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Evelyn achava que estava pronta para qualquer coisa.

Depois de um período no exército, ela finalmente estava


prestes a terminar a faculdade quando o Diabo apareceu.
Sim, aquele diabo. Lúcifer. O Rei do Inferno.

Então, é claro, ela fez o que qualquer outra pessoa faria


se Lúcifer aparecesse. Atirou nele.

E então ele quase morreu. Quase.

Lúcifer tinha tudo, uma coleção de bebidas super


sofisticada, conexões poderosas e mais poder do que a Hoste
Celestial, mas a única coisa que ele não tinha era amor.

E ele achava que não precisava disso até que Evelyn


atirou no seu estômago e quase o matou.

Agora, para descobrir como ela fez isso, ele terá que
quebrar sua regra número um. Nunca se envolva
emocionalmente com humanos.
EVELYN
“Este tem que ser o trabalho mais ridículo que eu já
peguei.” Murmurei enquanto estava do lado de fora da
enorme casa. Olhei por cima do ombro e observei a pintura
marrom descascada, as janelas fechadas com tábuas e os
degraus da frente deteriorados. O alto portão de metal preto
que cercava a grande propriedade estava enferrujado e
descascando, e o trinco havia se desfeito anos atrás.

O prédio era uma lenda nesta cidade e pertencia aos


bisavós de algum universitário que herdaria muito dinheiro
quando assumisse os negócios da família. Essas lendas
diziam que o prédio não era apenas assombrado, mas estava
em uma localização privilegiada para comunicação com o
outro lado. O outro lado de quê? Bem, isso dependia da
história e das crenças de quem estava contando.

Qualquer que fosse a natureza exata das histórias, isso


significava que muitas vezes havia arrombamentos noturnos
por crianças que procuravam fazer sessões espíritas e entrar
em contato com familiares falecidos ou qualquer coisa assim.
O universitário em particular que me contratou, porém,
parecia muito sério quando atendi seu telefonema. Ele estava
convencido de que não apenas as histórias eram legítimas,
mas havia muito mais do que isso. Ele me disse que ia
convocar um demônio do Inferno para fazer sua vontade.
Tentei muito não rir.

Quase consegui.
Lembro claramente do que ele disse. “Ouça, Evelyn, as
coisas vão ficar loucas. Preciso que se certifique de que não
sejamos interrompidos. Não importa o que. Se o acontecer,
isso quebrará nossa concentração, e quem sabe o que mais
pode vir à tona.”

Ok, cara. O que quer que seja. Então, lá estava eu,


montando guarda do lado de fora desta casa assustadora em
uma noite fria de Outono. Poderia ser pior. Fui incrivelmente
bem paga para o que estava destinado a ser o show mais
fácil que já trabalhei. Depois de anos no exército, fiquei grata
por estar trabalhando em segurança privada nos Estados
Unidos. Estava usando meu GI Bill1 para obter meu diploma,
mas não tinha certeza do que estava procurando. Estava em
um ponto da minha vida em que precisava me guiar em uma
nova direção, mas não conseguia descobrir em qual queria ir.

Então, por hora, era o trabalho de segurança enquanto


ia para a escola e esperava a inspiração bater. Comecei a
sonhar com as possibilidades. Talvez pudesse abrir uma loja
de armeiros, com um campo de tiro interno também. Eu
cresci em torno de armas de fogo e me tornei muito
proficiente com elas durante meus anos militares. Agora,
nunca saía de casa sem uma arma de confiança no meu
quadril e adorava treinar outras pessoas sobre manuseio
adequado e técnicas de tiro. Poderia fazer uma loja de fios
também. O crochê sempre foi um apaziguador do estresse.

1 O GI Bill, também conhecido como Serviceman’s


Readjustment Act de 1944, se refere a qualquer benefício
educacional do Departamento de Assuntos de Veteranos dos
EUA, como bolsas e estipêndios de educação, ganhos por
membros do serviço ativo, veteranos e suas famílias.
Imagine fazer isso para viver? Crochê e armas? Pode ser
uma coisa.

Ainda assim, mesmo que a ideia não fosse ridícula, abrir


meu próprio negócio parecia assustador. Eu estava
mentalmente passando pela logística de tudo quando o chão
tremeu sob mim.

“Que diabos?!” Gritei enquanto olhava para a casa. As


janelas do andar de cima estavam brilhando demais e
enquanto olhava para elas, tentando discernir a causa,
escureceram. Pisquei algumas vezes para reajustar meus
olhos. Isso acabou de acontecer?

Parte de mim queria ir lá e perguntar ao meu cliente


sobre isso, mas a última coisa que queria fazer era gritar
com ele por quebrar sua preciosa concentração. Depois de
esperar mais alguns momentos para ter certeza de que não
ouviria nenhum grito, presumi que era minha imaginação e
retomei meu posto.

Foi então que notei um homem andando pela rua. Não


pensei em nada até que ele se virou e entrou pelo portão da
frente da propriedade.

Aproveitei o tempo para absorver sua aparência


completamente. Seus olhos eram tão escuros, que poderia
jurar que eram negros. Mas era mais do que os olhos. Toda a
sua feição era escura, e seu cabelo era incrivelmente cheio.
Ele era alto, provavelmente um pouco mais de um metro e
oitenta de altura, e usava jeans de lavagem escura e uma
camiseta preta justa. Era incrivelmente atraente, mas havia
algo nele que gritava problemas.

Ele não aparentava ter me notado enquanto subia as


escadas, mas quando chegou ao pé delas, pareceu me ver
pela primeira vez. Parou ali e olhou para mim, me
encarando. Era estranho, como olhar para o poço escuro de
sua alma.

“Saia da frente.” Ele declarou simplesmente.

“Senhor, você não pode entrar nesta propriedade.” Dei


um passo para o lado e ajustei minha postura para ser mais
autoritária. Apesar de me sentir atraída por ele, tinha um
trabalho a fazer.

“Posso fazer o que bem entender.” Seus olhos me


perfuraram, e um calafrio familiar percorreu minha espinha.
Isso acontecia toda vez que encontrava alguém com
intenções obscuras, e todos os meus instintos me diziam que
esse cara era uma má notícia.

“Não no meu turno.” Coloquei a mão incisivamente


sobre meu coldre e dei um passo à frente. “Qual é o seu
negócio aqui?”

Ele soltou uma risada sinistra. “Fui convocado.”


Começou a avançar os degraus, diretamente para mim.
Poderia dizer que sua intenção era me intimidar. Não estava
prestes a cair nessa.

“Senhor, não fui informada de nenhum visitante. Não


posso te deixar entrar.” Me mantive firme, mesmo quando ele
se aproximou desconfortavelmente. Mentalmente fiz
anotações sobre como me distanciar se a merda se tornasse
séria de repente.

“Você não precisa me deixar fazer nada.” Ele soltou uma


risada sombria. “Vou fazer isso, de qualquer maneira.”

Com isso, ele rapidamente se moveu para frente, e antes


que tivesse a chance de reagir, me agarrou pela garganta e
me prendeu contra a parede. Entrei em pânico por um
segundo. Isso era algo para o qual eu tinha treinado, é claro,
mas na hora, nenhuma quantidade de treinamento pode te
preparar para a adrenalina que surge imediatamente. Senti
isso correr pelas minhas veias enquanto rapidamente
assimilava a situação. Tudo aconteceu quase
inacreditavelmente rápido, e juro que vi seus olhos brilharem
em laranja por um segundo.

Não esperava que a noite fosse nessa direção, mas, como


sempre, estava pronta. Imediatamente entrei em ação,
enquanto balançava meu braço para cima, ao redor e para
baixo para quebrar seu aperto no meu pescoço. Apesar de
toda a minha força, descobri que não conseguia me libertar.
Esse cara era forte. Extraordinariamente forte. Mais forte do
que deveria ser humanamente possível. Que diabos?

Ele riu e olhou através de mim. Calafrios novamente.


“Tente de novo.” Ele desafiou. Sua mão envolveu meu
pescoço com mais força, lentamente me sufocando. O medo
rapidamente se infiltrou e comecei a entrar em pânico
novamente quando senti minha garganta fechar.

Fora de quaisquer outras opções, procurei meu último


recurso. Rapidamente tirei minha arma do coldre e apontei
direto para seu estômago. Puxei o gatilho e ouvi a bala
atingir o alvo. Era um barulho doentio. Sabia que era a
decisão certa, mas gostaria de não ter que tomá-la. O homem
imediatamente soltou meu pescoço e cambaleou para trás,
as mãos segurando seu estômago e olhando para baixo com
surpresa. Então, olhou para mim incrédulo.

“Eu estou sangrando!” Exclamou incrédulo.

“Não se mova.” Ordenei enquanto pegava meu telefone


para discar 911.
O homem riu lentamente antes de explodir em uma
risada completa. E havia diversão genuína em seus olhos.

De todas as reações que esperava, o riso não era uma


delas.

“Você realmente atirou em mim.” Disse ele com espanto,


quase em diversão, enquanto tocava o sangue escorrendo
através de sua camisa. “Eu não posso acreditar.”

Ele se endireitou, olhando para mim com fascínio. Seus


olhos escuros mais uma vez pareceram penetrar através de
mim, então brilharam como se estivessem pegando fogo.

“Bem, você é interessante, não é?” Ele disse, enquanto


levantava a mão direita e estalava os dedos.

Então, antes que eu pudesse dizer uma palavra, as luzes


diminuíram ao meu redor, o telefone escorregou da minha
mão, e senti que começava a cair enquanto tudo escurecia.
EVELYN
Um grito alto, doloroso e agudo me acordou. Algo afiado
e frio cavou em meus pulsos quando despertei. Pisquei várias
vezes enquanto recuperava a consciência e me ajustava à luz
fraca. Estava sentada em um piso frio e escuro de concreto.
Olhando ao redor da pequena sala, notei que as paredes
também eram escuras, e estavam revestidas de uma
substância vermelha brilhante que parecia estar escorrendo
do andar de cima. Estava com medo de descobrir que tipo de
substância era aquela. O quarto cheirava a metal e suor.
Senti as mãos começarem a tremer enquanto observava o
ambiente.

Estive em alguns cenários bem assustadores, mas


nunca nada assim. Fiquei enjoada e senti o pânico
começando a se instalar. Minha respiração acelerou, e meu
coração estava batendo forte dentro do peito. Comecei a
suar.

Levantei e, olhando em volta, descobri que estava


algemada à parede por um par de correntes longas e
pesadas. Pareciam ter sido usadas antes. Era capaz de me
mover, mas só conseguia alcançar o centro da sala. Virei,
agarrei as correntes com as duas mãos e puxei, mas o
gancho estava muito bem preso à parede ao nível dos olhos.
Onde diabos eu estava, e quem era esse cara? Fiquei
petrificada de medo e tensa de ansiedade, mas
principalmente? Estava com raiva. Eu me permiti estar nesta
posição.
Pensei naqueles momentos na frente daquela casa e
tentei descobrir o que poderia ter feito de diferente. Lembrei
de como ele era rápido. E forte. Incrivelmente forte. Foi muito
estranho. Quanto mais pensava nisso, não via como aquele
encontro poderia ter funcionado a meu favor. Talvez devesse
apenas ter matado o cara, mas não estava mais no exército
e não gostava da ideia de matar um homem desarmado.
Como desmaiei, afinal? Era quase como se ele tivesse feito
isso...

“Não seja ridícula.” Murmurei enquanto me levantava e


avaliava o melhor que podia enquanto estava algemada.

A boa notícia era que achava que não estava ferida.


Mesmo onde meu agressor me sufocou me senti
completamente bem. Além disso, fiquei aliviada ao descobrir
que ainda estava vestida com minhas roupas de trabalho,
calças táticas de lona preta enfiadas em minhas botas pretas
de bico de aço. Camiseta preta de algodão por baixo da
minha blusa preta de lona com muitos bolsos e velcro. Meu
cabelo escuro e encaracolado ainda estava penteado para
trás em um coque sem sentido. Podia sentir alguns fios
soltos fazendo cócegas no meu rosto, mas, na maior parte,
meu gel de cabelo intenso estava fazendo o trabalho que
precisava fazer. Desabotoei minha blusa e a tirei. Estava
muito quente aqui embaixo.

O rangido da porta se abrindo me tirou de meus


pensamentos, e olhei para cima para ver uma figura parada
no portal aberto. Era o homem de fora da casa, o cara que
me atacou. Ele apenas ficou lá, olhando para mim por um
momento.

Desta vez, levei meu tempo avaliando-o ainda mais. Eu


não conseguia tirar meus olhos dele. Ele era hipnotizante.
Suas feições intensamente escuras contrastavam bem com
sua pele pálida. Seu cabelo tinha um brilho esplêndido que
me deixou com ciúmes. Quanto mais olhava, mais tinha
vontade de passar os dedos pelos fios. Ele ainda estava
vestindo o jeans escuro e camiseta preta justa do nosso
primeiro encontro. A roupa inteira parecia ter sido feita sob
medida, realçando seu tônus muscular perfeitamente.
Estaria em cima dele, se não tivesse me sequestrado.

Tudo o que sabia era que o que quer que ele quisesse,
com certeza não estava conseguindo de mim. Minha mão foi
para o meu quadril e descobri que meu coldre estava vazio.
Merda.

“Por que estou acorrentada? Onde estou? Quem diabos é


você, e o que quer?” Cuspi perguntas para ele o mais rápido
que pude.

“Como você conseguiu me machucar?” Ele perguntou.


Sua voz era profunda e um pouco grave.

Eu não estava esperando isso. “Você nunca viu uma


arma antes?” Zombei. “Elas fazem isso, você sabe. Machuca
as pessoas quando são apontadas corretamente e o gatilho é
puxado.”

Ele não pareceu apreciar minha resposta. “Sim. Isso


geralmente não funciona comigo, então quem é você?”

Isso geralmente não funciona com ele? Era uma


brincadeira, certo? Em que planeta ele vive?

“Bem, estou feliz que você seja especial.” Disse em


descrença, “Mas, desconheço alguém que seja tão especial
que possa evitar ser baleado tão de perto. Não sei o que te
dizer.”
“Você não sabe quem eu sou, não é?” Ele tinha um
sorriso incrivelmente irritante no rosto agora.

“Além de um babaca gigante? Não, eu não sei.” Respondi


friamente.

Ele riu, e soou quase ameaçador. “Me siga.” Ele ordenou


enquanto virava as costas para mim e começava a se afastar.
Levantando o braço direito, estalou os dedos novamente, e
minhas algemas caíram. Fiquei ao mesmo tempo irritada por
receber uma ordem e surpresa com o que ele acabara de
fazer. Olhei para meus pulsos livres e os esfreguei
calmamente. Como ele tinha feito isso? Mais uma vez, me
perguntei quem era esse homem, e no que eu tinha me
metido.

O segui hesitantemente, tentando o meu melhor para


engolir o medo. De que adiantaria ficar para trás, afinal?

Saímos para um corredor comprido e mal iluminado.


Parecia muito com algo saído de um filme de terror. Piso de
concreto escuro, azulejos pretos rachados na parede, luzes
fluorescentes piscando ao longo do teto. O teto não era um
teto, no entanto. Parecia mais o interior de uma caverna. Não
conseguia descobrir como eles de alguma forma eram
capazes de conectar eletricidade através das paredes da
caverna. Também me perguntei como algumas das
rachaduras maiores nas paredes aconteceram. Quase
parecia como se algo grande e pesado tivesse sido jogado
contra elas. Olhando para o chão, vi pequenos cacos de telha
quebrada, junto com poeira, sujeira e vidro quebrado. O
principal pensamento que atravessou minhas emoções
dispersas foi que esse cara realmente precisava de um
designer de interiores. Talvez ele estivesse indo para a vibe
de ‘fazer todo mundo se cagar de medo.’ Se sim, então
acertou.
Ele caminhou propositalmente pelo corredor e virou uma
esquina, comigo vários passos atrás dele. Velhas portas de
madeira alinhadas em ambos os lados do corredor,
intercaladas com pequenas arandelas de parede com luzes
vermelhas piscando, e a maioria das portas estava aberta.
Havia muito barulho ecoando para cima e para baixo no
corredor. Algumas coisas pareciam horríveis, quase
desumanas. Mas também...

Aquele era Justin Bieber?

Olhei para a porta aberta à minha esquerda. O quarto


estava escuro, semelhante ao que tinha acabado de sair,
incluindo as paredes molhadas vermelho-sangue, mas sem
as algemas. Havia um homem alto e magro, careca, de pé ao
lado de uma jovem petrificada que se encolheu na cadeira e
parecia prestes a engasgar. Ele estava encostado na pequena
mesa dobrável de metal, elevando-se sobre ela.

“Outro!” Ele gritou enquanto deslizava um sanduíche de


manteiga de amendoim na frente dela. O prato parecia ter
saído do nada, e eu podia ver a espessa camada de manteiga
de amendoim no sanduíche, mesmo dali do corredor. Havia
uma pilha enorme de pratos multicoloridos quebrados
cobertos de migalhas de pão e untados com manteiga de
amendoim no chão ao lado dela. Não havia nada para beber
em qualquer lugar da sala.

Eu mesma senti vontade de sufocar. Isso parecia


absolutamente horrível. Olhei para frente para ver meu
captor alguns passos adiante agora, caminhando com
confiança, completamente imperturbável por isso. Ele nem
sequer olhou de lado ao passar por cada porta. Notei que sua
bunda parecia incrível em seu jeans. Imediatamente me
castiguei por pensar isso em meio a um horror tão abjeto.
À direita, havia outro pequeno quarto escuro, e tudo o
que eu podia ver era uma cabeça humana viva em um campo
de erva de gato cercada por gatos selvagens. Seu rosto estava
todo arranhado. Ele estava chorando abertamente. Era uma
visão horrível, e me encolhi. Tinha tantas perguntas sobre
isso, entre elas, como uma cabeça sobrevive sem um corpo
anexado?

Estava com medo de olhar para o quarto ao lado, mas


parecia o DVM2. Por si só, isso teria sido bom, mas cheirava
fortemente a axilas e curry. Podia sentir o calor que emanava
da sala, e estava cheia de pessoas miseráveis. As filas eram
insanamente longas. Vi alguém segurando um bilhete com o
número 3.956.709.

“894!” O alto-falante tocou. Imediatamente me lembrei


da minha última visita ao DVM. Fosse qual fosse o inferno,
isso era pior. Onde eu estava?

Passamos por uma quarta porta. O show de Justin


Bieber estava tocando agora, e lá dentro, uma jovem estava
sentada sozinha, no escuro, em uma cadeira dobrável
enferrujada. Ela parecia totalmente exausta, e o sangue
estava escorrendo de suas orelhas. Diretamente na frente
dela estava um palco escuro e vazio, com música estridente
nos alto-falantes enormes. Fiquei imediatamente confusa.

Meu sombrio e misterioso captor se virou para mim com


um sorriso perturbador. “Essa música está em repetição. Ela
está aqui há dez anos. Seu identificador no Twitter era
@biebz4life. Eu disse que a faria odiá-la. Ela me desafiou.
Então aqui estamos nós.” Dando de ombros, riu

2 Departamento de Veículos Motorizados


ameaçadoramente, e continuou andando. Ele parecia ter um
senso de humor incrivelmente distorcido.

A quinta porta expôs uma linda mulher loira em um


vestido preto justo e sapatos Louboutin pretos. Ela estava de
pé no chão de terra, em frente a uma mulher pálida de
aparência horrorizada com cabelos roxos e vários piercings
amarrados firmemente a uma tábua de madeira vertical. A
placa parecia manchada de sangue como se tivesse sido
usada várias vezes antes. A mulher amarrada a ele tinha
pedaços de carne crua espalhados pelo rosto. A loira parecia
estar alimentando sua vítima com carne picada de uma mesa
adjacente. A mesa tinha carne moída o suficiente para
alimentar todo o meu pelotão. Quando a loira nos viu no
corredor, sorriu ameaçadoramente.

“Ela é vegana!” Gritou alegremente enquanto


passávamos, e começou a explodir um punhado de carne no
ar na boca da garota de alguma forma. “Também faz Crossfit!
Apenas espere e veja o que tenho reservado para ela a
seguir!”

A garota parecia derrotada, como se estivesse lutando


contra isso há muito tempo. Seus olhos estavam injetados de
sangue, e estava curvada sobre suas restrições. Ela parecia
resignada com o que estava acontecendo. Uma única lágrima
rolou por sua bochecha. Mesmo para um não vegano, toda
aquela cena era nauseante. Me perguntei quanto tempo ela
estava lá, e quanta carne já tinha sido forçada a consumir.
Senti que estava ficando verde e me forcei a manter a
compostura.

Ainda estava atordoada com o que tinha que ser algum


tipo de telecinese, que não era real, ou era carne-o-cinese?
Eu não sabia. Enquanto tentava me recuperar, a loira pegou
outro pedaço e fez de novo. Depois de um momento, meu
captor me conduziu pela porta, ainda atordoada, e
continuamos pelo corredor.

“Ok, pare!” Exigi e parei.

O homem parou de repente, estalou o dedo e todas as


portas se fecharam simultaneamente. Então se virou para
mim. Seus músculos ficaram tensos e ele apertou a
mandíbula. Seus olhos escureceram quando me encarou.
Percebi imediatamente que ele não gostava de receber ordens
de ninguém.

“Pois não?” Ele pronunciou como se não pudesse


acreditar que tinha acabado de ter falado dessa maneira.

“Onde diabos estamos e quem diabos é você?!” Gritei.


“Isso é desumano! Exijo ser libertada!”

“Sim, é desumano.” Ele falou devagar e com cuidado,


sua voz profunda intimidante mesmo neste volume baixo.
“Isso tudo é desumano, mas, ao mesmo tempo, não há
humanos aqui. Só você.”

“O quê?” Olhei para ele, de queixo caído. Ele realmente


acabou de me dizer que era a única humana aqui?
Imediatamente me perguntei o que isso significava. Quem
eram todas as pessoas que tinha acabado de ver em todos
aqueles quartos? Do que se tratava todos os maus-tratos? A
maior pergunta de todas bateu na minha mente: Onde
diabos eu estava?

Ele respirou fundo então, e as paredes se dissolveram ao


nosso redor, nos deixando em uma grande extensão negra.
Seus olhos brilharam vermelhos, quase como se estivessem
pegando fogo (eu sabia que não tinha imaginado isso antes!),
e ele ajustou sua postura, quase como se estivesse
tensionando todos os músculos. Antes que pudesse revirar
os olhos, as vi, as asas negras e brilhantes, abrindo-se
lentamente para preencher a extensão. Nunca imaginei uma
envergadura como esta existindo. Era, ao mesmo tempo,
lindo e totalmente assustador. Se esse cara não gritou más
notícias antes, ele apenas colocou isso em um outdoor. Eu
estava oficialmente fora da minha cabeça.

“Que inferno?” Murmurei com admiração e descrença.

“Sim, exatamente. Inferno.” Sua voz era um grunhido


baixo agora. Suas asas se dobraram e, com elas, as paredes
fluíram para dentro, até que estávamos de volta ao corredor.
Quase me senti como se tivesse imaginado toda aquela cena
dramática. Pisquei algumas vezes para ter certeza de que
realmente estava ali, com quatro paredes, um teto e um piso.

“Bem-vinda ao Inferno.” Declarou ele, “Onde eu sou o


Rei.”

“O Rei?” Soltei. “Isso faria de você Lúcifer ou alguma


merda do tipo.”

Ele sorriu. “Você pensaria que ficaria mais assustador.”


Por que ele parecia tão divertido o tempo todo?

“Ok, vou entretê-lo. Se você é o diabo, o que diabos você


quer comigo?” Mantive minha postura reta. Enquanto estava
ficando muito fodidamente aterrorizada, não ia deixá-lo saber
disso.

“Você me machucou.” Afirmou ele simplesmente.

“Então por que você não me mata?” Perguntei.

“Porque eu quero respostas. Sou bom em obtê-las, e se


não me der as que quero, estará em uma dessas salas.”
Gesticulou em direção à fileira de portas agora fechadas. Ele
era tão objetivo sobre tudo isso. Honestamente, quase
parecia entediado com tudo, o que era, por si só,
perturbador.

“Torturando pessoas aleatórias por diversão?”


Pressionei. Estava esperançosa de que minha voz soasse
mais confiante do que me sentia.

Ele olhou para mim com uma sobrancelha franzida e


inclinou a cabeça em confusão. “Não é por diversão.” Ele
insistiu, e então se endireitou e mudou de tom. “Bem...” Ele
corrigiu, “Sim, é muito divertido. Mas não é que eles não
mereçam.”

“Oh sim?” Estorei. “Quem diabos merece carne picada


enfiada na cara dela? O que diabos ela fez para merecer isso?
Vegana ou não!” Eu estava gritando agora.

Parecia chateado que ousei gritar com ele. Fez uma


pausa, os músculos ainda tensos. De repente, fiquei com
medo de que retaliasse.

Ele não retaliou, no entanto. Em vez disso, fez uma


pausa e então me respondeu.

“Aquela assim chamada vegana que você está


defendendo? Ela fez sua própria versão das tortas de carne
da Sra. Lovett.”

Olhei para ele por um momento, de queixo caído,


tentando compreender o que acabou de dizer. Engoli em
seco, tentando organizar meus pensamentos. “Você... Uh... O
quê?”

Lúcifer sorriu. “Humanos. Ela cozinhava humanos.


Senti que deu aos não-veganos um gosto de seu próprio
remédio. Você ainda quer defendê-la?”
Fiquei ali em silêncio. Não era sempre que ficava sem
palavras.

Lúcifer continuou. “A mulher da manteiga de amendoim


sufocou o marido durante o sono. A coisa mais próxima que
ela teve para fazê-lo, foi o sanduíche de manteiga de
amendoim de seu filho.” Ele gesticulou em direção a outra
porta. “O homem sem cabeça roubou os gatos da vizinhança
e os afogou no lago local.” Ele acenou de volta para a
Belieber. “A superfã ali era uma enfermeira. Ela sacrificou
vários pacientes sem permissão. A parte de Justin Bieber é
só porque me agrada.” Ele fez uma pausa então, e eu pude
ver pensamentos passando por sua mente em rápida
sucessão. “Na verdade, talvez uma prévia esteja em ordem
aqui. Asmodeus.” Enquanto ele falava, um homem muito
bem vestido apareceu ao seu lado.

Pisquei várias vezes, sem acreditar que um homem


adulto tinha acabado de aparecer magicamente na minha
frente. Com cada truque desafiador da lógica que tinha
encontrado, sentia um nevoeiro um pouco mais acima do
meu cérebro, semelhante a algumas bebidas demais ou uma
viagem ruim. Este foi o momento em que tudo veio à tona
para mim. Minhas palmas estavam suadas, e meu estômago
estava em nós. Todos os músculos estavam tensos como se
estivessem preparados para correr, e nenhuma quantidade
de exercício mental permitiria que eles relaxassem. Minha
boca estava seca, e as paredes pareciam se fechar sobre
mim, a sensação de estar presa causando um gosto de
pânico subindo pela minha garganta. Engoli em seco e me
forcei a concentrar. As perguntas se acumulavam em minha
mente, não fazendo nada para reprimir meu medo.

Asmodeus usava um terno turquesa, com uma gravata


paisley turquesa e roxa, e uma camisa roxa por baixo. Seus
sapatos pareciam ser de pele de crocodilo, mas eram do
mesmo tom de roxo que o resto de suas roupas. Seu cabelo
era de uma cor de cobre, brilhante, sedoso e cheio, caindo
em ondas perfeitas até os ombros. Ele tinha um cavanhaque
perfeitamente arrumado e olhos azuis brilhantes que só
realçavam o olhar travesso em seu rosto. Era como se ele
fosse parte de alguma piada interna que tinha literalmente
acabado de ouvir. Me perguntei quanto tempo ele levava para
escolher sua roupa. Estava impecavelmente montado,
mesmo que não fosse do meu gosto.

“Sim, senhor.” Ele falou lentamente, sua voz carregando


um tom feliz. Sua felicidade me fez imediatamente
desconfiar.

“Cuide para que ela receba uma saudação adequada.”


Com essa nota sinistra, Lúcifer se virou lentamente,
começou a andar pelo corredor e sumiu de vista. Percebendo
que minha aventura estava apenas começando, me virei com
apreensão para o co-conspirador de Lúcifer fabulosamente
vestido.

“Olá, minha querida.” Asmodeus tinha uma voz que


parecia mel. Ele tomou seu tempo em cada palavra,
deixando-as rolar suavemente sobre sua língua. “Bem-vinda
ao Inferno.”

Asmodeus ficou parado por um momento e olhou para


mim com o nariz franzido.

“Sei por que você está aqui.” Disse lenta e


meticulosamente. “E precisa cooperar conosco.” Ele me deu
um sorriso pequeno e triste. “Mas você parece ser do tipo
teimoso, então, se decidir não cooperar, vou te mostrar o que
está no fim dessa estrada.”

Ele suspirou. “Eu quase gostaria de não ter que mostrar


a você, a propósito.” Ele girou uma mão. “Se você apenas
ouvisse, não faríamos nada, mas não, vocês nunca ouvem,
não é? Nunca seguem o caminho mais fácil.” Ele olhou para
mim de um jeito que me fez pensar que podia ver todo o
caminho até minha alma, e foi tudo que pude fazer para não
fugir de seu olhar. “Mas posso dizer, sempre será da maneira
mais difícil com você.”

“O que você vai fazer? Me colocar em um desses


quartos?” Estalei. Eu não tinha certeza se essa era a jogada
mais sábia do meu lado. Algo me disse que, apesar da roupa
desagradável, esse não era um cara que queria irritar.

Asmodeus ergueu uma sobrancelha para mim. Depois


de uma batida, sorriu um sorriso sinistro.

“Não um desses quartos.” Disse ameaçadoramente. “Seu


próprio quarto.”

“O meu próprio quarto?” Perguntei em confusão. “Você


quer dizer aquele na masmorra sangrenta?”

“Não.” Respondeu com um aceno de desprezo. “A


masmorra é apenas um lugar para você ficar por enquanto.
Seu quarto será muito mais... Personalizado.” Ele levantou a
mão e estalou os dedos, e uma lima apareceu em sua mão do
nada. Uma foto do meu rosto estava colada na frente e,
mesmo daqui, eu podia ver que era grosso, com várias
seções, com algumas páginas soltas e post-its saindo dela.
“Agora, vamos ver o que está em seu arquivo.”

Ele fez um show ao abri-lo e folheá-lo por alguns


minutos enquanto permaneci ali sem jeito.

“O que é isso?” Perguntei, incerta de que realmente


queria saber. Porque o que parecia era que era uma lista de
tudo que eu já tinha feito... E em detalhes requintados
também porque a seção que ele estava lendo se chamava
primeira série e parecia falar sobre a vez que coloquei
chiclete no cabelo de Suzy depois que ela quebrou meu
brinquedo favorito. Lembrei-me do cavalo de plástico
distintamente, a longa crina preta brilhante e escorregadia
das minhas horas de escovação com a pequena escova de
cabelo rosa, e o corpo marrom com vários arranhões cavados
no acabamento pintado dos muitos impactos em nosso piso
de cerâmica em casa. Sei que não foi a melhor coisa a se
fazer na época, mas em minha defesa, gastei todo o meu
dinheiro da fada dos dentes naquele cavalo.

“É exatamente o que você pensa que é.” Ele murmurou


enquanto fechava o arquivo, diminuindo a distância entre
nós, e tocou meu antebraço. “Venha, eu tenho a coisa certa.”

De repente, estávamos em um quarto escuro mal


iluminado, com outro chão de terra. Não conseguia distinguir
onde as paredes estavam no escuro. Asmodeus me soltou.
Ouvi o farfalhar do tecido e depois uma pequena chama. Ele
acendeu algumas velas, que emanavam luz suficiente para
que pudesse ver o que me cercava. Além do teto, parecia que
as próprias paredes também eram feitas de pedra escura. A
luz das velas ricocheteava ao acaso nas superfícies
irregulares, fazendo com que a sala inteira parecesse
assustadora. Notei o que parecia ser minha poltrona
reclinável favorita de casa, junto com o pufe combinando.
Também notei uma cadeira dobrável incrivelmente
desconfortável. Pensei no interminável show de Justin Bieber
e me perguntei se era a mesma.

“Venha, sente.” Asmodeus puxou a cadeira e gesticulou


para que me sentasse. Então, quando não me movi
imediatamente para obedecer, ele continuou. “Maneira difícil
ou maneira fácil? Confie em mim, eu posso e vou fazer você
se sentar.”
“Certo, tudo bem.” Disse com mais confiança do que
sentia. Dei um passo rápido para frente e então, muito
lentamente, sentei na cadeira. E quando nada
imediatamente começou a enfiar carne na minha garganta
ou jogar Justin Bieber, soltei um pequeno suspiro de alívio.

“Confortável?” Asmodeus perguntou, e depois que


assenti, ele me presenteou com o fio mais fino que eu já
tinha visto, e uma única agulha de crochê fina. O gancho e o
fio eram ambos pretos. “Eu li que você gosta de fazer crochê
quando está chateada. Talvez você faça isso agora?”

“Hum, tudo bem?” Disse enquanto pegava o fio e a


agulha dele. Isso deve tê-lo satisfeito porque quando coloquei
os itens no meu colo, ele começou a se sentar na minha
poltrona reclinável e apoiar os pés no divã, tornozelos
cruzados. Entrelaçou os dedos atrás da cabeça e se inclinou
para trás.

“Podemos acender as luzes, talvez?” Perguntei


desafiadoramente. “E o que diabos isso deveria fazer, afinal?
Por que estou aqui? Que porra está acontecendo? E, o mais
importante, quando você vai me deixar ir!”

“Você perdeu o memorando, querida? Isso é o Inferno!


Sem luzes.” Ele riu. “E o objetivo disso é realizar uma tarefa
muito específica.” Ele se inclinou para mim com um enorme
sorriso de gato Cheshire. “Meu objetivo aqui é pegar suas
paixões e usá-las contra você. Crochê, e rapidamente. Se
você não fizer…” O tom amigável se foi agora que sua voz
sumiu ameaçadoramente.

Olhei para baixo, sem saber por onde começar ou o que


fazer a seguir. Poderia me levantar e ir embora. No fundo,
sabia que não era uma opção, no entanto. Além disso, para
onde iria? Não sabia como cheguei aqui, ou onde era a saída,
ou por onde começar a descobrir isso. Então, tive que ficar.
Eu mal conseguia ver nada, e odiava trabalhar com fios tão
finos, para começar. Quanto mais tempo me sentava ali,
mais quente a agulha de crochê ficava, até que parecia que o
bronze quente batia na minha pele no campo de tiro.
Rapidamente larguei a agulha, e magicamente reapareceu na
minha mão. Estava fria ao toque agora, mas podia sentir o
aquecimento novamente.

“É melhor começar a trabalhar, ou isso vai continuar


acontecendo.” Ele sugeriu, despreocupado.

Com todas as outras opções eliminadas, comecei a fazer


crochê o melhor que pude. A agulha estava fria ao toque até
que parasse, mas esfriaria quando eu começasse novamente.
Isso continuou pelo que pareceram horas. O fino gancho de
metal era desconfortável na minha mão, e o fio fino cortou
meu dedo enquanto tentava esticá-lo para vê-lo claramente
no escuro. Ficava faltando pontos e escorregando o fio de
debaixo do gancho por causa da minha incapacidade de fazer
cara ou coroa do que estava olhando. Uma a uma, as velas
se apagaram lentamente, tornando minha tarefa cada vez
mais difícil com o passar do tempo.

“Pare.” Ele murmurou, e o gancho e o fio


desapareceram. Minhas mãos estavam com cãibras como
nunca, mas acima disso, estava irritada porque meu
trabalho duro tinha acabado de desaparecer. Estava muito
orgulhosa daquelas meias.

“Me siga.” Ele se levantou e caminhou casualmente até a


porta. Ainda não vendo outra escolha, silenciosamente o
segui de volta para a sala em que comecei. Ele me acorrentou
de volta.

“Isso é loucura.” Argumentei. “Você está me mantendo


aqui porque Lúcifer quer saber algo que não posso lhe dar a
resposta. Ele é louco. Já mencionei como isso é insano?”
Estava ficando histérica a essa altura. Não via saída para
minha situação. Lutei para me manter calma.

“Ouça, querida.” Ele respondeu casualmente. “Isso é o


Inferno. Esse tipo de coisa vai continuar acontecendo com
você por toda a eternidade até que ele consiga o que quer.
Hoje foi um aviso. Imagine ficar nessa cadeira por um ano,
dez anos, cem anos! O Diabo sempre consegue o que quer.
Se eu fosse você, daria a informação a ele. Caso contrário,
vamos nos conhecer de verdade daqui em diante.”

Fiquei ali, sem palavras. Ele sorriu e saiu, fechando a


porta atrás dele, e eu afundei no chão.

Tentei pensar em tudo o que acabara de experimentar,


em tudo o que tinha visto, por mais insano que tudo
parecesse, e tentei processar tudo. A única coisa que
continuava voltando era: Agora, o que eu ia fazer?
LÚCIFER
A sala do trono costumava ser meu santuário. É onde
me empoleirava e cuspia ordens e observava meus demônios
incendiarem as pessoas diante de mim. Depois de todos
esses milênios, tinha ficado entediado. Sentei e olhei para os
degraus curvados para o amplo andar abaixo do meu trono
elevado.

À primeira vista, o brilhante piso de ladrilhos cinza


escuro parecia bastante simples, mas após uma inspeção
mais detalhada, havia uma costura no centro da sala.
Adorava abrir meu poço e enviar uma variedade de demônios
e almas malditas desmoronando para minha escolha atual
de tortura. Fazia muito tempo que não usava. Debati trazê-lo
de volta à rotação, mas já não me trouxe qualquer emoção.

Olhei para a frente para as enormes portas duplas de


madeira que enfeitavam a entrada da sala e notei os arcos
que foram desgastados no azulejo pelo movimento das portas
ao longo dos anos. À minha esquerda, ao longo da parede,
estava minha coleção pessoal de dispositivos de tortura que
colecionei ao longo dos milênios. A maioria deles estava lá
por pura intimidação, mas eu tinha usado alguns deles
quando queria apimentar as coisas. Meus olhos foram
atraídos para uma donzela de ferro enferrujada. As portas
duplas articuladas estavam abertas, revelando o interior
coberto de espigões. Cerca de metade dos pregos haviam se
quebrado, provavelmente devido à ferrugem ao longo dos
anos, e uma das dobradiças também estava quebrada,
impossibilitando seu fechamento. Era uma pena, pois era
uma grande relíquia e adoraria tirar proveito dela.

À minha direita, o bar totalmente abastecido ocupava


todo o comprimento da sala. A parede atrás dele era
espelhada, com uma moldura ornamentada de mogno
gravado, e exibia uma coleção completa de licores raros e
sofisticados. Havia a Casa Dragones Joven Tequila que
Abbadon me deu, junto com o uísque escocês Balvenie 21
anos de Baphomet.

Depois, havia o meu favorito, meu conhaque Louis XIII,


que sempre me certificava de que fosse estocado triplicado.
Havia uma pequena coleção de copos primorosamente
gravados na extremidade do bar, prontos para qualquer
convidado que quisesse servir. Olhei para o copo em minha
mão e girei o conhaque, observando o líquido cobrir as
laterais do copo e distorcendo minha visão do trono abaixo
dele.

E então havia o meu trono. Fazer um trono dos crânios


dos meus inimigos parecia incrivelmente intimidante no
começo, mas cara, era desconfortável. Estava sobre o meu
trono, tentando descobrir uma nova configuração de crânios
que não seria literalmente uma dor na minha bunda.

Fiquei intrigado com minha mais nova convidadoa, no


entanto. Não foi porque ela atirou em mim. Inferno, tinha
sido baleado mais vezes do que qualquer um poderia
imaginar, mas nesse caso foi diferente. Esta foi a primeira
vez que realmente doeu. Esta foi a primeira vez que sangrei.

Levantei minha camisa e olhei para o meu estômago.


Lilith tinha feito um ótimo trabalho me costurando de volta.
Lembrei de ontem à noite depois que voltei da convocação.
Eu queria aparecer e ensinar às crianças uma lição sobre
mexer com feitiçaria muito acima de seu nível de habilidade.
Em vez disso, tive que convocar Abbadon para lidar com isso
para mim, para que pudesse cuidar dos meus ferimentos.
Abbadon não sabia porquê foi chamado para fazer o
trabalho, mas nunca costumava fazer perguntas, o que o
tornava perfeito para a tarefa. Lilith me encontrou em uma
das celas prendendo uma mulher de aparência inócua. A
primeira coisa que ela notou foi minha camisa encharcada de
sangue, mas não tinha pensado em nada disso.

“Foi nadar de novo?” Brincou, mas quando virei para me


dirigir a ela, seu rosto empalideceu enquanto registrava
exatamente o que estava vendo. Não devo ter parecido muito
bem, porque sua mandíbula ficou tensa, e ela apertou os
lábios como sempre faz quando precisa começar a levar as
coisas muito a sério.

Olhei para minha camisa e lentamente a tirei, expondo o


ferimento de bala e o sangue que estava jorrando no chão.

“Puta merda.” Ela cuspiu. Isso foi tudo o que disse por
um tempo, enquanto se concentrava em resolver o problema
imediato. Ela correu para fora da sala, e quando voltou, eu
tinha caído de joelhos. Estava perdendo força rapidamente e
finalmente me senti confortável o suficiente para relaxar, o
que significava que a adrenalina estava diminuindo.

Lilith voltou rapidamente com suprimentos de primeiros


socorros e veio me guiar até o chão, garantindo que estivesse
deitado de costas. Ela imediatamente começou a trabalhar,
pegando a pinça para pescar a bala do fundo dos músculos
do meu estômago. Limpou a ferida e fez o seu melhor com os
pontos. Nunca precisei de pontos antes, e foi mais intenso do
que poderia imaginar. Senti a agulha perfurar meu corpo e vi
minha pele se projetar para cima enquanto a agulha
procurava seu caminho para fora da superfície. Senti as
duas extremidades da ferida se retesarem a cada ponto, uma
e outra vez, de novo e de novo, até que a sensação da agulha
era tudo em que conseguia me concentrar. Cada vez que a
agulha perfurava minha pele, me perguntava quanto tempo
mais teria que suportar. Quando ela terminou, respirei fundo
e percebi que estava prendendo a respiração o tempo todo.

Foi só depois que terminou de me enfaixar, o sangue foi


limpo do chão, e ela me ajudou a voltar para o meu quarto e
para o meu trono, que se virou para mim e falou.

“Nunca em um milhão de vidas teria imaginado vê-lo


desse jeito.” Disse, sua voz baixa e calma. Quando não
respondi, sua voz se elevou bruscamente e soou muito mais
como ela mesma. “Você levou um tiro! Que porra! Você vai
me contar o que aconteceu, ou devo adivinhar?!”

Aquele tom imediatamente me disse que eu ficaria bem.


Rapidamente contei sobre o que aconteceu na frente daquele
prédio.

“Então aquela mulher na cela... Ela fez isso?!” Lilith


olhou para mim, sua boca aberta em choque, as mãos
distraidamente correndo pelos cabelos dourados, do jeito que
fazia quando estava em cenários de alto estresse.

“Sim.” Respondi mal-humorado. “E não sei como.”

Ela também não tinha ideia de como isso poderia ter


acontecido. O que estava claro era que não poderia matar
essa mulher estranha, não sem obter mais informações dela.
Nós pelo menos garantimos minha própria segurança e
guardamos sua arma em algum lugar que ela nunca a
encontraria. Depois de verificar cuidadosamente a arma e
esperar que ela me desse algumas respostas, tive que
concluir que era simplesmente uma arma. Isso significava
que o poder tinha que pertencer a essa mulher. Contemplei
como ela poderia ter adquirido esses poderes. Nenhum de
nós jamais encontrou algo como ela antes. Era um mistério
que me sentia pressionado a resolver.

Voltando ao presente, olhei novamente para o conhaque


no meu copo e o levantei para tomar um gole. Pensei sobre
os eventos do dia até o momento, e como eu não estava mais
perto de resolver o mistério agora do que quando ela chegou.

Outra coisa que me provocava nessa mulher era a


maneira como falava comigo. Me enfureceu que falasse
comigo do jeito que fez. Qualquer um que já tenha me dado
uma sugestão de atitude aprendeu a lição e nunca mais fez
isso. Já tive advogados, políticos, vendedores de carros... A
mentalidade deles era sempre a mesma. E toda vez que um
deles tentava empurrar para trás, eu cortava sua língua e
dava para Cerberus como um deleite. Mas precisava dessa
mulher e sua língua. Ela sabia de alguma coisa, e eu estava
determinado a descobrir.

Olhei para a esquerda do meu trono e vi Cerberus


encolhido contra ele, dormindo, suas cabeças descansando
no meu braço. Distraidamente deixei cair minha mão e cocei
uma de suas cabeças.

Quando terminei de ajustar meus crânios pela


milionésima vez, Lilith entrou. Ela estava comigo desde que
saiu do Jardim. Sua natureza forte e independente me atraiu
imediatamente, embora isso tenha sido motivo para nós
batermos de frente ao longo dos anos. Adão não seria capaz
de lidar com ela, meditei, enquanto observava sua roupa do
dia. Por alguma razão, ela adorava se vestir para o trabalho.
Ela sempre tinha a quantidade perfeita de maquiagem, com
seu batom vermelho e cílios que estavam sempre
incrivelmente cheios. Seu vestidinho preto foi tirado
diretamente do armário de Audrey Hepburn. No segundo que
ela ouviu que a mulher tinha passado, correu para pegá-lo. A
menina não tinha vergonha. Os sapatos foram feitos sob
medida, no entanto. Ela pode ter torturado Christian
Louboutin para obtê-los, mas mesmo assim, Lilith conseguiu
esses sapatos personalizados exclusivos. Era ridículo pensar
nisso, mas ainda me divertia com isso todas as vezes.

“Você a assustou com a turnê do Inferno?” Lilith brincou


enquanto passeava até o bar e se serviu de um copo de pinot
noir. O vestido abraçava suas curvas perfeitamente, caindo
logo abaixo do joelho, e os músculos da panturrilha eram
acentuados pelos saltos. Ela colocou seu longo e sedoso
cabelo loiro atrás de uma orelha com um dedo bem cuidado
e se virou para mim, me olhando com aqueles lindos olhos
verdes dela.

“Aparentemente, ela não se assusta facilmente.”


Respondi. “Me lembra um pouco de você no começo.
Bastante imperturbável com a coisa toda.”

“Ahh, sim, os bons e velhos tempos.” Lilith meditou,


ficando nostálgica. Ela tomou um gole de seu vinho, então
distraidamente lambeu os lábios. “Eu já te agradeci pelo que
você fez por mim, a propósito? Quero dizer, uma vida inteira
apenas na posição de missionária, respondendo a Adão?
Atire em mim, por favor. Oh, desculpe.” Ela riu com vontade.
“Parece que você me venceu!”

“Sim, falando nisso, o que você acha de tudo isso?”


Perguntei. “Quero dizer, ela parece sem noção. Eu a coloquei
com Asmodeus. Pareceu uma boa dupla.”

“O que acho disso?” Ela perguntou. “Eu não faço ideia!


Descartamos a arma como fonte, então tem que ser ela. Fico
me perguntando porque não nos deparamos com isso antes.
Por que agora, depois de todo esse tempo? O que a torna
diferente?”
Lilith tomou outro gole de seu vinho. “Asmodeus, no
entanto, é definitivamente uma boa combinação. Ele é
fabuloso o suficiente para irritá-la, aposto.” Ela sorriu
conscientemente. “O problema é que acabei de encontrar
Asmodeus no corredor. Ele não chegou a lugar nenhum,
então a trancou novamente. Mas ele se divertiu, então isso
conta para alguma coisa.”

“Merda.” Respondi, olhando de volta para o crânio na


minha mão. Asmodeus era ótimo em levar as pessoas aos
seus limites. É por isso que dei a ele o Nível Dois. A luxúria
era uma fera traiçoeira e, como um dos sete pecados,
definitivamente merecia seu próprio nível. Asmodeus tinha
uma criatividade única na hora de aplicar punições, que se
encaixavam perfeitamente para isso. Estava esperando que a
mesma criatividade me ajudasse aqui.

“Eu conheço esse rosto.” Lilith cruzou a sala até onde eu


estava e pegou um dos crânios, reposicionando-o
pensativamente. “Essa é a sua cara de ‘não vou descansar
até descobrir isso’.”

“Você me conhece muito bem.” Exalei bruscamente.


Estava frustrado e com dor. Enquanto estava familiarizado
com a frustração do meu, uh, passado distante, a dor, isso
era novo para mim.

“Lembra no passado, quando nos conhecemos e


viajamos juntos?” Lilith perguntou. “Causando estragos no
mundo enquanto explorávamos tudo? Quero dizer, o sexo foi
incrível, não me entenda mal...”

“Sim, tudo menos missionário.” Interrompi com um


sorriso malicioso.
Lilith riu. “Sim, exatamente! Adão nunca entendeu o que
havia de errado com isso, mas eu nunca vou me colocar em
posição de ser submissa novamente.”

“Alguns homens não conseguem lidar com uma mulher


forte.” Ofereci.

“Não é só isso. Lilith respondeu pensativamente, “Fi


como se minha liberdade de escolha tivesse sido tirada de
mim. Era tudo sobre o que ele queria. A posição sexual era
apenas uma peça do quebra-cabeça. Esperava que eu fosse
submissa em todos os aspectos de nossas vidas. E eu sei, eu
sei... Discutimos isso várias vezes, e foi há muito tempo, mas
ainda me irrita.” Lilith riu agora. “O que uma mulher precisa
fazer para ter um pouco de igualdade por aqui?”

“Passar um pouco de tempo com o Diabo,


aparentemente.” Brinquei, acrescentando, “E foram tempos
incríveis também. Tenho certeza que tentamos, bem... Tudo.
Várias vezes!”

“Nós definitivamente tentamos!” Lilith riu novamente.


“Mas além disso, nós realmente nos conhecemos em um
nível pessoal. Ainda vejo a mesma curiosidade em seus olhos
agora que via naquela época. Claro, é muito mais discreto
agora, mas ainda está aí. Este é um novo quebra-cabeça. Nós
vamos descobrir isso. Eu posso ajudar.” Ela descansou a
mão suavemente no meu braço em segurança.

“Como você pode ajudar?” Perguntei.

Não que eu não acreditasse nela. Na verdade, era a


pessoa perfeita para ajudar. Ao contrário de Asmodeus, que
se concentrava em criatividade e diversão, Lilith era uma
profissional em falar docemente para reunir qualquer
informação que precisasse, sem sujar as mãos. Eu só queria
os detalhes.
“Dê-me uma chance com ela pela manhã.” Sugeriu
misteriosamente. “Vamos ver o que acontece.”

“Tudo bem.” Respondi. “Vá em frente. Me deixe saber


como vai.” Adorei a iniciativa dela. Não precisava se envolver
tanto, mas sempre soube que podia contar com ela.

“Eu vou.” Ela gorjeou, enquanto se virava e saía pela


porta, deixando sua taça de vinho no bar. “Até logo!”

A última coisa que vi foi a sola vermelha de seu sapato


quando virou a esquina. Era a única cor na sala.
EVELYN
Se você tivesse me dito antes de pegar aquele trabalho
de segurança ontem à noite que em vinte e quatro horas
estaria trancada no Inferno, eu poderia tê-lo encaminhado
para a ala psiquiátrica. Vinte e quatro horas atrás, não
acreditava em Inferno ou Céu para esse assunto. Agora
estava nele. O Inferno era real. Muito, muito real. Ou isso ou
eu estava tendo o sonho mais vívido de toda a minha vida.

Quando me sentei no chão da minha pequena e


sangrenta prisão, puxei as mãos para descansar no meu
colo, olhando para as algemas em volta dos meus pulsos.
Toquei o metal frio, coloquei as palmas das mãos contra o
chão frio de concreto, então olhei em volta para as paredes
vermelhas gotejantes. Inicialmente pensei que era sangue
fresco, mas não deveria estar seco agora? Parecia vazar
perpetuamente das bordas superiores das paredes, onde se
encontravam com o teto, mas a substância nunca parecia
atingir o chão. Não entendia como isso era possível, mas
estava grata. Pelo menos tinha um chão seco para sentar.
Enquanto não tinha uma cama para dormir esta noite, pelo
menos não estava sentada em uma poça de sangue.
Estremeci. Toda essa cena era assustadora. Queria
desesperadamente ir para casa.

Se isso realmente é o Inferno, como escaparia de


qualquer maneira? Como cheguei aqui? Havia uma porta?
Um portal? Um lance de escadas aparentemente
interminável? Talvez fosse mesmo uma estrada, e houvesse
uma garagem gigante em algum lugar com algumas
máquinas do Inferno lá dentro. Comecei a cantarolar
músicas do AC/DC enquanto imaginava uma configuração
no estilo Mad Max, os veículos off-road pós-apocalípticos
descolados alinhados no fundo de uma garagem subterrânea
gigante. Se alguma vez houvesse um tempo para uma
bebida, teria realmente apreciado uma agora.

Estava no fundo dos meus pensamentos e bem no meu


repertório do AC/DC quando a porta se abriu novamente.
Asmodeus estava na porta. Depois de todas essas horas, sua
roupa de cores vivas ainda estava imaculadamente limpa.
Fornecia um contraste interessante com as paredes
sangrentas nojentas.

Ele tinha uma bandeja frágil do que parecia ser comida


de prisão em suas mãos, ou pelo menos o que imaginava que
uma comida de prisão seria. Ele a colocou no chão e deslizou
para mim com o dedo do pé. O pequeno recipiente de leite
tombou e caiu da bandeja.

“Coma.” Ofereceu enquanto estava lá me observando.

“Não estou com fome.” Rebati, embora estivesse


fodidamente faminta. Parte disso era desafio, claro... Mas
outra parte? Outra parte se preocupava que, se aceitasse a
comida, ficaria presa aqui como Perséfone e Hades. Claro,
essa era uma mitologia diferente... Mas ainda assim?

“Ok, não coma.” Asmodeus deu de ombros.


“Literalmente não me importo.”

“De onde você tirou isso, afinal, uma prisão?” Pressionei


quando ele se virou para sair.

“Sim.” Respondeu casualmente. “O Complexo


Correcional Federal em Butner, Carolina do Norte, caso você
esteja se perguntando. Peguei de Bernie Madoff. Ele...”
Asmodeus olhou para a bandeja. “Ele já estava com o garfo
na mão, então não comprei um garfo para você.” Ele deu de
ombros com indiferença.

Depois de notar meu rosto provavelmente estupefato,


acrescentou: “Não me olhe assim. Ele estará aqui mais cedo
do que pensa. E perder uma refeição será apenas um
pequeno pontinho em seu radar.”

Asmodeus apoiou um ombro contra o batente da porta,


cruzando os braços sobre o peito e colocando um tornozelo
sobre o outro. Ele olhou para mim.

“Então...” Disse em um tom musical, “Como foi seu


primeiro dia?” Ele tinha um sorriso malicioso no rosto, um
que me dizia que já sabia a resposta.

“Foi ótimo!” Disse sarcasticamente. “Isso tudo é muito


criativo, devo dizer. Estou impressionada. Além disso, amo o
que você fez com o lugar.” Gesticulei ao redor da sala.

Asmodeus riu com vontade. “Isso é realmente um pouco


triste para o meu gosto.” Respondeu, passando uma mão
pelo cabelo na altura dos ombros. Ele encolheu os ombros.
“Gosto mais de coisas dramáticas.”

“Eu não poderia dizer só de olhar.” Murmurei, ainda


sarcástica como o inferno. Fiz um show olhando-o de cima a
baixo. “Quero dizer, quem diabos vê um terno turquesa à
venda e decide que deve tê-lo?” Fiz armas de dedo para ele.
“Esse cara, aparentemente...” Fingi atirar nele. “E não só
você comprou, como decidiu animar com alguns toques
coxos.”

“Ah, eu gosto de você.” Ele estava rindo alto agora. “A


grande coisa sobre o Inferno, você vê, é que posso usar o que
quiser. Ninguém ousaria tirar sarro de mim, porque se o
fizessem...” Ele parou e inclinou a cabeça. “Mas não tenho
permissão para acabar com você. Então, parece que estamos
em um impasse.”

“Ah, que pena, tão triste.” Fiz uma careta. “Deve ser
terrível ser mal tratado.” Levantei uma sobrancelha para ele.
“O grande demônio mau está um pouco chateado?”

“Um pouco.” Continuou, uma fina gota de aborrecimento


fluindo em sua voz. “A razão pela qual uso as roupas mais
ostensivas possível é convidar a comentários.” Um sorriso
maligno se espalhou por seu rosto. “Me congratulo com a
oportunidade de colocar alguém em seu lugar…
Permanentemente.”

“Então, você está desafiando eles?” Perguntei em voz


alta.

“Sim!” Ele sorriu novamente. “Torna o trabalho um


pouco mais interessante.” Ele estreitou os olhos para mim.
“Geralmente, de qualquer maneira.”

“Falando do seu trabalho, qual é exatamente o seu


trabalho?” Perguntei, de repente curiosa. “Quero dizer, tenho
certeza que você não estava sentado aqui, esperando que eu
aparecesse para que pudesse ser minha babá.”

“Essa é realmente a sua pergunta?” Ele perguntou.


Alcançou o lado de fora do batente da porta e puxou uma
cadeira dobrável para o quarto. A abriu com uma mão,
colocou-a no chão e sentou-se lentamente. Ele apoiou um
tornozelo sobre o outro joelho e cruzou os braços para me
olhar com curiosidade.

“De todas as perguntas que me fizeram ao receber


pessoas no Inferno.” Continuou, “Ninguém nunca perguntou
sobre mim. Devo dizer que há algo diferente em você, algo
que não consigo entender. Eu gosto, no entanto. Estou
sempre pronto para um desafio.”

Ele fez uma pausa e perguntou: “Por que você continuou


fazendo crochê antes?”

Eu não esperava isso. “Err... O quê?” Perguntei


inteligentemente.

“Mais cedo.” Ele estava olhando para mim com a cabeça


ligeiramente inclinada. “Você não parou. Não implorou por
misericórdia. Não reclamou. Você apenas... Fez crochê. Por
quê?”

Dei de ombros. Não tinha muita certeza de como


responder a essa pergunta. “Acho que não havia motivo para
reclamar. Vi o que alguns dos outros estavam
experimentando. Não parecia haver uma escolha. Gosto de
fazer crochê, então fiz o melhor possível.”

Asmodeus franziu os lábios e ergueu as sobrancelhas.


“Interessante.” Ele murmurou. Depois de notar o olhar
curioso no meu rosto, continuou. “Faço isso há muito tempo
e geralmente consigo ver o ponto de ruptura para as pessoas
imediatamente. Não consigo ver com você. Posso dizer que
nossos métodos usuais não funcionarão. É raro, mas
acontece. Há algo sobre você. Você está ligada de forma
diferente.”

Ligada de forma diferente? Não tinha certeza do que isso


significava.

“Falando de diferente, como você adquiriu seus


poderes?” Perguntei. Meus olhos pegaram a comida da prisão
no chão. Porra, eu estava com fome.
“Lúcifer me deu.” Ele respondeu simplesmente com um
encolher de ombros, como se não houvesse muito mais nessa
história.

“Então, você vai me contar sobre sua história com


Lúcifer?” Pressionei.

Asmodeus olhou para mim de seu poleiro. “Lúcifer me


trouxe à existência. Digamos que trilhamos um caminho. Ele
é a razão de eu estar aqui. Então, quando pede um favor, eu
faço. Realmente não é tão profundo.” Ele sorriu, e parecia
muito mais genuíno do que quando entrou na sala. Chegou a
seus olhos agora.

“Por que você está sendo tão legal comigo?” Perguntei, e


imediatamente me arrependi. Parecia tão patético.

Asmodeus riu e olhou para mim por um momento antes


de responder. “Observar as pessoas se ajustando e aceitando
o Inferno... Bem, é minha parte favorita. É quando os recém-
chegados são os mais puros. Eles estão experimentando algo
novo e aterrorizante, e suas reações são sempre genuínas. É
quando realmente tenho um vislumbre por trás da cortina.
Mesmo depois de todo esse tempo, ainda é emocionante para
mim. Aprendo muito com isso. Isso me mantém jovem.” Ele
parecia muito mais relaxado agora, e eu quase podia nos ver
sendo amigos. Se, você sabe, ele não fosse um demônio no
Inferno me mantendo refém e tudo.

“Bem, isso é profundo.” Disse enquanto ajustava minha


posição no chão. Ficar sentada no concreto por tanto tempo
era incrivelmente desconfortável. “Não esperava tudo isso.
Deixe eu perguntar isso então: Como as decisões são
tomadas?”

“Que decisões?” Perguntou, inclinando a cabeça para o


lado novamente.
“Você sabe, as decisões...” Respondi, “As sobre quem-é-
enviado-para-onde, essas decisões. Como você decide quais
almas vão para o Céu e quais vão para o Inferno?”

“Ahh...” Ele disse suavemente, “Essas não são decisões


que eu tomo. Não conheço a ciência exata por trás disso.
Embora já esteja fazendo isso há tempo suficiente, então
geralmente posso dizer de antemão. Fazemos apostas. Tenho
uma fraqueza por jogos de azar, mas geralmente estou certo,
então qual é o mal, certo?” Asmodeus deu de ombros e sorriu
culpado.

“Então, pode me dizer o que você pensa, pelo menos?


Tipo, o que faria você apostar em alguém vindo aqui?”
Gesticulei ao nosso redor.

“Talvez outra hora.” Continuou suavemente enquanto se


levantava, dobrava sua cadeira para trás e a colocava
debaixo do braço para levar com ele, “Tenho outras coisas
para fazer. Tenha uma boa noite. Mantenha seu ânimo,
querida, e você ficará bem.” Ele piscou e saiu pela porta,
fechando-a atrás de mim e me deixando com meus próprios
pensamentos, minhas musicas AC/DC ainda flutuando na
minha cabeça.
EVELYN
Estava parada na frente da minha escola primária,
usando saia xadrez e camisa branca de colarinho, amassada
e desleixada de brincar de pega-pega no intervalo do recreio.
Senti as alças da mochila do Mickey Mouse descansando nos
ombros enquanto esperava meu pai me pegar. Estava feliz e
mal podia esperar para vê-lo, para contar sobre o meu dia.
Aprendemos sobre os Arcanjos na aula de religião.

Fiquei ali por muito tempo sozinha. Finalmente senti um


vento familiar soprar e sabia que meu pai estava lá. Na
minha frente, uma única pena branca caiu na calçada.

“Qual o seu nome?” Ouvi a voz de uma mulher ao longe,


suave e polida.

“Olá?” O tom era curioso agora.

“Qual o seu nome?” Estalou, e eu virei para…

Abri meus olhos para ver Louboutins familiares na


minha frente. Olhei para o par de pernas longas e bem
tonificadas para descobrir que pertenciam à mulher loira que
estava alimentando a vegana com carne à força ontem.

“Você tem um?” A voz da loira estava afiada e impaciente


agora.

“Tenho um, o quê?” Respondi grogue.


“Um nome.” Ela parecia irritada. “Qual o seu nome?”

“Evelyn. Meu nome é Evelyn.” Lentamente me empurrei


para uma posição sentada. Ainda estava grogue, e metade da
minha mente estava no meu sonho, procurando meu pai fora
da escola. Esfreguei os olhos e massageei minhas têmporas,
os cotovelos apoiados na ponta dos joelhos. Depois de um
momento, olhei para ela. Seus sapatos foram a primeira
coisa que notei. Ela deve usar saltos com frequência porque
suas panturrilhas eram ridiculamente definidas. Seu vestido
batia logo abaixo do joelho e parecia estranhamente familiar.
Poderia jurar que já tinha visto isso antes. Uma mão bem
cuidada estava em seu quadril, o esmalte vermelho era um
belo toque, considerando a marca de sapatos que ela usava.
Seu cabelo caía suavemente como uma cachoeira sobre seus
ombros, captando a pouca luz que havia no quarto e
refletindo-a de volta. Seus olhos eram de um tom único de
verde, e eles estavam me observando atentamente. Olhei em
volta da minha nova casa e me lembrei dos eventos de
ontem. Lentamente voltou para mim enquanto meu sonho
desaparecia na distância, esquecido. Meus sentidos
aumentaram, e eu estava de volta, meu cérebro afiado e
pronto para reagir. Lentamente, me ocorreu que dar a essa
mulher um monte de informações aleatórias minhas, poderia
me humanizar para ela, e poderia fazê-la se solidarizar e ficar
do meu lado. Mas esta não era uma situação normal. Este
era o Inferno, aparentemente, então quem sabia?

“Levante, Evelyn.” Levantei lentamente, e ela me olhou


de cima a baixo. “Meu nome é Lilith. Você estará comigo
hoje.”

Lilith. Lilith? A primeira esposa de Adão, aquela que


queria ser tratada como igual, então foi expulsa do jardim?
Essa Lilith? Sempre a admirei e amei sua história. Nenhuma
mulher quer ser Eva. Lilith era poderosa, forte, era...
Absolutamente linda. Seu cabelo parecia fios de ouro puro, e
os olhos brilhavam como esmeraldas. Parecia que estava
prestes a rir com alguns amigos com algumas bebidas fortes.
Também parecia que poderia me matar com um olhar. Eu
não queria irritá-la.

“Me siga.” Lilith exigiu calmamente enquanto se virava e


saía da sala.

Olhei para baixo e vi as algemas caírem no chão antes


de segui-la para fora da sala. Realmente queria escovar os
dentes. Estava aqui há tempo suficiente.

Lilith me trouxe para aquele longo corredor bruxuleante


de salas de tortura antes de parar na frente de uma porta
aberta. “Este é o meu escritório.” Ela afirmou enquanto
gesticulava para dentro, e eu olhei ao redor.

Era um quarto branco... E pronto. Uma grande sala,


com piso de mármore branco, paredes pintadas de branco
com grossas molduras brancas ornamentadas, uma porta
francesa branca com cortinas brancas e um teto branco.
Também parecia incrivelmente limpo e considerando que era
branco puro, era fácil dizer. Lilith levantou a mão e estalou
os dedos, e uma pequena mesa branca apareceu no meio da
sala com uma cadeira dobrável branca atrás dela, brilhando
quase como se fosse uma miragem.

“Eu tive que chutar com a comida.” Lilith disse


enigmaticamente enquanto passava pela mesa, arrastando o
dedo ao longo da borda. Quando chegou ao fim, uma grande
variedade de pães e massas apareceu na mesa. Vi pequenos
pãezinhos redondos multigrãos em uma cesta de vime
simples, fatias finas de pão de alho com pedaços de alho que
eram visíveis de onde estava e baguetes que pareciam ter
sido tiradas diretamente de uma mesa de um Olive Garden3,
ainda vapor saindo em sussurros, aninhados em seu
guardanapo de pano branco. Havia também várias tigelas de
cerâmica, todas contendo uma porção de diferentes tipos de
massas. Uma tigela tinha espaguete à bolonhesa, com
ervilhas adicionando um toque de cor ao molho vermelho.
Outra tigela tinha penne alla vodka4, o molho é uma versão
mais leve e fraca do primeiro. Uma terceira tigela tinha o que
parecia ser um molho de vinho branco com pedaços de
camarão misturados com o macarrão cabelo de anjo. Tudo
parecia e cheirava incrível. O cheiro de pão recém-assado
flutuou pelo meu nariz, e a pitada de alho me deu água na
boca. Tinha que admitir: Estava confusa.

Dei outra grande inspiração, absorvendo aquele cheiro


de pão fresco.

“O que é tudo isso?” Perguntei curiosa.

“Este, pessoalmente, é um dos meus favoritos.” Lilith


respondeu, uma nota de diversão em sua voz. “Quer um
pouco?” Ela gesticulou para a mesa com a mão aberta.

3 Olive Garden é uma cadeia de restaurantes


especializada em culinária italiana. Possui mais de 800
unidades e é a maior rede de comida italiana dos Estados
Unidos.

4 Penne alla vodka é um prato de macarrão feito com


vodka e macarrão penne, geralmente feito com creme de
leite, tomate esmagado, cebola e às vezes salsicha, pancetta
ou ervilha
“Qual é a pegadinha?” Hesitei. Isso não parecia certo.

“Nenhuma, de jeito nenhum.” Ela flutuou. “Para você,


em todo o caso. Aqui.” Lilith pegou um rolo multigrãos e me
entregou. Era macio e quente, do tipo que você entra em um
bom restaurante italiano e, antes que perceba, já comeu
tudo antes do jantar chegar.

A porta se abriu e um homem mais velho e de baixa


estatura empurrou uma mulher para dentro e fechou a porta
novamente. Ela tinha cabelos castanhos claros e usava um
vestido rosa esfarrapado e amarrotado. Estava curvada e
tinha bolsas sob os olhos.

“Isso é tudo para você!” Exclamou Lilith. “Sem


pegadinha. Estes são os melhores pães artesanais que
encontrei, e a massa também é excelente. Não há nada igual!
Você merece depois de tudo que passou.”

“Mas... Eu tenho uma alergia grave ao glúten.” A voz da


mulher tremeu. “Eu poderia morrer.”

“Você já está morta.” Lilith a lembrou. “Apenas vai


desejar poder morrer.” Podia ouvir a alegria em sua voz.

Lilith a conduziu até a mesa e a sentou. A mulher olhou


ao redor, mas não alcançou a comida.

“Oh, ela é tímida.” Lilith brincou enquanto pegava um


pedaço de pão e começou a mandá-lo voando em direção ao
rosto da mulher. “Coma, ou vai se arrepender.”

A mulher parecia resignada ao seu destino. Deduzi que


esta não era sua primeira experiência aqui. Ela começou a
comer, e eu sabia que não queria ficar neste quarto por
muito tempo.
Felizmente, não precisei, porque Lilith acenou para que
a seguisse novamente. Enquanto estava agradecida pela
saída, me perguntava o que mais estava reservado para mim.
Lilith simplesmente me levou para uma sala adjacente pela
porta francesa. Lá dentro, vi uma pequena mesa de jantar de
madeira com quatro cadeiras ao redor. Notei uma variedade
de queijos, bolachas, pretzels e frutas na mesa, junto com
dois copos grandes de água. Olhei ao redor da sala e notei o
piso de madeira escura e as paredes cinza-claras. O teto de
vigas de madeira expostas unia bem a sala.

“Sente. Coma.” Ela puxou uma cadeira para cada uma


de nós. Sentei, coloquei o rolo multigrãos no meu prato vazio
e tomei um grande gole de água. Estava com a garganta
seca.

“Ela foi embora depois do atropelamento.” Lilith me


informou, sentando em sua própria cadeira e se servindo de
um prato cheio de comida como se estivéssemos apenas
conversando sobre como foram nossas manhãs. “Todo
mundo no outro carro morreu. Houve uma caçada em todo o
estado por ela. Ela nunca admitiu isso. Nunca demonstrou
nenhum remorso.”

Silenciosamente, montei um prato para mim. Não tinha


perguntado porque a mulher estava na outra sala, e não
queria saber. Me trouxe algum consolo saber que ela
merecia, mas eu ainda estava pensando em ficar aqui por
toda a eternidade, ainda mais com uma punição sem fim.

“Então, como você fez isso?” Olhei para cima do meu


prato para ver a Lilith me observando, uma mão
descansando na mesa, esperando para pegar um pouco de
comida.

“Como eu fiz o quê?” Perguntei. Mudei meu rolo


multigrãos para abrir espaço para um pouco mais de queijo.
“Atirou nele. Com sucesso, quero dizer.” Ela parecia
incrivelmente séria, sua cabeça ligeiramente inclinada para o
lado. “Alguns centímetros para o lado, ele estaria acabado.”

“Cara, olha...” Exalei com força, deixando cair as mãos


no colo. “Puxei a arma do coldre, mirei, apertei o gatilho. Fez
o que as armas fazem. Acertei o alvo pretendido. Eu não
sabia que havia uma exceção à regra.”

“Ele não sangra, sabe?” Ela se posicionou de frente para


a mesa e começou a montar um pequeno sanduíche de
queijo com seus biscoitos. “Tipo, nunca. Ele é imortal. Você o
fez sangrar. Quase o matou. Isso é um grande negócio aqui.”

“Entendo.” Respondi, enquanto selecionava


cuidadosamente a uva perfeita. “Mas eu não tenho nenhuma
ideia sobre. Simplesmente aconteceu.” Isso me lembrou de
uma história que minha avó contou quando era muito
pequena. Tinha a ver com um anjo que desceu à Terra para
visitar, mas ele tinha que ter cuidado porque poderia se
machucar, sendo exposto ao nosso mundo assim. Não
conseguia me lembrar dos detalhes.

“Você sabe se tem alguma habilidade especial?” Lilith


pressionou. “E sua família? Você já ouviu falar de algo assim
acontecendo antes?”

“Nunca conheci o lado da família do meu pai.” Era isso,


toda a parte de humanizar-me-por-simpatia, então decidi
colocar a história da minha família na mesa. “Minha mãe me
criou depois que meu pai foi morto quando eu era jovem.
Minha avó ajudou. É isso. Além de algumas armas antigas
que foram passadas por meu pai, não tenho nada para me
lembrar dele ou conhecer sua família.”

Coloquei outra uva na boca enquanto continuava. Senti


o estalo satisfatório da casca da uva entre meus dentes
quando o suco foi liberado. “Quanto ao lado da minha mãe, é
incrivelmente mundano. Eles estão todos adeptos ao tricô ou
crochê. Eu nunca poderia tricotar, mas posso fazer crochê
com certeza. Caso contrário, somos um grupo muito chato.”
Coloquei outra uva na boca e rapidamente percebi que
precisava de um pouco de queijo para contrastar a doçura
das uvas.

Lilith olhou profundamente pensativa. “Que tipo de


armas?”

“Um velho M1911 da segunda guerra mundial. Um par


de rifles de caça. Eles são bem legais.” Dei de ombros. “Não
atiro com eles, no entanto. Eu tenho a minha arma. Prefiro
mantê-las como memorabília5.”

“Sempre achei fascinante a história das armas curtas.”


Lilith respondeu com alguma sinceridade. “A tecnologia
avançou muito. Algumas dessas armas hoje são
absolutamente lindas, e não há alívio do estresse como um
bom dia no campo.”

“Isso é certo.” Respondi. Quem diria? Tinha algo em


comum com Lilith.

“Qual era o nome do seu pai?” Lilith flutuou


casualmente como se perguntasse como estava o tempo.

“Eu... Por quê?” Parei de mastigar por um momento


enquanto contemplava sua intenção por trás da pergunta.

5 Coleção de objetos que alguém guarda porque


pertenceram a uma pessoa famosa, por afinidade pessoal ou
por ser alvo de um interesse específico.
“Bem, talvez possa descobrir onde ele está.” Ofereceu.
“Sem promessas. Mas vou investigar.”

“Você pode fazer isso?” Perguntei, o queijo ainda meio


mastigado na boca. O pensamento de procurá-lo nem me
passou pela cabeça. A ideia estava além da minha
compreensão no momento.

“Quero dizer, talvez.” Lilith deu de ombros. “Vale a pena


arriscar.”

“George.” Disse, uma pitada de hesitação na voz.


“George Hernandez.”

Lilith sorriu genuinamente. “Verei o que posso fazer.”

“Obrigada.” Murmurei. Honestamente não sabia o que


dizer. Era uma oferta muito generosa, especialmente de uma
mulher que acabara de conhecer. Lilith assentiu e comemos
em silêncio por um tempo.

“Então, como você acabou aqui no Inferno?” Perguntei,


tentando soar tão casual quanto ela tinha feito antes.

“Lúcifer.” Ela declarou simplesmente, tomando um gole


de água. “Eu quase tive isso com Adão. Ele era meu marido.
Casamento arranjado. O problema era que ele esperava que
eu me submetesse a todos os seus desejos. Eu não era nada
mais do que uma esposa troféu. Não estava bem com isso.
Conheci Lúcifer, e ele me mostrou que não precisava ser
assim. Ele me aceitou exatamente como eu era. Foi o
primeiro a fazer isso.”

“Não é que eu não tenha conhecido outros que me


aceitassem, mas Lúcifer e eu ficamos juntos esse tempo todo.
Pensamos da mesma forma. É fácil e parece certo, então nós
apenas... Naturalmente mantivemos uma parceria. Por que
mexer com uma coisa boa, certo?” Lilith riu para si mesma
enquanto tomava outro gole de água.

“Vamos lá.” Ela se levantou da cadeira, colocando a


última uva na boca. “Vou te levar de volta.”

Segui Lilith de volta ao meu quartinho nojento com as


algemas, mas ela as deixou desfeitas. “Obrigada pela pausa.”
Afirmou ela enquanto fechava a porta atrás de mim.

Eu passei de crochê no escuro em um dia, para fofocar


sobre armas e história da família enquanto uma mulher se
torturava no quarto ao lado, no outro. O Inferno estava
fazendo minha cabeça girar. Olhei ao redor da sala, grata por
ter minhas mãos livres, mas ainda totalmente enojada pelo
meu entorno. Perguntei porque fui tratada com bondade hoje
e o que mudou desde o dia anterior.

Tudo o que sabia era que o dia estava apenas


começando, e havia muito mais do Inferno para
experimentar. Não estava contando minhas bênçãos ainda.
LÚCIFER
Fazia muito tempo que não tinha novas ideias para o
Inferno. Depois de incontáveis vidas de tortura e
condenação, tinha visto tudo, e a monotonia estava me
desgastando. Eu havia expandido a ideia de tortura para
meu próprio entretenimento há algum tempo, e isso
proporcionou algumas boas risadas enquanto humilhava o
destinatário ao mesmo tempo, mas as ideias únicas estavam
surgindo poucas e distantes entre si.

Estava tendo uma explosão com este, no entanto.


Ordenei a uma de minhas infelizes almas que vasculhasse
um aterro coletando fraldas sujas, enquanto ordenei a outra
que ficasse aqui embaixo e as limpasse completamente com
as próprias mãos. Dois pelo preço de um!

Tinha montado isso em um dos quartos vagos, já que


não havia como trazer merda literal para a minha própria
sala do trono. Escolhi uma sala com piso de cimento escuro
e iluminação fraca, para adicionar um elemento visual
desafiador a toda essa farsa. Um dos meus demônios já
havia colocado algumas cadeiras estofadas na frente da sala,
então deixei tudo como estava e me sentei na cadeira do
centro. Fiz questão de direcionar a pilha de fraldas sujas
para o lado oposto do quarto, para poupar meu olfato.

Lilith entrou. “Bem, eu tentei.” Ela deu de ombros e


desabou na cadeira ao meu lado.
“O que aconteceu?” Perguntei, tentando não soar tão
intrigado quanto estava. Essa garota, Evelyn, foi a primeira
‘nova’ que experimentei em muito tempo.

“Bem, fiz ela falar.” Lilith suspirou enquanto observava


minha última forma de entretenimento. “Ela tem algumas
histórias de família, mas nada de bom. Não tem ideia de
porquê foi capaz de machucá-lo.”

Lilith se virou e olhou para mim, colocando seu cabelo


dourado atrás da orelha. “Não consegui nada de útil com ela,
mas tive uma ideia. Talvez, em vez de ameaçar com tortura,
pudéssemos ser bonzinhos um pouco.”

“Ser bonzinhos?” Estava confuso. “Corrija-me se estiver


errado, mas isso ainda é o Inferno, não é?”

“Sim, mas... Ainda acho que devemos jogar diferente.


Você esqueceu como fazer isso?” Ela tirou os saltos e cruzou
as pernas, afundando ainda mais na cadeira. “Se você for
legal com ela, isso a pegará desprevenida e fará com que se
afeiçoe a você. Talvez, quando ela se sentir confortável,
divulgue alguma informação que lhe dê uma ideia de como
isso aconteceu, e você possa fazer sua pesquisa a partir daí e
obter algumas respostas.”

Ela encolheu os ombros bem torneados. “Se ela


realmente não sabe de nada, torturá-la parece um
desperdício de recursos valiosos. E acredito que ela é
sincera. Não sabe nada sobre isso.”

Pensei sobre isso. Lilith geralmente estava certa sobre


essas coisas. Esta era provavelmente a melhor maneira de
lidar com isso. Lembrei-me de seu conselho depois de uma
das minhas muitas brigas com Miguel. Ela me disse para ser
a pessoa maior e não começar nada. Um grande conflito com
Miguel pode ter repercussões permanentes, indo muito além
de nós dois. Uma vez que minhas emoções se acalmaram,
tive que admitir que ouvi-la era a decisão certa. Havia
apenas uma desvantagem para este plano atual em que
conseguia pensar: poderia ser muito estranho para mim.
Nunca fui legal com ninguém, exceto Lilith.

Ela era diferente, no entanto. Tínhamos tanta história,


nosso relacionamento era fácil agora. A considerava minha
parceira igual, a única coisa na existência que eu não tinha
torturado, lutado ou criado. Quando a conheci no Jardim, foi
a primeira vez que realmente percebi que não estava sozinho.
Todo aquele tempo que passei lutando com Miguel sobre
meu desejo de tomar minhas próprias decisões foi um
isolamento para mim, e encontrar Lilith reafirmou minhas
escolhas. Realmente tirei um momento para apreciá-la aqui,
neste instante. Ela teve um impacto tão grande na minha
vida desde que nos conhecemos, e me perguntei se ela sabia
o quanto isso era chocante.

Então, não tinha certeza se conseguiria fazer isso.


Milênios de ser um idiota com as pessoas tem um jeito de
ficar com você. Velhos hábitos custam a morrer.
Distraidamente assisti enquanto minha alma atormentada
do dia limpava o cocô de uma fralda e a colocava no chão.
Ele parecia verde. Ooh, vômito chegando. É aí que você sabe
que tem a tortura na medida certa. Olhei para Lilith e vi seu
sorriso malicioso, e sabia que viu a mesma coisa que eu. Ela
se virou para olhar para mim novamente.

“Então, fale sobre a família dela.” Pedi.

Lilith começou a me contar sobre sua conversa com


Evelyn, incluindo seu pai morto e o estranho amor de sua
família por tricô e crochê.
“Hmm... Pode ser o lado da família do pai dela.” Refleti.
“Uma coisa de linhagem, ou o que quer que seja. Me
pergunto com quem isso se vincularia, no entanto.”

“Isso explicaria sua ignorância.” Lilith respondeu, “Mas


papai morrendo antes que ele pudesse contar à sua filha
tudo sobre seus poderes super especiais de matar demônios?
Parece um pouco exagerado.” Ela riu.

“Talvez fosse Miguel.” Rebati. “Talvez finalmente tenha


encontrado uma maneira de me tirar do caminho para
sempre.”

Afinal, Miguel e eu nunca nos perdoamos pelo que


aconteceu entre nós. Nunca entendi sua devoção cega ao
Céu, e acho que ele nunca entendeu minha necessidade de
autonomia e desejo de livre arbítrio. Ele estava feliz por viver
sob o controle de papai, mas todos nós não merecemos fazer
nossas próprias escolhas, ter a liberdade de viver nossas
vidas do jeito que queremos?

Não entendia porque isso era tão imperdoável. É por isso


que Lilith e eu trabalhamos tão bem juntos. Pensávamos da
mesma forma.

Lilith revirou os olhos. “Primeiro de tudo, agora, te


matar terá zero impacto no Inferno. Desculpe dizer, você não
é o influenciador que já foi. O Inferno não vai desaparecer,
outra pessoa vai apenas intensificar, então ele não terá
sucesso em nada lá. Além disso, você sabe por que ele vem
aqui, certo?” Ela me olhou incisivamente.

“Para irritar a merda fora de mim? Ficar de olho em mim


e reportar aos nossos irmãos?” Dei de ombros. “Não sei. Não
me importo. O ignoro, na maioria das vezes.”
Lilith riu. “É a sua maldita sauna! Apenas Fogo do
Inferno puro pode deixar uma sauna tão quente. O cara está
tão fixado em sua aparência e seu ‘autocuidado’, que vem até
aqui para garantir que obtenha o melhor para seu ego frágil.”

“Só pode estar brincando comigo. É uma longa viagem


para algo tão simples.” Apenas um punhado de fraldas
permaneceu na pilha suja. Esperava que meu outro cara
estivesse trabalhando duro lá em cima. Devo ir verificar em
breve.

“Então, se Miguel quisesse te matar, ele provavelmente


perderia a sauna e ainda teria que lidar com o Inferno. Sabe
o que eles dizem, melhor o Diabo que você conhece...” Ela
parou com um sorriso.

“Estava pensando, no entanto...” Continuou. “Por que


não dou uma olhada nessa coisa de George Hernandez e vejo
onde isso nos leva? Pode não ser nada, mas não quero deixar
pedra sobre pedra.” Ela se virou para olhar para mim. “O que
você acha?”

“Sim.” Respondi, os olhos ainda na cena à minha frente.


“No mínimo, podemos dizer que exploramos todas as
opções.” Me virei para olhar para ela. “Obrigado, a propósito.
Você não tem que assumir isso por mim, e aprecio sua
ajuda.”

“Sei disso, mas eu quero.” Lilith se levantou de seu


assento. “Bem, de qualquer forma, estou fora. Pense no seu
próximo passo aqui. E lembre-se! Jogue como um bom
menino!” Ela se afastou, dando uma das vistas do Inferno
que eu não me cansava.

Falando em cansaço, essa parte da fralda já estava


chata. Assisti o cara perder o almoço com apenas uma fralda
para ir. Suspirei e lentamente montei um plano de jogo para
o meu próximo encontro com Evelyn, enquanto eu fazia o
cara limpar sua própria bagunça.
EVELYN
“Boa noite, querida!” Asmodeus entrou na sala com um
brilho de prazer em seus olhos. Hoje seu terno era amarelo-
sol, com uma camisa azul-clara por baixo, com o botão de
cima desabotoado e sem gravata à vista. Para completar, ele
estava usando um par impecável de Chucks todo branco.
Seu cabelo ainda estava impecável. Como ele fazia isso?

“Seria melhor se eu saísse deste quarto nojento.” Rebati.


Não entendia porque tinha que suportar esse Inferno literal.
Isso já era ruim o suficiente, mas ainda por cima, estava
presa nesta sala. Estava chegando ao fim do segundo dia no
Inferno, e me sentia cada vez mais enojada com meu cenário.
“Você já esteve em um banheiro de bar tão nojento que teve
medo de roçar nas paredes? É exatamente assim que se
parece, com a adorável adição de sangue escorrendo pelas
paredes.”

Asmodeus ficou sem palavras por um segundo. Não


acho que ele esperava qualquer reação. Olhou ao redor da
sala como se estivesse realmente vendo pela primeira vez.

“Bem, passe manteiga na minha bunda e me chame de


biscoito.” Ele olhou de volta para mim. “Você está certa,
senhorita, e seus protestos são perfeitamente cronometrados.
Suas acomodações são o motivo de estar aqui. Me siga.”

Asmodeus girou nos calcanhares e saiu pela porta da


minha cela, e como a cavalo dado não se olha os dentes, o
segui pelo corredor. Desta vez, enquanto caminhava atrás
dele, notei um padrão nas rachaduras na parede. Parecia
que alguém tinha sido empurrado contra ela, com força
suficiente para rachar os azulejos e expor a cerâmica branca
sob o esmalte preto brilhante. Tentei imaginar a força que
deveria estar por trás disso e determinei que não poderia ter
sido um humano que fez. Olhei para o chão de concreto
escuro e, por mais imundo que estivesse, não vi vestígios de
sangue ou qualquer sinal de que algum ferimento sério
tivesse ocorrido.

Caminhamos por um tempo, virando algumas esquinas,


e marchei resolutamente, determinada a não olhar por
nenhuma das portas enquanto passávamos. Descobri que
não queria saber o que todas elas continham.

Comecei a me perguntar o quão grande era o Inferno,


considerando quanto tempo estávamos andando. Após cerca
de dez minutos de caminhada pelo corredor aparentemente
interminável, Asmodeus me levou a um quarto escuro de
tamanho decente, sem janelas. Olhei ao redor da sala e
congelei no meu lugar.

Era tudo estranhamente familiar.

“Isso... Essas coisas são minhas!” Exclamei enquanto


olhava ao redor da sala e vi a poltrona reclinável e o pufe
familiar. Ao lado dele, minha cesta de fios estava no chão. Eu
tinha encontrado o fio branco insanamente macio e
volumoso nesta loja local e me apaixonei. Só sabia que
precisava de um daqueles cobertores inúteis para jogar no pé
da cama para adicionar um pouco mais de personalidade ao
meu quarto. Podia ver noites aconchegantes no meu futuro,
mãos em volta da minha caneca favorita, chá de camomila as
mantendo quentes, um cobertor sobre os joelhos e um filme
de terror sólido na televisão.
Como as texturas suaves pareciam estranhas contra a
escuridão do Inferno.

“Claro que sim, querida. Conseguimos tudo do seu


apartamento, e quero dizer tudo.”

Asmodeus caminhou pelo perímetro da sala,


examinando tudo. Minha nova tela plana estava pendurada
na parede à esquerda, uma grande ostentação quando saí do
exército, e a antiga mesa de centro estava embaixo dela,
abrigando o Xbox e o roteador.

O wifi funcionava no Inferno? Fiz uma nota mental para


testar isso mais tarde.

Ele continuou andando entre minha poltrona e o


pequeno sofá, passando pela porta à direita e entrando no
meu quarto. Eu o segui. Minha cômoda estava encostada na
parede à nossa frente, com a cama à direita. Ele pegou meu
ursinho de pelúcia da cômoda com apenas dois dedos. Olhou
para ele com uma pitada de desgosto e o jogou de volta na
poltrona.

“Tenho este urso desde que era uma garotinha.” Me


peguei explicando antes de ficar irritada. “E por que você foi
buscar todas as minhas coisas?” Coloquei as mãos nos
quadris. “Não é como se vocês tivessem sido gentis comigo
até agora, e da última vez que verifiquei, não estava
realmente morta, então de fato, nem deveria estar aqui.”

“Lúcifer achou que você deveria se sentir mais


confortável.” Asmodeus deu de ombros como se isso
explicasse tudo, então caminhou até meu armário e abriu as
portas duplas. “Vista-se, doçura. O jantar está esperando.”
“Oh, como ele é atencioso.” Revirei os olhos, mas fiquei
aliviada por finalmente poder tirar minhas roupas de
trabalho.

“Você sabe que isso fica sob a pele dele, não é?”
Asmodeus perguntou conscientemente, virando-se para me
encarar.

“O que fica sob a pele dele?” Perguntei. “O que poderia


irritar o Diabo?”

“Você falando com ele do jeito que você faz.” Ele


respondeu com um encolher de ombros. “Ninguém fala com
ele assim. Se tentarem, essa é a única oportunidade que
terão antes de nunca mais falarem.” Um sorriso
conspiratório surgiu em seu rosto. “O deixa louco não poder
fazer nada sobre isso com você.”

“Bom saber.” Murmurei enquanto passava por ele para o


meu armário.

Virei para ele. “Posso ter um pouco de privacidade, pelo


menos?”

Asmodeus assentiu e saiu, e olhei ao redor do meu


quarto novamente. Quando assinei o contrato de aluguel do
novo apartamento, me apaixonei pela varanda do quarto
principal. Foi a primeira coisa que notei ao entrar na sala,
porque estava diretamente em frente à porta. A porta de
correr de vidro deixava entrar muita luz, e adorava sair com
uma xícara de café para apreciar o canto dos pássaros e a
luz do sol na minha pele.

Esta versão da minha casa estava faltando essa


característica importante, e fez toda a sala parecer
deprimente e mórbida. Estava escuro como, bem, o Inferno.
Vai saber.
Com um suspiro, olhei para o meu fio branco
novamente, e isso trouxe algum conforto.

Me perguntei porque Lúcifer dava a mínima para o quão


boas eram minhas acomodações. Ele me sequestrou e
acorrentou, e agora estou recebendo tratamento especial?
Também me perguntei sobre o que era esse jantar. Estou
sendo autorizada a me refrescar e mudar de roupa, e para
quê? Não estava particularmente empolgada com um jantar
chique no Inferno. Preferia muito mais uma tigela de
macarrão aninhada no colo enquanto me enrolava no sofá e
percorria a Netflix sem pensar. Sozinha. Por mais legal que
fosse ter minhas coisas aqui, a falta de luz do sol estava
começando a me incomodar. Pelo menos eu tinha Wi-Fi. Nem
precisava hackear. Alguns bons palpites e estava dentro.
Lúcifer provavelmente deveria intensificar suas medidas de
segurança.

Percebendo que não tinha escolha, decidi saborear o


conforto de casa enquanto me preparava. Passei um tempo
selecionando cuidadosamente minha roupa. Peguei meu
jeans skinny favorito, botas de couro pretas e regata cinza
escuro mais suave que fazia meus seios parecerem incríveis.
Me perguntei porque me importava com a aparência, mas
decidi que estava simplesmente grata por ter meu armário de
volta. Então entrei no banheiro e me olhei no espelho. Meu
cabelo não estava tão ruim. Coloquei alguns fios soltos de
volta e peguei alguns grampos para arrumar tudo. Nunca
usei maquiagem para trabalhar, então optei por colocar uma
maquiagem básica depois de escovar os dentes e lavar o
rosto. No mínimo, isso me faria sentir um pouco mais como
eu mesma.

Me sentindo muito mais arrumada, voltei pela minha


sala de estar e entrei no corredor para encontrar Asmodeus
com as costas encostadas na parede oposta. Ele tinha um
tornozelo cruzado sobre o outro, e suas mãos cruzadas na
frente de seus quadris. A sombra de um sorriso cruzou seu
rosto enquanto me olhava de cima a baixo.

“Nossa, que transformação!” Asmodeus jorrou quando


saltou da parede e me agarrou pelas mãos. “Essa roupa
realmente faz seus olhos saltarem, e eu detecto…” Fez uma
pausa e cheirou o ar. “Isso é o Chanel nº 5?” Olhou para
mim conscientemente, piscou e começou a andar pelo
corredor.

O som do meu estômago roncando deve tê-lo pego um


pouco desprevenido, porque parou no meio do caminho e
olhou para mim com horror. “Vamos garota, vamos colocar
um pouco de comida em você.”

Não tinha percebido o quão faminta estava até este


momento e acelerei o passo para acompanhá-lo. Entre o
corredor escuro e sombrio, as paredes manchadas de
sangue, e o esforço consciente de trazer o conforto da minha
casa para mim, realmente não sabia o que esperar dessa
comida. Que tipo de comida eles servem no Inferno?

Estava com medo de descobrir.


EVELYN
Ainda estava confusa sobre o layout deste lugar. Parecia
que os quartos eram o que os usuários queriam que fossem.
Poderia jurar que a sala à minha esquerda era a que estava
antes, mas todos os pães e massas haviam desaparecido, e
agora parecia uma sala de cirurgia vazia completa, com um
piso frio de ladrilhos, mesa de operação cuidadosamente
preparada e um carrinho cheio de ferramentas cirúrgicas de
metal brilhante. Andei um pouco mais rápido. Não estava
prestes a fazer perguntas sobre o que ia acontecer lá.

Um dos quartos à direita tinha portas duplas de madeira


ornamentadas, uma das quais estava aberta, e dentro havia
uma longa mesa de jantar de madeira, com capacidade para
dez e uma variedade de alimentos diferentes dispostos ao
longo de seu comprimento. Na cabeceira da mesa, vestido
com um terno todo preto, até o pequeno lenço de seda saindo
do bolso do paletó, estava Lúcifer.

Droga, ele ficava bem de terno. Apesar da natureza


monótona de sua roupa, ou talvez por causa disso, parecia
mais bonito do que já tinha visto. O examinei
sorrateiramente. Seu cabelo estava incrivelmente bem
cuidado e penteado para trás, mas ainda parecia
incrivelmente cheio e macio. Seus olhos intensamente
escuros me perfuraram e, quando olhei mais fundo,
pareciam conter inúmeras histórias e emoções dentro deles.
Me peguei querendo descobrir todas essas histórias. Seu
paletó tinha alinhavos decorativos ao longo das costuras, e
assumi que as calças tinham a mesma atenção aos detalhes.
Sua camisa preta estava perfeitamente passada sob a
gravata de seda preta.

Ele havia se recostado na cadeira, um tornozelo apoiado


em cima da outra perna, expondo as meias pretas e exibindo
sapatos de couro preto impecavelmente polidos. Havia uma
taça de vinho enorme apoiada em seu joelho, e ele exalava
um ar de confiança.

Uma parte de mim ainda estava irritada por estar aqui,


para começar, mas a outra parte... A outra parte queria
escalá-lo como uma árvore. Olhei para minha roupa e me
senti totalmente mal vestida e medíocre.

Comida. Estava aqui para a comida. Estalei meus dedos


com meus polegares enquanto reorientava meus
pensamentos em coisas mais apropriadas.

“Sente.” Ele disse quando entrei, então gesticulou para a


cadeira ao seu lado com a mão livre.

Embora estivesse com fome, hesitei. Não gostava de


receber ordens desse homem. Esse direito era praticamente
reservado aos meus comandantes, e eu não estava mais no
exército. Virei minha cabeça de volta para a porta e encontrei
Asmodeus ainda lá, montando guarda com as mãos cruzadas
na sua frente. Ele deu um aceno curto como se quisesse me
deixar saber que não havia problema em me sentar. Isso me
irritou ainda mais, mas estava morrendo de fome. Sentei e
olhei Lúcifer nos olhos.

“Por que a mudança repentina de comportamento?”


Perguntei em voz alta. “O que é tudo isso? Você está
tentando me bajular agora? Eu te disse, não sei merda
nenhuma.”
“Se acalme.” Lúcifer respondeu calmamente. “Eu
simplesmente percebi que você é humana e ainda precisa de
sua nutrição. Relaxe e coma.” Ele acenou com a mão na
direção geral da comida diante de mim. Percebi que se serviu
de um prato cheio de comida antes que eu chegasse, embora
parecesse intocado até agora.

Não podia discutir. Estava morrendo de fome, afinal.


Peguei as pinças e comecei com a salada Caesar que estava
na minha frente. Estava empilhada em uma grande tigela de
aço inoxidável, com uma tigela menor de molho ao lado.
Olhei para cima e percebi o ridículo de todo esse cenário.
Coloquei as pinças para baixo e me virei para encarar Lúcifer
diretamente.

“Você gostaria de dizer a oração?”

Lúcifer olhou para mim por um momento, e então um


pequeno sorriso se espalhou por seu rosto. Ele riu. “Isso foi
bom. Você me deixou confuso por um minuto!”

Percebi que seu sorriso alcançou seus olhos, e isso o fez


de repente parecer significativamente mais humano. Meu
próximo pensamento ficou preso na garganta, mas lutei
contra ele, determinada a não me distrair.

“Então, e aí? Não gosto de ser arrastada até aqui e


submetida a essa merda. O que você quer?” Minha paciência
se foi por este ponto. Precisava de respostas.

“Submetida a jantar?” Ele respondeu secamente: “Que


terrível para você. Além disso, sabe o que quero.” Lúcifer
falou suavemente e com calma. “Eu quero saber como você é
capaz de me machucar. Você vê, ninguém nunca foi capaz de
me machucar antes. Nunca.” Ele apontou direto para mim.
“Isso a torna especial. Isso a torna diferente. Não gosto de
diferente e principalmente não desse tipo de diferente. Quero
respostas. E se não ouviu, tenho praticamente toda a
eternidade para obtê-las. Não estou com pressa. Enquanto
isso, você precisa comer.” Ele gesticulou para a comida na
minha frente com naturalidade. “Então, coma.”

Falar com Lúcifer em um ambiente tão casual me fez


relaxar um pouco porque, por um momento, quase parecia
que estava vendo o homem por trás das asas. Respirei
calmamente, peguei a pinça de volta e empilhei um, dois,
três lotes de salada Caesar no meu pequeno prato. Peguei a
concha e despejei uma quantidade generosa de molho sobre
a salada. Não é uma salada, a menos que você adicione
calorias completamente desnecessárias para negar todos os
benefícios à saúde. Todo mundo sabe disso.

Enquanto olhava para a salada, reparei nos talheres e


na borda dourada ao redor de cada prato branco. Combinava
perfeitamente com os utensílios de ouro e a costura dourada
nos guardanapos de pano branco. Estava grata por não
apenas ter um copo de água diante de mim, mas também
minha própria taça de vinho enorme. Senti que merecia um
copo, ou cinco. Todo o cenário parecia muito exagerado, mas
não estava prestes a questionar uma refeição decente. Peguei
meu garfo e comecei a coletar um punhado de folhas de
alface nas pontas, garantindo a proporção perfeita de molho
para salada enquanto fazia isso.

“Então, além de mim, ninguém na história de, tipo,


nunca foi capaz de machucá-lo?” Perguntei, de repente
curiosa.

“Não.” Lúcifer franziu a testa em pensamento. “Quero


dizer, Miguel e eu certamente tivemos nossos momentos,
mas nenhum dano real foi causado. Estarei aqui para
sempre. Até o fim dos tempos. A menos que, aparentemente,
você tenha algo a ver com isso.” Ele olhou para mim, e
finalmente vi sua personalidade enterrada nas profundezas
de seus olhos incrivelmente escuros. Parecia estar
procurando as respostas em meu rosto. Senti um arrepio na
espinha. Decidi ignorá-lo.

“Miguel. Você quer dizer o arcanjo?” Parei o garfo a meio


caminho da boca. Percebi depois que fiz a pergunta que
provavelmente era uma idiota.

“Quero dizer meu irmão.” Ele respondeu simplesmente.

Isso tudo estava explodindo minha mente. Depois de dar


a primeira mordida na salada, rapidamente peguei a garrafa
de vinho na mesa e enchi meu copo. Eu precisava de uma
bebida. Notei que o rótulo dizia Screaming Eagle com um
rótulo simples e inexpressivo. Me perguntei como deveria ser
a coleção de bebidas de um ser imortal e atemporal.

“E se eu só quiser ir para casa?” Sabia a resposta, mas


queria ouvi-la dele.

“Sabe que não posso deixar você fazer isso.” Lúcifer


respondeu, ainda frio como um pepino. “Mas reconheço que
o quarto em que estava não é apropriado para um longo
prazo, e posso ver que você está sendo teimosa. Pode levar
algum tempo para obter minhas respostas. Enquanto isso,
você também pode ficar confortável. Fiz o que pude para que
isso acontecesse.”

Lúcifer girou o vinho em seu copo, observando-o


pensativo, tomou um gole lento e apreciativo. Estava
perfeitamente ciente de que todos os problemas que ele tinha
causado significavam que não havia como sair daqui tão
cedo. Irritada, pensei em como tinha saído. Um pacote da
Amazon deveria chegar no dia seguinte. Isso me fez pensar
se ele estava sentado na minha varanda da frente naquele
momento, sendo cozido ao sol.
Percebi então que isso não era um grande problema. Um
pacote abandonado não era o fim do mundo. Isso ao mesmo
tempo me deprimiu e deu uma razão para ficar. Eu queria
resolver esse mistério também, mesmo que isso significasse
que teria que ficar neste lugar sombrio enquanto fazíamos
isso. Meus novos livros de receitas teriam que esperar na
minha varanda.

Minha salada terminou, movi meu prato de salada para


o lado e peguei a colher de servir à minha direita, me
servindo de uma pilha de arroz e feijão que ocupava metade
do prato. Isso sempre foi um prato principal na minha
família enquanto crescia, e estava feliz por ter um hoje à
noite. Antes de pegar um pouco do frango desfiado que
estava na bandeja ao lado, peguei meu garfo e joguei uma
garfada de arroz e feijão na boca.

E imediatamente cuspi. “Que porra!” Gritei com


desgosto.

Lúcifer pareceu ofendido e horrorizado ao mesmo tempo.


“O que aconteceu?!” Exclamou.

“O que você fez? Cozinhou isso e depois mergulhou em


óleo?!” Inclinei a tigela de servir para ver o interior e, com
certeza, estava nadando em óleo. Isso certamente explicava a
escumadeira.

“Nunca tinha feito arroz com feijão antes, mas queria


oferecer algo familiar.” Ele parecia irritado. “Você poderia ser
um pouco mais educada.”

“Educada com o Diabo?” Retruquei. “Da próxima vez,


corte o óleo. Todo o óleo. Não precisa de nada disso.”

Ele apertou os olhos um pouco em desagrado. Poderia


dizer que ele não estava emocionado por ser repreendido por
alguém. Quando peguei um pouco de frango, porém, o vi
puxar uma caneta e um bloco de notas e anotar algo.

“O que você está escrevendo?” Pressionei, a mão


pairando sobre a pinça.

“Nada.” Ele murmurou e rapidamente colocou o


caderninho de volta no bolso. “Coma sua comida.”

Comemos em silêncio por um tempo, Lúcifer pegando


seu garfo pela primeira vez desde que cheguei. Os únicos
sons entre nós eram o tilintar de utensílios e o barulho de
vinho sendo espirrado contra o interior de nossos copos.

O vinho era requintado. A cor escura da tinta definiu


minhas expectativas muito bem. Havia notas de frutas
profundas com um toque de especiarias, e eu saboreava cada
gole, sem saber quando teria outra oportunidade de
desfrutar de algo tão simples. Fiz uma anotação mental do
rótulo para procurar mais tarde, se e quando pudesse ir para
casa. Era um rótulo enganosamente simples, então não
esperava que fosse um vinho tão intenso baseado apenas na
garrafa.

Depois de um tempo, decidi aproveitar essa posição


única em que estava. Jantar com o Diabo. Tive mais um
momento de descrença na minha situação atual antes de
reorientar meus pensamentos.

“Então, qual é o problema com Asmodeus? Primeiro, ele


me obriga a crochetar alguma besteira no escuro enquanto
me provoca da minha própria cadeira. Em seguida, está me
levando para uma sala cheia de minhas próprias coisas. O
que exatamente ele deveria estar realizando?” Disparei essas
declarações com impaciência e, admito, um pouco
rudemente. Jantar ou não, ainda era uma refém. Lembrei-me
do que Asmodeus me disse sobre ficar sob a pele de Lúcifer.
Apertar botões era certamente uma habilidade que eu havia
refinado ao longo dos anos, e estava mais do que feliz em
colocar minha habilidade em uso aqui.

“Asmodeus é atualmente responsável por garantir que


você tenha todos os confortos de casa durante a sua estadia
aqui.” Lúcifer respondeu suavemente, colocando o garfo no
prato e se sentando na cadeira. “Ele está seguindo minhas
ordens. Não tome isso como garantido, no entanto. Posso
fazê-lo voltar ao início do seu arranjo, se assim o desejar.”

Tive a impressão de que era uma ameaça quase vazia.


Ele não parecia querer me assustar. Em vez disso, tive a
nítida impressão de que queria que eu me sentisse
confortável. Por que mais ele passaria por todo esse trabalho
para tentar um dos meus pratos favoritos? Corri a língua
sobre o céu da boca. O sabor desagradável do óleo
permaneceu, cobrindo o interior da minha boca, mesmo
depois de várias garfadas de frango e muitos goles
prolongados de vinho.

“Então, você cozinhou toda essa comida?” Perguntei


enquanto colocava todo o meu foco no frango. Não foi tão
ruim. Um pouco seco, mas o sabor estava todo lá.

“Eu fiz.” Respondeu Lúcifer, enquanto girava o vinho em


seu copo e olhava para ele distraidamente. “Eu tenho uma
associação Costco6.”

6Costco Wholesale Corporation é uma empresa de varejo


americana, sediada em Issaquah, Washington. A Costco é
uma rede de clube de vendas e é muito famosa nos Estados
Unidos, tendo quase 500 armazéns.
Quase engasguei e me forcei a engolir os pedaços de
frango que acabara de enfiar ansiosamente na boca. “Você o
que?”

“Ou talvez eu tenha um demônio executando minhas


tarefas.” Lúcifer sorriu para sua própria piada enquanto
tomava um gole de seu vinho.

“Uma associação Costco.” Murmurei para mim mesma,


imaginando o Diabo comprando toalhas de papel a granel.

“Ei, eles têm ótimos preços.” Ele respondeu com um


sorriso. “E a seleção de carnes é sempre incrivelmente fresca.
Não critique isso.”

“Você comprou seu óleo a granel também?” Espetei, e ele


estreitou os olhos para mim.

“Claro.” Ele me observou com atenção. “O Inferno é


grande. Compramos tudo a granel.”

“Bem, isso faz sentido.” Sorri para ele. “Você sabe, esta é
realmente uma conversa semi-normal.” Bati o garfo no prato
levemente enquanto pensava. “É meio legal.”

“Fico feliz.” A coisa era, pela forma como seus olhos


procuraram meu rosto, eu poderia dizer que falava sério.

“O que vem a seguir para mim, então?” Disse porque era


a pergunta de um milhão de dólares. “O que está na agenda
para amanhã? Ou no dia seguinte? Ou daqui a mil anos?”

“Desacelere.” Disse ele, retomando seu comportamento


anterior com um sorriso divertido. “Um dia de cada vez.” Ele
cutucou seu purê de batatas. “Você deveria experimentá-los.
Usei meu ingrediente especial patenteado para garantir que
fique mais macio.”
“É maionese?” Perguntei enquanto pegava uma garfada.
“Porque minha avó costumava fazer isso o tempo todo.”
Coloquei na boca e mastiguei pensativamente. O purê era
realmente muito bom. E muito cremoso.

“Não.” Disse Lúcifer enquanto saboreava uma mordida.


“O segredo é adicionar nuvens.”

“Nuvens?” Perguntei em confusão.

“Coisas no Céu? Grande, fofa e branca?” Me deu um


olhar preocupado. “Às vezes parecem animais, e outros
enfeites?” Ele me observou com atenção. “Você já ouviu falar
delas.”

“Você quer dizer nuvens de verdade?” Perguntei


enquanto olhava para as batatas. “Porque parece que você
está falando de nuvens reais, e isso é impossível.”

“Você pensaria isso, não é?” E seu sorriso de auto-


satisfação me fez pensar se ele estava apenas fodendo
comigo.

Quando terminamos a refeição, ele parecia muito menos


o Rei do Inferno e muito mais... Humano.

Me levantei no final e agradeci pela refeição, e então


Asmodeus me levou de volta ao meu quarto. Me peguei
fazendo uma pergunta atrás da outra em nossa viagem de
volta pelo labirinto de corredores.

“Então, Lúcifer cozinha com frequência?” Soltei.

Asmodeus riu. “Quase nunca!” Ele parecia estar


mergulhado em pensamentos por um momento antes de
acrescentar: “Ele sempre consegue estragar alguma coisa.”
“Ele tem convidados para jantar regularmente?” Estava
curiosa sobre o quão especial era este jantar. Afinal, não é
todo dia que você é convidado para jantar com o Diabo.

“De vez em quando.” Asmodeus respondeu pensativo.


“Se precisa discutir algo ou coletar informações, ou de
alguém do seu lado, ele geralmente organiza. Não sei quais
são as especificidades desta refeição em particular, mas ele
deve querer algo de você. Caso contrário, não me deixaria
passar pelos movimentos de fazer você se instalar
confortavelmente aqui embaixo.”

“Ele sempre usa terno para jantar?” Lembrei da minha


primeira impressão ao entrar na sala de jantar.

Asmodeus me deu um olhar conhecedor. “Sim.” Disse


com um sorriso. “Toda noite.”

Finalmente chegamos à minha porta. Asmodeus


assentiu silenciosamente antes de se virar, me deixando
sozinha no corredor. Uma vez dentro do quarto,
imediatamente fui procurar meu pijama favorito. Eles
estavam aqui, como esperava neste momento.

As calças largas e macias e a camiseta surrada eram


velhas, mas incrivelmente confortáveis. A camisa azul claro
era a minha favorita. Eu a tinha marcado quando um antigo
namorado a deixou em minha casa há vários anos. Ele
nunca pediu de volta, então declarei minha e a guardei. O
relacionamento fracassou, mas esta camisa ainda estava
forte.

Era incrivelmente macia por ter sido lavada tantas


vezes. A impressão na frente estava desbotada e mal podia
ser percebida, mas a coruja Tootsie Pop ainda estava lá,
lambendo seu pirulito. A calça preta lisa veio de uma
prateleira de liquidação no shopping. Eu as peguei porque,
ei, três dólares por calças de pijama é incrível, e sou uma
otária por um ótimo negócio. Não tinha ideia na época que
elas se tornariam minhas favoritas. Eram incrivelmente
macias e leves, e me peguei tentando usá-las
constantemente por causa disso.

Comecei a refletir sobre a conversa do jantar que tive


com Lúcifer. Ele me pareceu alguém que tinha visto muito e
tinha dificuldade em encontrar algo que o surpreendesse.

Tive a impressão de que o estava tirando do jogo. E


secretamente? Acho que ele gostou disso. Com esse
pensamento girando em meu cérebro, me enrolei na poltrona
e puxei a cesta de lã para mim. Focar em um novo projeto
era a maneira perfeita de limpar minha cabeça.

Começar a primeira linha de qualquer projeto é um


pouco tedioso. Tive que contar os pontos baixíssimos e
depois dobrar de volta com um único ponto de crochê para
me preparar para o resto do cobertor.

Uma vez que mergulhei no corpo do cobertor, porém,


deixei minha mente vagar. Me encontrei focando na testa
franzida de Lúcifer e na forma como seus olhos escuros
olhavam diretamente para minha alma.

Aquele arrepio percorreu minha espinha novamente, e


não pude ignorá-lo desta vez. Isso era atração? Eu poderia
ser atraída por… Lúcifer? Aquele que me sequestrou e trouxe
para o Inferno? Fiz o crochê mais rápido. Este cobertor ia ser
feito rapidamente se fosse usá-lo para evitar certos
pensamentos.
LÚCIFER
Seja bonzinho. Isso foi o que Lilith disse ontem.

Jogue bem.

Não foi isso que eu fiz? Mas não parecia jogar em nada.
Descobri que realmente queria ser legal com Evelyn ontem à
noite no jantar. Ela era fácil de conversar, mesmo com sua
atitude mal-humorada. Achei que gostava de seus
comentários sarcásticos, o que era estranho. Eu tinha
torturado almas por menos que isso.

Fiquei na frente do meu trono, olhando para a extensão


de ladrilhos escuros abaixo de mim. Cerberus deixou suas
pegadas encharcadas de sangue por todo o chão. Podia ver o
caminho que ele tomou e os saltos súbitos que deu enquanto
saltava sobre seu novo brinquedo. O fêmur de Hitler estava
abandonado no chão agora, enquanto Cerberus se servia de
um pouco de água bem merecida.

Sentei enquanto esperava pela equipe de limpeza que


havia chamado, notando que meu trono estava ficando cada
vez mais desconfortável a cada dia que passava. Precisava
gastar tempo solucionando o problema. Fazer pequenos
ajustes aqui e ali não estava ajudando. Enquanto estava de
pé sobre ele, com as mãos nos quadris, olhando
pensativamente em volta para mais uma solução rápida, vi
um dos meus demônios passar pelo canto do olho. Virei-me
para encarar a entrada.
“Stolas.” Disse, e ele voltou para a minha porta. “Envie
Lilith para mim.”

“Sim, senhor.” O homem alto, magro e de olhos


arregalados respondeu, e se apressou em seu caminho,
empurrando seus enormes óculos redondos de armação de
metal na ponta do nariz enquanto andava.

A companhia agradável do jantar de ontem à noite se foi,


me peguei pensando na noite novamente. A conversa fluiu
facilmente, ri mais do que ria em algum tempo, e desejei que
não tivesse terminado tão cedo. Minha mente vagava
enquanto andava, pensando em maneiras de passar mais
tempo com Evelyn. Posso estar olhando para o meu trono e
os crânios ao redor, mas minha mente estava em outro
lugar.

Talvez marcar outra data para o jantar fosse adequado.


Eu precisaria focar um pouco mais no menu, no entanto.
Não ousei mencionar isso a Evelyn, mas também notei uma
quantidade obscena de óleo no arroz e no feijão. Precisava
discar isso antes de servi-lo novamente. Além disso,
precisava garantir que a próxima refeição fosse uma receita
testada e comprovada que já havia sido um grande sucesso.

Pensei na minha assinatura de ziti assado. Isso seria


definitivamente um sucesso infalível. Parecia que precisaria
enviar outro demônio em uma corrida de supermercado.

Não demorou muito para Lilith me encontrar.

“Você voltou inteiro!” Ouvi o tom animado em sua voz


antes que entrasse na sala. Ela veio ao virar da esquina, o
cabelo chicoteando atrás dela, seus sapatos azuis
extravagantes e vestido cinza escuro parecendo incrível como
de costume, e estava sorrindo de orelha a orelha.
“Sim, foi melhor do que eu esperava.” Cautelosamente
tomei meu assento e estiquei meus braços ao longo dos
braços. Observei enquanto ela seguia sua rota habitual até o
bar.

O vestido cinza escuro era feito de um tecido leve e de


aparência suave que abraçava cada curva e batia logo acima
do joelho, permitindo que os músculos bem definidos de
suas pernas ocupassem o centro do palco. A parte de trás do
vestido era praticamente inexistente, os músculos em suas
costas e ombros dançando com cada movimento que ela
fazia. Seus saltos azuis pareciam ser feitos de camurça ou
algo similarmente macio. Ela sempre foi uma visão bem-
vinda, mas hoje mais do que o habitual.

“Alguma ideia de onde ela vem ou o que está


acontecendo?” Lilith caminhou atrás do bar e se inclinou
para pegar um cabernet do refrigerador de vinho. Hesitei por
um momento em pensamento enquanto ela o colocava no
balcão, alcançava cegamente seu fiel abridor de garrafas e
começava a abrir a garrafa. Evelyn e eu nos desviamos
ontem da nossa conversa? Parecia que depois que ela ficou
na defensiva e argumentativa, nunca trouxe a situação de
volta. Isso parecia notavelmente diferente de mim.

“Eu, uh, não.” Lilith me pegou tropeçando em minhas


palavras, parando no meio do derramamento e olhando para
mim através de seus cílios.

“Não?” Ela olhou para mim com confusão, sobrancelhas


franzidas e olhos estreitos. “Você conseguiu alguma coisa?
Como a resposta é não?”

Fiz uma pausa. Respirei fundo e estiquei meus braços


ainda mais, deixando meus dedos se esticarem e enrolarem
um de cada vez em sucessão sobre a borda do apoio de
braço. Foi um show, um lance de tempo enquanto reunia
meus pensamentos o mais rápido que podia.

“Ela teve uma atitude muito azeda sobre tudo.”


Respondi simplesmente, minha cabeça inclinada para um
lado. “Acho que esse seu método levará um pouco mais de
tempo.”

Sim é isso. Vou colocá-lo de volta nos ombros de Lilith.


Esta foi a ideia dela, afinal.

Lilith olhou para mim e apertou os olhos em suspeita.


“Você está desenvolvendo alguns sentimentos por essa
garota ou algo assim?” Ela tomou um grande gole de vinho,
mantendo os olhos em mim o tempo todo. Eu a vi olhar para
baixo, sem dúvida notando que minhas mãos estavam
vazias.

“Não!” Respondi um pouco rápido demais. “Não, não


tenho tempo para tudo isso. Estou simplesmente tentando
jogar isso direito. Ela é muito esperta, vai ver através disso
se eu tentar apressar.”

Ela deu de ombros concordando. “Você está certo. Não


podemos ser transparentes sobre isso.” Poderia jurar que vi
alívio em seus olhos. Ela se virou para o bar, pegou meu
copo de conhaque e começou a me servir um copo de Louis
XIII.

“Falando nisso.” Lilith continuou enquanto passeava até


meu trono, “Fiz algumas pesquisas, e realmente encontrei
algumas informações úteis usando o nome do pai dela.”

“Oh?” Não esperava resultados tão cedo. “O que você


descobriu?”
“Então, tudo bem.” Ela me entregou meu copo, estendeu
a mão atrás do trono e puxou uma cadeira dobrável. Ela
sempre a mantinha guardada lá para sessões como essa.

Quando perguntei originalmente sobre isso, ela me deu


uma história detalhada sobre como os pés de uma mulher se
sentem depois de usar salto alto por longos períodos de
tempo. Ela me disse o quanto era importante que tivesse a
oportunidade de se sentar, e não me lembro de concordar em
deixar a cadeira lá, mas ela decidiu que ia, então aceitei.

Lilith sentou, cruzou as pernas e se inclinou para frente,


segurando a haste de sua taça de vinho com as duas mãos,
como se estivesse se preparando para divulgar um segredo.
“Consegui rastrear o pai dela. Ele está no Céu. Obviamente,
não tenho acesso, mas não queria enviar você em uma
missão inútil, então continuei cavando e consegui rastrear a
linhagem até a tataravó de Evelyn.”

Ela sorriu com satisfação de seu sucesso até agora. “O


nome dela é Filomena, ela também está no Céu, Seção 105-
FA-908-LP. Ela teve um filho, apenas um, que era bisavô de
Evelyn. Aquele filho não mostra pai na certidão de
nascimento. Para encurtar a história, depois de fazer toda
essa merda de árvore genealógica, esse é o único buraco, a
peça que falta no quebra-cabeça, que pode nos dar uma ideia
de quem ela é. Vamos descobrir quem é o tataravô dela. E
para fazer isso, acho que você precisa ir para o Céu.”

Paraíso. Eu odiava isso lá. Meus irmãos falaram sobre


como era ótimo, milagroso, era perfeito. E era perfeito. Muito
perfeito, e pior, o livre arbítrio era desaprovado lá. Eles eram
o exército perfeito de Deus, um bando de soldadinhos
agradáveis, e eu era a ovelha negra.

Agora, os livros de teologia dirão ao humano comum que


não tenho permissão para voltar ao Céu. Isso não é verdade.
Claro, eles não me recebem de braços abertos lá, mas nunca
vão me trancar do lado de fora. Esse não é o caminho de
Deus. Miguel certamente se esforçou para me fazer sentir
indesejado, assim como cerca de um terço dos anjos lá, mas
a maioria não tinha uma opinião forte de uma forma ou de
outra. Eles podem não ter concordado com minhas escolhas,
mas não se importaram em meter o nariz no meu negócio.
Nós dois seguimos nossos próprios caminhos. Certamente
não subia lá a menos que tivesse necessidade, então, na
maioria das vezes, não estava no radar deles.

Acho que tinha que mudar isso se quisesse continuar


nessa toca de coelho.

“Seção 105-FA-908-LP.” Mordi o lábio pensativamente.


“Essa é uma das seções de Gabriel. Isso é muito conveniente.
Vou verificar. Obrigado.” Gabriel certamente era alguém que
ficava de fora do drama familiar. Ele não ligava exatamente
para me checar regularmente, mas sabia que podia confiar
nele para me ajudar.

“Claro!” Exclamou Lilith. “Você sabe que estou sempre


feliz em ajudá-lo. Ah, a propósito, tenho uma ótima ideia
nova!” Então, essa era a razão por trás de seu tom feliz,
pensei antes que ela continuasse. “Fui inspirada pela minha
conversa com Evelyn. Estávamos discutindo sobre armas de
fogo, e ela parece ter um grande conhecimento sobre elas.
Percebo que isso é uma coisa que não temos aqui.”

“Armas de fogo? Nós atiramos nas pessoas o tempo


todo!” Rebati, jogando minhas mãos para cima em questão.
“O que você está falando?”

“Não...” Ela respondeu. “Não estou falando de atirar


casualmente nas pessoas. Estou falando de um campo de
tiro legítimo, onde podemos ir e aprimorar nossas
habilidades e também aliviar um pouco do estresse. Exceto
que eu tenho uma grande reviravolta. Imagine alvos de
autocura usando nossas almas malditas!”

Lilith riu. “É brilhante, não posso acreditar que não


pensei nisso antes. Trabalhar a tortura para aliviar o
estresse. Estou falando de roupas completas para torná-los
parecidos com os alvos de papel, então temos as diferentes
zonas para atirar. Além disso, posso matar dois coelhos com
uma cajadada, ou melhor, três. Vou trazer Evelyn comigo
para iniciar uma conversa e ver se consigo ir mais longe do
que você.” Ela sorriu.

“Isso é genial.” Respondi, genuinamente impressionado.


Essa foi uma ótima ideia, e fiquei feliz em desviar a conversa
do jantar da noite passada.

“Vou levar um dia ou dois para configurar tudo isso,


mas assim que estiver pronto, vou pedir a Evelyn para testar
comigo e ver o que está acontecendo.” Ela se levantou,
caminhou para colocar seu copo no meu bar e dançou até a
porta.

Adorei ouvir as novas ideias de Lilith. Ela era


definitivamente a mais criativa de nós dois, algo que eu
atribuía à sua natureza humana, e sempre ficava
incrivelmente empolgada pelos dias em que ela colocava um
deles em ação. Sabia que não importava como sua conversa
fosse, Lilith estaria flutuando em adrenalina e emoção pelo
resto da semana. Isso colocou um sorriso genuíno no meu
rosto.
LÚCIFER
Não deixei Lilith entrar nesse plano, mas decidi que
precisava passar mais tempo com Evelyn cara a cara. Queria
me dar uma oportunidade melhor de tentar ser legal e ver se
conseguiria obter mais informações dela. Também tive que
admitir, fui atraído pela ideia de conhecê-la melhor. Disse a
mim mesmo que isso não tinha nada a ver com atração, e
tudo a ver com minha mortalidade potencial.

Então, com isso em mente, passei o resto da manhã


planejando e coordenando com nossos demônios da cozinha
e decidi marcar um almoço para aquele mesmo dia. Uma vez
que tudo estava pronto, voltei para meus aposentos para me
vestir e me preparar para ir, entrando e indo direto para o
quarto. Tinha gasto um pouco de tempo, admito, decidindo
qual estética queria aqui quando o configurei pela primeira
vez. Por fim, escolhi lençóis de seda pretos sob um edredom
preto de grandes dimensões com guarnição de seda. O piso
de madeira escura tinha um leve brilho sobre ele, e percorria
o comprimento da sala, até o closet. O armário abrigava
todos os meus ternos de um lado e as roupas mais casuais
do outro. O esquema de cores era decididamente... Escuro.
Havia também um número significativo de opções. Estocar
roupas era crucial, pois nunca sabia quais substâncias
poderiam respingar ou pingar em mim durante o dia. Optei
por jeans escuros e uma camisa preta de botão, deixando o
de cima desabotoado. Queria parecer mais humano e,
portanto, mais relacionável. Arregacei as mangas no último
minuto, para uma abordagem mais casual.

Saí para a minha sala de estar, que tinha uma


abordagem de decoração muito minimalista. Nunca entendi
por que os humanos mantinham todas essas pequenas
bugigangas por aí. Qual é o ponto de um bicho de pelúcia?
Por que manter vinte deles? Também nunca entendi arte de
parede em espaços pequenos. Se ninguém está entrando na
sala para apreciá-lo com você, então qual era o objetivo?
Como tal, poderia contar em uma mão os itens nesta sala.
Fiquei tentado a trocar meu trono pela poltrona reclinável de
couro preto diante de mim. Claro, os demônios não me
levariam tão a sério, mas a dor nas costas se resolveria em
questão de minutos.

Assim que fiquei pronto, fui direto para o quarto de


Evelyn e bati duas vezes. Demorou um minuto para ela
responder, mas quando abriu a porta, fiquei espantado com
o que vi. Seu cabelo estava preso para trás desde que a
conheci, mas agora, estava solto ao redor de seus ombros,
cachos castanhos escuros e apertados girando em todas as
direções possíveis. Ela cheirava a sabão de coco e estava
vestindo um pequeno roupão de seda preto.

Devo ter ficado imóvel por muito tempo porque ela foi a
primeira a falar.

“Uh... Bom dia?” Ela pronunciou, puxando o roupão


mais apertado ao seu redor. Talvez devesse ter ligado antes.
Eu a imaginei pegando o telefone e soando como Ace
Ventura: “Sim, Satanás?”

Ainda assim, falei normalmente. “Bom dia.” Disse o mais


casualmente que pude. “Você deveria se vestir. Gostaria de
mostrar a você o outro lado do Inferno.”
Vi a testa ligeiramente franzida e os lábios comprimidos,
e sabia que essa afirmação a confundia de alguma forma.

“Há mais de um lado do Inferno?” Evelyn perguntou


como se fosse algo que nem tinha considerado.

“Claro!” Respondi conspiratoriamente. “Meu lado.”

Evelyn parecia insegura, mas então abriu a porta um


pouco mais em convite antes de se virar e entrar em seu
quarto. Sem dizer nada, fechou a porta atrás de si para ter
privacidade, me deixando por conta própria.

Não deixando uma oportunidade passar, olhei ao redor


da sala de Evelyn. Talvez houvesse alguns insights que
pudesse obter simplesmente por seus arranjos de vida na
Terra. Afinal, disse a Asmodeus para recriar a casa dela com
o melhor de sua capacidade por um motivo. A poltrona
reclinável verde e o pufe combinando pareciam ter sido
comprados de segunda mão. Talvez até de terceira. Havia
uma quantidade obscena de fios brancos grossos saindo de
uma cesta no chão. Lembrei de sua história familiar com
tricô e crochê. Ela tinha uma televisão na parede e um canal
de notícias estava passando nela. Eu só podia imaginar que
havia hackeado nosso wifi de alguma forma.

Notei a mesa de centro de madeira encostada na parede


com o Xbox sobre ela. Havia dois controles, mas embora um
fosse de um branco imaculado e ficasse na parte de trás do
carregador, o outro tinha algumas manchas e ficava em cima
do console, pronto para ser usado novamente em breve.

Olhei para o chão de concreto escuro e percebi que,


embora eu tivesse trazido todos os seus pertences, ainda não
consegui reproduzir sua casa perfeitamente. Deve ser bizarro
para ela, ver todos os seus itens em uma configuração
perfeitamente familiar sobre um fundo que não escolheu.
Nesse momento Evelyn voltou de seu quarto, o cabelo
puxado para trás frouxamente longe de seu rosto com um
grampo de cabelo castanho e uma camiseta azul clara que se
encaixava perfeitamente em seu corpo. Ela combinou isso
com leggings pretas, que acentuavam o quão forte era. Seus
músculos esticavam o tecido, mas suas roupas também
mostravam suas curvas como um lembrete gentil de que
enquanto era uma mulher absolutamente deslumbrante,
também definitivamente poderia chutar algumas bundas.
Imediatamente pensei em como ela estava agindo desde que
chegou aqui, e tudo começou a fazer um pouco mais de
sentido.

Foi quando reparei no seu tênis preto, exatamente o que


era necessário para minhas atividades planejadas. “Ótima
escolha, você está vestida perfeitamente para o que temos
hoje.”

“Então, para onde vamos?” Perguntou hesitante, uma


sobrancelha arqueada.

“Me siga.” Disse com um sorriso antes de me virar e sair


pela porta, Evelyn seguindo de perto em meus calcanhares.
Comecei a andar pelo corredor, ouvindo um segundo
conjunto de passos para anunciar que ela ainda estava
comigo.

“Então, como você entrou no nosso wifi?” Perguntei em


voz alta enquanto caminhávamos.

Evelyn riu atrás de mim. “Eu realmente adivinhei.


Reidoinferno. Todas as letras minúsculas. Sem espaços.
Consegui na terceira tentativa.”

“Oh.” Disse simplesmente enquanto ela continuava


rindo para si mesma. Mentalmente me castigando por não
ter pensado em algo um pouco mais criativo.
Decidi levá-la na rota cênica, passando por um conjunto
de portas duplas de vaivém para fora da luz bruxuleante
consistente, na minha parte favorita deste nível.

Fui para o drama extra nesta seção. Estava passando


por uma fase gótica na época. Altas paredes de pedra com
tochas sustentadas por arandelas de ambos os lados, que
lançavam luz em todos os lugares e faziam uma estranha
caminhada até os poços. Muitas vezes encharquei minha
vítima com gasolina antes de entrar, e depois peguei uma
das tochas e a persegui, cutucando enquanto ia. Fiz uma
nota mental para adicionar isso de volta ao meu repertório.

Ouvi os passos de Evelyn ecoando atrás de mim e me


perguntei o que pensava. Esta seção de pedra desceu
gradualmente para os poços, mas estava em um grau tão
leve que demorou uma eternidade para chegar lá. Adorava o
suspense adicional, mas não queria sujeitar Evelyn a tudo
isso, então virei à direita, passando por outro conjunto de
portas duplas giratórias, e de volta para a luz bruxuleante
familiar.

“Sabe...” Ela anunciou atrás de mim, um tom de


sarcasmo em sua voz. “Posso consertar essas luzes para
você.”

“Gosto delas assim.” Respondi, algumas memórias


humorísticas voltando para mim. “Às vezes, elas podem
causar convulsões. Isto é hilário.”

“Convulsões não são brincadeira.” Retrucou.

“Aqui embaixo, são!” Essa garota precisava relaxar e


lembrar onde estava. “Essas pessoas merecem tudo o que
acontece aqui.” Fiz uma nota mental para consertar a luz
bruxuleante na seção onde ficava o quarto dela, para que
pudesse pelo menos se livrar do efeito estroboscópico,
mesmo que apenas por um curto período de tempo.

Continuamos por este novo trecho de corredor. Percebi


que o caminho que havia tomado era bastante complicado,
mas estávamos nos aproximando rapidamente do nosso
destino.

“Aqui estamos.” Anunciei depois de algumas voltas e


mais voltas. Agarrei a maçaneta da porta e a abri, revelando
uma grande sala expansiva com um aquário gigante que
ocupava uma parede inteira, estendendo-se até oito andares
e abrangendo todo o comprimento da sala. Dentro do tanque
havia duas baleias azuis, nadando sem rumo. Fiquei de lado
para deixar Evelyn entrar na sala primeiro, e então a segui.
Tomei meu lugar ao seu lado, de frente para as baleias.

“Há um homem aqui no Inferno...” Comecei a explicar,


“Que pregava sobre a proteção da vida selvagem da Terra.
Ele ficou na frente do público, descrevendo em detalhes
agudos a dor que essas baleias devem passar quando presas
em tanques expostos em parques de diversões, e depois
protestou para proteger essas espécies. No particular, no
entanto, era um caçador de baleias. Ele era uma contradição
ambulante e matou inúmeras baleias ao longo de sua vida.
Estas são duas delas.”

Virei para Evelyn com um sorriso. “Gostaria que você


tomasse nota disso.” Ofereci. “Quando eu trouxer o homem,
você estará no comando da punição que ele deve suportar.”

Ela olhou para mim com horror de boca aberta. “Por que
diabos eu faria isso?” Retrucou.

Tenho que admitir, honestamente não esperava essa


reação, então tentei explicar melhor, para adoçar o pote.
“Uma das minhas vantagens favoritas do trabalho é
decidir as punições para cada pessoa aqui embaixo, e estou
deixando você compartilhar isso. Você pode ser tão criativa
quanto quiser, não há limites. O mundo é sua ostra, como
dizem.” Enfiei as mãos nos bolsos e esperei sua resposta.

Podia ver a cor sumir de seu rosto quando ela se virou


para encarar o tanque. Seus olhos se arregalaram e começou
a estalar os dedos com os polegares. Ela quase parecia estar
tremendo.

“Eu…” Gaguejou e então se virou para me olhar nos


olhos. “Não!” Murmurou em uma voz baixa e abafada. “Não,
eu não vou fazer isso.”

Fiquei surpreso. Este encontro não estava indo do jeito


que esperava. Imaginei, dada a atitude dela, que aproveitaria
a oportunidade para assumir o controle da situação. Dado
seus golpes e comentários sarcásticos, imediatamente a
encarei como alguém que não gostava da ideia de abrir mão
do controle, assim como eu. Aqui estava eu, dando todo o
controle, e ela recusou.

Quem se recusa uma oportunidade como essa? Inferno,


projetei este lugar para me dar isso o tempo todo. Você quer
saber por que acho meu trabalho incrível? É porque criei
meu trabalho para ser exatamente o que queria que fosse.

“Por que não?” Perguntei, incapaz de pensar em mais


alguma coisa para dizer.

“Isso é... Isso é terrível.” Evelyn ainda estava lá, de frente


para o tanque, mas olhando para mim com horror.

“Este homem é responsável pela matança de várias


baleias por nada além de ganho pessoal.” Rebati, sem saber
porque era tão horrível decidir uma punição justa. A encarei,
esperando que sua resolução se abrandasse. Não.

“Você não pode me pedir para fazer isso.” Sua voz ainda
estava abafada, seu rosto ainda pálido, e ela tinha lágrimas
se formando no canto dos olhos. “Por favor, não me peça
para fazer isso.”

Fiz uma pausa, sem saber como lidar com isso. Ninguém
nunca havia chorado na minha presença antes, devido a algo
que fiz, que não merecia. Também tive dificuldade em pensar
em alguém que não estava se divertindo ao atribuir apenas
punição aos ímpios. Foi algo que aproveitei a oportunidade, e
aqui estava Evelyn, assustada e em lágrimas por isso.

“Ok…” Abaixei minha voz em desculpas. “Ok, não temos


que fazer isso. Vamos... Vamos, vamos sair daqui.”

Dei alguns passos hesitantes para trás e, quando a vi se


virar para mim, virei lentamente e caminhei de volta pela
porta para as luzes bruxuleantes do corredor. Quando ela
abriu a porta, estendi a mão e a fechei suavemente atrás
dela.

“Ei...” Disse suavemente, fechando a distância entre nós.


“Ei, me desculpe. Não sabia que isso iria aborrecê-la tanto.
Estava tentando te mostrar algo legal.”

“Legal?! Você está brincando comigo?!” Ela não se


moveu, mas sua cabeça virou para cima, e olhou diretamente
para mim. “Você queria me mostrar algo bom, no Inferno, e
sua definição de bom está em me fazer torturar uma pobre
alma?”

A raiva em sua voz parecia um golpe forte no meu peito.


Tropecei alguns passos para trás e recuperei o equilíbrio.
“Não é uma pobre alma, Evelyn.” Rebati. “O homem está
aqui por uma razão específica. Ele precisa ser abordado.
Achei que você iria gostar.” Não sabia o que fazer com as
mãos, então as enfiei sem cerimônia nos bolsos da calça.

“Por que eu iria gostar disso?!” Sua voz começou a


falhar, à beira do choro.

Respirei fundo, deixei que enchesse meus pulmões até a


borda, e então expulsei tudo em uma expiração enorme.
“Evelyn, admito, sou um pouco distante quando se trata de
humanos e suas necessidades e emoções. Mas isso?” Fiz um
gesto de volta para a sala de tortura. “Isso é algo que me
emociona. Minha parte favorita deste trabalho é designar
salas de tortura e tarefas. Nunca parei para pensar que
alguém na sua posição pode não ter a mesma alegria que eu.
E verdade seja dita, posso estar um pouco entorpecido com
tudo isso agora. Para você, isso deve ser completamente
chocante. Peço desculpas, não vi isso do seu ponto de vista.”

Evelyn parecia um pouco mais calma agora, e podia vê-


la respirando fundo para se recentralizar. Ainda parecia um
pouco em estado de choque, no entanto, e estava olhando
para frente como se contemplasse se o que acabou de ver era
real, seus olhos piscando constantemente.

Fiquei ali em silêncio por um momento, debatendo como


fazer meu próximo passo. Eu tinha um plano frouxo quando
bati na sua porta, mas tudo saiu pela janela quando ela
reagiu dessa maneira.

“Que tal pularmos adiante, então?” Sugeri, sem saber se


ela iria querer ficar com o resto do que eu tinha planejado.

Ela olhou para mim através de seus cílios, um ar de


incerteza sobre ela, em sua postura curvada e seus punhos
cerrados.
“Pular para o quê?” Sua voz ainda estava baixa, mas não
mais trêmula.

“Como soa o almoço?” Apresentei a ideia, esperançoso


de que ela já não estivesse pronta para fugir de mim.

“Eu poderia comer.” Murmurou e virou a cabeça para


me encarar. Quando vi o brilho de luz em seus olhos, sabia
que o encontro seria aproveitável.
EVELYN
Dizer que estava incrivelmente abalada seria um
eufemismo. Embora a porta atrás de mim estivesse fechada,
ainda podia ver o grande tanque de peixes diante de mim, as
duas baleias nadando lá dentro e a ameaça de tortura
pairando sobre a sala inteira como uma guilhotina.

Como ele poderia ter me pedido para fazer uma coisa


dessas? Administrar tortura parecia algo que eu teria me
envolvido? Que tipo de pessoa poderia tomar essas decisões
regularmente?

Ele não era uma pessoa, no entanto. Era Lúcifer. O


Diabo. O Rei do Inferno. Provavelmente não tinha alma, nem
compaixão, nem empatia. Isso deve ter sido tão fácil para ele.

Não entendia porque ele achava que isso seria algo que
eu gostaria de fazer, mas depois que ele explicou e
começamos a caminhar em direção à sala de jantar, começou
a fazer sentido. Se ele se divertia com isso, provavelmente
queria que eu também pudesse experimentar esse prazer.
Apenas a ideia de Lúcifer se esforçando para tentar me trazer
alegria fez minhas mãos pararem de tremer e trouxe minha
frequência cardíaca de volta para baixo. Comecei a rir comigo
mesma enquanto caminhávamos pelo corredor até a sala de
jantar.

“O que é tão engraçado?” Lúcifer perguntou, uma leve


preocupação ainda em seu rosto. Notei o quão adorável ele
parecia, a preocupação enrugando sua testa e marcando dor
em seus olhos.

“Nada.” Murmurei, andando um passo atrás dele. Ainda


não tinha certeza de qual direção era qual aqui embaixo.
Notei sua testa lisa, e a dor desapareceu na distância, o
alívio tomando conta dele por eu ser capaz de rir naquele
momento. Ele não disse mais nada, porém, até chegarmos à
sala de jantar. Ele agarrou uma maçaneta dourada curva,
torcendo-a para baixo e empurrando contra ela, até que a
porta cedeu e se abriu para uma mesa de jantar familiar de
dez lugares, completa com os mesmos talheres de nossa
última refeição juntos.

Me aproximei lentamente e, ao fazê-lo, pude sentir o


aroma que emanava da assadeira que estava no nosso lado
da mesa. Senti cheiro de queijo, tomate e alho. Quando me
aproximei, reconheci o prato como ziti assado. Cheirava igual
ao da minha avó. Imediatamente quis mergulhar, mas...

“Quem fez isso?” Perguntei, desconfiada agora.

“Eu fiz.” Lúcifer declarou com orgulho. “Sem uso


excessivo de óleo, prometo. Você vai amar. Por favor?” Ele
puxou a cadeira para mim e gesticulou para que me
sentasse. Eu sentei, me sentindo estranhamente como se
isso fosse algum tipo de encontro.

Lúcifer sentou, mas não antes de estender a mão para


pegar a garrafa de vinho e o abridor de garrafas da mesa.

“Você amou o vinho da última vez.” Ele disse enquanto


abria a garrafa. “Me certifiquei de ter outra garrafa pronta
para você.” Ele silenciosamente derramou o vinho em nossos
copos, deixando-o fluir lentamente para fora da garrafa para
arejá-lo o máximo possível. Encheu as taças até a metade, o
que definitivamente apreciei.
Lúcifer me entregou um copo, sentou e ergueu o seu
próprio para brindar. “Aqui está para aqueles que nos
desejam bem, todo o resto pode ir para o Inferno.” Ele piscou
para mim sobre sua taça enquanto tomávamos um gole.

Coloquei meu copo na mesa e peguei a espátula,


pegando uma parte de ziti assado e cuidadosamente
transferindo-a para o meu prato em meio a pedaços cada vez
maiores de queijo derretido. Notei uma tigela de queijo ralado
ao lado da assadeira. Não sou de discutir sobre queijo extra,
espalhei uma quantidade generosa sobre minha porção de
ziti assado, depois me recostei para admirá-la. Estava com
medo de que não fosse tão incrível quanto parecia, e queria
saborear meu momento de ignorância e felicidade.

Acontece que não precisava ter me preocupado. Cortei


um pequeno pedaço com o garfo e levei-o à boca, deixando
que cada sabor se anunciasse na minha língua. Era
absolutamente perfeito, com um toque de especiarias que
não esperava.

“Isto é incrível!” Exclamei surpresa, a boca ainda cheia


de comida. Imediatamente me castiguei silenciosamente por
não engolir primeiro.

O rosto de Lúcifer se iluminou como uma criança na


manhã de Natal. “Você gostou disso?” Perguntou, tentando
esconder sua surpresa.

Levei um tempo para terminar de mastigar e engolir


minha comida antes de responder desta vez. Me dei um
tapinha mental nas costas.

“Sim, está impecável.” Falei. “Há algo picante aqui que


eu absolutamente amo. Não consigo descobrir o que é.”
“Ah, é a linguiça.” Lúcifer respondeu. “Um pouco de
linguiça picante, juntamente com os flocos de pimenta
vermelha. Não vá dizer a todos, no entanto! Vai estragar meu
segredo.”

Olhei para ele, espantada. “Como você pode preparar


algo assim tão perfeitamente, mas estragar um pouco de
arroz e feijão?”

Ele riu genuinamente. “Fiz isso várias vezes e tive anos


para aperfeiçoá-lo. Honestamente, com toda a minha
experiência e conhecimento de todos esses pratos
requintados e ingredientes de alta qualidade, simplesmente
nunca tive oportunidade de fazer algo como arroz e feijão.
Agora, não me entenda mal, eu joguei uma lata de feijão
sobre um arroz instantâneo no passado como
acompanhamento. Mas queria seguir uma receita legítima
para garantir que você tivesse um gostinho de casa, e serei o
primeiro a admitir que estraguei tudo.”

“Você com certeza fez!” Ri, lembrando do óleo que cobriu


o interior da minha boca por horas depois que comemos.
Nunca estive tão animada para escovar os dentes. “Você
fodeu tudo. Apreciei você tentando, porém, tenho que dizer.
Acho que não te disse isso. Foi doce.” Inclinei meu copo um
pouco em sua direção antes de tomar um gole.

Ele sorriu timidamente e olhou para o vinho em seu


copo, girando-o distraidamente.

“Também aprecio o que você fez por mim mais cedo, a


propósito.” Continuei, me esforçando para falar antes que
perdesse a coragem. “Quero dizer, não gostei disso, mas
aprecio o gesto por trás, querendo me trazer alegria e tudo
mais. Não passou despercebido.” Rapidamente enfiei outra
garfada de ziti assado na boca antes que pudesse dizer
qualquer outra coisa e possivelmente estragar o momento.
“Obrigado por isso.” Respondeu Lúcifer, olhando para
mim por cima de sua taça de vinho. “Percebo em
retrospectiva que não foi a melhor jogada, mas acho que é
por isso que dizem que é a intenção que conta.”

Eu ri. “Sim, acho que sim.” Respondi, e continuamos a


mergulhar em nossa comida.

Senti uma sensação persistente de que ele queria me


perguntar outra coisa, mas nunca o fez. Tinha pensado
originalmente que quando bateu na minha porta, ele tinha
algum tipo de motivo oculto para este passeio, algum tipo de
questionamento que iria me submeter. Até agora, esta foi
simplesmente uma tarde muito agradável juntos. Estava um
pouco confusa, mas não queria olhar os dentes de um cavalo
dado.

Uma vez que nossa refeição acabou, Lúcifer se levantou


e alisou sua camisa, que tinha ficado um pouco amassada
na cintura por ficar sentado por tanto tempo.

“Vamos, te acompanho de volta.” Ele ofereceu


casualmente.

“Claro.” Respondi, um pouco surpresa com a oferta. Isso


não era algo que Asmodeus normalmente faria?

Empurrei minha cadeira e o segui até a porta. Uma vez


no corredor, ele diminuiu o ritmo, garantindo que estava
andando lado a lado comigo. Esta foi certamente diferente de
qualquer outra viagem por este corredor que tinha
experimentado. Tive um forte desejo de estender a mão e
segurar a dele. Lutei contra isso e desejei desesperadamente
ter usado jeans em vez de leggings para que tivesse bolsos
para enfiar as mãos. Em vez disso, estava dolorosamente
ciente da maneira estranha como meus braços balançavam
ao meu lado sem rumo enquanto caminhávamos.
Quando finalmente chegamos à minha porta, ele se
virou para mim, olhando nos meus olhos.

“Me diverti muito com você hoje, Evelyn, mesmo que eu


possa ter te machucado antes. Mas, não é um encontro sem
algumas cicatrizes emocionais, certo?” Ele piscou e estendeu
a mão para colocar uma mecha de cabelo rebelde atrás da
minha orelha.

Encontro. Ele disse encontro? Um arrepio agora familiar


percorreu minha espinha, e soube disso ali mesmo.

Estava me apaixonando por ele.

“Aproveite o resto da sua noite.” Ele continuou antes que


eu pudesse responder, e deu alguns passos para trás antes
de virar e andar pelo corredor, virando a esquina e fora de
vista.

E o louco foi? A coisa boba, totalmente insana?

Fiquei triste ao vê-lo partir.


EVELYN
Acordei lentamente na minha própria cama. Foi uma
mudança incrivelmente bem-vinda depois dos últimos dias.
Me senti um pouco fora, no entanto. Estava tão acostumada
a acordar com o calor do sol no meu rosto. Eu sabia,
baseada naquela luz, exatamente que horas eram.

Esta manhã, porém, meu quarto ainda estava escuro.


Parecia no meio da noite, mas meu corpo disse que era hora
de levantar. Sentei ereta na cama. Não queria me levantar e
saber o que mais um dia no Inferno tinha reservado para
mim. Pensando em toda a tortura que tinha testemunhado
até agora, parecia que todos aqui embaixo estavam tão
indiferentes a tudo isso como se estivessem insensíveis ao
que estavam realmente fazendo. Não poderia imaginar me
acostumar com isso. Cada parte do meu corpo só queria ir
para casa, para a minha verdadeira casa, com os velhos
pisos de madeira rangendo e a luz do sol que inundava meu
quarto de manhã.

Sabia que não era uma opção, então, em vez disso, olhei
sem pensar para o meu edredom e notei um fio solto em uma
das costuras. Brinquei com ele por um tempo, girando-o
entre o polegar e o indicador, sentindo as fibras se torcerem
contra minha pele. O puxei com a outra mão e soltei o fio. O
coloquei na minha mesa de cabeceira e olhei para a parede
nua onde minha porta de vidro deveria estar, tentando
aceitar meu novo normal escuro.
Ontem tinha sido uma mudança interessante em relação
ao dia anterior. Não muito tempo depois que acordei, tive
panquecas incrivelmente fofas trazidas para o meu quarto
por alguém que eu só podia imaginar ser um demônio de
baixo nível, sua pele vermelha enrugada e chifres pretos
enormes me acordando melhor do que qualquer xícara de
café poderia. Então tive a oportunidade de tomar um bom e
longo banho.

Depois do meu almoço inesperado com Lúcifer, passei a


noite enrolada com um pouco de Netflix e meu cobertor.
Tinha feito um bom progresso nessa coisa, grata pelo fio
extra volumoso que funcionou rapidamente. O documentário
foi o companheiro perfeito para o meu trabalho. Tinha um
nome apropriado, Santo Inferno, mas curiosamente não tinha
nada a ver com Inferno. Fiz uma anotação mental para
começar a assistir mais coisas religiosas na Netflix. Mais e
mais, percebi o quão pouco eu realmente sabia sobre o
Inferno, Lúcifer, Lilith e tudo isso. Precisava começar a tomar
notas.

Eventualmente, me forcei a levantar, tomei banho e me


vesti. Optei por uma calça jeans simples e confortável, e
minha camisa de flanela roxa favorita sobre uma regata preta
simples. A flanela chamou minha atenção na loja por causa
das cores vivas, especialmente porque meu guarda-roupa já
era quase todo preto. Não esperava que amaciasse tanto na
lavagem, porém, e agora parecia que eu estava usando um
cobertor aconchegante o dia todo.

Entrei na sala de estar e meus olhos foram atraídos para


o cobertor que comecei a crochetar. O forte contraste do
material branco macio contra a escuridão do quarto me
atraiu, a coisa mais próxima de conforto que poderia
encontrar no quarto. Fui até a poltrona reclinável, puxei a
cesta para mais perto de mim, peguei minha agulha e
comecei a trabalhar.

Estava bem no meu ritmo quando ouvi uma batida


animada na porta: Duas batidas rápidas, seguidas por duas
lentas. Depois de uma batida, a porta se escancarou, e
Asmodeus estava lá, vestido com um terno branco de
algodão, camisa branca e sem gravata. Seu botão de cima
estava desabotoado e ele estava usando seus tênis brancos
novamente. Seu cabelo estava impecável como sempre, e
imediatamente fiquei com inveja de suas ondas perfeitas e
brilhantes de cobre.

“Bom dia, linda.” Falou lentamente. “Como tá indo?”

“Apenas mais uma manhã no paraíso.” Cantei um pouco


sarcasticamente.

Ele me olhou da porta com um sorriso. “Bem, pelo


menos você está mantendo o ânimo, querida. Não se importe
comigo, apenas faça a sua coisa.” Ele valsou por mim para o
meu quarto e começou a fazer minha cama. “Me considere
seu assistente pessoal aqui. O Inferno é um lugar infernal
para se ajustar.”

“Ei, você sabe, você nunca me respondeu antes.” Falei


enquanto colocava meu cobertor no chão e caminhei até a
porta do quarto. “Qual é o seu papel habitual aqui? Você
nunca me contou. Além disso, por que você está sempre
verificando e cuidando de mim? Não tem coisas melhores
para fazer do que arrumar minha cama?”

A voz saturada de mel de Asmodeus encheu a sala.


“Bem, eu costumo correr no segundo nível.” Disse ele
casualmente enquanto afofava os travesseiros. “Tenho aquele
lugar funcionando muito bem hoje em dia. Realmente não
preciso fazer muito mais do que o check-in de vez em
quando. Gosto de mudar minha agenda, no entanto. Isso
mantém todos atentos e ajuda a garantir que as coisas
permaneçam no caminho certo.”

“O que há no segundo nível?” Perguntei. Não sabia que


havia níveis, embora fizesse sentido, com base no que
aprendi sobre o Inferno ao longo dos anos em teologia e
cultura pop. “Cada nível fica cada vez pior?”

“Mais como cada nível tem seu próprio sabor.”


Asmodeus foi até o meu armário e começou a separar
minhas roupas, colocando todos os meus vestidos juntos em
uma seção e minhas roupas de trabalho em outra. “O meu é
o mais divertido. Se a luxúria te trouxesse para o Inferno,
você normalmente seria enviada direto para mim.”

Refleti sobre o que sabia a respeito de todas as coisas


relacionadas ao Inferno enquanto me apoiava no batente da
porta do quarto. Braços cruzados, o observei continuar a
organizar minhas roupas e arrumar meus cabides. Eu
realmente estava querendo fazer isso.

“Então, se você é Luxúria, está dizendo que os sete


pecados são na verdade demônios?” Mordi meu lábio inferior
em pensamento. “Então haveriam sete níveis do Inferno?”

“Não apenas demônios.” Asmodeus se endireitou e virou


para mim, sua voz assumindo um tom mais sério. “Eu sou
um dos sete Príncipes do Inferno.” Ele esperou por uma
batida, então piscou para mim e sorriu antes de voltar para o
meu armário e retomar seu trabalho. Ao fazê-lo, ele
cantarolou algumas notas de algo que soou notavelmente
como Taylor Swift antes de se virar para me olhar
novamente.
“Mas sim, suponho que você esteja certa, e há mais
níveis do que sete.” Ele sorriu. “Os nossos, os sete pecados,
quero dizer, são os maiores, e continuam crescendo.”

“Sim, suponho que o Inferno seja para sempre, então as


almas continuam se acumulando.” Meditei.

“Bastante. Isso me proporciona entretenimento sem


fim.” Asmodeus soltou uma gargalhada. “A luxúria é um
grande nível, como tenho certeza que você pode imaginar.”
Ele tinha um sorriso inocente no rosto, como se estivesse
falando sobre o número de crianças que correm para a Feira
do Condado nos fins de semana, em vez do número de
lunáticos depravados que são jogados no Inferno por causa
de sua luxúria.

Estremeci com o pensamento de quantas pessoas


poderiam estar lá embaixo. Considerando a propensão de
Lúcifer para dar às almas punições certeiras, torcendo suas
paixões para se voltar contra elas, eu não queria saber
exatamente o que estava acontecendo no Nível Dois.

“Eu, uh, prefiro não imaginar.” Murmurei, fechando os


olhos e balançando a cabeça em uma tentativa de mudar de
marcha. Asmodeus riu enquanto continuava a trabalhar no
meu armário.

“Então, como é o seu relacionamento com Lúcifer?”


Perguntei, imaginando que seria um tópico muito mais
seguro. “Vocês discutem sobre o que precisa ser feito, ou têm
que seguir um conjunto rígido de regras?”

“Bem, querida, ele nos diz o que precisa ser feito, e nós
nos certificamos de que seja.” Asmodeus parecia
completamente indiferente a isso. “Quando você existe tanto
quanto nós, isso se transforma em uma rotina. Não há
necessidade de qualquer drama. Nos certificamos de manter
nossos demônios no lugar e manter a ordem aqui.”

“Fácil para você dizer. Estive batendo de frente com ele


esse tempo todo.” Senti confortável com Asmodeus por algum
motivo, e precisava discutir algumas coisas em voz alta para
garantir que não estava inventando isso na minha cabeça.
“Sei que ele não vai me deixar ir para casa até que descubra
o que precisa. Honestamente, não tenho certeza se
conseguirei sair daqui, mas também sei que minha atitude
não tem ajudado a situação.”

Suspirei e dei de ombros. “Então, tenho tentado


diminuir um pouco o tom. Também notei que ele parece
estar se aquecendo para mim também. Ele está começando a
parecer cada vez mais humano à medida que nos
conhecemos. Ele é realmente meio doce.”

Asmodeus se virou e ergueu uma sobrancelha para


mim, as mãos pairando sobre meus cabides, o armário
esquecido. “Você acabou de chamar o Rei do Inferno de
doce?” Ele sorriu. “Meu Deus, garota, ele fez um número em
você. Não acho que alguém na história tenha dito isso
desde...” Ele fez uma pausa para um efeito dramático,
completo com as pontas dos dedos apoiadas sob o queixo
erguido, enquanto olhava para o teto. “Bem, nunca.”

“Bem, ele meio que é.” Pensei em voz alta. “Um pouco
equivocado, mas está tentando me deixar confortável. Olhe
para você. Ele tem um dos sete Príncipes do Inferno
organizando meu armário.”

“Garota, olhe para mim.” Asmodeus virou para me


encarar, gesticulando dramaticamente para sua própria
roupa. Então colocou uma mão no quadril, o projetando para
fora enquanto transferia todo seu peso para aquele lado ao
mesmo tempo que apontava para si mesmo para causar
efeito. “Fui feito para isso. Meu armário está impecável. Vou
te mostrar um dia.”

“Sim, mas ele não precisava te pedir para cuidar de


mim.” Respondi, não impressionada com sua dramaticidade.
“Ele poderia ter te deixado ficar no Nível Dois e não se
envolver, mas queria assim. Isso tem que dizer alguma coisa,
certo?”

Asmodeus sorriu novamente. “Boa sorte querida. Ele é


uma fera difícil de lidar, mas se você conseguir,
provavelmente entrará para a história.”

Ele ajeitou o último dos cabides e arrumou minhas


roupas para que ficassem perfeitas. “Tudo bem, o armário
está organizado e a cama feita. Estarei aqui para te verificar
mais tarde.” Ele se afastou para admirar seu trabalho.

“Obrigada.” Disse, e saí do quarto para segui-lo até a


porta do apartamento. “Eu aprecio tudo isso!”

“Sem problemas, querida.” Asmodeus sorriu


genuinamente, embora tenha olhado para seu sorriso um
pouco diferente desde sua declaração sobre o tamanho de
seu nível de Inferno. Ele agarrou minha maçaneta, girou e
saiu.

A porta estava quase fechada atrás dele quando vi


unhas cinza-escuras se enrolarem na beirada da porta e
abri-la novamente. Uma fração de segundo depois, Lilith
enfiou a cabeça para dentro.

“Ei, Evelyn!” Ela pulou em minha direção, e eu


imediatamente reconheci seu Jimmy Choos cinza. Já
estavam na minha lista de desejos há algum tempo.
Continuei voltando ao site e tentando me convencer a colocar
as informações do meu cartão, mas o preço me impedia
todas as vezes. “Ouvi dizer que você teve um encontro
adorável ontem!”

“Não chamaria isso de um encontro.” Respondi, Me


sentindo corar um pouco. Lá estava aquela palavra
novamente. Tinha sido um encontro?

“Bem, o que quer que tenha sido, você se divertiu?” Ela


caminhou pelo perímetro da sala, examinando tudo
enquanto andava. “Do que vocês falaram?”

“Nada realmente digno de nota, para ser honesta.”


Lembrei da refeição e tentei resumi-la, mas não consegui
colocar em palavras. “Acho que conversamos principalmente
sobre a comida.”

“Sem momentos românticos?” Brincou, olhando para


mim do outro lado da sala.

Soltei uma risada aguda. “Não, absolutamente não.”


Respondi um pouco rápido demais enquanto enfiava minhas
mãos rapidamente nos bolsos do meu jeans. Tinha aprendido
minha lição com a roupa de ontem: Rempre tenha bolsos
para esconder sua estranheza. “Eu só queria dar o fora
daquele primeiro quarto, e ele compensou aquela gafe com
um almoço.”

Lilith pareceu desconfiada por uma fração de segundo,


seus olhos se estreitando quase imperceptivelmente antes de
retomar sua conversa e seu passeio pela sala.

“Bem, pelo menos você teve uma boa refeição.”


Respondeu maliciosamente, “E eu tenho algo mais para você.
Pegue seu coldre, estamos indo para o estande de tiro!” De
repente, ela parecia muito animada.
“Estande? Sério?” Algo divertido para fazer no Inferno?
Me perguntei qual era a pegadinha. Parecia que sempre
havia uma.

“Sim!” Ela abriu as portas do meu armário, procurando


o coldre. “Tem uma pequena reviravolta, mas acho que você
vai gostar, mesmo assim.” Tive pouco tempo para me
perguntar qual era a reviravolta desde que ela alegremente
me jogou o coldre e se dirigiu para a porta. “Vamos, garota.
Vamos lá!”

“E as minhas armas?” Chamei. Notei que meu cofre não


tinha sido enviado com o resto dos meus pertences. Tinha
uma forte suspeita de que Lúcifer tinha feito isso de
propósito, sabendo que poderia causar algum dano real com
elas.

“Temos uma bela coleção que você pode usar, não se


preocupe com isso!” Lilith gritou da porta.

Peguei o coldre e corri atrás dela, deslizando meus pés


em minhas botas de couro preto enquanto andava. Depois
que terminei de pular em um pé e ambas as botas estavam
calçadas, coloquei meu coldre no meio do caminho e a segui
pelo agora familiar corredor de azulejos escuros até um dos
espaços que mudavam magicamente. Lá dentro, a sala
estava montada como um campo de tiro interno, mas
imediatamente vi a reviravolta.

Lá embaixo, estavam dois homens, rostos solenes, mãos


cruzadas na frente deles, parados e olhando para a frente.
Tomei minha posição em uma das pistas e notei que um dos
homens estava perfeitamente alinhado com a minha pista.
Não importa o quanto eu olhasse ao redor, não havia um
único alvo de papel para ser encontrado.
“Não...” Murmurei em voz alta. Senti o sangue sair do
meu rosto pelo segundo dia consecutivo.

“Então, aqui está o negócio. Papel é um desperdício de


qualquer maneira, certo? Isso mata dois coelhos com uma
cajadada só. Nós praticamos tiro ao alvo, eles são punidos.”
Lilith gesticulou para os homens. “Além disso, eles não
morrem. Já estão mortos. Portanto, temos alvos de autocura
e diversão sem fim!”

Esperando construir um relacionamento melhor com


Lilith, e possivelmente ganhar um pouco mais de visão sobre
as intenções de Lúcifer, engoli meu desgosto e lentamente
assenti com a cabeça. “Ok, parece bom.” Disse com os dentes
cerrados.

“Parece bom? Parece ótimo!” Lilith estava feliz por estar


aqui e parecia alheia ao meu desconforto. “Foi minha ideia.”
Acrescentou alegremente.

Ela caminhou até o cofre embutido na parede do lado


esquerdo. Quando a porta se abriu, havia fileiras de pistolas
enfiadas em bolsos dentro da porta, e uma série de rifles
diferentes alinhados diante de mim. Lilith se virou para mim,
com excitação em seus olhos, antes de pegar uma Walther
PPK. Ela se afastou para me dar uma visão melhor. Meus
olhos foram direto para o Colt 1911. Era a próxima compra
que queria fazer e tê-lo na minha frente parecia que era para
ser. Voltamos para nossas pistas para nos preparar, eu
tremendo o tempo todo, e ela me encorajou a dar o primeiro
tiro. Definitivamente estava abalada com toda essa ideia,
mas não via uma boa saída para isso. Parecia que não
importava quantos lados diferentes do Inferno
experimentasse, eles acabavam levando à tortura e
condenação. Engoli em seco, respirei fundo e soltei com
força, sacudindo as mãos ao meu lado, me preparando para
o que estava prestes a fazer. Já havia atirado em pessoas
antes, sem dúvida, mas isso foi na guerra ou no caso de
Lúcifer, em legítima defesa. Essas pessoas eram... Pessoas.

“Eles não podem se machucar?” Esclareci, ainda


insanamente hesitante.

“Oh, vai doer.” Lilith respondeu, sua voz tingida de


antecipação e excitação. “Mas eles não vão sangrar. Nem
morrer. Provavelmente vão gritar de dor. Gosto muito.” Lilith
deu de ombros com indiferença como se estivéssemos
discutindo o tempo ou o relatório de ações.

“Err... Tudo bem.” Virei para baixo e me apoiei na mesa


diante de mim, e então um pensamento me ocorreu. Virei a
cabeça para encarar Lilith. “O que esses caras fizeram,
afinal, para colocá-los aqui?”

Lilith ergueu as sobrancelhas. “Você realmente quer


saber?” Ela perguntou. Como se isso pudesse ficar pior.

“Sim, realmente quero.” Respondi em voz baixa e


abafada. “Acho que pode ajudar.”

“OK.” Lilith apontou para seu alvo e falou com uma voz
calma e casual. “Este homem estava envolvido em tráfico
sexual.” Ela apontou para o meu alvo. “Aquele homem era
um serial killer.” Baixou a mão e olhou para mim. “Você quer
mais detalhes?”

“Umm…” Estava tão arrependida de ter perguntado.


“Não, estou bem agora.”

Respirei fundo novamente para me preparar


mentalmente para o que estava prestes a fazer. Apontei o
cano da minha arma para baixo e mirei a massa central,
como tinha feito tantas vezes com alvos de papel, e continuei
dizendo a mim mesma que isso não era diferente. A ponta do
meu dedo pressionou o gatilho devagar, devagar, devagar...

A súbita perda de resistência no gatilho foi combinada


com o eco do tiro, abafado pelo meu protetor auditivo. Acertei
meu alvo bem no estômago, e senti uma sensação de
realização por um breve momento antes que ele agarrasse
seu abdômen, com os olhos arregalados, e se dobrasse de
dor. Ele caiu no chão, e vi Lilith caminhar rapidamente até lá
e olhar para baixo, a cor sumindo de seu rosto.

“Uh oh.” Lilith murmurou.

“Isso não é algo que eu quero ouvir agora.” Respondi,


meu peito apertado com os nervos.

“Sim, bem, ele... Ele não deveria estar sangrando.” Lilith


olhou para mim. “Tipo… De jeito nenhum.”
EVELYN
Oh, foda-se. Porra, porra, porra.

Lilith e eu estávamos de pé sobre o meu alvo, que estava


sangrando profusamente no abdômen onde o atingi. Parecia
fatal. Ele não estava se curando. Isto não foi como
anunciado.

“Que porra é essa?!” Gritei, uma nota de pânico


crescente em minha voz quando caí de joelhos e rasguei
minha flanela, pressionando-a contra a ferida. “Pensei que
você disse que esses caras se regeneravam ou algo assim.”

“Ele deveria fazer.” Ela engoliu em seco. “Você achou


que eu faria você fazer isso de propósito?”

“Como diabos eu deveria saber?” Rosnei. “Você não pode


ligar para o Demon 911 ou algo assim?”

“Eu... Não temos um Demon 911...” Lillith disse. Seu


rosto estava pálido, e sua expressão me dizia que estava tão
surpresa quanto eu.

“Bem... Faça alguma coisa.” Rebati.

“Certo.” Ela assentiu. Só que, em vez de se mover para


me ajudar, se virou e caminhou rapidamente até um
interfone na parede. “Acredite em mim quando digo que
nunca, em meus sonhos mais loucos, esperava que isso
acontecesse.” Ela poderia ter dito mais, mas não ouvi porque
o cara na minha frente agarrou minhas mãos e olhou
diretamente para mim.

E... Eu já tinha visto aquele rosto antes. O rosto da vida


de um homem que estava se esvaindo.

“Eu ainda não consigo acreditar.” Lillith sussurrou


enquanto caminhava de volta para mim. “É verdade! Tudo
sobre você é verdade.” Ela parou a dois passos de mim, mas
eu não sabia dizer se era de medo, choque ou algo
completamente diferente.

“Então, o que foi isso? Um maldito teste?!” Estava lívida.


Me senti enganada e estúpida. Pior, tinha um homem
moribundo nos braços.

“Não! Não, não foi um teste!” Lilith gaguejou, com as


mãos grudadas na cabeça e os olhos arregalados de choque.
“Eu juro por Lúcifer que isso não foi um teste. Simplesmente
queria lhe dar um lugar para desabafar enquanto fazia meu
trabalho ao mesmo tempo. Para ser honesta... Nem tinha
considerado que isso iria acontecer.” Ela começou a andar e
sacudir as mãos, respirando fundo e se acalmando.

“Isso o que aconteceria?” Pressionei. “Você não acreditou


que ele iria se machucar? Você realmente acredita que tenho
alguns poderes especiais?”

“Absolutamente acredito que você tem algum poder. Fui


eu quem costurou Lúcifer. Eu. É algo que nunca pensei que
teria que fazer. Eu só...” Sua voz vacilou enquanto olhava
para o homem sangrando a seus pés. Essas palavras
pareceram fazer algo clicar em seu cérebro porque podia
praticamente ver uma lâmpada acender acima de sua cabeça
quando uma ideia lhe ocorreu.
Ela caiu de joelhos ao meu lado e estendeu as mãos
sobre o moribundo. Um brilho verde-azulado as cercou, e
então toda a ferida parou de sangrar. Claro, ele ainda estava
ferido e tudo, mas não havia mais sangue saindo da ferida.

“O que... O que você fez?” Perguntei enquanto a olhava


em choque.

“Coloquei a ferida em estase.” Ela engoliu em seco, e era


óbvio que fazer isso a estressava bastante. O suor cobria sua
testa, e ela estava visivelmente tremendo com o esforço. De
certa forma, quase me lembrou de como me senti depois de
fazer exercícios intensos durante o treinamento básico. “Não
vai durar muito, mas foi o que fiz quando costurei Lúcifer.
Coloquei a ferida em estase com magia demoníaca e depois o
costurei…”

“Isso vai ajudá-lo?” Perguntei enquanto cuidadosamente


removia minhas mãos.

“Deve ajudar até que alguém que possa realmente


consertar isso apareça...” Lillith tomou um grande gole de ar.
Era estranho, mas ouvi-la dizer que ele ficaria bem fez o peso
diminuir em mim. Ele ficaria bem. Quero dizer, sim, atirei
nele, mas não foi de propósito, e já que ele ficaria bem...
“Confie em mim, ele vai ficar bem.” Então, depois que ela se
levantou lentamente, deu um passo e quase caiu de esforço.

“Tenha cuidado.” Exclamei enquanto levantava e me


movia para firmá-la. Só que ela me parou antes que pudesse
tocá-la.

“Não coloque sangue em mim.” Então riu


histericamente. “Eu teria que comprar um guarda-roupa
totalmente novo.” Riu novamente. “Cara, é estranho ver isso
realmente acontecer.” Ela acenou para o cara no chão
enquanto se encostava na parede para se apoiar. “Eu meio
que imaginei que o poder começava e terminava com
Lúcifer.”

“Você imaginou?” Perguntei enquanto procurava algo


para limpar as mãos porque ela estava certa. Estavam
cobertas de sangue. Optei por uma das toalhas brancas
penduradas na prateleira ao lado da porta. Com o que...
Provavelmente teria sido melhor estancar a ferida... Mas o
que posso dizer? Entrei em pânico.

“Sim. Quero dizer, Lúcifer e eu passamos por tanta coisa


juntos, você sabe. Vi muitas coisas estranhas acontecerem
só porque ele estava envolvido.” Lilith disse suavemente,
nostalgia grossa em sua voz agora. “Além disso, ele está bem.
Depois que saí do Jardim... Bem, ele me aceitou exatamente
como sou. Sou eternamente grata. Nós sempre fomos tão
bons juntos, e bem, não funcionou romanticamente, mas nós
tentamos. Ele sempre foi tão... Incrivelmente satisfatório.
Você sabe, muito...” Ela piscou e sorriu para mim, antes de
balançar a cabeça como se quisesse voltar aos trilhos. “De
qualquer forma, um cara assim, mesmo que não seja o cara,
fica com você, mesmo que saiba que deixá-lo ir é melhor...”

Serei honesta. Ainda estava presa em incrivelmente


satisfatório. E a estúpida pontada de ciúme que acompanhou
essas palavras. Uau. De onde veio isso? Pior, me peguei
querendo saber o quão satisfatório ele era. Não. Não. Me
redirecionei para a tarefa em mãos.

“Então o que isso quer dizer?” Perguntei de uma forma


que era total e completamente relaxada. “O que fazemos
agora?”

“Bem, essa é a coisa, não é…”

Antes que Lilith pudesse terminar esse pensamento, um


homem alto com pernas longas, cabelo preto brilhante e
grandes olhos escuros irrompeu na sala de uma forma que
me lembrou a coruja do Ursinho Pooh. Claro, talvez fossem
os óculos redondos, grandes e com armação de metal
empoleirados em seu nariz, mas era mais a vibração de “Já
pronto para criticar o que quer que estivesse acontecendo
antes de realmente investigar” que ele usava como uma capa.

“O que aconteceu com ele?” Ele caminhou até o homem


no chão e o olhou. “Este é um novo método de tortura que eu
desconheço?” Ele deu a Lilith um olhar severo enquanto
soprava uma mecha de cabelo de seu rosto. “Você ignorou as
verificações de segurança novamente? Sei que elas são
chatas, mas são projetadas para evitar...” Ele gesticulou para
a pessoa ferida, “Isso.”

“Stolas, obrigada por vir tão rápido.” Lilith exclamou, e


enquanto sua voz era educada e grata, não perdi o revirar de
olhos que fazia quando Stolas não estava olhando. “Sim,
parece que cometi um erro.” Ela gesticulou para o
moribundo... Pessoa morta. “Precisamos que isso seja
resolvido de forma rápida e discreta. Caso contrário, a
papelada será... Insana.”

“O prazer é meu. Apenas lembre-se de seguir as regras


da próxima vez. Estão lá por uma razão.” Stolas tirou um
pote de ervas verdes e marrons do bolso do paletó e se
inclinou sobre o homem. “Afinal, onde estaríamos sem
regras.”

“Ele sabe que está no Inferno, certo?” Perguntei quando


ela me pegou pelo braço e me empurrou até o cofre.

“Às vezes, me pergunto sobre isso. Ele fez a


contabilidade do Céu antes…” Ela deu de ombros. “Não
pense que ele nunca cresceu com isso.”
“Ah…” Me virei e olhei para o homem. Não podia ver o
que estava fazendo, mas quando se levantou, Stolas pegou o
homem em seus braços.

“Eu cuido disso.” Ele declarou simplesmente, todo


profissional, antes de virar os calcanhares e sair da sala.

Silêncio seguiu sua saída, e me virei para olhar para


minha pista, o Colt 1911 ali esquecida. Ainda estava
tentando absorver o que tinha acabado de acontecer, todo o
aspecto ‘receber o castigo que merece’ dos métodos de
tortura flutuando na minha cabeça. Não foi isso que
aconteceu comigo?

“Eu tenho alvos de papel.” Lilith sugeriu enquanto


caminhava de volta para sua pista e vasculhava uma sacola.
Ela ainda estava planejando seguir em frente depois do que
aconteceu?

“Tenho que dizer, Lilith...” Fiquei lá em choque.


“Realmente não estou mais no clima. Se qualquer coisa, eu
poderia tomar uma bebida.”

Ela hesitou e então virou para mim se desculpando.


“Sinto muito.” Respondeu. “Eu continuo esquecendo que
você é nova em todas essas coisas. Ficar aqui por tanto
tempo quanto eu, bem, você tende a ficar insensível a tudo
isso depois de um tempo.”

Mesmo me surpreendendo que alguém pudesse ficar


insensível a tudo isso porque minhas mãos ainda estavam
tremendo, engoli em seco e silenciosamente comecei a
guardar minhas coisas. Depois de limpar minha pistola e
travar o ferrolho, coloquei-o de lado enquanto esvaziava o
carregador e colocava toda a munição de volta na caixa.
Puxei o slide para frente e peguei a Colt, a revista e a
munição antes de caminhar até o cofre para guardar tudo.
Era estranho, mas fazendo tudo isso lenta e metodicamente,
e concentrando-me intensamente na minha tarefa, ajudou a
tirar minha mente do que tinha acabado de acontecer.

Quando terminei de guardar tudo, ouvi assobios no


corredor e, em seguida, um homem insondavelmente
deslumbrante enfiou a cabeça pela porta da sala. Ele tinha
grossos cachos dourados na cabeça, olhos castanhos que
pareciam captar toda a luz da sala e um brilho bronzeado em
sua pele que me fez pensar que tinha acabado de voltar da
praia. Ele tinha músculos seriamente definidos sob sua
regata branca, e seus jeans caíam perfeitamente em seus
quadris.

“Esses são os tons sensuais de Lilith?” Ele perguntou,


sua voz flutuando na sala, doce como algodão doce. Lilith
revirou os olhos, então o homem virou para mim. Seus olhos
se arregalaram de surpresa.

“Oh, se você não é nova e deliciosa.” Ele gorjeou. “Qual o


seu nome?”

Fui imediatamente desligada por ele. Era óbvio que era


um daqueles caras que sabiam que eram incrivelmente
atraentes, e passou tanto tempo confiando nisso, que
esqueceu como ser uma pessoa genuína.

“Vá embora, Miguel.” Lilith exigiu. Miguel? Como no


Arcanjo Miguel?

“Cala a boca, vadia.” Miguel gracejou, sua voz


repentinamente afiada quando virou a cabeça em direção a
Lilith. “Você sabe que é melhor não falar quando não está
sendo chamada.” Então, sem esperar por uma resposta,
virou e caminhou até mim, parando no limite do que seria
desconfortável. Não recuei. Eu o encarei diretamente nos
olhos.
“Desculpe.” Disse Lilith, seu rosto uma máscara de raiva
enquanto fechava as mãos em punhos. “Você deveria saber
melhor do que falar comigo assim.”

“Ou, você vai o quê?” Ele nem sequer olhou para ela.
“Dizer ao meu irmão que estou sendo malvado com você?”
Ele riu. “Pense no que faria pela sua imagem.” Então deu a
ela um pequeno aceno desdenhoso. “Vá embora, as pessoas
bonitas estão falando agora.”

“Então, você é realmente um Arcanjo?” Perguntei, não


me movendo do meu lugar. “Porque você parece meio idiota.”

“Querida, eu não sou apenas um Arcanjo. Eu sou o


Arcanjo.” Ele ronronou enquanto abria seus braços
musculosos. “Eu sou a razão de existir um inferno.”

“Mesmo? Você parece o tipo de cara que vai à academia


só para se olhar no espelho.” Murmurei. Lilith bufou ao
fundo.

“Da última vez que verifiquei, você não consegue esses


músculos simplesmente se olhando no espelho.” Ele piscou e
começou a flexionar seus músculos, girando e fazendo poses
diferentes para o máximo impacto, mantendo contato visual
comigo o tempo todo. “E você não recebe o título de Arcanjo
sem um par destes.” Ele rolou os ombros para frente, e do
centro de suas costas desfraldou um par de asas branco-
prateadas verdadeiramente impressionantes que expandiram
toda a sala.

Olhei para ele o tempo todo com um olhar desdenhoso.

“Já acabou?” Perguntei quando ele puxou suas asas de


volta.
“Por enquanto.” Miguel sorriu. “Mas lembre, por mais
impressionantes que sejam minhas asas verdadeiramente
impressionantes, e elas são impressionantes, realmente, nem
se comparam ao que tenho nas minhas calças.” Ele sorriu,
completamente sério. “Então, o que dizer de nós dois nos
conhecermos um pouco melhor?”

“Que tal não?” Retruquei, com um olhar de desgosto no


rosto, enquanto pegava meu coldre do chão, me abaixava sob
o braço que ele havia apoiado contra a parede e caminhava
em direção à porta.

“Vou perguntar de novo amanhã, docinho!” Foi a última


coisa que ouvi antes de Lilith fechar a porta atrás de nós,
deixando-o sozinho no estande.

“Ignore-o, ele é um idiota.” Lilith me assegurou enquanto


voltávamos para o meu quarto. “Ele para de vez em quando,
mas nunca faz nada. Ele é todo conversa.” Ela parou um
momento. “E se ele te enviar uma foto... Não olhe para ela.”
Ela estremeceu. “Confie em mim.”

Enquanto assenti, me perguntei porque caras como ele


sempre estragam tudo para si mesmos. Afinal, Miguel era o
Arcanjo mais famoso… De todos os tempos? E ele tinha
cabelos cacheados loiros dourados, olhos lindos e uma
mandíbula perfeitamente esculpida. Podia atrair as mulheres
sem sequer tentar, e ainda assim, de alguma forma, era tão
idiota que simplesmente abria a boca e arruinava suas
próprias chances.

“Ele não manda esse tipo de foto, manda?” Perguntei um


momento depois. “Tipo... Sério?”

“Ele manda.” Lillith suspirou de um jeito que me fez


pensar se isso alguma vez, na história de sua existência,
funcionou para ele. Que idiota.
Quando voltei pelo corredor cada vez mais sombrio para
o meu quarto, tinha um objetivo, e apenas um: Tomar um
banho. Mal podia esperar para lavar todo o chumbo e más
lembranças do meu cabelo e me sentir eu mesma
novamente.
LÚCIFER
Sentado no meu trono, a apenas três goles de um copo
de conhaque vazio. Estava saboreando cada gole, deixando o
líquido rolar sobre minha língua e consumir meus sentidos,
antes de engoli-lo com arrependimento.

Eu sabia que uma vez que este copo estivesse vazio,


precisava sair do Inferno. Nunca gostei de minhas viagens
infrequentes ao Céu. Os comentários maliciosos, os olhares
rudes... Era o único lugar onde sabia que seria tratado com
desrespeito e condescendência, e não havia nada que
pudesse fazer sobre isso. Por outro lado, pelo menos era
consistente.

Se eu precisasse ser humilhado, Lilith me lembrava, o


Céu era o lugar para me enviar.

Disse um adeus mental enquanto o último gole de


conhaque cobriu a parte de trás da minha garganta. Com
uma respiração profunda, levantei do meu assento e desci
lentamente os degraus até a extensão cinza escura do chão
abaixo de mim. Depois de devolver meu copo gentilmente ao
bar, olhei para o meu reflexo no espelho que percorria toda a
extensão da parede. Depois de endireitar a gravata, passar os
dedos pelo cabelo e apoiar as mãos no tampo do balcão, tive
que admitir que não havia mais nada que pudesse fazer para
atrasar essa viagem. Mais uma respiração profunda e estava
saindo pela porta.
Os Portões Perolados não eram perolados. Não
realmente. Eles eram de uma prata pálida, e refletiam
incrivelmente brilhantes na luz do sol perpétua. Tinham
vários andares de altura, curvados em várias direções para
uma apresentação incrivelmente ornamentada, e eram muito
mais largos do que um portão precisa ser. Os anjos
definitivamente tinham uma propensão para o dramático. Ou
isso ou eles estavam realmente apostando em todos na Terra
de repente mudando seus caminhos e inundando os Portões
do Céu.

Ri para mim mesmo. Nunca aconteceria. Estava muito


ocupado no Inferno para pensar que isso seria possível.

Também não havia nuvens fofas sobre as quais


caminhar, embora o chão parecesse muito confortável. A
grama verde felpuda embaixo dos portões ondulava
perfeitamente na brisa, e a temperatura do ar era tão perfeita
que ninguém prestava atenção nela enquanto passavam o
dia.

Curiosidade: A temperatura aqui realmente se ajusta à


preferência de cada indivíduo. Chega de brigar com seu
cônjuge sobre a configuração do termostato.

Quando me aproximei, minha presença fez com que os


Portões se abrissem automaticamente, lenta e
dramaticamente, me dando acesso ao caminho de pedra
branca que levava ao maior castelo que se poderia imaginar.
Era um caminho muito longo, e enquanto caminhava, o
castelo começou a pairar sobre mim. Ele tinha várias torres,
e as telhas que cobriam o telhado brilhavam em uma cor
quase prateada na luz do sol perfeita. Os cantos e bordas do
prédio, assim como os caixilhos das janelas, todos tinham
entalhes ornamentados decorando-os. O edifício era enorme,
e eu sabia que era duas vezes mais profundo do que largo.
Deveria ser impressionante, mas nunca me importei com
isso. Era muito branco e muito ornamentado. No entanto,
isso me fez pensar em Asmodeus. Se ele pudesse acessar
este lugar, expulsaria todos os anjos e nunca mais sairia.

Dizem que todos os cães vão para o Céu, e isso é


verdade. A propriedade era ampla, sem limites, e eu nunca
poderia fazer a viagem do Portão até a porta da frente do
castelo sem encontrar pelo menos um cachorro. Eles
estavam sempre do lado de fora, correndo e brincando,
aproveitando o sol sem fim. Esta foi possivelmente a única
coisa que gostei sobre minhas viagens até aqui.

Hoje, uma linda Husky Siberiana correu até mim,


abanando o rabo, um osso empalhado do tamanho de seu
corpo inteiro na boca. Me agachei e levei um momento para
acariciá-la. Uma vez que ela estava satisfeita, peguei seu
osso e, com toda a força que pude reunir, o enviei para o
horizonte. Os olhos da cadela se iluminaram enquanto se
virava para persegui-lo, correndo o mais rápido que podia até
sumir de vista. Fiquei ali por um momento em apreciação,
antes de me virar e retomar minha caminhada até a porta da
frente.

Depois que comecei meu treino subindo a quantidade


assassina de degraus, as portas principais se abriram
automaticamente diante de mim, expondo um lindo piso de
mármore carrara que se estendia ao comprimento e largura
de um campo de futebol com uma escada curva dupla na
extremidade.

A seção 105-FA-908-LP estava subindo as escadas e


descendo para a esquerda. Eu sabia exatamente onde era, e
também sabia que seria uma caminhada. Não ajudou que
meus olhos levassem mais tempo do que o normal para se
ajustar à brancura brilhante do Céu. Sair do meu porão
escuro para a luz do sol nunca era agradável, mas parecia
ficar cada vez pior a cada visita.

Subi um lado da escada e, quando cheguei ao topo,


estava xingando a pessoa que inventou as escadas. Não
sabia quem eles eram. Não estavam no Inferno, o que era
lamentável, já que isso teria sido uma punição simples para
colocar no meu lado com horas intermináveis de diversão.

Os corredores aqui em cima tinham uma sensação


quase clínica, provavelmente porque eram desprovidos de
qualquer cor. Pisos de mármore branco continuavam até
aqui, captando a luz e refletindo-a de volta para mim,
causando dor na parte de trás das minhas retinas. As
paredes pintadas de branco com arandelas e molduras
‘dramáticas’ idênticas enfatizavam a sensação monótona. Até
a decoração da parede era branca. Às vezes você poderia
dizer que eles estavam se sentindo um pouco festivos e
jogavam um toque de cinza claro para contrastar.

Porra, era fácil se perder aqui. Tudo parecia igual.

Quando finalmente localizei a seção certa, vi o anjo que


estava procurando imediatamente. Ele estava sentado atrás
de uma velha escrivaninha marrom com pernas de metal
enferrujadas, os pés apoiados nela, deixando para trás a
cadeira giratória preta do escritório. Ele tinha o New York
Times aberto diante dele, obscurecendo seu rosto, mas sabia
que estava ciente da minha presença.

“Luci!” Gritou uma voz brincalhona, abafada por trás do


jornal. “Eu sinto sua falta irmão! Há quanto tempo!” O jornal
caiu, revelando o rosto de Gabriel. Ele estava sempre
barbeado, com olhos azuis claros e cabelos castanhos claros
que tendiam a ter personalidade própria. Era sempre fácil
dizer como ele estava se sentindo com base na condição de
seu cabelo.
Hoje, Gabriel estava de bom humor. Ele estava sorrindo
de orelha a orelha, e seu cabelo ainda estava um pouco
penteado. Ele largou o jornal sobre a mesa enquanto se
levantava. Ao se levantar, estalou os dedos, fazendo com que
a escrivaninha, a cadeira e a mesa brilhassem e
desaparecessem. Então veio para dar um abraço.

Minhas asas arrepiaram com o pensamento, mas deixei


o abraço acontecer, de qualquer maneira. Sabia por
experiência anterior que ele não aceitaria um não como
resposta. Gabriel era um abraçador. Ele poderia ter sido
coisas piores.

“Ei, Gabe.” Digo casualmente, sabendo que ele odiava o


apelido. Precisava acertar meu único golpe antes de ir aos
negócios. “Como você está? Como estão as coisas?”

“Oh, você sabe, o de sempre.” Ele comentou com


indiferença. “Tenho certeza que você notou Miguel te
visitando com mais frequência. Ele tem sido um pé no saco
ultimamente, e acho que se cansou de eu lhe dizer para fazer
uma caminhada.”

Não tinha notado Miguel perto de mim ultimamente. Me


perguntei se isso era porque ele estava gastando todo o seu
tempo incomodando Evelyn. Fiz uma nota mental para olhar
para ele quando voltasse.

“Então, o que te traz até o meu pedaço do Céu?” Gabriel


tirou sua camisa branca levemente enrugada e sua calça
cáqui, e então olhou para mim com expectativa.

“Preciso encontrar Filomena Hernandez. Ela deve estar


em sua seção. Só quero obter algumas informações, é tudo.”
Permaneci casual. Não queria que ninguém aqui ficasse
sabendo dos detalhes de por que eu achava essa viagem
necessária.
“Bem, contanto que não seja por motivos nefastos, com
certeza! Me siga!” Gabriel girou nos calcanhares e me levou
para um corredor lateral, um pouco mais estreito do que a
pista principal de onde eu tinha acabado de sair. As portas
do corredor estavam numeradas, e quando ele finalmente
pousou na porta correta, o nome dela estava gravado nela.
“Divirta-se, mantenha tudo limpo, você sabe onde me
encontrar.” Gabriel piscou e me deixou ali no corredor.

Bati duas vezes e lentamente empurrei a porta para


revelar uma pequena e inexpressiva sala de estar. Havia uma
jovem lá, sentada em uma poltrona reclinável, tricotando o
que parecia ser um cobertor de bebê. Ela tinha o cabelo
castanho escuro amarrado em um nó no alto da cabeça, e
estava vestindo uma camisola branca e chinelos
combinando.

“Filomena?” Perguntei delicadamente.

A mulher olhou para cima para olhar para mim. Seus


olhos se arregalaram por um momento, e então ela se
recuperou antes de colocar o tricô para baixo e entrelaçar os
dedos no colo. Ela suspirou de uma forma que traiu que
estava me esperando.

“Você me encontrou, Lúcifer.” Ela disse em aceitação.


“Como posso ajudá-lo?”

“Posso me sentar?” Perguntei, tentando ser educado


diante da potencial resposta para minha maior pergunta até
agora.

“Não vou dizer não.” Respondeu, gesticulando para o


sofá ao lado dela.
Peguei meu assento e me posicionei para encará-la
diretamente. “Então, você sabe quem eu sou?” Perguntei,
genuinamente curioso.

“Sim...” Respondeu, “E se você está aqui, só pode ser por


um motivo.”

“Seu filho.” Disse simplesmente. Não vendo nenhum


ponto em conversa fiada, optei por ir direto ao assunto.
“Quem era o pai dele?”

Filomena sorriu tristemente. “O pai dele. Saber quem é o


pai dele faria toda a diferença para você, não faria?”

“Faria, na verdade.” Respondi pacientemente. “Minha


existência depende disso.”

“Quantos descendentes?” Ela perguntou, sua voz calma


e suave.

“Com licença?” Estava confuso.

“Descendentes. Quantos descendentes meu filho teve?”


Esta mulher ainda estava notavelmente calma considerando
sua atual companhia. Então, novamente, ela estava no Céu,
logo, pode ter algo a ver com isso.

“Bem...” Expliquei, me inclinando para frente e


descansando meus cotovelos no colo, dedos entrelaçados.
“Ele teve um filho, que teve um filho, que teve uma filha.
Ambos os filhos estão mortos. A mulher é a última da
linhagem.”

“O que ela fez com você?” A mulher perguntou, ainda


fria como um pepino. Ela não se moveu um centímetro.

“O que você quer dizer?” Não esperava essa pergunta.


“O que ela fez?” Filomena continuou com um pouco
mais de insistência agora. “Você deve ter interagido com ela
em seu detrimento, ou não estaria aqui no meu quarto
agora.”

Esta mulher sabia. Ela sabia exatamente o que eu


precisava saber. Decidi então que não iria embora sem a
minha resposta. Fiquei de pé e levantei minha camisa,
revelando os pontos de cura que Lilith tinha feito tão
habilmente.

A morena ergueu uma sobrancelha para a ferida e olhou


para mim. “Ela seria minha tataraneta, certo?” Filomena
perguntou com um pouco mais de intensidade em sua voz.

“Isso mesmo.” Respondi, esperando ansiosamente pela


resposta.

“Se eu te contar...” Ela disse com absoluta seriedade,


“Você tem que prometer não machucá-la. Percebo que não
tenho muitas opções nessa posição, mas ela não deveria
sofrer por algo sobre o qual não tem controle.”

“Eu não tenho absolutamente nenhuma intenção de


machucá-la.” Respondi, me acomodando de volta no sofá.
“Bem, contanto que ela não me machuque. Também quero
garantir que ninguém mais será capaz de me machucar além
dela. Isso nunca aconteceu antes, você vê, então este novo
desenvolvimento me preocupa muito. Tenho certeza que pode
entender.”

A mulher sentou e me estudou por um momento,


provavelmente pesando suas opções, uma lista mental de
prós e contras para revelar esta informação. Deve ser algo
importante para passar tanto tempo guardando.
“Miguel.” Era tão fraco que ela poderia muito bem ter
sussurrado.

“Miguel?” Pedi esclarecimentos. “Qual era o sobrenome


de Miguel?”

“Não...” Sussurrou, com urgência na voz, e se inclinou


para frente em seu assento, o primeiro movimento real que
fez desde que me sentei. “Miguel. O Arcanjo. Seu irmão.”

O mundo inteiro como o conhecia desabou ao meu redor


naquele momento. “Miguel.” Disse estupidamente, tentando
compreender. “O pai do seu filho era o Arcanjo Miguel?”

“Sim.” Ela admitiu, e corou um pouco quando fez.

“Você criou um Nephilim.”

“Sim.”

“Isso é contra as regras.”

“Sim.”

“Essa é praticamente a maior regra.”

“Sim.” Então…

“Espere, então eu sou um tio?!”

Filomena jogou a cabeça para trás e riu, meu primeiro


vislumbre de sua personalidade desde que entrei na sala.
“Sim, eu acho que você é, ou, err, foi. Tenho certeza de que
ele já morreu.”

“Ele morreu.” A informei. “Na verdade, como eu disse,


Evelyn é a última da linhagem. Ela é a única que restou
viva.”
Fiquei sentado em silêncio por um momento,
absorvendo todas as informações que acabara de descobrir.
Um Nephilim nasceu. Essa foi praticamente a primeira regra
que papai estabeleceu quando criou os humanos. Não
deveríamos ter nenhum relacionamento ou mesmo tentar ter
qualquer descendência. Não estava tão surpreso que a regra
tivesse sido quebrada desde que sabia que isso iria
acontecer, eventualmente. Fiquei mais surpreso por ter
demorado tanto para acontecer, mas acima de tudo, fiquei
surpreso com quem fez isso.

Miguel, o novo favorito do papai, aquele que obedecia a


todas as regras e evitava qualquer um que ousasse
questioná-las, Miguel, de todos os anjos de Deus, teve um
relacionamento com um humano e criou um Nephilim.

Isso poderia ter consequências desastrosas. Se esta


criança tivesse saído para causar danos ou tivesse sido
colocada em uma situação precária, seus poderes poderiam
ter abalado a Terra, possivelmente acabando com ela. Este
era um enorme segredo. Se o Céu tivesse descoberto
enquanto ele estava vivo, eles o teriam aprisionado para a
segurança de todos. Dependendo do nível de seus poderes,
poderiam tê-lo matado.

“Desculpe...” Continuei. “Isso tudo é um pouco difícil de


processar. Então, o que você está dizendo é que o bisavô de
Evelyn era um Nephilim, o que faria dela... Um oitavo de
Nephilim? Isso faz sentido, suponho. Seus poderes seriam
incrivelmente diluídos depois de todas essas gerações.
Suponho que você também não estava com pressa de contar
a ninguém se queria proteger Miguel.”

“Não tanto Miguel.” Filomena respondeu com incrível


franqueza. “Essa relação acabou muito rapidamente. Ele...
Não era meu tipo. Estava muito mais interessada em
proteger meu filho. Eu sabia que os anjos e toda a Hoste
Celestial iriam querer tirá-lo de mim. Quem sabe o que
teriam feito com ele?”

Ela franziu a testa um pouco enquanto se concentrava


em mim. “Eu também tinha certeza de que o Inferno se
levantaria para tentar reivindicá-lo também. Achei que se eu
o ensinasse a controlar seus poderes e mantê-los em
segredo, ele teria uma chance de viver uma vida longa e
saudável, e ele o fez. Se casou, teve um filho, dirigiu um
negócio de sucesso. Ninguém nunca veio bater à nossa porta.
Contei minhas bênçãos todos os dias até o dia em que morri.
Verdade seja dita, sempre pensei que Miguel era um idiota.
Ele é ótimo de se ver, no entanto. Não vou negar isso a ele.”

“Ele ensinou a mesma coisa ao filho?” Perguntei, além


de curioso sobre os detalhes. Eu não sabia exatamente o que
um Nephilim poderia fazer já que nunca existiu um antes.
Tudo que sabia era que seus poderes eram intensamente
fortes, muito mais do que os meus ou de qualquer outro
anjo. Isso me fascinou, uma possibilidade que nem tinha
considerado.

“Sim.” Filomena ainda permanecia calma em sua


cadeira. “Embora tenha havido um incidente em um jogo de
beisebol que resultou em meu neto quebrar um braço. Meu
filho chegou a ele logo antes do treinador e viu o osso se
curando. Ele me disse que conseguiu se posicionar para
esconder o braço do treinador até que ele cicatrizasse
completamente. Meu neto jogou como um campeão, e
ninguém sabia.”

Eu me perguntava onde seu filho estava agora. Se estava


aqui, os anjos sabiam o que ele era? Eu era o único fora do
circuito? E se eles descobrissem sobre Evelyn?
Levantei para sair. Precisava ter tempo para absorver
essa informação completamente. Algo me ocorreu, porém,
antes de eu sair. Parei e me virei para encará-la.

“Como você sabe quem eu sou?” Perguntei. “E por que


você não tem medo de mim?”

Ela sorriu tristemente. “Miguel voltou, você sabe. Depois


que Andy nasceu. Ele estava com raiva e com medo. Insistiu
que ninguém poderia descobrir, que o resultado seria mortal.
Me disse para proteger nosso filho a todo custo e me ensinou
a reconhecer os anjos e demônios que andavam entre nós
para que pudesse evitar colocar Andy e eu em uma posição
perigosa. Ele descreveu você em detalhes. Queria ter certeza
de que poderia dizer se você estava vindo para mim. Talvez
uma oração pudesse alcançá-lo com rapidez suficiente para
proteger nosso filho.”

Um olhar nostálgico e distante surgiu em seus olhos.


“Você sabe, nunca pensei que Miguel se importasse muito
comigo ou com o que ele partir de repente faria comigo.
Nunca questionei isso. Uma vez que ele descobriu que tinha
um filho, porém, se tornou uma pessoa completamente
diferente. O pai de Andy é um homem completamente
diferente do Miguel que conheci. Foi doce. Me pergunto onde
Miguel está hoje em dia. Me pergunto se ele está bem, ou se
sabe onde nosso filho está.

“Você não o viu?” Perguntei, surpreso com essa


reviravolta.

“Não.” Ela respondeu melancolicamente. “Se ele está


aqui, nunca faz check-in. Ele me disse que seria o caso, no
entanto, no interesse de proteger nosso segredo. Eu estou
bem com isso. Não preciso vê-lo. Estava simplesmente
curiosa.”
Sorri para ela. “Ele ainda é o mesmo idiota que sempre
foi. Nada mudou.”

Ela riu e não pareceu nem um pouco surpresa.

“Obrigada pela informação.” Continuei. “Evelyn está


segura, e vou garantir que continue assim.”

“Obrigada.” Ela disse em uma voz calma e apreciativa.

Balancei a cabeça ligeiramente e saí. A caminhada de


volta ao Inferno passou voando. Mal prestei atenção ao meu
redor, pois minha mente estava completamente absorta na
informação que tinha acabado de obter. Me encontrei com
raiva de Miguel. Ele liderou o ataque para me expulsar do
Céu por ousar fazer minhas próprias escolhas, apenas para
virar e quebrar a regra número um.

Quando saí para a grama do lado de fora, fiquei


surpreso por já ter percorrido uma distância tão grande. Um
Cocker Spaniel passou correndo por mim e depois voltou,
correndo em círculos ao redor das minhas pernas enquanto
eu andava, mas não tinha consciência mental para entretê-lo
além de alguns carinhos e uma massagem na barriga. Saí
direto dos Portões e voltei para o Inferno, esperando que meu
copo de conhaque ainda estivesse onde o deixei.

Eu ia precisar quando chegasse lá.


EVELYN
Lilith perguntou se eu estava bem em voltar para o meu
quarto sozinha, e lhe assegurei que sim, mas agora estava no
meio de um corredor, total e completamente perdida. Entre
os quartos em constante mudança e a aparência monótona
dos corredores, era muito difícil entender como as coisas
estavam organizadas aqui. Me sentia muito como quando me
mudava para uma nova unidade enquanto estava nas forças
armadas. Tinha me acostumado a aprender as novas ruas e
cidades por todo o país. Então, novamente, tinha tecnologia
à minha disposição. Eu saía rotineiramente do caminho
batido, me perdendo de propósito, sabendo que o GPS do
meu telefone sempre seria capaz de me levar de volta para
casa. Não havia exatamente um GPS do Inferno ou um
quadro com o layout demoníaco para trapacear aqui, e
quando essa percepção afundou, a confiança que tinha
quando Lilith foi embora rapidamente evaporou.

Vi uma porta aberta e, hesitante, olhei para dentro. Em


vez de dispositivos de tortura, parecia que havia encontrado
a porta dos fundos de uma cozinha comercial. Entrei e
encontrei um único demônio na outra extremidade,
preparando legumes. Sua pele verde bulbosa não era a visão
mais agradável, mas pelo menos ele estava usando um
avental, eu acho. Ele se virou ao som dos meus passos, e
congelei, sem saber se corria ou dizia olá.

“Bom dia.” Ele resmungou. Parecia que sua boca estava


cheia de bolinhas de gude.
“Uh, bom dia.” Respondi, minha voz soando tão insegura
quanto me sentia. “Acho que estou um pouco perdida.”

“Nah, você não esta.” Ele disse casualmente. Lutei para


entender o que disse.

“Não estou?” Certamente me sentia perdida.

“Você está apenas na porta dos fundos. A sala de jantar


é por ali.” Ele apontou para a porta aberta ao seu lado,me
aproximei e olhei por ela. Com certeza, reconheci a longa
mesa de madeira das minhas refeições com Lúcifer. Do outro
lado da sala estava a porta que conhecia.

“Uau. Obrigada!” Respondi, o alívio tomando conta de


mim. Tive a impressão de que me perder aqui era como
andar sozinha por um beco escuro à noite em um bairro
ruim. Não é algo que queria fazer.

“Sem problemas.” O demônio disse friamente. “Você está


com fome?”

Eu me virei para encará-lo. “Faminta, na verdade.”

“Vá sentar. Eu vou cuidar de você.” Ele acenou para


mim e se virou para a chapa.

“Muito obrigada.” Respondi com gratidão, mas ele não


me respondeu. Caminhei até a mesa e sentei na minha
cadeira de sempre, me sentindo um pouco deslocada sem
meu companheiro de jantar habitual.

Ouvi a porta se abrir atrás de mim e me virei para ver


quem era o recém-chegado. Minha pele imediatamente
arrepiou com a visão de Miguel passeando casualmente pela
porta. Ele me viu e deu um sorriso perfeito em minha
direção, e notei seus dentes incrivelmente brancos. Como eu
esperava, ele caminhou até mim e puxou a cadeira ao meu
lado. Quando se sentou, ele abriu as pernas, agarrando o
assento da cadeira entre suas pernas e empurrando-o para
frente, permitindo que chegasse incrivelmente perto.

“Bem, tenho que dizer, esta é uma surpresa agradável.”


Cantarolou. “Não esperava ter algum tempo sozinho com
você tão cedo. Você simplesmente não podia esperar, podia?”
Ele se inclinou para perto, me deixando incrivelmente
desconfortável.

“Você precisa recuar.” Rebati.

Miguel riu, mas não recuou. “Jogando duro?”

O demônio da cozinha deslizou para a sala de jantar


naquele momento, trazendo alguns ovos mexidos e torradas.
Ele silenciosamente colocou a refeição na minha frente, deu
a Miguel um breve aceno de cabeça e voltou para a cozinha.

Estava morrendo de fome, mas também queria sair da


sala o mais rápido possível. Comecei com meus ovos mexidos
primeiro, imaginando que a torrada era mais portátil se eu
decidisse fazer uma fuga rápida.

Miguel ainda não tinha se mexido. Parei e me virei para


encará-lo.

“Vou dizer isso mais uma vez.” Disse com a boca cheia
de ovos, “Cai fora. Não haverá um terceiro aviso.”

“Ooh.” Ele respondeu. “Gosto de uma mulher atrevida.


Eu posso ver através disso, porém, por baixo de todo esse
sarcasmo, você realmente quer que um homem assuma o
controle, não é? Bem, tenho ótimas notícias, querida. Sou o
homem perfeito para você!” Ele abriu suas asas
reconhecidamente lindas novamente, sem prestar atenção ao
seu entorno. Elas derrubaram uma das cadeiras vazias da
sala de jantar, e acabei com uma pena nos meus ovos. Suas
asas se ergueram sobre nós, e ele tinha um sorriso
irritantemente condescendente no rosto.

“Você quer tocá-las, não é?” Ele cantarolou. “Eu sei. Vá


em frente.” Ele se virou para tocar suas próprias asas. “Elas
são lindas, não são?”

Me levantei e olhei para ele.

“Você está se esforçando demais para tentar


impressionar alguém que genuinamente não dá a mínima.”
Empurrei minha cadeira para trás. “Ah, e obrigada por
arruinar meu café da manhã.”

Fui me afastar, mas ele moveu sua asa para me prender


no lugar. Suspirei e revirei os olhos antes de olhar para ele.

“Se afaste.” Exigi.

Os olhos de Miguel se iluminaram e ele se afastou


imediatamente. Como previ, ele se posicionou para ficar
incrivelmente perto de mim ao levantar.

Fechei meu punho e enviei toda a minha energia através


dele, socando-o bem na mandíbula.

“Ai!” Miguel levou a mão ao queixo, parecendo surpreso.


Suas asas se dobraram com o impacto. “Isso doeu muito
mais do que eu esperava.”

Não conseguia nem começar a colocar em palavras o


quão satisfatório aquele soco foi. Todas as frustrações por
estar presa aqui, os sentimentos reprimidos por Lúcifer, a
raiva por esse babaca pensar que poderia falar comigo
daquele jeito, tudo foi para aquele soco. Fale sobre
terapêutico.
“Droga, e eu me segurei.” Me gabei. “Imagine se eu
tivesse colocado todo o meu peso por trás disso. Talvez você
precise endurecer.”

As asas não estavam sendo mais um obstáculo no meu


caminho, passei por ele para sair e vi Lilith na porta.

Parei em minhas trilhas. “Ele mereceu.” Anunciei.

“Sem dúvida.” Lilith respondeu. “Estou com um pouco


de ciúmes. Gostaria de ter sido a única a socá-lo.”

“Não é tarde demais.” Brinquei, gesticulando atrás de


mim. “Ele ainda está aqui se você quiser dar uma chance.”

Vi a sombra de suas asas rastejar pela parede na minha


frente.

“Ninguém me dá um soco e sai impune.” Ele proclamou,


sua voz uma oitava mais baixa do que o habitual.

Olhei para trás em sua direção. “Ok, cara, se você diz.”


Gritei enquanto passava por Lilith, dando um high five.

Ela fechou a porta e me alcançou no corredor.

“Isso foi muito épico.” Disse ela, tonta de emoção.


“Tenho que avisá-la, porém, ele está chateado agora. Pode
ficar um pouco mais agressivo agora. Apenas um alerta.”

“Obrigada.” Ri. “Estarei um pouco mais preparada para


nossa próxima interação agora.”

“Fico feliz em ajudar.” Lilith riu ao meu lado. “Vou viver


indiretamente através de você.”
A essa altura, tínhamos chegado à porta do meu quarto.
Lilith diminuiu a velocidade por um momento enquanto se
virava e acenava para mim antes de continuar pelo corredor.

“Até logo, Evelyn.” Ela chamou enquanto continuava,


virando uma esquina e fora de vista.

Com fome ou não, ainda precisava de um banho, então


abri a porta e a fechei atrás de mim, feliz por estar na versão
mais próxima de casa que tinha aqui.
LÚCIFER
Beber não fez nada para aliviar minha mente depois de
tudo que aprendi em minha visita ao Céu. Eu estava com
meia garrafa de conhaque quando Lilith irrompeu pela a
porta sem avisar, o cabelo voando atrás dela e um olhar de
pânico em seus olhos.

“Bem, vi os poderes dela por mim mesma. Stolas está


curando as feridas do homem. Basta dizer que estou
preocupada.” Ela estava andando de um lado para o outro na
minha frente, em um clipe rápido que me disse que estava
experimentando níveis mais altos do que o normal de
ansiedade.

“Relaxe.” Respondi calmamente. “Não sei porque você


demorou tanto para chegar aqui, mas Stolas já me deu uma
atualização. O homem vai ficar bem. Podemos torturá-lo nos
próximos anos.”

Stolas era meu demônio mais confiável. Ele era


definitivamente útil quando se tratava de ervas e cura, mas
também era bom como espião. Às vezes ele tomava sua forma
de demônio e voava como um corvo. Era extremamente útil
para espionagem, mas Stolas também era incrivelmente
inteligente e leal. Ele não corria por aí compartilhando
segredos, e às vezes até eu tinha que lutar para conseguir a
informação dele. Tinha me acostumado a ver um corvo no
alto enquanto estava na minha sala do trono, e ele apareceu
logo depois que voltei aqui com as boas notícias sobre o
ferimento de bala.

Lilith parou e olhou para mim, visivelmente mais calma.


“Oh, isso é bom.” Ela pronunciou com alívio. “Pelo menos
não temos que nos preocupar com isso. Além disso, desculpe
a demora. Eu queria dar a volta e dar a Miguel um pedaço da
minha mente.”

“Miguel, de novo? Lamento que ele não a deixe em paz.”


Minha conversa com Gabriel flutuou na vanguarda do meu
cérebro, e me lembrei de seu comentário sobre Miguel passar
mais tempo aqui. Miguel e eu tivemos inúmeras brigas nos
corredores aqui no Inferno, muitas delas por causa de seu
tratamento com Lilith. Uma das desvantagens da
imortalidade é que temos que lidar uns com os outros por
toda a eternidade. Mas ainda assim, sabia que ela estava
além disso a essa altura. Eu com certeza estava.

“Não, não a mim.” Ela respondeu, caminhando até o bar


e se ocupando com uma nova garrafa de vinho. “Agora, ele
está de olho em Evelyn.”

Imediatamente vi vermelho. O calor da raiva correu pelo


meu corpo, e minhas mãos se fecharam em punhos. Ainda
assim, permaneci em silêncio e me acalmei, mas não pude
deixar de me perguntar de onde veio isso? Parecia resultar
mais do ciúme por sua atração por Evelyn e um desejo inato
de que eu a protegesse, do que qualquer outra coisa.

No momento em que Lilith se virou para mim, tinha me


recomposto. Por muito pouco.

“Ele estava dando a ela um monte de porcaria.” Ela


explicou, “Mas cuidei disso. Por enquanto, de qualquer
maneira.” Ela segurou a beirada do bar com uma mão e
usou a outra para levantar um pouco sua minissaia
vermelha enquanto tirava seus saltos cinzas. Ela me pegou
olhando para ela e diminuiu seus movimentos
propositalmente.

“Miguel viu o que aconteceu?” Me perguntei se Miguel


sabia. Ele passou seu tempo rastreando a família? Tinha
alguma suspeita sobre Evelyn?

“Não, ele não apareceu até depois de limparmos.” Lilith


pegou sua taça de vinho e caminhou até mim.

“Ok, bom.” Respondi com alívio. Enquanto tomava outro


gole do meu conhaque, olhei para o relógio no bar. “Eu voltei
do Céu há... Não sei? Algumas horas atrás.”

“Oh!” Lilith exclamou, as sobrancelhas levantadas.


“Espere…” Ela puxou sua cadeira de trás do meu trono e a
abriu com uma mão, tomando cuidado para não derramar
seu vinho. Se sentou, cruzou as pernas e se apoiou no
joelho, inclinando para frente em antecipação. “Ok, o que
você descobriu?”

Suspirei, pronto para tirar o fardo de todo esse


conhecimento dos meus ombros. “O bisavô de Evelyn, aquele
sem pai listado?” A olhei, fazendo uma pausa para efeito e
esperando que reconhecesse a referência.

“Sim?” Ela perguntou em voz baixa, inclinando-se para


mais perto de mim.

“Ele era um Nephilim.”

Seus olhos se arregalaram em choque. “Puta merda! Um


maldito Nephilim?!” Seus olhos olharam para cima, enquanto
ela mergulhava em pensamentos, montando o quebra-
cabeça. “Isso explica tudo.” Ela olhou para mim. “Isso explica
seu poder e porque ela nunca soube que o tinha.”
Lilith tomou um gole pensativo, ou melhor, um gole de
seu vinho. Eu podia ver a próxima pergunta se formar atrás
de seus olhos, e seu rosto voltou para travar no meu.

“Quem era o pai?”

“Estou feliz que já esteja sentada porque essa parte


ainda está me irritando.” Levantei meu copo aos lábios
novamente, meus olhos nunca deixando o rosto de Lilith
enquanto a antecipação crescia em seus olhos. “Miguel é o
pai.”

Lilith não me respondeu por um longo tempo. Ela olhou


diretamente para mim, a boca ligeiramente aberta em
choque, a taça de vinho esquecida em sua mão. Ela procurou
meu rosto por algum tipo de reação, mas não lhe dei
nenhuma. Ainda não sabia como eu queria lidar com essa
informação monumental.

Uma vez que recuperou o poder do movimento, Lilith se


levantou e começou a andar novamente, mais devagar desta
vez, parando de vez em quando para tomar outro gole de seu
copo.

“Tenho certeza que estou pensando as mesmas coisas


que você.” Ela começou. “Nephilim são seres proibidos, não
sabemos a extensão de seus poderes. Ela poderia ser capaz
de fazer qualquer coisa. Nós realmente não sabemos. E
Miguel?!” Lilith parou e se virou para mim, a raiva rastejando
em seu rosto agora, e sua voz afiando e levantando algumas
oitavas. “Aquele que segue todas as regras. Ele quebrou essa
regra? Não acreditaria se não fosse você que estivesse me
contando!”

“Eu sei.” Respondi, distraidamente girando o líquido no


meu copo novamente, olhando para baixo através do vidro,
sem foco e na minha própria cabeça. “Eu disse e senti tudo
isso. Por que você acha que eu estou...” Peguei a garrafa que
estava no chão ao lado do meu trono e a segurei contra a luz
para avaliar quanto restava. “Precisando de outra garrafa?”

Lilith olhou para a garrafa na minha mão. “Há quanto


tempo você está bebendo?” Perguntou enquanto voltava para
o bar.

“Desde que voltei do Céu há algumas horas.” Disse,


fazendo cálculos mentais sobre exatamente quanto licor já
tinha consumido.

Lilith foi para trás do bar, largou sua taça de vinho


agora vazia e pegou uma garrafa de Don Julio Real e dois
copos de shot.

“Tequila?!” Exclamei.

Ela passeou de volta para mim, e um sorriso travesso


cruzou seu rosto. “Se alguma vez houve um momento…” Sua
voz sumiu quando ela se sentou, me entregou os dois copos e
abriu a garrafa para derramar uma dose generosa em cada
um. Meu copo de conhaque estava esquecido no chão ao
meu lado enquanto Lilith me entregava um limão.

“Não posso discutir com isso.” Respondi enquanto


lambia minha mão e então peguei o saleiro de Lilith e
adicionei um pouco. “Saúde.” Lambi o sal da minha mão
antes de tomar a dose. Enquanto o líquido queimava pela
minha garganta, chupei o limão. Então engasguei para
respirar porque, bem, tequila.

“Não acho que um shot basta.” Disse Lilith enquanto


jogava seu limão desidratado no chão ao lado da garrafa de
Don Julio Real. “Não. Definitivamente não.”
“Então, suponho que precisamos contar a Evelyn agora.”
Acabara de me ocorrer que ela gostaria de saber tudo isso
também. Me perguntei como ela lidaria com a informação, e
qual seria a melhor maneira de contar. Então, novamente,
quanto mais cedo disser a ela, mais cedo teria motivos para
deixá-la ir.

“Ainda não.” Disse Lilith, despejando uma segunda


rodada de doses. “Por que não nos sentamos nesta
informação por enquanto? Vamos ver se ela revela mais
alguma coisa. Talvez possamos tirar mais poderes dela. No
mínimo, gostaria de ficar de olho em toda essa situação entre
Miguel e Evelyn. Uma vez que ela saiba, não podemos
controlar como reagirá a ele. Não queremos que Miguel saiba
quem ela é. Ainda não.”

“Faz sentido.” Respondi, pesando nossas opções na


minha cabeça. “Vamos adiar, pelo menos por enquanto.”

Passamos algum tempo em silêncio, processando tudo.


De vez em quando, Lilith pegava a garrafa de tequila de volta
e enchia nossos copos, e outro gole de desaparecia em
nossas gargantas.

Eu não fico bêbado. Na verdade. O volume de bebidas


alcoólicas que o anjo médio precisaria consumir para ficar
bêbado é enorme. Mesmo em cima de todo o conhaque, a
tequila só agora estava começando a me fazer sentir um leve
zumbido. Estávamos trabalhando muito bem na garrafa, e
sabia que teria um efeito muito mais intenso em Lilith.

“Sabe o que é loucura?” Lilith murmurou. “Eu sempre


assumi que se um Nephilim fosse criado, o chão iria tremer,
e, não sei, de alguma forma todos saberíamos que algo
grande aconteceu. Quero dizer, ele foi e apenas... Nasceu
sem grande alarde? Como qualquer outra criança humana?
Como foi a gravidez? Ela se sentia diferente do que seria...
Com um humano? Eu tenho muitas perguntas!”

“São todas boas perguntas.” Respondi, olhando para o


meu copo vazio. “Talvez possamos checar o dia em que ele
nasceu e ver se algum grande desastre natural aconteceu?
Talvez algo estranho tenha acontecido, mas não sabíamos o
que procurar, então ninguém prestou atenção.”

“Sim, acho que vou... Vou fazer isso.” Ela gaguejou. “Vai
me incomodar se eu não fizer. Além disso, é uma merda que
nunca conseguimos, você sabe, ver o que seus poderes
realmente poderiam ser. Eles foram sufocados porque ele
tinha que ser... Teve que manter o segredo, então... Acho que
nunca saberemos agora.”

Escutei quando sua voz começou a se arrastar, e suas


inibições começaram a desaparecer. Sua roupa geralmente
impecável começou a parecer um pouco casual, uma gola de
sua camisa de seda pendia do ombro esquerdo, expondo a
alça do sutiã, e quando ela amarrou o cabelo para trás do
rosto, foi um pouco desleixado, deixando alguns fios
escaparem no processo. Eu me encontrei com ciúmes dela
naquele momento. Ela poderia escapar do mundo por um
curto período de tempo, mesmo que fosse uma garrafa, mas
eu não.

Apesar de tudo isso, podia dizer que a preocupação e a


incerteza ainda estavam pesando sobre ela. Lilith finalmente
retomou seu ritmo, coloquei meu copo na mesa e caminhei
até ela.

“Você está bem?” Pressionei. “Parece estressada.” Dei


alguns passos em sua direção, e ela parou de se mexer e se
endireitou para me encarar. Coloquei as mãos em seus
ombros e senti seus músculos relaxarem sob minhas
palmas.
Ela respirou fundo e suspirou, sua cabeça inclinada
para o lado enquanto olhava além de mim. “Estou bem.
Sério. Estou apenas... Bem, estou pensando mais em você e
como isso... Como isso te afeta.” Sua voz suavizou. Ela
gentilmente descansou uma mão sobre a minha e me olhou
através de seus cílios. “Estou preocupada com você e...” Ela
acenou com a mão ao acaso no ar. “Tudo isso. Me importo
tanto com você. Você sempre me aceitou por quem eu sou.
Quero que saiba que eu...” Lilith olhou para baixo e engoliu
em seco. “Obrigada.”

“Sei que você quer.” Respondi, minha voz mais suave


também. “Você me disse isso.” Apertei seus ombros e os
deslizei para baixo em seus braços para segurar suas mãos
frouxamente. Ela tendia a fazer isso quando ficava bêbada.
Ela ficaria muito emocional e sentimental. Nunca reclamei.
Na verdade, pensei que era doce. “Temos um ao outro e
vamos ficar juntos, não importa o que aconteça.” Apertei
suas mãos com força antes de soltar e deixar cair minhas
próprias mãos ao meu lado.

Lilith sorriu para mim. “Você está certo.” Ela murmurou.


“Sempre fomos ótimos juntos.” Foi quando seus olhos foram
para os meus lábios. Antes que eu percebesse, ela havia
fechado a distância entre nós, e seus lábios encontraram os
meus, suas mãos entrelaçadas em ambos os lados do meu
rosto.

Minhas mãos dispararam para agarrar sua cintura


instintivamente. Seus lábios eram macios, cheios e
familiares, mas imediatamente me senti desconfortável.
Meus olhos se abriram e minhas mãos apertaram sua
cintura enquanto a puxava de volta. Só então, com o canto
dos meus olhos, eu vi um flash de cabelo escuro
encaracolado passar pela porta aberta para a sala do trono
enquanto o rosto de Lilith caiu de volta no meu campo de
visão.

Nós apenas ficamos ali por um momento, olhando um


para o outro, e vi os olhos de Lilith escurecerem. Ela parecia
chateada, e antes que pudesse processar tudo o que estava
acontecendo, ela se virou e caminhou rápida e
propositalmente para fora da porta, estendendo a mão para
pegar seus sapatos ao longo do caminho.

O que acabou de acontecer? Era Evelyn? Ela tinha nos


visto? Quanto ela viu? O que estava passando pela cabeça
dela agora? Eu precisava que ela soubesse que na verdade
não era o que parecia, mas não queria admitir para mim
mesmo porque precisava fazer isso.

O assunto mais urgente deveria ter sido Lilith. Ela


estava obviamente com raiva. Eu teria que resolver isso com
ela mais tarde, uma vez que tivesse resolvido isso por mim
mesmo. No passado, sempre dei boas-vindas a seus avanços.
Claro, às vezes passamos séculos sem contato físico, mas
toda vez que voltávamos dessa maneira, era como voltar para
casa.

Então, por que agora, eu não poderia aceitá-la? Pensei


em sua infinidade de vestidos e como cada um deles se
agarrava às suas curvas de uma maneira que às vezes
tornava difícil se concentrar. Sua minissaia vermelha esta
noite normalmente teria feito o truque por si só.

A única coisa certa era que eu estava fora do meu jogo, e


era tudo culpa de Evelyn.
EVELYN
A água morna caiu em cascata sobre meu cabelo e
escorreu pelo meu corpo, e fiquei ali, saboreando o momento.
Depois de experimentar o que tinha passado no estande, este
banho não era mais para lavar o chumbo do meu corpo.
Estava tentando limpar minha alma. Como pude deixar a
Lilith me convencer a atirar em alguém?

Bem, realmente acreditei nela quando disse que ele não


podia sangrar. Baixei a guarda, finalmente comecei a deixar
minhas convicções e aceitar o Inferno, e isso aconteceu. Era
um sinal de que precisava manter um controle mais firme
sobre meus princípios.

Isso me fez pensar em tudo que tinha experimentado


aqui até agora. Eu deveria estar chateada com Lúcifer por me
manter refém, mas tinha que admitir, realmente queria ficar
e conhecê-lo em um nível mais profundo. O que era
preocupante é que esses sentimentos estavam se
desenvolvendo rapidamente, e eu não tinha certeza do que
fazer com eles. Não conseguia entender porque me sentia
assim, já que ele havia me sequestrado, mas não podia negar
a verdade. Eu tinha me apaixonado por ele. Comecei a
pensar sobre meus princípios novamente e me perguntei
onde se apaixonar pelo Diabo foi parar no gráfico.

Lavei meu cabelo com xampu e condicionador completo


e levei meu tempo depilando minhas pernas, apreciando a
sensação da navalha deslizando contra minha pele. Atirar
naquele homem não foi meu melhor momento, mas Lilith
parecia mais preocupada com meus supostos poderes do que
com o homem sangrando no chão. Esperava que ele estivesse
bem, o que me pareceu estranho. Se ele estivesse bem, então
ele estaria preso no Inferno sendo torturado. Realmente não
via como isso poderia ser uma coisa boa para ele.

Havia também a questão irritante dos meus poderes. Eu


tinha começado a aceitar a verdade agora, mas ainda não
tinha ideia de porque era capaz de fazer o que fiz. Nunca
tinha feito nada anormal ou incomum enquanto crescia.
Nunca fiz nada se mover com minha mente ou levantei itens
extraordinariamente pesados com facilidade. Não era um
corredor particularmente rápido. Na verdade, fui bem na
média durante toda a minha infância. Então, de onde veio
isso? Parecia uma habilidade bem estranha de se ter.

Pensei na minha pequena família e na minha falta de


conhecimento sobre meus ancestrais. Nunca tinha pensado
muito nisso até recentemente. Eu queria voltar para o topo e
encontrar minha mãe. No mínimo, se ela não tivesse
nenhuma resposta para mim, ela faria uma xícara de chá
fantástica. Nunca bebi chá a menos que ela o fizesse.

Então, em cima de tudo isso, havia Miguel. Implacável e


arrogante, ele era a antítese de tudo que procurava em um
parceiro. O fato de que ele não poderia dar uma dica e
simplesmente me deixar em paz foi a parte mais frustrante.
Foi um aborrecimento subjacente tecendo toda essa
experiência.

Percebendo que tinha passado muito tempo no chuveiro,


desliguei a água e pulei para fora. Assim que me sequei,
peguei minha loção corporal mais luxuosa. Cheirava lavanda
e coco e manteve minha pele hidratada e suave durante todo
o dia. Uma amiga minha começou a vender sua própria linha
de loções, e comprei uma como um bom gesto, mas
rapidamente se tornou minha favorita.

Peguei meu jeans preto desbotado e meu tênis todo


preto e os combinei com minha camisa xadrez preta e cinza
desgastada por cima de uma camiseta preta lisa e justa.
Parecia aconchegante e discreto enquanto me permitia a
liberdade de movimento que poderia precisar aqui no
Inferno. Também abraçou bem minhas curvas, o que nunca
machucou.

Com meus cachos escuros soltos em volta dos ombros e


um rosto com pouca maquiagem, decidi que iria testar as
águas e procurar algumas respostas por conta própria. Era
hora de rastrear Lúcifer e conversar em meus próprios
termos. Estava determinada a descobrir se esses sentimentos
eram nos dois sentidos.

Saí para o corredor mal iluminado e me preparei para as


luzes bruxuleantes, mas não havia nenhuma. Toda a
iluminação que podia ver havia sido consertada, e o corredor
agora estava brilhantemente iluminado. Isso não era
necessariamente uma coisa boa, pois sujeira e detritos
cobriam as bordas do corredor, e os azulejos das paredes
pareciam gordurosos. Decidi que estava mais feliz sem esse
conhecimento, mas apreciei que Lúcifer tivesse me ouvido e
garantido que eu não teria que aturar as luzes bruxuleantes.
Comecei a refazer meus passos para onde pensava que era a
sala do trono de Lúcifer.

Uma vez que virei minha primeira esquina, notei que as


luzes estavam piscando por todo o próximo trecho do
corredor. Eu ri alto, um som que ecoou pelo corredor.
Enquanto Lúcifer garantiu que minhas luzes fossem
consertadas, ele manteve sua própria iluminação original
pelo resto do Inferno. Achei doce e fiz uma nota mental para
agradecê-lo.

Quando finalmente me aproximei da sala do trono, ouvi


algumas vozes lá dentro. Me sentindo um pouco
envergonhada por estar interrompendo algum negócio
importante, decidi espiar só para ter certeza pela porta.

Lúcifer estava parado ali, com as mãos nos ombros de


Lilith, e ela estava olhando para ele. Eles pareciam estar no
meio de uma conversa, mas estavam um pouco próximos
demais para uma conversa casual. Ele deslizou as mãos
pelos braços dela e pegou suas mãos nas dele.

Então ela estendeu a mão, agarrou seu rosto e o beijou.


Foi um beijo real e apaixonado. Podia sentir a intensidade
daqui, e isso me quebrou. Vi as mãos de Lúcifer agarrá-la
pela cintura, e sabia que não queria continuar assistindo.
Não sabia mais o que fazer, então corri, grata pela escolha do
calçado. Meus passos eram silenciosos na pedra.
Esperançosamente, eles nunca saberiam que eu estava lá.

Parei na esquina e pressionei minhas costas contra a


parede para recuperar o fôlego e organizar meus
pensamentos. Me senti tão estúpida naquele momento. Este
era Lúcifer, o Rei do Inferno. Por que eu até entrei na ideia de
nós dois ficarmos juntos? Além do fato de que não sabia que
o diabo era real até muito recentemente, ele também me
sequestrou. E além de tudo isso, ele tinha peixes muito
maiores para fritar como Rei do que se preocupar com os
sentimentos de algum humano aleatório. Ele era imortal,
poderia ter quem quisesse. Por que ele iria me querer?
Especialmente porque ele já tinha alguém tão linda e sexy
como Lilith ao seu lado.
Ouvi alguém se aproximando e me virei para ver o
dourado brilhante do cabelo de Miguel. Seu rosto se
iluminou com falso entusiasmo quando me viu.

“Olá, querida!” Ele se aproximou e apoiou um braço na


parede sobre nossas cabeças, propositalmente elevando-se
sobre mim. “Que tal você e eu fazermos uma viagem até a
floresta? Realmente vou te levar para o céu se você entende o
que quero dizer.” Ele piscou.

Eu me encolhi. Isso não poderia ter sido mais brega se


ele tivesse tentado, mas tão perto quanto ele estava, não tive
escolha a não ser dar uma boa olhada nele.

Ele vestia shorts de ginástica pretos e uma regata


branca fina que esticava sobre seus músculos, e sua pele
estava brilhando com o suor de um treino recente. Seus
músculos eram intensamente definidos e sua pele tinha um
bronzeado dedicado. Ele flexionou os músculos de seus
braços algumas vezes e então rolou seus ombros para frente,
abrindo suas asas branco-prateadas. Eles se expandiram
para ocupar todo o corredor, o que teria sido impressionante
se não fosse pelo babaca condescendente preso a eles.

“Gostou do que está vendo?” Ele sorriu


condescendentemente.

Levantei uma sobrancelha. “Você está se referindo ao


suor pingando ou ao fedor de suas roupas de ginástica?”

Já era ruim o suficiente ele sentir que tinha que invadir


meu espaço pessoal e me jogar contra a parede, mas o suor
tornou toda a experiência ainda pior. Fiquei impressionada
que ele aparentemente bloqueou meu soco de sua memória
tão rapidamente. Saí de debaixo do braço dele e tentei voltar
para o meu quarto. Queria ficar sozinha, para que pudesse
me sentir estúpida em particular.
Antes que pudesse fugir, Miguel correu na minha frente
e esticou suas asas pelo corredor, efetivamente bloqueando
meu caminho. Ele colocou uma mão na parede e se inclinou
sobre mim.

“Não tão rápido, linda.” Ele declarou. “Você e eu


precisamos marcar um encontro.”

“Um encontro?” Do que ele estava falando?

“Sim, um encontro por um encontro.” Afirmou, sorrindo


para sua própria esperteza. “Você e eu, e vamos ver onde a
noite nos leva.”

“Ugh, vou passar.” Passei por ele e desci o corredor. Não


conseguia me afastar dele rápido o suficiente.
EVELYN
Quando voltei para o meu quarto, arrombei a porta, bati
atrás de mim e, aliviada por estar sozinha, deixei todas as
lágrimas escorrerem. Solucei intensamente por alguns
momentos até descobrir que era capaz de tomar algumas
respirações calmantes para me recentralizar. Abri os olhos,
no entanto, e encontrei Asmodeus parado ali, uma fronha na
mão, parecendo preocupado.

“Você está bem, garota?” Ele perguntou, dando alguns


passos hesitantes para frente.

“Eu vou ficar bem.” Respondi, minha voz ainda


quebrada pelos meus soluços.

“Não...” Asmodeus disse assertivamente. “Essa não é a


voz de uma mulher que está bem. O que está acontecendo?”

“Eu…” Como explico a um Príncipe do Inferno que


acabei de ter meu coração partido? “Estou exagerando.”

“Sente.” Disse ele, me conduzindo para o meu quarto


pelos meus ombros e me posicionando ao pé da minha cama.
Sentei e ele se apoiou na minha cômoda.

“Parece que você acabou de ter seu coração arrancado e


pisoteado.” Asmodeus avaliou. “Eu diria que talvez você
tenha testemunhado algo horrível em uma das câmaras de
tortura, mas eu já sei que você não é o tipo de mulher que
iria quebrar por algo assim. Então derrame. Isso é uma
ordem.”

“Bem...” Comecei, “Basicamente eu pensei que havia


algo acontecendo entre Lúcifer e eu, fui falar com ele sobre
isso, e o encontrei beijando Lilith. É isso. É tão estúpido. Não
vale a pena discutir, realmente.”

“Querida, estou familiarizado com o desgosto.”


Asmodeus soou como um amigo de confiança. “Nunca é uma
sensação boa, mas você veio ao lugar certo. Venha, vamos.”
Ele saiu da cômoda e estendeu a mão para mim.

“Onde estamos indo?” Perguntei enquanto pegava sua


mão.

“Ah, você vai ver.” Ele sorriu para mim, e quando me


levantei, meu quarto desapareceu ao meu redor.

De repente, estávamos parados no meio de um shopping


lotado. Olhei para cima e vi que o teto era feito de vidro e a
luz do sol estava brilhando. A luz do sol real estava batendo
no meu rosto.

“Que diabos?” Perguntei enquanto olhava ao redor. Por


maior que fosse a multidão, ninguém parecia notar que duas
pessoas apareceram magicamente no centro do shopping.

“Não exatamente.” Asmodeus cantou. “Eu sempre digo


que a melhor cura para o desgosto é uma maratona de
compras. Na verdade, a melhor cura para qualquer coisa é
uma maratona de compras. Como você acha que adquiri um
guarda-roupa tão fabuloso? Por onde devemos começar?” Ele
bateu no queixo com um dedo enquanto pensava. “Sempre
opto por começar com roupas, mas joias também são sempre
uma opção.” Ele sorriu amplamente. “Afinal, os diamantes
são os melhores amigos de uma garota.”
Olhei ao redor do shopping e depois voltei para
Asmodeus. “Por mais doce que isso seja e tudo mais, e é
doce, especialmente dada a sua... Ocupação... Não tenho
exatamente os fundos para uma reforma de beleza. Sem falar
que deixei minha carteira no Inferno.”

“Garota, você achou que eu iria trazê-la aqui e esperar


que você pagasse?” Asmodeus tirou a carteira do bolso da
calça, abriu-a e tirou um cartão vermelho-sangue com
guarnição preta. “Cartão executivo de Lúcifer. Tenho usado
isso para tudo para que você se acomode e fique confortável.
Sem limite. Além disso, estou reivindicando tudo em meus
impostos.” Ele sorriu para sua própria piada. “Então por
onde começamos?”

“Umm... Maquiagem?” Perguntei, avaliando até onde ele


iria. “Eu preciso de maquiagem nova mais do que roupas.”

“Você entendeu, vamos!” Ele girou nos calcanhares e


começou a andar pelo shopping, passando por vários
quiosques. Ele andava com a confiança de quem já andou
por aquele shopping inúmeras vezes.

O segui rapidamente e, quando ele parou, reconheci os


familiares pilares pretos e brancos na entrada de uma das
minhas lojas de maquiagem favoritas.

“Amo essa loja!” Ele exclamou e então entrou.

Eu também sempre amei essa loja. Os funcionários


foram sempre simpáticos e muito prestativos, não importa
em qual local fui. Mesmo que pudesse gastar todo o dinheiro
nesta loja sem sequer tentar, sempre saía de lá, convencida
de que tinha comprado exatamente o que precisava,
confiante de que isso mudaria minha vida de alguma forma.
Asmodeus entrou e caminhou até o corredor que eu
costumava frequentar e começou a olhar as cores dos
batons. Eu o segui hesitante.

“Duas coisas...” Comecei. “Primeiro, como você conhece


essa loja tão bem? E segundo, como você sabia que este era
o meu corredor?”

Ele se virou para mim com um sorriso. “Estou limpando


seu quarto todos os dias, lembra?” Ele riu. “Além disso, que
tipo de parceiro no crime eu seria se não soubesse para onde
levá-la?”

“Acho que sim.” Disse enquanto caminhava até o final


do corredor onde havia uma mini estação de maquiagem com
um espelho e um banquinho. “Vamos, sente.” Ele puxou o
banquinho e gesticulou para que eu me sentasse.

“Ok...” Murmurei, insegura ao fazer o que ele pediu.

“Hmm...” Ele disse enquanto colocava a mão sob meu


queixo e levantava meu rosto para examiná-lo. “Você
obviamente tem um ótimo sistema até a base e outros
enfeites, cobertura perfeita. Não que você precise de muito,
sua pele está impecável. Então, vamos apenas animar um
pouco, certo?”

Asmodeus voltou para o corredor e pegou algumas cores


diferentes de batons, delineadores e iluminadores. Ele voltou
para mim, colocou tudo na mesa e começou a testar as
diferentes cores na minha pele. Ele trabalhava em silêncio, e
notei que ele estava obviamente se divertindo enquanto
trabalhava. E também assobiando. E cantarolando. Assim.
Muito. Zumbindo.

“Tudo bem.” Disse ele com confiança depois de alguns


minutos de concentração. “Dê uma olhada.”
Virei para olhar no espelho e fiquei muito
impressionada. Com apenas alguns itens, eu não apenas
parecia muito mais arrumada do que me sentia, mas mal
reconheci a garota no espelho. Porque aquela garota olhando
para mim era uma verdadeira deusa.

“Eu amei isso!” Falei, olhando para mim mesma no


espelho. “Como você fez isso?”

“Segredo comercial!” Ele bateu palmas. “Vou pegar um


rímel para você. Vai fazer seus olhos realmente saltarem.
Então vamos comprar um vestido novo para completar seu
novo visual!”

Asmodeus saiu em busca de um rímel específico, me


deixando sentada na estação de maquiagem sozinha. Por
mais que estivesse aproveitando completamente um dia fora
do Inferno para me mimar e realmente ver um pouco de luz
do sol, me perguntava como isso era permitido. Eu não
deveria não poder sair? Não era esse o ponto? Como isso foi
bom? Também me perguntei como Lúcifer se sentiria com
todas essas cobranças em seu cartão. Com o pensamento de
Lúcifer, minha mente voltou ao que eu tinha acabado de ver
no Inferno. Decidi que, no momento, a única coisa que
realmente precisava era de um shake de chocolate. O resto?
Bem, poderia superar meus sentimentos estúpidos.
Eventualmente.

Asmodeus estava de volta antes que eu percebesse, e ele


pegou tudo o que havia escolhido da mesa de maquiagem
antes de se virar para mim.

“Devemos?” Ele cantarolou depois de aplicar um pouco


de rímel que realmente fez meus olhos saltarem.

“Vamos fazer isso.” Respondi enquanto saltava do banco


e o seguia até o caixa.
Enquanto Asmodeus estava checando, decidi fazer a ele
todas as perguntas que estavam rolando na minha cabeça.

“Então, como é que posso estar aqui? Você não acha que
Lúcifer teria um problema comigo deixando o Inferno
considerando as circunstâncias?”

A caixa olhou para mim, um olhar preocupado em seu


rosto, mas ela não disse nada.

Asmodeus olhou para mim. “Contanto que você esteja


comigo, ou um de nós pelo menos, não estamos exatamente
preocupados com isso.”

“Por que não? E se eu decidir fazer uma pausa para


isso?” Olhei ao redor. “É um shopping lotado. Aposto que
poderia facilmente me perder de você.”

“Você poderia.” Asmodeus respondeu casualmente.


“Você sabe que Lúcifer iria encontrá-la, no entanto.”

Ele inseriu o cartão executivo vermelho-sangue na


máquina e digitou a senha. 0666. Claro que era.

“Além disso.” Ele disse com um sorriso enquanto pegava


a sacola de compras e me entregava, “Você tem tudo que
precisa no Inferno, e nada aqui em cima. Com base nas
emoções que nos trouxeram a este shopping, acho que você
não quer sair.” Ele piscou para mim. A caixa estava nos
observando, um olhar de preocupação em seu rosto, sua pele
pálida.

Ele estava certo. Não queria ir embora, pelo menos não


até que tivesse algumas respostas. Não disse nada, no
entanto.

“Vamos, garota. Onde é a próxima?” Asmodeus parou na


porta e gesticulou para o resto do shopping.
“Sorvete com certeza.” Anunciei, e saímos juntos.

Encontramos a sorveteria mais abaixo no shopping e


pedi um shake de chocolate. Quando me entregaram no
balcão, me virei para Asmodeus.

“Você sabe...” Disse pensativa. “Realmente aprecio você


me trazer aqui. É exatamente o que eu precisava hoje.” Sorri
para ele. “Foi muito gentil da sua parte.”

“Todo mundo precisa de uma pausa do Inferno de vez


em quando.” Respondeu Asmodeus. “Até eu.”

“Você?” Sorri. “Príncipe do Inferno, você precisa de uma


pausa?”

“Sim.” Disse ele com uma risada. “Você passa tanto


tempo com o pior da sociedade, é bom vir aqui de vez em
quando para se lembrar de que nem todo ser humano é um
psicopata. Isso me mantém equilibrado.”

“Sim, posso ver isso.” Disse. “Tem que ficar velho depois
de um tempo.”

“Algo parecido.” Asmodeus bateu palmas. “Tudo bem,


querida, para onde a seguir?”

“Você sabe...” Suspirei, “Eu estou bem. Sei que amanhã


de manhã seria melhor se tomasse um café, mas fora isso,
acho que tenho tudo o que preciso. Podemos pegar isso da
próxima vez, no entanto. Gostaria de voltar. Foi um longo
dia, e eu poderia dormir um pouco.”

“Parece bom para mim.” Ele respondeu. “Sempre que


você precisar de alguma terapia de varejo, você sabe a quem
recorrer.” Ele piscou e sorriu para mim, pegou minha mão e
de repente estávamos do lado de fora da minha porta no
Inferno.
“Te vejo amanhã!” Asmodeus piou enquanto se afastava,
me deixando com minha nova maquiagem, um shake de
chocolate e um espírito renovado.

Entrei no meu quarto e coloquei minha maquiagem na


mesa de café. Andei pela sala por um momento,
distraidamente tomando meu shake de chocolate. O que
tinha visto antes tinha me esmagado, mas ainda tinha
sentimentos por Lúcifer que não estava pronta para deixar
de lado. Não queria deixar nada por dizer, ou qualquer pedra
sobre pedra. Até ter certeza de que essa não era uma opção
viável, decidi que continuaria seguindo em frente.

Terminado o shake de chocolate, fui para a cama,


determinada a abordar o amanhã com uma atitude positiva.
No mínimo, com minha nova maquiagem, eu ficaria fabulosa.
EVELYN
Acordei na manhã seguinte animada para começar meu
dia normalmente. Escovei meus dentes e joguei uma roupa
rápida de jeans skinny e uma camiseta branca justa e então
mergulhei na minha nova coleção de maquiagem. Me
sentindo absolutamente fabulosa, arrumei meu cabelo um
pouco antes de ligar minha cafeteira. Alguns dias sem café
me deixaram um pouco irritada, mas um comentário para
Asmodeus e eu tinha minha mistura favorita de Dunkin'
Donuts no balcão. Seis pacotes, na verdade.

Depois de preparar meu café, tomei alguns goles, fui até


minha poltrona e me aconcheguei para continuar
trabalhando no meu cobertor. Estava quase terminando. O
fio grosso fez o cobertor se juntar rapidamente, e estava
fazendo crochê ultimamente, tentando afastar o estresse da
minha situação atual. A terapia de compras da noite passada
realmente me deixou com um humor melhor, e esperava que
um cobertor acabado fosse a cereja do bolo. No espírito de
seguir em frente, decidi que daria este cobertor a Lúcifer.
Pelo menos ele não seria capaz de me esquecer.

Estava cortando o fio e tecendo as pontas no meu


cobertor quando ouvi uma batida familiar. A porta se abriu, e
Asmodeus flutuou para dentro. Não me importei que ele
entrasse, mas era bom saber que havia uma fechadura na
minha porta caso de repente mudasse de ideia. Para minha
surpresa, ele estava vestindo jeans de lavagem escura e uma
camiseta azul escura justa. Podia ver seus músculos
claramente através do tecido fino. Esse cara estava
definitivamente em forma, e foi uma boa mudança não se
sentir insanamente mal vestido ao lado dele pela primeira
vez.

“Bom Dia, Sunshine!” Ele gorjeou, jogando os braços


sobre a cabeça enquanto entrava. Ele caminhou até o meu
quarto para arrumar minha cama.

“Ei.” Sorri para ele enquanto terminava de tecer a ponta


final do fio no meu cobertor agora acabado.

“Garota, você está fantástica!” Asmodeus piscou para


mim enquanto passava.

“Obrigada!” Meu sorriso cresceu. “Você se saiu muito


bem com a seleção de maquiagem, nunca teria escolhido
tudo isso para mim!”

“Você me conhece, sempre fico feliz em ajudar!” Ele falou


por cima do ombro com um sorriso.

Enquanto ele esvoaçava ao redor do meu quarto se


endireitando, de repente me ocorreu que tinha uma excelente
fonte de informação bem aqui na minha frente.

“Ei, Asmodeus.” Chamei enquanto me levantava e


caminhava até a porta do meu quarto. “Você se importa se
eu pegar seu cérebro um pouco?” Tentei manter um tom
casual na minha voz. Não tinha certeza se teria sucesso.

“Claro, querida, o que você quer saber?” Ele se sentou


ao pé da minha cama e cruzou uma perna sobre a outra,
juntando as mãos no joelho enquanto me dava toda a
atenção.

Me apoiei no batente da porta, os braços cruzados sobre


o peito. “Lúcifer e Lilith. Qual é a história deles?”
“Ahh, bem, há uma história super longa aí.” Asmodeus
meditou nostalgicamente, “Mas a versão curta é que Lúcifer
se aproximou de Lilith depois que ela foi expulsa do Jardim.
O relacionamento deles mudou muito ao longo do tempo.
Eles foram amantes, amigos e parceiros ao longo dos anos.
Acho que eles deixaram de lado as partes românticas, pelo
menos por enquanto, mas ainda são excelentes parceiros de
trabalho, como duas ervilhas numa vagem.” Ele arqueou
uma sobrancelha. “Por que você pergunta?”

Estava preparada para esta pergunta. “Tenho passado


muito tempo com os dois. Estava tentando entender como
eles se conheceram para que eu pudesse entender melhor
sua dinâmica. Isso é tudo. Apenas curiosa. Não quero fazer
suposições erradas ou dizer ou fazer a coisa errada.” Dei de
ombros. “Ele é o diabo, afinal.”

Ele sorriu suavemente. “Eu odeio a conotação negativa


desse nome. O diabo? Ei! Lúcifer é um Arcanjo. Ele é
naturalmente bom e puro, e é incrivelmente incompreendido.
Acredito que se você der a ele uma chance de mostrar como
ele pode ser, você ficará agradavelmente surpresa.”

Sorri. “Isso é legal e tudo, mas considerando a fonte, me


perdoe se tiver minhas dúvidas.”

“Você está dizendo que não acredita em mim?”


Asmodeus apertou a mão no peito em falso choque.

“Oh, acredito que você acredita em você.” Ri. “Mas,


quero dizer, você é um Príncipe do Inferno, você faz... Coisas
indescritíveis para as pessoas, e devo aceitar o que você está
me dizendo sobre Lúcifer pelo valor nominal? Inatamente
bom e puro, hein? OK, claro.”

“Bem, ele é.” Asmodeus relaxou sua postura, retornando


sua mão ao seu colo. “Eu não estou. Eu definitivamente não
sou. Ele é. Deus o criou para ser exatamente isso. Então, ele
não seguiu exatamente as regras. Isso não muda de onde ele
vem, suas raízes. Acredite em mim, não acredite em mim. É
verdade.”

“Tudo bem.” Respondi. Essa foi uma resposta


promissora, embora não tenha me feito sentir melhor com o
que vi ontem. “E Miguel? Onde ele se encaixa em tudo isso?”

“Miguel?!” Asmodeus riu. “Ah, Miguel. Ele e Lúcifer


tentam se matar há milênios. Depois de tentativas frustradas
suficientes, ambos decidiram deixar os aminosidades
adormecidas, e agora eles praticamente coexistem. Eles
tentam evitar um ao outro, no entanto. Houve algumas
brigas aqui e ali. Tenho certeza que você notou o estado das
paredes do corredor. Os azulejos da parede rachados,
reentrâncias...” Ele sorriu para mim.

Sorri. “Percebi isso imediatamente! Eu tinha minhas


suspeitas!”

Achei estranho que, apesar de todos os meus anos


sendo ensinada que Lúcifer era mau e o resto dos Arcanjos
eram bons, me vi do lado de Lúcifer sobre Miguel. Talvez
fosse porque Miguel era incrivelmente narcisista e
definitivamente um idiota. Lúcifer parecia genuíno e gentil,
mesmo que seus sentimentos não imitassem os meus.

“De qualquer forma...” Asmodeus deu um tapa em suas


coxas e se levantou da cama, “Você deve estar com fome.
Vamos pegar um bom café da manhã para você.”

“Isso soa perfeito.” Sorri. Estava com muita fome.

“Venha, eu vou acompanhá-la até a sala de jantar.” Ele


se dirigiu pela porta para a sala de estar, e eu o segui,
pegando meu cobertor e saindo pela porta com ele. Fechei a
porta atrás de mim e rapidamente o alcancei. Quando
passamos pela sala do trono, parei.

“Espere.” Gritei, e entrei hesitante.

“Garota, o que você pensa que está fazendo?” Asmodeus


tinha vários quilos de atrevimento na voz quando se virou
para me questionar, mas não se mexeu nem fez nenhum
esforço para me impedir.

Atravessei o piso cinza escuro e subi os poucos degraus


até seu trono. Com um olhar desconfiado para o enorme cão
cochilando de três cabeças bem ao lado dele, coloquei o
cobertor cuidadosamente no assento do trono. A espessura
do cobertor dobrado também seria perfeita como almofada,
notei. Os crânios se projetavam em ângulos estranhos. Não
podia ser nem remotamente confortável. Esperava que minha
adição suave e quente ajudasse. Feito isso, passei na ponta
dos pés pelo cachorro e voltei para o corredor. Asmodeus
estava parado ali, uma sobrancelha levantada.

“Achei que ele ia gostar.” Anunciei.

“Tudo bem.” Respondeu Asmodeus, parecendo não


convencido, enquanto continuamos a ir para a sala de jantar
em silêncio.

O cobertor era para mais do que apreciação, no entanto.


Apesar do que vi ontem, ainda sentia algo por Lúcifer. Não ia
deixar meus sentimentos de amor não correspondidos me
impedir de lhe dar um presente.
LÚCIFER
Eu já tinha terminado minha refeição quando Evelyn
entrou no refeitório. Ela estava deslumbrante. Não conseguia
identificar o que havia de diferente nela esta manhã, mas ela
parecia radiante. Seus olhos saltaram e seus cachos
castanhos caíram logo abaixo dos ombros, fazendo-a parecer
de alguma forma mais suave e mais poderosa ao mesmo
tempo. Sua roupa era simples, jeans e uma camisa branca,
mas ela não precisava de roupas extravagantes para chamar
minha atenção.

Ela se sentou na minha frente, amarrou o cabelo para


trás de seu rosto rapidamente e ao acaso, e pegou o bule de
café na frente dela. Ela ainda não tinha olhado para mim ou
me reconhecido, e senti uma vontade muito forte de explicar
o que aconteceu na noite passada.

“Eu vi você ontem à noite.” Comecei hesitante. “Gostaria


de explicar o que aconteceu.”

Ela olhou para mim. Notei que seus olhos não eram
realmente castanhos, eles tinham manchas verdes neles. Ela
olhou de volta para sua caneca de café cheia antes que
pudesse terminar de apreciá-los. Me peguei querendo ver
mais deles.

“Você não precisa explicar.” Ela disse simplesmente,


colocando a cafeteira de volta na mesa. “Eu sei que vocês
dois têm uma história insanamente longa. Não estou
questionando.” Ela pegou o creme antes de olhar para mim
novamente. “Não queria interromper nada ontem à noite.”
Ela agiu de forma arrogante sobre tudo isso, mas pensei ter
detectado uma pitada de tristeza em sua voz.

“Não.” Soltei. Me recompus, apoiando minhas mãos na


borda da mesa. O que estava errado comigo? “Quero dizer,
não, você não interrompeu nada. Não foi assim.” Ajustei meu
assento e deixei minhas mãos cair de volta no meu colo.

Evelyn olhou para mim com um sorriso. “Seja como for,


está tudo bem para mim. Mesmo. Está bem.”

“Ok.” Ri. Por que me senti tão estranho? Respirei fundo


e me forcei a falar um pouco mais devagar. “Sim, Lilith e eu
temos uma história longa e variada. No entanto, há muito
que estabelecemos uma parceria confortável. Não tenho
certeza de onde isso veio ontem à noite. Eu a parei. Eu... Não
é o que eu quero.”

Evelyn olhou para mim novamente. Ela parecia aliviada.


Poderia jurar que vi a tensão deixar seus ombros. Me
perguntei se ela estava sentindo as mesmas coisas que eu
estava. Ela pegou sua caneca de café, segurando-a logo
abaixo do nariz e dando uma fungada apreciativa.

“O que você quer?” Ela perguntou hesitante. Seus olhos


procuraram os meus.

Fiz uma pausa. Não estava pronto para esta pergunta.


“Tudo o que sei é que desejei que ela não tivesse feito o que
fez. Não foi correspondido. Isso é tudo.” Senti uma parede
mental se fechar em minha mente. Não me sentia pronto
para discutir meus sentimentos.

“Ok.” Ela disse suavemente enquanto bebia lentamente


seu café.
Eu a observei tomar alguns goles, ambas as mãos em
volta de sua caneca de café. Ela parecia profundamente
pensativa, mas não estava compartilhando nada disso no
momento.

“Quais são seus planos para hoje?” Perguntei o mais


casualmente que pude.

Evelyn olhou para mim. “Estava esperando para chegar


em algum tempo no intervalo. Seria um bom deleite para
mim mesma.”

“Estou feliz que você esteja aproveitando um pouco


disso!” Não tive muita oportunidade de verificar isso sozinho.
“Já é hora de criarmos algo novo que realmente tenha algum
uso.”

“Você deveria ir algum dia.” Disse ela, colocando seu


café para baixo e servindo-se de uma torrada francesa. “Acho
que é um excelente apaziguador do estresse.”

“Você tem se sentido estressada ultimamente?”


Imediatamente depois de fazer essa pergunta a ela, me dei
conta de que estar preso no Inferno não pode ser exatamente
terapêutico.

“Umm... Bem, estou no Inferno.” Ela disse com uma


risada. “Embora admita, estou aproveitando para não ter que
pagar para aprimorar minhas habilidades. O tempo de
alcance pode ficar caro.”

“Bem, estou feliz que podemos ajudar lá.” Sorri. Fiquei


feliz por estarmos tendo uma conversa normal depois dos
eventos de ontem.
Evelyn riu quando começou a comer sua torrada
francesa. “Bem, se você estiver estressado...” Ela disse entre
mordidas, “Me avise. Vai ser divertido!”

“Eu vou fazer isso.” Respondi com um sorriso.

“Ah, a propósito.” Evelyn largou o garfo e olhou para


mim. “Espero que você não se importe. Deixei uma coisinha
na sua sala do trono. É apenas um sinal de apreço por me
certificar de que estou confortável aqui. Espero que você
goste.”

“Você deixou? O que é?” Perguntei, imediatamente


curioso.

“Você vai ver.” Ela disse com um sorriso enquanto


pegava seu garfo de volta.

“Não estou acostumado com surpresas.” Meditei. “Agora,


mal posso esperar para descobrir o que é.”

“Bem, vá conferir!” Ela encorajou, pegando um pouco de


bacon enquanto o fazia.

“Acho que vou.” Respondi com um sorriso. Levantei-me


e empurrei minha cadeira. “Obrigado. Aproveite seu café da
manhã."

“Vejo você em breve!” Ela gritou enquanto eu saía da


sala.

Enquanto voltava para minha sala do trono, pensei na


pergunta de Evelyn. O que eu queria? Já faz muito tempo
desde que me fiz essa pergunta.

Virei a esquina para o quarto e notei o cobertor


imediatamente. Entre a escuridão e as superfícies frias e
duras, o cobertor branco se destacava. Parecia incrivelmente
macio. Andei até ele e notei que ele se encaixava
perfeitamente no assento do meu trono. É possível que isso
era o que eu precisava esse tempo todo? Uma maldita
almofada de assento? Mesmo que ela não tivesse me contado
sobre o presente, saberia imediatamente que Evelyn o havia
deixado. Só tinha um certo... Tipo de Evelyn sobre isso.

Estendi a mão e deixei o tecido correr entre meus dedos.


Era ainda mais suave do que parecia.

Cerberus olhou para mim de sua posição enrolada no


chão.

“O que você acha?” Perguntei a ele. Ele piscou de volta


para mim.

“Concordo, é exatamente o que precisávamos.” Sentei no


trono, testando-o como uma almofada de assento. Era
absolutamente perfeito. Todos os meus problemas foram
resolvidos. Olhei para Cerberus.

“Ela acertou em cheio, Cerbs. Todo esse tempo, essa era


a única coisa que faltava.”

Levantei e olhei de volta para o cobertor. Foi atencioso e


doce, e encontrei a resposta para a pergunta dela bem ali no
meu trono.

Era Evelyn. Eu queria Evelyn.


EVELYN
Café da manhã não foi tão ruim quanto pensei que seria.
Percebi o jeito que ele olhou para mim esta manhã e fiquei
muito grata pela nova maquiagem da minha aventura de
compras com Asmodeus. Definitivamente fez o truque.

Me peguei pensando na descrição de Lúcifer do que


aconteceu ontem. Ele soou tão apologético como se
precisasse que eu entendesse que era unilateral. Então,
talvez meus sentimentos não estivessem errados, então...
Talvez ele se sentisse da mesma maneira?

Enquanto voltava para o meu quarto depois de um café


da manhã fantástico com torradas e bacon, pensei em tudo o
que tinha acabado de acontecer. Em primeiro lugar, se
Lúcifer realmente afastou Lilith, talvez tivéssemos uma
chance. Além disso, se realmente dermos uma boa chance,
ele teria que me conceder algumas liberdades que não tinha
desde que cheguei aqui, principalmente me deixando voltar
para casa. E, finalmente, ocorreu-me que poderia trazê-lo
para minha cidade e que talvez ver o Diabo em meu
ambiente antigo e familiar possa mudar minha perspectiva
sobre as coisas. Talvez me lembre de como seria uma ideia
insana estar com ele.

Decidi marcar uma data para nós em casa que


responderia a todas as minhas perguntas e aliviaria minhas
preocupações. Esperava que Lúcifer estivesse aberto a isso.
Se pudesse sair do Inferno com Asmodeus, tinha certeza de
que poderia fazer o mesmo com Lúcifer. Antes de fazer isso,
porém, sabia que um dia no campo de tiro era a solução
perfeita para ajudar a limpar minha cabeça. Só precisava
pegar meu cinturão de armas do meu armário primeiro.

Quando cheguei, andei direto pelo meu quarto até as


portas do meu armário e as abri, determinada a não perder
tempo. Assim que fiz isso, a batida reveladora na minha
porta me disse que Asmodeus estava de volta.

“Então? Como foi o café da manhã? Bom como sempre?”


Ele gritou enquanto corria pela sala de estar.

“Foi ótimo.” Respondi enquanto enfiava a mão no meu


armário para pegar meu cinturão.

“E eles dizem que não servem café da manhã no


Inferno!” Ele caminhou até mim enquanto revirei os olhos.
“Indo para o campo?”

“Sim!” Respondi enquanto colocava meu cinto de arma.


“Estou indo agora para desabafar. Quer se juntar a mim?"

“Não, obrigado.” Ele respondeu. Ele se apoiou na minha


cômoda. “Eu tive algum drama no Nível Dois na noite
passada. Vai durar um pouco mais, mas eu preciso ir e lidar
com as coisas.”

Parecia sinistro, então não o questionei mais. Descobri


que realmente não queria saber.

“Você pode me fazer um favor, então?” Perguntei,


tentando soar o mais casual possível.

“Claro, boneca, o que você precisa?” Asmodeus


perguntou enquanto pendurava minhas roupas soltas em
cabides.
“Eu preciso que você envie uma mensagem para Lúcifer.
Gostaria que ele me encontrasse aqui depois do café da
manhã amanhã de manhã. Você seria capaz de fazer isso por
mim?” Estava calçando minhas botas, mas agora que essa
pergunta pairava no ar, minhas botas ficaram esquecidas no
chão.

Ele levantou uma sobrancelha, mas não me questionou.


“Eu posso absolutamente fazer isso, querida. Agora, vá para
o campo e se divirta. Trarei um jantar para você mais tarde
hoje.” Asmodeus era todo charme e sorrisos, e eu adorava
sua consistência.

Me dirigi ao campo de tiro. Agora que os alvos eram


feitos de papel para mim em vez de pessoas, era a coisa mais
normal aqui no Inferno. Queria esquecer as câmaras de
tortura, a tensão sexual entre mim e o Diabo, e tudo o mais
aqui embaixo, mesmo que por pouco tempo. Enviar algumas
rodadas para baixo foi a melhor solução que encontrei.

Quando entrei, no entanto, vi Miguel descendo, fazendo


flexões, suas asas abertas e arqueadas por todo o chão. Parei
em minhas trilhas. O Inferno não tinha uma academia? Por
que ele deve fazer isso aqui?

Miguel me ouviu entrar, e ele voltou a ficar de pé.

“Eu sabia.” Ele disse enquanto passeava até mim, as


asas ainda expostas. “Você simplesmente não pode ficar
longe, pode? Você pode sentir aquela faísca incandescente
entre nós também, eu posso dizer.” Ele piscou quando veio
para ficar ao meu lado, deixando uma asa cair sobre meus
ombros.

“Não seja um idiota do caralho.” Falei, saindo de debaixo


de sua asa e indo para o cofre. Abri e tirei protetores de
ouvido e olhos, algumas pistolas diferentes e uma caixa de
munição. Fui para a minha pista para configurar. Sem
surpresa, Miguel ainda estava lá. Bem ao lado do meu
cotovelo esquerdo, na verdade.

Eu o ignorei e carreguei um pente antes de colocar o


slide, pronto para começar a atirar.

“Sabe, você não precisa fazer tudo isso.” Disse Miguel,


inclinando contra o divisor de pista.

“Fazer tudo o quê?” Perguntei com os dentes cerrados.

“Tudo isso.” Ele gesticulou ao seu redor, para o alcance


e minha arma especificamente. “A coisa da arma. Não é
muito elegante. Não sei se você está tentando mostrar o quão
legal você é ou o quê, mas não é atraente. Você deveria voltar
a tricotar.”

“Eu não tricoto, faço crochê.” Murmurei baixinho.


Plenamente ciente de que ele não tinha proteção auditiva
como eu, apontei para baixo e puxei o gatilho.

“Ai!” Miguel gritou, tapando os ouvidos com as mãos.


“Isso não soa tão alto na televisão.”

“Você é um idiota.” Disse. “Coloque alguma proteção


auditiva ou dê o fora.”

“Não.” Ele respondeu bruscamente. “Vamos, querida,


você não precisa tentar me impressionar. Não gosto de todas
essas coisas de armas. Por que você não coloca isso de lado e
me deixa te mostrar um bom tempo?” Miguel veio atrás de
mim, pressionando seu corpo contra minhas costas, e
esticando suas asas para a frente para nos envolver. Ele
estendeu a mão e colocou a mão sobre o cano da minha
arma, tentando abaixá-la até a mesa, mas o instinto chutou,
me virei e girei para ele com minha mão livre, pegando-o no
queixo.

“Ai.” Ele disse. “Você realmente tem um soco, não é?”


Ele esfregou o queixo pensativo. “Não gosto de apanhar.”

“Bem, então pare de ser um idiota machista.” Levantei


minha pistola de volta e mandei mais alguns tiros para
baixo, deixando-o ali parado com a mão sobre o queixo.

Tive a impressão de que ele ainda tinha algo estúpido


para me dizer, então me certifiquei de que meus tiros
estivessem próximos o suficiente para que ele não pudesse
dizer uma palavra entre os tiros. Funcionou. Com a mão
ainda sobre o queixo, ele dobrou as asas e saiu pela porta.

Finalmente, poderia ter algum tempo para mim.


LÚCIFER
Finalmente encontrei Lilith em uma das câmaras de
tortura, ao lado de uma dama de ferro de aparência familiar.
A última vez que o vi foi na minha sala do trono com minha
coleção, e estava em péssimo estado. Agora, a ferrugem foi
limpa e as dobradiças foram substituídas, permitindo que as
portas se fechassem completamente.

Lilith estava ao lado dele, usando um vestido vermelho


justo e saltos pretos, casualmente lixando as unhas. A sala
estava escura, o chão coberto de montes irregulares de terra
e as paredes eram feitas de pedra. Ouvi um homem gritando
de dentro da dama de ferro.

“Pensei que os espinhos tinham quebrado esta coisa.”


Meditei enquanto entrava no quarto.

“Finalmente consegui consertar isso.” Ela sorriu. “Já faz


um tempo que quero fazer isso. Espero que você não se
importe que peguei emprestado. Você sabia que esse cara...”
Ela gesticulou em direção aos gritos, “Possuiu uma quando
ele estava vivo? Usava regularmente. Não resisti.”

Nem tinha notado que estava faltando na minha coleção


cada vez maior de dispositivos de tortura na minha sala do
trono. Fazia sentido, já que minha mente definitivamente
estava em outro lugar ultimamente. Fiquei feliz em vê-lo de
volta na rotação.
“Lilith, nós provavelmente deveríamos conversar.” Falei
quando ela deu um tapa na lateral da dama de ferro.

“Não há necessidade!” Ela gritou sobre o grito repentino


que veio de dentro.

“Lilith!” Gritei. Ela parou, virando para olhar para mim,


e o homem parou de chorar por um momento.

“Mesmo?” Sua voz baixou algumas oitavas, e ela tinha


um olhar irritado em seu rosto. “Certo.”

Ela saiu para o corredor, e eu a segui, fechando a porta


atrás de mim. Uma vez que estávamos no meio do corredor,
Lilith se virou para mim.

“Posso adivinhar do que se trata, e provavelmente não é


sobre o Taco de terça.” Disse ela, com os braços cruzados
sobre o peito.

“Ainda estamos fazendo isso?” Perguntei. “As terças de


taco podem envelhecer rapidamente. Há muitas terças-feiras
aqui embaixo.”

Lilith olhou para mim, sem graça.

“Tudo bem.” Disse, enfiando as mãos nos bolsos. “Com


toda a seriedade, eu queria falar com você sobre a noite
passada.”

“Olha, eu entendo.” Ela suspirou. “Eu estava


incrivelmente bêbada, e velhos hábitos custam a morrer.
Fiquei muito chateada no começo, mas decidi ficar longe de
você até ficar sóbria para ter a cabeça limpa. Tive algum
tempo para refletir e posso dizer que sua mente e seu
coração estão em outro lugar.”
“Você pode?” Perguntei, confuso. Pensei que estava
jogando minhas cartas bem.

“Claro!” Ela disse como se fosse óbvio. “Com sua


descoberta sobre Miguel e aprendendo sobre as raízes de
Evelyn, você teve muita coisa acontecendo.”

“Você está certa.” Respondi, relaxando um pouco.


“Definitivamente, tenho muita coisa em mente.” Me senti
aliviado que Lilith estava simplesmente se referindo à nossa
descoberta recente, e não a qualquer conexão crescente entre
Evelyn e eu. “Ainda estou tentando descobrir como lidar com
tudo isso.”

“Tenho certeza!” Lilith respondeu. “Eu gostaria de poder


ajudar mais, mas é uma situação complicada.”

“É mesmo.” Disse pensativamente.

“Além disso, tenho captado algumas vibrações entre


vocês dois. Sei que ela tem sentimentos por você. Eu me
arriscaria a adivinhar que você também, já que seu coração
não é feito completamente de pedra. Ainda não, de qualquer
maneira.” Lilith riu.

Bem, aparentemente, não era tão esperto quanto


pensava. Lilith tinha percebido isso. Por outro lado, ouvir que
Evelyn sentia o mesmo era encorajador. Talvez houvesse
realmente algo a perseguir, aqui.

“Não posso dizer que superei.” Ela continuou, “Mas


estou chegando lá. Me dê um tempo. Nós vamos ficar bem.
Eu amo você. Eu sempre vou, você sabe disso.”

Me senti aliviado. “Você está certa.” Admiti com um


suspiro. “Meu coração está em outro lugar. Levei algum
tempo para aceitar isso, mas preciso seguir em frente.”
“É estranho ver esse seu lado.” Ela riu, brincando com
sua lixa de unha enquanto falava. “Não estou acostumada
com isso, está me tirando do sério.”

“Sim, isso está me tirando do sério também.” Fiz uma


pausa, enfiando os polegares nos bolsos da calça. “Uma coisa
a considerar são esses poderes dela. Eles me tornam mortal,
o que a torna uma ameaça. Estou tentando chegar a um
acordo com isso.”

“Bem, você precisa se lembrar que não é só você.” Lilith


olhou profundamente pensativa. “Aconteceu no intervalo
comigo. Parece que ela poderia tornar qualquer um mortal.
Isso pode ser útil um dia, desde que ninguém descubra.”

“Quem sabe?” Perguntei, os olhos arregalados e de


repente nervosos.

“Stolas sabe que algo aconteceu no estande, mas você o


conhece. Ele não faz perguntas e certamente não se envolve
o suficiente para se importar. Ele é um pássaro estranho.”
Lilith ponderou suas opções. “O único outro seria Asmodeus.
O que você disse a ele?”

“Nada.” Respondi, aliviado. “Ele sabia que ela era uma


parte importante de algo em que eu estava trabalhando. É
isso. Ele ficou feliz em ajudar, como sempre. Não bisbilhota.”

“Então é isso.” Ela olhou diretamente para mim. “Não


contamos a ninguém. Evelyn não conta a ninguém. Seu
segredo está seguro. Miguel nunca vai descobrir. Estamos
bem.” Ela sorriu para mim, e me lembrei do quanto eu a
amava. Ela sempre cuidou de mim.

“E agora?” Perguntei. Não sabia quais seriam meus


próximos passos agora que decidi o que queria.
“Agora...” Ela olhou para mim como se não pudesse
acreditar que eu pudesse ser tão estúpido, “Você fala com
ela. Convide-a para jantar. Fale sobre tudo. Deixe acontecer
organicamente. Não force. Não torne isso estranho.” Ela riu e
voltou para a porta. “Vou voltar a brincar com meu novo
brinquedo agora.”

Ela piscou e voltou para o quarto, fechando a porta


atrás dela.

Aliviado por Lilith e eu ficarmos bem, fui procurar


Asmodeus. Encontrei-o em outra sala de tortura,
preparando-se para o dia seguinte.

“O que está acontecendo aqui?” Perguntei, me apoiando


contra a porta.

“Drama de nível dois.” Asmodeus respondeu


casualmente enquanto montava sua estação. “Estou lidando
com isso, chefe. Não se preocupe.” Ele estava com seu jeito
alegre de sempre. Confiava nele para lidar com o que quer
que fosse.

“Nunca estou preocupado, Asmodeus. Está tudo bem


com Evelyn?” Flutuei a pergunta lá fora e esperei que ele
parasse e olhasse para mim.

“Com certeza, chefe.” Asmodeus se endireitou e se virou


para mim, colocando uma mecha solta de seu cabelo atrás
da orelha, uma mão apoiada na mesa ao lado dele. “Na
verdade, ela pediu que você a encontrasse no quarto dela
amanhã às 11h. Parecia importante.” Ele deu de ombros e
voltou ao seu trabalho de preparação.

“Obrigado. Vou fazer isso.” Respondi enquanto me virava


para o corredor.
Me perguntei o que Evelyn tinha na manga para
amanhã. Não era típico dela me chamar assim. Fosse o que
fosse, mal podia esperar para descobrir. Fazia muito tempo
que não esperava algo com esse nível de expectativa.
LÚCIFER
Fiquei na frente do meu armário e comecei a me sentir
um pouco ridículo. Não tinha certeza do que vestir. Evelyn
estava apenas querendo conversar ou era um evento mais
oficial? Estava lendo muito para isso?

Lembrei de que era o Rei do Inferno e que ninguém


jamais ousara questionar minhas escolhas de roupa. Decidi
jogar no meio, escolhendo meu jeans de lavagem escura e
combinando-o com uma camisa preta de botão e um paletó
cinza escuro. Tirei minhas botas de couro pretas do fundo do
armário. Elas não eram as mais confortáveis, mas eram
ideais para estas situações intermediárias em que não queria
me arrumar muito, mas tênis não eram ideais.

Saí para o meu quarto e fiquei na frente do espelho de


moldura preta. Corri meus dedos pelo meu cabelo e decidi
que tinha tomado as decisões certas. Era hora de descobrir o
que Evelyn tinha na manga.

Andando pelo corredor, comecei a me perguntar o que


estava reservado para mim quando chegasse lá. Saber que
ela tinha sentimentos por mim, combinado com o
constrangimento de nossa última interação significava que
tudo poderia acontecer. Senti minhas mãos começarem a
suar de nervoso e me perguntei o que estava acontecendo
comigo. Eu era o Rei do Inferno. Eu nunca suo.
Cheguei à porta dela, respirei fundo e bati duas vezes.
Disse a mim mesmo para manter a calma, mas quando ela
abriu a porta, meu queixo caiu. Ela estava usando um lindo
vestido azul brilhante que parecia ser feito de um material
muito leve, que caía perfeitamente sobre seu corpo. Seus
saltos pretos trouxeram seu rosto para mais perto do meu.
Quando olhei de volta em seus olhos, ela tinha um sorriso no
rosto.

“Entre.” Ela disse suavemente enquanto se afastava e


segurava a porta aberta para mim.

Entrei e olhei em volta. Já estive aqui antes, mas ainda


estava surpreso com o quão aconchegante e quente era o
lugar dela. Imaginei que fosse ainda mais aconchegante no
apartamento dela, onde a luz podia brilhar.

Evelyn se virou e foi até sua mesa de café e pegou sua


bolsa, virando-se para me encarar do outro lado da sala.

“Então, aqui está o negócio.” Disse ela com


naturalidade. “Você me levou para me mostrar como vive sua
vida, certo? Gostaria de fazer a mesma coisa aqui.”

“Ok.” Respondi hesitante. Não tinha certeza do que ela


queria dizer. “O que você tem em mente?”

“Você vai me levar para casa. Vamos passar o dia na luz


do sol, conhecendo como eu vivo.” Ela colocou as mãos para
cima, palmas voltadas para mim. “Eu sei, eu sei, eu deveria
ficar aqui até resolvermos esse mistério ou algo assim. Mas
do jeito que imagino, você é Lúcifer, então não posso fugir,
não importa para onde vamos. Vamos passar o dia lá em
cima juntos, e quando terminarmos, você pode me trazer de
volta aqui. O que você diz?”
Não estava planejando deixar o Inferno hoje, mas ela
parecia ter sua decisão tomada, e ela estava certa. Ela não
seria capaz de escapar de mim a menos que eu a deixasse
escapar, e se isso me aproximasse de Evelyn, bem, não via
uma desvantagem nisso.

“Tudo bem.” Respondi com um encolher de ombros.


“Estou pronto. Onde você gostaria de ir?”

“Podemos começar no Magic Bean. É um café na


esquina da Terceira com a Elm.” Ela assumiu uma atitude de
controle, e tive que admitir que gostei.

Me aproximei dela enquanto colocava minha mão em


seu ombro para manter contato físico. Ao fazer isso, seu
quarto começou a se dissolver ao nosso redor. Evelyn fixou
os olhos nos meus e manteve contato visual enquanto a
cafeteria de sua cidade natal se materializou diante de nós.
Ela tropeçou enquanto se equilibrava em seus pés.

“Não estava tão pronta para isso!” Ela exclamou, os


olhos arregalados e olhando ao redor incrédula. “Você
realmente… Nos teletransportou aqui?! Acho que estou um
pouco tonta.” Evelyn colocou a mão na testa e respirou fundo
algumas vezes antes de olhar para a placa sobre nossas
cabeças. Com certeza, iluminadas em neon, estavam as
palavras The Magic Bean.

“Então, você pode se teletransportar?” Ela esclareceu.


“Além disso, como ninguém percebeu?”

“Oh, os humanos são cegos.” Respondi, descartando a


pergunta. “Eles descartam muitas coisas que veem quando
pensam que não pode ser possível. Você ficaria surpresa com
o que pode fazer se agir com confiança.”
“Então, e agora?” Continuei. “Você está no comando
hoje, então vamos para dentro, ou...?”

“Sim.” Evelyn gorjeou enquanto ela pulou até a porta e a


abriu, segurando-a aberta para que eu a seguisse. Ela
parecia genuinamente feliz por estar aqui, e ainda estava
curioso para descobrir do que se tratava, então segui seu
exemplo.

Fizemos nosso pedido no balcão, e então ela caminhou


diretamente para o canto onde havia duas cadeiras estofadas
verdes esfarrapadas na frente de uma lareira crepitante.
Percebi que espalhados por toda a loja, havia vários grupos
de cadeiras de cores diferentes com mesinhas perto delas, e
as outras pessoas no local pareciam estar refletindo muito
vagarosamente como se tivessem o dia todo para passar
aqui.

Uma mulher estava sentada no canto lendo um livro.


Alguns adolescentes estavam sentados em um pequeno
grupo perto da janela, fofocando e mexendo em seus
telefones. Não vi nenhum copo para levar, apenas grandes
canecas de cerâmica de diferentes formas e cores. Esta não
era uma loja que você encontrava no caminho para o
trabalho. Este era um lugar para onde você vinha quando
queria relaxar e socializar. Eu tinha notado o leve frio no ar
quando chegamos, então a lareira parecia apropriada,
embora não estivesse tão quente quanto estava acostumado.

Ela gesticulou para que me sentasse à direita, e então


ela se sentou na outra cadeira. Uma pequena mesa estava
entre nós, limpa e pronta para nossos pedidos de café.

“Então por que aqui?” Perguntei, genuinamente curioso.


“De todas as cafeterias por aí, o que torna esse lugar
diferente?”
“Bem.” Ela respondeu com um tom brincalhão, “Este é o
meu café. Este é o lugar para onde eu vinha quando tinha a
manhã de folga. Pedia minha bebida, sentava bem aqui nesta
cadeira e fazia crochê. Amo o ambiente deste lugar, e a
observação de pessoas é ótima. Por exemplo, olhe para
aquele cara ali.”

Ela gesticulou secretamente para a minha esquerda.


Virei para olhar e vi um homem vestindo um par de jeans,
uma camisa jeans e jaqueta jeans. Eu sorri. Eram todos
diferentes tons de azul também.

“Oh, cara...” Respondi com uma risada. “Isso é


dedicação ao denim ali mesmo.”

“Há mais.” Evelyn continuou. Podia ouvir em sua voz


que ela estava feliz por estar em casa. “Esta janela aqui é a
melhor. É um pouco tarde agora, mas por volta das oito da
manhã, quando as pessoas estão correndo para o trabalho,
essa vista oferece o melhor entretenimento. Além disso, a
lareira fica agradável e quente. É o ambiente perfeito para
relaxar e escapar do seu mundo, mesmo que por pouco
tempo.”

“É um lugar agradável.” Reconheci. “Mas por que você


me trouxe aqui? Poderia ter trazido o café deles para você no
Inferno. Podíamos ter-te arranjado a lareira e tudo também.
Então, por que me trazer para o topo por tudo isso?”

“Você me mostrou um dia em sua vida.” Evelyn


Respondeu, inclinando para frente em sua cadeira e se
aproximando de mim. “Eu queria te mostrar um dia na
minha.”

“Você não vai tentar me ensinar a fazer crochê ou


qualquer coisa, vai?” Apoiei minhas mãos no apoio de braço
como se estivesse pronto para correr.
Evelyn jogou a cabeça para trás e riu. “Deus não. Isso
soa como uma ideia miserável!”

Nossos cafés chegaram então, e nos sentamos com


nossas canecas enormes em nossas mãos, apreciando os
primeiros goles. Ela estava olhando para o fogo, mas eu
estava olhando para ela. Vê-la em seu elemento era algo bem
diferente. Seu rosto estava realmente relaxado, e ela parecia
em paz pela primeira vez desde que a conheci. Isso me fez
perceber emocionalmente o que já sabia intelectualmente,
que eu era a fonte de todo o estresse dela ultimamente.
Comecei a pensar que tinha feito tudo errado. Realmente
precisava sequestrá-la?

O arrependimento se instalou enquanto a observava.

Depois de alguns momentos de silêncio feliz, Evelyn se


virou para mim. “Quer ver algo legal?” Um sorriso malicioso
deslizou em seu rosto.

“Claro.” Respondi, incapaz de me impedir de sorrir de


volta. “Onde estamos indo?”

“Siga-me” Ela disse calmamente, e então se levantou e


começou a virar a esquina. Fiz o que me foi dito e descobri
uma escada de madeira que levava a um segundo nível.
Segui-a escada acima, e a porta de cima se abriu para uma
área de estar na cobertura. Ao redor das bordas havia
pequenas mesas e cadeiras, e o centro foi limpo para se
tornar uma pista de dança improvisada. Uma banda estava
sentada em um palco pequeno e raso em bancos de bar, e
alguns deles tinham violões. Havia algumas mesas ocupadas
e dois casais dançando ao som da música.

“Uau.” Disse, “Não estava esperando isso!”


“Venha aqui.” Evelyn chamou, e ela caminhou até uma
mesa de dois tampos ao longo da borda do telhado,
gesticulando para que me sentasse.

Olhei em volta do meu novo poleiro e notei que podia ver


claramente a rua abaixo. “Ainda é bom para observar as
pessoas aqui também, eu vejo.”

“Ah, sim.” Evelyn respondeu. “Menos visível também.”

Bebemos um pouco em silêncio, ouvindo a música e


vendo os casais balançarem junto. A banda tocava versões
acústicas de clássicos do rock, deixando as guitarras
cantarem para eles. A música era fenomenal. Era pacífico
aqui em cima, um refúgio sereno que contrastava com as
ruas movimentadas abaixo.

“Você dança?” Ela perguntou de repente.

Sorri. “Em ocasião.”

Estava curioso para saber onde isso estava indo, então


tomei a iniciativa. Levantei-me e estendi minha mão, palma
para cima, para Evelyn aceitar. Quando ela o fez, a levei para
a pista de dança, a girei lentamente e a puxei para a posição.
Percebi naquele momento que, apesar de tudo que havia
pensado e sentido, tudo o que havia acontecido todo esse
tempo, este era o mais próximo que já estivemos. Meu pulso
acelerou, e a adrenalina correu através de mim. Respirei
fundo e senti o cheiro de coco em seu cabelo, enviando um
arrepio na espinha. Não conseguia pensar direito.

Evelyn olhou para mim através de seus cílios e sorriu,


um sorriso caloroso que me disse que ela estava exatamente
onde queria estar.
Aconteceu antes que percebesse o que estava fazendo.
Com uma mão ainda em volta de sua cintura, minha outra
mão veio até seu pescoço enquanto eu roçava sua bochecha
com o polegar. Ela não se moveu, então me inclinei. Meus
lábios pressionaram contra os dela, e nós congelamos lá por
um momento até que eu senti seu corpo inteiro relaxar
contra o meu. Ela deu um passo mais perto para que nossos
corpos se alinhassem um com o outro e estendeu a mão para
tocar meu rosto, suas mãos roçando minha barba por fazer.

Nunca tinha sentido um beijo assim antes. A


eletricidade que percorria meu corpo era imensa, e já estava
ansioso por mais quando ela se afastou timidamente.
Olhamos um para o outro por um momento, nenhum de nós
querendo quebrar o feitiço.

Finalmente, ela falou.

“Vamos.” Ela disse, sua voz baixa e rouca. “Eu tenho


mais uma coisa em nossa agenda para hoje antes de você me
levar de volta.”

Ainda sem palavras, apenas acenei com a cabeça e mais


uma vez segui seu exemplo.
EVELYN
Andando pela minha rua arborizada, fiquei
impressionada com o quão estranho era ter Lúcifer ao meu
lado. Passei muitos anos andando, correndo e dirigindo por
esta rua, e percebi o quanto esses dois mundos meus
estavam prestes a colidir. Não tinha dito isso a Lúcifer, mas
uma das razões pelas quais eu queria trazê-lo aqui era para
nos ajudar a encontrar respostas. Nós não poderíamos
realmente seguir em frente até encontrarmos a fonte desses
meus poderes e, como sempre, estava confiante de que
minha mãe tinha todas as respostas. Ela sempre tinha a
resposta para tudo, desde a maneira correta de costurar um
botão até como pagar meus impostos.

Lembrei de quando entrei para o exército. Estava


sozinha e longe de casa pela primeira vez, e tinha tantas
perguntas. Ela provou ser a melhor tábua de salvação para
mim, e continuou sendo, mesmo depois que saí e me juntei à
vida civil. Essas perguntas que tínhamos agora, porém, eram
mais específicas para nossa família. Permaneci confiante de
que ela não me decepcionaria.

Sabia que minha mãe estaria em casa. Todos os


domingos, ela ia à igreja ao meio-dia e voltava para casa em
algumas horas. Ela sempre cozinhava aos domingos,
preferindo ficar em casa e descontrair em vez de fazer planos
com as amigas. Costumava ter o hábito de visitá-la aos
domingos, depois que a igreja terminava. Embora sempre
fosse levada à igreja quando criança, ela nunca me forçou a
ir quando fiquei mais velha. Ela preferiu me deixar fazer
minhas próprias escolhas em relação à religião. Acabei não
fazendo nenhuma escolha, me deixando com uma infinidade
de conhecimentos inúteis, pelo menos, o que costumava ser
um conhecimento inútil.

Me peguei lembrando de tudo isso ultimamente.

Quando chegamos à casa da minha mãe, parei por um


momento e a admirei da calçada. Além do jardim da frente, a
casa de tijolos de dois andares tinha um pequeno lance de
escada que levava a um alpendre da frente. Havia duas
cadeiras Adirondack brancas à direita, e a porta da frente da
casa estava pintada de azul brilhante. Lembrei de escolher a
cor da tinta com minha mãe. Queria rosa, e ela queria verde.
Tínhamos nos comprometido e optado pela cor azul.

Quando comecei a subir o caminho de pedra que levava


à minha porta da frente, Lúcifer falou pela primeira vez
desde que saímos do café.

“Onde estamos?” Ele perguntou em voz baixa. Virei para


encará-lo, mas ele havia parado na entrada do jardim da
frente, ainda parado na calçada.

Sorri, rindo internamente de sua hesitação. Não era


comum ele recuar.

“Esta foi a minha casa onde cresci.” Respondi. “Sempre


visito minha mãe aos domingos e, como estávamos aqui,
queria aproveitar isso.”

“Você não acha que é muito cedo para isso?” Ele sorriu
de brincadeira. Ele abaixou a cabeça e enfiou os polegares
nos bolsos das calças, continuando o caminho até onde eu
estava.
Este tinha sido o meu plano original o tempo todo.
Percebi naquele momento que o beijo que trocamos naquele
telhado definitivamente mudou a dinâmica desta visita.

“Provavelmente.” Sorri de volta para ele, esperando por


sua resposta. “Mas sinto falta da minha mãe. Eu já disse a
ela que estava vindo, então vamos ter que lidar.”

Lúcifer não respondeu. Ele apenas sorriu e esperou


minha deixa, então me virei e continuei subindo os degraus
da frente, olhando para trás para garantir que ele estava bem
atrás de mim. Fiquei feliz em ver que ele estava.

Estava gostando muito de ser a responsável por essa


interação. Pensei em meus relacionamentos anteriores.
Nunca recuei ou recebi ordens de ninguém na minha vida
pessoal. Lúcifer foi o primeiro que permiti fazer isso comigo,
mas em minha defesa, ele era o diabo me mantendo refém.
Foi bom poder agir como eu mesma novamente, sem me
preocupar com a ameaça de tortura.

Toquei a campainha e dei um passo para trás para ficar


ao lado dele. Minha mãe sabia que estava trazendo um amigo
e que ele poderia ter algumas perguntas para ela, mas não
disse a ela quem era esse amigo. Ela conheceu tantos dos
meus amigos e namorados ao longo dos anos, mas nunca
estive mais nervosa em apresentá-la a alguém do que estava
neste momento.

Alguns momentos se passaram e ela abriu a porta.


Todos os domingos, ela se arrumava para ir à igreja, mas
quando voltava para casa, ela voltava para seus jeans
habituais e uma regata. Hoje não foi exceção. Seus longos
cabelos castanhos lisos caíam soltos até a cintura, sua
maquiagem ainda era feita na igreja, e sua regata preta era
um pano de fundo discreto para a corrente de prata em volta
do pescoço. Ela sorriu calorosamente para mim antes de
olhar para o meu acompanhante. Percebi que seus olhos se
arregalaram quase imperceptivelmente, e soube
imediatamente que ela aprovava, pelo menos com sua
aparência física.

“Eve, já faz muito tempo! Eu sinto sua falta.” Ela gorjeou


enquanto me puxava para um abraço. Ela agarrou meus
ombros e me puxou para trás, me olhando de cima a baixo.
“Deus te abençoe, você está linda!” Ela olhou para Lúcifer e
piscou.

Legal, então ela já estava pronta para me envergonhar.

“Entra, entra!” Ela voltou para dentro da casa, acenando


com os braços para nos conduzir para dentro. Entrei, com
Lúcifer logo atrás, e ouvi a porta se fechar com uma nota de
finalização.

Era isso. Sem volta agora.

“Então, quem é seu amigo?” Ela perguntou para mim,


mas olhou para ele com expectativa.

“Mãe, acho que devemos nos sentar.” Digo enquanto nos


movíamos para a sala de estar.

“É claro é claro! Posso pegar algo para vocês beberem?”


Ela já tinha ido para a cozinha.

“Vamos levar um par de seltzers!” Falei quando Lúcifer e


eu nos sentamos um ao lado do outro no sofá de dois lugares
com estampa floral.

“Não preciso de nada.” Ele murmurou em meu ouvido.

“Ela não vai sentar até que você tenha algo em sua
mão.” Murmurei de volta.
Eu vi Lúcifer examinando a sala e absorvendo tudo. Pela
primeira vez na minha vida, me encolhi ao ver o crucifixo
pendurado na porta e a impressão emoldurada do Pai Nosso
ao lado da televisão. Olhei para a mesa de centro com tampo
de vidro e vi o rosário dela em um porta-jóias. Eu o observei
com o canto dos meus olhos. Sua expressão facial não
mudou, mas seus ombros estavam tensos e ele parecia
quase... Nervoso?

Minha mãe voltou para a sala, refrigerantes na mão, e os


distribuiu antes de se sentar à nossa frente em sua cadeira
de balanço de madeira. Percebi que Lúcifer estava sentado
quando ela voltou a entrar na sala. Ele estava se mexendo
um pouco, alisando as calças e passando os dedos pelo
cabelo. Sim, ele definitivamente parecia nervoso.

“Então...” Minha mãe começou. “Você vai apresentar


esse seu amigo? Ou vou ter que adivinhar?”

Ri alto com isso, olhando para Lúcifer enquanto o fazia.


“Ah, você nunca vai adivinhar.”

Lúcifer também riu antes de se inclinar para minha


mãe, com a mão estendida. “É um prazer conhecê-la.” Ele
começou, enquanto minha mãe apertava sua mão. “Meu
nome é Lúcifer.”

Minha mãe congelou. “Lúcifer? Pobrezinho. Seus pais


lhe deram o nome de Satanás?”

Lúcifer olhou para mim e pude ver o pedido de socorro


em seus olhos. Ocorreu-me naquele momento que mesmo
sabendo o peso que seu nome carregava, ele provavelmente
nunca teve que se apresentar a alguém em uma
circunstância como essa antes. Se toda a sua vida foi fogo e
enxofre, ele provavelmente nunca teve a necessidade de
impressionar ninguém ou gastar energia tentando ganhar
sua aprovação.

Um silêncio constrangedor se seguiu antes que eu


falasse.

“Não mãe. Ele não recebeu o nome de ninguém. Este é…


Lúcifer. O primeiro e único. Rei do Inferno, etc. Etc.” Minha
voz começou a desaparecer no final dessa frase. Sabia que
isso seria difícil, mas também sabia que era necessário se
quiséssemos avançar nesse mistério.

Além disso, se pudesse aquecê-la para ele, sua


aprovação significaria o mundo para mim.

Percebi agora, sentada aqui, que seria muito longe


esperar por qualquer aceitação de um relacionamento.
Pensei na minha ideia original por trás desse plano. Ver
Lúcifer na minha sala em frente à minha mãe muito religiosa
deveria ser o suficiente para me fazer perceber que ideia
terrível esse relacionamento poderia ser. Não estava
funcionando, porém, e tive que me arrastar para a frente.

Enquanto pensava em tudo isso, minha mãe estava


apenas me encarando, processando o que eu havia dito a ela.
Ela então se virou para ele e se virou para mim.

“Este é Satanás?” Ela perguntou. Seus olhos


escureceram, e sua mandíbula estava apertada.

“Sim, mas...” Comecei, sem sucesso.

“Você deixou o diabo passar pela nossa porta da frente?”


A voz da minha mãe era baixa e determinada.

“Ouça, mãe, há uma razão. Deixe-me... Deixe-nos


explicar.”
Minha mãe assumiu o comportamento familiar que
reconhecia dos meus tempos de colégio. Ela cruzou os braços
e estreitou os olhos, se preparando para qualquer besteira
que eu estava prestes a jogar em seu caminho. Ela sempre
via através das minhas mentiras: o boletim forjado, matar
aula, beber demais na casa do meu amigo. Ela me chamou
para fora de tudo isso.

Sabia que estava enfrentando uma batalha difícil, mas


também sabia que se dissesse a verdade, ela acreditaria em
mim.

Olhei para Lúcifer, e ele olhou de volta para mim. Ele


tinha um olhar cético em seu rosto, e eu podia ver que seus
músculos estavam tensos. Estava claro que ele não ajudaria
em nada. Estava sozinha, então me virei para encarar minha
mãe, me inclinei para frente e apoiei os cotovelos nas coxas.

“Algo aconteceu recentemente, mãe.” Comecei. Contei a


ela sobre o que havia acontecido naquela noite nos degraus
do lado de fora daquele prédio antigo e assustador. Disse a
ela que Lúcifer me levou com ele para o Inferno para
descobrir a verdade. Aconteceu de encobrir toda a coisa de
me manter como refém, pelo menos por enquanto, mas por
outro lado, me apeguei à verdade honesta.

Enquanto falava, a tensão deixou seus ombros e sua


mandíbula relaxou. Seus olhos, porém, permaneceram
afiados. Ela prestou muita atenção a tudo sem uma pitada
de surpresa ou confusão. Quando terminei, ela respirou
fundo.

“Sim.” Ela disse em uma voz baixa e sussurrada, os


olhos atentamente focados em mim. “Isso faz sentido.”

“Você sabia.” Lúcifer disse de repente. “Você sabia esse


tempo todo.”
Nós dois nos viramos para olhar para Lúcifer.

“O que você quer dizer?” Perguntei a ele. “Ela sabia o


quê?”

“Eu nunca soube com certeza.” Minha mãe disse,


olhando diretamente para Lúcifer agora, sua voz ainda
abafada. “Eu tinha ouvido histórias, e pensei que eram
apenas isso... Histórias. Eve, se o que você está me contando
é verdade, então a única explicação é que essas histórias
também são verdadeiras. Lamento nunca ter contado a você,
mas não sabia que valia a pena contar.”

“O que você está falando? E você!” Eu me virei para


olhar para Lúcifer. “O que diabos você sabe? O que você não
me contou?”

Lúcifer olhou para mim e respirou fundo como se


estivesse se preparando para revelar algum grande segredo.
“Seu bisavô, ele não tinha um pai listado na certidão de
nascimento.”

“Então?” Por que tive a impressão de que todos sabiam


algo que eu não sabia?

“Então...” Minha mãe disse com um suspiro, “Do jeito


que seu vovô Ed contou, um de seus ancestrais era um anjo.
A cada geração, os genes ficam um pouco mais diluídos, mas
ele sempre insistiu que você era parte anjo. Sempre pensei
que ele estava sendo doce. Ele tendia a embelezar as coisas,
então nunca questionei quando ele entrou em detalhes sobre
sua avó ter um relacionamento com um anjo. Se a história
for realmente verdadeira, no entanto...” Ela olhou para
Lúcifer. “Então faria todo o sentido.”

“O que faz você de repente acreditar na história agora?”


Ele perguntou.
Minha mãe riu. “O Diabo está na minha sala. É isso que
me faz acreditar. Se você é real, então todo o resto também
é.”

“Bom ponto.” Respondeu Lúcifer, e os dois riram juntos.


Em que tipo de universo alternativo entrei?

“Bem, você está certa.” Acrescentou Lúcifer. “Pelo que eu


percebi, Filomena teve mais um caso de uma noite. E ele não
era um anjo qualquer. Ele é um Arcanjo. Miguel, para ser
específico.” Ele se virou para olhar para mim, e eu estava
congelada no meu lugar em estado de choque.

Minha boca estava aberta. Miguel. Mesmo?

Ele se virou para minha mãe. “Nephilim são seres


estritamente proibidos. Criar um, bem... O castigo seria pior
do que o meu. Pelo que Filomena disse, parecia que eles
mantinham a criança em segredo para protegê-la do Céu e
do Inferno. Eles também foram bem sucedidos. Além de
Miguel, eu, Lilith, e agora vocês duas, ninguém sabe. Acho
que, a essa altura, qualquer descendente que esteja
avançando não deveria se preocupar com o Céu ou o Inferno.
Tenho que admitir, porém, que minha mortalidade potencial
é uma grande preocupação para mim.”

“Certamente posso apreciar isso.” Minha mãe disse


muito mais relaxada do que quando essa conversa começou.
“Então, agora, o que vamos fazer?”

Minha mãe finalmente se virou para olhar para mim,


com minha boca ainda aberta em choque. Levei um
momento para me recuperar.

Virei para o homem com quem passei a tarde dançando.


O homem que eu havia beijado pouco antes de chegar aqui.
Foi fácil dançar com ele no meu telhado favorito e beijá-lo, o
tempo todo fingindo que ele era apenas isso, um homem.

Ele não era, porém, ele era o Rei do Inferno, e esse fato
ficou fortemente na minha cabeça enquanto minha raiva
crescia em direção a ele. Esta foi uma grande notícia, que
impactou diretamente minha família e eu, mas ele não me
contou antes. Ele teve muitas oportunidades. As implicações
disso, que ele não confiava em mim, me deixaram com o
coração partido.

Determinada a não dar a minha mãe nenhuma visão


sobre nosso relacionamento, mantive a calma.

“Honestamente não sei o que fazer com qualquer uma


dessas informações.” Respondi com sinceridade. “Isso tudo
está além da minha compreensão agora.”

“O mesmo aqui. Ainda estou pensando no fato de que


Lúcifer está sentado no meu sofá.” Ela disse, olhando para
ele com um leve sorriso. “Eu sei que você tem uma história
complicada. Apenas... Não machuque minha filha. Fico feliz
em saber que ela pode e vai te machucar de volta.”

Depois que nos despedimos e voltamos pela calçada,


Lúcifer parou e se virou para mim.

“Estou feliz que você me levou para ver sua vida.” Disse
ele em voz baixa, aproximando-se de mim. Ele colocou uma
mecha rebelde de cabelo atrás da minha orelha e segurou
meu rosto. Dei um passo para trás, me afastando dele.

“Você está brincando comigo, certo?” Atirei de volta com


raiva. “Como você pode ter tantas informações sobre a
história da minha família e não compartilhá-las comigo? O
que mais você está escondendo de mim? Quando você ia me
contar?”
Lúcifer deu um passo para trás, suas sobrancelhas
levantadas de surpresa no início, mas ele relaxou quando
aceitou minha raiva. “Eu sinto Muito. Era minha família
também, e eu não sabia o que fazer com a informação. Acho
que precisava de tempo para processar tudo primeiro. Além
do mais, não estava exatamente esperando encontrar sua
mãe hoje, e com certeza não esperava que isso surgisse em
uma conversa casual. Meio que percebi que eu tinha um
pouco mais de tempo.”

Olhei para ele, sem saber como lidar, bem, praticamente


tudo que tinha acabado de aprender. Também não tinha
certeza de como me sentia sobre ele manter esse grande
segredo de mim.

“Gostaria que você me levasse de volta agora.” Disse,


mantendo distância.

“Sim, claro.” Ele respondeu, e com um toque de sua


mão, meu mundo ficou escuro.
EVELYN
Alguns dias depois de ter me acomodado em minha
rotina no Inferno, Lúcifer pediu que eu o encontrasse para
jantar na sexta à noite, e hesitantemente aceitei. Ainda
estava chateada por ser a última a saber de uma informação
tão importante. Senti como se ele estivesse escondendo algo
de mim. No entanto, saber que a sexta-feira estava a vários
dias me deu tempo para processar tudo o que aprendi.

No mínimo, poderíamos usar o jantar de sexta-feira para


limpar o ar e potencialmente me permitir voltar para casa. Se
tudo corresse bem, quem sabia o que poderia acontecer?
Ainda não tinha certeza se queria perseguir essa
possibilidade, no entanto. A lembrança do beijo do outro dia
ainda causava arrepios na minha espinha, mas não tinha
certeza do quanto ele estava disposto a se comprometer
comigo, ser verdadeiro, honesto e dedicado a mim.

Os avanços de Miguel também pioraram desde que ele


descobriu sobre meus planos para jantar com Lúcifer.
Parecia que o motivou a se esforçar mais. Quanto mais perto
chegávamos da noite de sexta-feira, mais agravantes nossas
interações se tornavam.

Nos últimos dias, ele vinha aparecendo em todos os


lugares e ficando cada vez mais insistente. Nunca fui do tipo
que pede ajuda, mas ele estava ficando tão chato, até
procurei Asmodeus para obter ajuda. Infelizmente, isso não
me levou a lugar nenhum. Aparentemente, dizer a Miguel
que ele não poderia ter algo era o equivalente a instigá-lo a
persegui-lo com mais intensidade. Tinha quase chegado ao
meu ponto de ruptura.

Embora parte de mim quisesse contar a ele sobre minha


conexão com seu passado para que ele me deixasse em paz,
Lúcifer e eu discutimos que seria melhor se Miguel não
soubesse. Não tínhamos certeza de como ele reagiria e, como
grande parte do Céu, poderia sair pela culatra e me colocar
em perigo.

Estava no campo de tiro novamente, trabalhando no


meu modo usual de alívio do estresse, quando Lilith entrou.

“Aí está você!” Ela exclamou enquanto pulava até mim,


uma caixa preta elegante em suas mãos.

“Ei!” Coloquei a Glock que estava atirando em cima da


mesa, tirei minha proteção auditiva da cabeça e me virei para
encará-la. “Faz algum tempo.”

“Faz mesmo.” Lilith concordou enquanto se esgueirava


ao meu lado na minha pista, a caixa puxada e inclinada em
direção ao peito. “Eu continuo tentando encontrá-la no meu
tempo de inatividade, mas ou algo acontece, ou sou parada
por Miguel. Você notou que ele tem estado aqui cada vez
mais ultimamente? É agravante.”

“Você está me dizendo...” Resmunguei. “Ele não vai me


deixar em paz. Ele de alguma forma acha que vou esquecer
magicamente que ele é um saco de ferramentas
condescendente e simplesmente decidir de repente me jogar
nele. Ja superei isso. Sério.”

Lilith revirou os olhos. “Eu sei o que você quer dizer.


Estou tentando descobrir o que podemos fazer sobre isso.
Lamento que você tenha que lidar com isso.”
“Está tudo bem.” Murmurei. Estava acostumada a lidar
com uma variedade de babacas durante meus anos militares.
A diferença era que nenhum desses caras tinha asas ou
poderes que me colocassem em grande desvantagem em uma
luta. “Vai dar certo. Sempre dá.”

Lilith sorriu simpaticamente antes de ajustar sua


expressão facial para uma que fosse muito mais profissional.
“Então, falando em desculpas, quero me desculpar com
você.”

“Pelo que?” Não sabia que ela tinha algo para se


desculpar.

“Então...” Lilith olhou para baixo, evitando contato


visual por um momento. “Isso é realmente embaraçoso, mas
eu bebi demais na outra noite e... De qualquer forma, beijei
Lúcifer. Eu sei que você sabe sobre isso, e só queria dizer que
sinto muito, e não queria causar nenhum problema e, bem,
você não tem nada com que se preocupar comigo. Isso é
tudo.”

Lilith estava divagando como se mal pudesse esperar


para dizer essas palavras e acabar logo com isso. Ela ainda
estava evitando contato visual, olhando para todos os
lugares, menos para mim. Achei que ela realmente estava
envergonhada.

“Ei, você sabe...” Procurei encontrar seus olhos. “Está


tudo bem. Já falei com Lúcifer. Aprecio o pedido de
desculpas, mas é desnecessário. Está esquecido.” Fiz minha
melhor tentativa de um sorriso de perdão. No fundo, ainda
estava um pouco magoada com isso, mas apreciei o gesto e
sabia que precisava superar isso.

“É desnecessário?” Ela me olhou com um sorriso


malicioso. “Tem certeza? Porque eu posso levar isso de volta.”
Nesse ponto, Lilith nivelou a caixa em suas mãos, e eu vi o
nome impresso no topo pela primeira vez.

“Uau.” Meu queixo ficou aberto por um momento. “Isto é


o Hudson H9?”

“Não, é apenas a caixa.” Lilith sorriu ainda mais. “Sim, é


o Hudson! Sabia que você ia querer experimentar, e
simplesmente não pude resistir.” Ela segurou a caixa na
minha direção, e cuidadosamente peguei dela.

Coloquei a caixa sobre a mesa e abri a tampa. Lá,


aninhado no plástico moldado, estava o Hudson H9. Estava
querendo colocar minhas mãos nisso. O gatilho estilo 1911
de tração direta e o design de disparo do atacante deveriam
tornar o recuo praticamente inexistente. Mal podia esperar
para ver por mim mesma se eles tinham realmente
conseguido isso.

Reverentemente levantei a pistola do estojo e a apontei


para baixo, sentindo o peso dela em minha mão.

“Bem, eu já estou apaixonada.” Falei, baixando-o para a


mesa. “Quer atirar comigo?”

“Eu adoraria.” Lilith respondeu lamentavelmente.


“Infelizmente, Lúcifer está esperando por mim. Eu disse a ele
que o encontraria para discutir minhas últimas ideias. Se
soubesse que encontraria você aqui hoje, teria remarcado
totalmente.”

“Eu te digo uma coisa, porém...” Ela continuou


enquanto se virava e se dirigia para a porta. “Você manda
algumas rodadas para baixo primeiro e me diz quais são
seus pensamentos. Em breve, definiremos outra data de
intervalo.” Lilith voltou para a porta e sorriu para mim.
“Divirta-se!” Ela piscou e pulou para fora da porta.
“Obrigada!” Gritei para ela. Não podia acreditar que um
presente generoso era esse. Imediatamente comecei a tirar
cartuchos de 9mm da caixa e carreguei o pente, encaixando-
o no lugar e colocando o slide.

Com a arma cheia e um novo alvo, estava pronta para


mergulhar quando senti alguém atrás de mim. Me virei para
ver Miguel apoiado na lateral da porta com os braços
cruzados e um tornozelo cruzado na frente do outro,
obviamente me olhando.

“Posso ajudar?” Murmurei antes de me virar para


encarar a distância.

“Por que Lúcifer trouxe você aqui?” Miguel perguntou


sem rodeios.

Me virei para encará-lo. Este não era seu começo


habitual para uma conversa. Sem linhas de recolhimento
bregas ou flexão de músculos e asas. Muito diferente dele.

“O que você quer dizer?” Tentei jogar como se não


soubesse a que ele estava se referindo.

“Não me engane.” Ele retrucou. “Por que você está aqui


embaixo? Eu sei que você não se voluntariou, então não
consigo entender.” Ele se empurrou para fora do batente da
porta e vagou até onde eu estava.

“Provavelmente minha personalidade encantadora.”


Disse com naturalidade, mirndo no alvo. “O que te atrai no
lugar? É a sensação de boas-vindas que você sente andando
pelo salão principal? A atmosfera alegre, talvez?”

Miguel riu. “Bem, se você quer ser alegre e acolhedora,


tenho o lugar certo para você. Por que você não vem comigo
para o Céu? Vou te mostrar felicidade como você nunca
experimentou antes.” Miguel continuou a diminuir a
distância entre nós, piscando ao fazê-lo. “Você conhece a
expressão 'morreu e foi para o Céu'? Sim, seria assim.”

Se eu revirasse os olhos com mais força, eles acertariam


a parte de trás da minha cabeça. Como esse cara se levava a
sério?

“Estou bem aqui, obrigada.” Fui dar um passo para o


lado para me dar um pouco de espaço para respirar, mas ele
fez a mesma coisa, bloqueando meu meio de fuga.

“Nunca aceito não como resposta.” Ele ameaçou


enquanto eliminava qualquer espaço pessoal que eu tinha
deixado. Suas asas se abrindo, ele me agarrou pelo pescoço e
me prendeu contra a parede, me deslizando para cima para
que meus pés ficassem pendurados no ar. Suas asas lançam
uma sombra ameaçadora sobre nós dois. “E não aprecio você
se esquivar das minhas perguntas.”

Meu Hudson estava sobre a mesa, carregado e pronto


para ação, inútil fora do meu alcance. Pensei em meus
poderes e percebi que a arma era minha única chance real
de sair desse cenário cada vez mais assustador. Qualquer
habilidade de luta que tivesse provavelmente seria inútil
contra sua força de Arcanjo, mas isso não me impediu de
tentar. Balancei meu braço para cima e para cima para
tentar quebrar seu aperto, mas ele não se mexeu. Sem a
força necessária para chutá-lo efetivamente, decidi que
arrancar seus olhos poderia funcionar, então atirei minha
mão para frente e encontrei sua mão em volta do meu pulso,
uma reação incrivelmente rápida que definitivamente estava
além da capacidade de um humano.

Enquanto contemplava meu próximo movimento, o


aperto de Miguel apertou meu pescoço, e tudo começou a
ficar escuro quando comecei a perder a consciência.
LÚCIFER
Lilith e eu estávamos tendo uma de nossas habituais
conversas ao lado do trono quando as portas da sala se
abriram, revelando Miguel em toda a sua glória pós-treino.
Ele ainda estava pingando suor, e estava caindo no meu
chão recém-limpo. Imediatamente passei pela minha lista
mental de demônios que precisavam aprender uma lição,
para determinar quem iria limpar isso e por qual método.

“Posso ajudar?” Perguntei casualmente. Sabia que ele só


estaria aqui por um motivo, que era tentar me irritar.

“Ei, mano, tenho que perguntar, qual é o problema com


essa garota Evelyn? Vocês são uma coisa, ou estou livre para
fazer uma jogada?” Ele esfregou as mãos e lambeu os lábios
como se estivesse pronto para mergulhar em uma boa
refeição.

“Sério, cara?” Perguntei, já irritado. “Todos os anjos no


Céu disseram não, então agora você está aqui embaixo
procurando por um humano indescritível? Deixe-a sozinha.”

“Então, você já fez sua reivindicação, hein?” Ele piscou


para mim.

Sabia que se admitisse o que havia acontecido entre nós,


isso estimularia Miguel a fazer mais tentativas de capturar a
atenção de Evelyn. Decidi que seria melhor para Evelyn se eu
mantivesse minha boca fechada sobre praticamente tudo
para Miguel.

“Não... Não há direito a apostar, cara.” Estava no meio


de uma conversa importante e não queria perder tempo com
isso. “Olha, eu não estou interessado em nada disso. Tenho
minhas próprias coisas acontecendo. Você tem alguma coisa
que você precisa de mim aqui?”

“Eu só quero saber porque você tem um humano aqui


embaixo.” Miguel respondeu, com as mãos nos quadris, suor
ainda pingando no chão. “O tempo dela ainda não acabou,
então se você não tem nada acontecendo com ela, então ela
deve estar aqui por um motivo específico.”

“Estou ocupado.” Disse simplesmente.

“Você está se esquivando da pergunta.” Ele atirou de


volta.

Suspirei. “Realmente não é da sua conta.”

“Então, você não vai me dizer.” Miguel jogou os ombros


para trás, estufando o peito para mim. Não tinha certeza de
como isso deveria me impressionar. “OK. Vou perguntar a ela
então. Se eu descobrir que isso tem alguma relação com o
Céu, voltarei e farei meu melhor trabalho. Isso é muito
estranho para ser uma visita menor. Ela está aqui há muito
tempo. Ou você está mentindo sobre o relacionamento, ou
está escondendo algo de mim. De qualquer forma, isso não
vai funcionar comigo.”

“Por que você se importa tanto?” Já tinha perdido a


linha de pensamento da minha conversa com Lilith, e agora
estava oficialmente irritado.
“Por que você acha que estive aqui com tanta
frequência?” Miguel jogou as mãos para cima e olhou para
mim como se eu fosse um idiota. “Não é por causa da
academia ou da sauna ou qualquer outra coisa. Mantenho o
controle sobre você. Relatorio de volta para cima. Tudo isso é
altamente suspeito, e queremos respostas. Vou receber de
você, ou vou arrancar dela, mas de qualquer forma, estou
cansado de esperar.”

“Bem, isso não me surpreende nem um pouco. Ainda


não estou dizendo a você, no entanto.” Me virei para encarar
Lilith, que estava sentada lá assistindo a conversa inteira
com diversão.

Miguel ficou ali por um momento antes de perceber que


não conseguiria mais nenhuma informação minha. Ele se
virou e saiu, deixando um rastro de suor em seu rastro.

Uma vez que Lilith e eu voltamos à nossa conversa,


finalmente conseguimos montar nossa mais nova sala de
tortura. Lilith se divertiu muito usando a velha dama de
ferro, então ela voltou e selecionou algumas outras peças
para trazer de volta ao nosso repertório. Queríamos
configurá-lo como um daqueles treinos de circuito na
academia e apenas percorrer lotes de almas infelizes por toda
a gama. Foi genial, realmente. Ele forneceu uma variedade de
opções enquanto torturava tantas pessoas ao mesmo tempo.
Só precisávamos consertar alguns dos itens de tortura
primeiro.

Terminamos de acertar os detalhes e fomos andando


pelos corredores em busca do quarto disponível perfeito para
reservar.

“Ainda não está dando nenhuma informação a Miguel,


hein?” Lilith perguntou em voz alta enquanto caminhávamos.
“Não.” Respondi. “Estou apavorado que ele a veja como
uma ponta solta e tente machucá-la. Estou tentando evitar
que ele descubra se eu puder.”

“Eu posso apreciar isso.” Disse ela. “Sei que ele tem
incomodado Evelyn muito ultimamente, no entanto. Ele está
determinado a obter alguma informação de um de vocês. Se
ele não encontrar algo para satisfazer sua curiosidade logo,
pode ficar feio.”

“Você se lembra do que ele me disse quando papai me


expulsou?” Perguntei.

“Não exatamente, já faz um tempo.” Lilith respondeu


com um sorriso.

Revirei os olhos. “Estou falando sério. Ele me disse que


nunca iria parar de trabalhar até que meu pai me banisse do
Céu permanentemente ou me ferisse. Eu nunca ouvi tanta
convicção em sua voz antes ou depois, me peguei me
perguntando ultimamente se é isso. Entre minha aparente
mortalidade em torno de Evelyn e o fato de ela existir, Miguel
tem o impulso extra de que precisa para continuar a tornar
minha vida miserável.”

Balancei minha cabeça. “E se ele descobrir sobre seus


poderes, isso é tudo para mim. Se ele sabe que pode me
matar sozinho... Não há como ele fugir de uma oportunidade
como essa.”

“Eu sei.” Lilith respondeu em voz baixa e abafada, “Mas


o que podemos fazer sobre isso?”

“Eu não sei.” Murmurei enquanto continuava a refletir


sobre isso.
Continuamos andando pelo corredor, e então ouvi um
baque e uma luta de dentro do campo de tiro, seguido por
uma voz ameaçadora. A curiosidade tomou o melhor de mim,
acelerei e virei a esquina para ver Miguel, de costas para a
porta, e suas asas expandidas por toda a largura da sala,
bloqueando a maior parte da minha visão. Poderia dizer pela
tensão em seus ombros que ele estava com raiva. Dei mais
alguns passos hesitantes para dentro da sala, esticando o
pescoço para ver o que ele estava fazendo, e parei no meio do
caminho.

A garganta de Evelyn estava em sua mão.

A raiva me consumiu como nunca antes. Minhas asas se


eriçaram, o cabelo se arrepiou na parte de trás do meu
pescoço e minhas entranhas ficaram quentes. Em um
instante, atirei Miguel do outro lado da sala com um
movimento do meu pulso. Ele se chocou contra a parede
oposta, pedaços de cerâmica se estilhaçando ao seu redor.
Ele se levantou lentamente, tropeçando ao fazê-lo, e parecia
confuso. Ele puxou um pedaço de azulejo de seu antebraço,
e o sangue jorrou.

“O que…?”

Miguel olhou para mim e de volta para seu braço,


perplexo sobre porque ele estava sangrando, e eu aproveitei a
oportunidade para mandá-lo voando para baixo. Ele bateu
na parede dos fundos e caiu no chão em uma enxurrada de
penas e poeira. Ele se levantou, mancando e zangado.

Lembrei então que com Evelyn aqui, este nosso jogo se


tornou muito mais perigoso. Tanto Miguel quanto eu
poderíamos nos machucar. A única diferença era que Miguel
não sabia o porquê.
“Veio aqui para proteger sua namoradinha?” Ele
brincou. “Achado não é roubado!” Ele berrou enquanto
retribuía o favor, me mandando através de uma das pistas e
descendo para aterrissar embaixo de um dos alvos à sua
frente.

Porra, isso doeu. Levantei e joguei o melhor que pude,


virando para encará-lo. “É isso que estamos fazendo?”
Perguntei.

“Um conto tão antigo quanto o tempo.” Ele cantou e me


atirou novamente. Desta vez, aterrissei na parede ao lado de
Evelyn, que estava lá em estado de choque. Manquei para
ficar ao lado dela, segurando a parede com uma mão e
segurando minhas costas com a outra. Minhas costas
estavam em agonia por serem batidas contra a parede. Lutei
contra a dor desconhecida e olhei para ela, mas ela não
estava olhando para mim. Ela estava olhando para algo atrás
de mim. Eu me virei e vi sua arma sobre a mesa.

Sua arma sobre a mesa.

De repente, minha conversa recente com Lilith bateu na


frente da minha cabeça. Evelyn estava na sala. Isso
significava que poderia me machucar seriamente. Mas
também significava…

Olhei para Miguel, que estava de pé e pronto para uma


briga. Ele correu em minha direção e me agarrou quando
mergulhei para o lado. Nós colidimos no ar, o vento foi tirado
de mim, mas não antes que sentisse minhas mãos
envolverem algo frio. Eu tinha isso.

Nós caímos no chão e derrapamos pelo chão, quebrando


ladrilhos enquanto avançávamos. Os fragmentos voaram ao
nosso redor, chovendo e cortando fatias afiadas em nossa
pele. Miguel se levantou inquieto e se elevou sobre mim,
agarrando a mesa mais próxima e balançando-a sobre sua
cabeça. Saquei a arma e apontei para ele.

Ele riu. “Você está brincando certo? Depois de todo esse


tempo, você vai acabar com tudo isso atirando em mim. Vá
em frente. Atire em mim se isso vai fazer você se sentir
melhor. Queria ter uma arma, seria muito mais divertido
assim!”

Olhei para Lilith. Ela estava com a cara séria. Eu não via
aquele rosto com frequência. Ela me deu um leve aceno de
cabeça, e me virei para encarar Miguel e puxei o gatilho.

Houve um momento de silêncio absoluto após aquele


tiro. Miguel estava com as mãos sobre o abdômen, sangue
escorrendo entre as pontas dos dedos. Ele estava curvado e
parecia chocado. Seu rosto estava pálido e suas mãos
tremiam.

“O que... Como isso aconteceu?” Ele conseguiu proferir.

Fui tomado por um novo nível de tristeza. Este era meu


irmão, afinal, apesar de todo o ódio e animosidade entre nós.
Era quase como perder um membro. Mesmo que o membro
fosse inútil e irritante e o ameaçasse constantemente.

Miguel caiu de joelhos. Penas caíram ao seu redor,


enquanto suas asas lutavam para mantê-lo vivo. Ele olhou
para baixo em seu abdômen e de volta para mim. “Parece
que você ganhou, irmão.” Ele sorriu. “Você pega a garota.
Você tem acesso ao Céu. Você consegue se safar quebrando
as regras.”

Ele se virou para piscar para Evelyn. Mesmo na porta da


Morte, esse cara pode me dar nos nervos. Ele caiu no chão e
deu seu último suspiro, e corri. Corri o mais rápido que
pude, até chegar à minha sala do trono. Eu bati a porta e a
tranquei. Sabia que tinha deixado Lilith para trás para lidar
com tudo isso, mas precisava ficar sozinho.
EVELYN
Aqui foram algumas situações em minha vida onde as
coisas pareciam acontecer em câmera lenta. De repente, o
ponteiro dos segundos no relógio pareceu desacelerar, e meu
cérebro acelerou, processando todos os detalhes e soluções
possíveis em menos de um piscar de olhos. Esse fenômeno
me ajudou a evitar ferimentos graves no campo de batalha e
me ajudou a evitar acidentes ao volante em casa.

Este foi um daqueles momentos.

Com a mão de Miguel ainda em volta da minha


garganta, eu vi Lúcifer virar a esquina da sala. Sua reação foi
imediata. Seus músculos ficaram tensos e seus ombros se
abriram, revelando suas brilhantes asas negras, que estavam
tremendo. Seus olhos brilhavam laranja como se estivessem
pegando fogo, seus punhos estavam cerrados, e era claro que
ele estava chateado. Estava simultaneamente grata por ele
estar aqui para me resgatar e incrivelmente excitada por seu
comportamento agressivo enquanto ele estava lá.

Senti meu pescoço ficar quente, e Miguel afrouxou seu


aperto um instante antes de Lúcifer arremessá-lo do outro
lado da sala. Ele se chocou contra a parede, levantando uma
nuvem de poeira e detritos. Isso me trouxe de volta ao
azulejo quebrado no corredor. Agora eu estava vendo em
primeira mão como algo assim poderia acontecer.

Quando Miguel voltou, notei um pedaço de azulejo preso


sob sua pele. Quando ele o puxou e viu um jorro de sangue,
ele hesitou e pareceu confuso sobre o motivo pelo qual isso
estava acontecendo. Me ocorreu então que apenas o fato de
eu estar na sala mudava as regras. Especialmente
considerando o poder que esses dois tinham, alguém poderia
se machucar seriamente... Ou pior.

Então Lúcifer respirou fundo e, com apenas um


movimento do pulso, lançou Miguel para baixo. Miguel voou
pelo ar, colidiu com a parede dos fundos e caiu no chão. Ele
perdeu algumas penas com isso, e a maneira como ele se
levantou me disse que o golpe realmente o machucou. Seus
olhos escureceram e ele mostrou os dentes.

“Veio aqui para proteger sua namoradinha?” Ouvi-o


insultar. “Achado não é roubado!”

Ele começou a arremessar Lúcifer contra a parede e caiu


em uma pilha de latão gasto. Lúcifer se levantou e sacudiu
os detritos soltos dele antes de se voltar para Miguel.

“É isso que estamos fazendo?” Lúcifer chamou.

“Um conto tão antigo quanto o tempo.” Retorquiu Miguel


antes de arremessar Lúcifer novamente. Lúcifer bateu na
parede ao meu lado. Eu vi minha arma na mesa ao lado dele
enquanto ele lutava para se levantar. Estava calculando
como colocar minhas mãos nela quando Lúcifer percebeu o
que eu estava olhando.

Senti sua hesitação. Ele fez uma pausa e apenas olhou


para ela por um momento. Estava esperando que ele
encontrasse uma maneira de eu colocar minhas mãos nela
ou sair correndo da sala. Em vez disso, ele mergulhou de
lado enquanto Miguel corria em direção a ele. A mão de
Lúcifer envolveu minha arma enquanto eles colidiam e
deslizavam pelo chão em direção a Lilith, enviando uma
chuva de azulejos quebrados para seus pés. Miguel se
levantou e pegou uma mesa, mas Lúcifer virou e apontou o
Hudson direto para seu irmão. Segurei minha respiração.

“Você está brincando certo?” Miguel estava rindo agora.


“Depois de todo esse tempo, você vai acabar com tudo isso
atirando em mim. Vá em frente. Atire em mim se isso vai
fazer você se sentir melhor. Queria ter uma arma, seria
muito mais divertido assim!”

Um momento se passou e ouvi o tiro, seguido de


silêncio. Percebi que não tinha sido a única prendendo a
respiração.

Miguel estava sangrando profusamente de seu


estômago. Sua pele branca me disse que ele estava perdendo
muito sangue, rápido. “O que…? Como isso aconteceu?” Ele
parecia fraco.

Lúcifer parecia arrasado quando Miguel entrou em


colapso, soltando penas enquanto tremia violentamente.
“Parece que você ganhou, irmão. Você pega a garota. Você
tem acesso ao Céu. Você consegue se safar quebrando as
regras.” Miguel piscou para mim.

Essa foi a última coisa que ele fez antes de morrer.


Antes que pudesse terminar de processar tudo o que tinha
acabado de acontecer, Lúcifer se levantou e saiu correndo da
sala, deixando Lilith e eu olhando para o corpo de Miguel e o
agora destruído campo de tiro.

Depois de alguns momentos de nós duas paradas em


estado de choque, Lilith pegou a vassoura que estava no
canto para coletar as balas gastas e começou a varrer o
azulejo quebrado. Por um momento, tudo o que pude ouvir
foi o som de peças de cerâmica se arrastando contra o
concreto enquanto ela varria. Suas mãos tremiam e ela
parecia um pouco pálida também. Seus olhos pareciam
resolutos, no entanto, e poderia dizer que a tarefa de limpar
a ajudaria a lidar com o que acabara de acontecer. Entrei no
armário de limpeza e tirei o que precisava para ajudar.

“Você está bem?” Lilith perguntou fracamente.

“Fisicamente?” Esclareci. “Sim. Mentalmente, não tenho


certeza. Não entendo o que acabou de acontecer. Por que
Miguel veio até mim desse jeito? Como chegamos aqui? O
que acontece agora? Quero dizer, Lúcifer matou um Arcanjo.
Isso não é, eu não sei... Ruim?” Cortei minha divagação.

“Não sei o que acontece agora.” Lilith respondeu, sua voz


vacilante. Ela parou de varrer e se apoiou no cabo da
vassoura. Ela estava olhando para o nada, imersa em
pensamentos. “Isso definitivamente demorou muito para
acontecer. E quero dizer muito tempo. Eu... Eu não sei quais
serão as repercussões, no entanto. Por mais idiota que
Miguel possa ter sido, ele era um Arcanjo. Estou surpreso
que um raio não derrubou Lúcifer imediatamente.”

“Espero que não!” Suspirei. “Já me sinto horrível, desde


que tudo começou porque Lúcifer viu que eu precisava de
ajuda. Se eu não estivesse aqui, eles nem teriam sido
capazes de se machucar. Sei que não posso controlar esses
poderes, mas nunca pensei que eles seriam um fardo tão
grande.”

“Ouça...” Lilith suspirou, retomando sua varredura. Ela


estava varrendo o mesmo lugar várias vezes, e tive a
impressão de que ela só queria uma distração. “Isso teria
acontecido, eventualmente. Era apenas uma questão de
tempo. Tenho certeza de que quaisquer sentimentos que você
e Lúcifer compartilhem, eles definitivamente amplificaram as
emoções aqui, mas não acho que poderíamos ter evitado
isso. Definitivamente parece estranho, porém, saber que
Miguel se foi.”

Fiquei ali observando-a varrer, incapaz de me convencer


a me mexer. Ela olhou para cima depois de alguns minutos,
e ao me ver olhando para o chão, ela percebeu que não
estava realizando nada.

“Acho que sou bastante inútil.” Lilith olhou para o chão


e suspirou. “Sinto que tenho que me manter ocupada. Não
sei mais o que fazer.”

Não podia ficar mais parada. “Essa coisa de entrar em


ação pode funcionar para você, mas não posso fazer isso
agora. Eu tenho que ir.” Lilith assentiu e eu saí, voltando
para o meu quarto o mais rápido que pude.
LÚCIFER
Com as costas pressionadas firmemente contra a porta
trancada da sala do trono, finalmente me senti seguro o
suficiente para processar mentalmente o que tinha acabado
de acontecer. Finalmente acabou, milênios de ódio e luta e
ameaças culminaram nisso. Achei incrível que depois de toda
a miséria que passamos um ao outro, Miguel foi morto por
algo tão mundano quanto uma bala.

Me senti vazio, como se faltasse uma parte de mim. Uma


combinação de tristeza e alívio tomou conta de mim, e não
sabia a que sentimento dar lugar.

Caminhei até o meu trono, absorto em pensamentos.


Miguel era meu irmão, antes de tudo. Deveríamos nos ajudar
e nos apoiar, mas parecíamos incapazes de fazer isso. Ele
nunca apoiou as decisões que tomei. Ele fez com que eu
fosse expulso do Céu e continuou a me rastrear para
garantir que nunca pudesse voltar.

Além de tudo isso, nossa batalha final, que sempre


presumi que seria esse grande drama de fim de mundo,
terminou com um ferimento de bala mortal em uma briga
por uma mulher. Eu tinha feito isso para proteger Evelyn.
Enquanto estava perfeitamente bem com isso, me irritou que
ele me levou a esse ponto, para começar.

Se ao menos ele tivesse escolhido cuidar de seus


próprios negócios, como Gabriel e os outros...
Fui me sentar no meu trono e uma das caveiras caiu
sobre o cobertor que cobria o assento. Minha frustração
atingiu seu limite. Há quanto tempo estava mexendo com
essa cadeira? Fui movê-lo e mais duas caíram. Estraguei
minha camisa e joguei a primeira caveira limpa do outro lado
da sala. Ela rachou contra a parede oposta e depois atingiu o
chão, o som de osso encontrando porcelana ecoando nas
paredes. Isso foi satisfatório o suficiente para agarrar o
segundo crânio, depois o terceiro, e jogá-los também. O
quarto que peguei ficou preso no cobertor branco, puxando
um fio de lã e sujando as fibras. Rasguei o cobertor inteiro e
o joguei do outro lado da sala para o canto. Ele deslizou pela
parede e ficou ali, descartado e sujo, e afundei no chão em
lágrimas, derrotado e aflito.

Cerberus veio até mim então. Ele deve ter ficado tão
confuso, me vendo nesse estado. Ele me cutucou com uma
cabeça, e então caminhou em círculo para se deitar ao meu
lado, suas cabeças perto o suficiente para acariciar. Dei-lhe
um afago de animal de estimação distraído na cabeça mais
próxima de mim. Embora não pudesse reunir energia para
fazer muito mais naquele momento, estava feliz por tê-lo ao
meu lado.

Lembrei de como deixei Lilith e Evelyn.

“Lilith provavelmente está limpando tudo agora.”


Murmurei para Cerberus. Sua cabeça permaneceu no chão,
mas seus olhos olharam para mim quando ele ouviu minha
voz. “Ela é boa nisso. Sempre coloca a tarefa à mão antes de
suas emoções. Eu me sinto mal. Ela não deveria ter que fazer
isso. Não por isso.”

“Não há como esconder isso, no entanto.” Continuei,


falando para meu próprio benefício, minha mão correndo
sobre sua cabeça macia e sedosa quase no piloto automático.
“Eu matei um Arcanjo. Isso vai abalar o Céu e disparar todos
os tipos de alarmes. Eles estarão convocando todos os anjos
de volta pelos Portões agora, emitindo um bloqueio, e todos
os anjos no Céu saberão que Miguel se foi em breve. Eles
rastrearão seus passos e virão aqui para perguntar.
Qualquer que seja a boa graça que tive no Céu, com certeza
se foi.” Cocei Cerberus atrás da orelha. Me perguntei se
Gabriel ainda daria a outra face depois que essa notícia
saísse.

Minha dor e angústia superaram meu alívio, mas


considerei o lado positivo disso. Evelyn estava a salvo de
qualquer ameaça à sua existência, e finalmente estava livre
para viver minha vida do jeito que queria, sem meu irmão
mais velho respirando no meu pescoço. Talvez acabasse
sendo cortado do Céu, mas isso poderia ser uma coisa boa,
algo que me libertaria do julgamento e do escrutínio. Eu
ficaria bem com isso. Descobri que preocupar comigo mesmo
me deixava menos preocupado do que antes, quando me
preocupava com Evelyn.

Olhei para Cerberus. “O que você acha, Cerbs? Você


acha que vamos ficar bem?”

Cerberus levantou uma cabeça, ofegante na minha


direção.

“Você está certo.” Murmurei, dando um tapinha final na


cabeça. “Enquanto eu tiver você, nós ficaremos bem.”

Levantei lentamente, ciente da dor ainda persistente na


parte inferior das costas, e fiz meu caminho para o bar,
Cerberus colado ao meu lado. Quando fui para trás do bar e
olhei para as garrafas de licor, as luzes do alto brilharam
através do vidro, lançando um caleidoscópio de marrons e
âmbares na superfície espelhada da parede. Peguei a garrafa
mais próxima, uma garrafa empoeirada de Glenlivet, e a levei
até o balcão. Depois que soprei a poeira, a abri e levei a
garrafa aos meus lábios.

Não fico bêbado, não realmente, mas estaria ficando


bêbado esta noite.
EVELYN
Depois de passar a maior parte da noite passada
sentada na minha sala escura, congelada em choque,
finalmente fui para a cama, ainda totalmente vestida, me
sentindo entorpecida e sem emoções. Quando abri meus
olhos esta manhã, levou um momento para que todos os
eventos de ontem voltassem à tona.

Deitei na cama, olhando para o teto. Nunca tinha dado


muita atenção ou pensado antes. Era um teto de pedra
escura e dava a impressão de que estávamos em uma grande
caverna, e as paredes tinham sido construídas até o topo.
Imaginei que ninguém se importasse o suficiente para se
preocupar em construir tetos. Naquele momento, me senti
um pouco como um rato em um labirinto, e a claustrofobia
brotou dentro de mim. De repente, achei difícil respirar,
então fechei os olhos e respirei fundo algumas vezes, me
centrando e sentindo meu batimento cardíaco desacelerar.

Quando abri os olhos novamente, estudei o teto. Me


concentrei nas bordas afiadas, nas encostas suaves, nas
colinas e vales, e nas sombras projetadas no teto pelo abajur
ao lado da minha cama. Qualquer coisa para me distrair de
pensar sobre o que aconteceu ontem.

Nunca tinha sido boa nessas coisas emocionais.


Lembrei-me de quando minha amiga de infância, Lisa,
perdeu seu gato quando foi atropelado por uma caminhonete
que passava. Ela estava chorando, e eu não sabia o que
fazer. Eu era alérgica a gatos, então nunca fui fã da coisa.
Lisa obviamente estava perturbada, mas eu sabia que nada
do que dissesse seria genuíno, então apenas mantive minha
boca fechada. Me senti incrivelmente estranha.

Era o mesmo agora. Entendi que Miguel e Lúcifer


tinham eras de história que se acumularam até este evento,
o que significava que Lúcifer deveria estar perturbado em
algum nível. No entanto, não conhecia o relacionamento
deles o suficiente para prever como ele reagiria, e certamente
não era fã de Miguel. Além disso, parecia que eu era a luta
no barril de pólvora, o gatilho que desencadeou esse
confronto final, o que não me deixou mais confiante sobre
como lidar com isso.

Talvez pudesse ficar aqui na minha cama quente e


confortável, me esconder sob meus cobertores grossos e ficar
olhando para o teto o dia todo. Sim, isso seria o melhor. Mas
em pouco tempo, meu corpo me traiu, e meu estômago
roncou de fome. Foi quando percebi que não tinha jantado.

Sucumbindo às ideias do meu estômago, me arrastei


para fora da cama e fui para o banheiro. Tomei um longo
banho, muito mais do que o necessário. Lavei meu cabelo e
raspei minhas pernas e depois saí e passei um tempo extra
no meu cabelo e maquiagem. Assim que terminei, fui para o
meu armário e fiquei lá por um longo tempo, tentando
decidir sobre uma roupa perfeita. Tudo isso foi simplesmente
para evitar sair por aí e enfrentar a realidade.

Sabia que tinha que chegar lá eventualmente, no


entanto. Levei meu tempo selecionando minha roupa, o que
parecia bobo para mim, pois acabei combinando meu short
jeans com uma regata preta simples. Peguei uma deixa da
minha mãe e tirei meu colar de ouro branco. Geralmente
usava isso o tempo todo, mas ultimamente, estava tirando
antes dos meus shows de segurança e, bem, estava um
pouco distraída desde o último.

Assim que coloquei meus tênis, fiquei na frente do


espelho pendurado na porta do armário, ajustando o fecho
do meu colar atrás do pescoço. Era uma roupa simples, mas
o tempo extra que passei me arrumando esta manhã me fez
sentir muito mais como eu mesma. Estava pronta para
enfrentar o que quer que o dia me esperasse.

Enquanto caminhava pelo corredor, as agora familiares


luzes bruxuleantes no alto guiando meu caminho, senti o
desejo de passar pela sala do trono de Lúcifer. Estava
curiosa para ver se ele estava lá, e também curiosa para ver
o que ele tinha feito com o cobertor que eu tinha feito para
ele. Esperava que isso lhe desse conforto na noite passada,
depois que toda a poeira baixou.

Virei a esquina e fui para suas grandes portas duplas,


notando que uma delas estava aberta. Quando olhei para
dentro, porém, Lúcifer não estava lá. Eu vi evidências de que
ele esteve aqui recentemente, no entanto. Os crânios
rachados espalhados no chão, a garrafa quebrada de uísque
no canto e a condição torta de seu trono me disseram que ele
não estava de bom humor depois de fugir. Também vi meu
cobertor amontoado no chão, sujo e amassado. Vi o mesmo
cachorro de três cabeças deitado ali, uma cabeça
descansando em um canto do cobertor.

Meu coração se partiu. Eu sabia que era apenas um


cobertor, mas dediquei muito tempo e energia a ele. Vê-lo em
uma pilha amassada no chão coberto de sujeira e baba de
cachorro me esmagou. Me virei e continuei andando pelo
corredor em direção ao café da manhã, pensando em como
Lúcifer manteve minha história familiar de mim até que fosse
conveniente revelá-la.
Entre isso e o cobertor descartado, comecei a me
perguntar se Lúcifer tinha alguma empatia. Parecia que toda
vez que dávamos dois passos para frente, dávamos um para
trás. Comecei a me perguntar se nosso encontro iminente na
sexta à noite era uma boa ideia, afinal.

Por outro lado, ele tinha acabado de matar seu irmão.


Isso deve ter sido difícil para ele e, com base nas condições
do resto da sala, era possível que o cobertor simplesmente
tivesse ficado preso no fogo cruzado. Só esperava que a
condição do meu cobertor não refletisse a raiva que ele sentia
por mim sobre tudo isso.

Acho que saberia na sexta. De repente, essa próxima


data tinha muito peso.
LÚCIFER
Sentei à mesa do café da manhã, rolando uma uva no
meu prato, evitando os restos dos meus ovos e o último
pedaço de bacon. Minha cabeça doía e minha boca estava
seca. Eu queria ficar bêbado na noite passada, e finalmente
consegui. Pena que tive que consumir metade do estoque do
meu bar para fazer isso, e isso deixou sua marca.

Meus sentimentos conflitantes ainda estavam rolando


na minha cabeça, mas fora do meu quarto, estava tentando
me controlar. Como Rei do Inferno, realmente não tinha a
opção de mostrar meu lado sensível, não para as almas que
castiguei e certamente não para os demônios comuns.
Disciplina era importante aqui, isso era certo, e se mostrasse
fraqueza, bem, isso não acabaria bem.

Apesar de tudo isso, me forcei a comer o último pedaço


de bacon, já que tinha como regra nunca deixar o bacon
intocado.

Levantei, empurrei minha cadeira e comecei a andar, ou


melhor, tropeçar, para fora da sala. Ainda parecia que estava
girando. Quando cheguei à porta, Evelyn entrou. Ela parecia
fresca e bem descansada, sua pele brilhando e seu cabelo em
cachos perfeitos ao redor de seu rosto. Naquele momento, me
ocorreu o quão bonita ela era. Ela tinha um olhar
preocupado em seu rosto, porém, sua testa franzida e o olhar
distante em seus olhos um sinal revelador de que ela ainda
estava absorta em seus pensamentos sobre como tudo
aconteceu ontem.

Ela olhou para mim brevemente e sorriu para mim.

“Como você está se sentindo? Está tudo bem?” Ela


perguntou enquanto continuava na sala de jantar, sentou-se
e imediatamente se ocupou com um pouco de café. “Você
gostaria de um pouco de café?”

“Não.” Disse com um aceno de cabeça. “Sem café, quero


dizer. E estou bem.” Bati no peito. “Afinal, sou o Diabo.”
Tentei sorrir e não tinha certeza se consegui. Não parecia um
sucesso, de qualquer maneira.

“Bem, se você diz...” Ela murmurou. “Se você quiser


conversar, estarei aqui.”

“Obrigado.” Disse, e o estranho foi que quis dizer isso.


Só que não tinha certeza do que dizer a ela, então decidi dar
a ela algum espaço e me dar algum tempo para pensar. Saí
do refeitório e cheguei na metade do caminho de volta para o
meu quarto antes de parar no meio do caminho. Tanta coisa
tinha acontecido entre nós desde aquele beijo no telhado, e
por mais que quisesse evitar fazer isso, senti que nós dois
poderíamos nos beneficiar de uma boa conversa. Me virei um
pouco rápido demais, fazendo o mundo girar. Me apoiei na
parede e voltei para a sala de jantar, fazendo uma nota
mental para beber um pouco de água. Precisava combater
essa ressaca.

Quando voltei, ela estava sentada lá, ambas as mãos em


volta de sua caneca de café, os olhos fechados contra o vapor
que irradiava de sua caneca. Quando entrei para me sentar,
ela abriu os olhos e me viu, um olhar triste e contido em seu
rosto.
“Você está de volta.” Disse ela simplesmente.

“Sim.” Respondi, minha voz baixa. Peguei a jarra e


comecei a fazer minha própria xícara de café. “Senti que essa
seria uma boa oportunidade para conversar.”

“Eu gostaria disso.” Evelyn respondeu enquanto


colocava um pouco de bacon e ovos em seu prato. “Tenho
certeza de que você tem muito o que processar hoje, e
também sei que temos muito o que conversar.”

“Bem, em primeiro lugar, como você está se sentindo?”


Sabia que estava uma bagunça, mas não conseguia imaginar
como tudo isso deveria parecer do ponto de vista dela.

Evelyn riu de repente, quase cuspindo seus ovos. “Ah,


ótima!” Ela exclamou. “Não poderia ser melhor!” Ela
continuou a rir, e o riso era contagiante. Eu ri junto até que
sua voz ficou presa na garganta. De repente, parecia que ela
estava prestes a chorar.

“O que aconteceu com meu cobertor?” Ela perguntou,


sua voz abafada.

De repente, lembrei da raiva da noite passada, e como


tinha deixado seu cobertor em uma pilha no chão. Isso foi
idiota. Por mais perturbado e, bem, bêbado como eu estava,
provavelmente poderia ter decidido não fazer isso, ou poderia
ter pego e limpado, pelo menos. Esperava que Cerberus não
o tivesse destruído ainda mais.

“Evelyn, eu sinto muito.” Disse, tentando soar tão


honesto quanto me sentia. Ao som de seu nome, ela olhou
para mim. “Estava tão completamente envolvido em, bem,
tudo ontem à noite. Finalmente transbordou e comecei a
jogar coisas pela sala, e então algo ficou preso no seu
cobertor e, bem, seu cobertor acabou sendo jogado também.”
“Não é só o cobertor.” Ela estava olhando para o prato
novamente. Ela não tinha tocado na comida novamente
desde que começamos a conversar. “Realmente me
incomodou que você soubesse tudo sobre a história da
minha família, e porque tenho esses poderes estranhos, mas
não me contou. Sem mencionar que eu deveria estar aqui até
você encontrar suas respostas. Você já teve suas respostas.
Por que ainda estou aqui?”

Fiz uma pausa por um momento. Queria discutir os


eventos de ontem, mas não tinha percebido que ela tinha
outras preocupações, o que eu realmente deveria ter.

“Eu... Bem, não tinha visto do seu ponto de vista.”


Respondi. A única maneira que poderia salvar isso era ser
completamente verdadeiro, então foi o que eu fiz. “A resposta
curta é que eu fiz tudo isso para mantê-la segura. Não queria
lidar com a informação de maneira errada e não queria
mandar você de volta para casa sem proteção. Isso pode soar
como uma desculpa esfarrapada, mas é verdade.” Suspirei.
“Obviamente não poderia mantê-la aqui para sempre, mas
queria ter um plano primeiro. Isso é tudo. Eu ia te contar.”

Evelyn levou seu tempo movendo sua comida ao redor


de seu prato antes de colocar o garfo para baixo e olhar para
mim.

“Eu sinto Muito!” Ela disse de repente, olhando para


mim. “Esta é uma ótima discussão para se ter, obviamente,
mas à luz de tudo o que aconteceu ontem com seu irmão,
tenho certeza que meus sentimentos não são a principal
prioridade.”

A declaração dela me impressionou. Honestamente, seus


sentimentos estiveram na vanguarda da minha mente por
um tempo agora. Ela se tornou minha prioridade sem que eu
percebesse, e ainda assim, aqui estava ela, pensando que
não era.

Levantei, aproximei a minha cadeira da dela e sentei de


frente para ela. Inclinando para frente, peguei suas mãos nas
minhas e a olhei nos olhos. “Evelyn, seus sentimentos são
tudo para mim agora. Muita coisa aconteceu ontem, eu sei.
Também sei que as coisas entre nós não serão simples, mas
eu me importo com você. Minhas intenções são genuínas,
mesmo que a maneira como fiz as coisas possa ser um pouco
falha. Apenas... Não desista de mim, de nós, ainda.”

Evelyn olhou para mim em silêncio por alguns


momentos antes de falar. “Ok.” Ela disse, sua voz retomando
seus tons abafados. “Ok, eu não vou. Estou aqui.” Ela
apertou minhas mãos. “Mas você está bem?”

Essa foi uma pergunta carregada. Estava longe de estar


bem, e ainda não tinha controle sobre minhas emoções no
momento.

“Estou bem.” Respondi antes de me corrigir. “Não, é


melhor dizer que vou ficar bem. Miguel e eu... Bem, se fosse
fácil para nós matarmos um ao outro, um de nós já estaria
morto há muito tempo. Esta foi a gota d'água, por assim
dizer.” Lembrei da imagem que tive quando entrei no campo
de tiro ontem, da mão de Miguel segurando o pescoço de
Evelyn, e a raiva começou a borbulhar dentro de mim. “Sei
que ele não era fã do que você e eu temos juntos, e minha
preocupação com o que poderia acontecer com você só
colocou lenha na fogueira.” Respirei fundo, exalando
lentamente para me forçar a relaxar. Ficar com raiva de novo
agora não ajudaria nossa conversa. “Quando eu vi a mão
dele em volta do seu pescoço... Bem, isso foi o catalisador.”
“Eu odeio a ideia de que eu possa ter causado isso.” Ela
respondeu, olhando para nossas mãos ainda entrelaçadas.
“Não é uma sensação boa.”

“Você não trouxe isso, Evelyn.” Coloquei uma mecha de


seu cabelo atrás da orelha e segurei seu rosto em minha
mão. “Você acabou de me dar uma razão boa o suficiente
para finalmente revidar.”

E com isso, eu a beijei.


EVELYN
Minha pele estava formigando. Quando acordei esta
manhã e contemplei o teto do meu quarto, não esperava uma
manhã como esta. O beijo fez a sala de jantar desaparecer ao
nosso redor e me fez sentir como se estivesse flutuando no
ar. Eu o senti vibrar através de cada célula do meu corpo.

Quando ele se afastou, nós simplesmente nos olhamos


nos olhos por um momento.

“Eu gosto de ser sua razão.” Brinquei com uma risada.


Lúcifer riu comigo, sua mão ainda em concha na lateral do
meu rosto. Ele a varreu de volta pelo meu cabelo, colocando
o mesmo fio rebelde atrás da minha orelha novamente, e
então lentamente retirou sua mão. Ele ainda estava sorrindo,
e percebi que eu também estava.

“Sabe, conheci sua tataravó.” Ele afirmou com


naturalidade, como se isso fosse uma coisa normal de se
dizer. Afinal, ela estava morta desde... Para sempre?
Ninguém nunca conhece a tataravó de ninguém. Exceto por
Lúcifer, aparentemente. “Ela é uma querida.”

“Eu vou ser honesta...” Respondi, um pouco surpresa.


“Não sei nada sobre ela. Como você a conheceu? Onde ela
está?”

“Lilith fez o ratreamento.” Ele respondeu, voltando para


seu assento e me permitindo recuperar meu espaço pessoal.
“Filomena está no Céu. Foi ela quem me contou tudo sobre a
coisa toda dos Nephilim. Ela também me fez prometer que
não deixaria você se machucar. Então, aqui estou eu,
cumprindo essa promessa.”

“Bem, acho que você pode ter exagerado um pouco


nisso!” Sorri e então parei de repente. “Desculpe. Cedo
demais?” Pensei no teto do meu quarto novamente e nas
minhas memórias de constrangimento em situações como
essas.

Apesar disso, Lúcifer riu. “Sim, acho que sim. Mas valeu
a pena.” Ele olhou nos meus olhos, e senti outro arrepio na
espinha. “Nós não teremos que nos preocupar com Miguel
abordando você nunca mais.” Ele deu de ombros, embora
seus olhos ainda estivessem cheios de alguma tristeza.
“Então, prós e contras.”

Houve um silêncio apreciativo, e aproveitei para olhar


para o meu prato de café da manhã. Meu estômago estava
me chamando de nomes, e era hora de mergulhar. Lúcifer
pareceu entender, ou talvez meu estômago estivesse
roncando tão alto que ele também ouviu. De qualquer forma,
ele me deixou comer em paz.

Estava na metade dos meus ovos quando algo me


ocorreu.

“Ei...” Cuspi, olhando para Lúcifer, que estava


calmamente tomando seu café. Ele olhou para mim. “Você
encontrou minha tataravó. Você poderia encontrar meu pai?”

Seus olhos se arregalaram e depois suavizaram. “Tenho


certeza que poderia. Eu sei que ele está no Céu. A questão é
que não tenho certeza exatamente onde, afinal, o Céu é um
lugar grande, e também não tenho certeza de que tipo de
recepção terei lá. Acabei de matar meu irmão. Isso...
Complica as coisas. Ainda assim, poderia tentar localizá-lo
para você.”

“Isso seria incrível.” Respondi, não querendo ter minhas


esperanças ainda. “Ele morreu antes que eu pudesse
realmente conhecê-lo. Sempre desejei, quando criança, poder
ter apenas mais uma conversa com ele. Desejei isso todos os
anos em seu aniversário. Seria bom ter esse encerramento.”

“Posso entender completamente isso. É difícil querer


falar com seu pai e não tê-lo por perto para ouvir.” Ele tomou
um gole lento de seu café antes de continuar. “Verei o que
posso fazer. Mas não posso prometer nada.”

“Obrigada.” Respondi agradecida. “Isso realmente


significaria o mundo para mim!”

Lúcifer sorriu para mim sobre sua xícara de café.


“Claro.” Ele respondeu.

Sorri de volta e continuei a tomar meu café da manhã.


Esta manhã tinha sido muito melhor do que esperava, e sem
o peso de tantas emoções elevadas me arrastando para
baixo, era plenamente capaz de apreciar o quão faminta
realmente estava.

“Bem, eu só voltei para verificar você.” Disse Lúcifer


depois que me servi de mais algumas garfadas. “Vou sair e
criar um pequeno inferno. Falo com você mais tarde.” Ele se
levantou e piscou para mim.

“Ainda temos sexta à noite?” Perguntei. Não podia


acreditar que nosso encontro era só depois de amanhã.
Estava vindo tão rápido... Mas também parecia tão certo.

Lúcifer sorriu novamente, e seus olhos se suavizaram.


“Claro.” Ele respondeu, e saiu pela porta.
Fiquei feliz por ter todas as minhas perguntas
respondidas e agora senti que poderia realmente me
concentrar. A única coisa que me restava fazer era descobrir
o que vestir!
LÚCIFER
Não estava ansioso para essa conversa inicial com
Heaven, mas tinha que acontecer mais cedo ou mais tarde,
então decidi que poderia arrancar o Band-Aid. Estava do
lado de fora dos Portões Perolados, esperando que ele se
abrisse.

Não foi assim. Isso me disse tudo o que eu precisava


saber.

Não estava lá muito tempo antes de ver um corte


familiar de cabelo castanho bagunçado surgir no horizonte
dos prados ondulantes do Céu. Seus olhos azuis geralmente
travessos estavam mais escuros agora, trazendo uma
sensação de mau presságio.

“Oi, Gabriel.” Disse calmamente. “Esperava que


pudéssemos conversar.”

Gabriel caminhou sem palavras até os Portões e os


tocou, permitindo que eles se abrissem para mim. Entrei na
grama macia, mas ele não disse uma palavra. Ele apenas
olhou para mim solenemente e acenou com o braço,
gesticulando para que o seguisse. Gabriel era sempre aquele
com as piadas e as frases curtas, então seu silêncio e
comportamento sombrio não me davam calor e
ressentimentos. Comecei a me perguntar, não pela primeira
vez, se isso era uma boa ideia... Mas era por Evelyn, então
continuei.
O segui pelo caminho e subi os degraus da frente pelas
portas duplas, uma jornada que de repente parecia muito
mais longa do que nas visitas anteriores, e direto pelo saguão
da frente até a sala principal. Ao passar pelo conjunto de
escadas em arco para a sala, notei que parecia estar
preparada para um grande evento. Todas as mesas estavam
completamente decoradas com aqueles candelabros feios
colocados como centros de mesa. Lembrei-me da primeira
vez que vi os candelabros. O acabamento prateado brilhava à
luz do sol que entrava pelas janelas. A curvatura do
candelabro irradiava aquela luz direto nos meus olhos, todas
as vezes. Meu desdém por essas viagens ao andar de cima
cresceu ainda mais quando desviei os olhos da minha viagem
pela sala.

Antes que pudesse imaginar qual era a ocasião especial


que exigia tal extravagância, continuamos pelo corredor
atrás da sala. O corredor parecia ser uma seção esquecida
em meio ao resto da opulência. Precisava desesperadamente
de uma reforma e não combinava com o ambiente do resto
do prédio. No meio do corredor, Gabriel parou e se virou para
me encarar.

“Que diabos você está fazendo aqui, cara?” Gabriel


estalou, seus olhos arregalados em choque e ainda refletindo
a gravidade da situação. “Apenas testando as águas para ver
se sabemos? Confie em mim, nós sabemos.”

“Devo me preocupar com alguma coisa?” Perguntei.

“Preocupar? Você deveria estar preocupado com tudo.”


Gabriel respondeu. “Muitos anjos estão furiosos agora.
Alguns estão com medo. A maioria simplesmente não quer te
ver. Você é um idiota vindo aqui agora.”

“Provavelmente sou, mas preciso de um favor e decidi


que vale a pena o risco.”
“O que poderia valer a pena esse risco?” Gabriel
perguntou. Seu tom era sério, mas seus olhos se suavizaram
um pouco.

“Você pensaria que estou louco se dissesse a você.”


Disse, de repente ficando nervoso. Essa coisa toda de palmas
suadas era nova para mim, e tinha que dizer, não era fã.
Enfiei as mãos no bolso da calça e estudei o chão, tentando
encontrar a melhor maneira de expressar isso.

“Isso tem alguma coisa a ver com a mulher que você tem
andando lá embaixo?” Gabriel perguntou.

Surpreso, olhei para cima. Aquele olhar travesso estava


de volta no rosto do meu amigo e irmão.

“Umm.” Disse oh-tão-suavemente. “Como você descobriu


isso?”

Gabriel sorriu, mas não alcançou seus olhos. “Miguel


criou o hábito de voltar aqui depois de cada visita no andar
de baixo e tentar arejar sua roupa suja. A maioria dos anjos
realmente não dá a mínima, então ele não os incomodou,
mas eu cometi o erro muito tempo atrás de tentar convencê-
lo de que talvez o que você fez pudesse ser perdoado com o
tempo. Então, ele tornou uma missão pessoal dele me
convencer de que eu estava errado. Honestamente, realmente
não poderia me importar menos com o que está acontecendo
lá embaixo, contanto que isso não nos afete aqui em cima.”
Ele inclinou a cabeça para um lado, me estudando. “Isso vai
nos impactar aqui?”

“Não.” Respondi, tão casualmente quanto pude. “Não


tenho interesse em mexer com nada aqui. Vocês continuam
fazendo o que fazem. Honestamente, tudo o que queria era
ser deixado em paz.” Suspirei. “Eu sei que demorou muito,
eu e Miguel. Estou experimentando uma mistura de emoções
agora, para ser honesto.”

“Bem, isso faz sentido.” Respondeu Gabriel, bagunçando


o cabelo e olhando ao redor para garantir que ainda
estávamos sozinhos. “Ouça, não há amor perdido entre
Miguel e eu. Já passou da hora de deixar esse rancor, e não
nos dávamos bem há algum tempo. Ele teve seu exército de
anjos apoiando-o em um ponto, mas todos eles o soltaram,
um por um.”

Ele suspirou profundamente e balançou a cabeça. “Mas


apesar de tudo isso... Matar seu irmão? Isso vai levar tempo
para a maioria deles aceitar. Eu ficaria longe por um tempo.
Então.” Gabriel bateu palmas e esfregou-as vigorosamente,
“O que você precisa?”

“Preciso encontrar George Hernandez.” Fiquei aliviado ao


saber que ele me ajudaria, e tenho certeza de que o alívio
estava claro em minha voz. “E não é para mim. É para
Evelyn. Prometi a ela que tentaria juntar os dois para dar um
desfecho. Achei que pelo menos poderia dizer que vim aqui e
tentei.” Dei de ombros. “Vou entender se você não puder
ajudar.”

“Bem, eu, por exemplo, estou morrendo de vontade de


conhecer essa garota. Depois de todo o zumbido, tenho que
saber por mim mesmo. Vamos, eu ajudo você a encontrar o
velho George, e vamos providenciar.” Gabriel se virou e
caminhou pelo corredor, e o segui logo em seguida.

O corredor terminou abruptamente contra uma parede


em branco, e à esquerda havia uma porta de madeira gasta e
inexpressiva. Ele abriu a porta, segurando-a para eu passar
antes de fechar a porta atrás de nós dois.
“Bem-vindo ao meu escritório, Luci!” Ele gritou o
anúncio em tom de brincadeira, me olhando de soslaio em
busca de uma reação. O fato de ele ter voltado ao seu nome
de estimação para mim me disse que tudo ficaria bem, pelo
menos entre nós dois.

“Aconchegante.” Murmurei, olhando ao redor para o que


parecia ser um armário de zelador enorme.

Dois esfregões velhos estavam apoiados no canto mais


distante, ao lado de um balde de esfregão amarelo. Cheirava
a trapos molhados, e as paredes eram escuras e úmidas. No
canto oposto havia uma banqueta de madeira ao lado de um
armário alto de metal enferrujado.

“Estou tomando notas para quando voltar para casa.”


Acrescentei, levantando uma sobrancelha para a decoração.

Gabriel riu. “Sabe o que é ótimo? Ninguém nunca


questiona o que está aqui por causa da configuração. Olha
isso.” Gabriel abriu a grande gaveta de baixo e tirou uma
garrafa de uísque e um pote gigante de pastéis de queijo.
“Prazeres culpados.” Acrescentou com uma piscadela.

Gabriel enfiou a mão na gaveta, tirou dois copos de


plástico e começou a servir. “Você quer um?” Ele perguntou,
mas me entregou o copo sem esperar por uma resposta.

Peguei o copo dele, olhando para a garrafa de Johnny


Walker Blue. Nunca tinha pensado em combinar uísque
escocês com pastéis de queijo, mas decidi não começar hoje.

“Pestéis de Queijo?” Gabriel desatarraxou a tampa do


pastel de queijo e a inclinou para mim. O cheiro de queijo
falso misturado com o odor de trapos molhados não
combinava bem com a bebida na minha mão.
“Uh, não, obrigado. Isso é tudo para você.” Respondi
enquanto tomava minha bebida cautelosamente. Estava
grato que os cheiros de alguma forma não dominavam minha
percepção do gosto da minha bebida.

“Sua perda.” Gabriel respondeu enquanto colocava


algumas bolas de queijo em sua boca. Ele enxugou os dedos
com crostas laranjadas nas calças caqui amarrotadas, abriu
a gaveta de cima e começou a folhear os arquivos.

“Hernandez, Hernandez.” Ele murmurou em torno de


pedaços de bolas de queijo meio mastigadas. “Aqui vamos
nós!” Ele tirou uma pasta da pilha e a abriu, examinando a
primeira página. “Hmm, mesma árvore genealógica de
Filomena. As peças do quebra-cabeça estão se encaixando.”
Ele fechou a pasta.

“Ok, ótimas notícias. Esse cara estava na seção de


Miguel, que estou supervisionando no momento. Ainda estou
aprendendo quem está onde, mas acho que sei onde Georgey
está. Me siga.”

Gabriel empurrou a pasta ao acaso no armário de


arquivo e o empurrou para fechar, o arquivo ficou preso no
caminho de volta. Observei enquanto ele deixava o pedaço de
pasta de arquivo saindo da gaveta de cima e se afastava.
Gerações podem ir e vir, mas esse cara nunca mudou.

Segui Gabriel para fora do corredor dos fundos e voltei


para a sala principal. Olhando em volta para os detalhes
delicados, percebi para que servia tudo aquilo. Eles
trouxeram algumas das nuvens mais fofas de fora e as
amarraram no teto. Havia também um arco-íris cortando a
sala, e sabia por experiência que, quando o Céu explodisse,
poderia ser visto pelas pessoas na Terra. Era uma celebração
bastante regular. Tenho certeza de que os anjos só fizeram
isso para que tivessem um motivo para relaxar e se divertir,
mas a palavra oficial era que era uma celebração da vida.
Depois que papai inundou a Terra, ele prometeu a Noah que
nunca faria isso de novo, e o arco-íris continuou a ser um
lembrete disso.

“Momento estranho.” Murmurei, olhando ao redor.

“Sim, sobre isso.” Gabriel olhou ao redor, sua voz


abafada. “Isso deveria ter acontecido ontem. Você sabe,
antes…”

Ops.

“Oh...” Respondi, “Sim, acho que isso atrapalha as


coisas.”

Um silêncio constrangedor recomeçou enquanto


caminhávamos de volta para o saguão da frente e subimos as
escadas, virando para a direita desta vez. Notei deste lado
dos corredores, a decoração era um pouco mais luxuosa.
Pequenos pedestais brancos se alinhavam no amplo salão,
cada um contendo um vaso branco com meia dúzia de rosas
brancas. No final do corredor, antes de virar à esquerda,
havia uma enorme pintura a óleo, feita nas cores pastel mais
claras. Eu não prestei muita atenção, mas quando nos
aproximamos, reconheci. Era um retrato de Miguel.

“Ele pendurou uma pintura de si mesmo?” Perguntei,


surpreso que alguém pudesse ser tão cheio de si.

“Ah, sim.” Gabriel respondeu com as sobrancelhas


levantadas e um olhar de soslaio para mim. “Você conhece
Miguel, ele sempre teve que deixar você saber quem ele era.”

Sorri. “Isso certamente está dançando em torno de toda


a coisa de falso ídolo, não é?”
Gabriel riu também. “Nós o criticamos, mas ele insistiu
que estava tudo bem, já que ele não estava idolatrando. Notei
que ele sempre tirava quando papai vinha passando. Sempre
achei que era suspeito.”

Portas alinhadas em ambos os lados do longo corredor,


todas em branco. Cada porta tinha uma placa branca, com
os nomes brilhando através dela. Não vi números e nenhum
sistema claro de organização, mas Gabriel sabia para onde
ir. Chegamos a uma porta com o nome de George Hernandez,
e com um aceno rápido de Gabriel, bati duas vezes e abri a
porta.

Quando passamos pela porta, estávamos de volta do


lado de fora. O Céu estava tão perfeito quanto no gramado da
frente, e na minha frente havia uma longa fileira de bancos
de tiro. Um homem estava sentado em um deles com vários
rifles montados à sua frente. Ele estava carregando as armas
e preparando sua estação.

“George.” Gabriel chamou, e o homem ergueu os olhos


de seu trabalho. Ele olhou de Gabriel para mim e de volta e
então se levantou e se aproximou de nós.

“Gabriel.” Ele chamou em saudação enquanto se


aproximava. Ele olhou para mim, um olhar incerto em seu
rosto.

“Lúcifer.” Me apresentei com um aceno de cabeça.

Vi o brilho de reconhecimento em seus olhos, mas ele


simplesmente assentiu.

“Bem, agora que todos vocês foram apresentados, vou


passar a palavra para o meu garoto Luci aqui.” Gabriel
anunciou enquanto me dava um tapa nas costas.
Olhei para ele com os olhos semicerrados. “Obrigado,
Gabe.” Respondi, antes de voltar para George.

Gabriel riu e saiu, balançando a cabeça enquanto ia.

“George, você tem uma filha.” Disse com naturalidade.

Ele estreitou os olhos para mim com suspeita. “Por que


você pergunta?”

“Ela gostaria de conhecê-lo.” Respondi.

Os olhos de George se arregalaram. “O que aconteceu?


Onde ela está?” Ele parecia à beira do pânico.

“Relaxe.” Disse calmamente, minhas palmas para cima


para enfrentá-lo. “Sua filha está viva, bem e saudável.”
George relaxou visivelmente então, então continuei. “Ela
atirou em mim, sabe? Tenho sorte de ela ter perdido os
órgãos principais, ou eu não estaria aqui agora.”

George ergueu as sobrancelhas com a notícia e então a


aceitou sem palavras, como se entendesse. Ele olhou para o
chão, absorto em pensamentos.

“Ela os recebeu também.” Ele murmurou para si mesmo.


“Eu estava me perguntando quando isso seria filtrado de
nossa linhagem. Ela parecia uma criança bem normal
enquanto estava vivo. Achei que todos os poderes tinham
sido diluídos por sua geração. Ela pode fazer mais alguma
coisa?” George olhou para mim então.

“Não que saibamos.” Respondi, enfiando as mãos nos


bolsos da calça. “Eu não saberia por onde começar a testá-la,
no entanto.”

Ficamos ali em silêncio por um momento enquanto


George absorvia todas as informações.
“Como disse antes, ela quer te conhecer.” Repeti. “Eu
disse a ela que tentaria fazer isso acontecer se você estivesse
disposto a isso.”

“Sim!” O rosto de George se iluminou. “Sim, por favor,


eu adoraria nada mais do que poder passar algum tempo
com ela.”

Sorri. “Estou feliz. Vou marcar algo com Gabe e vamos


fazer acontecer.” Virei para sair pela porta quando ouvi sua
pergunta atrás de mim.

“Por quê?”

Virei-me para encará-lo. “Porque o quê?”

“Por que você faria algo assim por ela e por mim, depois
que ela atirou em você?” Sua testa estava franzida, e sua
cabeça inclinada como se ele não conseguisse juntar as
peças do quebra-cabeça. “Quero dizer, o que você ganha com
isso? Sinto que estou perdendo alguma coisa.”

Fiz uma pausa, olhando para o chão, minhas mãos


ainda nos bolsos. Não tinha previsto essa pergunta,
simplesmente presumi que ele ficaria muito feliz com a
perspectiva de ver sua filha que ele não iria cavar mais
fundo. Pensei em Evelyn e como nosso relacionamento se
desenvolveu nas últimas semanas. Pensei em nossas
conversas na hora das refeições e nossos encontros. Pensei
na dança no telhado e no beijo ali, depois no beijo que
compartilhamos esta manhã no café da manhã.

“Oh...” George disse como se de repente ele tivesse


percebido.
Quando olhei para cima, ele estava me estudando.
Minha boca abriu e depois fechou novamente. Qualquer
coisa que pudesse pensar em dizer soaria ridículo.

“Apenas meio que aconteceu.” Finalmente disse.

“Mmmm.” Os olhos de George se estreitaram


ligeiramente. Ele não disse mais nada sobre isso, então
decidi que também não iria.

Depois de um momento de silêncio constrangedor,


acenei para ele e saí. Gabriel estava me esperando no
corredor, andando de um lado para o outro com as mãos
enfiadas nos bolsos.

“Então?” Ele perguntou, girando para me encarar e


liberando suas mãos. “Como foi?”

“Correu tão bem quanto o esperado.” Sorri, mas minha


tentativa de parecer casual sobre a visita parecia não ser
genuína. “Eu disse a ele que você iria marcar a visita.”

“Eu tenho você coberto, irmão. Não se preocupe, vou


configurar.” Gabriel gesticulou para que o seguisse e, juntos,
refizemos nossos passos até o saguão da frente e saímos
para o gramado da frente, em direção aos Portões.

“Então, recomendo que você fique longe daqui por um


tempo.” Disse Gabriel enquanto nos aproximávamos dos
Portões, “Mas vou passar aqui amanhã para pegar sua amiga
e trazê-la aqui.”

“Obrigado, Gabe.” Disse em tom de brincadeira, e então


sai, ouvindo os portões se fecharem atrás de mim.
EVELYN
A batida na minha porta na manhã seguinte não foi a
assinatura de Asmodeus, nem foram as duas rápidas de
Lúcifer. Não estava esperando ninguém, mas, novamente,
tinha ido para a cama muito antes de Lúcifer ter retornado
do Céu, então talvez algo tenha acontecido durante e agora?

Sem saber no que estava me metendo, abri a porta.

Diante de mim estava um homem que parecia não


possuir uma escova de cabelo nem um ferro, mas de alguma
forma, ele fez funcionar. Seu cabelo castanho claro
bagunçado e seus olhos azuis claros certamente pareciam
calorosos e amigáveis, mas aprendi a não levar ninguém pelo
valor nominal aqui.

“Hum, oi? Posso ajudar?” Perguntei, incapaz de manter


o sarcasmo da minha voz.

“Você deve ser Evelyn.” Ele disse alegremente. “Eu sou


Gabriel.” Ele empurrou a mão para apertar a minha, mas
simplesmente olhei para ela por um segundo enquanto
pensava nos meus dias de ir à igreja para ligar os pontos.

Olhei para ele de repente, ainda sem pegar sua mão.


“Arcanjo Gabriel? Esse?”

Ele riu. “O primeiro e único! Eu acho…”


Apertei sua mão naquele momento, ainda olhando para
ele.

“Não tive uma experiência consistente com Arcanjos,


então, por favor, me perdoe, mas por que você está aqui?”

“Luci não te contou?” Esclareceu Gabriel.

Lúci? Sorri. Isso foi adorável. Não conseguia imaginar


Lúcifer aceitando esse apelido. Teria que testá-lo na próxima
vez que o visse.

“Contou o quê?” Senti que estava faltando alguma coisa.

“Bem, estou levando você para o Céu hoje. Você sabe,


para visitar seu pai. Luci puxou algumas cordas.” Ele sorriu
de brincadeira.

Não podia acreditar. Sabia que Lúcifer disse que veria o


que poderia fazer, mas essa foi uma surpresa incrivelmente
bem-vinda. Devo ter ficado ali com o queixo aberto por um
tempo, porque Gabriel riu.

“Você está feliz, surpresa ou desapontada?” Ele


perguntou. “Não consigo descobrir qual.”

Eu saí disso. “Além de feliz!” Jorrei. “Eu simplesmente


não posso acreditar que isso está acontecendo! Isso é tudo
que queria há tanto tempo, não posso acreditar que
finalmente está aqui.”

“Bom!” Ele exclamou. “Está pronta?”

“Sim!” Gritei de felicidade.

“Está bem então!” Gabriel colocou sua mão suavemente


no meu ombro, e nosso entorno desapareceu.
A próxima coisa que sabia, estava de pé no gramado
mais confortável, meus pés afundando na grama verde
esmeralda perfeitamente cuidada. Estávamos diante de
portões ornamentados gigantes e lindos que eram muito
maiores do que qualquer conjunto de portões que eu já tinha
visto. O metal se curvava em todas as direções, e eles se
elevavam sobre nós, com um acabamento que quase brilhava
à luz do sol. Eles não eram bem prateados, quase parecia
que eram feitos de...

“Uau.” Depois de um momento, ocorreu-me.

“Esses são… Os Portões Perolados reais? Eles são reais


pra caralho?” Comecei a rir de barriga cheia. “Quem teria
pensado?”

Gabriel recuou com um sorriso no rosto e deu de


ombros. “Às vezes vocês têm boas ideias, o que posso dizer?”

Os Portões se abriram lentamente para nos permitir


entrar, e caminhamos por um caminho que levava a um
castelo impossivelmente grande. Foi uma caminhada decente
até os degraus da frente do castelo, então, enquanto
caminhávamos, olhei ao redor. O tempo estava perfeito, o
Céu estava em um tom de azul cristalino e vi alguns
cachorros brincando ao longe.

“O Céu tem cachorros?” Perguntei.

Gabriel olhou para mim interrogativamente. “Claro.”


Respondeu ele. “É aqui que todos acabam.”

Exceto para Cerberus, é claro.

As escadas que levam até a porta da frente eram


ridículas. Eram tantas! Quando chegamos ao topo, as
enormes portas duplas se abriram para revelar um vestíbulo
opulento com duas escadas. Tudo branco. Era um contraste
tão gritante com minhas experiências das últimas semanas.
Apreciei o brilho e a luz do sol. Foi um alívio bem-vindo.

Depois de subir as escadas e descer o corredor, notei a


horrível pintura de Miguel pendurada no final do corredor.
Era enorme e incrivelmente brega. Explodi em uma risada
incontrolável naquele momento. Minha risada ecoou pelo
corredor, e Gabriel se virou surpreso. Ele parecia querer me
perguntar porque estava rindo, sua boca se movendo para
formar uma palavra, mas ele não conseguia pronunciá-la.

“Essa porra de foto!” Gritei, lágrimas nos meus olhos.


“Ele está brincando, certo?”

Gabriel começou a rir também. “Ele estava realmente


muito sério sobre isso!”

Isso, por algum motivo, me fez rir ainda mais, e levei


alguns minutos para recuperar a compostura. Fiquei grata
por virar a esquina e ter esta imagem fora da minha linha de
visão.

Gabriel me levou para uma porta que tinha o nome do


meu pai em letras brilhantes.

“Está pronta?” Ele perguntou.

“Ah, sim.” Falei, e ele bateu na porta antes de abri-la.

Claro, era um campo de tiro ao ar livre. O que mais meu


pai desejaria em seu próprio paraíso pessoal?

Ele estava sentado em um dos bancos, mas girou em


seu assento quando ouviu a porta se abrir. Nossos olhos se
encontraram, e parecia que o tempo parou. De repente, me
senti com sete anos de novo e corri diretamente para seus
braços.
Quando nos afastamos, ele tinha lágrimas nos olhos.

“Oh, Eve.” Ele respirou fundo. “Ah, eu senti sua falta.”


Suas mãos ainda estavam em meus ombros, e ele me
mantinha à distância enquanto falava.

“Eu também senti sua falta, pai. Tanto.” Eu tinha


lágrimas nos olhos novamente, desta vez com uma alegria
esmagadora por estar no mesmo lugar que meu pai.

“Vamos, vamos sentar.” Disse ele, acenando com a


cabeça em direção ao banco de tiro. Me aproximei, notando
que a configuração parecia um pouco familiar. Então olhei
para a mesa e vi as iniciais EH gravadas no canto, e sabia
onde estava.

Quando meu pai ainda estava vivo, ele me levava ao


campo de tiro local para treinar. Nós íamos todo fim de
semana como um relógio, e ele me ensinava todas as regras
de segurança de armas, e nós revisávamos cada arma que
ele possuía, discutindo as diferentes partes, incluindo o que
cada parte fazia e por que era importante. Passamos vários
fins de semana no campo antes que eu pudesse segurar uma
de suas armas. Ele sempre insistiu na segurança em
primeiro lugar e enfiou tudo na minha cabeça toda semana.

De pé aqui agora, descobri que não era o stand que


lembrava. Era o momento de ligação com meu pai. Mesmo
que tudo o que ele fizesse fosse me ensinar algumas regras
de segurança e me fazer vê-lo atirar, sempre pulava no carro
cheia de emoção, simplesmente feliz por estar tendo um
momento a sós com meu pai.

Rapidamente percebi que não era a única que se sentia


assim. Este homem se divertiu tanto com aqueles fins de
semana que escolheu ser em sua versão do Céu. Lutei contra
as lágrimas enquanto tomava meu assento agora familiar. Eu
não queria estar em outro lugar.

“Então, onde paramos?” Ele perguntou, e sabia


exatamente o que ele queria dizer.

“Bem, a última vez que estivemos aqui, você estava me


falando sobre a disciplina de gatilho.”

Meu pai sorriu. “Você praticou desde que fui embora?”

“Me alistei no exército.” Disse. “Então saí, e agora estou


fazendo segurança privada.”

Meu pai ergueu as sobrancelhas, impressionado. “É


muita prática.”

Ele gesticulou para a mesa, e me servi de sua Daniel,


carregando-a e olhando através de sua mira. Parecia familiar
para mim, já que tinha o meu próprio, e fiz um trabalho
rápido no meu alvo.

“Estou impressionado, Eve.” Ele disse enquanto me


olhava nos olhos. “Estou orgulhoso de você. Quero que você
saiba disso.”

“Obrigada, pai.” Sorri para ele, desejando que esta não


fosse uma ocasião tão importante, mas apenas qualquer fim
de semana aleatório.

Sentamos e nos revezamos atirando e recarregando por


um tempo em um silêncio confortável. Foi uma tarde
perfeita. Depois de algumas rodadas de prática, meu pai se
virou para mim.

“Então, o que está acontecendo com Lúcifer?” Ele


perguntou, não tão casualmente quanto ele estava tentando
soar.
“O que você quer dizer?” Perguntei. Não tinha certeza se
estava pronta para definir ou discutir nosso relacionamento
com alguém neste estágio inicial, muito menos com meu pai
morto. Sabia que ele desaprovaria simplesmente porque era
Lúcifer.

“Você sabe o que quero dizer.” Disse ele, mantendo a


emoção fora de sua voz.

Suspirei, sem saber exatamente por onde começar.

“Bem, nós certamente nos encontramos em


circunstâncias incomuns.” Digo enquanto carregava outra
rodada.

“Então eu ouvi sobre.” Papai respondeu. “O que


justificava que você precisasse descarregar sua arma de
fogo?”

Então, talvez esse não fosse o melhor lugar para


começar.

“Estava trabalhando como segurança para um bando de


universitários ricos.” Comecei. “Eles alegaram que estavam
fazendo uma invocação de demônios. Acho que eles
exageraram um pouco porque o Rei do Inferno apareceu.
Tentei impedi-lo de entrar, mas ele não aceitou um não como
resposta, e bem... Atirei nele. Aparentemente, não era para
machucá-lo.”

“E você passou de atirar no diabo para de alguma forma


conseguir mandá-lo em suas tarefas, hein?” Meu pai acenou
com a cabeça, impressionado. “De todas as pessoas que
esperava que passassem por aquela porta, Lúcifer não era
uma delas.”
“Sim, eu acho.” Respondi, colocando a revista para baixo
e virando para encará-lo. “Nós meio que estivemos na mesma
missão, tentando descobrir o que aconteceu, sabe? Foi um
pouco estranho me acostumar a estar no Inferno, mas agora
que sei a verdade sobre você e sobre nossa família, diria que
valeu a pena.” Sorri para ele, feliz por poder passar esse
tempo com ele.

“Tudo bem.” Meu pai respondeu, olhando para baixo e


recarregando. O tom de sua voz indicava que ele não estava
muito convencido, mas não disse mais nada sobre isso.

Depois de mais algumas rodadas, Gabriel voltou.

“Ei, vocês dois.” Ele gorjeou. “Desculpe interromper a


festa, mas tenho que levar Evelyn para baixo. Tenho que
voltar a tempo para uma reunião.”

“Os anjos têm reuniões?” Perguntei. Aprendia algo novo


todos os dias.

“Ah, com certeza.” Gabriel respondeu casualmente.


“Principalmente coisas administrativas, como cada seção
está indo, blá, blá, blá. Nada nunca muda. Costumo fugir
depois da chamada. Infelizmente, agora, com Miguel fora e
eu assumindo sua ala, não serei capaz de fazer isso. Diria
para orar por mim, mas isso revelaria meu segredo!” Ele riu.
“Então... Não faça isso.”

Gabriel caminhou de volta para a porta onde ele estava


esperando por nós para nos despedirmos.

“Nunca tive a chance de dizer adeus antes de você


morrer.” Disse ao meu pai enquanto me levantava e me
espreguiçava, apoiando uma mão na mesa. “Estou feliz que
tivemos a chance de fazer isso. Este é o lugar perfeito.” Olhei
em volta para as fileiras de bancos de tiro, a grama verde no
campo e minhas iniciais esculpidas na madeira sob meus
dedos. “Eu senti sua falta.”

“Eu também senti sua falta, querida.” Meu pai disse,


sua voz falhando, lágrimas se formando nos cantos de seus
olhos.

Me aproximei e joguei meus braços ao redor dele,


apertando-o com força. Senti seus braços em volta de mim, e
ficamos lá por um tempo. Quando nos separamos, foi muito
rápido.

“Vejo você em breve, pai.” Sorri melancolicamente e me


virei para encontrar Gabriel na porta.

“Não muito cedo.” Papai disse atrás de mim. “A menos


que você peça outro favor. E encorajo você a ser inteligente!”

Me virei para olhar para ele e ri. “Eu vou, pai. Amo
você!”

“Também te amo, Eve.” Ele disse enquanto eu seguia


Gabriel porta afora.

Uma vez no corredor com a porta fechada, Gabriel se


virou para mim.

“Sabe...” Ele disse, com um suspiro pensativo, “Pretendo


checar com Luci de vez em quando. Alguém tem que se
certificar de que ele está bem lá embaixo. Não me importaria
de pegar você de vez em quando para uma visita, se você
quiser.”

“Isso seria incrível!” Falei, grata por esta nova conexão.

“Só, você sabe, não machuque meu irmão. De acordo?”


Ele sorriu. “Apesar de tudo, ele é da família.”
“Parece um acordo para mim.” Respondi com um
sorriso, e saímos do Céu juntos.
LÚCIFER
Cerberus estava perseguindo alguns crânios ladinos pelo
chão enquanto andava de um lado para o outro na frente do
meu trono cada vez mais frustrante. O trono era a última
coisa em minha mente, no entanto. Sempre me orgulhei da
minha capacidade de me concentrar no que é importante,
sem permitir distrações. Ultimamente, no entanto, tinha que
admitir que estava ficando cada vez mais distraído.

Estava escorregando. Eu sabia, Lilith sabia, até


Cerberus sabia que algo estava acontecendo.

Estava grato naquele momento por ter passado eras


aperfeiçoando o Inferno. Definitivamente poderia me dar ao
luxo de lucrar com meus dias de férias e desaparecer por
alguns séculos, sabendo que o Inferno ainda estaria
funcionando sem problemas quando voltasse. Realmente não
havia para onde ir, e eu tinha prazer em torturar aqueles que
mereciam.

Então, depois de todo o esforço que fiz, minha


recompensa foi simplesmente sentar e selecionar
manualmente os trabalhos que mais me interessavam,
enviando o resto do rebanho para o nível que melhor lhes
convinha.

Agora, até mesmo o pensamento disso caiu por terra


enquanto ansiava por esta noite. Hoje era sexta-feira, afinal,
a expectativa parecia estar matando Evelyn tanto quanto
estava me matando esta semana.

Olhei para o relógio sobre o bar. Faltava cerca de uma


hora para o nosso jantar, então decidi me arrumar.

Desci os degraus até o chão aberto, onde um dos crânios


derrapou no meu caminho. Parei com o pé e olhei para
Cerberus, que tinha as três cabeças no chão, mas sua cauda
estava no ar, balançando para frente e para trás como um
chicote mortal.

“Pronto, cara?” Chamei de brincadeira, e ele atacou no


lugar.

Tirei meu pé do crânio, coloquei meu dedo do pé


embaixo dele e o chutei para cima e para o outro lado da
sala. Ele ricocheteou no azulejo da parede, rachando-o no
processo, e estalou no chão. Cerberus foi atrás dele, suas
unhas deslizando contra o ladrilho até que ele conseguiu
segurá-lo, e atacou-o, sacudindo-o na boca antes de se
sentar para mastigar. Dei-lhe alguns arranhões em cada
cabeça antes de sair pela porta e descer o corredor para os
meus aposentos.

Dagon estava no meu quarto, arrumando. Seu corpo


estava coberto com pequenas escamas pretas brilhantes da
cabeça aos pés que refletiam a luz da sala, fazendo com que
tons de verde e azul brilhassem na superfície. A longa
barbatana preta que descia por suas costas ondulava com
seus movimentos. Seu corpo era uma verdadeira obra de
arte.

Ela geralmente aparecia e ajudava com a lavanderia e


outros enfeites, e hoje não foi diferente. Ela tinha acabado de
fazer minha cama, os lençóis de seda preta ainda quentes da
secadora. Havia uma cesta de muffins na cômoda. Ela
sempre deixava algum tipo de assado para mim. Sabia que
era uma paixão dela, e era uma que eu encorajava
fortemente.

Caminhei até a cesta e enfiei o nariz nela, inalando o


cheiro delicioso.

“Ruibarbo laranja-sangue.” Dagon gritou enquanto


pegava suas coisas e se dirigia para a porta. “Você vai amá-
los, é claro.” Ela assentiu com um sorriso e fechou a porta
atrás dela.

Peguei um muffin, joguei no ar, peguei e dei uma


mordida. O muffin em si estava úmido, e a laranja e o
ruibarbo combinavam perfeitamente.

Coloquei o muffin na ponta da minha cômoda e entrei


no meu armário. Tendo pensado no futuro desta vez, peguei
o mesmo terno que usara no primeiro jantar que tivemos
juntos. Amava esse terno. Era um terno personalizado
Valentino, então se encaixava perfeitamente. Combinei com
meu botão preto e gravata de seda preta, acrescentando o
lenço de seda como toque final.

Fiquei na frente do espelho e passei os dedos pelo meu


cabelo, garantindo que estivesse o mais arrumado possível.
Com um puxão final da minha jaqueta para garantir que
estava suave, estava fora da porta.
EVELYN
Ouvi a tão familiar batida de Asmodeus na minha porta
enquanto terminava de vestir um vestido. Eu tinha comprado
o vestido por capricho, em uma de minhas viagens à cidade
para mais um show de segurança. Lembro-me de estar na
rua, olhando para a vitrine de uma loja. O manequim estava
com um vestido fabuloso. Era um vestido longo de manga
curta, em um tom fúcsia discreto, com um decote canoa e
um zíper dourado enorme nas costas. Ele abraçava tudo, e
imediatamente soube que ficaria fabuloso em mim. Eu já
tinha sapatos pretos com botões dourados nas laterais. Era
como se fosse para ser. Assim que meu turno terminou,
atravessei a rua e me tratei.

Havia uma desvantagem. Precisava de alguém comigo


para fechar o maldito zíper. Asmodeus teria que ajudar.

“Me ajuda a fechar este vestido?” Virei as costas para ele


depois que abri a porta, e ele se aproximou e me ajudou a
sair.

“Esta é uma escolha fantástica, garota, vire!” Ele pegou


minha mão e a segurou sobre minha cabeça, gesticulando
com a mão livre para eu girar para ele. Eu fiz.

“Este vestido foi absolutamente feito para você!” Ele


cantou enquanto me olhava de cima a baixo. Ele piscou para
mim com um sorriso malicioso. “Você acertou em cheio,
boneca.”
Asmodeus pegou os cabides e outras bugigangas que
tinha jogado enquanto estava me preparando.

Ele continuou a falar enquanto arrumava. “Agora, eu sei


que ele está vindo para buscá-la, então vou estar fora de seu
cabelo. Honestamente, eu só queria parar para dar uma
olhada em você primeiro. Ia recomendar aquele vestido preto,
mas agora que vejo isso... Bem, vou voltar a cuidar da minha
vida.”

“Bem, obrigada!” Falei. “Ainda não tive oportunidade de


usá-lo, então parecia o momento certo.” Não conseguia tirar
esse sorriso estúpido do meu rosto. Se era assim que eu era
antes mesmo de sair da sala, como seria esse encontro?

Olhei para trás no meu armário, pensando no que


Asmodeus tinha acabado de dizer. “Você achou que o vestido
preto ficaria melhor?” Perguntei, me questionando.

“Nem um pouco, isso é perfeito.” Asmodeus parou para


olhar para mim por um momento antes de retomar sua
tarefa. “Além disso, você sabe que a cor favorita do nosso Rei
é preto. Não podemos ter um momento de quem vestiu
melhor acontecendo, podemos? Além disso, ao lado dele, você
se destacará ainda mais do que já faz.”

Ele piscou, colocando meu último cabide e indo em


direção à porta. Eu ainda estava ali, sorrindo como uma
idiota.

“Divirta-se, querida!” Asmodeus gritou enquanto saía da


sala, me deixando sozinha com as borboletas no estômago.

Andei pela sala várias vezes, sacudindo as mãos e


respirando fundo, e em alguns minutos, ouvi duas batidas
rápidas na porta. Ele estava aqui.
Quando abri a porta, imediatamente soube que
precisava de um momento para absorver a visão à minha
frente. Lúcifer estava ali, vestido de preto da cabeça aos pés,
com o mesmo terno perfeitamente cortado que usara em
nossa primeira refeição juntos. Ele estava com a cabeça
baixa e olhou para mim através de seus cílios escuros
quando a porta se abriu. Seus olhos ainda estavam
incrivelmente escuros, mas eles eram muito mais suaves do
que da primeira vez que o conheci, e senti como se pudesse
ver as profundezas de sua alma. Seu terno caiu
perfeitamente em seu corpo, provocando um físico perfeito
por baixo de tudo.

“Oi.” Sussurrei, ainda com admiração que este ser


incrivelmente perfeito era o meu encontro.

“Olá.” Ele respondeu, sua voz gentil. Ele me olhou de


cima a baixo, um olhar agradecido em seu rosto, e quando
terminou, seus olhos pousaram nos meus. “Você está linda.”
Ele sorriu calorosamente. “Devemos?”

Ele estendeu a mão e eu a peguei, esperando que ele me


levasse para o corredor. Em vez disso, a sala desapareceu ao
meu redor e, de repente, estávamos parados em uma calçada
da cidade, edifícios pairando sobre nós por todos os lados.
Meus olhos se arregalaram enquanto observava nosso
entorno e o que tinha acabado de acontecer.

“Onde estamos?” Perguntei.

“A melhor churrascaria da cidade de Nova York.” Lúcifer


pronunciou, e ele gesticulou para a porta na nossa frente.

Quando entramos, fiquei impressionada com a beleza da


decoração. As janelas do chão ao teto envolviam a lateral do
prédio, nos dando uma vista fenomenal do Rockefeller
Center. A guarnição de madeira escura e a varanda com
guarda-corpo ornamentado deram um ar sofisticado ao
espaço, e o bar se estendia ao longo de um lado, com muitos
lugares sentados. O lugar estava lotado. Estava me
perguntando como seria o tempo de espera, mas quase
imediatamente ao entrar, e sem uma única palavra de
Lúcifer, um cavalheiro se aproximou de nós.

“Senhor, é sempre um prazer. Me sigam por favor.” O


cavalheiro nos guiou para uma mesa de canto privada, onde
ele puxou minha cadeira para eu sentar enquanto Lúcifer se
sentava. Depois de nos entregar nossos menus, ele inclinou
a cabeça e foi embora.

“Vem aqui com frequência?” Disse com uma risada.

“Você está de brincadeira?” Lúcifer respondeu. “Este é


um sólido favorito meu. Nunca fico muito tempo entre as
visitas. Além disso, conheço o dono.”

“Oh, bons amigos, não é?” Toquei.

“Ehh, mais como parceiros de negócios.” Lúcifer


respondeu casualmente. “Como você acha que ele conseguiu
essa localização privilegiada?” Ele piscou para mim assim
que nossa garçonete apareceu.

“Boa tarde!” Ela disse alegremente. “Meu nome é Sarah,


e eu serei sua garçonete esta noite. Posso começar com algo
para beber?”

Lúcifer olhou para mim. “Vinho?” Ele perguntou.

“Parece perfeito.” Respondi enquanto olhava o menu.


Lúcifer conversou com a garçonete sobre a garrafa perfeita
enquanto eu tentava me concentrar em escolher um prato.
Foi um alívio agradável e me permitiu ter um momento para
organizar meus pensamentos. Ainda era tão surreal que
pudesse estar em lugares públicos com Lúcifer, e ainda
assim ninguém saberia. Também parecia loucura para mim
que estávamos sentados em um restaurante na cidade de
Nova York quando apenas alguns minutos atrás estava no
inferno. Então, novamente, ontem estava no Céu, então a
cidade de Nova York, em comparação, não deveria ser tão
impressionante.

Depois que a garçonete saiu, nós folheamos o menu


juntos em silêncio. Continuei lançando olhares furtivos para
ele, imaginando como seria seu cabelo entre meus dedos.

Quando o vinho chegou, a garçonete serviu um copo


para Lúcifer verificar, e depois que ele sinalizou sua
aprovação, ela encheu os copos antes de partir novamente.
Nós brindamos silenciosamente antes de tomarmos goles
simultaneamente. O vinho estava perfeito, uma mistura de
vermelho escuro, terroso com um toque de especiarias, e
senti que seria a combinação perfeita para o filé mignon que
estava de olho.

“Esta foi uma escolha perfeita para o vinho, a propósito.”


Sorri quando coloquei o copo de volta na mesa.

“É mesmo?” Lúcifer respondeu, suas sobrancelhas


levantadas ligeiramente em surpresa.

“Sim!” Imediatamente peguei meu copo de volta e tomei


outro gole mais pensativa. “Eu posso sentir o sabor da terra
e das especiarias, que combinaria perfeitamente com o bife,
mas ainda é neutro o suficiente para combinar com
praticamente qualquer coisa aqui.” Percorri o menu
novamente.

“Eu, uhh, acabei de escolher um que soou bem.” Ele


respondeu hesitante.
“Sério?” Agora foi a minha vez de me surpreender.

“Sério.” Lúcifer respondeu com um encolher de ombros.


“Não conheço vinhos assim. Sei que o vermelho é para
carnes e pratos mais pesados, e os brancos são para peixes e
pratos mais leves. Além disso, é claro, quanto mais cara a
garrafa, melhor deve ser o sabor… De modo geral, de
qualquer maneira.”

“Bem, é divertido para mim.” Disse, colocando o menu


de lado. “Adoro tentar descobrir quais são os sabores dos
vinhos, como os diferentes sabores combinam com diferentes
refeições… É incrível como uma refeição muda o sabor do
vinho.”

Lúcifer olhou para mim com as sobrancelhas


levantadas.

“Ok.” Ri. “Como este vinho. Qual é o seu gosto?”

Ele pegou seu copo e tomou um gole, mantendo os olhos


em mim o tempo todo.

“Eu gosto de vinho.” Ele riu e deu de ombros. “Posso ver


a parte da especiaria, no entanto.”

“Você não tem esperança!” Ri junto com ele, tomando


outro gole apreciativo.

Uma batida de silêncio rolou, nós dois sorrindo um para


o outro por cima dos óculos.

“Tenho que dizer, nunca esperei tudo isso.” Disse


calmamente.

“Por que não?” Lúcifer perguntou. Sua testa estava


ligeiramente franzida, e poderia dizer que ele não estava
esperando essa declaração.
“Bem, continuo pensando no último trabalho de
segurança que trabalhei.” Meditei. “Eles deveriam estar
fazendo uma invocação de demônios, e me lembro de pensar
que a coisa toda era ridícula. Então você apareceu e virou
meu mundo inteiro de cabeça para baixo.”

Lúcifer riu. “Sim, acho que sou bom nisso. Não tinha
ideia de que isso nos levaria até aqui, no entanto. Não que eu
esteja reclamando.”

“O mesmo aqui, imaginei que seria tudo tortura e


ameaças de morte até que você encontrasse sua resposta.”

Ele riu novamente. “Parece o meu MO.” Ele abaixou o


copo. “Você me jogou para um loop, no entanto. Eu nunca
esperei gostar de você.” Lúcifer deixou essa declaração pairar
no ar por um momento antes de continuar. “Agora que temos
as respostas, o que acha disso tudo? Como está se
sentindo?”

Fiz uma pausa por um momento. Lúcifer nunca tinha


me perguntado isso antes. Achei que era muito bom em fazer
meus sentimentos e opiniões conhecidos sem ser
perguntada, mas ainda assim apreciei a pergunta.

“É definitivamente esmagador.” Comecei. “E eu não


tenho certeza do que tudo isso significa. Então, sou parte
Nephilim? Eu deveria ser capaz de fazer outras coisas?
Tenho alguns outros poderes que não conheço? Ou a única
coisa legal que posso fazer é completamente inútil no dia-a-
dia da Terra? Quero dizer, é muito chato no que diz respeito
aos poderes. Prefiro ser capaz de me teletransportar, voar ou
ficar invisível...” Percebi que estava divagando, então cortei
meus pensamentos.

“Sim, bem, então você nunca teria me conhecido, e isso


não seria uma vergonha.” Disse ele com um sorriso.
“Lamento não ter respostas melhores para você. Você
realmente é única… Literalmente.” Lúcifer riu genuinamente
enquanto olhava nos meus olhos.

“Então, o que isso significa para você?” Perguntei. “Se


estar comigo significa que você pode se machucar ou morrer,
isso...” Estava nervosa para ouvir a resposta a esta pergunta,
mas estava pesando em minha mente por um tempo, então
pensei que poderia acabar logo com isso.

“Considerei isso.” Lúcifer meditou. “E você está certa.


Isso torna tudo muito arriscado... Mas ainda tenho meus
poderes, e sem Miguel por perto, realmente não preciso me
preocupar com ameaças externas. Tenho muitos inimigos no
Inferno, tenho certeza que você pode imaginar, mas
enquanto eles não souberem o que você pode fazer, eles
sempre terão muito medo de me desafiar, que é exatamente
como eu gosto. O risco… O risco vale a recompensa.” Ele
piscou para mim e pegou seu copo de vinho para outro gole.
Senti meu rosto corar. Quem sabia que o Diabo poderia ser
tão doce?

A garçonete voltou para anotar nossos pedidos de


comida e, com a expectativa de uma refeição deliciosa em
nosso futuro próximo, nos acomodamos em um silêncio
confortável por um tempo, tomando um gole ocasional de
vinho enquanto apreciamos o ambiente e nossa vista
deslumbrante.

“A propósito, não tive a chance de agradecer a você.”


Disse melancolicamente enquanto olhava para a multidão
que passava. “Pelo meu pai.”

Lúcifer sorriu calorosamente. “Estou feliz por ter


conseguido fazer isso acontecer para você. Gabriel disse que
se ofereceu para levá-la novamente no futuro também.”
“Sim!” Falei. “Isso foi incrivelmente generoso da parte
dele!”

“Como foi seu tempo com seu pai, a propósito?” Lúcifer


perguntou.

“Ah, foi incrível!” Só de pensar nisso trouxe um sorriso


enorme ao meu rosto. “Foi tão bom ver sua versão do Céu e
poder passar a tarde com ele assim, foi perfeito.”

“O que você fez?” Lúcifer perguntou.

“Tivemos um dia de tiros.” Respondi. “É algo que


costumávamos fazer todo fim de semana. Dia da véspera e do
papai, ele diria. Ele me ensinaria tudo o que sabia sobre
cada arma de fogo, e...” Minha mente voltou para essas
memórias. “Não era sobre as armas, sabe? Quer dizer,
aprendi muito, mas... Era principalmente sobre nós apenas
passarmos tempo juntos. Se eu pudesse escolher como
passaríamos o dia de ontem, seria exatamente isso que teria
escolhido. Foi perfeito.”

“Estou tão feliz que você foi capaz de fazer isso.” Disse
ele, ainda sorrindo. “Estou feliz por ter conseguido fazer isso
acontecer para você.”

“Eu também.” Respondi, olhando para ele agora.


“Obrigada.”

Como se fosse uma sugestão, nossa comida chegou.


Meu filé mignon parecia perfeito para revistas, e o lado das
couves de Bruxelas realmente tinha pedaços de bacon e
cebola. Minha boca encheu de água só de olhar para o meu
bife, e mergulhei direto, cortando no meio para encontrá-lo
cozido perfeitamente mal passado. Olhei para o prato de
Lúcifer. Ele tinha três pedaços menores de bife em seu prato,
acompanhados por um lado de aspargos.
“O que você pediu?” Perguntei, imediatamente me
arrependendo. Esperar por uma resposta atrasaria essa
primeira mordida deliciosa da minha própria comida.

“A degustação de Wagyu.” Ele respondeu casualmente.


“Três variedades diferentes de wagyu, três doses cada.”

‘Uau.” Olhei para o prato com admiração. “Isso parece


incrível. Bem, se eles forem tão bons quanto parecem, será
uma ótima refeição.”

“Sempre será aqui.” Ele respondeu com um sorriso


enquanto pegava seu garfo e faca. Ele acenou para o meu
prato. “Aproveite.”

Cortei um pedaço de filé lentamente, apreciando o cheiro


da carne perfeitamente cozida. Ela basicamente se dissolveu
na minha boca, e jurei voltar aqui sempre que pudesse.
LÚCIFER
Conversar com Evelyn com uma garrafa de vinho foi
uma experiência verdadeiramente diferente. Senti-me feliz e
em paz. Fazia tanto tempo desde que senti qualquer uma
dessas coisas, então parecia estranho para mim. Fiquei
esperando que o tapete fosse puxado debaixo de mim, mas
até agora, isso parecia estar indo bem. Pela primeira vez em
anos, me encontrei relaxando e esquecendo por um momento
que era o Rei do Inferno.

Ela estava absolutamente deslumbrante esta noite. Seu


vestido rosa abraçava suas curvas perfeitamente, e seus
olhos não paravam de me atrair. Eu me peguei querendo
tocá-la, colocar seu cabelo para trás, acariciar seu rosto,
seguir as curvas de seu corpo. Adorava ouvir a voz dela
enquanto ela falava, enquanto entusiasmo e admiração
genuínos fluíam através de suas histórias.

Não saberia dizer qual era o gosto da minha refeição.


Inferno, estava apenas vagamente ciente do que tinha
pedido. Nada disso importava. Quando terminamos a
refeição e estávamos prontos para sair, Evelyn parou e olhou
para mim.

“Para onde agora?” Ela perguntou com um sorriso


aventureiro no rosto.
“Bem, estamos no coração da cidade de Nova York.” Fiz
um gesto para as janelas enormes que revelavam o
Rockefeller Center. “Podemos ir a qualquer lugar.”

“Adoraria passear e ver os pontos turísticos um pouco.”


Evelyn respondeu, olhando para a multidão de pessoas que
passavam.

Sem dizer uma palavra, estendi minha mão para ela. Ela
pareceu um pouco surpresa, mas pegou minha mão e a levei
para a rua movimentada do lado de fora do restaurante.

Caminhamos pelo Rockefeller Center, a cabeça de


Evelyn girando em todas as direções.

“Espere...” Ela disse, parando. “É onde costuma ficar a


pista de gelo e a árvore? Reconheço a estátua de ouro.”

Coloquei minha mão em sua cintura, guiando-a para o


lado e fora do caminho dos passageiros em ritmo acelerado.
Ouvi um cara murmurar alguns palavrões sobre turistas
ignorantes enquanto ele tropeçava tentando passar por nós.

“Esse é Prometheus.” Respondi, gesticulando em direção


à estátua. “E sim, é isso. Todas aquelas fotos. Você está de
pé nele.”

“Tão legal!” Ela exclamou, absorvendo tudo. Eu estava


simplesmente olhando para ela, feliz por ter sido capaz de lhe
dar isso.

A música começou a tocar ao longe, e vi seus ouvidos se


animarem. Ela olhou para mim, uma pergunta dançando
atrás de seus olhos.

“Quer conferir?” Perguntei, já sabendo a resposta.


“Vamos fazer isso!” Ela exclamou com um sorriso
malicioso, e nós fomos na direção da música.

Caminhamos em silêncio, de mãos dadas, nossos


ouvidos nos guiando na direção certa. Quando finalmente
localizamos a fonte da música, era um pequeno grupo de
artistas de rua com uma grande multidão ao redor deles.

“Sempre tive um fraquinho por jazz.” Exclamou Evelyn,


interrompeu espiando por cima dos ombros para dar uma
olhada melhor.

Um membro da banda estava terminando seu solo de


saxofone sob uma salva de palmas, e a banda voltou ao
ritmo. Passei por Evelyn, deslizando minha mão na dela
enquanto ia, puxando-a para a clareira entre a banda e a
multidão.

“O que você está fazendo?” Ela riu quando a girei em um


círculo e a puxei para perto.

“No meu tempo, nós chamávamos isso de dançar.”


Murmurei em seu ouvido enquanto balançamos com a
música.

“No seu tempo, hein?” Ela brincou, e então relaxou em


meus braços e deixou a música guiar nossos movimentos.

Parecia que esse era todo o convite que a multidão


precisava, e vários casais se juntaram a nós em nossa pista
de dança improvisada. Apesar da multidão, parecia que
Evelyn e eu éramos os únicos ali, uma bolha protetora nos
isolando do resto do mundo. Experimentei muito no meu
tempo, mas este único momento, isso parecia certo.

A música terminou, e a multidão irrompeu em aplausos.


Evelyn se afastou apenas o suficiente para que ela pudesse
olhar nos meus olhos. Sua mão estava atrás do meu
pescoço, e foi para o meu cabelo. Senti um arrepio na
espinha quando ela se aproximou. Eu a puxei pela cintura
para fechar a lacuna, meus lábios roçando os dela enquanto
o resto do mundo parecia derreter. Quando me afastei, seus
olhos permaneceram fechados por mais um ou dois
segundos.

Ela abriu os olhos lentamente e sorriu. “Acho que já vi o


suficiente de Nova York por uma noite.” Disse ela com voz
rouca. “Para onde agora?”

“Bem...” Disse, com um sorriso crescendo em meu rosto,


“Meu bar está sempre cheio, mas nunca tive a oportunidade
de sentar e conversar com ninguém nele. Na verdade, acabei
de mandar Abbadon carregar alguns bancos de bar para
mim. Você gostaria de ser minha primeira convidada?”

“Isso soa perfeito.” Disse ela, seu sorriso ficando mais


amplo.

“Bem, então vamos.” Anunciei, e estendi a mão para


colocar o cabelo dela atrás da orelha, mantendo contato para
nos transportar de volta para o Inferno naquela posição.

De volta à minha sala do trono, notei que Cerberus


havia sido levado para seu pátio de jogos como havia
solicitado, liberando a sala para nós dois. Terminei de
prender o cabelo de Evelyn para trás antes de puxar o banco
do bar mais próximo para ela se sentar.

Andei atrás do bar e respirei fundo. Esta era uma nova


posição para mim, onde estava servindo a alguém em vez de
ser servido.

“Bem, isso é diferente.” Disse em voz alta. “O que você


gostaria?”
“Adoraria ficar com o vinho, se você não se importar.”
Disse Evelyn.

“Vinho, então.” Fui até a adega de vinho, peguei uma


garrafa de cabernet e peguei duas taças de vinho no caminho
de volta para onde Evelyn estava esperando pacientemente.
Eu me perguntei se ela também me ensinaria os sabores
desta garrafa.

“Definitivamente sou fã de suas enormes taças de vinho,


a propósito.” Ela disse, falando casualmente. Poderia dizer
pelo tom de sua voz que ela estava confortável aqui.

“Elas são enganosamente grandes.” Disse. “Antes que


você perceba, você bebe metade de uma garrafa sem nem
tentar.”

Servi um copo para cada um e deslizei o dela para ela.

“Aproveite.” Disse enquanto nossos copos tilintavam.

Dei a volta no bar para me sentar ao lado dela,


decididamente mais perto do que pretendia originalmente,
mas decidi ficar onde estava. Ela não se intimidou, e ficamos
sentados em um silêncio confortável por alguns momentos,
apreciando o sabor do vinho.

“Eu gosto de cerejas.” Provoquei, esperando que


estivesse pelo menos perto.

“Sim, e baunilha!” Ela disse animadamente. “Isso é um


Cabernet Sauvignon?”

Peguei a garrafa para verificar novamente. “Sim.”


Respondi com um sorriso. “Você é boa, vou te dar isso.”
Evelyn riu. “Então, tenho uma pergunta que está me
incomodando há um tempo.” Ela cruzou as pernas, roçando
as minhas enquanto fazia isso.

“Vá em frente.” Insisti, uma sobrancelha levantada.

“O que acontece com demônios e anjos quando eles


morrem?” Ela disse, e antes que eu pudesse dizer uma
palavra, ela simplesmente continuou. “E as almas humanas?
Se você levar um tiro, o que acontece com você? Quero dizer,
obviamente, Céu e Inferno estão fora da equação.”

Ri alto. “Evelyn.” Disse, e notei que seus olhos


suavizaram quando disse seu nome, “Eu fiz a mesma
pergunta. Não me levou a lugar nenhum.”

“O que você quer dizer?” Ela perguntou incrédula.

“Bem...” Disse, mudando minha posição para que


pudesse me inclinar um pouco mais perto dela. “Você
provavelmente já se perguntou o que acontece com você
quando morre, pelo menos antes de me conhecer, correto?”

“Claro.” Evelyn respondeu.

“Ninguém recebe uma resposta direta.” Continuei. “Você


sabe disso. Bem, aparentemente, as mesmas regras se
aplicam a nós. Eu fiz essa pergunta exata a Deus.”

“Espere... Deus é real?” Os olhos de Evelyn se


arregalaram por um segundo antes de retomar seu estado
anterior. “Quero dizer, é claro, Deus é real, por que ele não
seria, se todos vocês são reais. Acho que não tinha pensado
muito nisso.”

“Sim, ele é definitivamente real.” Sorri. “Papai e eu não


nos damos bem há algum tempo, mas fiz essa pergunta a ele
em um ponto.”
“O que ele disse?” Evelyn perguntou, movendo-se para
frente em seu assento em antecipação.

Limpei a garganta, me preparando para causar a melhor


impressão de papai que pudesse. “Ahh, Lúcifer, essa é a
questão.” Disse com uma voz profunda e pretensiosa.

Ela ficou em silêncio por um momento, e sabia que ela


estava esperando o resto da resposta. Quando não veio, seus
olhos se arregalaram.

“Espere, é isso?!” Ela exclamou. “Não pode ser isso.”

“Praticamente.” Respondi. “Perguntei a ele em outra


ocasião, e ele disse que todas as respostas serão reveladas
quando for a hora deles. É tudo muito frustrantemente
enigmático.”

“Isso é muito decepcionante.” Disse ela, rindo. “Que


decepção!”

“Eu sei!” Exclamei. Nós dois começamos a rir, nossos


copos de vinho esquecidos no bar.

Quando nossas risadas diminuíram, a mão de Evelyn


pousou no meu joelho. Nesse ponto, parecia que a sala ficou
incrivelmente quieta, e isso era tudo em que conseguia me
concentrar. Olhei em seus olhos e vi a mesma paixão que
estava sentindo refletida em mim, e sabia que estávamos
pensando a mesma coisa.
EVELYN
Em todas as suas feições, os olhos de Lúcifer foram a
primeira coisa que notei. Lembrei daquele primeiro dia e
lembrei de sentir como se estivesse olhando para o poço
escuro de sua alma.

Agora, aqui estava eu, sob circunstâncias totalmente


diferentes, muito mais perto de mergulhar. Me senti
instintivamente inclinar para ele. Podia sentir a energia
vibrando entre nós, e com base no olhar em seus olhos,
sabia que ele podia sentir isso também.

Estava ciente da forma como o tecido de sua calça


parecia sob meus dedos, a única camada entre mim e sua
pele nua. Deslizei minha mão para cima enquanto me
inclinei para mais perto.

“Você não tem medo do que estar comigo significaria


para você?” Perguntei suavemente.

“Não é a coisa mais urgente em minha mente


atualmente.” Lúcifer murmurou, um leve rosnado em sua voz
quando ele se aproximou de mim e levantou a mão para
minha bochecha.

Ele se inclinou, me puxou para mais perto e pressionou


seus lábios contra os meus. Senti um choque correr por
mim, cada célula eletrificada naquele momento. Permiti-me
escorregar da banqueta e dei os dois passos necessários para
me aproximar dele, para que pudesse sentir nossos corpos
pressionados um contra o outro. Suas mãos deslizaram até
minha cintura, segurando-a lá, e então me puxando de volta
suavemente. O beijo terminou, e olhei para ele
interrogativamente, sem saber por que ele puxou a agulha do
disco.

“Venha comigo.” Disse ele, sua voz ainda rouca. Ele


pegou minha mão e me guiou para fora da sala e para o
corredor. Caminhamos de mãos dadas em silêncio no início
até que meu juízo voltou para mim.

“Para onde você está me levando?” Perguntei, um pouco


surpresa com a mudança repentina de cenário.

Lúcifer limpou a garganta. “Em algum lugar da minha


mente, imaginei nosso tempo no bar demorando um pouco
mais do que demorou.”

Ele parou e se virou para mim. “Não quero arriscar


nenhuma... Interrupção.” Ele então continuou andando, me
seguindo alguns passos atrás dele, e seus olhos
permaneceram nos meus por mais um momento.

Chegamos a uma porta preta brilhante, e ele agarrou a


maçaneta com a mão livre, abrindo-a enquanto me puxava
para perto com a mão que estava segurando a minha. Caí
nele e caímos no quarto, enquanto ele chutava a porta atrás
de nós com o pé. Não pude deixar de rir com essa façanha de
um filme de romance que ele acabou de fazer. Nós
esbarramos em seu sofá de couro, e então ele me empurrou
para trás, me guiando para seu quarto.

O quarto do diabo não é algo que sempre surgiu como


um tópico nas aulas de religião, mas se tivesse que
adivinhar, teria acertado. O sofá preto, lençóis de cetim
preto, roupas escuras no armário, decoração minimalista,
até mesmo os muffins com o vermelho... Espero que frutas...
Neles, tudo não me surpreendeu. Mal notei os detalhes. Até
minha pergunta não dita sobre o muffin desapareceu no
pano de fundo da minha mente quando Lúcifer me empurrou
para sua cama.

Enquanto ele desabotoava apressadamente o paletó e o


arrancava, tive um momento fora do corpo. Estava realmente
indo por esse caminho com o Rei do Inferno? Olhei em seus
olhos e vi um flash de fogo quando ele flexionou seus
músculos e olhou para mim. As luzes piscaram, e suas
enormes e brilhantes asas negras se abriram e pairaram
sobre nós como um dossel, enquanto ele se inclinou e se
apoiou com um braço de cada lado de mim. De repente,
percebi que estava muito acima da minha cabeça, mas já
havia chegado ao ponto sem retorno. Respirei fundo e o
agarrei pela gravata, puxando-o para baixo em cima de mim.

Senti o peso de seu peito no meu enquanto passei meus


braços ao redor dele, correndo minhas mãos pelos músculos
ondulantes de suas costas. Suas asas vinham de suas
omoplatas, e as penas sedosas pareciam frias em contraste
com o calor que emanava de seu corpo. Seus lábios
pressionaram contra os meus e sua mão correu pelo meu
lado, subindo pela borda do meu vestido e deslizando por
toda a minha coxa. Meu pulso acelerou, e minha respiração
ficou presa. Corri meus dedos atrás de sua cabeça,
agarrando seu cabelo na minha mão, puxando-o bem. As
sensações correndo pelo meu corpo fizeram minhas costas
arquearem, e respirei fundo, me acalmando apenas o
suficiente para começar a arrancar sua gravata.

Então, furiosamente, fui trabalhar nos botões de sua


camisa, descendo até a cintura. Agarrei a fivela do cinto,
puxando seus quadris para mais perto enquanto corria
minha mão livre pelo seu peito incrivelmente musculoso.
Passei minha mão ao redor de seu pescoço e de volta através
de seu cabelo, que era exatamente tão macio quanto
imaginava que seria. Usei essa alavanca para puxá-lo para
mais perto de mim, mas ele pegou sua mão livre, agarrou
meu pulso e puxou-o para baixo, prendendo meu braço
acima da minha cabeça. Com a outra mão ainda na minha
saia, optei por soltar o cinto com uma mão, e com uma
pequena ajuda dele, em segundos, ele estava dentro de mim
e me tirando o fôlego.

Parecia que nada existia no mundo fora do pequeno


casulo criado por suas asas, e todas as minhas terminações
nervosas estavam formigando. Lúcifer me olhou nos olhos
enquanto se empurrava para frente, me fazendo gritar.

“Oh Deus!” Gritei.

Suas asas se dobraram instantaneamente, e ele saiu, se


apoiando sobre mim na cama. Ele me olhou com desdém.

“Você poderia, tipo, não trazer meu pai para isso?” Ele
perguntou.

“Uhh...” Disse inteligentemente. Fale sobre novas


experiências de aprendizado. “Eu sinto Muito? Farei o meu
melhor.”

Os olhos de Lúcifer escureceram.

“Prometo que nunca mais vai acontecer. Volte para mim,


por favor.” Me apoiei com um braço, passando o outro atrás
de seu pescoço para me trazer mais perto de seu rosto.
Lentamente, suas asas se abriram enquanto eu beijava seu
pescoço e sua clavícula, facilitando-o de volta para a cama
enquanto eu ia.
Não tinha noção de tempo, mas depois ele desabou em
cima de mim, e me senti completamente relaxada e
totalmente viva ao mesmo tempo. Definitivamente não
confiava em minhas pernas para me sustentar, então fiquei
ali na cama dele. Ele respirou no meu pescoço, beijando seu
caminho até o meu rosto, seus olhos mais suaves e gentis do
que já tinha visto. Ele me beijou com firmeza nos lábios e,
em seguida, desabou sobre um lado de mim, envolvendo um
braço em volta da minha cintura e chutando o lençol sobre
nós. Sabia que levaria um tempo para adormecer, mas
estava bem com isso, enquanto eu deitava lá absorvendo a
noite inteira, e observando a luz fraca refletir em suas penas
pretas brilhantes.
LÚCIFER
Acordei com a sensação do corpo nu de Evelyn
pressionado contra o meu. Ela estava dormindo
profundamente, seus cachos espalhados ao acaso pelo
travesseiro, um leve sorriso em seu rosto. Fiquei nessa
posição por um tempo, inalando o cheiro de coco de seu
cabelo, apreciando o calor de seu corpo sob os lençóis frios.

A noite passada foi incrivelmente gratificante em muitos


níveis. Sabia sem sombra de dúvida que queria estar com
Evelyn. Comecei a me perguntar como isso seria na prática.
Tinha certeza que ela queria voltar para casa, e sabia que o
Inferno não era seu lugar favorito. Sabendo que uma
discussão séria espreitava ao virar da esquina, queria ficar
nessa pequena bolha de perfeição por um pouco mais de
tempo.

Evelyn se mexeu, se aproximando, e passei meus braços


ao redor dela, dando boas-vindas à sua proximidade. Ela
rolou para olhar nos meus olhos.

“Bom dia.” Ela murmurou, sua voz ainda coberta de


sono.

“Bom dia.” Respondi com um sorriso. “Como você


dormiu?”

“Como um bebê.” Ela riu. Ela olhou para mim com um


leve sorriso. “Você?”
“Nunca estive melhor.” Inclinei para beijá-la na testa.
“Vou pedir para Asmodeus trazer suas coisas de volta para
casa.”

Evelyn se apoiou nos cotovelos e olhou para mim,


segurando o lençol sobre o peito com um braço.

“Por quê?” Ela perguntou desconfiada, suas


sobrancelhas levemente franzidas.

Sorri. “Não é o que você pensa.” Disse. “Eu sei que você
está tirando o melhor de uma situação ruim aqui, e agora
que sabemos a verdade, percebo que não há necessidade de
você ficar. Quer dizer, a menos que queira ficar, mas sei que
não gosta daqui. Evitei dizer qualquer coisa porque, para ser
honesto, não queria que você fosse embora. Você merece sua
liberdade de ir para casa, no entanto.”

Ela ficou pensativa por um momento antes de


responder. “E se eu não quiser ir?” Ela perguntou, tão baixo
que era quase um sussurro. Ela parecia uma pessoa
diferente neste momento, tímida e hesitante em cruzar a
fronteira que a pergunta ameaçava cruzar.

Estava tão convencido de que ela iria querer ir embora


que não tinha previsto essa pergunta.

“Você... Você não quer ir?” Esclareci, olhando para ela.

“Não.” Ela disse suavemente, seu tom sugerindo que


deveria ter sido óbvio para mim. “Não, eu... Bem, por mais
sentimental que pareça, eu quero estar aqui. Com você.”

Congelei por um momento, processando o que ela tinha


acabado de dizer. Não senti que tinha uma resposta
apropriada para isso, então, em vez disso, simplesmente
envolvi meu braço em volta da cintura dela e a puxei para
mim, prendendo meus lábios nos dela.

Quando ela se levantou para olhar para mim, ela estava


sorrindo.

“Por favor, não leve a mal.” Ela disse, sua voz mais forte
e soando muito mais como a Evelyn que estava acostumado.
“Não quero prolongar minhas boas-vindas. Só estou dizendo
que me senti confortável aqui, só isso. Eu gosto daqui.”

Sorri para ela. “Você pode ficar aqui pelo tempo que
quiser. Na verdade, eu adoraria se você fizesse. Eu, umm...”
Coloquei uma mecha de seu cabelo atrás da orelha e vi seu
sorriso crescer. “Acho que estamos apenas começando aqui.”

“Eu concordo.” Ela respondeu, e se aproximou,


descansando a cabeça no meu peito.

Ficamos ali por um tempo, aproveitando a perfeição


desse momento até que ouvi seu estômago roncar. Sorri.

“Estamos com fome?” Perguntei.

“Morrendo de fome!” Ouvi-a proclamar debaixo do meu


queixo.

“Por que você não se veste, e vou encontrá-la na sala de


jantar em, digamos, trinta minutos?” Não queria que ela
fosse embora, mas sabia que nossa manhã tranquila teria
que acabar, eventualmente.

“Parece perfeito.” Evelyn respondeu enquanto deslizava


para fora do meu peito e para a beirada da cama.

Eu a observei enquanto ela refazia nossos passos de


ontem à noite, recolhendo seus pertences e se vestindo. Ela
realmente era linda. Recordei a sensação de sua pele macia
sob meus dedos calejados e o calor de seu corpo contra o
meu. Silenciosamente, desejei que ela voltasse para a cama,
mas ela já estava na porta.

“Trinta minutos.” Ela gritou. “Não se atrase.”

Depois que ela saiu pela porta, desabei de volta na


cama, minha cabeça girando com os eventos da noite
passada. Rolei para o meu lado e percebi que minha fronha
ainda cheirava a coco.

Levantei e vesti uma calça jeans e uma camiseta azul


escura. Por mais que adorasse meu terno, ele tendia a ficar
desconfortável depois de um tempo, e dei boas-vindas ao
tecido arejado da minha camisa. Corri meus dedos pelo meu
cabelo no caminho para fora da porta e quase colidi direto
com Lilith quando entrei no corredor.

“Uau!” Ela gritou, apenas salvando sua caneca de café


de uma queda devastadora no chão.

“Sinto muito!” Falei, parado ali impotente enquanto ela


recuperava o controle sobre a caneca. “Desculpe. Minha
cabeça está na minha bunda agora.”

“Ooh, há uma boa ideia para a lista de tortura.” Seus


olhos se iluminaram como uma criança na manhã de Natal.

Sorri. “Não se esqueça de me convidar. Eu preciso ver


isso.”

“Feito.” Ela respondeu antes de mudar o tom.

“Então?” Lilith cantou. “Como foi a última noite?”

Sorri. “Foi perfeita.”

“Ooh.” Ela gritou. “Diga!”


“Não.” Insisti. “Isso é entre ela e eu.”

Lilith fez beicinho. “Ok, em primeiro lugar, isso é uma


porcaria, preciso saber, eu encorajei isso, então minha
recompensa deve ser os detalhes, certo? Em segundo lugar,
sei que você não beija e conta. Assim! Seu silêncio me diz
tudo o que preciso saber.”

Lilith tinha um sorriso malicioso no rosto. Tive que


entregá-lo a ela. Ela era boa.

“Tudo bem, então você me entendeu.” Joguei minhas


mãos para cima em falso aborrecimento. “Ainda não estou
falando, no entanto.” Enfiei as mãos nos bolsos e comecei a
vagar pelo corredor em direção à sala de jantar.

“Boo.” Ela respondeu enquanto ela andava atrás de


mim. “Tenho certeza de que você está indo para o café da
manhã, eu vou conversar com você mais tarde para falar de
negócios, certo?”

“Parece um plano.” Concordei quando ela virou uma


esquina fora de vista.

Entrei na sala de jantar vazia e caminhei até a área da


cozinha, onde alguns dos meus demônios da cozinha já
estavam começando sua preparação matinal. Dagon também
estava lá, no canto de trás terminando um novo lote de
muffins.

“Muffins de chocolate, Comida do Inferno!” Ela gritou de


seu canto.

“Bonitinho!” Chamei de volta.

“Prepare duas refeições para daqui vinte minutos.” Disse


ao cozinheiro antes de voltar para a sala de jantar. Sentei na
minha cadeira e me servi de uma xícara de café.
Evelyn entrou depois de alguns goles, parecendo fresca e
muito mais acordada do que eu me sentia. Seu jeans e
camiseta branca combinavam com a vibe confortável que
estava procurando esta manhã. Ela puxou sua cadeira ao
meu lado e imediatamente mergulhou na preparação do café.

“O que tem para o café da manhã?” Ela perguntou.

“Não faço ideia, é uma surpresa hoje.” Respondi,


sorrindo para ela.

Evelyn tomou alguns pequenos goles de seu café.


“Excitante.” Ela disse sobre o vapor saindo de sua caneca.

Ela pousou a caneca e se virou para mim.

“Então, tenho que dizer, as asas me derrubaram um


pouco na noite passada.” Disse ela com uma risada. “Quero
dizer, não tinha ideia do que eu deveria fazer com elas.”

Comecei a rir. “Quero dizer, nada realmente, são apenas


asas.”

“Apenas asas?” Ela começou a rir mais agora. “Sério?


Sua envergadura é do tamanho de uma casa. O que devo
fazer, apenas ignorá-las?”

“Bem, você sabe o que dizem sobre um homem com uma


grande envergadura.” Disse com uma piscadela.

“Oh sim?” Ela disse, o tom sarcástico de volta em sua


voz. “O que é seria?”

Sorri de barriga cheia. “Não sei, mais penas?”

Nós dois rimos juntos, e então Evelyn se virou para


mim.
“Você disse antes que estamos apenas começando.”
Disse ela.

“Sim?” Esperei ela terminar.

“O que isso significa, exatamente?” As mãos de Evelyn


estavam em volta de sua caneca de café com força, e eu
podia ver a tensão em seu aperto.

“Acho que você sabe o que isso significa.” Provoquei.


“Não quero que isso seja uma coisa de uma noite apenas.
Além disso, você não quer continuar revivendo a noite
passada? Porque ainda não consigo recuperar o fôlego.”

“Não é isso não. Quero dizer, sim, eu adoraria continuar


revivendo isso, mas estava me referindo mais a você ser
imortal e tudo mais. Quero dizer, não só você vai sobreviver a
mim, mas você vai ficar com esta aparência.” Evelyn
gesticulou para mim enquanto ela me olhava de cima a
baixo, “Enquanto eu envelheço e enrugo. Então, qual é a sua
resposta para isso?”

“Então, aqui está a coisa...” Respondi com cuidado.


“Você não envelhecerá enquanto estiver no Inferno.”

“Mesmo?” Evelyn perguntou com uma sobrancelha


levantada.

“Sim.” Balancei a cabeça. “Quero dizer, Lilith também


não está morta.” Dei de ombros. “Então, considere isso uma
vantagem, eu suponho.”

“Interessante...” Evelyn meditou.

Nosso café da manhã saiu e nós comemos em silêncio


por um tempo, apreciando a companhia um do outro.
Quando tínhamos praticamente limpado nossos pratos, olhei
para Evelyn. “Então, você vai ficar?”
“Sim, eu vou ficar.” Ela disse com um sorriso. “Embora
você tenha que me mostrar como sair deste lugar sozinha, eu
preciso fazer compras de vez em quando.”

Sorri. “Certamente posso fazer isso por você. Venha, eu


vou levá-la de volta ao seu quarto.”

Evelyn e eu caminhamos em um silêncio confortável de


volta ao quarto dela. Quando chegamos à sua porta, estendi
a mão, peguei sua mão e a puxei para mim. Ela olhou nos
meus olhos com um sorriso no rosto.

“O quê?” Perguntei, segurando-a perto e olhando para


ela.

“Você é diferente do que pensei que seria.” Disse ela.

“Sim, não conte a ninguém, no entanto.” Sorri.

“Sem promessas.” Ela riu, envolvendo os dois braços em


volta do meu pescoço e me puxando para um beijo.

Eu soube então que o Inferno nunca mais seria o


mesmo.

FIM

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