinado em boxe, com certeza. Treinamento, sem dúvida.
Não em lutas, entretanto. Cometia muitos erros. Como
pessoas que aprenderam a falar uma língua estrangeira em
uma universidade ou um livro didático, gramaticalmente
correto, mas perderam completamente a linguística. Você
poderia ter uma conversa completa, e eles não entenderiam
uma palavra.

Assim que ele se lançou para frente, eu dei um murro


em seu rim e me afastei. Também não fui suave. Em seguida
dei um golpe na parte de trás da cabeça, que o deixou
atordoado contra as cordas.

— Isso é tudo o que você tem? — Brinquei. — Minha


garota tem mais chance e está grávida de oito meses.

O rapaz grunhiu e veio para cima de mim novamente


com resultados similares.

— Vamos ter uma filha. — disse-lhe com facilidade


enquanto ofegava em busca de ar a poucos passos. — Talvez
em alguns anos, possa desafiá-la.

Com duas pernadas, segurei-o pelo braço, torcendo-o e


então rodeei seu pescoço com meu braço. Eu poderia
comprimir sua carótida e fazê-lo perder a consciência, mas ao
invés disso, golpeei meu outro punho em seu rosto algumas
vezes e depois o soltei.

Ele cambaleou. Havia um corte sobre seu olho agora e o


sangue atrapalhava sua visão. Tentou manter o ritmo em seu
trabalho com os pés, mas eu era muito rápido para ele.
Com um movimento rápido da perna direita, meu pé
bateu no lado de sua cabeça e caiu na tela. Um momento
depois, estava ao lado dele. Coloquei uma perna em seu
pescoço e a outra em sua seção do meio enquanto eu peguei
seu braço e o puxei. Torcendo seu pulso para que o polegar
apontasse para o teto, levantei-me com os quadris e puxei
seu braço.

O rapaz gritou e começou a bater sua mão sobre o chão


uma e outra vez.

Eu o soltei e me levantei novamente. Ele se virou para o


lado, segurou seu ombro, e se queixou.

— Quem sabe da próxima vez, você levará em


consideração a categoria ―de peso‖. — Sugeri. — Ela existe
por alguma razão.

Passei uma perna por cima das cordas e saltei para o


chão do ginásio. Olhei para trás para me assegurar que o
rapaz realmente estivesse bem. Estava sentado, segurando
seu ombro e chamando o treinador para que trouxesse um
estojo de primeiros socorros. Não havia sangue suficiente
para pontos, então dei risada e me afastei.

— Sente-se melhor agora?

Dei a volta e vi o doutor Baynor sentado em um banco


perto do ringue. Não vi o cara em meses e não sabia o que
pensar sobre sua repentina aparição, salvo me sentir feliz de
que não era Yolanda outra vez.

— Sim, estou.
— Esse rapaz te lembra de alguém? — Ficou de pé e
chegou mais perto.

— Apenas os outros imbecis que pensavam que eram


melhores do que eu. — respondi.

Peguei uma toalha e passei por minha nuca e peito


antes de jogá-la no cesto. Baynor continuou me olhando e
tudo o que eu queria era ignorá-lo, o homem tinha uma
forma de meter-se sob minha pele.

— Você tem um jeito interessante de não ver o óbvio,


Liam. — disse Baynor. — O que te diz isso? Que não há pior
cego do que aquele que não quer ver?

— Não acredito que essa seja a frase.

— Continua sendo o mesmo ponto.

— Que se foda.

— Sim, você já me disse isso antes, todas as vezes que


eu estava com a razão. — replicou. — Você continuará
dizendo a mesma coisa? Falará o mesmo para Tria? Gritará
para seu bebê quando ela estiver faminta, à noite, e não
deixar você dormir?

— É claro que não. — Espetei.

— Então tire a cabeça da sua bunda.

— Que faz aqui?

— Estou apenas checando você. — disse. — Erin me


ligou e eu tinha uma boa ideia de onde você estaria. Ela está
preocupada com você.
— Bem, ela pode beijar minha bunda.

Ok, então a luta não serviu para nada. Estava irritado


novamente e definitivamente com humor para acertar mais
alguém.

— Que tal se você subir até no ringue e fizer algumas


rodadas comigo? — Sugeri com brincadeira.

— Isso faria você feliz?

— Talvez.

— Vamos, então.

Dei risada.

— Viu o último? — Perguntei. Pontei para o outro lado


onde estava o rapaz sangrando. — Você nem sequer tem
experiência.

Baynor deu de ombros.

— Lutei um pouco na escola.

— Quando foi isso? — Perguntei. — Nos anos oitenta?

— Sim. Então, onde encontro um pouco de fita ou o que


quer que seja para minhas mãos?

Dei uma risada novamente, mas então percebi que ele


falava sério.

— Eu mataria você lá em cima. — disse-lhe.

— Talvez. — Ele concordou com um aceno de cabeça. —


Se é o que você precisa para superar tudo isso e perceber que
existem pessoas que se preocupam com você e querem que
você se recupere, estou disposto a receber alguns golpes.
Examinei seu rosto e não consegui ver nenhuma dúvida.
Suspirei e me sentei no banco perto do ringue.

— Sua vida está prestes a mudar. — disse Baynor


enquanto colocava um pé no banco ao meu lado e se
inclinava sobre o joelho. — Muito mais do que imagina.

— Eu sei. — repliquei em voz baixa.

— Não, não sabe. — disse Baynor. — Não tem como


saber... até que esteja lá. Mas pode se preparar. Você precisa
abandonar toda essa raiva, Liam. Precisa começar a
reconstruir as pontes familiares que queimou ou você ficará
constantemente lutando para fazer tudo funcionar.

— Eu não preciso deles para fazer minha vida funcionar.


— falei. — Passei muito tempo sem eles.

— Tudo bem, claro. — Baynor assentiu. — Você não


precisa deles.

Ele se curvou e aproximou o nariz do meu para apertar


minhas costas contra a parede atrás de mim.

— Você não precisa, mas e Tria?

Respirações profundas. Punhos apertados.

Subi e desci os degraus, olhando para o céu, dançando


sobre meus pés um pouco e então caminhei pela varanda
algumas vezes. Estiquei meus braços sobre a cabeça, tentei
controlar meus batimentos cardíacos um pouco mais, mas
falhei.

Não sabia por que estava tão nervoso. Estive nessa


mesma varanda, literalmente, milhares de vezes. Estacionei
minha bicicleta aqui ao invés de colocá-la na garagem. Fiquei
de castigo nesse mesmo lugar depois que flagraram Ryan e eu
lançando torrões de terra na porta principal.

Este lugar era familiar.

Então, por que era tão difícil?

Levantei a mão e apertei o botão da campainha.


Consegui escutar os sinos ecoando.

Os sons da campainha... percebi os sinos da campainha


alguma vez antes?

Uma das empregadas abriu a porta. Pude dizer pela sua


expressão que me reconheceu, mas eu não tinha nem ideia
de qual era seu nome. Olhei por trás dela, me sentindo um
estranho por rever a casa onde cresci e saber que já não era
realmente uma parte dela. Nem desejado. Nem bem-vindo.

— Liam? — Mamãe apareceu em meu campo de visão.

Minha garganta se sobressaiu quando engoli, mas ainda


não consegui dizer nenhuma palavra. Apenas nos olhamos.
Depois de uma boa hora e meia, ou trinta segundos, ou
qualquer coisa assim, mamãe deu um passo para frente,
despachando a empregada, abrindo mais a porta.

— Você vai... você entrará?


Dando um pequeno passo em frente, terminei meio
dentro, meio fora da casa, sem saber o que fazer. Tudo era
creme e verde profundo, como quando eu era criança. Havia
um desses conjuntos de cubos empilhados para parecerem
escadas pelo corredor onde papai costumava esconder os
ovos de Páscoa. Eu consegui sentir o cheiro do pão de alho
que veio da cozinha e eu tinha certeza de que eu podia ouvir
Chopin descendo pelo corredor, o que significava que mamãe
estava sentada na biblioteca lendo.

Não consegui ir mais longe.

— Fui um garoto estúpido, não? — Falei rapidamente


antes que toda a coragem me abandonasse. — Fui estúpido e
essa parte não é sua culpa. Tampouco foi de papai. Foi... foi
minha culpa. Fui estúpido.

Ela piscou algumas vezes enquanto permanecia quieta,


mostrando a surpresa em seu olhar.

— Eu não sei como lidarei com isto. — continuei. — Mas


Tria... Tria precisa de todos. Ela não tem família e precisará
da ajuda de todos, não só a minha e a de Chelsea.

Minhas mãos tremiam tanto, que precisei colocá-las em


meus bolsos.

— Ela precisa... Precisa de você também, concorda? E a


nenê... ela precisará da avó.

Engoli com força e afastei meu olhar.

— Eu... também preciso de você. Não sei como ser pai.


Olhei para ela novamente e mamãe apenas assentiu
rapidamente, lambeu seus lábios e tentou falar, mas sua voz
falhou. Ela assentiu mais algumas vezes e assenti de volta.

Ela avançou meio passo... nervosa e vacilante. Não me


mexi. Fiquei imobilizado com o que acontecia... A casa, seus
aromas e minha mãe se aproximando. Havia muitas emoções
dentro de mim lutando para sair à superfície e eu não
conseguia me mexer.

Ela parou na minha frente e levou suas mãos até meus


ombros. Então suas palmas emolduraram meu rosto por um
segundo antes que envolvesse seus braços em meu pescoço e
me abraçasse.

Parte de mim queria empurrá-la, fazer com que ela


pagasse por todo o sofrimento do passado, mas não consegui.
Eu a rejeitei por tanto tempo que esta era uma reação tão
natural como respirar.

Não, não era tão natural como respirar... tão natural


como lutar. Tão natural como golpear. Tão natural como
jogar todas as minhas frustrações no rosto de outra pessoa.

De repente, eu soube.

Não era somente ela. Não era somente ele.

Um pouco disso era eu, e teria que assumir minha


responsabilidade. Para mim e minhas ações.

Teria que fazê-lo.

Era o único modo de enterrar o passado e seguir em


frente com minha vida. Com Tria.
Com nosso bebê.

— Desculpe-me! — Gritei enquanto a rodeava com meus


braços. Eu a abracei com tanta força que a ouvi ofegar antes
de afrouxar meu aperto e tentar ser mais cuidadoso.

— Desculpe-me também, Liam. — disse. — Sinto tanto


por tudo que aconteceu. Nunca tive intenção... nunca
quisemos que nada disso acontecesse... nunca tivemos
intenção de magoá-lo...

— Eu não sabia e não pensava... Era apenas estúpido e


não sabia o que fazer...

— Eu sei Liam... Filho... eu sei... sinto muito...

— Mamãe...

— Meu filho...

O tempo evaporou. Permanecemos na porta durante um


longo tempo e então nós fomos até o pequeno banco no lobby,
onde costumava tirar minhas botas de neve. Fomos até o sofá
da sala de estar em algum momento, ainda nos abraçando,
mal falando e tentando lembrar quem fomos um dia.

Papai chegou em casa as seis em ponto, como sempre


fazia quando crescia. Ele já deveria saber que eu estava lá,
porque começou a olhar ao redor assim que entrou pela porta
e então, cautelosamente, aproximou-se de nós.

Seus olhos estavam cautelosos enquanto me


observavam e meu próprio nervosismo tentou se apoderar de
mim.
— Preciso ir embora. — murmurei. — Tria deve estar se
perguntando onde estou.

— Damon ligou para ela antes de falar comigo. — disse


Douglas. — Ele a avisou onde você estava.

— Bem... um... — Minha língua perdeu a habilidade de


formar sílabas enquanto minhas desculpas se evaporavam.
Olhei novamente para mamãe, que me ofereceu um meio
sorriso.

— Ficará para o jantar? — Perguntou. — Poderíamos


chamar Tria, buscá-la para que se junte a nós.

— Eu... não sei. — admiti. — Isto é... Um pouco demais.


— Papai assentiu, embora mamãe ainda parecesse
desapontada.

— Você se juntará a nós na casa de Michael no


domingo? — Perguntou papai. — Seria... muito bom,
significaria muito para mim... para todos nós.

Por um longo momento, fiquei olhando para ele, sem


saber o que responder.

— Por favor? — A voz suave de mamãe ecoou em meus


ouvidos.

Meus olhos oscilaram entre um e outro e meu coração


começou a pulsar mais rápido. Tive o suficiente e por hoje
não conseguiria aguentar mais. Só havia uma forma de
escapar daqui sem mais perguntas, discussões, lágrimas e
desculpas.

— Está bem. — Eu disse em voz baixa. — Estarei lá.


— Não tenho nada para vestir. — anunciou Tria.

— Você tem muitas roupas. — Eu disse.

— Nenhuma delas é adequada para a ocasião!

— Na semana passada era adequada!

— O que disse? — Espetou.

Murmurei algo muito baixo para que alguém pudesse


escutar ou entender, eu inclusive e rapidamente me escondi
no banheiro.

Tria estava a menos de um mês de dar à luz e já não


aguentava mais a gravidez. Eu mencionei que restavam
apenas poucas semanas, pensando que ela se sentiria melhor
e quase perdi um membro. Nem sequer mencionarei o que
aconteceu quando sugeri que fosse uma abóbora para o
Halloween. Realmente, estava com medo de falar, mas já
estávamos atrasados para o jantar de domingo de Michael.

Urinei, refresquei meu rosto e voltei nas pontas dos pés


para o quarto. Tria estava sentada na beirada da cama com
um vestido na mão e lágrimas escorrendo pelo seu rosto.

Doeu meu peito ao vê-la assim.

Caminhando com suavidade, ajoelhei-me em sua frente


e peguei sua mão na minha. Esfreguei a ponta dos polegares
enquanto ela vestia o vestido.
— O que aconteceu, meu bem?

— Eu odeio isso. — sussurrou. — Estou cansada de me


sentir assim e você deve estar farto de mim.

Ela engoliu e eu estendi a mão para enxugar suas


lágrimas.

— Não estou. — disse-lhe.

— Está irritada e tem todo o direito de estar. Eu fiz isso


com você, então é claro que você tem todo o direito de
descontar em mim.

Caramba, eu não deveria falar desse jeito com ela.

Tria olhou para mim, mas logo voltou a olhar nossas


mãos novamente. Ela entrelaçou nossos dedos e suspirou
profundamente, então acho que não estraguei muito as
coisas. Ao menos, não tanto como para me bater ou algo
assim.

— Desculpe-me. — sussurrou. — Não queria...

Sua voz apagou, e uma lágrima derramou pelo seu


rosto.

— Hey... — Estendi a mão e emoldurei seu rosto. Tive


que me levantar sobre meus joelhos para poder alcançá-la
sobre seu ventre, mas deste modo eu quase conseguia olhá-la
nos olhos. — Eu te amo. Logo você dará à luz, e teremos um
bebê para nos queixarmos.

Sorri, mas o sorriso que recebi de volta não foi muito


convincente.

— Quer que eu cancele o jantar? — Perguntei.


— Não. — Murmurou. — Será a primeira vez que você
realmente estará com todos eles. Não quero estragar de jeito
nenhum.

— Não estragará nada. — respondi. — Sabe que ainda


estou com muitas dúvidas sobre esse jantar. Uma desculpa
seria genial.

— Não escapará tão fácil. — disse Tria. — Além disso,


sou eu que não posso comer nada do que os cozinheiros
fazem. É tudo tão pesado e término com o estômago ardendo.

— Que tal se disser que iremos para a sobremesa e


fazemos alguma coisa para comermos aqui? Talvez apenas
uma salada ou uma sopa? Dessa forma não teria que ir bem
vestida.

Com a promessa de que eu ainda iria, veria a família e


seria cortês com todos, eu a convenci de pelo menos atrasar
nossa chegada. Liguei para Chelsea para avisá-la e então me
juntei a Tria na cozinha para preparar uma refeição mais
simples.

— Uau! As contrações estão muito mais fortes do que na


semana passada.

Tria experimentava essas falsas contrações durante os


últimos três dias. Na primeira vez, assustei-me e chamei
Damon para que nos levasse até o hospital, onde o doutor
sorriu condescendente e nos disse que fôssemos para casa.
Tria ainda tinha quatro semanas antes do parto e o que
acontecia era perfeitamente normal.
— Vá se sentar. — Eu disse. Cortei uma cebola, mas
quando eu a olhei novamente, ainda estava lá, em pé. Seus
olhos se arregalaram por um momento. Ela olhou para mim e
depois olhou para baixo.

— Porra. — murmurou Tria e correu para o banheiro.

Eu revirei os olhos. Juro que a mulher tinha que fazer


xixi a cada meia hora. Imagino que isso seria o corpo
acostumando a mulher para se levantar dez vezes por noite
para alimentar o bebê, mas eu acordei cada vez que ela
precisou levantar para ir ao banheiro.

Não que eu me queixasse. Mas se o fizesse


provavelmente ela me mataria.

Com a salada pronta, folheei as páginas da revista de


tatuagens que eu tirei do ginásio. Pensava em fazer mais uma
com o nome da nenê e de Tria, mas não sabia muito bem
aonde. Eu queria que fossem incorporados no desenho atual,
mas não tinha nenhuma ideia decente.

Talvez eu precisasse me encontrar com a Emily e pedir


algumas amostras ou algo assim. Folheei mais algumas
páginas, concentrado nos desenhos.

Quando um interruptor acendeu em meu cérebro e meu


corpo congelou. Tria não retornou.

Gritei seu nome enquanto jogava a revista pela sala e


corri pelo corredor. Abri a porta de repente antes de
compreender que ela respondia me dizendo que tudo estava
bem.
— Por favor, saia. — gemeu. Estava sentada tentando se
agachar e puxar as calças dos tornozelos. — Eu apenas...
apenas...

— Apenas o quê? — Exigi.

— É vergonhoso! — Gritou com um soluço.

— O que aconteceu? — Exigi que falasse.

— Acredito que fiz xixi nas calças!

Respirei fundo e tentei manter a calma.

— Quer que pegue uma roupa limpa? — Ofereci.

— Sim. — respondeu Tria.

No quarto, abri as gavetas da cômoda até encontrar


algumas roupas intimas e calças. Sorri um pouco para as
pequenas roupas de encaixe azul. Eu tinha a sensação de
que era um dos conjuntos que Amanda havia dado durante o
casamento e o chá de bebê improvisado que Chelsea
organizou no lugar da festa.

Dei as roupas para ela através da porta, só para pegá-


las de volta.

— Sério isso, Liam? Realmente acha que posso usar


essa roupa íntima?

— Droga... Hum... sinto muito. — murmurei. — Não sei


o que pensei.

Ela desistiu das calcinhas sexys há alguns meses. Voltei


para o quarto e escolhi outras, mas antes que eu fechasse a
gaveta de cima, escutei minha esposa gemendo.
— Tria? — Falei, mas ela não respondeu. Abri a porta e
a vi sentada no vaso, toda dobrada para frente. Ela me olhou
e meu coração parou de bater.

— Não acho que sejam simples contrações. — disse sem


fôlego. — E não acho que fiz xixi. Acredito que minha bolsa
estourou.

Nunca fui de tirar conclusões precipitadas, mas estava


bastante seguro de que estávamos a ponto de ter um bebê.
Sou o homem.
— Não entre em pânico, ok?

— Eu estou bem. — afirmei, tentando não começar as


respirações Lamaze. Tria já estava zangada comigo e isso não
parecia uma boa ideia.

— Apenas... fique tranquilo, está bem? — Ela se apoiou


sobre seus cotovelos e tentou respirar da maneira que a
enfermeira explicou, a qual não era nada parecida com a que
aconselhei anteriormente.

— Está bem. — Tentei colocar minha mão em suas


costas, mas a empurrou imediatamente. — Sinto muito! Sinto
muito!

— Está tudo bem... não há razão para entrar em pânico.


— confirmou. Fui um pouco mais para perto, então me
afastei novamente. Ela não me deixava tocá-la, então terminei
torcendo minhas mãos como uma velha ouvindo um sermão
inspirador na igreja.

Ela se virou, estremeceu e me olhou.

— Basta! — Esbravejou.

— Não estou entrando em pânico! — Gritei! Não tenho


certeza do que fiz de errado, apenas por estar lá.
— Por que não pegamos um café ou alguma coisa
assim? — Michael colocou sua mão em meu braço, mas eu o
sacudi.

— Não vou a lugar nenhum!

— Liam, demorará algumas horas! — A voz do meu pai


era tranquila e eu queria socar a sua boca.

— Porra. — Esbravejei. — Ela não pode se afastar disso,


por que eu deveria fazê-lo?

— Porque está me deixando louca! — Gritou Tria de


repente.

Parei e a olhei fixamente. Com ajuda de Chelsea e da


enfermeira, ela saiu da cama e com um pouco mais de ajuda,
dirigiu-se para uma grande bola de parto vermelha. Ela se
moveu para cima e para baixo enquanto sacudia seu dedo
para mim. Seus olhos queimavam lindos e parecendo letais.

— Agora, saia por no mínimo quinze minutos ou direi a


eles que você não poderá ficar para o parto!

— Droga... Hum...

— Vamos, Liam. — Michael e Douglas me levaram pelos


braços e me arrastaram para a pequena sala de espera ao
lado da maternidade. Michael parou e deixou que meu pai me
levasse o resto do caminho pelo corredor das máquinas
automáticas enquanto eu continuava me perguntando o que
eu fiz de tão terrível.

O tempo parou por completo, então eu não tinha certeza


se estávamos no hospital por uma hora ou dez. Eu apenas
sabia que enlouqueceria antes que o bebê nascesse. Tria
sofria dores terríveis. Quero dizer, eu sabia que machucaria.
Sabia que sofreria e todos diziam que assim que tudo
terminasse, ela se esqueceria da dor.

Provavelmente, mas não sabia como. Não acredito que


ela esquecesse. Era demais. Muita agonia. Não parecia certo
ou normal.

— Eu não posso fazer isto. — murmurei. Olhei atrás de


mim para ver Michael andando pelo corredor em direção
oposta, provavelmente procurando comida, enquanto papai
tentava me entregar um copo de café. Eu tinha certeza de que
minhas mãos tremulas o derramariam por todo o piso.

— Está tudo bem, Liam. — disse meu pai. — Apenas


fique calmo e tudo dará certo.

— Não! — Eu disse com uma sacudida de minha


cabeça. — Não, não está. Isso não pode estar certo... não
pode ser normal.

— Ela também ficará bem, Liam. — Papai colocou a mão


em meu ombro e eu não a tirei. — Ambas ficarão bem. Mas
ela precisa de você, Chelsea e sua mãe podem oferecer apoio,
mas ela precisa de você. Tria ficará bem se você também
ficar.

— Eu sei. — Se ele dissesse a palavra bem mais uma


vez, me deixaria louco. Apertei minhas mãos contra meus
músculos enquanto meu peito caía e se subia com
respirações pesadas.
Todos estavam aqui, Chelsea e Michael, Douglas e
Julianne, inclusive Ryan e Amanda passaram por aqui mais
cedo, mas precisaram ir embora para cuidar dos negócios, já
que os principais diretores da empresa se recusaram a deixar
o hospital até que houvesse outro herdeiro da família Teague
no mundo.

Se eu não ficasse calmo, Tria teria esse bebê sem mim


na sala de parto, ou por desmaiar antes da hora ou por me
julgar um idiota.

— Preciso controlar a minha bagunça.

Sentei-me em uma das cadeiras da sala de espera. Era o


maldito Robin ovos azuis1 e imediatamente se meteram até
meu rabo. Eu nem conseguia me lembrar de porque estava
usando bermuda em outubro.

— Sim, precisa se controlar. — concordou meu pai. —


Por que não se senta, relaxa, bebe seu café e então voltamos
para o quarto?

Concordei, porque imaginei que eu era a última pessoa


que deveria tomar as decisões nesse momento e papai era a
única pessoa ao redor para fazer isso por mim. Forçando
minhas mãos a ficar quietas, peguei o copo entre as palmas e
bebi o líquido quente.

— Este café está uma porcaria. — falei. Apenas um gole


a mais e foi o suficiente antes de colocá-lo em uma mesa.

— E o que você esperava de uma máquina de hospital?

1
Pássaro que bota ovos azuis – ele compara as bolas do seu saco com esses ovos porque está nervoso,
sentido frio, desagasalhado.
— Acho que nada mesmo.

Houve um longo e incômodo silêncio enquanto eu


tentava me tranquilizar e falhava completamente. Não tinha
certeza do que papai fazia. Pelo olhar em seu rosto, eu não
sabia se estava pensativo ou constipado, todos estavam se
perguntando.

Voltamos para o quarto e tentei manter minha bagunça


quieta, eu realmente tentei. Depois de um tempo, Michael e
meu pai foram convidados a sair para que Tria pudesse tirar
a maioria de suas roupas e apenas relaxar. Poderíamos
pensar que estava envergonhada ou algo assim, mas não, a
impressão que dava é que ela não estava muito preocupada.
A pedido de Tria, Chelsea e mamãe ficaram e ela ficou feliz
em tê-las ali. Eu não tinha ideia do que fazia e, acima de
tudo, lutei contra qualquer tipo de personificação de ―Bill
Cosby‖ (ator e comediante americano), o que, definitivamente,
provocaria minha morte.

Embora estivesse muito tentado.

Fiquei bem por um tempo, mas então as contrações


começaram a ficar cada vez mais frequentes e Tria começou a
gritar de verdade, dificilmente eu conseguiria evitar fazer o
mesmo. Em cada lugar que eu a tocava ela ficava pior, mas
quando tentei me afastar, ela ficou histérica. Claro que, se eu
não a tocasse ou não conversasse, ela também ficaria com
raiva, então eu tentei falar um pouco e tocá-la suavemente.

— Está se sentindo bem? — Perguntei.

— Vai para a merda! — Esbravejou.


Estremeci, esfreguei suas costas e esperei que alguma
coisa que dissesse ou fizesse faria alguma diferença, porque
eu estava me sentindo inútil. Não me afastei, provavelmente
porque estava fraco demais para fazê-lo.

Não pensei que demoraria tanto tempo. Tria estava


adiantada algumas semanas, mesmo assim no final, era
normal segundo o médico. Por mais que eu tentei me
tranquilizar, ficava mais difícil de acreditar à medida que os
minutos e as horas passavam.

— Quero me deitar. — Ela pediu e eu a ajudei a mover


as mãos e os joelhos até a cama.

Quase que imediatamente, gritou outra vez.

— Pode tentar respirar? — Perguntei.

— Não. — Gemeu enquanto as lágrimas escorreram pelo


seu rosto. Cada uma das lágrimas que deixaram um rastro
em sua pele também deixava um rastro dentro do meu
coração.

Eu só conseguia pensar que a culpa era minha. Se não


tivesse metido meu pau nela, nada disso aconteceria e ela
não sofreria assim.

— Isso dói. — sussurrou chorando. Sua voz estava


muito baixa para que alguém mais a escutasse. Pela primeira
vez em todo o dia, seus olhos não mostraram raiva ou
frustração, apenas medo. — Dói muito mais do que
imaginei... não entendo...
— Supõe-se que doeria. — lembrei. — Ainda pode
recorrer à anestesia... ou...

— Não! — Gritou. — Não é bom para o bebê... Natural é


muito melhor... as revistas...

— Eu sei meu amor.

Ela enlouqueceu com toda essa coisa de nascimento


natural. Era bem provável que pesquisou até demais. Embora
ela não tivesse a menor dúvida que era o melhor caminho a
seguir, parecia uma porcaria horrível de aguentar. Eu apenas
deixei rolar porque era o que ela queria.

Apesar de todo o tempo que tivemos para nos preparar,


eu me senti completamente perdido. O bebê chegou antes da
hora e nós não sabíamos o que fazer.

Tria ia da bola de parto à cama. Então ela foi de ficar


sobre suas mãos e joelhos a deitar de costas, assim poderiam
controlar seu progresso, embora parecesse não haver
nenhum.

— Para de me cutucar. — grunhiu a uma das


enfermeiras.

Acabara de mudar o turno e a enfermeira que a estava


atendendo foi embora. Eu não sabia quem era esta, mas
estava na cara que não agradou a Tria. A enfermeira se
afastou um pouco, mas colocou a mão em sua barriga
quando outra contração a arrebatou.

— Não me toque! — Gritou.


Estava a ponto de me colocar no caminho da enfermeira
quando ela ignorou a advertência e colocou a mão bem em
cima do umbigo da minha esposa, que acabou metendo um
tapa no rosto dela.

A enfermeira saltou para trás, atônita e simplesmente


saiu do quarto.

— Ela acabou de dar um tapa no rosto da enfermeira?


— Escutei minha mãe perguntar quando se inclinou junto à
Chelsea.

— Acredito que sim. — afirmou Chelsea.

— Sabe, eu gosto dela. — respondeu mamãe.

— Eu também. — concordou Chelsea.

— Tria? — O médico se aproximou e tocou a testa da


minha esposa. Não era o mesmo que a acompanhava, era
outro cara vestido com jeans e camiseta.

Ele a olhou assim que outra contração a atingiu. Meus


dedos quase quebraram no processo, mas ela superou. Deixei
que apertasse minha mão, pensando que era o mínimo que
eu poderia fazer e tentei não mostrar em minha expressão o
muito que doía. Definitivamente não diria nada,
simplesmente não era seguro.

— Eu gostaria de dar uma olhada, posso?

O médico conseguiu movê-la sobre suas costas para


assim poder fazer o toque e eu esperei que ela não o
golpeasse na cabeça. Tentei não pensar sobre toda a coisa de
outro cara metido no meio das pernas da minha esposa, mas
era difícil. Quero dizer, a mão dele estava dentro dela, por
Cristo...

— Senhor Teague? — Chamou o doutor, me assustando.


— Posso falar com você? — Chelsea veio ao meu lado e tomou
meu lugar segurando a mão de Tria enquanto eu ia até o
outro lado do quarto para conversar com o médico.

— Posso chamá-lo de Liam? — Perguntou.

— Claro.

— Liam, sua esposa passa por um parto bastante difícil,


quase vinte horas.

Tanto tempo assim? Minha mente formou redemoinhos


em um pequeno círculo e evoquei as imagens de todas as
brincadeiras de ―Um sapo em um liquidificador‖ (livro infantil)
que eu havia escutado quando ainda era um menino.

— Realmente não fez nenhum progresso e ainda não


dilatou mais de dois centímetros.

— E ela precisa de dez centímetros para o bebê sair,


certo?

— Isso mesmo. — respondeu com um assentimento. —


Mas a cabeça do bebê não está no lugar certo.

— O que quer dizer com ―não está no lugar certo‖? —


Gritei. Minha mãe estava de repente do meu lado e colocou
uma das mãos em meu ombro.

— Precisa se tranquilizar, Liam. — aconselhou mamãe.


— Pelo bem de Tria, lembra?
Contive um grunhido, mas fulminei o médico com o
olhar enquanto ele tentava explicar a situação.

— O bebê está torto, então sua cabeça está empurrando


contra o osso púbico de Tria, não o colo do útero.

— Que isso significa?

— Significa que sua esposa esteve em um sério e difícil


trabalho de parto, durante um longo tempo e me preocupa
que não importa o quanto ela continue tentando, o bebê não
sairá de forma natural.

Minha cabeça tentou encontrar algum tipo de quadro de


referência para o que ele falava, mas eu não conseguia
compreendê-lo. O que ele queria dizer com ―não sairia‖? Ele
precisava sair, certo? Não poderia ficar dentro dela!

— Parece que o médico está sugerindo uma cesárea. —


explicou mamãe. Virei-me rapidamente para seus olhos
preocupados.

— Acredito que é o melhor tanto para Tria quanto para o


bebê.

— Ela não quer fazer uma cesariana. — Expliquei. — De


modo nenhum... nem ao menos deseja uma anestesia.

— Nós não temos outra opção, Liam. — indicou o


doutor.

Tentei ignorar suas palavras. Nem sequer consegui


aceitar seu tom. Olhei para minha mãe esperando por
alguma resposta mágica, mas o olhar em seu rosto deixou
claro que não havia nenhuma.
— Ela disse... ela quer um parto natural... entende? —
Tentei explicar. — Isso é o mais distante de ―natural‖ que
existe.

O médico me olhou e depois para minha mãe, em


seguida respirou profundamente.

— Liam, se Tria não estiver de acordo com a cesárea,


você precisará assinar uma isenção de culpa.

— Uma isenção de culpa?

— Sim. — Respondeu com um olhar sério. — Se forem


contra minha recomendação, o hospital não será responsável
se sua mulher e o bebê morrerem.

Minha mente e corpo congelaram e eu lutei contra as


imagens que se formavam em minha cabeça. Havia muitas, e
cada uma delas eram de Tria. Senti minha garganta se fechar
enquanto eu tentava recuperar o fôlego e o suor começou a
brotar na parte de trás de meu pescoço.

— Não. — Sussurrei.

Os braços de mamãe rodearam meus ombros e ela me


sustentou por um momento antes de me empurrar e me olhar
nos olhos.

— Vamos juntos falar com ela. — afirmou. — Tudo se


resolverá, mas você precisa escutar Liam. Precisa fazer o que
médico orienta. Não deixarei que nada de mal aconteça
novamente... não enquanto eu estiver aqui.

Assim que o médico conversou com Tria, seus olhos


ficaram vidrados e se virou para mim.
— Não. — Sussurrou. — Não está certo. Não é como eu
imaginei que esse parto aconteceria!

— Tria, acredito que precisamos...

— Não! Posso fazer isso!

Com os olhos ardendo, peguei sua mão e me neguei a


soltá-la. Coloquei minha outra mão na lateral de seu rosto.

— Por favor, Tria. — roguei enquanto as lágrimas


começavam a descer por minhas bochechas. — Se acontecer
alguma coisa com você... Ou com a nossa menina... Deus,
Tria... Não posso... Não conseguirei...

Ela esticou a mão e me segurou, me aproximando dela,


e começou a soluçar.

— Eu não queria que fosse desse jeito! — Gritou.

— Eu sei. — Indiquei contra seu pescoço. — Eu sei


amor, eu sei... eu sei... — Ela chorou. Eu chorei. Mesmo
tendo pelo menos uma meia dúzia de pessoas no quarto, elas
eram completamente invisíveis.

— É tudo sobre sacrifício. — sussurrei. — Certo? Agora


não é mais sobre o que nós queremos, mas sim do que ela
precisa.

— Vamos fazer. — choramingou.

— Eu te amo. — sussurrei. — Precisamos fazer a


cesariana... precisamos fazê-la.

— Eu sei. — replicou.
Assim que concordamos, ela foi rapidamente transferida
para uma dessas camas com rodinhas e a levaram enquanto
eu tentava impedir que o meu coração saísse do peito para
segui-la. Chelsea e mamãe tentaram me acalmar enquanto
caminhávamos pelo corredor para a área de preparação da
cirurgia.

Aturdido, deixei que me vestissem com uma bata azul e


a prendessem em minhas costas. Colocaram um gorro na
minha cabeça e capinhas em meus pés sobre meus sapatos.
Assim que colocaram uma dessas máscaras de papel em meu
rosto, tudo caiu sobre mim.

Nada estava bem... absolutamente.

Essa cirurgia era perigosa... muito mais perigosa para


Tria e para o bebê do que um parto natural.

E se o médico cometesse um erro? E se algo acontecesse


ao bebê? E se.…? Eu estava ficando louco.

— Ela precisa de mim. — Sussurrei para mim mesmo.

— Senhor Teague? — Chamou uma enfermeira. Ela


sorriu e apontou para uma porta. Eu a segui sem pensar.

— Não se preocupe senhor Teague. — argumentou. —


Vamos cuidar muito bem de sua esposa e de seu bebê.

Eu assenti e caminhei atrás dela até que chegamos à


outra sala, com luzes brilhantes e muitas pessoas. Tria
estava sobre uma mesa alta com os braços abertos, esticados
e presos em algum tipo de viga transversal na cama.
Parecia crucificada e a só ideia fez com que eu me
encolhesse.

Engoli com força e fui para o seu lado, o que não tinha a
intravenosa em seu braço. Ela se virou para mim e seus olhos
estavam quase tão vermelhos como o resto do seu rosto, mas
ao menos já não gritava.

— Olá, meu amor. — disse em voz baixa.

Ela piscou.

— Não queria isto. — sussurrou.

— Eu sei. — repliquei. — Mas vamos superar... como


sempre fazemos ok?

Ela virou a cabeça para longe de mim. Respirou


profundamente e então se virou novamente com um olhar
bastante determinado em seu rosto.

— Dará tudo certo! — Exclamou.

Eu apenas consegui concordar.

O médico apertou a barriga de Tria com um alfinete e


demorou apenas um segundo para que eu percebesse que ela
não conseguiu senti-lo. Por sorte, notei antes de acertar o
cara.

— Tudo certo, você poderá sentir um pequeno puxão —


disse o médico — mas não doerá. Certifique-se de falar se
sentir alguma coisa, ok?

— Está bem.
Sua voz parecia fraca e meio adormecida. Apertei
suavemente sua mão enquanto dava uma rápida olhada entre
seu rosto e o médico trabalhando em sua barriga. Mesmo
quando o vermelho de seu sangue cobriu a pele pálida de seu
estômago inchado, não pude me dar ao luxo de pensar. Tudo
aconteceu muito rápido e o que eu podia fazer era implorar
em silêncio para quem pudesse ouvir.

Por favor, não deixe que ela morra... por favor, não deixe
que ela morra...

— Sua pélvis é muito estreita. — assinalou o médico


com tranquilidade. — Chegamos bem a tempo.

Parte de mim queria perguntar sobre o que ele falava,


mas decidi que realmente não queria saber. O dedo de Tria se
enroscou no meu e, quando a olhei, havia lágrimas em seu
rosto.

— Dará tudo certo. — sussurrei enquanto tentava sorrir.


Provavelmente não parecia muito reconfortante.

— A neném... — A voz de Tria quebrou e novas lágrimas


fluíram.

— Ela está bem. — repeti e virei o meu olhar para ver o


fluxo vermelho se converter em um pequeno buraco. A mão
do médico se moveu para dentro e eu senti meu estômago
embrulhar.

Porra, não se atreva!


Engoli com força e olhei preparado para forçar-me a
ficar no presente com minha esposa, não importava como
parecesse.

Então eu a vi.

Apenas uma pequena bolha coberta de vermelho a


princípio, mas à medida que a mão do médico se moveu, seu
rosto se voltou em direção à luz. Seus olhos se fecharam
firmemente contra o brilho e seu rosto se enrugou. Ela se
parecia tanto com Tria toda vez que tentava comer
hambúrgueres vegetarianos baratos, que quase comecei a rir.

— Que menina linda tem aqui. — Exclamou o médico ao


entregá-la a enfermeira ao seu lado. — Por que não me dá
uma das mãos aqui, Liam?

Quando eu me dei conta, havia uma pequena tesoura


em minha mão e cortei o cordão umbilical entre dois
pequenos conjuntos de corda. Assim que o fiz, sua boquinha
se abriu e deixou escapar um gemido.

— Porra! — Gritei. — Eu a machuquei?

— Não. — Indicou o médico.

— Ela está bem? — Gritou Tria.

— Ela está perfeitamente bem. — respondeu a


enfermeira com um grande sorriso. Ela aproximou a neném
perto da minha esposa e segurou a cabecinha perto de sua
bochecha. A enfermeira moveu a criança para cima e para
baixo, para que assim mãe e filha estivessem bochecha a
bochecha enquanto Tria começava a soluçar.
— Ela está realmente bem? — Perguntou novamente.
Seus olhos se moveram rapidamente para mim e depois para
a enfermeira que segurava nossa filha. Apenas consegui
assentir com a cabeça, já que minha língua estava grossa e
completamente incapaz de se mover de forma controlada.

— Sua filha está muito bem, Sra. Teague. Só a levarei


até o balcão para examiná-la, ok?

Ela concordou, mas não tirou os olhos da neném. Na


verdade, eu também não. Ela era exatamente igual a Tria e
quando suas pequenas pálpebras se entreabriram, havia
profundos círculos marrons me olhando.

— Vamos deixar que o médico cuide de Tria por um


momento. — assinalou a enfermeira. — Você pode me ajudar
a limpar sua filha?

Os sons que minha filha fazia eram fascinantes, assim


como seu rostinho. Eu não entendia sua expressão, se estava
odiando as luzes brilhantes ou se estava simplesmente brava
por estar no mundo frio e cruel. Não estava feliz, isso era
certo.

A enfermeira limpou um pouco a sujeira, examinou seus


olhos, fez cócegas em seus pesinhos e depois me deu uma
esponja suave para fazer o resto. Mentalmente, contei os
dedos das mãos e dos pés, e revisei tudo enquanto a limpei. A
enfermeira a envolveu em uma manta pequena e a trouxe
para o meu colo.

Minha garganta se contraiu quando ela a colocou em


meus braços. Esperava me sentir incômodo ao carregá-la pela
primeira vez, mas não me senti. Parecia a coisa mais natural
do mundo. Ela era suave, quente e deixou de se retorcer
enquanto a embalava contra meu peito.

Quando ainda estava em meu colo, a enfermeira limpou


seu narizinho e ela soltou outro pequeno gemido.

— Meu bebê! — Chamou Tria.

— Está comigo! — Respondi. — Ela está bem! Irritada,


mas bem.

Eu me ouvi dar uma risada, mas o som parecia


desapegado e distante. A enfermeira a limpou mais uma vez
com um pedaço de tecido suave e eu fiquei apenas olhando
seu rosto.

— Ela é linda. — falei.

— É mesmo. — respondeu a enfermeira. — Uma das


mais bonitas que já vi.

Por dentro, eu sabia que era a mesma coisa que ela


falava para todos os novos pais, mas eu não me incomodei.
Estava completamente certo de que era a mais pura verdade.
Ela era a menina mais linda do mundo. Uma vez que estava
limpa, não havia nenhuma dúvida em minha mente.

— Ela está bem? — Perguntou Tria enquanto levava o


pequeno pacote enrolado para ela.

— Muito bem. — Respondi. — Mais do que bem. Ela


conseguiu um dez em uma escala, que é o melhor que se
pode conseguir, por isso obviamente é impressionante.
Mesmo a enfermeira disse que era a melhor. Provavelmente,
conseguirá uma viagem completa para qualquer universidade
Ivy League que desejar.

Ela assentiu, mas não parecia muito convencida.

— É fantástica. — reafirmei. Apertei um pouco os


braços, apavorado de abraçá-la muito forte ou muito solta.

— Não posso abraçá-la. — sussurrou Tria. Novas


lágrimas se agrupando no canto de seus olhos.

— Em breve. — comuniquei. Procurei saber onde o


médico trabalhava, mas assim que percebi que costurava sua
barriga, precisei afastar o olhar. — Acho que está quase
terminado.

— Vamos levá-la para a sala de recuperação em poucos


minutos. — Disse ele. — Assim que nos certificarmos que
você está tão bem quanto sua filha, então você poderá
segurá-la.

—Você está com ela? — Perguntou, com a voz ainda um


pouco turva.

— Está em meu colo, amor. — Assegurei. — Eu a estou


segurando e é fantástico... está muito bem. Ela nem sequer
está chorando nem nada.

Lembrando o que a enfermeira fez, segurei a bochecha


da nossa filha ao lado da dela, ela fechou os olhos e eu me
acalmei um pouco.

— Você tem certeza de que ela está bem?

Olhei para a enfermeira, que se aproximou de nós e


tocou a bochechinha do bebê.
— Ela está bem. — reafirmou a enfermeira.

Depois de finalmente convencê-la, sai com a nossa filha


e Chelsea ficou com Tria, enquanto mamãe ligava para todos.
Assim que ela estivesse preparada, seria enviada de volta à
sala de partos inicial.

Levei a neném para o berçário, onde fizeram mais


alguns testes e confirmaram que ela era absolutamente
perfeita. Não queria soltá-la enquanto a examinavam. Ela era
tão pequena, com um pouco mais de três quilos e eu apenas
queria mantê-la o mais segura possível.

— Você a estragará. — disse uma enfermeira matrona.

Tentei me conter em falar caralho, mas meus olhos


disseram por mim. Deu de ombros e saiu pisando forte.

— Ela tem um nome? — Perguntou a enfermeira mais


jovem. Ela tocou a bochecha da minha filha, o que a fez
tremer.

— Katie. — respondi.

— Que nome lindo! — Eu ainda tinha certeza de que ela


dizia a mesma coisa a todos os novos pais, mas era realmente
convincente, então sorri. Na verdade, isso me fez perceber
que eu sorria por tanto tempo, que meu rosto começava a
doer.

O que me fez sorrir um pouco mais.

— Temos que colocá-la aqui antes de levá-la para a sala


de recuperação. — Apontou para uma versão de um berço,
com rodas. Parecia bom, mas eu não soltaria minha filha.
— Ficarei com ela. — indiquei.

— Precisamos colocá-la no berço quando a movermos...

— Eu falei que ficarei com ela em meu colo. — repeti.

Ela continuou tentando discutir comigo, então eu


apenas a ignorei e comecei a olhar em volta até que percebi
qual era a direção para o quarto de Tria. Caminhei pelo
corredor e a enfermeira me perseguiu com o berço plástico
sobre rodas.

Meus pais estavam bem ao lado da porta, o que facilitou


a localização.

Era por volta de quatro da manhã e Michael foi para


casa dormir algumas poucas horas, pois participaria de uma
reunião executiva ou coisa do tipo. Papai ficou assim como
mamãe e Chelsea. Eles entraram no quarto quando cheguei
com Katie no colo e deixei que todos tivessem alguns minutos
com ela enquanto me certificava que Tria estava bem. Parecia
que ela participara de uma luta comigo na gaiola, mas eu
nem sonharia em fazer esse comentário em voz alta.

Eu gostava de ter minhas bolas onde estavam


atualmente.

Tria me assegurou que estava bem, e que apenas queria


sua filha, por isso a peguei da vovó e a levei para seu lado, na
cama. O pequeno berço de plástico estava entregue pela
enfermeira, mas eu a ignorei novamente e a segurei perto de
Tria.
— Viu? — Comentei. — Eu disse para você que ela é
perfeita.

Com a ajuda de outra enfermeira, nós conseguimos um


travesseiro e colocamos sobre a barriga de Tria para proteger
a incisão, e então colocamos Katie em cima para que ela
pudesse segurá-la. Ela olhou para seu rosto por um longo,
longo tempo antes de falar com uma voz baixa o suficiente
que somente eu conseguia ouvir.

— Liam?

— Sim?

— Tenho que deixar algo absolutamente claro para você.


— Fiquei um pouco tenso.

— Que coisa?

— Não farei isso novamente. É tudo. Filha única.


Entendido? — Coloquei minha testa em seu pescoço para
ocultar meu sorriso enquanto relaxava de novo.

— Entendido.

— Você entende o que isso significa, não entende?

— Um... não sei. — A tensão retornou.

— Nunca faremos sexo novamente. — Declarou. —


Jamais.

— Sério? — Respondi.

— Sim, de verdade.

— Parece pouco... provável. — Falei completamente


sério.
Mordi meu lábio para não dar risada. Na verdade, toda
essa conversa estava me deixando quente, mas eu não
empurraria tão longe, sobretudo sabendo que não
conseguiria nada nas próximas semanas.

— Você não conseguirá. — informei. — Em duas


semanas, ficará louca pelo meu pau.

Ela tentou se conter, mas deu uma risada, então se


encolheu e apertou a mão contra seu ventre.

— Desculpe-me. — murmurei.

— Tudo bem. — respondeu com um suspiro. — Como


dizem, dói rir.

A bebê Katie deve ter compartilhado o mal-estar porque


deixou escapar um pequeno grito. Saltei da cama e olhei para
a enfermeira para ver se ela sabia o que estava errado. Tudo o
que consegui foi um sorriso condescendente e uma palavra
de consolo enquanto caminhava para fora para chamar
alguém que ajudasse com a amamentação.

— Acha que ela está com fome? — Perguntei.

Tria encolheu os ombros.

— Não sei. Não tenho nem ideia do que fazer aqui.

Carregando-a por um momento, segurei a pequena Katie


como um pão francês e a ninei um pouco, mas ela não parou
de chorar. Olhei para a fralda, mas a coisa era tão moderna
que não conseguia dizer se estava molhada ou não.

— Eu acredito que sim. — Falei.

— Vamos tentar amamentá-la.


Dar peito a um bebê deve ser uma das coisas mais
naturais do mundo inteiro. É absolutamente maravilhoso e
perfeito, ―mágico‖ como as pessoas costumam dizer. Se eu
não acreditasse em Deus, olhar a mãe de minha filha
amamentá-la era o suficiente para me fazer acreditar.

Porque diabos ninguém fala para as mães de primeira


viagem o quanto é difícil pegar o bico, está além do meu
entendimento.

Tria e a pequena Katie passaram as seis horas seguintes


com várias enfermeiras, consultoras de lactação,
representantes da liga ―O Leite e as Lágrimas‖, antes que
finalmente acertassem e conseguissem colocar duas tetas de
leite valioso dentro de nossa menina recém-nascida. Depois,
outra enfermeira entrou e perguntou quantos mililitros a
pequena Katie ingeriu e o olhar de Tria foi suficiente para
fazê-la correr.

Quando a nossa estadia acabasse, seriamos odiados por


todo o pessoal do hospital.

A próxima sessão de lactação não foi muito melhor, mas


durou apenas a metade do tempo. Infelizmente, aconteceu
aproximadamente vinte minutos depois da primeira. Tria
estava exausta e as enfermeiras a deixaram louca. Com
lágrimas nos olhos, ela se virou para mim e eu perdi a
paciência.

— Vão a puta que pariu, ok. — Esbravejei. — Todas!

Não sei se a enfermeira pensou que eu estava brincando


ou o quê, mas ela me ignorou. Comecei a abordá-la e um
segundo depois, meu pai estava ao meu lado, me impedindo
do que estava prestes a fazer.

Eu mesmo não sabia o que faria, mas da forma que


estava me sentindo, coisa boa não seria.

Logo em seguida, meu pai colocou todos para fora do


quarto, inclusive a família. Ele me deu um rápido movimento
de cabeça antes de fechar a porta e presumivelmente ficou de
guarda. De repente estávamos sozinhos com a nossa filha.

Aproximei a cadeira giratória e coloquei a mão na


bochecha da pequena Katie. Sua cabeça virou um pouco para
mim e sua boquinha começou a se mexer, como se quisesse
comer, mas não conseguia.

— Não sei o que tenho que fazer! — Soluçava Tria em


voz baixa.

— Shhh. — Disse as duas. — Você se lembra do que


médico explicou? Os bebês adquirem mais peso e outras
coisas enquanto estão dentro da barriga para que tenham
tempo de aprender a mamar e todo o resto até o leite bom
chegar.

— Ao invés do colostro. — fez uma cara zangada.

— Correto, aquela coisa. Assim apenas temos que ser


pacientes e ajudá-la a aprender, está bem?

Ela assentiu, resmungou outra vez e segurou seus


peitos. Levantei a pequena Katie e trabalhamos juntos até
que finalmente ela conseguiu se encaixar da maneira correta.
Tria quase chorou, desta vez de alívio, e finalmente conseguiu
se sentar e relaxar durante alguns minutos até que mudamos
para o outro peito e ela começou tudo de novo.

Ao menos foi mais fácil desta vez.

Quando ela ficou satisfeita, nossa filha adormeceu no


travesseiro com o mamilo na boca.

— Não quero soltá-la. — exclamou enquanto olhava


para o bercinho.

— Eu sei. — respondi. — Mas você precisa dormir, nós


dois precisamos. Ela ficará aqui, poderá tocá-la todo o tempo.
Eu já disse que ficará conosco no quarto. Ficarei aqui
mesmo, então nada acontecerá com vocês.

Ela concordou e a contragosto deixou a pequena Katie


no bercinho. Sentei-me de novo na cadeira giratória,
sustentando um travesseiro para que pudesse basicamente
deitar a metade de meu corpo ao lado de Tria sem acertá-la
acidentalmente e abrir sua incisão ou algo assim. O espaço
era apertado, mas não havia jeito de dormir na pequena
poltrona reclinável que havia para os acompanhantes, no
canto do quarto.

Com a cabeça de Tria no ombro, olhávamos para a


nossa filha. Apesar do esgotamento das últimas vinte e
quatro horas, nenhum de nós conseguia deixar de olhá-la o
suficiente para fecharmos os olhos e dormir.

— É tão bonita. — sussurrou.

— Linda. — concordei. — Como você.

— Ela se parece com você.


— Tem seus olhos.

— Seu cabelo.

— Não há palavras suficientes para descrever. —


exclamei com um risinho tranquilo.

— É, definitivamente, da sua cor. — insistiu. — E suas


orelhas, são iguais as suas.

— Elas são um pouco bicudas em cima.

— A enfermeira disse que mudará em algumas semanas.

— Oh. — exclamei. Não admiti que fiquei um pouco


decepcionado. Faziam-na parecer como um duende ou uma
fada e pensei que era algo genial.

Nós a olhamos em silencio por mais alguns minutos. Na


próxima vez que olhei para Tria, seus olhos estavam
fechados, então, passei um braço por cima do seu estômago
que já não estava mais tão arredondado e me ajeitei na cama
ao seu lado. Assim que fechei meus olhos, apaguei.

O que foi uns trinta segundos depois, a pequena Katie


chorava.

Tria se mexeu para sair do meu abraço, mas pedi que


continuasse deitada, levantei-me, andei ao redor da cama e
peguei minha filha. Passei um dedo sobre seus lábios
enquanto a levava para sua mãe e ela tentou virar a
cabecinha para chupar a ponta do meu dedo, o que me fez
sorrir.

Tria colocou um travesseiro sobre o estômago e outro


sob o braço para pegar Katie e ajeitá-la para amamentar. Não
funcionou, por isso mudou tudo ao seu redor e tentou pelo
outro lado, enquanto os gritos de Katie ficaram um pouco
mais insistentes. Eu não tinha certeza de qual delas estava
mais frustrada e fiquei um pouco preocupado que Tria me
atingisse.

— Você não está ajudando! — Resmungou entre dentes.

— Bem, estou tentando! — Tentando manter a calma.


Eu pensei que Tria voltaria ao normal imediatamente assim
que Katie nascesse, mas aparentemente ainda havia alguns
hormônios persistentes. — Diga-me o que você quer que eu
faça e farei.

— Quero que você a convença a pegar o bico do meu


seio e mame! — Falou bruscamente enquanto as lágrimas
encheram seus olhos. — Isso dói!

Meu peito doeu ao mesmo tempo em que não consegui


respirar durante um minuto. E a vi sofrendo muito no último
dia e não queria que sofresse mais. Sem saber mais o que
fazer, ajoelhei-me ao lado da cama e olhei a pequena Katie
nos olhos.

— Escute minha filha. — murmurei. — Você precisa


mamar e sua mamãe precisa descansar. Então, que tal se
parar com essa manha e relaxar, assim você não fica tão
frustrada e sua mãe não me dá uns tapas na próxima vez que
quiser fodê-la!

Tria me deu um tapinha na nuca.

— Não fale palavrões. — brigou.


— Está bem... Ehh... quero dizer, da próxima vez que eu
quiser fazer aquela mer... Bem... Coisas que mamãe e papai
fazem quando querem te dar um irmãozinho.

— Não acontecerá. — Ela riu.

Continuei falando besteiras e às vezes parecia que a


pequena Katie prestava atenção, mas, mais do que qualquer
coisa, ela estava simplesmente zangada. Isto é, até que Tria
deixou escapar um suspiro e Katie, de repente, ficou em
silêncio. Ela fechou os olhinhos e começou a chupar o
mamilo rapidamente enquanto eu olhava para Tria.

Seus dentes rangiam, mas por outro lado, parecia estar


bem.

— Ninguém nunca me disse que essa porra doeria. —


murmurou.

— Não fale palavrões. — repliquei com um sorriso. Ela


virou os olhos.

— Pelo menos agora ela está mamando.

Com a pequena Katie alimentada, ambos nos ajeitamos


para tentar conseguir dormir um pouco.

Nunca fui um daqueles que aceitasse facilmente


mudanças, mas quando olhei o rostinho da minha filha, ser
pai me pareceu bastante genial.
Dar conta da

família.
A privação do sono não era muito diferente do que estar
drogado.

Fazia o meu melhor para mantê-lo para mim, mas não


era fácil. As primeiras quatro semanas com a pequena Katie
em casa foram bem, Tria e eu conseguíamos dormir quando
ela dormia. Uma vez que voltei para o trabalho, os cochilos da
manhã, tarde e noite acabaram e eu ficava esgotado na
maioria do tempo.

Claro, Tria colocava a pequena Katie nos meus braços


assim que eu entrava em casa.

Pequena Katie.

Ninguém a chamava somente de Katie, ela sempre era a


pequena Katie.

Ela era incrível.

Ela chorava o tempo todo, o dia e a noite inteira, a


menos que estivesse no colo de alguém. Cada vez que eu
pensava naquela enfermeira do hospital falando que eu iria
mimá-la, um grande sorriso cruzava meu rosto e eu a
abraçava mais apertado. Às vezes ela arrulhava, mas na
maioria, ela apenas arrotava ou dava alguns peidinhos. Em
um bom dia, me mostrava a língua.

Eu a estragaria para sempre se fosse o que isso


significava.

Ela dormia conosco em nossa cama e eu não me


importava que dissessem alguma coisa sobre o quanto isso
era ruim, perigoso ou o que fosse, fiz uma pesquisa e fora da
sociedade ocidental, na maior parte do mundo, possuíam
camas familiares. Não pensei que o faríamos durante muito
tempo, mas no momento, enquanto Tria precisasse
amamentá-la a cada trinta segundos, esta seria a melhor
forma de acalmar nossa preocupação.

Tria estava com os seios doloridos e se eu os tocava, ela


ameaçava me bater. Tudo bem, porque o médico liberou o
sexo e eu fazia bom uso dessa liberdade.

Sim, toda a coisa de ―não voltaremos a ter relações


sexuais‖ não durou muito.

Se a pequena Katie mamava, mas não dormia, Tria saia


com ela, então eu conseguia descansar um pouco mais antes
de sair para o trabalho. Durante o dia e nos finais de semana,
eu ficava com ela, assim Tria podia fazer o mesmo.

A pequena Katie sempre era tão quentinha e macia que


eu realmente não me importava. Tria precisava de um
intervalo quando eu chegava em casa, normalmente apenas
para ter algum tempo para atender suas necessidades ou
tomar uma ducha e eu gostava de passar um tempo com a
minha filha no sofá. Às vezes ela chorava, outras vezes
dormia, mas normalmente apenas me olhava enquanto eu
balbuciava tolices.

Embora ainda não houvéssemos participado do jantar


de domingo na casa de Michael, toda a família passou pela
nossa casa em um momento ou outro. Mamãe e Chelsea se
revezaram em turnos para morar aqui na primeira semana e
inclusive Amanda passou por aqui algumas vezes.

Depois da primeira vez que a mulher do meu primo


passou a tarde com Tria e a pequena Katie, finalmente eu
cansei de esperar que Tria me contasse e perguntei o que
aconteceu entre as duas.

Tria simplesmente encolheu os ombros.

— Eu não gostava dela. — contou-me com uma risada


áspera.

— Por que não?

Tria riu novamente.

— Todas as quartas-feiras chegava uma caminhonete


com coisas para todas as crianças do abrigo. A maioria eram
roupas doadas e alguns brinquedos. Um pouco antes do
Natal, chegou uma entrega de ursinhos de pelúcia. Eles eram
grandes o suficiente que serviriam de travesseiro e quando
você apertava suas patas, eles cantavam canções de natal.
Havia sete crianças na casa de acolhimento naquele momento
e eram apenas seis ursos. Consegui o último. A mulher que
trabalhava com as crianças trouxe outro ursinho. —
continuou Tria. — Acho que ela realmente saiu e o comprou
para se assegurar que Amanda também ganhasse o dela, mas
não era igual. Não tocava música.

— E... O quê? Ela ficou com raiva de você por causa de


um bicho de pelúcia?

— Ela ficou sim. — respondeu Tria. — Foi terrível, eu


até tentei trocar de ursinho, mas ela não quis. Apenas queria
me fazer sofrer por causa dele.

— Isso é foda. — comentei.

— Definitivamente é isso que parece agora. — concordou


Tria. — Na época, era obviamente importante para ela. Não
acredito que ela possuísse muita coisa antes de chegar ao
abrigo. Realmente se apegava a tudo o que davam a ela,
inclusive uma bolacha extra. Escondia tudo em sua gaveta da
cômoda.

— Escondia bolachas?

— E outras coisas.

— Como o quê?

— Brinquedos pequenos, artesanatos, qualquer coisa


que pudesse esconder. Não sei de onde ela veio, mas nenhum
dos que moravam no abrigo veio de um lar feliz, sabe?

— Imagino que seja verdade. — Rodeei-a com um braço


e a aproximei de mim. Não queria que Tria pensasse de onde
ela veio. Eu nem ao menos sabia o que era pior, viver com
sua mãe, perder seu pai ou acabar nesse fodido lugar. —
Parece que vocês estão se dando melhor agora.
— Não está tão ruim. — observou Tria. — Eu acho que
ela está assumindo tudo.

— Tudo? — Repeti.

— Usurpei seu posto. — explicou Tria. — Mesmo


quando convidou você para o casamento e tudo mais, ela
nunca imaginou que voltasse a conviver com a família. Você
vivia sozinho por um longo tempo, então ela pensou que sua
posição estava segura. Mesmo com Douglas dizendo
constantemente a todos que os negócios seriam seus, você
gostando ou não, ela pensou que ele, com o tempo,
perceberia que a Teague Silver entraria em colapso se fizesse
isso e, então, Ryan assumiria o controle. Com isso ela seria a
nova rainha da corporação. Então, quando aparecemos
casados e eu grávida... bem, ―tomei‖ seu lugar. Ela não
esperava por isso, mas acredito que está lidando com a
situação.

— Em parte imaginei que ela entendeu assim. —


Mencionei com um assentimento. — Mesmo quando éramos
adolescentes e ela e Ryan saiam juntos, ela não gostava das
garotas com que eu saía.

— Provavelmente pela mesma razão.

— É o mais provável.

Honestamente, saber de onde ela vinha não fez com que


eu gostasse de Amanda mais do que antes, mas ao menos
consegui compreendê-la um pouco mais. Era óbvio que ela
amava a pequena Katie e isso era mais importante do que
qualquer coisa. Achava isso cada vez mais verdadeiro quando
se referia a minha tolerância aos outros, desde que amassem
minha filha, não poderiam ser tão ruins.

Esse era provavelmente o porquê que eu jamais toleraria


Dana Lynn.

Brandon e Nikki nos fizeram uma visita quando a


pequena Katie estava com apenas uma semana. A princípio,
Brandon ficou completamente assustado com o bebê, mas
encorajado por ela, Nikki o fez sentar e segurá-la. Em poucos
minutos, ele ria para ela e tentava que ela sorrisse de volta.

Na realidade, foi ideia de Nikki que Tria ligasse para sua


mãe.

— Bem, simplesmente pensei que gostaria de saber...


não, não preciso de dinheiro. Não foi por isso que... não...

Tria suspirou, apoiou a cabeça sobre a mão e fechou os


olhos. Nikki se virou para o outro lado com a pequena Katie
entre os braços e um olhar aflito no rosto.

— Não, não foi por isso que eu liguei. — Tria começou a


parecer que lidava com um paciente de Alzheimer. —
Imaginei que você poderia gostar de saber que tinha uma
neta... não, eu não...

Brandon encolheu os ombros quando olhei e apontou


para a varanda com o polegar.

— Não sei por que pensou que seria uma boa ideia. —
afirmou ele quando fechou a porta.

Peguei uma pequena caixa de cigarros eletrônicos e


cartuchos, um presente de Michael quando a pequena Katie
nasceu e ofereci um para Brandon. Ele riu muito deles na
primeira vez que eu ofereci, mas decidiu que gostava e Nikki
ficou brava com ambos quando pensou que estivesse
oferecendo cigarros verdadeiros. Não queria arriscar-se
novamente. Eu ainda gostava de ficar na varanda sem
nenhum motivo e os cigarros eletrônicos me davam um
pseudo-motivo.

— Tentei ajudar. — Falei, encolhendo os ombros. — Eu


me reconciliei com meus pais, então, talvez, Tria e sua mãe
também pudessem arrumar as coisas. Embora não pareça
acontecer.

— Eu a vi uma vez. — mencionou Brandon. — A mulher


é uma doida.

— É mesmo? Tria não gosta de falar sobre ela. —


Inspirei o vapor de água e o expulsei em anéis.

— Ela veio à ilha uma vez. — explicou. — Não foi muito


depois de que o pai de Tria falecesse, menos de um ano. Leo
pensou que Dana estava esperando conseguir os benefícios
da pensão pela sua morte, mas a adoção já estava finalizada,
então não havia nada que ela pudesse fazer. Ela já havia
renunciado seus direitos a Tria quando o pai dela ainda
estava vivo.

Brandon deu um trago no cigarro eletrônico e o virou


para olhar a pequena luz vermelha da ponta.

— Ela acabou com o lugar. — continuou. — Jogou a


mesa, quebrou toda a cozinha e depois foi embora. Eu a vi
por uns três minutos quando ela saia da casa e eu estava me
aproximando. Ela me jogou algumas pedras apenas por estar
lá antes de entrar em um Chevy velho e partir. Eu era apenas
um menino, mais novo que a Tria.

— Isso é foda.

— Sim. — Brandon concordou comigo.

Ficamos na varanda e continuamos fumando por mais


um tempo. A coisa estranha sobre os cigarros eletrônicos é
que eles realmente não têm fim até que precise recarregar a
bateria. ―Fumar‖ pode durar até uma meia hora porque eles
não queimam em cinco minutos como queimaria um cigarro
normal. E claro, eu já não cheirava como um cinzeiro todo o
tempo e a pequena Katie não era exposta a essa porcaria,
então tudo estava bem.

Inclinando-me um pouco para frente, olhei pela janela


da frente e vi Nikki embalando a bebê em seus braços
enquanto Tria ainda estava ao telefone.

— Ela é instintiva com o bebê. — comentei e


imediatamente me arrependi. — Quero dizer, ela é realmente
boa com a pequena Kate.

Isso não era melhor.

— Está tudo bem. — assegurou Brandon com um meio


sorriso. — Não precisa evitar o assunto. Estamos
acostumados.

— Sinto muito, homem.

— Não sinta. — pediu. — Resolveremos.


Eles estavam vendo um médico especializado em
fertilidade, queriam tentar a fertilização in-vitro para ver se
Nikki conseguiria engravidar dessa forma. De qualquer jeito,
o preço era exorbitante. Brandon tentava chegar a um acordo
com a companhia de seguros para que cobrisse, mas não teve
muita sorte.

Não pude deixar de pensar em quanto dinheiro tinha


minha família e como poderíamos fazer algo a respeito.
Embora não tenha certeza de que Brandon e Nikki
aceitassem. Mesmo comentando sobre isso com eles, poderia
chateá-los, eram pessoas orgulhosas.

Virei-me quando escutei a porta abrir e Tria colocou os


olhos em branco perante os nossos cigarros falsos.

— Lembre-me de não ligar novamente. — Pediu ela. —


Ela passou de me perguntar se precisava de dinheiro para me
pedir dinheiro. Não falou nada sobre querer conhecer a
pequena Katie, apenas continuava entrando no assunto de
dinheiro.

Tria se apoiou em mim e eu a abracei.

— A pequena Katie dormiu?

— Sim, ela gostou dos braços de Nikki.

Olhei para Brandon e vi um sorriso triste cruzar seus


lábios. Tive que me abster de fazer mais algum comentário
bobo sobre o quanto Nikki era genial com a pequena Katie.
Não me pareceu certo.
— Ainda quer sair para jantar? — Perguntei e Tria
assentiu.

— É melhor irem mesmo. — comentou Nikki da porta de


entrada. — Fiz essa viagem para ficar de babá para que
ambos pudessem sair e relaxar em uma noite na cidade.

Enquanto ela cuidava da pequena Katie e assegurava


que nós não ficaríamos fora por muito tempo, Tria entrou
para pegar sua bolsa. Hoje seria uma pequena, mas quando
saiamos com a neném, eram três sacolas lotadas. Eu me
recusava, queria colocar uma fralda no bolso da jaqueta e já
estava bom.

Como se a pequena Katie realmente precisasse de um


jogo completo de blocos de plástico, livros, um pequeno
conjunto de manicure, quatro trocas de fralda, três mantas e
um aspirador para o nariz cada vez que saíamos.
Provavelmente, Tria também poderia colocar um berço de
viagem, mas a pequena Katie ainda não era grande o
bastante para usá-lo. Além disso, eu estava apenas na porta
de transporte quando estávamos no carro. O resto do tempo
alguém a segurava.

O pensamento me fez voltar a sorrir.

Damon estacionou em frente à casa e eu peguei a mão


de Tria para levá-la até o banco de trás do Rolls. Bem ou mal,
nós nos acostumamos a ter alguém que nos levasse se não
queríamos pegar o ônibus para todos os lugares. Damon não
se importava e Michael não precisava muito dele nos finais de
semana.
Eu tentei me justificar dizendo que ele era pago se
saísse ou não, mas na verdade eu gostava e ficara mimado
novamente. Não demorou muito para que eu não recusasse
qualquer tipo de ajuda, não depois que a pequena Katie
nasceu. O carro foi o primeiro e o mais fácil de nos
acostumarmos, nunca gostei de pegar ônibus.

— Hey, você se importa se fizermos uma pequena


parada? — Perguntei.

— Por mim, tudo bem. — respondeu Tria encolhendo os


ombros.

Falei para Damon onde eu queria ir, e ele me olhou pelo


espelho durante um minuto antes que Tria dissesse que
simplesmente dirigisse. Não demorou muito tempo para
chegarmos ao meu destino e eu disse a Tria que ela poderia
esperar no carro.

— Está me dizendo que eu preciso ficar — questionou —


ou está me dando uma opção?

Pensei um pouco antes de tirar a fotografia da mãe de


Krazy Katie do bolso. Eu arrumei a foto e coloquei em uma
pequena moldura de madeira, brilhante e bonita.

— Ia colocá-la... já sabe... na tumba. — De repente, toda


a ideia parecia estúpida. — Quero dizer, não sei se ficaria
bem em nossa casa, sabe?

— Eu sei. — murmurou Tria. Limpou os olhos com a


mão. — Vá. Esperarei aqui.
O chão estava lamacento pela neve derretida da semana
passada e sujava meus sapatos. Eu esperava conseguir
limpá-los na calçada ou algo assim antes de voltar para o
carro ou Michael me mataria.

— Olá. — Falei enquanto olhava a lápide simples que


estava escrita Katie Took. — Eu... Hm...

Clareei minha garganta.

— Acho que estou falando sozinho aqui. — Falei. — Eu


queria apenas que você soubesse que tivemos uma menina e
a chamamos de Katie. Embora seja pequena Katie, não Krazy
Katie. Não acredito que seja louca.

Rindo um pouco, me agachei na frente do túmulo.

— Sou louco por ela. — Admiti. — É apenas... Incrível.


Não sei de que outra forma poderia descrevê-la. Tria também
é incrível com ela, embora tenha passado muito mal no parto.
Precisou fazer uma cesárea. Não é o que ela queria, mas...
Bom... foi o que precisamos fazer, entende?

O vento frio fazia com que meu nariz escorresse e eu


precisei fungar algumas vezes. Olhei para o carro por cima do
ombro e vi Tria me olhando pela janela.

— Bom, tenho que levar Tria para jantar. — falei. — É a


primeira vez que saímos desde que nasceu a pequena Katie.
Eu queria apenas passar por aqui para deixar uma coisa.

Coloquei a fotografia emoldurada sobre a lápide.

— Encontrei-a quando limpava seu apartamento e


pensei que talvez você gostasse de tê-la ao seu lado. Obrigado
por pegar a estante e as botas. Aborreci-me um pouco
quando pensei que haviam desparecido.

Levantei-me e olhei para a mãe de Krazy Katie.

— Acredito que te verei mais tarde. —– Senti-me um


completo idiota e olhei em volta para me assegurar que não
havia outros idiotas me olhando. Não vi ninguém mais em pé,
no frio, então dei alguns passos para trás antes de me virar
novamente para o carro.

— Então? — Indagou Tria depois de limpar meus


sapatos e voltar para o calor do Rolls.

— Então, o quê? — Questionei.

— Não sei. — comentou Tria. — Como foi?

— Bem, eu acho. Coloquei a fotografia na lápide, então,


missão cumprida.

Damon dirigiu pela rua abaixo e senti Tria envolvendo


sua mão com a minha. Quando eu baixei olhar, dei um
pequeno aperto em seus dedos quentes.

— Você é um bom homem, Liam. — Ela disse


suavemente. — Sabia?

Encolhendo os ombros, dei um sorriso torto.

— Você me fez assim. — Assegurei-lhe.

— Não. — Protestou. — Você já era assim.

— Não.

— Sim, você era. — reiterou.


Ela se inclinou e colocou uma das mãos ao lado do meu
rosto. Virei-me e dei um beijo rápido na palma da mão.

— Desde a primeira vez que nos vimos, você se tornou


meu herói. — comentou.

Jantar de domingo.

A pequena Katie estava com quase dois meses, quando


finalmente fomos a um dos jantares familiares de Michael.
Foi tudo bem, muito melhor do que eu esperava. Embora eu
não pudesse dizer que estávamos todos da forma mais
amigável, eu estava me religando com a mamãe e sendo
civilizado com papai.

Mesmo assim, sentar-me com todos eles ao redor da


mesa foi foda. Não que alguma coisa aconteceu, mas era
estranho e desconfortável. Amanda não falou quase nada,
embora ela e Tria, na maior parte do tempo, estavam se
dando bem. Amanda parecia aceitar que eu estava de volta à
família e Tria ficaria.

É claro que ela amava a pequena Katie. Todos amavam.


Ela até tentou se levantar e cuidar dela quando começou a
chorar no momento que serviam a sobremesa.
— Eu a pego. — disse rapidamente. Precisava de uma
desculpa para tirar um descanso do grupo.

Eu a levantei do carrinho e peguei sua manta violeta da


bolsa no corredor eu fui tentar fazê-la dormir. Havia grossas
cortinas vermelhas no quarto que fizeram um grande
trabalho bloqueando a luz do entardecer. Assim que as
fechei, sentei-me em uma cadeira macia com a pequena Katie
no colo.

Ela dormiu quase que imediatamente.

Acariciei com o nariz o topo de sua cabecinha e cheirei o


suave cabelinho enquanto colocava a manta ao redor de seus
ombros. Toquei o topo de sua cabeça, tomando cuidado com
a moleira, e pela sua bochecha enquanto a cheirava
novamente. Ela cheirava incrivelmente bem.

Eu não sabia o que acontecia com ela, mas sempre


cheirava de forma fantástica. Bem, exceto quando precisava
trocar a fralda, mesmo assim não era tão ruim como eu
sempre imaginei. Supostamente pioraria quando começasse a
comer alimentos mais sólidos, mas trocar fraldas não era
uma grande coisa como todos falavam.

Comentei com a minha mãe e ela simplesmente sorriu e


negou.

A pequena Katie gostava tanto do peito que eu não via a


comida real acontecendo em um bom tempo. No início, Tria
passou por muita dor e ficou com os mamilos rachados, mas
agora se tornou muito natural e sem nenhum esforço para
ambas. A pequena Katie se aproximava e pegava o bico
tranquilamente e Tria nem sentia, exceto que precisava
levantar a camiseta para amamentar.

A pequena Katie bocejou um grande bocejo desdentado e


então voltou a apoiar a cabeça no centro do meu peito.
Depois das tetas da mãe era o seu lugar favorito. Ela piscou
seus grandes olhos castanhos algumas vezes antes de fechá-
los completamente.

Com um braço embaixo de seu bumbum e o outro ao


redor de suas costas, encostei-me na cadeira e fechei os
olhos. Era bom descansar um pouco, embora eu soubesse
que não duraria muito. Ela estava ajeitada, acalentada e
contente em meu peito e encantava-me tê-la comigo.

Ela cresceria e deixaria de ser um bebê antes que eu


percebesse. Cochilei um pouco, despertando apenas quando
a pequena Katie começou a se retorcer um pouco. Sentei-me,
embrulhando a manta um pouco mais apertada e balancei-a
um pouco nos braços até que ela adormeceu novamente.
Nunca durava muito tempo.

Durante minha última sessão com Erin, ela afirmou que


eu fiz um grande progresso desde a primeira vez que entrei
em seu consultório. Simplesmente encolhi os ombros, mas eu
sabia que ela estava certa. Ninguém poderia dizer que estava
completamente curado, mas fiz grandes progressos em
algumas áreas.

Eu não bati no cara que trabalhava comigo e que


continuava comentando sobre minha herança, nem uma vez.
Queria bater, sem dúvida alguma, mas não bati. Isso era
o principal. Erin me assegurou que tudo bem pensar nisso,
desde que eu não tornasse esse pensamento em realidade.
Estava bem com isso.

Na verdade, ela começou a sugerir que talvez eu já não


precisasse vê-la a cada semana, o que me fez perguntar
quanto tempo ainda eu precisaria até acabar com essas
sessões. Não me importava mais ter que fazê-las. Eu cheguei
ao ponto de gostar de conversar com ela, mas assim que Tria
retornasse à universidade, alguém mais teria que cuidar da
pequena Katie. Mamãe e Chelsea se ofereceram, é claro, mas
elas tinham seus próprios afazeres, vidas e problemas. Nem
sempre conseguiriam deixar tudo de lado.

Pensei mais e mais sobre o que precisava fazer com


minha mulher... minha carreira. Continuaria apenas fazendo
anéis? Continuaria em uma mísera loja com um tipo de louco
no fundo ou queria ser mais do que isso?

Eu não tinha certeza.

Não havia dúvida que pensei muito no que a pequena


Katie precisava e o que poderia desejar no futuro. Eu sabia
que não queria que ela tivesse que lutar para ir à
universidade, como Tria precisou. Eu não queria que morasse
em um apartamento ruim com um proprietário fodido e
ouvindo disparos à noite. Lembrei-me o quanto Tria ficou
assustada apenas morando naquele apartamento e o
pensamento me deixou com raiva.
Não havia, de jeito nenhum eu permitiria que minha
filha estivesse nessa posição.

Apertei meu abraço na pequena Katie quando pensei


nisso e voltei a cheirar sua cabecinha. Tentei não pensar em
como o pai de Tria morreu muito antes que sua filha sequer
pensasse na universidade e me perguntei o que ele faria de
diferente se estivesse vivo.

— De repente, tudo o que eu pensava que era


importante ficou em segundo plano, hein? — Meu pai entrou
no quarto e inclinou a cabeça para olhar melhor a pequena
Katie. — Ela se parece com você. — Mencionou.

— Ela se parece com a mãe. — corrigi, então me senti


um completo idiota por ser tão grosso. — Pelo menos, eu
acho que sim.

— Posso ver os dois nela.

Encolhi os ombros, mas a observei minuciosamente,


tentando ver como suas maçãs do rosto se pareciam com as
minhas. Seu queixo era definitivamente de Tria, como era seu
nariz. Levantei-a um pouco mais e me inclinei para dar um
beijo no topo da sua cabeça.

Foi quase reflexivo.

— Conforme ela for crescendo, ela mudará tudo. — disse


meu pai. Ele se sentou na cadeira em minha frente, se
inclinou e apoiou os cotovelos nos joelhos. — Quero dizer,
você sabe que mudará a sua vida, mas na verdade é muito
mais do que isso. Também mudará a perspectiva das coisas.
— Ela é tudo para mim. — comentei simplesmente. — E
Tria, também. Não consigo explicar.

— Não precisa explicar. — murmurou meu pai. — Sei


exatamente o que quer dizer. — Um pequeno sorriso cruzou
seu rosto. — Você costumava dormir assim sobre mim
também, sabia?

— Eu dormia?

— Todo o tempo. Era a única forma que você dormia a


menos que sua mãe cantasse.

Nunca pensei em mim como um grande cantor, mas me


perguntei se a pequena Katie gostaria que eu cantasse para
ela algumas canções de ninar. Então pensei que minha voz
poderia ser tão ruim que, no final, ela acabaria precisando
fazer terapia por causa disso e comecei a perguntar de que
outras maneiras eu poderia acabar fodendo a vida dela.

Engoli o nó em minha garganta e franzi o cenho


enquanto a olhava.

— É um risco. — Resmungou meu pai. — Faça o que


você acredita que seja o melhor para ela, mas não tem como
prever o que acontecerá no futuro. Sempre tentará fazer o
certo, mas você é humano... então já sabe...

Eu olhei para ele e ele olhou para o chão.

— Às vezes, você quer desesperadamente fazer o que


pensa que é melhor para eles, mas você não percebe que não
é. — continuou. — Você quer fazer o certo, mas por qualquer
motivo, não faz. Não porque não quer, mas porque você se
esforça tanto, que não percebe que está errando.

A pequena Katie começou a mexer o lábio superior como


se mamasse no sonho. Perguntei-me se haveria alguma coisa
que eu não faria por ela e decidi que não.

— Eu não confiei em você. — lamentou-se. — Não


confiei que soubesse o que fazia ou dizia. Apenas pensei no
quanto seria difícil para você se fosse pai quando nem ao
menos havia acabado o ensino médio ainda. Eu faria ou diria
qualquer coisa com o objetivo de protegê-lo dessa situação,
mas ao invés disso... ao invés disso, apenas fodi tudo.

— Não fale palavrões na frente da neném. — Eu disse


em voz baixa. Douglas sorriu.

— Sinto muito. — Desculpou-se. — Eu tinha uma boca


muito suja antes que você nascesse. Sua mãe franzia o cenho
constantemente quando você era bebê. Eu insistia que você
não conseguia compreender o que eu falava, mas ela tinha
razão, demorei muito tempo para perder o hábito de
amaldiçoar e quando consegui você já quase falava. Imagino
que preciso reaprender essa lição.

— Você e eu, nós dois. — murmurei.

— Talvez... — Hesitou e então respirou profundamente


antes de voltar a falar novamente — Quem sabe nós podemos
praticar juntos?

Esticando-me um pouco, consegui manter a pequena


Katie um pouco mais apertada contra meu peito ao mesmo
tempo. Definitivamente havia uma parte de mim, uma
pequena e ainda irritada parte adolescente de mim, que
queria mandá-lo a puta que pariu. Queria dizer que de jeito
nenhum eu conseguiria compartilhar esta nova vida com ele,
não depois do que fez.

Mas, e se eu também cometesse algum erro com ela?

E se tentando fazer o melhor para a pequena Katie eu


também a fodesse? E se eu dissesse alguma coisa que a
magoasse e ela não quisesse mais falar comigo ou se corresse
para seu quarto e trancasse a porta? E se ela se recusasse a
conviver comigo novamente?

Novamente eu a apertei em meu colo.

— Você acha que nós podemos Liam? — Meu pai


perguntou novamente. — Acredita que conseguiremos ser um
pai e um avô para a pequena Katie, você acha que poderemos
fazer isso junto?

Voltei a olhar para o meu pai. Ao invés de ver o


executivo bem-sucedido, tentei ver o homem que sempre se
assegurou que jantássemos juntos como uma família. Tentei
ver o homem que me ajudava com meus exercícios de
matemática, fazer voar minhas pipas e me ensinou a andar
de caiaque.

Procurei pelo homem que fora meu pai... E ele estava lá.

— Sim. — respondi rapidamente. — Talvez possamos


fazer isso.
— Waaaaah!

— Ugh. — Gemeu Tria enquanto colocava a cabeça


embaixo do travesseiro.

— Eu cuido dela. — sussurrei. Saí da cama, peguei a


minha filha exigente e a coloquei sobre o ombro. — Volte a
dormir.

Com a pequena Katie em meus braços, saí


silenciosamente do quarto e fechei a porta atrás de mim. Na
verdade, não era a minha vez, eu precisaria me levantar e ir
para o trabalho em poucas horas, mas Tria estava tão
cansada ontem à noite que pensei que poderia pegar um
turno extra.

Além disso, realmente não me importava. Talvez


ganhasse alguns méritos com a minha esposa. Méritos para a
sexta-feira à noite, quando a pequena Katie dormisse. Papai
poderia colocar os tornozelos da mamãe sobre os ombros e
fodê-la até que gritasse.

Está bem, isso foi bastante vulgar, mas ao menos eu


não o disse em voz alta.

Eu sabia que estava longe de ser perfeito. Também sabia


que, em longo prazo, não importava. Tria não procurava a
perfeição em mim. Ela queria apenas que eu fosse o melhor
marido e pai que eu poderia ser e isso era exatamente o que
tentava fazer. Estaria lá para elas sem importar o que
acontecesse. Eu as apoiaria, física, mental, financeira e
emocionalmente. Faria tudo o que estivesse ao meu alcance
para dar a elas a melhor vida que eu pudesse oferecer.

Não precisava lutar.

Não precisava ser rico e não tinha que ser pobre.

Apenas teria que ser eu mesmo sem os grilhões e as


barras que criei para mim mesmo com as lembranças do
passado. Não tinha que me esconder atrás das grades de uma
gaiola nunca mais.

Acariciei a lateral do rosto da minha filha.

— Eu te amo. — Sussurrei-lhe. — Você e sua mamãe.

A Pequena Katie abriu os olhos e depois a boca. Estava


mexendo seus pequenos lábios por reflexo. Antes que eu
percebesse, ela fechou a boca ao redor da ponta do meu dedo
e chupava com rapidez. Depois de alguns segundos, ela
percebeu que não conseguiria o que queria.

Por um breve instante, enrugou o rosto e parecia


preparada para começar a gritar, mas então normalizou o
gesto. Suspirou, chupou duas vezes mais a ponta de meu
dedo e fechou os olhos.

Nunca fui dos que se abrandam, mas, sem dúvida, essa


menininha podia derreter qualquer gaiola que havia ao meu
redor.
Abraçar o destino.
Concentrei-me.

O metal frio em minhas mãos fez com que meus dedos


formigassem. Minha outra mão apertou o parafuso e depois o
soltou novamente, com medo de ter colocado muita pressão.
Inclinei minha cabeça para o teto com meus olhos fechados e
soltei uma longa e lenta respiração.

Talvez apenas precisasse passar mais tempo com a


minha família.

Entre fazer anéis em uma das mais prestigiadas


joalherias do norte da cidade com pedras preciosas que se
aproximavam do custo de três meses da minha hipoteca,
fazendo a faculdade de Administração de Empresas e
tentando descobrir o que eu deveria fazer antes de
oficialmente tomar controle de uma parte da Teague Silver,
estava exausto. Ao mesmo tempo, Tria passou nos exames de
economia da Universidade Hoffman.

Eu apenas queria passar mais tempo com minha


pequena de quatro anos.

Há alguns meses, ela estava comigo quando tive uma


sessão no ginásio com um dos meninos de Graham. Apesar
de ter recusado repetidamente suas ofertas, ele agora me
pagava para lutar com seus recrutas mais promissores.
Essas lutas me davam muito mais do que um desafio no
ringue e meu treinador conseguia ficar com os lábios menos
machucados. Quando Katie me viu lutar pela primeira vez,
ficou imediatamente intrigada e ―luta‖ comigo desde então.

Olhei para o relógio na parede, o qual me dizia que eu


precisaria sair nos próximos dez minutos para estar em casa
as seis para jantar.

Tradição.

Ao fundo, a trilha sonora: O violinista no telhado.

Havia muitas coisas que eu queria gravar na vida da


minha filha e o jantar em família foi uma delas.

Com o kit de pedras preciosas, coloquei o anel de lado,


limpei minha área de trabalho e fui para casa para ficar com
minhas meninas. Tive que sorrir um pouco quando abri a
porta de meu carro, o primeiro que já comprei para mim. Não
era extravagante, apenas um sedan de tamanho médio com
um assento de segurança preso na metade do banco de trás,
mas era meu. Minha viagem foi curta e assim que passei pela
porta, elas estavam lá.

— Papai!

Como sempre acontecia, meu pulso acelerou quando


escutei minha filha chamar por mim. Um momento depois,
ela se jogava em meus braços. Atrás dela estava sua mãe,
bonita e coberta de farinha e massa para bolachas. A
sobremesa chegava antes do jantar, como todas as sextas-
feiras a noite.
Tradição.

Embora eu ainda seguisse muitas das tradições


iniciadas pelo meu pai, favoreci aquelas que fizemos nós
mesmos. Katie parecia pensar que todas elas deveriam
envolver algum tipo de doce, mas tentamos ter mais algumas
práticas.

Bom, Tria tentou. Eu gostava de doces.

Katie correu para o seu quarto assim que o jantar


terminou e voltou três minutos depois, vestida com seu
pequeno ―dobok‖ (Uniforme de arte marcial coreano), com o
cinturão verde envolto ao redor de sua cintura. Juro que ela
decidiu começar com o Taekwondo, porque amava me chutar
e já estava em seu DNA.

Tria não gostou muito quando eu a levei pela primeira


vez, ela não queria que Katie aprendesse a lutar. Uma vez que
passei todas as instruções para que ela fosse capaz de se
defender e Katie fez muitas caretas para ela, Tria cedeu e
permitiu. Assim que comecei a treinar com a minha menina,
os benefícios reais ficaram claros para minha esposa.

Quando terminamos de treinar, Katie estava exausta, na


cama e apagada às oito da noite. Beijei sua testa, certifiquei-
me que seu iPod tocava Chopin e fechei tranquilamente a
porta. Então, nas pontas dos pés, cruzei o corredor até onde
minha esposa estava deitada em nossa cama, preparada para
começar a trabalhar no irmão ou irmã de Katie.

Como a maioria das noites quando Katie caía cedo no


sono, Tria estava pronta para mim, sem nenhuma dúvida.
Ela estava espalhada no centro da cama king size, sem usar
absolutamente nada. Deitada de costas, as pernas abertas e
os dedos pequenos brincando com sua deliciosa boceta.

— Porra. — grunhi. Tirei a camisa por cima da minha


cabeça enquanto me aproximava dela. — Mal posso esperar
para estar dentro de você. Já está tão molhada...

— Apenas para o seu pau. — respondeu em voz baixa.

— Oh, você sabe o que falar sujo faz comigo.

Tria riu e rapidamente tirei as calças e as deixei cair em


torno dos meus tornozelos. Enquanto engatinhava por cima
dela, chutei as botas, calças e cueca e os olhei cair no chão
ao lado da cama.

Ainda era um pouco preguiçoso quando se tratava de


roupa suja.

Movi as mãos sobre as coxas da minha mulher,


passando pelos seus quadris e todo o caminho até seu corpo.
Ela agarrou meu rosto enquanto eu a beijava gentilmente nos
lábios algumas vezes. Quando me largou, eu a olhei durante
um momento, sorrindo, mas sem mencionar que havia um
pouco de massa de bolachas em seu cabelo.

Tria passou os dedos pelo meu peito, traçando as


palavras que estavam escritas ali.

A razão de o meu coração bater.

Tria, Katie

— É o momento para trabalhar nesse terceiro nome. —


Disse.
— Humm... — Beijei seu dedo enquanto ela se esticava e
passava os dedos pela lateral do meu rosto, parando em
meus lábios. Pude prová-la em seus próprios dedos, o que fez
meu pau palpitar.

— Você é tão sexy, que me deixa louco. — falei.

Ela envolveu suas pernas ao redor da minha cintura e


me levou direto ao seu quente centro. Lábios e línguas
redescobrindo um ao outro ao mesmo tempo em que nossos
corpos se tornaram um. Ela era tão quente e molhada em seu
interior como aparentava e, eu entrei em sua boceta sem
esforço.

— Sim, amor... isso... você é tão gostosa!

Tria gemeu e mordeu meu pescoço enquanto seus


quadris se moldavam ao meu ritmo. Beijei sua garganta e
entre seus seios. Joguei a cabeça para um lado, capturei um
mamilo na boca e depois o outro. Uma vez que tiveram sua
atenção, voltei a pegar sua boca com a minha.

— Você adora isso, não é verdade? — Murmurei contra


seus lábios. — Você adora meu pau em você.

Mais gemidos.

Eu sabia que tinha razão.

Tudo sobre estar dentro dela me fez sentir como se


estivesse onde deveria estar, onde eu precisava estar. Era
alguma coisa distante, muito além de satisfeito. Se houvesse
perfeição no mundo, estar dentro de Tria era isso. Valeram
todos os esforços e sacrifícios do passado.
Se isso não nos trouxesse outro filho, não sabia que o
faria.

Arrastei meus dedos por cima de seus seios e ao longo


de seu estômago. Encontrei o ponto logo em cima de nossa
união e dei alguma atenção com meu polegar. As mãos de
Tria foram dos meus ombros para minhas costas, suas unhas
fazendo pequenos arranhões em minha pele, que eu adorava.

Fui contra ela, empurrando forte e profundamente.

Tria gemeu e grunhiu embaixo do meu corpo enquanto


seus quadris se inclinavam para receber cada investida.
Mantive meu polegar em cima de seus clitóris, movendo em
círculos, acrescentando um pouco de pressão, depois em
círculos outra vez até que ela estava se retorcendo e mexendo
a cabeça para frente e para trás.

— Oh, Meu Deus! — Gritou enquanto suas costas se


arqueavam e suas pernas se apertavam ao meu redor. Ela
apertou minha bunda. — Eu te amo!

— Eu... Te... Amo... Com... Loucura... Baby... —


Minhas palavras combinavam com as minhas investidas
enquanto as suas molhadas e quentes paredes apertavam
meu pau.

Não consegui aguentar mais.

— Oh, foda... — gemi enquanto me mantinha


profundamente dentro dela. Os dedos de Tria se entrelaçaram
em minhas costas, nos ancorando juntos durante alguns
minutos antes que eu finalmente nos separasse.
Desabei de costas na cama, olhando o teto tentando
conseguir normalizar minha respiração. Tria ficou deitada de
costas com as pernas para o ar, mas não dei risada do seu
jeito.

Não outra vez. Eu aprendi muito bem a lição.

— Então? — Perguntei. — Funcionou?

— Bem, acredito que precisamos esperar uma semana


ou um pouco mais para sabermos.

— Nós não! — Dei risada. — Você comentou que


conversou com Nikki hoje.

— O que fez você acreditar que conversei? — Perguntou


Tria com um sorriso bobo e reservado. Capturei seu sorriso
com meus lábios.

— Boas notícias então? — Provoquei.

— Não apenas demoraram muito tempo — disse Tria —


mas Nikki e Brandon terão gêmeos!

— Fantástico!

Eles tentaram a fertilização in vitro duas vezes antes e


ambas falharam. Pegar dinheiro com a gente foi muito difícil
para o orgulho de Brandon, o que sinceramente eu entendia.
Ele não conseguiria outro empréstimo e o pagamento inicial
era apenas para três tentativas.

— Se eles decidirem passar o próximo Natal conosco, a


casa de seus pais ficará cheia de crianças.

Como se a minha mãe fosse se importar.


— Bem, já sabemos que serão ao menos mais dois. —
falei. — Tenho que admitir, não estava esperando que Ryan e
Mandi tivessem uma família tão rápido e agora Brandon e
Nikki, também?

Meu primo e sua mulher foram ao exterior para adotar


uma criança e acabaram voltando para casa com dois irmãos
órfãos de quatro e seis anos. Amanda não podia suportar a
ideia de separá-los e Ryan aparentemente esteve de acordo.
Terminaram adotando ambos.

— Não acredito que sua mãe se queixe. — disse Tria. —


Ela fica encantada com toda essa coisa de ser avó.

— Ela ama encher Katie com toda essa porcariada de


bolachas e doces e depois mandá-la para casa. — murmurei.
Tria se apoiou em um cotovelo e me olhou.

— E você nunca fez isso, não?

— Quem, eu?

— Você a levou ao supermercado no fim de semana


passado e ela voltou coberta de chocolate.

— Era seu ―lanche especial‖. — Lembrei-a. — Ela ajudou


a encontrar todas as coisas da lista.

— O que seja! — Tria ficou de costas e revirou os olhos


ao mesmo tempo. — Demorei duas horas para conseguir
colocá-la na cama enquanto estava no ginásio no último fim
de semana.

— Bem, uma vez que esteja na universidade, não


precisará se preocupar com isso. — Eu a lembrei.
Tria suspirou e aproximou sua mão da lateral do meu
rosto.

— Tem certeza de que quer?

Encolhi os de ombros.

— Eu sempre quis ir à universidade. — Disse-lhe. —


Sempre imaginei que deveria dirigir os negócios.

— Mas você não quer. — Ela disse. Encolhi os ombros


outra vez.

— Não é que eu não queira, eu quero. Apenas não sei


nada a respeito de como levar toda a coisa. Ryan é melhor
nisso e ele gosta. Também sei que na verdade não pode
comandar tudo sozinho. Em algum momento papai e Michael
vão querer se aposentar e sem se importar com o que eu digo,
papai insiste que tudo será meu.

Tria assentiu. Foi testemunha dessas conversas muitas


vezes.

— Minha opção seria mudar de opinião e doar tudo para


Ryan quando meu pai passar para mim, mas
verdadeiramente não posso fazer isso com ele. Então, preciso
me preparar.

— Universidade de Administração. — afirmou Tria


secamente. — Poderia ter conseguido um contrato no UFC.

— Não faria isso com você. — disse em voz baixa.


Estiquei a mão e coloquei seu cabelo para trás de sua cabeça,
deixando cair uma parte da massa de bolacha em seu ombro.
— Nem a você, nem a Katie. Além disso, estou me
aproximando dos trinta e cinco. De jeito nenhum conseguiria
continuar lutando aos quarenta.

— Você gosta do quadrilátero.

— Sim. — Disse com uma inclinação de cabeça. — Ryan


e eu conversamos um pouco sobre talvez mantê-lo na parte
financeira e eu na área de operações. Poderia ficar mais
envolvido nas coisas do dia a dia, então me concentraria na
fabricação de joias.

Foi a vez de Tria suspirar, passei um braço ao redor de


seus ombros. Com seu nariz contra meu peito, beijei a parte
superior de sua cabeça.

— Apenas desejo que seja feliz. — disse em voz baixa.

— Eu tenho você, não?

Concordou.

— E Katie?

Outro assentimento.

— Trabalhamos em outro o mais frequente possível? —


Ela deu um risinho e um movimento de cabeça.

— Então estou feliz.

— Papai?

Rapidamente peguei a manta para ter certeza de que


estava estrategicamente colocada ao nosso redor.

— O que você precisa? — Perguntei, enquanto olhava


para a porta aberta do quarto.
— Tive um pesadelo assustador e acordei. — Disse Katie
enquanto caminhava até a beira da cama.

Era mentira porque se ela tivesse um pesadelo, estaria


chorando.

— Quer dizer, você simplesmente não quer dormir


sozinha? — Perguntei enquanto estendia a mão e acariciava
seu cabelo.

— Sim. — respondeu ela.

— Diga o que você realmente quer dizer. — disse Tria. —


Não diga nada que não seja verdade apenas porque pensa
que conseguirá o que deseja. Pergunte o que quiser e o
verdadeiro motivo, sabe que o papai se deitará com você.

— Eu acordei e não consegui voltar a dormir. — disse


Katie. Seu lábio inferior se sobressaía enquanto esfregava os
olhos. — Quero sentar na nossa poltrona.

— Vá procurar a sua manta, Alcachofra. — disse-lhe. —


Estarei lá em um minuto. — Ela assentiu e caminhou para
fora do quarto, dando-me tempo para conseguir colocar
alguma roupa.

— Por que a chama assim?

— Como?

— Alcachofra.

— Não tenho ideia. — Falei enquanto saía dos lençóis e


pegava a calça do chão. — Simplesmente combina com ela.

— Você já deu uma a ela?


— Uma o quê?

— Uma alcachofra!

— Não acho que ela vá gostar. — Sorri para minha linda


mulher e ela gemeu e revirou os olhos. Eu evitei que ela me
acertasse com o travesseiro e fui até ao quarto de Katie do
outro lado do corredor.

Há alguns meses, argumentei e lutei com minha filha


sobre ficar em sua própria cama e dormir sozinha, mas
finalmente desisti. Não valia a pena. Simplesmente não acho
que haja qualquer possibilidade que ela ainda queira dormir
comigo quando tiver doze ou vinte anos, ela cresceria ao
longo do tempo.

Enquanto isso, eu aproveitava tanto quanto ela. Por que


brigar?

O fato era que tudo o que eu fiz foi uma luta. Não queria
dizer isso de uma forma ruim, era simplesmente a vida. Ainda
lutava às vezes, mas aprendi a lidar com as porcarias
atiradas em mim sem fugir dela. Essa era a parte importante.

Erin me perguntou se eu ainda ansiava pela heroína às


vezes e tive que admitir que sim. A coisa era que apesar de
ter essa coceira atrás da minha cabeça pela vontade, de
forma nenhuma eu voltaria a me drogar. Não conseguia nem
imaginar o que isso poderia causar nas vidas de Tria e Katie.
Eu nunca arriscaria.

Levei a minha filha até a sala e nos sentamos na


poltrona de ―uma pessoa e meia‖ que mamãe insistiu em
comprar no meu último aniversário. Katie e eu passamos
muito tempo sentados em minha velha poltrona reclinável,
assistindo televisão e outras coisas e minha mãe decidiu que
não era suficientemente grande para os dois quando Katie
ficou um pouco maior.

Passando os canais pelo controle remoto não encontrei


nada interessante para assistir e Katie finalmente se decidiu
por algum programa sobre cães do Animal Planet.
Certamente estava cansada e o programa não parecia tão
interessante.

Em pouco tempo, colocou sua bochecha em meu peito e


fechou os olhos. Ela colocou seus braços ao meu redor e eu a
segurei em um abraço quente e seguro.

Eu me lembrei de sua mãe e das noites quentes quando


fomos morar juntos pela primeira vez. Lembrei-me dos
disparos e dos alarmes do lado de fora e do jeito que mantive
Tria por perto para fazê-la sentir-se segura. Katie jamais
chegaria a conhecer esse tipo de situações se eu pudesse
fazer algo a esse respeito, mesmo assim eu gostava que ela
dormisse segura e cômoda comigo vigiando-a.

Nada mais importava para mim.

Talvez houvesse um tempo, um tempo que parecia tão


longínquo, quando meus primeiros pensamentos eram sobre
mim mesmo, minha situação e minha dor, mas eles
desapareceram. Em algum momento eu posso ter ficado
ressentido por não ter um contrato com o UFC ou talvez
ficado aborrecido com a ideia de voltar para a universidade
para aprender a dirigir os negócios da família. Esses dias se
foram, também.

Eu tinha Tria.

Eu tinha Katie.

O resto simplesmente não aparecia na escala de


comparação. Estava longe, longe de ser perfeito. Fiz algumas
coisas na minha época também, mas no final de tudo, eu
aprendi. Aprendi a perdoar os meus pais e a me perdoar.
Aprendi a viver o momento em que cheguei em casa e
encontrei as minhas meninas cobertas de massa para
biscoitos e olhei para o futuro que me esperava.

Outra vida para amar.

Minha boca se transformou em um leve sorriso e beijei a


parte superior da cabeça de Katie enquanto a sustentava
contra mim. Fechei os olhos enquanto imaginava a barriga de
Tria toda redonda novamente. Lembrei-me de como me sentia
ao colocar minha mão em cima do ponto exato quando o bebê
se mexia.

Estava esperançoso, fechei os olhos e até rezei para que


esta noite fizéssemos outra criança, outra com os olhos de
Tria, talvez com sua cor de cabelo também desta vez. Tria fez
com que tudo em minha vida valesse a pena e não eu não
conseguia esperar para ser capaz de olhar o rostinho de outra
pessoinha e ver os olhos de minha mulher me olhando de
volta.

Não conseguia imaginar nada melhor.


Nunca fui um cara que acreditava no destino, mas com
Tria e Katie ao meu lado, abracei meu destino.

Fim

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