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Diabo

A Família da Máfia DiFiore 02


Joel Abernathy

Valentine

Estou trancado em uma gaiola dourada, e o Diabo tem a chave.

Malcolm Whitlock, o funcionário mais corrupto da cidade. O homem


que eles chamam de Diabo, porque quando você faz um acordo com ele, é
garantido que você perderá. Sua riqueza. Sua vida. Talvez até sua alma.

E esse respeitável psicopata, palavras dele, não minhas é o homem que


chamo de cunhado. Porque eu sou apenas aquele com a marca particular de
azar.

Quando um demônio do passado de Malcolm mata meu melhor amigo,


a vingança é a força que nos une. A obsessão é a força que me puxa sob seu
controle absoluto.

Veja, uma vez que você está nas garras do diabo, não há como voltar
atrás. E a parte mais distorcida?

Estou perdendo de vista porque eu queria em primeiro lugar.

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Malcolm

Ele é a única coisa que sempre esteve fora dos limites para mim. É por
isso que vou destruir o submundo para torná-lo meu.

Valentine é a presa errada por uma infinidade de razões, e no topo dessa


lista está o fato de que ele é um DiFiore. Ele é ingênuo, imprudente e bonito
demais para seu próprio bem. Ele é um médico que mal consegue suportar a
visão de sangue. É um maldito milagre que ele tenha aguentado a faculdade
de medicina, quanto mais sobreviver tanto tempo em um mundo tão cruel e
depravado como o nosso.

Ele também é hétero. Apenas no caso de haver mais uma razão para eu
não o querer.

Quando o monstro que matou o único homem que eu realmente amei


volta dos mortos e Valentine acaba em sua mira, cabe a mim manter esse
lindo idiota vivo. Eu não posso fazer nenhuma promessa por sua inocência,
no entanto. Não quando ele olha para mim com aqueles olhos desafiadores
cor de mel, apenas me desafiando a fazê-lo meu.

Minha testemunha-chave. Meu prisioneiro. Meu menino.

Porque, como Valentine está prestes a descobrir, sou o tipo de homem


que sempre consegue o que quer. Só não tenho certeza se algum de nós está
pronto para pagar o custo.

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A Família da Máfia DiFiore

1 – Fantasma
2 - Diabo

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Capítulo 1
Valentine

— Nós temos outro, DiFiore. Esteja pronto para encontrá-los na área de


ambulância. — Chris, meu supervisor, chamou do outro lado do pronto-
socorro. Ele era o médico que supervisionava meu primeiro ano de residência,
e também o anticristo, eu tinha certeza. Cerca de noventa e três por cento de
certeza, mais ou menos.

— Sim, eu entendi. — Eu murmurei. Eu estava com meus olhos em


pacientes esta noite, e a última coisa que eu precisava era de outro.

— Bom. — Disse Chris. — E não se esqueça, eu preciso do seu relatório


na minha mesa até o final da noite.

— Sim, sim, estou indo. — Eu disse enquanto esfregava rapidamente na


pia e colocava um novo par de luvas estéreis. Era lua cheia, então não havia
como saber o que estava chegando naquela maca. No mês passado, tratei um
garoto com uma fratura exposta, um cara que estava convencido de que era
sobrinho da rainha da Inglaterra e um irmão de fraternidade que
―acidentalmente‖ sentou em uma garrafa de refrigerante, tudo em poucos
segundos. Verdadeiramente o que eu tinha em mente quando me inscrevi
para a faculdade de medicina. Foi ótimo saber que você encontrou um
chamado.

Corri pelo corredor até o compartimento da ambulância, onde a maca já


estava sendo descarregada pelos paramédicos.

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— O que temos? — Eu perguntei quando o primeiro paramédico saiu da
ambulância.

— Homem de vinte e oito anos, ferimento de bala no peito, perda de


consciência e sangramento toracoabdominal e proximal grave. — Respondeu
ele, passando-me a prancheta com sua anotação. — Nós o encontramos em
um beco na Mulberry Street. Alguém ouviu tiros cerca de dez minutos atrás e
chamou, mas ele perdeu muito sangue.

Bem, essa era uma maneira de começar a noite.

— Tipo sanguíneo?

— Não faço ideia. Além de tentar me cortar com um canivete quando


aparecemos pela primeira vez, ele esteve inconsciente a maior parte do
tempo. Eu só sei a idade dele pela carteira de habilitação. — Ele respondeu. —
Ele é todo seu.

— Puxa, Andy, você me mima. — Eu disse secamente. Andrew me


ignorou sem entusiasmo e desapareceu, mas a visão do paciente na maca
deixou minha mente em branco por um segundo ou dois.

— Robbie?

Anna, a enfermeira designada para tomar conta dos residentes, me deu


uma olhada enquanto pegava o corrimão do outro lado da maca e levamos a
vítima para a enfermaria.

— Você conhece esse cara, Dr. DiFiore?

Abri a boca para responder, mas hesitei por um momento. Aprender a


fazer uma pausa antes de falar tinha sido uma habilidade conquistada com

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muito esforço, mas era necessário se eu quisesse manter meu emprego diário
enquanto mantinha os negócios da família menos que legítimos em seu
compartimento adequado. Ou sobreviver, aliás.

— Sim. — Eu finalmente disse, já que eu sabia que o radar de merda de


Anna era inigualável, e ela era meio assustadora quando estava brava. — Nós
crescemos juntos.

Isso foi um eufemismo. Nós crescemos juntos, fomos para a escola


juntos, brigamos juntos. Éramos o tipo de amigos que nunca precisavam dizer
nada porque sempre sabíamos o que o outro estava pensando. Nossas vidas
adultas tinham sido tão diferentes que nos separamos lentamente. Eu deveria
saber que ele estava com problemas quando eu não tinha visto ou ouvido falar
dele em mais de um ano, mas tanta coisa aconteceu ultimamente que um ano
poderia muito bem ter sido um mês. Desde que meu irmão mais velho, Enzo,
se envolveu romanticamente com nosso agente, culminando com a morte de
nosso pai e o colapso do único normal que eu conhecia, tudo e todos ficaram
em segundo plano.

Inferno, eu mal consegui passar os últimos dois anos da faculdade de


medicina sem perder a cabeça, e era principalmente o fato de que eu
precisava desesperadamente de uma distração que me fazia continuar.

— Eu preciso de O-negativo no pronto-socorro, agora. — Eu gritei para


o técnico que ainda estava circulando do lado de fora da sala de trauma,
dando um CNA. — E uma radiografia de tórax.

Ele estremeceu e se afastou das portas.

— Entendi, Doc. — Ele respondeu, antes de desaparecer pela porta.

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— Eu já chamei o Dr. Adams. O que você precisa? — Anna perguntou
calmamente, enquanto ela iniciava um intravenosa e começava a preparar
Rob para uma cirurgia de emergência. Os paramédicos já haviam aberto sua
camisa, uma camisa branca que agora estava manchada de vermelho com seu
sangue.

— Dez miligramas de ácido tranexâmico1. — Respondi, forçando-me a


entorpecer tudo, menos a tarefa em mãos. — Precisamos parar o sangramento
e estabilizá-lo.

A equipe de preparação começou a trabalhar enquanto ela terminava de


configurar o IV, e eu fiz o meu melhor para estabilizá-lo, o tempo todo
xingando Chris, onde quer que ele estivesse.

Eu estremeci quando os olhos de Rob se abriram e sua mão disparou,


agarrando meu pulso. Ele era muito mais forte do que alguém que tinha
perdido tanto sangue tinha o direito de ser, e quando eu vi o olhar
enlouquecido e meio perdido em seus olhos, eu não tinha certeza se ele estava
consciente em qualquer sentido significativo. da palavra.

— Valentine?

Sua voz falhou com a incerteza, como se ele não tivesse certeza se estava
alucinando. Sua vida realmente deve ter dado uma reviravolta se eu fosse a
melhor coisa que ele achava que sua mente poderia evocar em um momento
como este.

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O ácido tranexâmico é um medicamento utilizado para neutralizar o sistema de fibrinólise. Seu mecanismo de ação se dá pelo bloqueio
da formação de plasmina mediante a inibição da atividade proteolítica dos ativadores de plasminogênios, que, em última análise, inibe
a dissolução dos coágulos. Resumindo um coagulante.

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— Ei. — Eu disse, tentando soar indiferente e reconfortante. — Você vai
ficar bem, Robbie. Apenas relaxe e tente ficar comigo.

— Isso é besteira. — Disse ele com uma tosse que parecia uma tentativa
de rir, embora lamentável.

— Bem, você sempre foi um pessimista. — Eu disse sem rodeios,


mantendo a compressão firme contra seu peito. — Merda. Ué, Ana? Qual é o
tempo da chegada do Dr. Adams?

Ela hesitou, recuando em direção à porta.

— Vou verificar.

— Ouça-me. — Disse Robbie em tom de súplica, um olhar urgente em


seus olhos. Ele agarrou meu pulso com mais força como se estivesse tentando
me puxar para mais perto e agarrou minha mão com a outra, forçando-a a
abrir. Quando olhei para baixo, vi que ele havia colocado algo pequeno e
cilíndrico no centro da palma da minha mão. — Você tem que aceitar isso.
Coloque-o em algum lugar seguro.

Peguei o pequeno objeto, tão ensanguentado que só percebi que era


uma cápsula quando a limpei com o polegar.

— Eu não entendo... O que é isso? — Eu perguntei, sabendo que havia


uma grande probabilidade de que ele estivesse apenas delirando.

— É a prova. — Ele murmurou. Estava ofegante agora, seus olhos não


mais afiados e cheios de pânico, mas sim vidrados e ficando turvos com a
confusão, como se estivesse tendo dificuldade em manter sua linha de
pensamento.

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— Preciso de ajuda aqui! — Eu chorei a plenos pulmões.

O aperto de Rob no meu pulso aumentou, e ele foi afiado novamente em


um instante, me puxando para mais perto.

— Demônio. — Ele disse, sua voz áspera e sua respiração rouca. Parecia
o início de um estertor. Em meu tempo relativamente curto de residência no
hospital, eu tinha ouvido aquele som mais do que o suficiente para saber.

— Demônio? — Eu ecoei. — O quê? Robbie, não há nenhum Demônio,


você está apenas confuso.

— Não! — Ele cuspiu. — É uma pessoa. Ele é parte do nosso mundo, e


ele vai estar depois disso. Ele sabe que eu tenho. Eu matei o primeiro homem
que ele mandou atrás de mim. Você tem que ter certeza de que ele não vai ter.
Prometa-me.

Enquanto eu olhava para ele, minhas mãos e antebraços escorregadios


com seu sangue, que ainda escorria profusamente da ferida em seu peito, não
importa o que eu fizesse, eu senti como se tivesse sido transportado de volta
no tempo. De volta à casa da árvore na floresta entre nossas propriedades, de
volta à época em que seus pais moravam ao lado dos meus. De volta à época
em que Robbie havia roubado dois charutos do escritório de seu pai e trazido
para nós experimentarmos, e ele me fez prometer a ele que não contaria a
ninguém.

— Jure. — Ele disse, tão ansioso quanto naquela época, embora fosse
mais medo do que excitação que tingia seus olhos daquele tom particular de
azul. — Apenas me prometa que você não vai contar a ninguém. Jure, por sua
vida.

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— Robbie, eu... — Minha voz falhou.

— Prometa-me, Val... — Ele rangeu.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Chris entrou correndo na


sala com Anna logo atrás.

— Onde diabos você estava? — Eu fervi.

Ele se virou para mim, carrancudo, mas havia uma pitada de culpa em
seus olhos enquanto trabalhava.

— Lidando com uma vítima de acidente de carro no corredor. — Disse


ele, o que provavelmente marcou a primeira vez que ele explicou alguma coisa
em sua maldita vida. Ele foi até a bandeja de suprimentos cirúrgicos a poucos
metros da cama enquanto Anna colocava uma máscara de oxigênio sobre o
rosto de Robbie. Ele tentou afastá-lo no início, mas estava perdendo o
impulso rapidamente.

— Espere. — Eu implorei a ele enquanto os outros trabalhavam,


fazendo minha parte no piloto automático. Havia tanto sangue, porra. — Eu
prometo, ok? Eu juro, mas você tem que ficar conosco.

Chris me deu um olhar estranho, mas Robbie não respondeu. Seus olhos
estavam vidrados novamente, olhando ao longe para algo no teto, ou talvez
através dele. Eu conhecia aquele olhar, assim como conhecia o som
chacoalhando em sua garganta.

E o grito estridente e mecânico que se seguiu quando finalmente ficou


em silêncio.

Não, não, não. Por favor, Deus, não.

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— Merda. — Chris murmurou. — Iniciando a desfibrilação.

Rapidamente me movi para pegar a unidade de desfibrilação e a trouxe.


Ele olhou para mim, suspeita brilhando em seus olhos frios.

— Você conhece esse cara?

Tudo que eu podia fazer era acenar. Eu não conseguia tirar os olhos de
Robbie. Obriguei-me a recuar quando Chris agarrou os remos e os segurou no
peito de Robbie.

— Afaste-se!

O corpo de Robbie tremeu violentamente antes de ficar tão imóvel e


plano quanto a linha do monitor cardíaco.

— Afaste-se! — Chris chorou, tentando novamente.

E de novo.

Nada.

— Massagem cardíaca. — Eu disse com urgência. — Você tem que


tentar CPR.

Chris me deu um olhar cansado. Ele não estava se movendo rápido o


suficiente, então eu me movi, pressionando a palma da minha mão sob o
esterno de Robbie. Empurrei com força até sentir o estalo revelador de suas
costelas se desconectando do esterno e comecei as compressões.

Mais nada. Apenas o grito estridente e implacável...

Eu continuei. Eu me recusei a parar. Eu não podia. Mesmo que eu


pudesse ouvir Chris e Anna falando comigo ao fundo, suas vozes estavam
distantes, sem sentido.

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— Di Fiore! — Chris gritou, colocando a mão no meu ombro. O zumbido
em meus ouvidos diminuiu quando ele voltou ao foco. — Eu disse que é o
suficiente. Ele se foi.

— Eu não vou desistir. — Eu disse. Quando ele tentou me puxar para


longe, algo em mim estalou. Antes mesmo de perceber o que estava fazendo,
eu me virei e meu punho acertou sua mandíbula, uma mancha de sangue
agora deixada ao longo de seu queixo pelo breve contato.

A sala ficou em silêncio. Todos e tudo, exceto o monitor cardíaco, mas


seu grito estridente estava sendo abafado pelo zumbido em meus ouvidos que
tinha começado exatamente de onde parou.

Por um momento, olhei para Chris, e ele olhou de volta, trazendo a mão
para tocar seu rosto. Ele a afastou, olhando para o sangue na ponta dos dedos.

— Merda. — Eu murmurei. — Dr. Adams, eu...

— Tire ele daqui. — Ele disse rispidamente, e o segurança que eu nem


tinha percebido que estava lá se aproximou de mim, parecendo que ele estava
andando até um animal encurralado.

Ele estava olhando para mim do jeito que todos olhavam quando eu
comecei. Quando meu nome na lista foi motivo de sussurros escandalizados e
olhares nervosos. Eu gostava de pensar que em meus dois anos de residência,
eu havia dissipado esses medos e provado que não era quem todos pensavam
que eu era, apenas por causa do meu sobrenome.

Uma foda, e tudo isso estava fora da janela.

— Vamos lá. — Disse o guarda, parecendo pensar que ia ser uma briga.

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Eu balancei a cabeça, seguindo-o para fora da sala de cirurgia sem dizer
uma palavra. Olhei para a porta, porém, a tempo de ver Chris inclinado sobre
a prancheta que ele estava segurando.

— Hora da morte, vinte e trinta e seis. — Ele murmurou em voz alta.

Meu coração afundou na boca do meu estômago. Isso não parecia real.
Mesmo enquanto eu trocava meu uniforme ensanguentado e luvas e colocava
a cápsula no bolso da minha calça, eu me sentia entorpecida. Como se eu
estivesse em um sonho acordado e não conseguisse sair dele.

Saí pelos fundos do hospital para fumar. Puta merda, isso é uma merda.
Um fantasma do meu passado apareceu do nada e, assim, ele se foi.

Enfiei a mão no bolso para pegar o baseado que mantinha lá, já que eu
tinha certeza de que não voltaria ao trabalho de qualquer maneira. Eu
precisava de algo para tirar a borda.

Meus dedos roçaram algo em meus bolsos, e tirei a cápsula. Eu nem me


lembrava de colocá-lo no bolso, e eu tinha esquecido até então.

Olhei para baixo, torcendo a cápsula aberta. Era grande o suficiente


para o que continha, uma pequena tira de plástico com pedaços de metal na
ponta. Um microchip? Não era como nenhum que eu já tinha visto, mas eu
não conseguia pensar no que mais seria. Eu tive a presença de espírito
suficiente para evitar tocar nas partes de metal, já que havia sangue na ponta
dos meus dedos do lado de fora da cápsula, e a fechei novamente.

Que diabos foi isso? E por que Robbie me deu?

Isso era óbvio, depois de um segundo de pensamento. A quem mais ele


a teria dado? Eu não sabia o que estava no chip, mas sabia de uma coisa: era a

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razão pela qual Robbie estava morto. E eu conhecia o apelido do homem que
o matou, assumindo que ele não estava apenas alucinando que um Demônio
literal estava atrás dele.

Agora eu só tinha que descobrir o porquê.

— Você precisa de um fogo para isso?

Enfiei o chip de volta no bolso e olhei para cima para encontrar Chris
parado a alguns metros de distância, me observando, e percebi que ainda
tinha o baseado pendurado na minha outra mão.

Enzo estava certo. Eu não era observador o suficiente para os negócios


da família. Não por um tiro longo. E, aparentemente, eu também não fui feito
para isso.

Segui o olhar de Chris até o baseado.

— Talvez, já que você já está me denunciando por insubordinação. — Eu


disse com um encolher de ombros, olhando para a marca vermelha em sua
mandíbula, que já estava um pouco inchada. Isso ia ser um inferno de uma
contusão pela manhã. — Ou você vai prestar queixa?

Ele soprou uma lufada de ar pelas narinas, andando até mim.

— Mesmo se eu fizesse, eu duvido que iria ficar. Há rumores de que seu


cunhado é o chefe de polícia.

Meus olhos se arregalaram quando ele puxou um isqueiro e o acendeu,


suas mãos de alguma forma perfeitamente firmes enquanto as minhas ainda
estavam tremendo, e esperou com expectativa. Eu relutantemente coloquei o
baseado entre meus lábios e me inclinei, deixando a chama consumir a ponta.

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Dei uma tragada, respirando a fumaça profundamente. Um golpe não era
perto o suficiente para fazer qualquer coisa além de aliviar meus nervos
desgastados, mas o hábito era reconfortante.

— Como você sabia disso? — Eu perguntei. — Foi um pequeno


casamento no tribunal, e algo me diz que você não corre nos mesmos círculos.

— Fiz minha pesquisa quando soube que um dos meus candidatos


residentes era um DiFiore. Seu irmão pode não gostar da publicidade, mas
sua família certamente conquistou o suficiente ao longo dos anos. —
Observou ele.

Eu fiz uma careta.

— Enzo não é como nosso pai. Nem eu, aliás.

— Eu sei. — Disse ele, pegando o baseado de mim. Eu assisti em choque


quando ele deu uma tragada também, antes de devolvê-lo. — Se eu pensasse
isso, eu nunca teria escolhido você. Mas eu não acredito em responsabilizar as
pessoas pelos pecados de seus pais.

— Você provavelmente vai se arrepender dessa decisão depois desta


noite. — Eu murmurei, dando outra tragada. Eu ofereci a ele novamente, mas
ele levantou a mão, então eu esmaguei as brasas na parede de tijolos atrás de
mim.

— Certamente é a primeira vez que eu entro na minha própria sala de


cirurgia. — Ele meditou, esfregando o queixo. — Provavelmente não será o
último, no entanto. Você sabe, se você se cansar da medicina, você pode ter
uma carreira decente como lutador de boxe. Isso é um gancho de direita
medíocre.

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Eu bufei.

— Vem com o território.

— O que, ser filho de um chefe da máfia?

— Ser o garoto magricela desajeitado da escola que todo mundo queria


bater. — Eu corrigi.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Estou surpreso que seus irmãos não os mataram.

— Eles teriam. — Eu admiti. — É por isso que eu nunca disse a eles. Eu


posso lutar minhas próprias batalhas.

— Eu posso ver isso. — Disse ele pensativo. Depois de um momento de


pausa, ele perguntou: — Então, aquele cara. Você estava perto?

— Estávamos uma vez, mas nos separamos. — Respondi, cruzando os


braços sobre o peito e olhando para a chuva caindo no toldo de plástico sobre
a sala dos fumantes. Em breve, a chuva lavaria todo o sangue nas ruas, e
qualquer evidência do infeliz final de Robbie junto com ela. Também não
haveria família para chorar por ele. Só eu e quem mais fez parte de sua vida
nos últimos dois anos.

— Acho que você não sabe o que aconteceu, então. — Disse Chris. Ele
parecia indiferente, mas eu sabia que não devia pensar assim. Eu não estava
acostumada com ele sendo nada além de um idiota, e eu sabia que ele não era
o tipo de homem que fazia nada desnecessariamente. Certamente não me
aconchegando.

— Não, eu disse. — Eu não.

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Ele me observou por alguns momentos, e eu não tinha certeza se ele
acreditava em mim, mas ele não me criticou, de qualquer maneira.

— Isso é bom. Então não há razão para você estar aqui quando a polícia
chegar.

Eu o observei com cautela.

— Polícia?

— Tenho que fazer o reporte é obrigatório. Tenho que chamar a atenção


para qualquer crime violento com arma de fogo. Especialmente quando
resulta em homicídio. — Explicou. — Ainda não liguei, mas não posso esperar
muito mais.

— Você esperou por minha causa? — Eu perguntei, franzindo a testa. —


Por quê?

Ele fez uma pausa como se estivesse considerando isso.

— Eu já te disse onde passei minha residência?

— Não... Você não fez.

— São Francisco.

— Aquele do centro? — Eu perguntei. — Esse é um hospital difícil.

— É uma área difícil. — Observou. — Eu saberia, considerando que


cresci a dois minutos disso.

— Oh! — Eu disse sem jeito.

Ele bufou.

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— Vi muita merda durante meu tempo em St. Francis. Muita merda
crescendo também. Aprendi que há coisas que você não diz e pessoas para
quem você não diz. Policiais especialmente. muitas vezes eu deveria ter ligado
naquela época, mas não liguei. Os policiais têm um jeito de piorar as coisas,
especialmente em um lugar como aquele.

— Sim, eu sei o que você quer dizer.

— Em um lugar como este, porém... As regras só podem ser dobradas


até agora.

Eu balancei a cabeça em compreensão.

— Obrigado. Estarei fora daqui muito antes de eles aparecerem. — Eu


hesitei. — Eu vou ter um trabalho para voltar na segunda de manhã?

— Você vai. — Disse ele. — Mas acho que você deveria aproveitar o fim
de semana para considerar algumas coisas. Ou seja, se isso é algo que você
realmente quer fazer. Se é algo que você deve fazer.

Meu coração martelava contra meu peito em pânico.

— Claro que é. Olha, me desculpe por bater em você. Eu sei que


estraguei tudo, e isso não vai acontecer de novo.

— Eu não estou falando sobre o soco, Valentine. — Ele disse, segurando


meu olhar. Era difícil segurar o dele, da mesma forma que era difícil segurar o
de Silas. Os olhos de Chris eram de um azul gelado em comparação com o
cinza metálico do meu cunhado, mas ambos tinham uma dureza neles. Uma
frieza. — Isso é sobre você ser honesto consigo mesmo. Sobre o que você é
capaz e o que você não é, e se alguém como você deveria estar tentando em
primeiro lugar.

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Eu me irritei com as palavras dele, e meio que me arrependi de
prometer que o soco seria uma coisa única, já que de repente, eu não tinha
certeza de que era uma promessa que eu poderia manter.

— Uma pessoa como eu? — Eu desafiei. — O que aconteceu para não


culpar alguém pelos erros de sua família?

— Eu não estou. — Disse ele com um encolher de ombros. — Isso é tudo


sobre você. Esta noite foi a primeira vez que você perdeu um paciente, certo?

Sua pergunta me pegou desprevenida.

— Já vi pacientes morrerem antes.

— Não foi isso que eu perguntei. — Ele pressionou. — Perguntei se é a


primeira vez que você perde um paciente.

Eu apertei minha mandíbula e respondi:

— Sim.

— Aí está, então. — Disse ele. — É sua chance de reavaliar, agora que


você sabe o que esse trabalho realmente envolve. Agora que você sabe como é,
o bom, o ruim e o feio. E acredite em mim, como alguém que faz isso desde
que você estava no terceiro ano alto, há muito mais feio do que qualquer outra
coisa.

— O que, você acha que eu sou muito mole para ser um médico? — Eu
perguntei, ainda tentando entender suas palavras. Eu estava acostumado com
as pessoas pensando que eu era algum psicopata que estava prestes a perder o
controle a qualquer momento, e eu realmente não podia culpá-los por isso.
Todos que realmente me conheciam achavam que eu era um idiota esquisito,

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e eu não podia culpá-los por isso também. Eu ainda não tinha certeza de onde
estava com Chris.

— Um médico? Não. — Ele respondeu. — Há muitas especialidades nas


quais acho que você se destacaria. Você trabalha em equipe, é compassivo às
vezes até com defeito e, apesar do que muitas pessoas parecem pensar,
inclusive você, você é inteligente.. Você daria um ótimo pediatra.

— Um pediatra? — Eu murmurei.

— Ou um cardiologista, endocrinologista... Inferno, até mesmo clínica


de família, se você sentir vontade de ficar entediado em sua mente. —
Continuou ele. — Pode não ser a pior coisa no seu caso. Algum campo onde a
compaixão é um ativo em vez de um passivo.

Eu fiz uma careta.

— Isso não é tudo medicina? As pessoas vêm aqui nos pontos mais
baixos de suas vidas. Elas querem alguém que seja compreensivo.

— Não, eles querem deixar este lugar vivos. — Ele rebateu. — Há uma
razão pela qual os corações sangrentos são eliminados mais cedo ou mais
tarde. Ficar emocionalmente apegado não vai ajudá-lo a tratar seu paciente de
forma mais eficaz. Tudo o que faz é obscurecer seu julgamento. O que esses
pacientes precisam é de alguém que seja calmo, racional, e autoritário. Você
acha que consegue fazer isso quando a merda bate no ventilador? Você acha
que consegue olhar nos olhos de uma mãe de três filhos e dizer a ela que seu
marido de vinte anos não vai sobreviver? você pode lidar com a tentativa de
ressuscitar uma criança moribunda enquanto os pais estão gritando com

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você, o tempo todo sabendo que não há realmente nenhum ponto porque é
inútil?

Eu o encarei em um silêncio atordoado por um momento, o que


provavelmente estava apenas provando seu ponto de vista em sua mente.

— Eu vi merda. Eu perdi pessoas que eu amo. Você faz parecer que eu


sou um garoto protegido que nunca teve nada de ruim acontecendo com ele.

— Oh, eu sei que você tem. — Disse ele. — Eu posso dizer, porque você
carrega essas coisas com você. Cada uma delas deixou uma cicatriz em você, e
esta noite é apenas mais uma para adicionar à coleção. Eu não posso te dizer o
que fazer, mas eu posso te dizer tomar algum tempo para pensar sobre isso.
Pense nisso e seja honesto consigo mesmo. Realmente pergunte a si mesmo se
vale a pena.

Com isso, ele girou nos calcanhares e começou a caminhar de volta para
a entrada do prédio. Eu o encarei por um momento, irritado.

Suas palavras ficaram comigo, no entanto. Não era como se fosse a


primeira vez que alguém questionava minha escolha de carreira. Mesmo que
meus irmãos me apoiassem, eu sabia que eles realmente não entendiam. Eles
provavelmente pensaram que era outra fase, como ser gótico ou quando
decidi começar uma banda de garagem.

Suspirei e guardei o baseado, puxando o chip de volta para examiná-lo


na palma da minha mão por um momento. Chris estava certo sobre uma
coisa, pelo menos. Eu precisava tirar o fim de semana para descobrir as
coisas. Robbie, meu Robbie se foi, e ele me confiou o último segredo que eu
guardaria para ele. Um segredo que o matou.

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Eu tinha feito uma promessa, porém, e pretendia mantê-la.

— Eu juro, Robbie. — Eu murmurei. — Pela minha vida.

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Capítulo 2
Valentine

Quando entrei pela porta da frente em casa, o som da porta se fechando


ecoou pelos corredores vazios. Eu vivi aqui toda a minha vida, mas
ultimamente, não parecia minha casa. Agora que Luca morava na mesma rua
com sua nova esposa e seu bebê de três meses, Timothy, e papai tinha... Ido
embora, a casa estava vazia com mais frequência do que nunca. Claro, Enzo
ainda estava aqui, mas ele estava muito ocupado cuidando da família, e
quanto ao marido, bem... Fantasma era um codinome adequado,
considerando que eu quase nunca sabia se ele estava por perto ou não.

Isso me serviu bem, no entanto. Eu estava feliz que Enzo estava feliz,
mas Silas ainda me dava arrepios.

Talvez fosse hora de eu ter meu próprio apartamento. Eu não era o


maior fã de mudança, mas tinha que acontecer em algum momento. Com
meus dois irmãos casados, eu estava começando a me sentir como a quinta
roda nas raras ocasiões em que todos nos reunimos.

Subi as escadas e abri a caixa trancada que mantinha debaixo da cama.


Tinha sido seguro o suficiente quando eu era adolescente querendo guardar
minha maconha e algumas garrafinhas de vodka, mas parecia infantil agora,
especialmente considerando o quão importante era o objeto que eu precisava
guardar. Decidi que teria de servir por enquanto, até que pudesse pedir a
Enzo o código do cofre.

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Inferno, eu nem tinha certeza de onde estava o cofre.

Uma vez que o chip estava na caixa, eu pulei para o chuveiro. Aumentei
a pressão da água até minha pele ficar vermelha e o calor quase intolerável,
mas era melhor do que a alternativa.

Enquanto me vestia, ouvi vozes no andar de baixo. A julgar pela risada


de Enzo, presumi que ele e Silas estivessem em casa. Por alguma razão, ele
achou o humor seco do cara absolutamente hilário. Como ele conseguia se dar
bem com um psicopata completo como ele, muito menos ir para a mesma
cama todas as noites, eu não tinha ideia.

Para ser justo, eu tinha certeza de que Silas era uma ameaça para todos,
menos para Enzo.

Respirei fundo e desci as escadas, tendo todas as expectativas de que


isso seria desastroso. Quando virei a esquina da cozinha, vi que Silas tinha
Enzo preso contra o balcão, apalpando-o, sua língua na metade da garganta
do meu irmão.

— Você sabe, outras pessoas têm que comer no balcão. — Observei.

Silas olhou para cima, me lançando um olhar gélido que me deixou no


limite, mesmo sabendo que Enzo não o deixaria fazer nada comigo.

Esperançosamente.

— O que você quer, Doc. Houser?

Eu enruguei meu nariz.

— Quem?

Ele revirou os olhos quando Enzo saiu de debaixo de seu braço.

25
— E aí, Val? — Meu irmão perguntou.

Eu hesitei um momento. Eu não tinha certeza de como trazer isso à


tona. Eu realmente não queria pensar sobre isso, e de alguma forma, parecia
que talvez se eu não dissesse em voz alta, não seria verdade. Era claramente
um pensamento ilusório, ilusório, mas eu não estava exatamente em um
estado de espírito lógico agora.

— Aconteceu alguma coisa no trabalho. — Eu disse, me sentindo como


uma criança tentando contar aos pais sobre algo que havia acontecido na
escola. Apenas um dos pais era o irmão mais velho que eu sempre quis
impressionar, e o outro era um serial killer sem consciência.

— Sim? — Enzo perguntou, soando como se ele estivesse tentando


prestar atenção, embora eu pudesse dizer que ele não estava totalmente, pelo
sorriso que ele estava tentando lutar enquanto empurrava a mão de Silas para
longe do que ele estava fazendo atrás do balcão. Eu realmente não queria
saber.

Não era o fato de Silas ser um cara ou algo assim. Eu teria ficado tão
enojado se Luca e sua esposa estivessem agindo assim na minha frente.
Felizmente, eles não eram um casal fisicamente afetuoso, pelo menos não na
frente de outras pessoas.

— Você se lembra de Robbie Caruso, certo? — Eu perguntei.

— Claro. — disse Enzo distraidamente, tentando cortar os tomates na


tábua de madeira que estava no balcão à sua frente enquanto seu marido
continuava a molestá-lo. — Vocês costumavam ser inseparáveis. O que
aconteceu com ele, afinal?

26
Minha garganta apertou, então eu tentei limpá-la.

— Nós meio que perdemos contato até hoje. Ele entrou como paciente,
e... — Eu parei. Mesmo que eu tivesse acabado de passar por isso, por algum
motivo, eu não conseguia dizer as palavras.

Enzo ergueu os olhos de seus tomates picados e Silas se virou para mim
também, parecendo menos irritado e mais confuso.

— O que aconteceu? — Enzo perguntou cautelosamente, embora eu


pudesse dizer pelo tom de sua voz que ele já tinha uma ideia.

Tentei engolir novamente, mas minha garganta estava seca.

— Ele se foi. — Eu disse, minha voz soando meio patética, se eu fosse


honesto comigo mesmo. Esse era um jogo perigoso ultimamente. — Ele levou
um tiro e perdeu muito sangue na ambulância. Tentei salvá-lo, mas não
consegui. Ele simplesmente... Se foi.

Enzo deixou cair a faca contra o bloco. Por alguns momentos, os dois
ficaram ali me encarando, e eu não consegui olhar nenhum deles nos olhos.

Eu sabia o que eles estavam pensando. A mesma coisa que eu era. Eu


era tão inútil como médico quanto na máfia. A coisa sobre as palavras de
Chris que mais me enfureceu foi que elas eram verdadeiras e, no fundo, eu
sabia disso. Eu não fui talhado para esse tipo de coisa. Inferno, eu não tinha
certeza para o que eu estava talhado, se alguma coisa. Talvez eu estivesse
destinado a ser um perdedor vivendo na sombra de seu irmão a vida inteira.
Pelo menos eu não poderia causar nenhum dano real.

— Puta merda. — Enzo respirou. — Val, me desculpe. Você está bem?

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— Estou bem. — Eu disse rapidamente, embora as palavras parecessem
tão vazias quanto eram. Limpei minha garganta. — Eu estarei. Mas isso não é
tudo.

Enzo ouviu atentamente, esperando que eu continuasse.

— Ele me deu algo, antes que ele... Você sabe. Um chip.

— Um microchip? — Perguntou Silas.

— Sim, acho que sim. — Eu disse com um encolher de ombros. — Ele


disse que era importante. Me pediu para mantê-lo seguro. E acho que foi isso
que o matou.

Eu não apenas pensei, eu sabia, mas realmente não estava com


disposição para a semântica de Silas agora.

— Morto por quem? — Silas exigiu.

Eu estava começando a desejar ter pedido para ter essa conversa a sós
com Enzo, mas eu sabia que mesmo que ele concordasse, Silas estaria apenas
ouvindo. Ele era onipresente. Ou pelo menos, ele queria que todos pensassem
que ele era.

— Outro mafioso, eu acho. Ele disse que o nome do cara era 'Demônio’,
mas ele estava meio louco com perda de sangue e choque, então não há como
dizer.

— Demônio? — Silas ecoou. O olhar que surgiu em seu rosto assim que
eu disse o nome me fez duvidar.

— Sim. — Eu disse cautelosamente. — Achei que era apenas um


codinome ou algo assim.

28
Enzo olhou para o marido.

— O que é isso? — Ele perguntou. — Você conhece esse cara?

— Você poderia dizer isso. — Ele murmurou. Sua atenção se fixou em


mim, seu olhar afiado como uma faca. — Exatamente o que ele disse? Seja
muito específico.

— Eu não sei, eu estava tentando salvar a vida dele no momento. — Eu


murmurei. — Ele apenas disse que o chip era prova de algo, eu acho. Algo que
poderia derrubar esse cara Demônio.

— E?

— Silas, você está me assustando. — Disse Enzo, franzindo a testa. —


Quem é esse cara?

— Ele foi meu aluno. — Silas disse calmamente.

— Seu aluno? — Enzo olhou para ele incrédulo. — Seriamente?

— Foi há muito tempo. — Murmurou Silas. — Muito antes de nos


conhecermos. James era um pistoleiro contratado que virou assassino em
série e uma ameaça geral para as pessoas erradas. Fui contratado para fazê-lo
desaparecer, mas ele se mostrou promissor. Ele era brilhante, implacável...
Completamente desprovido de consciência.

— Sim, parece um verdadeiro vencedor. — Observei. — Eu posso ver


por que vocês se deram tão bem.

— O que aconteceu? — Enzo perguntou, um tom ciumento em seu tom.


Era sutil o suficiente para que qualquer outra pessoa não o reconhecesse, mas
eu o reconheci.

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Silas desviou o olhar. Seu tom ficou sombrio quando ele falou
novamente.

— Como eu disse, ele era brilhante. O tipo de brilhante que anda de


mãos dadas com a loucura. Ele se tornou um risco. E eu cometi o erro de
deixar as coisas ficarem... Pessoais.

— Pessoal? — Enzo perguntou, cruzando os braços sobre o peito. —


Então você fodeu seu ―aluno‖.

— Como eu disse, foi um erro. E foi há muito tempo. — Disse Silas


incisivamente. Ele estendeu a mão, afastando uma mecha de cabelo escuro da
testa de Enzo. — Meus gostos percorreram um longo caminho.

Normalmente, Enzo teria ficado todo derretido, mas ele ainda estava de
guarda. Talvez ele não estivesse completamente cego pelos óculos cor de rosa,
afinal.

Então, novamente, o problema era que ele estava com ciúmes, não que
ele estivesse começando a ver o quão louco seu marido era. Ou o fato de que
ele teve um passado tão sombrio que a maioria das sombras não o tocaria.

— Então o que aconteceu? — Enzo perguntou. — Algo me diz que a


separação não foi amigável.

Silas suspirou, deixando cair a mão ao seu lado.

— Na verdade, não foi. Ele estava fora de controle. Eu tive que colocá-lo
no chão.

Enzo franziu a testa.

— Eu não entendo. Se você matou esse cara, como ele ainda está lá fora?

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— Não pode ser ele. — Disse Silas com firmeza. Ele olhou de volta para
mim. — O que significa que alguém está enganado.

— O que, você acha que eu estou mentindo? — Eu exigi. — Até cinco


segundos atrás, eu não tinha a menor ideia de quem era esse cara, não
importa se você costumava transar com ele.

— Ninguém disse isso, Val. — Disse Enzo, sempre o pacificador. —


Estamos apenas tentando descobrir o que está acontecendo.

— O que está acontecendo é que meu amigo está morto e,


aparentemente, tem algo a ver com você. — Eu disse, voltando-me para Silas.
Normalmente, eu seria muito covarde para ficar com o lado ruim dele, mesmo
que eu parecesse viver lá independentemente, mas eu não me importava
mais.

Silas apenas me encarou, como se não fosse dignificar minha acusação.

— Este microchip. Onde está?

Eu hesitei, porque de repente, eu não tinha certeza que dar a ele era
uma boa ideia.

— Onde está, Valentim? — Silas repetiu, seu olhar escurecendo.

Enzo acenou para mim, e eu apertei minha mandíbula, relutantemente


subindo as escadas. Quando desci um momento depois, deixei cair o chip na
palma da mão de Silas. Ele o pegou entre o polegar e o indicador, estudando-o
com curiosidade.

— O que é isso? — Enzo perguntou.

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— É um microchip, tudo bem. — Disse Silas. — Um que ainda nem está
no mercado. É usado principalmente pela inteligência. Custa uma fortuna
para fabricar, e não uma fortuna pequena.

— Você pode ler o que está nele? — Enzo perguntou.

— Não com qualquer coisa que eu mantenho em casa. — Foi sua


resposta enigmática. — Conheço alguém que pode, mas a questão permanece
se é sensato fazê-lo.

— Claro que é. — Eu interrompi. — Aquela coisa tem a resposta de


porque Robbie está morto e como pegar o cara que o matou.

Silas me lançou um olhar cansado que eu conhecia muito bem. Aquele


que disse que achava que eu era apenas uma criança fazendo birra.

— Isso é maior que seu amigo. Qualquer um louco o suficiente para usar
esse nome no submundo, muito menos se disfarçar como ele, não deve ser
brincalhão. Certamente não por você.

— Besteira. — Eu rosnei, avançando. — Se você não vai ajudar, apenas


dê para mim e eu cuidarei disso sozinho.

Silas olhou incisivamente para Enzo, como se esperasse que ele me


controlasse.

— Bem, ele está certo. — Disse Enzo. — Não temos ideia de quem seja, e
um número suficiente de pessoas sabe que você está ligado a Silas e que se
envolver é um risco que não podemos correr.

— Você está brincando comigo? — Eu fervi. — É de Robbie que estamos


falando. Ele era meu melhor amigo.

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— Eu sei que ele era. — Disse Enzo, sua voz irritantemente
apaziguadora. Ele me tratou como uma criança também, só que não tão
desdenhosamente quanto seu parceiro. — E eu não estou dizendo que vamos
deixar pra lá, mas temos que ter cuidado. tem que ter cuidado em particular.
Apenas deixe-nos lidar com isso.

— O que, como eu deveria confiar nele? — Eu exigi.

— Valentine...

— Não! — Eu bati, me afastando dele. — Estou cansado de você ficar do


lado dele.

Enzo soltou um suspiro cansado.

— Vamos lá. Eu sei que você está chateado, mas...

— Chateado? — Eu dei uma risada seca. — Sim, acho que estou


chateado. Estou chateado por meu irmão colocar outra pessoa acima de sua
própria carne e sangue.

Os olhos de Enzo se estreitaram.

— Eu vou te dar um passe sobre isso, considerando tudo o que


aconteceu, mas você precisa se controlar.

— Foda-se. — Eu cuspi, virando-me para Silas quando o vi tenso, como


se ele pensasse que tinha que proteger seu amante de mim. — Não se
preocupe. — Eu zombei. — Você ganhou. Estou fazendo o que deveria ter feito
há muito tempo. Estou indo embora.

— Valentine! — Lorenzo me chamou enquanto eu caminhava até a


porta.

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Eu o ignorei, mas ouvi Silas dizer baixinho no meu caminho para fora
da porta:

— Apenas deixe-o ir. Ele vai se acalmar.

Eu me irritei com suas palavras. Ele era o único que eu gostaria de


socar, mas eu não era um idiota egoísta o suficiente para pensar que eu
realmente teria uma chance.

Seria muito bom, no entanto. Não há dúvida acerca disso.

Eu subi na minha motocicleta e coloquei meu capacete, já que eu tinha


visto muitas pessoas entrarem com seus cérebros embaralhados por causa de
um acidente grave. Eu não dou a mínima se eu parecia um idiota.

Eu andei por um tempo, não indo a nenhum lugar em particular,


quando percebi que estava perto de voltar para o bairro de Luca novamente.

Bem, eu precisava de um lugar para passar a noite. Eu poderia


simplesmente fazer o check-in em um hotel, mas a verdade era que eu não
queria ficar sozinha. Eu com certeza não estava com vontade de estar em casa.

Ambos os carros estavam na garagem quando cheguei à casa de Luca,


então estacionei atrás do carro dele e subi o pequeno caminho através de
arbustos e roseiras bem cuidados para bater na porta.

Hesitei quando ouvi vozes de dentro. Vozes altas e raivosas. Eu não


conseguia entender o que eles estavam dizendo, mas Carol estava gritando, e
Luca também. Eu podia ouvir o bebê chorando ao fundo.

Talvez tenha sido um momento ruim. Resolvi dar meia-volta e voltar


para a minha moto. Eu realmente precisava descobrir o que eu ia fazer

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durante a noite, mas o zoneamento parecia bom demais para resistir, então
deixei minha mente vagar e apenas dirigi pelas estradas secundárias até que
os primeiros tons violetas do crepúsculo atingiram o céu cinza pálido.

Eu finalmente fiz meu caminho para o apartamento de Johnny, já que


ele geralmente estava em casa na sexta à noite, borboleta social que ele era.
Com certeza, quando eu bati, ele abriu a porta alguns momentos depois com
uma garrafa de cerveja na mão e algum filme de ação tocando ao fundo. Acho
que ele não se cansou dessa porcaria no trabalho.

Eu costumava gostar da mesma merda, para ser justo. Trabalhar no


hospital havia mudado tudo isso. Desde que descobri que, na vida real, as
balas nem sempre deixam pequenos buracos limpos que os mocinhos podem
simplesmente sacudir, a novidade da violência gratuita tinha sido perdida em
mim. Se tivesse sobrado alguma, tentar fazer RCP em meu melhor amigo
quando eu mal podia ver minhas mãos através do sangue dele teria
encharcado como uma esponja.

— Ei, Val. — Disse Johnny, parecendo surpreso ao me ver.

Eu não podia culpá-lo, considerando que nós dois estávamos muito


envolvidos em nossas respectivas carreiras para realmente nos vermos
ultimamente. Nós costumávamos ser inseparáveis. Eu, ele e Robbie. Nós
éramos os três mais novos, então sempre ficávamos juntos quando todo
mundo se cansava das crianças irritantes por perto. Se alguém entenderia o
que eu estava sentindo, era Johnny.

Ele deu uma olhada em mim e a surpresa se transformou em


preocupação.

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— Puta merda, você parece uma porcaria.

— Obrigado, Johnny. — Eu disse categoricamente. — Bom te ver


também.

Ele estava certo, no entanto. Se eu parecia tão mal quanto me sentia,


merda era provavelmente um eufemismo. Ele era um colírio para os olhos, no
entanto. Johnny era um DiFiore por parte de mãe, então ele tinha o mesmo
cabelo escuro, pele morena e olhos castanhos como o resto de nós, mas, ao
contrário de mim, ele realmente cresceu para fora da coisa do rosto de bebê.
Mesmo minha tentativa de crescer a barba ao longo da minha mandíbula não
fez muito para mudar isso. Mas apesar do fato de termos nascido com apenas
alguns meses de diferença e Johnny estar quase sempre barbeado, ele parecia
mais velho.

Ainda havia familiaridade suficiente em seu rosto para me lembrar do


garoto que sempre esteve ao meu lado, me incentivando enquanto eu fazia a
merda mais estúpida e perigosa em que uma criança poderia entrar. Ele havia
mudado, no entanto. Não apenas fisicamente, mas de outras maneiras
também. Era uma vez, eu podia contar com Johnny para me fazer parecer
bem no departamento de responsabilidade. Ele sempre foi um floco de grau
A, mas depois de um momento de vira Jesus alguns anos atrás como
resultado de uma remessa perdida, ele limpou seu ato. Em uma reviravolta do
destino digna de uma porra ficção ele se tornou o braço direito de Enzo e seu
soldado mais confiável fora da família imediata.

Eu estava orgulhoso dele. Mas agora eu estava sozinho no brilho do


holofote fodido.

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Ele deu um passo para trás e acenou para que eu o seguisse até o
apartamento. Estava uma bagunça, como de costume. Pelo menos algumas
coisas não haviam mudado. Havia roupa suja no chão e uma pilha enorme de
roupa amarrotada em uma ponta do sofá, como se ele tivesse jogado fora da
cesta e apenas dito foda -se no meio da dobra. Havia garrafas de cerveja
espalhadas por toda a mesa de centro, e se fosse na casa de outra pessoa, uma
intervenção provavelmente teria sido necessária, mas conhecendo Johnny,
elas se acumularam ao longo de semanas.

Não que eu fosse de falar quando se tratava de consumo responsável de


álcool. Fiquei sóbrio durante a semana e sempre que estava de plantão, mas
desde a morte do meu pai, deixei de ser um bebedor social para beber até o
esquecimento a cada chance que tinha. Era mais fácil desse jeito. Mais fácil
não ver os olhos arregalados e escancarados de papai e sua boca aberta toda
vez que eu fechava os olhos. Mais fácil não repetir todas as cenas horríveis
que eu vi no dia-a-dia que eu não podia fazer porra nenhuma. Esta noite não
foi exceção.

— Você está bem, cara? — Johnny perguntou, embora eu pudesse dizer


pelo seu tom que ele sabia que eu estava bem longe disso.

Eu já estava a caminho da mesa de café, onde uma garrafa de Jack


Daniels estava esperando com meu nome. Peguei uma braçada de roupa e
joguei de lado antes de pegar a garrafa. Engoli em seco até que tive que subir
para tomar ar.

— Na verdade não. — Eu finalmente disse, limpando minha garganta e


limpando o excesso de gotas grudadas em meus lábios.

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— Sim, eu meio que posso ver isso. — Disse Johnny, pegando o controle
remoto para desligar o filme. Ele me olhou preocupado. — Você quer falar
sobre isso?

Eu não. Eu nunca quis fazer nada menos, mas eu sabia que lhe devia a
verdade. Pelo menos tanto quanto eu poderia suportar para resmungar.

— Robbie está morto.

Bem, tanto para quebrá-lo suavemente. Eu realmente ia ser uma


bagunça quando chegasse a hora de ser um médico assistente. Dar más
notícias aos pacientes não era responsabilidade de um residente, e graças a
Deus por isso, porque eu mal conseguia manter minhas próprias emoções
juntas, muito menos as de qualquer outra pessoa.

E qual era o ponto, mesmo? Não havia linguagem floreada que pudesse
torná-lo menos de uma bomba atômica.

— O quê? Robbie Caruso? — Johnny perguntou, boquiaberto para mim


por alguns momentos, como se ele não tivesse certeza de que eu estava
falando sério. E para ser justo, eu tinha sido tão espertinho quanto ele
durante a maior parte de nossas vidas. Provavelmente era por isso que nos
dávamos tão bem, mas eu não conseguia me lembrar da última vez que ri. O
humor sempre foi um mecanismo de enfrentamento, mas a merda em que
estive até o pescoço ultimamente estava muito fodida para o humor da forca
tocar.

— Sim. — Eu disse com a voz rouca. — Ele entrou no pronto-socorro


com um ferimento de bala, e não havia nada que eu pudesse fazer. Ele se foi.

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— Puta merda. — Ele murmurou, afundando no sofá ao meu lado. Ele
apenas olhou para além da bagunça na mesa de café por um longo tempo em
silêncio, e isso foi bom, porque eu não sabia o que dizer mais do que ele.
Quando finalmente falou de novo, sua voz era hesitante. — Sinto muito, Val.
Eu sinto muito.

Olhei para ele, tentando sorrir, embora provavelmente parecesse mais


uma contração muscular. Parecia que alguém tinha engomado meu corpo
inteiro, e minha boca não era exceção.

— Sim eu também.

— Quem foi? — Ele perguntou, uma borda perigosa entrando em seu


tom. A mudança que veio sobre ele foi como uma sombra escura,
transformando seu choque e dor em algo que todos nós achamos mais fácil de
lidar. Fúria.

— Um cara chamado Demônio. — Eu respondi, passando os próximos


minutos contando a conversa que eu tinha acabado de ter com Silas e Enzo.
Pelo menos eu sabia que não estava sozinho em minha desconfiança do
primeiro.

— Então é o ex do Silas. — Disse ele em tom de descrença.

— Eu acho. Ou alguém fingindo ser ele. De qualquer forma, é


superficial como o inferno.

— Sim, não há dúvida sobre isso. — Johnny murmurou. Ele fez uma
pausa. — Você acha que Silas teve algo a ver com isso?

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Dei de ombros, polindo o resto da garrafa. Johnny trouxe outro e serviu
um copo para cada um de nós, como se para encorajar um pouco mais de
moderação.

— Eu não sei. — Eu admiti. — Mas eu sei que Enzo é incapaz de ser


objetivo no que diz respeito a ele. E agora eu nem tenho o chip.

— Sim, poderia ter te dito que isso ia acontecer. — Johnny zombou.


Quando lhe dei um olhar, ele sorriu se desculpando, mas não tocou em seus
olhos. — Desculpe. Eu sei que ―eu avisei‖ não é o que você precisa ouvir agora.

— Você está certo. — Eu concedi, recostando-me no sofá. Olhei para os


padrões de pipoca no teto. Eu estava bêbado o suficiente, eles já estavam
começando a parecer uma versão de lixo branco de noite estrelada. — Eu fodi
tudo, mas o que mais há de novo?

— Ei. Você não pode se culpar pelo que aconteceu. — Ele disse em um
tom áspero.

— Não posso? — Eu desafiei.

Johnny suspirou, tomando um longo gole de sua bebida.

— Isso é o que me preocupava quando você disse a todos que estava


indo para a faculdade de medicina, sabe.

— O que, que minha incompetência mataria alguém com quem nós dois
nos importamos? — Eu perguntei, minha voz soando um pouco arrastada.
Provavelmente não era um bom sinal que tinha levado tanto uísque para
conseguir isso.

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— Não. — Ele disse, me lançando um olhar de repreensão. — Que você
acabaria se remexendo nas brasas por uma merda que não era sua culpa.

Eu dei um grunhido evasivo de reconhecimento. Ele estava meio certo.


Eu tinha feito tudo o que podia, mas esse era o problema. Talvez eu não fosse
bom o suficiente. Talvez eu nunca seria. E isso não era apenas uma questão de
remessas perdidas e negócios que deram errado. Isso era vida e morte. Que
negócio eu realmente tinha que estar nessa posição, afinal? Tudo o que eu
tocava estragava mais cedo ou mais tarde, e agora seriam as pessoas, não
drogas e armas, servindo como dano colateral.

— Vem cá. — Johnny disse, passando um braço em volta do meu


pescoço para me puxar para o seu lado. Ele cheirava a cerveja e colônia barata
e almíscar, uma combinação familiar e surpreendentemente agradável que
era mais reconfortante do que tinha o direito de ser. Tentei fugir de seu aperto
sem entusiasmo, mas ele me segurou no lugar com bastante facilidade,
despenteando meu cabelo com a outra mão.

Sua voz estava rouca de tristeza enquanto falava.

— Você quer odiar qualquer um, odiar o filho da puta que o matou. O
ódio é uma coisa poderosa e nos leva a fazer alguma coisa.

Desisti de lutar e caí contra ele, minha cabeça caindo em seu peito. Seu
batimento cardíaco era um ritmo constante e suave. Um lembrete de que nós
dois ainda estávamos aqui, e ele estava certo. Enquanto eu estivesse vivo, eu
poderia fazer alguma coisa. Eu poderia tentar.

— Sim. — Eu murmurei. — Eu acho.

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— Bom. — Disse ele, me afastando de repente. — Agora saia de cima de
mim. Isso está ficando gay.

— Oh, foda-se. — Eu murmurei, dando uma cotovelada nas costelas


dele. — Você é o único que me puxou para dentro.

Johnny apenas bufou uma risada e se levantou, pegando a garrafa quase


vazia da minha mão.

— Você pode ficar aqui o tempo que quiser, mas eu não vou assistir
você bebendo até entrar em coma. Durma um pouco, ok? Tudo vai se sentir
melhor pela manhã.

Eu gemi, caindo de lado com a cabeça no apoio de braço.

— Duvido disso, mas... Obrigado, Johnny. E não apenas por me deixar


dormir.

Ele pareceu surpreso com minhas palavras, e desta vez, seu sorriso
tocou seus olhos, fraco como era.

— Nós somos uma família. Isso é exatamente o que a família faz. Agora
durma um pouco, seu exuberante. — Disse ele, apagando as luzes da sala
antes de ir para o quarto.

Eu rolei de costas, olhando para minhas mãos na escuridão. No grão


nebuloso da minha visão, eu ainda podia ver o sangue pingando dos meus
dedos antes de colocar as mãos no peito e fechar os olhos, fechando-os com
força até que as alucinações induzidas pelo álcool desaparecessem nos
padrões geométricos atrás das pálpebras.

Isso é exatamente o que a família faz.

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Sim, eu costumava pensar isso também. Você caiu, a família te pegou.
Você fez uma bagunça, eles te ajudaram a limpá-la. Você matou um homem,
eles te ajudaram a esconder o corpo. Sempre foi assim, mas e se não bastasse?

Família é para sempre era a coisa favorita de mamãe a dizer, mas ela
era a cola que mantinha tudo junto. Desde que ela se foi, não estávamos
inteiros. Eu era um péssimo substituto, mas estava tentando
desesperadamente me manter firme na ausência dela.

Não foi o suficiente, no entanto. Eu estava começando a pensar que


nunca seria.

43
Capítulo 3
Valentine

Fiquei com Johnny durante o fim de semana, evitando as tentativas de


Enzo de entrar em contato, pois sabia que ele não havia mudado de ideia
sobre nada. Ele apenas faria o que Silas lhe dissesse, então qual era o sentido
de falar?

Mais cedo ou mais tarde, eu ia recuperar o maldito chip, mas duvidava


muito que fosse porque Enzo estava realmente disposto a me ajudar.

Embora eu tivesse muito tempo para processar o que aconteceu, isso


certamente não tornou mais fácil chegar a um acordo com as coisas. Não por
um tiro longo. Eu sabia que Johnny estava certo sobre deixar minha raiva me
motivar, mas isso não fez nada para deslocar a culpa que existia tão
facilmente ao lado dela. Eu me senti uma merda, e isso não ia mudar tão cedo.
Certamente não até que eu conseguisse realmente fazer algo para vingar a
morte do meu amigo.

Se meu irmão e seu marido tivessem o que queriam, provavelmente


nunca aconteceria.

Voltar ao trabalho veio com muitos problemas por si só, mas pelo
menos eu estava fazendo alguma coisa.

Felizmente, Chris estava ocupado quando entrei pela primeira vez,


então acabei atendendo alguns pacientes antes de realmente ficar cara a cara
com ele.

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Eu podia sentir alguém me observando, e me virei para ver que era ele.

— Você apareceu. — Disse ele, nem mesmo se preocupando em


esconder sua surpresa.

— Você pensou que eu não iria? — Eu perguntei.

Ele bufou.

— Eu esperava que você não fizesse isso. — Disse ele sem perder o
ritmo. — Mas eu acho que é uma coisa boa você estar aqui, já que isso
significa que eu não tenho que substituí-lo.

Eu pisquei.

— Isso é tocante.

Ele apenas sorriu, empurrando uma prancheta na minha mão.

— Nós somos poucos, então comece a trabalhar. A nova estagiária está


chegando mais tarde, e ela vai precisar que você dê a ela o resumo. Ah, e fique
de olho nela.

— E aqui eu pensei que você ainda estava de olho em mim.

— Estou. — Disse ele, já a caminho da porta. — Isso não vai mudar tão
cedo, então se acostume.

— É bom estar de volta. — Eu disse secamente.

Hora de começar.

No meio da manhã, eu cumprimentei a nova estagiária e disse a ela


tudo, desde onde estava o bom café até quem evitar, Chris sendo o primeiro

45
da lista. Mesmo que ele não tivesse sido tão idiota como de costume
ultimamente.

Eu ainda não me sentia exatamente como se pertencesse a este lugar,


mas tinha que haver algo em toda a estratégia de fingir até conseguir. Eu ia
empregá-lo, em vez de quaisquer ideias melhores. Talvez funcionasse
eventualmente.

Por mais ocupado que eu estivesse, ainda havia algo que me chamou a
atenção. Havia uma mulher na sala de espera com cabelo loiro curto e um
terno preto suspeitosamente indescritível. Ela esteve lá a manhã inteira,
mesmo quando outros que estiveram lá depois dela entraram e saíram. E eu
não conseguia superar a sensação de que ela estava, de fato, me observando.

Algo me disse que não era minha aparência arrojada.

— Ei. — Eu disse, me inclinando para falar com a enfermeira da triagem


atrás do balcão. — Você vê aquela mulher ali?

Ela levantou a cabeça e apertou os olhos.

— Quem, aquela com o cabelo curto?

— Sim. — Eu respondi. — Por que ela está aqui?

Ela deu de ombros.

— Ela não veio à mesa. Provavelmente está esperando outro paciente.

— Sim. — Eu disse. — Certo.

Resolvi deixar isso de lado e voltar às minhas rondas, considerando que


havia trabalho mais do que suficiente para me concentrar sem me preocupar

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com algo tão paranoico. A coisa toda com Robbie me deixou no limite, mas
isso não significava que um completo estranho estava me perseguindo.

Mesmo que ela parecesse pertencer a uma Família. Todos deram uma
olhada. Crescendo do jeito que eu cresci, era inconfundível.

O que eu ia fazer, porém, ir até ela e dizer:

— Com licença, Senhora, você está me perseguindo por algum motivo?

É, não.

Eu tinha finalmente parado por dois segundos para sentar e comer um


burrito no micro-ondas na sala de descanso quando Chris se inclinou e latiu:

— DiFiore! Grande engavetamento na rodovia. Todas as mãos no


convés.

Larguei minha comida e peguei um copo de água, já que quase me


engasguei. Droga, esse lugar poderia ser chato por dois segundos?

Para meu alívio, a maioria dos pacientes que já haviam entrado estava
livre de ferimentos com risco de vida, por algum milagre. Eu sabia que não
devia ter esperanças pelo resto do dia, mas peguei o que pude.

Eu estava costurando o joelho de um homem, que tinha sido aberto


tanto que eu podia ver o osso, quando ouvi o som de uma comoção vindo do
corredor. Isso era estranho, considerando que os únicos pacientes que ainda
não estavam aqui foram levados para outro hospital por ferimentos mais
graves, até onde eu sabia.

Olhei ao redor da cortina que separava o quarto do meu paciente do


corredor e vi algumas pessoas recuando. O som de tiros, ensurdecedor e

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familiar, fez meus ouvidos zumbirem, e eu gritei em pânico, me escondendo
atrás da cortina enquanto todos os outros se abrigavam.

Eu estava quase convencido de que estava tendo outro pesadelo. Eu


certamente tive o suficiente deles ultimamente. Era raro que eu pudesse
fechar os olhos sem que algum horror me esperasse, às vezes até antes de
dormir.

Isso era tudo muito real, no entanto. O rastro de sangue escorrendo no


piso de ladrilhos preto e branco era prova suficiente disso.

Eu mal conseguia respirar, sem saber o que fazer. Eu não estava


armado. Enzo e Luca sempre reclamaram disso, mas quando eu estava aqui,
eu não era um membro da Família. Eu não era um assassino, ou um
criminoso, eu era um médico que fez um juramento de não fazer mal, por
mais irônico que isso parecesse para a maioria das pessoas.

Pela primeira vez, eu estava começando a me arrepender dessa decisão.

Merda. O que diabos eu deveria fazer agora? Quando vi um par de


sapatos pretos brilhantes parando do lado de fora da cortina, percebi que era
um pouco tarde demais para isso. Eu cambaleei para trás, colocando-me entre
meu paciente e o estranho, tentando não parecer que estava prestes a
desmaiar de puro terror.

Eu me peguei olhando para um homem que não reconheci, e ainda


assim, de outra forma, eu reconheci. Ele era todo manequim da Máfia de
terno preto que eu já tinha encontrado na minha vida. Ele era alto e
imponente, mas isso não importava quando ele tinha uma maldita arma na
mão. Um que já havia sido demitido e, pelo que eu sabia, um de meus

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pacientes ou colegas estava morto como resultado. Os gritos de pânico nunca
pararam, mas eram quase inaudíveis por causa do zumbido em meus ouvidos.

— Você é Valentine DiFiore? — O homem perguntou com uma voz que


soava como se tivesse passado por um ralador de queijo.

Minha garganta estava apertada, tornando impossível falar, mesmo que


eu quisesse. E isso foi provavelmente o melhor, considerando que eu tinha
certeza de que se respondesse a essa pergunta honestamente, isso significaria
morte certa.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ouvi outro tiro e meu corpo
sacudiu violentamente. Não senti nada, mas sabia pelos relatos de meus
irmãos que não significava nada. Levar um tiro era praticamente um rito de
passagem na família DiFiore, e eu era o único que ainda era virgem, como eles
diziam. Enzo descreveu como se estivesse sendo esfaqueado com uma lâmina
de gelo, enquanto Luca apenas deu de ombros e disse que não se lembrava de
como era, considerando que sua adrenalina estava bombeando na época.

Quando vi um ponto vermelho aparecer na têmpora do meu suposto


assassino, fiquei confuso. O rosto do homem ficou branco e ele deu um passo
cambaleante antes de cair completamente.

Atrás dele estava a mulher que estava me observando o dia todo da sala
de espera, sua arma ainda fumegando.

— Que porra é essa? — Murmurei.

Eu ouvi o som de tiros mais adiante no corredor, e ela se virou, me


ignorando. Houve o som do caos que se seguiu, e talvez fosse adrenalina,
estupidez desenfreada, ou ambos, mas eu saí correndo. Quando cheguei à sala

49
de espera, vi outro cara de terno preto trocando tiros com a mulher que me
salvou. Ela se abaixou uma fração de segundo antes que uma bala atingisse a
parede onde sua cabeça estivera um momento antes, então se endireitou
novamente para atirar mais duas nele. Ele saiu e ela correu atrás dele.

Meu coração estava martelando no meu peito com tanta força que
parecia que ia explodir, mas eu me forcei a agir. Fui até as portas pelas quais
ambos passaram e as fechei para que ninguém mais pudesse entrar. Eu já
podia ouvir sirenes à distância.

Senti que ia ficar doente. Ou desmaiar. Ou ambos. A mão de alguém


descansou no meu ombro e eu estremeci.

— Valentine? — Uma voz familiar chamou, seu aperto no meu ombro.

Olhei para cima, ainda atordoado e em choque.

— Cris? — Eu resmunguei.

Seu olhar se suavizou em alívio, mas durou pouco.

— Você está machucado?

Eu balancei minha cabeça, mas meus movimentos pareciam bruscos e


incertos.

Ele franziu a testa, como se algo sobre a minha resposta o preocupasse.


Talvez eu parecesse pior do que me sentia.

— Vamos. — Disse ele. — Vamos tirar você daqui.

Eu balancei a cabeça novamente, seguindo-o, mas eu ainda estava


atordoado.

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Os próximos dez minutos ou talvez tenham sido mais curtos, ou mais
longos; minha mente não estava apta para tais distinções aconteceu em um
borrão. Eu estava vagamente ciente do fato de que Chris me trouxe para a sala
de descanso e continuou me verificando, e continuei assegurando a ele que
estava bem, mesmo que estivesse muito longe da verdade.

As ambulâncias chegaram e a polícia também. Eu ainda estava


atordoado quando eles queriam falar comigo, e eu podia ouvir Chris
discutindo com eles sobre eu estar em choque, mas eles não estavam ouvindo.
Eu estava muito fora disso para acompanhar o que eles poderiam saber, e o
que eles não podiam. Realmente não parecia importar, de qualquer maneira.
Encarei tudo com uma espécie de apatia distante, sabendo que estava muito
entorpecida para me importar.

— Pelo amor de Deus, ele mal está consciente. — Chris cuspiu. — Sua
declaração pode esperar.

— Temo que não possa. — Foi a resposta do oficial.

Senti como se tivesse acabado de acordar de um sonho e não tinha ideia


do que estava acontecendo, mas me vi no centro das atenções.

— Valentine? — Chris perguntou cautelosamente. — Você comigo?

Eu balancei a cabeça trêmula. Mesmo eu não tinha certeza de qual era a


pergunta.

Ele parecia aliviado, de qualquer maneira.

— Eles vão te levar para o centro para dar seu depoimento. Vou ligar
para o seu irmão, ok?

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— Ok. — Eu disse indiferente. Em circunstâncias normais, eu sabia que
falar com a polícia era a pior coisa que eu poderia fazer, mas isso não parecia
importar agora. Não era como se eu pudesse formular uma resposta para sair
disso.

Eu não sabia por que eles queriam me questionar, considerando que eu


tinha certeza de que não tinha feito nada ilegal, pelo menos não no momento,
mas eu era culpado do mesmo jeito. Se era isso que eles queriam verificar,
eles não precisavam me levar ao centro para isso. Poderíamos resolver o
assunto, aqui e agora.

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Capítulo 4
Malcolm

Se havia um benefício em ser um completo recluso fora do trabalho, era


que quando meu telefone tocava, eu sabia que era importante. Quando vi que
era Silas no meu identificador de chamadas, sabia que provavelmente era
uma questão de vida ou morte, considerando que meu irmão mais novo não
era exatamente do tipo que ligava apenas para conversar.

Depois de passarmos cinco anos sem nos vermos, tínhamos estado em


contato com mais frequência do que o normal. Curiosamente, ele se casar nos
aproximou. Pelo menos, tão perto quanto dois idiotas apáticos sem o
departamento de consciência e habilidades sociais eram capazes de ser.

— Com licença. — Eu disse ao legista, saindo do necrotério para atender


o telefonema. — Tudo bem, o que você precisa?

Houve apenas um silêncio indignado do outro lado por um momento.

— Eu não posso ligar para o meu irmão para dizer olá?

— Você pode, mas você nunca faz. — Eu o lembrei. — Então eu vou te


perguntar de novo, o que é? Você precisa de mim para resgatar seu amante da
prisão de novo?

— Perto, mas não exatamente. — Admitiu Silas. — É o irmão dele.

Eu pisquei.

— O casado ou o estúpido?

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— O último. — Ele respondeu sem perder o ritmo.

Eu gemi.

— O que ele fez? Estamos falando de conduta bêbada e desordeira, ou


assassinando o filho de um político proeminente? Parece ser um passatempo
de família.

— Foda-se você também, Malcolm. — Disse Enzo ao fundo.

Silas bufou.

— Ele não fez nada, tecnicamente falando. Você não ouviu o que
aconteceu no hospital?

— O hospital? Estive na cena do crime a manhã toda. Homicídio duplo.

— Parece divertido. — Disse Silas sem um traço de ironia. — Seu rádio


está desligado?

— Por alguns minutos. O legista sempre reclama do barulho quando


estamos no necrotério.

— Bem, você pode querer ligá-lo novamente.

Aumentei o volume novamente e escutei a enxurrada de atividade no


que tinha sido um canal relativamente silencioso cinco minutos atrás. Houve
um tiroteio fatal no hospital onde Valentine trabalhava, e eu escolhi o nome
―DiFiore‖ sendo murmurado nada menos que cinco vezes.

Nesse momento, um dos novatos do andar de cima veio correndo pelo


corredor com um olhar de pânico no rosto.

— Chefe, o hospital...

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— Eu sei. — Eu lati, porque eu nunca fui realmente capaz de largar o
hábito de atacar o alvo mais próximo disponível. — Vá buscar Smith.

Ela hesitou por uma fração de segundo antes de assentir trêmula e


desaparecer na esquina.

Voltei minha atenção para o telefone e murmurei:

— É melhor não ser um dos seus. Esta é a última coisa que eu preciso
com a temporada eleitoral ao virar da esquina.

Já era ruim o suficiente que minha conexão com a família fosse o


segredo mais mal guardado da indústria. É verdade que ninguém sabia que
Silas era Ghost, mas sabiam que ele era meu irmão e marido de Lorenzo
DiFiore. Isso foi o suficiente para um conflito de interesses, especialmente
considerando tudo o que aconteceu há alguns anos com as mortes prematuras
do pai de Lorenzo e Mark Rossi.

Intempestivo no sentido de que ambos deveriam ter sido exterminados


há muito tempo, mas ainda assim.

— Você ouve a si mesmo? — Enzo exigiu, soando mais perto do telefone


agora. — Você poderia pelo menos tentar fingir que se importa com o fato de
que pessoas inocentes estão mortas. Tudo o que importa é a sua maldita
reputação. O que é uma merda, a propósito. Você é o filho da puta mais
corrupto que existe. é, e o fato de que você pode usar esse distintivo sem
explodir em chamas é uma maldita comédia divina.

Revirei os olhos. Ele não estava exatamente errado, mas não achei sua
ingenuidade infantil tão encantadora quanto meu irmão. Não por um tiro
longo.

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— Bem, eu posso dizer que seu irmãozinho não é uma das vítimas, já
que você ainda é coerente o suficiente para me xingar. Você está com meu
irmão há tempo suficiente, você provavelmente deveria ter descoberto tudo
isso por agora. — Eu respondi, pegando meu casaco. — E se você não tiver, eu
sinto muito por você.

Enzo ficou em silêncio, mas eu podia imaginar o olhar que ele me


lançava. Eu gostava muito mais dele do que ele de mim, e verdade seja dita, se
ele tivesse gostado de mim, eu provavelmente não teria gostado. Ele, como a
maioria das pessoas, tinha a impressão de que eu era menos sociopata do que
Silas.

E de certa forma, ele estava certo. Eu não era um sociopata em tudo.


Silas era do jeito que era porque estava traumatizado pela merda que
passamos quando crianças. Eu era do jeito que era porque era assim que eu
tinha saído. Era a única coisa que eu tinha herdado de nossa puta mãe, e
provavelmente o inútil saco de merda que nos gerou, onde quer que ele
estivesse nos dias de hoje. Eu não me importava na época, e certamente não
me importava agora, aos trinta e nove anos.

Crescendo, eu sempre imaginei que Silas estava melhor sem mim. Que
talvez ele pudesse escapar do legado de nossa família se eu não estivesse por
perto para manchá-lo. Acontece que, se a fonte da infecção era inata ou
transmitida, não havia como escapar dela. Não para ele. Não para mim. Ele
acabou me dando uma corrida pelo meu dinheiro metade do tempo, com um
apetite pelo caos que superou até mesmo minha predileção natural por isso.

Nós dois encontramos nossas próprias saídas. Nossas próprias maneiras


de ser produtivos, se não membros honestos da sociedade. Mesmo que

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vivêssemos nos arredores dela. Eu entrei na lei, ele foi acima dela. Éramos
dois lados da mesma moeda; duas coisas quebradas e retorcidas que não eram
adequadas para a sociedade educada, não importa o quão bem adotássemos
as armadilhas disso quando nos convinha.

Achei que era algo que sempre teríamos em comum. E então Enzo
apareceu, e Silas fez a única coisa que eu nunca pensei que qualquer um de
nós seria capaz de fazer, ele mudou. E se apaixonou.

Ele encontrou alguém que imediatamente entendeu a escuridão dentro


dele e, em vez de se sentir intimidado por ela, estava disposto a pegar sua mão
e guiá-lo através dela. Não fora disso, não inteiramente. Enzo tinha sombras
suficientes, mas o que faltava em convenções na vida doméstica deles,
compensava em significado. No calor e na humanidade, e em todas aquelas
coisas que antes estavam tão longe do alcance de Silas.

E sempre seria para mim.

— O que você precisa que eu faça, exatamente? — Eu perguntei no meu


caminho para fora.

— Um dos meus homens está no local. Ele me disse que levaram


Valentine à delegacia para interrogatório. — Respondeu Silas.

— Você quer dizer um dos meus homens. — Eu gritei.

— Eu só preciso que você vá lá e o tire-o. — Disse Silas,


convenientemente ignorando minha observação.

— Volte um segundo. O que você quer dizer, eles o levaram para a


delegacia para interrogatório? Se ele não fez nada, e ele foi apenas uma vítima
nessa merda, ele poderia ter dito não.

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Silas ficou em silêncio por um momento antes de responder:

— Ele se ofereceu, até onde eu posso dizer.

— Ele se ofereceu? — Eu ecoei em descrença quando entrei no meu


carro e liguei o motor. — Você está brincando comigo? O que, ele tem vivido
em uma caixa de sapatos todos esses anos? Vocês não o ensinaram a saber
melhor do que ir com os policiais de bom grado?

— Claro que sim. — Retrucou Enzo. — É Valentine. Ele poderia ser


pressionado por uma criança. Por que diabos você acha que eu estava tão
ansioso para que ele não se juntasse aos negócios da família?

Foi um ponto justo. Suspirei, passando a mão pelo meu rosto. Eu não
tinha dormido na maior parte dos três dias, e parecia que isso não iria mudar
tão cedo.

— Olha, eu já estou afundado em relações públicas ruins com vocês dois.


Se ele é inocente, não há nada que eles possam realmente fazer, de qualquer
maneira. Eu indo lá para libertar meu cunhado não vai exatamente ajudar
com as acusações de corrupção.

Seria uma coisa se Silas estivesse em apuros diretos, ou mesmo Enzo,


considerando que eu sabia o quanto meu irmão estava disposto a se jogar na
pira pelo marido. Mas isso era muito tangencial para arriscar esse tipo de
envolvimento.

— Seu filho da puta. — Enzo rosnou. — Eu disse que ele não ia fazer
merda nenhuma. — Disse ele para Silas, soando mais distante novamente.

— Há algo mais. — Disse Silas, seu tom escurecendo. Eu esperava que


ele ficasse irritado por eu não estar ajudando, considerando que ele não podia

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dizer não a Enzo, não importa o quão autodestrutivo esse impulso fosse. Algo
sobre seu tom me deixou em guarda, no entanto.

— O que é isso? — Eu perguntei cautelosamente.

— Isso não aconteceu do nada. Um velho amigo da família foi trazido


para o hospital. Ele morreu, mas não antes de dar a Valentine algo que
pertence a um conhecido nosso.

— O que diabos você está falando? — Eu exigi.

— Demônio. — Ele respondeu.

Esse nome foi o suficiente para causar uma reação visceral em mim.
Silas ficou em silêncio porque sabia exatamente o efeito que aquele nome
teria. Fúria pura, não adulterada, cegante. Era mais emoção do que eu sentia
desde que me lembrava, e da última vez, tinha sido despertada pela mesma
aparição.

— Isso não é possível. — Eu disse, soando muito mais calmo do que eu


tinha direito. — Demônio está morto. Ele está morto há anos, e se você está
apenas usando esse nome para tentar me fazer intervir, você deveria saber
melhor.

— Eu faço. — Disse ele calmamente. — E eu não estou. Eu não sei se é


ele, mas no mínimo, é um pouco demais de coincidência, você não acha?

Fiquei em silêncio, tentando organizar meus pensamentos, o que era


uma causa perdida quando se tratava do assunto. Eu não era realmente uma
criatura instintiva, mas toda regra tinha sua exceção.

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— O que exatamente aconteceu? E eu preciso que você seja muito
específico.

— Como eu disse, um velho amigo de Valentine veio ao pronto-socorro


na outra noite. Ele estava sangrando de um ferimento de bala no peito, e
parece que ele sabia que ia morrer. Ele deu a Valentine um chip, do tipo que
alguns mafiosos de baixo nível não tem apenas por aí. Ele alegou que tem
informações que seriam a ruína de Demônio, e considerando o fato de que
isso o matou, estou inclinado a pensar que ele estava certo sobre isso. Hoje,
dois homens apareceram no hospital para matar Valentine.

— Se ele ainda está vivo, isso deve ser a prova de que não era Demônio.
— Raciocinei.

— Eu tinha alguém olhando para ele, obviamente. — Disse Silas.

— Claro que sim. — Eu disse. — O que, mais um do meu povo, fazendo


luar como sua comitiva?

— Por favor, aprendi essa lição com Donovan. Sem ofensa, mas eu não
confio no seu processo de habilitação. — Ele brincou. — Sloan é ex-FBI.

— Claro. — Eu disse novamente.

— Ela interceptou o ataque e matou um dos assassinos. — Continuou


ele. — Ela conseguiu perseguir o outro, mas quando o encontrou em um beco,
ele estava morto.

— Outro golpe? — Eu perguntei em dúvida.

— Cápsula de cianeto. Sem identificação em nenhum dos corpos. Sem


impressões digitais. Soa familiar?

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Fiz uma pausa para considerar suas palavras, ainda me sentindo como
se estivesse perdendo alguma coisa. Como se tudo isso fosse bizarro demais
para ser verdade.

— Esse é certamente o estilo dele. Você realmente acha que é ele?

— Não sei. — Respondeu Silas. — Mas eu não acredito em coincidência.


Não no que diz respeito a esse nome.

— Sim. — Eu disse rispidamente. — Nem eu. Onde está esse chip? E o


que tem nele?

— Eu não sei. — Admitiu Silas. — Apenas lê-lo é perigoso. Ele pode ser
usado para reverter o rastreamento de nossas coordenadas, e não posso
arriscar usar nenhum dos equipamentos que tenho para executá-lo caso seja
um Trojan. Pelo que sabemos, pode desencadear um fio de armadilha se isso
realmente é o Demônio que estamos lidando. No mínimo, é alguém que quer
que acreditemos que é, o que é preocupante por si só.

Ele estava certo sobre isso. Demônio tinha sido o protegido de Silas, o
que significava que meu irmão teria ensinado a ele todas as ferramentas do
comércio necessárias para cobrir seus rastros.

— Tudo bem. — Eu disse. — Eu vou tirar o garoto. Mas em troca, eu


quero aquele chip e quando chegar a hora, se for Demônio, Valentine é minha
testemunha.

Silas não respondeu de imediato, mas Enzo foi rápido para entrar na
conversa.

— Besteira. — Ele retrucou. O irmão mais velho protetor, como sempre.


Eu poderia me relacionar até certo ponto, mas isso não o tornava menos

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irritante. — Ele não vai ser um peão em sua investigação. Ele já passou por
bastante.

— Amor, por favor. — Silas implorou naquele tom gentil que eu só o


tinha ouvido usar com Enzo. Inferno, eu nem pensei que ele fosse capaz disso,
e o fato de parecer genuíno era ainda mais desconcertante. Concedido, essa
ternura ainda estava reservada para um homem sozinho, mas era incrível,
independentemente. — Se você não confia em mais nada, acredite que
Malcolm não vai deixar nada acontecer com Valentine se ele acha que há uma
chance de que ele possa nos levar a Demônio.

Ele estava certo sobre isso também.

Enzo hesitou.

— Eu sei que Silas tem uma história com essa aberração, mas qual é o
problema com vocês dois? — Ele perguntou-me. — Ele se nomeou depois de
você ou algo assim?

— Não. — Eu rebati. O nome veio de sua imprensa durante seus dias de


serial killer. Antes de Silas 'observá-lo'.

Então Silas contou a verdade a Enzo. Ou pelo menos parte dela. Isso em
si era interessante.

Minha metade da verdade era um pouco mais complicada.

— Demônio matou seu marido. — Silas respondeu por mim antes que
eu pudesse dizer a ele para calar a boca. — Apenas confie em mim nisso. Por
favor.

Mais silêncio.

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— Tudo bem. — Enzo murmurou. — Mas se alguma coisa acontecer
com Val, eu vou te responsabilizar.

Com isso, eu podia ouvir passos enquanto ele se afastava.

— Problemas no paraíso, irmão? — Eu perguntei secamente, ainda


chateada por ele sentir que tinha o direito de contar a qualquer um, até
mesmo seu marido sobre Owen.

Silas suspirou, com força suficiente para causar estática no telefone.

— Ele só está preocupado com seu irmão. Eu também, aliás.

— Eu te disse, eu vou tirar o garoto. — Eu murmurei. — Protegê-lo de si


mesmo vai ser a parte mais difícil, pelo pouco que sei dele.

— Você não está errado sobre isso. — Disse Silas em um tom monótono.
— Mas eu estava falando de você.

Suas palavras me pegaram desprevenido.

— Apenas me dê o chip e tente manter seu mafioso de estimação e sua


família fora dos jornais por vinte e quatro horas, se você acha que consegue.
— Eu disse antes de desligar.

A verdade era que ele provavelmente estava certo em estar preocupado.


Não por minha causa, é claro, mas porque se Demônio realmente ainda
estivesse vivo de alguma forma, eu não iria parar até que ele fosse embora.

Mesmo se eu tivesse que destruir o mundo no processo.

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Capítulo 5
Valentine

Eu estava sentado em uma sala espartana cercada por três ternos por
quase vinte minutos, talvez trinta, e até agora, as perguntas tinham sido mais
focadas na minha família do que na tragédia que acabara de acontecer.

Por mais abalado que estivesse, consegui não lhes dar nenhuma
evidência contundente ainda. O fato de que a mulher à minha direita de
terninho cinza claro que parecia ser sua superior ficava perguntando sobre o
papel de Enzo na morte de papai e do pai de Geo era prova suficiente de que
isso era um erro.

Eu pensei que ser cunhado de Malcolm me daria alguma folga, mas isso
parecia ser o oposto do caso, se alguma coisa. E não era como se eu pudesse
dizer:

— Com licença, você sabe quem eu sou? — Porque por um lado, eles
definitivamente fizeram, e essa foi a razão pela qual eu estava aqui. E por
outro, essa era uma maneira infalível de fazê-los me odiar ainda mais do que
claramente já odiavam.

— Você não acha que é um pouco estranho? — Terno cinza perguntou,


cruzando os braços enquanto ela pairava sobre mim do outro lado da mesa.
Eu não tinha certeza se os outros deveriam estar bancando o bom policial ou
se eles estavam lá apenas para reforço. Talvez apenas para ter certeza de que
eu não corri para a porta. — Você, o filho mais novo de uma das famílias

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criminosas mais infames da cidade, por acaso estava no centro de um tiroteio
em massa e ainda não tem ideia do que pode ter precipitado isso?

Eu engoli em seco.

— Apenas um dos mais? Cara, nós apostatamos.

Terno Cinza não parecia achar isso engraçado. Nem seus lacaios.

— Estou feliz que você possa encontrar um senso de humor em tudo


isso. — Disse ela com um sorriso perigoso, plantando as mãos na mesa
enquanto se inclinava. — Mas acho que estaria rindo também, se tivesse o
chefe de polícia no meu bolso de trás.

— Sim, eu não acho que somos tão próximos quanto você parece
acreditar. — Eu disse a ela. Toda a situação de senhora zangada me
interrogando com algemas penduradas em seu cinto era definitivamente um
cenário em que eu já estive antes, mas era apenas nas minhas fantasias, e ela
geralmente usava mais couro. Foi muito mais divertido na minha cabeça.

Antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, a porta se abriu. Eu não
tinha certeza de quem eu estava esperando, realmente. Parte de mim estava
meio que esperando por Enzo ou Luca, e diabos, eu até ficaria aliviado em ver
Silas.

Ok, talvez aliviado fosse um exagero, mas eu não teria odiado tanto
quanto de costume.

No momento, porém, eu estava começando a me sentir como se


estivesse em algum drama policial quando Malcolm entrou na sala, vestindo
um terno de três peças sem a jaqueta bege combinando. Só ele conseguia

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fazer os suspensórios parecerem legais. Para ser justo, ajudou que o cara fosse
construído como uma casa de tijolos.

Ou era só para mulheres? Tenho certeza de que ele parecia uma casa de
tijolos literal mais do que qualquer mulher que eu já conheci, considerando
que o cara tinha um metro e oitenta e meio de altura e músculos sólidos de
parede a parede. Ele parecia que poderia me quebrar ao meio, e quando seus
olhos pousaram em mim, ele meio que parecia estar pensando sobre isso.

Eu engoli em seco.

— O que diabos é isso? — Malcolm exigiu, olhando entre nós. Eu


poderia dizer que a pergunta foi dirigida a Terno Cinza, porém, não a mim,
então eu fiquei quieto, não ansiosa para fazer qualquer um deles mais
consciente da minha presença do que eu precisava.

— Chefe Whitlock. — Disse ela, levantando-se da mesa. — Que


surpresa.

Sua voz não estava apenas cheia de sarcasmo, estava saturada.

Malcolm a encarou, dando-lhe um olhar tão sujo que fiquei meio


impressionado que ela conseguiu resistir sem se encolher. Eu não era tão
robusto.

— Você quer me dizer por que eu tenho meus melhores detetives


questionando uma vítima de tiro como se ele fosse um maldito suspeito
quando há um duplo homicídio e uma apreensão de drogas acontecendo no
centro da cidade? — Ele demandou.

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Os outros dois detetives se levantaram da mesa e recuaram um pouco,
olhando cautelosamente entre seus superiores. Nenhum dos dois disse uma
palavra, porém, e decidi que era sensato seguir o exemplo deles.

— Atirar na vítima que parece estar no centro de muitos dos maiores


crimes da cidade. — Disse ela, cruzando os braços. — Eu não posso deixar de
ser um pouco curiosa.

— A cidade não paga para você ser curiosa. — Disse Malcolm,


avançando até ficar cara a cara com ela. — Você paga para fazer a porra do seu
trabalho, então eu sugiro que você vá lá e faça isso. Todos vocês.

Houve mais um confronto de olhares para baixo, mas os outros


pareciam ver a escrita na parede antes dela e rapidamente saíram da sala.
Terno Cinza olhou por cima do ombro, carrancudo para os companheiros que
a abandonaram.

Ai.

— Desculpe, eu gaguejei? — Malcolm perguntou em um tom fervente.


— Preciso me repetir de novo, detetive Miller?

Ela apertou a mandíbula, raiva queimando em seus olhos.

— Não, chefe. Você foi perfeitamente claro.

Com isso, ela pisou em direção à porta e abriu-a. Ela fez uma pausa para
olhar para mim, me dando um olhar sujo.

— Você tem amigos em todos os lugares, DiFiore. É melhor você manter


assim. — Disse ela antes de sair, batendo a porta atrás dela.

Sim, isso não era nada ameaçador.

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— Malcolm. — Eu disse, me levantando. — Como você sabia que eu
estava aqui?

— Isso foi fácil. — Disse ele, dando alguns passos ameaçadores em


minha direção. Isso foi o suficiente para ele limpar a sala. Eu recuei, mas me
encontrei presa contra a parede sob seu olhar fulminante. — Eu estava
pensando comigo mesmo, qual seria a merda mais idiota possível que
Valentine DiFiore poderia ter se metido hoje? E isso me trouxe bem aqui.

Eu me encolhi, sentindo minha garganta ficar apertada.

— Meu irmão?

— Não me diga. — Ele retrucou, empurrando meu ombro com força


suficiente para me prender de volta na parede. — O que diabos você estava
pensando, indo com a polícia? Você é um menino de dois anos, ou filho de um
chefe da máfia?

Eu não respondi, porque eu tinha certeza de que ele não esperava que
eu respondesse.

Ele soprou uma lufada de ar pelas narinas como um touro furioso. Ele
continuou a olhar para mim por alguns longos momentos antes de dizer:

— O que você disse a ela?

— Nada. — Eu disse rapidamente. Quando percebi que ele não


acreditava em mim, acrescentei: — Juro que não acreditei. Ela só me
perguntou um monte de merda sobre meu irmão e meu pai, mas eu me fiz de
bobo.

— Sim, eu imagino que seria fácil para você. — Ele retrucou.

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Eu fiz uma careta, mas não era como se fosse algo que eu não tivesse
ouvido antes. Eu não tinha certeza se ele estava esperando que eu me
defendesse ou o quê, mas quando não o fiz, ele apenas soltou um suspiro
exasperado.

— Vamos. — Ele disse, balançando a cabeça para que eu o seguisse


enquanto ele abria a porta. — Vamos tirar você daqui.

— Eu posso ir? — Eu perguntei em dúvida.

— Você nunca foi preso. — Ele disse incisivamente. — O que, você


achou que eles iriam admitir isso?

— Eu não sei. — Eu murmurei, me sentindo uma idiota enquanto o


seguia para fora da estação, tentando não olhar para ninguém, embora eu
pudesse sentir todos os olhos em nós. Eu podia entender por que Malcolm
estava tão chateado. Esta era definitivamente uma atenção que ele não iria
querer. Eu tinha certeza de que ele tinha escrúpulos suficientes sobre estar
conectado à nossa família de alguma forma. Já havia rumores suficientes
sobre ele, e a corrupção era apenas a ponta do iceberg. Ele tinha amigos em
altos e baixos, e mesmo que ninguém soubesse o que Silas fazia, Malcolm
tinha uma reputação suficiente.

Eu o segui para fora e para o estacionamento. Eu não tinha certeza do


que estava esperando que ele dirigisse, mas definitivamente não o Tesla preto
brilhante no local marcado como Chefe de Polícia.

— Droga, o serviço público paga melhor do que eu pensava. —


Murmurei. Ele me lançou um olhar de irritação, e eu sorri rigidamente. —
Certo. Muita conversa.

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Malcolm apenas revirou os olhos antes de entrar e ligar o motor. Eu
pulei no banco do passageiro e apertei o cinto. Fiquei feliz por ter feito isso
quando ele começou a dirigir rápido o suficiente para quebrar a barreira do
som.

Para ser justo, não era como se ele tivesse que se preocupar em ser
parado. Eu estava acostumado a um mundo de padrões duplos, e parecia que
o outro lado da lei era o mesmo.

Olhei para minhas mãos e, quando percebi que ainda estavam


tremendo, rapidamente as empurrei sob minhas coxas. Isso não era nada
patético. Eu não sabia por que, mas eu não queria parecer fraco na frente
desse homem. Achei que era só porque ele era irmão de Silas. Isso certamente
era motivo suficiente.

Já era ruim o suficiente todos me verem como o irmãozinho fraco de


Enzo e Luca. Pior ainda, eles estavam certos. Os últimos dias me ensinaram
isso, se nada mais.

Eu podia me sentir sendo observado, e quando olhei, com certeza,


Malcolm estava olhando para mim.

— Você tem sorte de estar vivo, você sabe.

— Sim. — Eu disse. — Por sorte.

Ele franziu a testa.

— De quem foi a ideia de deixar você ir para a medicina, afinal?

Eu me irritei com sua observação, mesmo que eu estivesse com muito


medo dele.

70
— O que você quer dizer, de quem foi a ideia? Você faz parecer que eu
precisava pedir a permissão do meu irmão.

— Ele é o Don. — Raciocinou. — Não é assim que funciona?

— Talvez em algumas famílias. — Eu murmurei. — Não a nossa.

— Você tem certeza disso? — Ele desafiou. — Ou eles apenas deixam


você fazer o que diabos você quiser para mantê-lo fora do caminho?

Suas palavras soaram como um soco no estômago e atingiram muito


mais forte do que eu queria admitir, até mesmo para mim mesma.
Especialmente considerando o fato de que eu nem conhecia esse cara, então o
que diabos importava o que ele pensava de mim?

Talvez fosse o fato de que, no fundo, ele estava ecoando o que eu sempre
pensei. O que eu temia e o que eu sabia, mesmo que quisesse me convencer
do contrário.

Malcolm suspirou pesadamente.

— Olha, me desculpe. Foi um dia difícil, e não era assim que eu queria
terminar.

— Isso faz de nós dois. — Eu murmurei.

Percebi que havíamos perdido a curva para a casa de Johnny, e eu não


tinha realmente dito a ele que não estava hospedado na casa agora. Nem um
pouco, se eu pudesse evitar.

— Na verdade, você acha que poderia me deixar na casa do meu primo?

— Seu primo? Por quê? Vou te levar para casa.

71
— Eu não vou ficar na casa. — Eu respondi, não querendo ir mais longe
do que isso.

— Por que? — Ele demandou.

Eu defini minha mandíbula. Excelente. Outro interrogatório.

— Porque eu não estou, ok?

— O que, você e seu irmão tiveram uma briga? — Ele perguntou, seu
tom deixando claro que ele achava que eu estava apenas sendo uma criança
teimosa.

— Sim. Sobre seu irmão, na verdade. — Eu disse incisivamente.

Eu esperava que ele fizesse outro comentário espertinho, mas em vez


disso, ele apenas bufou uma risada.

— Estou surpreso que tenha demorado tanto.

Eu afundei de volta no assento do balde. Para um pedaço de aço


superfaturado, pelo menos era confortável.

— Eu realmente não sinto vontade de lidar com nenhum deles agora.

— Desculpe, mas estou sob instruções estritas para entregá-lo ao seu


irmão e, francamente, isso é provavelmente o melhor.

— Eu não sou a porra de uma criança! — Eu agarrei.

Ele levantou uma sobrancelha, como se eu tivesse acabado de provar


seu ponto.

— Se isso fosse verdade, você não precisaria ser dito para não falar com
a polícia.

72
— Diz a polícia. — Eu gritei.

Ele apenas sorriu e voltou sua atenção para a estrada. Se não


estivéssemos a um bilhão de milhas por hora, eu poderia ter ficado tentado a
pular do carro, apenas por princípio.

— Sabe, isso é basicamente um sequestro. — Eu disse.

— Ah, sim? Chame a polícia.

Eu rosnei em frustração. Hoje só ficou cada vez melhor.

Decidi que discutir mais com ele era um ponto discutível. Eu estava
indo embora assim que chegássemos, e se Enzo me desse alguma merda por
isso, bem, não seria a primeira vez que eu fugiria.

Eu estava prestes a sair do carro quando finalmente entramos na


garagem, mas o Sargento Douchebag ligou as travas de segurança para
crianças antes que eu pudesse abrir a porta.

— Nem pense em correr. — Disse ele. — Eu vou ter todos os distintivos


do condado atrás de sua bunda.

Atirei-lhe um olhar venenoso.

— Sim, parece um ótimo uso do dinheiro do contribuinte.

Ele me ignorou, mas destrancou a porta. Eu saí, resistindo ao desejo de


provar que ele estava certo, batendo atrás de mim. Era tentador, no entanto.
Mesquinho, mas tentador.

Antes mesmo que pudéssemos chegar à porta da frente, ela se abriu e,


sem surpresa, Enzo estava esperando do outro lado para me puxar pela
soleira.

73
— Graças a Deus. — Ele sussurrou, olhando para mim e pegando meu
rosto em suas mãos como uma mãe preocupada. — Você está machucado?

— Não. — Eu disse, dando de ombros. — Estou bem.

Eu poderia dizer que ele não acreditou pela carranca em seu rosto, mas
ele olhou para cima quando Malcolm veio atrás de mim.

— Obrigado por trazê-lo para casa. — Disse ele, endurecendo o


suficiente para que eu me perguntasse se eles já tinham entrado nisso antes
ou algo assim. Sobre o quê, eu não podia imaginar. Eles certamente eram uma
frente unida quando se tratava de me irritar.

— Você não precisa me agradecer. — Disse Malcolm. — Basta lembrar o


seu fim do negócio.

Enzo grunhiu em reconhecimento, recuando para deixar o outro


homem entrar.

— Qual negócio? — Eu perguntei, relutante em me aventurar além do


patamar. Eu não queria estar aqui. Eu estava tendo a enxaqueca do século,
meus ouvidos ainda estavam zumbindo com os malditos tiros, e eu
continuava sentindo que ia desmaiar. Eu não tinha certeza se era pela onda de
adrenalina, exaustão do interrogatório ou choque. Inferno, eu nem tinha
certeza de ter me recuperado totalmente do choque da morte de Robbie, por
falar nisso.

Tanta coisa aconteceu em um período tão curto de tempo, e tudo isso


parecia o suficiente para uma vida e mais algumas. Eu não conseguia nem
manter meus pensamentos em ordem. Eu senti como se estivesse à beira de
um colapso a qualquer minuto, e mesmo que eu não soubesse que forma esse

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colapso tomaria, eu certamente não queria estar perto deles quando isso
acontecesse.

Nem Enzo nem Malcolm disseram uma palavra, mas Silas entrou na
mesma hora, vestindo em um de seus desagradáveis ternos brancos elegantes.
Eu duvidava que ele os tivesse comprado na prateleira. Provavelmente tinha
feito sob encomenda de bichos-da-seda mágicos ou alguma merda. Isso
parecia exatamente o tipo de coisa presunçosa e ostensiva que ele faria.

Não, eu não estava nada amarga.

— Olha o que o gato arrastou. — Observou Silas, porque ele sempre


tinha que ter alguma frase presunçosa e legal no bolso de trás. — Espero que
você saiba que não vai sair sem supervisão até ter idade suficiente para
receber uma pensão.

— O que, você é meu pai agora? — Eu atirei de volta.

— Claro que não. — Ele zombou, suas mãos enfiadas nos bolsos de suas
calças. — Eu estou vivo.

Comecei a responder, mas meu queixo ficou meio aberto.

— Uau. Você é uma vadia, mas vou admitir, essa foi boa.

— Silas! — Enzo repreendeu.

— O que? — Silas perguntou em um tom inocente. — Cedo demais?

Enzo apenas revirou os olhos e voltou sua atenção para mim.

— Ele está certo, aliás. Você tem alguma ideia de como ficamos
preocupados quando ouvimos sobre o tiroteio?

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— Sim, tenho certeza que ele terminou por causa disso. — Eu disse
secamente, olhando para Silas.

— Acredite ou não, eu realmente me afeiçoei muito a você, diabinho


precoce que você é. — Comentou Silas.

Eu fiz uma careta.

— De longe, a parte mais insultante disso é a implicação de que você


gosta de mim.

Ele riu. Isso era raro. Pelo menos, era raro alguém além de Enzo fazê-lo
rir.

— Nós vamos? — Malcolm perguntou impaciente, como se ele


claramente tivesse lugares melhores para estar. Não que eu pudesse culpá-lo
por isso. Esta não era a minha ideia de um momento divertido, também.
Quanto mais cedo ele saísse, mais cedo eu poderia sair, mesmo que minha
moto ainda estivesse no hospital.

— Aqui está. — Disse Silas, estendendo a mão para colocar algo na


palma da mão de Malcolm. Eu não tinha certeza por que eu pensei que seria
em dinheiro. Como se nenhum desses idiotas não tivesse bolsos sem fundo de
todas as besteiras que eles fizeram.

Quando percebi que era o microchip, fiquei boquiaberto, incrédulo.

— Que diabos? Primeiro você pega, depois usa como moeda de troca
literal com seu irmão? — Eu chorei, recentemente enfurecida. — Você está
falando sério agora?

— Valentine, acalme-se. — Pediu Enzo. — Eu posso explicar.

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— Explicar o quê? — Eu cuspi. — Este é claramente um jogo para todos
vocês. Robbie está morto, e esse chip é a única esperança de encontrar o filho
da puta que fez isso!

— Essa é a ideia. — Comentou Malcolm. — E se isso é o que você


realmente quer, fique feliz que está fora de suas mãos. Eu assumo a partir
daqui.

— Foda-se! — Eu rosnei.

— Val... — Avisou Enzo.

O policial apenas lhe deu um sorriso torto. — Está tudo bem. Eu não
levo as birras das crianças para o lado pessoal.

— Eu vou te matar porra. — Eu fervia, encontrando-me cego pela raiva


e fora de controle pela segunda vez em questão de dias. A julgar pela forma
como os olhos de Malcolm se arregalaram de surpresa apenas um pouco o
suficiente para ser perceptível enquanto eu voava em direção a ele, ele não
estava esperando por isso.

Isso fez de nós dois.

Eu mal tinha feito contato, empurrando o peito de Malcolm com as duas


mãos, e a dor disparando pelos meus antebraços já estava me fazendo me
arrepender.

O que, ele era feito de tijolos reais?

Eu dei um soco nele de qualquer maneira. Porque eu era aparentemente


suicida e um pouco homicida ou eu tinha enlouquecido. Talvez um pouco de
ambos.

77
O soco não se conectou como aconteceu com Chris. Talvez eu estivesse
ficando arrogante só porque consegui dar um soco em um cara duas vezes
maior que eu, mas quando Malcolm agarrou meu punho com força e me
prendeu contra a parede, percebi que não estava apenas jogando fora do meu
nível. Eu nem estava jogando o esporte certo.

Sua outra mão se fechou em volta da minha garganta, segurando-a com


força suficiente para que eu tivesse dificuldade para respirar. Embora isso
poderia ter sido a adrenalina chutando tarde. Eu não tinha certeza de como eu
ainda tinha alguma esquerda neste momento.

Seu sorriso presunçoso se dividiu em um sorriso diabólico. Naquele


instante, qualquer mistério sobre por que o chamavam de ―Diabo‖ evaporou.
Eu tinha certeza que se você procurasse ―sinistro‖ no dicionário, a foto dele
estava bem ali ao lado da definição, e seu irmão estava arquivado em todos os
sinônimos.

— Sabe, sob quaisquer outras circunstâncias, eu ficaria mais do que


feliz em deixar você entrar nesse golpe e tomar isso como carta branca para
usá-lo como um saco de pancadas, mas eu não preciso ouvir reclamações pela
próxima vez década, então vou atribuir isso ao que você passou e deixar pra
lá.

— Ei, saia dele. — Enzo rosnou, agarrando o braço de Malcolm e


puxando-o para longe de mim. Eu tinha certeza de que a única razão pela qual
ele conseguiu foi porque Malcolm permitiu. Ele já havia feito seu ponto de
vista, e com sucesso me dominou e me humilhou ao mesmo tempo.

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— Isso é o bastante. — Disse Silas. Ele me deu um olhar de repreensão.
— Isso vale para vocês dois.

— Você esta realmente bom com isso? — Eu exigi, olhando para Enzo.
Apontei para Malcolm e Silas. — Deixar que dois psicopatas completos
tenham controle sobre o chip quando a vida de pessoas inocentes está em
jogo?

— Se a alternativa é você se matar, então sim. — Disparou Enzo. — Eu


estou muito bem com isso, Val. Você ao menos se vê? Fugindo, entrando em
brigas... Esse não é você. Você claramente não está bem. Você nunca deveria
ter voltado para o hospital, e Eu nunca deveria ter deixado você ir embora.

— Deixar-me? — Eu agarrei. — O que, você acha que pode controlar


tudo porque você é o chefe da família agora?

— Sim. — Ele disse incisivamente. — Isso é exatamente o que eu penso,


porque é assim que é.

Eu dei uma risada seca, balançando a cabeça.

— Bem, nesse caso, você pode me considerar não mais parte disso.

Enzo me deu um olhar de frustração, mas eu poderia dizer que ele não
me levou a sério.

— Não diga algo que você vai se arrepender pela manhã.

— Eu não estou apenas dizendo isso. Estou falando sério. Estou farto de
você e todos os outros me tratando como um idiota fodido com o qual você
está sobrecarregado. — Eu disse antes que pudesse me impedir. Eu não tinha

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certeza se queria, de qualquer maneira. Tudo o que eu havia enterrado por
tanto tempo estava finalmente borbulhando na superfície.

— Quem disse isso? — Enzo desafiou. — Porque posso garantir que não
fui eu ou Luca.

— Você não precisava dizer isso em voz alta. É bastante óbvio. — Eu


respondi. — Sempre foi, mas especialmente ultimamente. Eu não sei por que
você dá a mínima para onde eu vou ou o que eu faço quando você claramente
estaria melhor sem mim.

Talvez todos o fizessem.

Minhas palavras pareceram pegar Enzo de surpresa, e eu fiquei meio


surpreso por eu mesmo as ter dito em voz alta. Eu geralmente não era tão
franco, nem mesmo em minha própria mente.

Por alguns momentos, ele apenas ficou lá olhando para mim, e foi
tempo suficiente para eu me ressentir do inferno por dizer qualquer coisa.

— Isso é realmente o que você pensa? — Enzo perguntou. Ele soou


como se eu tivesse acabado de lhe dar um soco no estômago, por razões além
da minha capacidade de entender.

Dei de ombros, meus braços cruzados sobre o peito porque me sentia


vulnerável, e não pela primeira vez naquele dia.

— Você realmente vai me dizer que isso não é verdade?

— Claro que não é verdade. — Disse ele em um tom áspero. — Você é


meu irmão. E o fato de você estar pensando assim é apenas uma prova de que
você não deveria estar lá sozinho.

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— Eu não estou sozinho. Eu estava hospedado no Johnny. — Eu
murmurei.

— Sim, eu sei. — Disse Enzo incisivamente. — Por que você acha que eu
não trouxe sua bunda de volta para cá imediatamente? Johnny está
preocupado com você também.

Senti uma pontada imediata de traição.

— Johnny me delatou?

— Ele está preocupado. — Rebateu Enzo, como se isso melhorasse. —


Todos nós estamos. Você não está bem depois do que aconteceu, e acredite
em mim, eu entendo. Eu também não estaria, mas é minha responsabilidade
cuidar de todos nesta família, e às vezes isso significa saber quando tirar
alguém da lista. O fato de você trabalhar do lado de fora não muda isso.

— O que você está falando? — Eu perguntei. A maneira como ele estava


falando estava me assustando. Sim, às vezes eu me ressentia de me sentir
como uma reflexão tardia para meus irmãos. Eu queria que eles me levassem
a sério. Eu queria que eles me incluíssem, pelo menos da maneira que
pudessem, mas isso não significava que eu queria que eles tomassem decisões
por mim. Ou microgerenciar minha vida, que era mais para o que Enzo
parecia estar se inclinando.

— Você não vai voltar para o hospital. — Respondeu Silas. — Preciso


lembrá-lo, desta vez, eles estavam explicitamente atrás de você.

— Como você sabia disso? — Eu perguntei cautelosamente.

Ele ergueu uma sobrancelha.

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— O que, você achou que a boa senhora era apenas um vigilante que
estava na vizinhança para salvar sua bunda?

Claro que ela era uma dele. Olhando para trás, era meio difícil ver como
eu não tinha colocado isso junto antes. Para ser justo comigo mesmo, eu
realmente não tive muito tempo para pensar sobre muita coisa, e eu
obviamente ainda estava muito no modo de luta ou fuga. A luta não estava
realmente funcionando, então eu esperava que o voo fosse melhor.

— Vamos, Valentine. — Disse Enzo. — Você não pode voltar, pelo


menos não agora. Não quando você está sendo literalmente caçado. Esse cara
Demônio obviamente sabe que Robbie lhe deu aquele chip, ou pelo menos
suspeitou o suficiente para atirar no hospital. para tratar as pessoas se você
apenas estar lá é um risco para você e para eles?

Estremeci, mas ele não estava dizendo nada que não fosse verdade.
Logicamente, eu sabia que ele estava certo. Eu não podia voltar, não agora.
Não até que Demônio estivesse morto ou em um buraco profundo o
suficiente.

Já era minha culpa que aquelas pessoas estivessem mortas. Quantos


mais? Inferno, eu provavelmente nem teria um emprego para voltar, e Chris
estaria mil por cento certo. Saber algo logicamente e estar pronto para chegar
a um acordo com isso eram duas coisas completamente diferentes, no
entanto. Para mim, pelo menos.

— Eu sei. — Eu disse. — Mas isso é mais uma razão para eu não estar
aqui. Se ele sabe onde eu trabalho, ele sabe onde eu estava, e esta será sua
próxima parada.

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Essa foi outra percepção que provavelmente deveria ter sido óbvia, mas
apenas ocorreu ao meu cérebro perturbado pelo caos.

Enzo franziu a testa, e eu poderia dizer que ele estava prestes a discutir.
Antes que ele tivesse a chance, Silas entrou na conversa:

— Ele está certo sobre isso.

Bem, não era um bom sinal se ele estava concordando comigo. Agora eu
estava me questionando.

— Sobre o que? — Enzo exigiu.

— Ele estar aqui é um risco para você, para ele e para todos os outros da
família. — Explicou Silas. Eu tinha certeza de que ele poderia dizer que Enzo
estava prestes a discutir porque ele acrescentou: — Eu não estou sugerindo
que nós o mandássemos para a selva, querido. Apenas que ele deveria estar
sob custódia protetora. Como qualquer outra testemunha.

— Testemunha? — Eu ecoei com cautela. — O que diabos isso quer


dizer?

— Você é o único que falou com a vítima de Demônio diretamente. —


Silas raciocinou. — Você também é seu alvo principal no momento. Se eu
conheço meu irmão, ele não vai ficar satisfeito apenas em torturar Demônio
por algumas horas e depois colocar uma bala em seu crânio. Ele vai querer
que ele apodreça prisão para o resto da vida, ou pelo menos até se cansar de
fazê-lo sofrer e arranjar um golpe de dentro.

Olhei para Malcolm, que estava notavelmente silencioso, observando


sua reação a tudo que Silas acabara de dizer. A julgar pelo fato de que ele não
parecia afetado, era uma avaliação bastante precisa.

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— Nesse caso. — Continuou Silas. — Você será uma testemunha literal.
E o fato de que você só é útil para Malcolm se estiver vivo deve ser um
conforto.

— Tocante. — Brincou Enzo. — Mas ele tem razão.

— Então o que você está dizendo? — Eu perguntei, não amando o fato


de que meu destino agora dependia da pessoa de quem eu gostava ainda
menos do que seu irmão mais sádico.

— Estou dizendo que você vai ficar com Malcolm no futuro próximo.

— Ele está comigo agora? — Malcom desafiou.

— É a única coisa razoável a fazer. — Disse Silas. Ele tinha claramente


decidido por todos.

Tudo o que eu podia fazer era esperar que Malcolm achasse a ideia tão
odiosa quanto eu. Ele realmente tinha uma chance de ser ouvido, por mais
que isso me irritasse.

Em vez disso, ele apenas grunhiu em reconhecimento.

— Claro. Não é como se eu tivesse uma cidade para vigiar ou algo assim.

— Maravilhoso. Está resolvido, então. — Disse Silas, evitando


completamente o sarcasmo de seu irmão. A julgar pelo fato de Malcolm
parecer irritado, era uma boa estratégia. Bom saber que Silas poderia ficar
sob a pele até mesmo de seu próprio irmão.

— Não sei — Disse Enzo. Eu sabia que não deveria ter esperanças de
que ele estivesse do meu lado pela primeira vez, no entanto.

Silas colocou a mão em seu ombro.

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— Malcolm não vai deixar nenhum mal acontecer com ele, amor.

Enzo não parecia convencido.

— Normalmente, eu pediria sua palavra, mas não acho que isso seja algo
com que você realmente se preocupe. — Disse ele a Malcolm.

Malcom bufou.

— Se você não quer acreditar na minha palavra, acho que terá que
aceitar a dele. — Disse ele, acenando para o irmão.

Enzo suspirou em resignação. Não é um bom sinal para mim.

— Certo.

— Enzo! — Eu chorei.

— Chega. — Ele disse em um tom severo, seus olhos penetrantes. — Isso


não está em debate. Você vai com Malcolm até que possamos resolver isso. Eu
já cheguei perto o suficiente de perder você, e eu não vou deixar isso
acontecer novamente.

Eu cerrei os dentes em frustração, mas eu conhecia aquele olhar. Uma


vez que estava lá, não havia como convencê-lo do contrário.

— Claro. Por que não? Por que você não me manda para o meu quarto
enquanto você está nisso?

— Não me tente. — Disse Enzo. — Não é para sempre. Trarei suas


coisas mais tarde.

Eu andei de volta para a porta, muito chateado para ficar por perto e
dizer adeus. Eu poderia tentar correr, mas entre os três, eu sabia que estava

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destinado a ser tão espetacular quanto tudo ultimamente. Em vez disso, fui
direto para o carro esperar Malcolm, o que não demorou muito.

Ele parecia que não esperava ter que me caçar, mas eu sabia quando
tinha sido derrotado, e eu sabia que não havia sentido em fingir o contrário.
Não agora. De qualquer forma, eu não estaria mais sob os olhos atentos de
Enzo e seu executor pessoal. Eu poderia reagrupar e descobrir o resto mais
tarde.

Fiquei em silêncio durante a viagem até a casa de Malcolm, o que


parecia combinar bem com ele. Eventualmente, chegamos ao prédio de
apartamentos mais chique que eu já tinha visto na minha vida. Eu não tinha
certeza porque estava surpreso. Malcolm claramente gostava das coisas boas
da vida e certamente não estava trabalhando com o orçamento de um
funcionário público. Provavelmente propinas de políticos e qualquer outra
pessoa que pudesse pagar. Papai adorava pagar policiais, e Malcolm teria sido
um sonho tornado realidade.

Eu o segui para dentro do prédio e subi por um elevador de vidro que


levava ao último andar.

— Suíte de cobertura. — Eu comentei. — Um pouco chique para um


cara com um salário do governo, não é?

Ele apenas me deu um olhar, como se não fosse dignificar isso com uma
resposta.

Quando chegamos ao apartamento dele, era tão desnecessariamente


grande quanto eu esperava. Era um layout amplo e moderno, com

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eletrodomésticos e móveis de aço inoxidável que pareciam custar uma
fortuna. Também não é pequeno.

— É apenas um quarto, então você pode dormir no sofá. — Anunciou


ele. — Há um banheiro à esquerda, e vou tentar encontrar algo para você
vestir até que Enzo traga suas coisas.

Olhei para minhas roupas, notando os respingos de sangue na minha


camisa pela primeira vez. Quanto mais cedo eu tirar essas roupas, melhor.

De todas as coisas, isso era o que parecia que poderia me levar ao limite.
Eu me senti enjoado e tonto, mas desmaiar quase teria sido um alívio. Pelo
menos então eu poderia dormir um pouco.

Eu apenas balancei a cabeça e entrei no banheiro para ligar o chuveiro.


Tirei minhas roupas o mais rápido possível e as enfiei na lixeira. Eu
provavelmente poderia tirar o sangue se tentasse, mas não queria olhar para
elas novamente.

Entrei nobox, deixando a barragem escaldante de água cair em cascata


sobre meu corpo. Senti como se estivesse em perigo de desmaiar, então
pressionei uma mão contra a parede do chuveiro e a outra sobre minha boca
bem a tempo de abafar o som estrangulado que escapou da minha garganta.

Eu não tinha certeza se era um soluço ou uma risada, mas de qualquer


forma, eu tinha certeza que estava à beira da histeria. Era a primeira vez
desde o tiroteio que eu estava sozinho, e foi como se as comportas tivessem
acabado de se abrir.

Mesmo com as lágrimas caindo em cascata pelo meu rosto, eu me


ressenti delas. Eu me ressentia da minha fraqueza. E do fato de não poder

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fazer nada. Eu não conseguia parar o que tinha acontecido no hospital. Eu
não pude ajudar Robbie, então o que me fez pensar que eu tinha uma chance
de vingá-lo? Eu não conseguia nem me proteger.

Caí de joelhos, me dobrando enquanto tentava me impedir de fazer


qualquer som. Havia um grito dentro de mim que ameaçava sair por mais
tempo do que eu gostaria de admitir, e eu sabia que tudo, incluindo minha
sanidade dependia de mantê-lo ali. Enfiando-o para baixo e empurrando-o
para os cantos mais distantes e escuros de mim mesmo, junto com todas as
outras coisas com as quais eu não conseguia lidar.

Robbie.

Pai.

O buraco no meu peito que ficava cada vez maior, até que eu não tinha
certeza de que sobraria alguma coisa que não tivesse reivindicado
eventualmente. E eu não pude deixar de pensar que talvez isso fosse uma
coisa boa. Eu não podia fugir dos meus problemas porque um bom número
deles estava dentro de mim, ameaçando me esvaziar até que não sobrasse
nada, e talvez a próxima melhor coisa fosse apenas... Deixá-los.

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Capítulo 6
Malcolm

Valentine tinha ficado comigo por quase uma semana, e apesar das
minhas reservas iniciais, ele não tinha sido metade do pesadelo que eu
esperava. Eu tinha o lugar grampeado, obviamente, com uma câmera
instalada na sala de estar para enviar um alerta no segundo em que ele
chegasse a meio metro da porta da frente, e eu tinha ligado as câmeras de
segurança no resto do andar também.

Essa última parte não era exatamente legalinferno, nem filmar um


caravinte quatro horas sem seu conhecimento ou consentimento, mas depois
da maneira como o filho da puta se comportou, ele teve sorte de não haver
câmeras no banheiro também.

Além disso, se ele não tentasse fugir, não haveria nenhuma razão para
eu verificar as filmagens com mais frequência do que uma auditoria aleatória
ocasional. Até agora, ele obedeceu às minhas ordens para ficar no
apartamento e na piscina que eu dividia com um punhado de outras suítes de
cobertura. Já havia uma academia dentro do meu apartamento, mas apesar
do fato de que ele estava ficando louco, ele não fez nenhum uso disso.

O garoto era suave em todos os aspectos possíveis. Eu assumi que ele


tinha pelo menos alguma tolerância para o trabalho real se ele fez o seu
caminho através da faculdade de medicina, mas, novamente, ele era um
DiFiore. Enzo poderia facilmente tê-los pagado. Eu não iria colocar isso além

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dele, também. Todos eles tratavam Valentine como o pirralho mimado que ele
era. Até o pai morto deles havia usado luvas de pelica nele, pelo que pude
perceber do que Silas me contou.

Foi fácil perceber por quê. Se Enzo era um cachorrinho perdido,


Valentine era um gatinho neurótico, pronto para assobiar para todo cachorro
de ferro-velho que pudesse limpá-lo da existência com uma única mordida. O
tipo de pequeno pedaço imprudente que era um farol para todos os
predadores em um raio de cento e sessenta quilômetros.

Eu saberia, considerando o fato de que eu queria devorá-lo desde o


momento em que coloquei os olhos nele, ainda com os olhos arregalados e
tremendo pela morte horrível de seu querido pai nas mãos de meu irmão.

Foi um problema.

Especialmente agora que o gatinho era minha responsabilidade. Mantê-


lo fora do alcance de Demônio era apenas metade da batalha, e eu tinha quase
certeza de que Valentine representava ainda mais uma ameaça para si
mesmo. Mas nenhum deles tinha nada de todos os impulsos imundos e
sanguinários que o menino havia despertado dentro de mim.

Por que o que poderia dar errado quando você coloca o lobo no
comando do cordeiro?

Naquela noite, cheguei em casa mais cedo, já que a maior parte do


trabalho interminável que eu ainda tinha que cuidar poderia ser gerenciado
com mais eficiência no meu sofá a partir de um laptop com um copo de
uísque na mão. O irmão do meu hóspede, prisioneiro, barra, hóspede estava

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reclamando que eu o observava mais de perto, o que significava que Silas
estava reclamando de mim, então achei que poderia apaziguá-los no processo.

Não tinha nada a ver com o fato de que eu queria estar perto de
Valentine. Não era como se eu tivesse feito qualquer tentativa de falar com ele
nos seis dias que esteve comigo. Ele era mais como um pássaro engaiolado do
que qualquer coisa, na verdade. A observação foi suficiente.

Por enquanto.

Quando entrei no meu apartamento e não o vi ocupando nenhum de


seus lugares típicos, desde a sala de estar até a cozinha onde ele costumava
me comer e beber fora de casa, senti uma pontada de incerteza.

Verifiquei a academia e ele também não estava lá, então olhei para o
meu telefone para ter certeza de que não havia perdido nenhum alerta de
movimento. Nada.

Então, notei que a luz embaixo da porta do meu quarto estava acesa.

Ele não ousaria...

Quem eu estava enganando? Ele tinha dado um soco em mim e


realmente pensou que poderia se safar, então por que bisbilhotar passaria por
ele?

Não era como se ele fosse encontrar algo de alguma utilidade. Eu não
estava guardando o chip na minha gaveta de meias, mas se ele fosse procurar
lá, ele iria encontrar algumas outras coisas das quais se arrependeria.

Coisas que eu poderia realmente ter uma desculpa para usar com ele
agora. O pensamento por si só era uma perspectiva emocionante.

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Abri a porta e entrei, esperando encontrá-lo vasculhando minhas coisas,
mas não estava preparada para encontrá-lo na pia do meu banheiro, vestido
apenas com a pequena toalha branca enrolada na cintura e secando seu longo,
cabelo de menino bonito com uma toalha de mão.

Puta merda.

Foi a primeira vez que eu vi Valentine nada além de totalmente vestido,


e em seu uniforme e roupas de rua, ele parecia um cara magro em seus vinte e
poucos anos. Descobriu-se que, sob os moletons largos e jeans skinny
rasgados, ele estava escondendo um físico tonificado e musculoso, adequado
para uma porra de uma passarela.

Ele ainda era magro, de um jeito esbelto, quase elegante, mas havia
muito mais definição em seus bíceps e peito do que eu esperava. Ele tinha um
abdômen perfeitamente esculpido afunilando até o corte de seu cinto de
Apollo, atraindo o olho para viajar até a base de seu pênis, apenas visível
acima da toalha dobrada. Gotas de água e vapor deram à sua pele pálida um
brilho iridescente, e a forma como seus olhos cor de mel se arregalaram de
alarme quando ele se virou para mim acendeu uma onda de luxúria e fome
como eu não sentia há anos.

Talvez nunca.

— Malcom? — Meu nome saiu como um coaxar quando ele deixou cair
a toalha menor, encostando na pia. Minha mente já estava trabalhando horas
extras evocando imagens dele dobrando-o sobre o balcão e rasgando a toalha
para revelar a bunda perfeitamente redonda que eu sabia estar esperando
embaixo. Aqueles jeans apertados eram bons para alguma coisa, afinal.

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O medo em sua voz me disse que eu tinha deixado o filtro escapar por
um instante. Apenas o suficiente para lhe dar um vislumbre do predador
esperando embaixo.

Meu coração estava martelando no meu peito tão alto quanto o dele
tinha que ser, por razões muito diferentes. Eu reconheci o olhar em seus olhos
assim que os iluminou. Temor. O instinto primordial da presa na presença de
um caçador. Um monstro.

Ele pode não ter reconhecido conscientemente, mas seu instinto estava
lhe contando uma história diferente. Eu poderia dizer pelo jeito que ele
sacudiu enquanto eu andava para frente, um suspiro suave separando seus
lábios quando eu o prendi entre o meu corpo e a pia.

— Você quer me dizer o que está fazendo no meu quarto? — Eu exigi,


minha voz gutural e cheia de luxúria que soava o suficiente como raiva para
uma negação plausível. Esses dois interruptores sempre foram um pouco
cruzados para mim.

Ele abriu a boca para responder, mas quando seus olhos percorreram
meu rosto, tudo o que saiu foi um som estrangulado. Como um rato chiando
sob a pata de um gato. Era tudo que eu podia fazer para não afundar minhas
garras nele naquele momento, e eu estava perdendo de vista por que eu tinha
que me conter a cada segundo que passava. Com cada palpitação pouco visível
de sua veia jugular sob a coluna de seu pescoço, esticada para trás como se
quisesse colocar a maior distância possível entre nós.

93
— E... O outro chuveiro está quebrado. — Ele gaguejou, como se
estivesse tentando dizer as palavras o mais rápido possível. — Não achei que
fosse grande coisa.

— Quebrado? — Eu repeti, desapontada por ele ter uma desculpa, por


mais frágil que fosse.

— Não está drenando. — Ele disparou. — Veja por si mesmo.

Eu estreitei meus olhos, relutantemente dando um passo para trás dele.


Havia um vazio onde o calor de seu corpo tinha estado recentemente, e minha
euforia já estava se transformando em decepção quando percebi que não
poderia exatamente justificar puni-lo por algo tão mundano.

Posso?

Eu tinha justificado pior para mim mesmo antes. Por muito menos
recompensa, isso.

— Provavelmente não está drenando porque está cheio da porra do seu


cabelo. — Eu disse incisivamente, aproveitando a oportunidade para estender
a mão e desenhar uma seção grossa dele através do meu polegar e indicador.
Mesmo molhado, era tão macio e sedoso quanto eu esperava.

Deus, como eu queria enfiar meus dedos nele, puxar sua cabeça para
trás e fodê-lo até a porra do esquecimento.

— O que há de errado com meu cabelo? — Ele perguntou, passando os


dedos pelas mechas que eu tinha acabado de tocar e olhando para elas com
cautela.

É muito difícil resistir a puxar, pensei. O que eu disse foi:

94
— Fique fora do meu quarto. E não toque nas minhas coisas a menos
que você peça permissão primeiro.

Ele engoliu audivelmente.

— Ok. Nossa, me desculpe. Não vai acontecer de novo.

Fiz uma pausa para considerar se seu pedido de desculpas era bom o
suficiente. Infelizmente, eu determinei que era. Ele teria que foder tudo muito
mais descaradamente do que isso para eu ser capaz de justificar girá-lo sobre
meu joelho e chicotear sua bunda perfeita vermelha e crua do jeito que eu
queria. Não era o tipo de autocontrole com o qual eu normalmente me
importaria, mas ele não era apenas algum tipo de brincadeira que eu tinha
conseguido para o entretenimento do fim de semana, ele era o irmãozinho
precoce de Enzo. Ele era o único homem de quem eu não conseguia me
satisfazer, porque as consequências disso não podiam ser pagas e varridas
para debaixo do tapete.

— Você pode usar meu chuveiro até que eu consiga alguém aqui para
consertar o outro. — Eu finalmente disse, mantendo minha voz severa e
autoritária, relativamente livre da fome mordaz que espreitava por baixo. —
Só não toque em mais nada, e eu saberei se você fizer isso.

— Como? — Ele perguntou em dúvida.

Eu dei a ele um olhar duro e levou dois segundos para ele derreter.

— Não importa. — Ele murmurou. — Eu não vou. Hum. Posso ir agora,


ou...

95
Ele apontou para a porta, e percebi que ainda o estava apertando contra
a pia. Não tanto quanto eu queria, mas eu definitivamente estava perto
demais para o seu conforto.

Não que a distância de um quarto inteiro entre nós fosse suficiente sob
quaisquer outras circunstâncias.

Dei um passo para o lado para deixá-lo passar, e a visão dele passando
pela minha cama foi o suficiente para reacender o impulso da perseguição. Eu
nunca tinha sido uma pessoa particularmente imaginativa, mas minha mente
estava correndo solta com o pensamento de jogá-lo na cama e fazer o que
quisesse com ele. Desde aquele primeiro grito assustado até os gemidos
subsequentes de prazer e dor, eu poderia extrair dele em uma sinfonia tão
perfeita, se tivesse a chance.

Antes que ele pudesse sair completamente da sala, eu o chamei:

— Espere.

Ele congelou em suas trilhas, olhando para mim por cima do ombro em
antecipação nervosa.

— Sim? — Ele perguntou, sua voz trêmula.

Eu podia sentir o gosto de seu medo.

— Seu irmão ligou hoje para checar você. Ele quer visitá-lo e diz que
você não está retornando as ligações dele.

Uma pontada dura surgiu no olhar do menino.

— Há uma razão para isso. — Ele murmurou.

96
— Ele está cuidando de você. —Eu disse a ele. Um fato pelo qual ele
deveria estar grato, considerando que era a única coisa entre ele e eu.

— Ele está tentando me controlar. — Valentine disse.

— Nem sempre há uma diferença. — Eu atirei de volta.

Ele franziu a testa, e eu poderia dizer que ele queria discutir. Talvez ele
estivesse aprendendo, porque em vez disso perguntou:

— Houve algum progresso no caso?

Levei um segundo para perceber do que ele estava falando. Demônio


deveria ter sido o principal, se não o único pensamento em minha mente, mas
por enquanto, ele ficou em segundo plano para assuntos mais lascivos.

— Não. — Eu respondi. — Ainda não.

Sua testa franziu mais profundamente em decepção.

— Você pelo menos descobriu o que está no microchip?

Sua pergunta irritou meus nervos, ou seja, o fato de que ele sentiu que
tinha o direito de me questionar, mas eu a deixei de lado.

— Ainda estou trabalhando nisso. É fortemente criptografado e não


posso exatamente colocar criptografia no caso.

— Silas não pode fazer isso? — Ele desafiou. — Ele é um mentor em


tudo o mais.

— Era uma vez, antes que ele tivesse uma roupa inteira, fui eu que Silas
foi para esse tipo de merda. — Eu o informei. — O que, você acha que cheguei
aonde estou no carisma?

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— Definitivamente não isso. — Valentine murmurou baixinho. Ele
pareceu se arrepender imediatamente, porque acrescentou: — Por que você
quer tanto esse cara, afinal? Tenho certeza que você não dá a mínima para um
mafioso morto.

— Você está certo. — Eu disse. — Eu não. Você não precisa se preocupar


com meus motivos, tudo que você precisa fazer é o que lhe dizem. Quer que o
cara que matou seu amigo pague? É assim que.

— Isso é besteira. — Disse ele, ficando mais ousado. — Você não pode
esperar que eu confie em você quando eu nem sei qual é a sua motivação.

— Minha motivação? — Eu ri. — Francamente, garoto, eu não dou a


mínima para o que você pensa sobre minha motivação, ou se você confia em
mim ou não. Se eu quisesse, poderia mantê-lo em uma casinha de cachorro
até que essa coisa fosse a julgamento, e faria a mesma diferença para mim.
Continue sendo um pé no saco, e isso pode ser arranjado. Seu desejo.

Seus olhos se iluminaram com raiva que só o tornou ainda mais


atraente, e eu me encontrei esperando que ele fosse explodir novamente. Que
seu temperamento infantil e impulsividade iam me dar outra desculpa para
fazer o que eu queria fazer com ele desde o início, e desta vez, seu irmão e
meu não estaria lá para me impedir.

Em vez disso, ele fez uma carranca com os lábios e se virou para sair do
meu quarto.

Boa escolha, cordeirinho. Fuja antes que o lobo possa afundar os


dentes.

98
Sempre havia uma próxima vez, e dado o que eu tinha visto da natureza
de Valentine até agora, haveria uma próxima vez.

Eu estava contando com isso.

99
Capítulo 7
Valentine

Fazia alguns dias desde que fui pego no quarto de Malcolm, e mesmo
que ele tivesse tecnicamente me dado permissão, eu ainda esperei até ter
certeza de que ele tinha ido embora e não voltaria por horas para usar o
chuveiro.

Naquela tarde, o tédio finalmente me superou o suficiente para usar a


academia de última geração que tinha só para ele. Era apenas um dos muitos
aspectos absurdamente luxuosos do apartamento, desde os sofisticados
utensílios de cozinha, a maioria dos quais eu nem sabia o propósito até a
claraboia na marquise com vista para a cidade abaixo.

Se nada mais, o cara tinha bom gosto. Ele fez a máfia parecer frugal em
comparação.

Malhar não era exatamente minha ideia de diversão, mas era melhor do
que reorganizar a prateleira de temperos na cozinha. Porque ele ainda tinha
uma estava além de mim, considerando que ele pedia todas as noites da
semana. A casa de Malcolm era um apartamento de solteiro com esteroides.

Eu sempre brinquei com a ideia de me mudar para minha própria casa


um dia, ou talvez morar com Chuck ou Johnny. A verdade, porém, era que eu
realmente gostava de viver em casa ou pelo menos gostava. Famílias
multigeracionais eram um dos poucos aspectos da vida da máfia que eu
achava atraente, mas depois de Silas, tudo isso mudou.

100
Eu sabia que não era inteiramente culpa dele, e havia rachaduras em
nossa felicidade familiar que eram mais profundas do que eu poderia
imaginar muito antes de ele ter levantado a cabeça, mas ele era um alvo fácil.
Era mais fácil culpá-lo do que admitir que tudo sobre minha infância tinha
sido uma mentira.

Era uma pílula mais difícil de engolir, já que eu nem tinha esperança de
que o futuro seria melhor. Na semana e mudança que eu tinha ido, eu já tinha
me arrependido das minhas palavras sobre deixar a família, mas não era a
primeira vez que eu falava sem pensar nas consequências. Se havia um lado
bom no fato de que ninguém me levava a sério, era que Enzo provavelmente
também não acreditava nisso.

Eu ainda não conseguia me obrigar a levá-lo de volta, no entanto. Ainda


não, não quando meu orgulho já estava na merda. Eu estava em hiato do
trabalho por razões óbvias, e mesmo sem uma estimativa de tempo distante
para que isso mudasse, meu futuro parecia aberto e sem direção mais uma
vez. Isso me lembrou da vez em que eu, Johnny e Robbie tínhamos roubado
uma canoa para um passeio no lago, e Johnny sendo seu idiota de sempre eu
tinha perdido os remos na água, então acabamos remando sem rumo por uma
hora inteira até que eu finalmente mergulhei na água e encontrei os remos. E
fui sugado por meia dúzia de sanguessugas no processo.

Minha vida adulta não estava indo muito melhor, se eu fosse honesto
comigo mesmo.

Agora até Johnny tinha sua merda em ordem. Em relação a mim, de


qualquer forma. Enzo e Luca eram casados e administravam os negócios da
família enquanto eu estava preso no sofá de um cara que eu mal conhecia,

101
vivendo pela perspectiva de vingança que parecia diminuir a cada dia que
passava.

Por tudo que eu sabia, Malcolm e os outros estavam apenas me


pacificando fingindo que eles realmente planejavam caçar esse Demônio. Eu
não queria acreditar que Enzo concordaria com isso, mas quem diabos
saberia com ele?

Eu esperava que um bom treino ajudasse a purgar um pouco da energia


reprimida e da frustração que estavam apodrecendo dentro de mim como
uma ferida aberta, mas, como se viu, andar pelo pronto-socorro o dia todo
não era um substituto tão decente para uma rotina de cardio regular como eu
esperava, e levantar pesos apenas fodidamente sugado. Há apenas até onde
você pode correr em uma faixa de borracha em movimento antes de se
lembrar por que os humanos trocaram alegremente ser predadores de
resistência pelo McDonald's em primeiro lugar.

Agora, eu estava apenas suado e chateado. Eu verifiquei para ter certeza


de que não havia nenhum sinal de que Malcolm havia chegado em casa mais
cedo antes de eu entrar em seu quarto, andando na ponta dos pés até o
banheiro porque eu senti como se estivesse invadindo um solo sagrado e uma
múmia ia sair de um sarcófago no armário para me violar a qualquer
momento.

Tenho certeza de que era assim que as armadilhas funcionavam, de


qualquer maneira.

Liguei a água quente e me despi enquanto o banheiro se enchia de


vapor. O interminável aquecedor de água quente era uma razão para estar

102
feliz por Malcolm ser um esbanjador com dinheiro que eu tinha noventa e
nove por cento de certeza de que ele não tinha ganho por nenhum meio
legítimo.

Deixei escapar uma respiração profunda quando a água quente atingiu


minha pele e coloquei o chuveiro em uma configuração de pulso que
dolorosamente trabalhou a tensão em meus músculos doloridos. Era bom,
mas não estava fazendo muito sobre a energia frenética ainda surgindo sob
minha pele.

Se eu não saísse deste lugar logo, eu ia enlouquecer. E isso se Malcolm


não me matasse primeiro.

Meus pensamentos começaram a voltar para aquele dia em que ele me


pegou aqui, e o olhar em seus olhos quando ele me prendeu contra o balcão.
Eu não pude deixar de comparar com a aparência dele quando eu tentei bater
nele. Então, ele tinha ficado chateado, mas da última vez foi... Diferente.

Por que foi diferente?

No começo, eu pensei que aquele olhar em seus olhos era raiva, mas em
uma análise mais detalhada, eu decidi que não era isso. Mesmo quando eu
bati nele, Malcolm não parecia legitimamente chateado, o que eu só sabia por
causa do jeito que ele tinha ficado todo alfa prateado na policial da delegacia.
Isso era raiva, e todo o resto parecia uma pálida aproximação em comparação.

Ele era tão difícil de ler quanto seu irmão, e tão sem alma, mesmo que
seu disfarce humano fosse um pouco mais sofisticado. Ambos eram máquinas
frias e duras, e Silas parecia ser o único com mais potencial para a
humanidade. Ao longo dos últimos anos, eu tinha relutantemente vindo a

103
reconhecer que ele amava meu irmão à sua maneira. Era um tipo de amor
estranho, animalesco e fodido como o inferno, mas de alguma forma parecia
ser ainda mais profundo do que o tipo normal.

Eu nem tinha certeza se o romance de Carol e Luca era tão perfeito


como um conto de fadas como eu acreditava. Claro, todos os casais brigavam,
e ter um filho tinha que compor a lista de estressores, mas eu não podia
deixar de sentir que havia mais coisas acontecendo abaixo da superfície.

Claro, eu era apenas o irmão mais novo de Luca, então todas as minhas
tentativas de insinuar que ele poderia se abrir para mim se precisasse
fracassaram.

Tudo o que eu realmente sabia era que, mesmo que eles não
conseguissem fazer isso funcionar, um idiota como eu não teria a menor
chance de encontrar algo mais duradouro do que uma ligação de uma noite.

Ultimamente, nem isso era uma opção. Não era como se eu pudesse
convidar alguma garota para foder no sofá de outra pessoa. Mesmo eu não era
tão sem vergonha.

Ainda não. Mais uma semana sendo tão excitada e reprimida, no


entanto, e isso pode mudar.

O pensamento do que Malcolm faria se eu tentasse era meio engraçado,


no entanto. Até que não era. Até que o pensamento dele me prendendo contra
a parede, sua mão em volta da minha garganta, tornou-se algo
completamente diferente, e...

Porra, eu realmente estava desesperado. O que diabos havia de errado


comigo?

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Eu não estava ficando excitado com o pensamento de ser sufocado por
outro cara.

Especialmente não aquele cara.

Meu pau tinha outras ideias, no entanto. Eu disse a mim mesma que era
apenas o fato de que estava fodido e eu já estava tão fortemente ferida que o
tornava excitante. Tabu e proibido. Isso era normal o suficiente, certo?

Não era Malcolm, era a própria situação. Eu sempre estive na merda


mais pervertida. Chicotes, correntes, algemas... Inferno, uma vez eu deixei
uma garota me colocar em roupas de castidade e me foder com um pênis falso
só porque ela era quente e eu estava com tesão. Tentei guiar meus
pensamentos de volta para formas mais inócuas de perversão e cedi à
tentação de começar a me acariciar, imaginando que talvez isso o tirasse do
meu sistema.

Infelizmente, meus pensamentos continuavam voltando para Malcolm.


Para sua mão em volta da minha garganta, apertando mais forte. A sensação
de seu corpo pressionado contra o meu, sua coxa pressionada contra meu pau
endurecido e sua própria ereção empurrando minha parte inferior do
abdômen, porque o filho da puta tinha uns bons quinze centímetros de altura
em relação a mim.

Eu nem queria pensar em quantos centímetros ele estava carregando


abaixo, então é claro, isso apenas levou meus pensamentos naquela direção.

Foda-se!

Bati no ladrilho de pedra da parede do chuveiro em frustração e soltei


meu próprio pau. O que diabos havia de errado comigo?

105
Ok, relaxe, eu pensei. Você está apenas dando a si mesmo um complexo
porque é um tabu.

Isso parecia bastante razoável, mesmo que meu punhado de aulas de


psicologia do primeiro ano da faculdade de medicina fossem nebulosas na
melhor das hipóteses. Eu estava chapado durante a maioria deles. Ainda
assim, fazia sentido. Era uma explicação com a qual eu poderia viver e, se
fosse isso, deveria ser fácil o suficiente para resolver. Se eu não conseguia
tirar Malcolm da minha cabeça, e tentar reprimi-lo claramente não estava
funcionando, então eu só precisava tentar o oposto. Para tirá-lo do meu
sistema e dar de ombros. Não era como se alguém mais soubesse.

Minha respiração vacilou em meus lábios quando fechei meus olhos e


passei meus dedos sobre a cabeça inchada do meu pau, minha carne tão
aquecida que até a água parecia morna em comparação. Eu me forcei a
relaxar e desta vez, quando os pensamentos vieram, eu os deixei, em vez de
tentar lutar contra isso.

Deixei-me imaginar aquele pequeno encontro estranho que de alguma


forma mexeu com meu cérebro o suficiente para desencadear uma obsessão.
E uma vez que deixei acontecer, minha imaginação tomou rédea solta.

Fantasia Malcolm me agarrando e me levantando no balcão como se


não fosse nada, porque isso era exatamente o tipo de coisa irritante que ele
faria apenas para me humilhar, e sua mão envolveu minha garganta mais uma
vez, forte, enorme e quente. Eu podia sentir o calo formado ao longo da ponta
de seu dedo no gatilho pressionado contra minha jugular latejante, meu pulso
vibrando como as asas de um beija-flor em seu alcance.

106
Ele apertou mais forte, gradualmente contraindo mais e mais até que eu
mal conseguia respirar, e me jogou no espelho com força suficiente para eu
desmaiar um pouco. Só por um segundo. Apenas o suficiente para que
quando eu acordei, sua outra mão estava viajando pela minha coxa,
arrancando a toalha que era tudo o que estava entre suas mãos e minha carne
nua.

Mas ele não estava nu. Não, isso seria renunciar a muito controle. Muita
vulnerabilidade. Ele tinha que estar parcialmente vestido, mesmo quando ele
usou a mão livre para tirar o cinto e libertar seu pau dos confins de sua calça e
cueca boxer e porque ele era definitivamente um tipo de cara boxer
totalmente no controle e dominante enquanto eu estava exposto e vulnerável.

Seu pênis era estupidamente grosso, obviamente, pesado o suficiente


para que, embora fosse duro como pedra, não estava de pé todo o caminho. O
tamanho o pesaria, e ele daria alguns golpes longos e lânguidos enquanto
fazia contato visual, só para me dar um segundo para contemplar exatamente
o quanto iria doer quando ele...

Um gemido estrangulado escapou de mim, e eu mordi meu lábio com


tanta força que senti o gosto metálico do sangue na minha língua enquanto
caía de joelhos. Meus lábios se separaram em um suspiro enquanto eu
acariciava mais rápido, mais forte, o tempo todo imaginando que era sua mão
áspera desenhando os sons fracos de prazer e resistência misturados da
minha garganta esmagada.

E quando eu não aguentava mais, ele me virava e me dobrava sobre o


balcão, seus dedos penetrando minha bunda sem aviso ou preparação. Um
grito sairia da minha garganta, porque agora eu estava livre para respirar e

107
gritar por ele, mas ele não se importaria. Claro que não iria. Ele apenas daria
aquela risada áspera e bestial e me diria que eu deveria estar grata por ele
estar usando seus dedos primeiro em vez de seu pênis.

E então isso mudaria, e ele colocaria a mão na minha boca para abafar
os gritos de dor e protestos conflitantes, porque um homem como ele
definitivamente saberia como atravessar a linha entre dor e prazer, tortura e
ternura. E me foderia implacavelmente, até que eu estivesse quebrado e
ensanguentado, mas mesmo enquanto amaldiçoava seu nome, eu estaria
gemendo, porque êxtase e tormento não seriam conceitos mutuamente
exclusivos nas mãos de Malcolm Whitlock. Um agitava o outro, e eles se
alimentavam um do outro como um vampiro retorcido, até que eu estava
chorando e implorando para ele se soltar, e...

Outro grito rasgou da minha garganta, este audível o suficiente para


que, se mais alguém estivesse em casa, sem dúvida teria ouvido. Eu não podia
pará-lo, porém, não mais do que eu poderia parar a onda de prazer que
começou entre minhas coxas e subiu até o meu núcleo e desceu pelo meu pau.
Eu gozei com o nome dele em meus lábios, ainda me acariciando
furiosamente e imaginando que era ele me fodendo sem sentido. Eu gozei
mais forte do que nunca, e mesmo quando o orgasmo diminuiu, fiquei
tremendo de medo, vergonha e necessidade. Fiquei admirado com minha
própria depravação patética, e com fome de mais degradação do mesmo jeito,
desejando que fosse mais do que apenas uma fantasia fodida.

Desejando que fosse real.

Eu comecei me perguntando o que diabos estava errado comigo, mas


agora, eu tinha uma suspeita perigosa que eu já sabia.

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A água ainda estava quente, então passei os próximos dez minutos
esfregando apressadamente minha pele em uma tentativa malfadada de lavar
a vergonha do que eu tinha feito pelo ralo com a evidência de minha
degeneração. Eu tinha me entregado a muita auto-aversão pós-coito antes,
mas essa era uma baixa totalmente nova.

Assim que saí e percebi que o apartamento estava tão vazio quanto o
deixei, senti uma onda de alívio que minha vergonha permaneceria apenas
minha. Eu me vesti e peguei meu telefone apenas para descobrir que havia
perdido uma série de mensagens de texto. A maioria delas era de Enzo, que eu
estava ignorando, e Luca, que ficava se desculpando por não fazer check-in
com mais frequência. Eu realmente não tinha a largura de banda emocional
para responder a nenhum deles agora, e eu duvidava que pudesse ter me
concentrado em uma conversa, de qualquer maneira, mas quando vi que uma
das mensagens era de Chris, dei uma olhada duas vezes.

O tópico existente com ele em minhas mensagens consistia em sete


mensagens colossais, espalhadas ao longo do último ano, todas proclamações
de uma frase sobre meu horário de trabalho, sendo a mais recente a única
exceção.

Só queria dar uma olhada e ver como você está. Acho que devemos
conversar pessoalmente. Avise-me quando estiver livre.

Não, deixe-me saber se puder, apenas deixe-me saber quando. Típico


dele, na verdade. Mas eu poderia usar uma dose de normalidade, se nada
mais.

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Eu mordi meu lábio inferior, contemplando minhas opções por um
momento. Eu estava sob instruções estritas para não sair do prédio, ou
mesmo do andar, mas também tinha certeza de que a prisão domiciliar não
seria uma coisa permanente. Até agora, não havia nenhum sinal de fim à
vista, e embora eu não pudesse aparecer para trabalhar, isso não significava
que eu teria que viver debaixo de uma pedra pelo resto da minha vida. Além
disso, Malcolm nunca voltava antes das oito no meio da semana, mesmo
quando chegava cedo do trabalho, então eu deveria ter bastante tempo.

Certo. Eu tenho algum tempo agora, se isso funcionar para você, eu


respondi.

Assim que enviei a resposta, vi pontos aparecerem na tela para me


informar que ele estava digitando uma resposta.

Perfeito. Onde está você?

Eu hesitei, sem saber se era uma boa ideia reduzir, considerando que
quanto menos ele soubesse, melhor para ele e para todos os outros.

Estou perto da Main Street, no centro. Há um café do outro lado da


rua da biblioteca, se não for muito longe.

Mais digitação, então, estarei aí em quinze.

Nunca deixe que se diga que o homem era indeciso. Suspirei, pegando
meus tênis e uma jaqueta jeans preta com capuz da bolsa de roupas e coisas
que Enzo tinha enviado. Era uma jaqueta bem normal, além do gato bordado
que espreitava do bolso do peito. Eu não o usava há anos, mas é claro que era
o casaco que Enzo enviou. Provavelmente apenas sua maneira de se vingar de
mim por ser uma vadia.

110
Ah bem. Com alguma sorte, Chris não notaria, e não era como se ele me
visse como um indivíduo sofisticado, maduro e cosmopolita para começar.

Eu disse a mim mesma que a única razão pela qual eu me importava era
que ele era meu chefe. Ou pelo menos, ele tinha sido. Eu ainda não sabia onde
eu estava a esse respeito, e licença por trauma não era exatamente algo que eu
tinha conhecimento suficiente para saber o que esperar a partir deste ponto.
Achei que era provavelmente sobre isso que Chris queria falar comigo. Mesmo
ele não era um idiota o suficiente para despedir alguém por mensagem de
texto, parecia.

Sob quaisquer outras circunstâncias, eu provavelmente teria preferido


isso à alternativa, mas fiquei feliz com a desculpa para sair. E foi mais fácil do
que eu esperava. Quando não havia nenhum campo de força mágico me
impedindo de entrar no elevador, relaxei um pouco. Eu passei pelo porteiro
sem problemas, mantendo o capuz do meu casaco na esperança de que seria
mais difícil para ele me identificar apenas no caso de Malcolm ter dito a ele
para ficar de olho em mim.

Assim que consegui sair do prédio e o ar fresco da noite atingiu meus


pulmões, me senti um milhão de vezes melhor do que antes. E eu me senti um
tolo por não tentar isso antes. Só porque Malcolm agia como se fosse
onisciente e onipresente não significava que ele realmente fosse. Havia
apenas até onde ele podia me observar e me controlar. Eu ainda era um
adulto. DiFiore ou não, eu tinha direitos e liberdades, e ele precisava muito
mais de mim do que eu dele. Ele não podia matar sua testemunha principal.

Eu esperei.

111
No mínimo, ele parecia se importar o suficiente com Silas e apenas Silas
para não querer comprometer seu relacionamento com Enzo por mim.

Mais uma vez, eu esperava.

Não foi uma caminhada ruim até a biblioteca, e Malcolm


definitivamente morava no lado mais chique da cidade, então a vista também
não era ruim. Além de todos os descolados e das versões americanizadas
superfaturadas de restaurantes italianos.

Eu pedi uma bebida mocha espumosa e açucarada junto com um


sanduíche, já que eu ainda não tinha comido e me sentei em uma mesa perto
de uma janela nos fundos. Eu ainda estava um pouco paranoico por estar
sendo seguido, seja pelos capangas de Silas ou por Demônio.

Não muito tempo depois que cheguei, Chris apareceu e percebi que era
a primeira vez que o via fora do trabalho. A primeira vez que eu o vi em
qualquer coisa além de uniforme e jaleco, por falar nisso. Ele estava vestindo
uma calça jeans de lavagem escura, uma camisa de botão relativamente
casual, um blazer cinza com aqueles remendos de professor nos cotovelos e
um grande cachecol de lã. Ele também estava usando óculos de aros escuros,
o que foi outra novidade.

Acenei até que ele me viu, e eu tinha certeza de que parecia um idiota, a
julgar pelo jeito que ele estava sorrindo para mim.

— Aí está você. — Disse ele quando se aproximou. — Eu estava com


medo de que você não aparecesse.

Eu pisquei.

— Por que é que?

112
— Depois do que aconteceu, eu apenas assumi que seu irmão teria você
trancado a sete chaves.

— Ah, certo. — Eu disse com uma risada estranha. — Meu irmão não
pode me dizer o que fazer.

Ele não parecia convencido pelas minhas palavras, o que era meio
chato, mas considerando que ele estava certo, eu não ia forçar muito.

— Como você está indo? — Ele perguntou, sua voz estranhamente suave
com preocupação.

— Eu? — Eu perguntei, surpreso com a pergunta. — Estou bem.

Ele também não parecia convencido disso.

— Sério? — Ele perguntou. — Eu suponho que isso faz um de nós.

Eu imediatamente me arrependi de minhas palavras, mas passei minha


vida inteira tentando convencer a todos que eu não possuía as emoções que eu
fui criada para ver como sinais de fraqueza. Mesmo que Enzo e os outros não
me chamassem mais de ―Val chorão,‖ eu ainda carregava comigo o
conhecimento de que eu era o elo mais fraco. Por alguma razão, nosso pai
nunca foi tão duro comigo quanto com Luca e Enzo, então talvez fosse por
isso que eu me tornei tão patético.

De uma perspectiva externa, provavelmente teria parecido que eu era o


favorito. Inferno, até Enzo e Luca pareciam pensar isso. Na realidade, eu
tinha quase certeza de que papai nunca se preocupou em ser tão arrogante
comigo como eles, porque ele sabia que era uma perda de tempo tentar me
moldar em uma cópia carbono dele. Ele conseguiu com relativo sucesso
quando se tratava de Enzo e Luca. Enzo era o mais velho e sucesso garantido,

113
e tinha Luca como reserva. Eu… Eu era apenas o terceiro filho. Extra.
Desnecessário.

No começo, eu tentei seguir seus passos de qualquer maneira. Eu usei


meus irmãos como um roteiro, fazendo todas as tentativas desajeitadas e
inadequadas de fazer o que eles fizeram. Para ser como eles.

Eventualmente, eu percebi que era uma causa perdida. Eu percebi que


nunca seria mais do que um substituto pálido para qualquer um dos homens
fortes e inflexíveis ao meu redor, então eu poderia tentar me diferenciar em
algum outro aspecto.

Apesar do que todos pensavam, eu tinha sido bom na escola.


Matemática e ciências vieram facilmente para mim, e eu era naturalmente
curiosa, preferindo passar meu tempo dentro de casa lendo e brincando com
os kits de ciências que mamãe sempre comprava para mim nos meus
aniversários e no Natal, apesar de papai achar que era uma perda de tempo.
Os traços que me tornavam um estranho em minha própria família me
fizeram um favorito entre meus professores e os adultos que existiam fora do
claustro estranhamente brutal da família.

Passei tanto tempo tentando compensar a parte humana e fraca de mim


e quando isso falhou, tentando escondê-la que às vezes esqueci que o mundo
exterior era o oposto. Era aceitável, até esperado, ficar abalado depois de algo
assim. Não se esperava que as pessoas normais apenas aceitassem os golpes e
superassem isso alguns dias depois.

Por mais diferente que Enzo tenha se tornado de nosso pai, mesmo ele
não parecia entender completamente por que a morte de Robbie me afetou do

114
jeito que afetou. Ou o dos estranhos cujos nomes eu nem sabia, porque não
tinha estômago para ler nenhuma das notícias para descobrir. E isso me fez
sentir uma merda também.

Eu era um emaranhado de nervos à flor da pele e interruptores


cruzados, e aqui estava eu, sentado em frente à única pessoa que
provavelmente teria entendido pelo menos até certo ponto fingindo que eu
era uma máquina, porque foi assim que sempre fui criado façam. Era a única
coisa que eu sabia fazer.

— Você sabe, está tudo bem não ficar bem depois de algo que fodeu. —
Disse Chris finalmente. — Ninguém vai te julgar por isso. — Ele fez uma pausa
como se estivesse considerando isso. — Pelo menos, eu não vou.

Forcei um sorriso, mas parecia tão duro que corria o risco de rachar,
então desisti.

— Sim, eu acho que é apenas força do hábito. — Minha garganta ficou


apertada enquanto eu me preparava para fazer a pergunta que estava me
atormentando por mais tempo do que eu gostaria de admitir. Se eu não
fizesse isso, eu ia enlouquecer. — Como estão todos? Os que foram feridos,
eles são...

— Eles estão vivos. — Ele respondeu, gentil o suficiente para não me


deixar em suspense. — Foi difícil com Matthew por um tempo, mas espera-se
que ele se recupere completamente.

Mateus. Esse nome atingiu como um soco no estômago. Ele era um dos
novos ordenanças, e sempre mantivemos relações amigáveis durante o pouco
tempo em que nos conhecíamos. Aqui estava eu, reclamando por não ter

115
liberdade, enquanto ele estava no hospital lutando por sua vida. Por minha
causa.

Justo quando eu pensei que não poderia me odiar mais do que já


odiava.

— Estou feliz que ele esteja bem. — Eu disse. — Se houver algo que eu
possa fazer, qualquer coisa que a família dele precise, por favor, me avise.

— Acho que sua doação anônima para cobrir as contas hospitalares de


todos foi generosa o suficiente. — Respondeu ele. Quando me vi boquiaberto
para ele, ele sorriu um pouco. — Não foi muito difícil descobrir, e seu rosto
apenas confirmou isso.

Suspirei, desviando o olhar.

— Confie em mim, isso é o mínimo que posso fazer, considerando que é


minha culpa.

Chris inclinou a cabeça.

— Como você imagina isso?

Eu congelei, me xingando, mas estava longe de ser a primeira vez que


minha boca me colocou em apuros, e eu sabia que não deveria pensar que
seria a última.

Ele não estava lá quando o assassino perguntou por mim em particular,


mas eu simplesmente presumi que a polícia o teria informado.
Aparentemente não.

— Quanto eles te contaram? — Eu perguntei. Por mais tentada que


estivesse a não me incriminar mais, eu era a razão pela qual Chris e os outros

116
quase perderam a vida. A razão pela qual eles experimentaram algo que os
mudaria para sempre, como eu sabia muito bem. Eu lhe devia a verdade, pelo
menos.

— Não muito. — Disse ele. — Eu prefiro ouvir isso de você, de qualquer


maneira.

— Eles estavam atrás de mim. — Eu disse a ele. — Robbie, o cara que


veio naquele dia... Bem, as pessoas que o mataram estão atrás de mim agora,
e é por isso que eles apareceram no hospital.

— Entendo. — Ele disse pensativo. Sua voz estava desprovida de


qualquer tom, qualquer coisa que pudesse revelar o que ele estava realmente
pensando. Sempre pensei que ele e Silas se dariam bem, e essa era apenas
uma das razões. — Bem, eu imaginei que poderia ter sido o caso, verdade seja
dita. A polícia estava bem quieta sobre o assunto, então eu assumi que seu
cunhado tinha algo a ver com o encobrimento do que aconteceu.

Eu fiz uma careta. Deixe que Malcolm seja visivelmente imperceptível.

Para ser justo, provavelmente não era uma conexão que a maioria das
pessoas teria feito, mas Chris era afiado. Ele tinha uma vantagem para ele, e
ele provavelmente teria sido um chefe da máfia muito melhor do que eu seria,
se nossos lugares fossem invertidos.

— Ouça, eu sei que isso parece esboçado pra caralho, mas acredite em
mim quando eu digo, quanto menos você souber, melhor.

— Você está certo. — Disse ele em um tom seco. — Parece superficial,


mas eu nunca estive no negócio de fugir da verdade só porque é
inconveniente. Ou perigoso.

117
— Primeira vez para tudo. — Eu disse. Quando percebi que ele não
estava acreditando, suspirei e percebi que estava separando meu guardanapo,
então o apertei em meu punho e tentei ser menos uma pilha de nervos. — Não
há muito mais que eu possa te dizer, de qualquer maneira.

— Não pode ou não quer?

— Ambos. — Eu admiti. — Olha, você disse que quando eu comecei,


você estava preocupado em ter um DiFiore trabalhando para você. Você
pensou que eu seria um risco. Bem, você estava certo.

Chris ouviu atentamente, franzindo a testa quando terminei.

— O que mudou? — Ele perguntou. — Seu amigo lhe disse uma coisa,
não foi? Algo que fez de você o alvo de quem o matou.

Olhei para ele em estado de choque.

— Sabe, se você se cansar de ser médico, pode fazer um assassinato


como investigador particular.

O canto de sua boca se ergueu em uma extremidade.

— O raciocínio dedutivo não é apenas para os militares. Mas se for esse


o caso, e o assassino ainda estiver por aí, isso significa que você ainda está em
perigo.

— E assim é todo mundo associado a mim. — Eu disse incisivamente. —


Então, se você veio aqui para me demitir, não precisa se incomodar. Eu não
vou voltar.

Sua testa franziu.

— Na verdade, eu esperava fazer o oposto.

118
— Você era? — Eu perguntei em dúvida. — Um pouco mais de uma
semana atrás, você estava tentando me convencer a desistir.

— Sim, porque eu acreditava que era o melhor para você. — Ele rebateu.
— E eu ainda faço. Mas há uma diferença entre desistir em seus termos e
desistir por medo.

— Um cara tinha uma arma apontada para minha cabeça e matou


pessoas. — Eu disse. — O medo parece bastante justificado neste caso.

— Talvez sim. — Ele admitiu. — Eu não estou dizendo que eu sei qual é
a resposta, mas eu odiaria ver você jogar tudo fora para sempre. Quando for
seguro, e eles prenderem quem é o responsável, eu espero que você considere
voltar.

Suas palavras me pegaram de surpresa, principalmente porque eu


estava convencido de que ele ficaria aliviado por não ter mais que lidar
comigo. Eu não tinha certeza do que fazer agora que eu sabia que não era o
caso.

— Eu vou. — Eu disse, considerando que não parecia um compromisso


tão grande. — Eu não sei quando isso será, no entanto.

E a verdade era que meu coração doía com o pensamento de deixar tudo
para trás. Talvez eu tivesse começado querendo fazer medicina para provar
alguma coisa. Para o meu pai. Aos meus irmãos. Para mim mesmo. Para
provar que eu não era apenas o pirralho cabeça de vento que não conseguia
levar nada a sério que todos pensavam que eu era. No entanto, tornou-se algo
mais. Talvez um chamado tenha sido um pouco dramático, mas a medicina
me deu algo que eu nunca tive, um senso de propósito. Uma sensação de que

119
eu pertencia a algum lugar, e eu poderia fazer algo de valor. Algo que
importava.

— Espero que não muito. — Comentou. — É raro que qualquer coisa


que aconteça na cidade ainda esteja no ciclo de notícias uma semana depois,
mas imagino que, se nada mais, seu cunhado está ansioso o suficiente para
encerrar as coisas antes da próxima eleição.

— Eleição? — Eu ecoei. — Ah, sim, o chefe de polícia é nomeado pelo


prefeito.

— Sim. — Disse ele. — É por isso que haverá pressão sobre ele para
encontrar um chefe de polícia substituto, supondo que Malcolm seja incapaz
de fazer seu trabalho.

— Ah! — Eu murmurei. — Certo.

Havia um leve brilho nos olhos de Chris. Eu tive um mau


pressentimento de que era diversão.

— Para um mafioso, você é um pouco ingênuo sobre as maquinações


políticas desse tipo de coisa, não é?

Por alguma razão, meu rosto ficou quente.

— Nunca foi meu forte, não.

— Eu acho que é isso. — Chris meditou.

Olhei para cima, convencida de que tinha perdido alguma coisa. Eu


definitivamente não estava em ótimas condições, mentalmente ou não. Eu
estava tendo mais dificuldade para dormir do que o normal, e não havia
necessidade de adivinhar porque isso poderia acontecer.

120
— Isso é o que é?

— O que te faz tão intrigante. — Ele respondeu sem perder o ritmo.

Abri a boca para responder, mas nada saiu. Meu cérebro meio que
entrou em curto-circuito. Eu não sabia o que fazer com suas palavras, muito
menos o que dizer a elas. E de jeito nenhum ele se referia a eles do jeito que
soavam, mas eu estava tendo dificuldade em descobrir outra explicação.

— Desculpe. — Ele disse com um sorriso igualmente apologético. —


Provavelmente a pior vez que eu poderia ter soltado isso em você, mas acho
que o tiro me fez querer ser mais aberto.

— Sabe, você poderia ter me deixado me convencer de que você não


quis dizer isso dessa forma. — Eu disse.

Ele riu.

— Eu provavelmente poderia ter. Você não está muito seguro de si


mesmo a maior parte do tempo, então seria fácil o suficiente convencê-lo de
que você está apenas imaginando coisas. Mas acho que respeito você demais
para isso.

Agora isso me pegou desprevenido mais do que se ele tivesse acabado de


dizer que queria me foder bem ali na mesa na frente de todos os descolados.
De alguma forma, parecia mais íntimo também.

— Isso... Significa muito, especialmente vindo de você. — Eu admiti. —


E eu estou lisonjeado. Realmente, eu só...

— Você não gosta de caras. — Ele disse em um tom conhecedor.

121
Eu hesitei. Um dia atrás, inferno, algumas horas atrás eu teria
concordado sem pensar duas vezes, mas considerando o fato de que eu tinha
acabado de me masturbar com uma fantasia sobre o homem que eu odiava, eu
não estava mais tão confiante sobre isso. Ou muito de qualquer outra coisa.
Ele estava certo sobre isso também.

— Correndo o risco de soar como um adolescente de dezesseis anos no


Facebook, é complicado. — Admiti.

— Eu entendo. — Ele me assegurou. — Espero não ter deixado você


desconfortável.

— Não. — Eu disse, provavelmente um pouco rápido demais. — Não, de


jeito nenhum. Honestamente, esta é a primeira vez que eu realmente falo com
alguém normal desde Robbie, e é legal.

— Normal? — Ele perguntou ironicamente. — É isso que eu sou?

— Confie em mim, é um elogio. — Eu disse enfaticamente.

Ele riu.

— Bem, isso é bom. Porque eu gostaria que você soubesse que estou
aqui para você, independentemente.

— Eu aprecio isso. — Eu disse calmamente.

— Eu quero dizer isso. — Ele insistiu. — Eu quero que você saiba que
pode falar comigo. A qualquer hora, dia ou noite.

Qualquer outra pessoa dizendo isso teria soado muito forte, mas com
ele, era diferente. Eu me senti... Seguro. Isso me enervou ainda mais do que
ficar excitado com Malcolm. De alguma forma, encontrar conforto em outro

122
homem parecia mais alegre do que se masturbar com o pensamento de ser
machucada por ele.

Antes que eu pudesse responder, um olhar de compreensão cruzou seu


rosto e ele enfiou a mão no bolso para pegar algo.

— Eu quase esqueci. Na verdade, eu vim aqui para te trazer isso. — Ele


disse, balançando minhas chaves na ponta dos dedos. Eu os reconheci
imediatamente pelos dados difusos espalhafatosos pendurados neles. Os
dados tinham sido um presente de Johnny alguns anos atrás, baseado em
uma velha piada interna, mas eu não os tinha tirado por algum motivo. Agora
eu estava seriamente me arrependendo disso.

— Minhas chaves. — Eu disse com uma risada estranha, pegando-as. —


Obrigado. Eu meio que esqueci da minha motocicleta com toda essa merda.

— Isso é uma surpresa, considerando o quão bem cuidada ela é. — Ele


comentou. — O diretor do hospital estava falando em rebocá-lo, então achei
melhor trazê-lo. Espero que não se importe.

— Deus não. Obrigado, eu aprecio isso. — Eu disse, deslizando as


chaves no bolso da minha jaqueta. Eu apreciei isso agora mais do que nunca,
considerando que poderia ser minha única opção de me distanciar de
Malcolm se e quando a oportunidade se apresentasse. — Meus irmãos sempre
disseram que eu perderia a cabeça se não fosse anexado.

— Não mencione isso. — Disse ele, franzindo a testa. — Como você está
se locomovendo, afinal?

— Ah, uh... Na verdade, vou ficar com Malcolm por um tempo, e ele
mora no centro da cidade, então tudo está a uma curta distância.

123
— Entendo. — Disse ele, e pude ver as rodas girando atrás de seus
olhos.

Eu ainda estava processando o que eu disse para levantar sua suspeita


quando Chris olhou para cima e um olhar de irritação surgiu em seu rosto. Eu
o conhecia bem, considerando que geralmente era eu quem o colocava lá.

— Falando do diabo. — Ele murmurou.

Eu me virei para encontrar Malcolm parado na porta do café e, no


mesmo momento exato, seus olhos travados nos meus como um predador que
acabara de avistar sua presa peluda e saltitante na selva.

Merda.

Seu olhar se desviou para Chris, e a indignação por trás de sua raiva se
transformou em confusão. Ele andou até nós, e eu me encontrei congelado,
assim como eu tinha estado naquele dia na mira da arma daquele idiota. Não
era exatamente a resposta mais eficiente ao estresse, mas se eu precisasse de
confirmação de que ser um mafioso não estava nas cartas para mim, lá estava
escrito em luzes de neon.

Eu estava tão ferrado. E não de uma forma divertida.

124
Capítulo 8
Malcolm

— Aí está você. — Eu gritei. Eu queria adicionar uma série de epítetos


no final dessa frase, mas estávamos em um lugar público e tínhamos uma
audiência. Mas se Valentine pensou que isso iria salvá-lo por mais tempo do
que levou para arrastar sua bunda esquelética até o meu carro, ele estava
muito enganado.

Na verdade, ele estava prestes a ficar dolorido de mais de uma maneira.


O menino estava claramente carente de disciplina, então eu ia compensar isso
onde seu pai havia falhado com ele. Alguns golpes na bunda, e talvez ele não
fosse tão rápido em me desobedecer novamente.

Se fosse, melhor ainda.

Valentine tinha saído do apartamento, e eu deveria ter checado meu


telefone como de costume, mas ele estava relativamente bem-comportado por
tempo suficiente para que eu me tornasse complacente e assumi que ele
finalmente decidiu dar uma olhada na piscina. Eu presumi que ele finalmente
tinha aceitado o fato de que ele não iria a lugar nenhum e decidiu se
comportar como um adulto razoável.

Esse foi meu segundo erro. Um que era absolutamente e completamente


imperdoável, considerando de quem estávamos falando.

Não é um erro que eu estaria cometendo novamente.

125
— Malcolm. — Valentine disse no mesmo tom cauteloso que ele usou
quando eu o encontrei no meu quarto sem permissão. Eu já estava me
arrependendo da minha decisão de pegar leve com ele, já que isso claramente
lhe ensinou uma lição infeliz. Um que ia ser um processo muito doloroso para
ele desaprender. — O que você está fazendo aqui?

— Eu poderia te perguntar a mesma coisa. — Eu disse concisamente.


Olhei para o cara ao lado dele, ainda sem ter certeza do que diabos eles
estavam fazendo juntos. Eu conhecia todos os membros da família DiFiore
porque se tornou meu negócio conhecer, e mesmo sob supervisão constante,
eles encontravam muitas maneiras de me causar problemas. — E quem é
você, exatamente?

— Este é o Dr. Adams, — Valentine respondeu, parecendo


apropriadamente cauteloso. Ele não estava tão assustado quanto ia estar, e
era uma pena que ele não tivesse a previsão de estar com medo o suficiente de
mim para pensar melhor de suas besteiras, mas isso mudaria. Começando
esta noite. Ele acrescentou incisivamente: — Meu chefe.

Como se ele pensasse que isso iria moderar meu comportamento. Uma
suposição tão ingênua. Precioso, realmente.

— Você quer dizer seu ex-chefe. — Eu disse lentamente, para dar


ênfase. — Porque você não trabalha mais no hospital. Lembra?

Valentine engoliu audivelmente, me observando com uma deliciosa


mistura de ódio e medo. A mistura era quase tão sedutora quanto o cheiro
deixado na camiseta branca que eu havia emprestado a ele, aquela que eu não
tive força de vontade para lavar.

126
Sim, eu estava doente, mas o que mais havia de novo?

Além disso, isso estava prestes a se tornar a coisa mais inócua que eu já
tinha feito em relação a ele. Assim que eu o levei para casa.

— Chefe Whitlock. Que honra. — Disse o idiota, sua voz gotejando com
condescendência sarcástica. Ele estendeu a mão. — Por favor, me chame de
Chris.

— Malcolm. — Eu disse entre dentes, devolvendo seu aperto de mão.


Ele era exatamente o tipo de canalha pretensioso e yuppie que eu odiava,
ainda mais do que eu odiava a maioria das pessoas, e isso significava alguma
coisa.

— Então, você é o cunhado dele? — Ele perguntou em dúvida, mesmo


sabendo a resposta para essa pergunta tão bem quanto eu. Considerando
quem trabalhava para ele, eu tinha certeza que ele tinha feito sua pesquisa
sobre a família de Valentine. Isso era de conhecimento público, mesmo que eu
não saísse por aí divulgando quando podia evitar. A mídia ficou mais do que
feliz em fazer isso por mim.

— Sim, é? — Eu perguntei, não com vontade de jogar bem.


Especialmente quando ele não estava se preocupando em esconder sua
esperteza.

— Entendo. — Ele disse, sem fazer nenhuma tentativa de esconder seu


julgamento, também.

A implicação era clara. Invadir um restaurante e rastrear seu cunhado


quando ele estava se encontrando com alguém não era exatamente um
comportamento socialmente apropriado, ou mesmo um comportamento

127
explicável fora de nossas circunstâncias atuais, mas eu não estava interessado
em me explicar para algum nerd que deixaria um pouco de autoridade subir à
cabeça. E eu certamente não estava interessado em preservar o ego de
Valentine na frente dele.

— Eu acho que é hora de irmos. — Eu disse incisivamente, voltando-me


para Valentine.

Ele franziu a testa, mas já estava começando a se levantar quando Chris


colocou a mão em seu braço para mantê-lo ali.

A visão foi o suficiente para me deixar com uma raiva cega, e mesmo
que eu dissesse a mim mesmo que era apenas possessividade em virtude de
ser o responsável por esse idiota agora, estava longe de ser convincente
mesmo para mim.

— Só um momento. — Disse Chris, olhando para mim. — Nós


estávamos no meio de uma conversa.

— A conversa acabou. — Eu disse, não me preocupando mais em


manter a fina pretensão de civilidade ou normalidade, para esse assunto. Eu
realmente não dava a mínima para o que esse idiota pensava sobre nossa
dinâmica de relacionamento. Eu não tinha certeza porque eu estava me
incomodando em fingir que Valentine tinha alguma autonomia no assunto. Se
eu o humilhasse na frente de seu chefe, ele tentar se esgueirar de volta ao
trabalho era menos um de seus esquemas malucos que eu tinha que me
preocupar em frustrar.

Eu me virei para Valentine, e pela primeira vez na memória, eu me


repeti.

128
— É hora de ir.

Ele franziu a testa, olhando entre nós como se estivesse realmente


pensando se continuaria a me desafiar. Ele realmente era mais burro do que
parecia, e com um rosto assim, ficou claro que ele herdou a beleza de sua mãe
e nada da astúcia de seu pai.

O nervo, no entanto. Ele com certeza tinha isso.

— Você pode me dar um minuto? — Ele perguntou por entre os dentes.

— Não. — Eu disse imediatamente, apontando pela janela para o meu


carro esperando no meio-fio. — Carro. Agora.

Chris esticou o pescoço para olhar pela janela.

— Estacionado em frente a um hidrante. — Ele estalou a língua. — Meu,


chefe. Isso não é um bom exemplo para o civil médio, é?

Eu bufei uma risada. Esse cara era rico.

— Sinta-se à vontade para escrever uma reclamação para a cidade. — Eu


disse, agarrando Valentine pelo braço já que ele já havia queimado minha
escassa paciência. Eu o levantei, e ele tropeçou em mim, fazendo uma careta
de humilhação, mas isso não era nada comparado ao que ele tinha vindo.

A mudança que veio na expressão de Chris foi instantânea e extrema o


suficiente para que por um segundo, eu pensei que o cara fosse realmente
tentar intervir. Em vez disso, ele apertou a mandíbula e me deu um olhar que
deixou pouco espaço para imaginar exatamente o que ele sentia por mim.

É mútuo, idiota.

129
— Ok, tudo bem, eu estou indo. — Valentine murmurou, fugindo do
meu alcance. Eu deixei, mesmo porque estávamos atraindo uma audiência, e
a última coisa que eu precisava era de outro escândalo de merda surgindo na
página da cidade. Ele olhou de volta para Chris, mas sua cabeça estava
abaixada e ele não estava disposto a olhar diretamente para ele. — Desculpe.

— Não se desculpe. — Disse Chris, baixando a voz. — Apenas lembre-se


do que eu disse. A qualquer momento.

Valentine deu um aceno trêmulo, vacilando quando eu coloquei uma


mão em seu ombro para levá-lo para fora do café. Eu não tinha certeza se ele
estava agindo intencionalmente como um cachorrinho abusado para me fazer
parecer mal, ou se apenas veio naturalmente. De qualquer forma, ele teria um
despertar rude se achasse que isso era duro.

— Que porra foi isso? — Eu exigi, mantendo um aperto firme enquanto


o conduzia para fora do restaurante e para o meu carro esperando no meio-
fio.

— Nada. — Ele murmurou.

Eu estreitei meus olhos, debatendo por um momento sobre se eu queria


chamá-lo de besteira aqui e agora. Eu finalmente decidi que não valia a pena
o escrutínio público, considerando que o prefeito já estava na minha bunda
para pegar aquele que orquestrou o incidente no hospital. Em vez disso, abri a
porta do passageiro, empurrando Valentine como um criminoso na parte de
trás do meu carro-patrulha.

Desde meus dias no vício, eu ganhei uma reputação de ser um filho da


puta violento e brutal, e a maior parte disso foi justificada. Eu nunca tinha

130
levantado a mão contra alguém verdadeiramente inocente, mas esses eram
poucos e distantes entre si no meu mundo. O garoto no meu banco do
passageiro estava o mais perto possível, mas ele havia acabado de perder seu
direito a qualquer gentileza e misericórdia que eu poderia ter mostrado a ele
antes.

— Espero que você tenha gostado. — Eu disse uma vez que estávamos
na estrada por alguns momentos. Eu não tinha certeza se Valentine tinha o
bom senso de ficar quieto ou se ele estava me dando o tratamento do silêncio.
Provavelmente o último.

— Gostou do quê? — Ele perguntou.

— Sua última saída para o futuro indefinido. — Respondi. — Porque de


agora em diante, você não será capaz de respirar sem mim na sua bunda.

— Parece bizarro. — Ele murmurou baixinho.

Eu zombei, segurando o volante com mais força. Este pequeno


espertinho elevou a tentação a uma forma de arte.

— Continue falando, garoto. Apenas mais um prego em seu caixão.

Eu nem quis dizer isso como uma ameaça mortal, mas isso certamente
chamou sua atenção.

— Você não pode fazer nada comigo. — Disse ele, embora sua voz
vacilou com a incerteza. — Silas...

— Silas deu você para mim. — Eu interrompi. Era hora de desiludi-lo de


toda noção autodestrutiva de autonomia que ele tinha. Foi para o bem dele. E
se acontecesse de apelar ao meu prazer sádico, isso era apenas a cereja do

131
bolo. — Assim como o chip, você é meu. Meu para proteger, e meu para punir
como achar melhor. Até agora, tenho sido muito generoso, mas se você não
gosta da sua gaiola dourada, tudo bem. Você ganha uma de ferro. E se você
ainda não aprendeu a lição, será o arame farpado, porque se há uma coisa que
você precisa para passar pelo seu crânio de concreto sólido, é que sempre
pode piorar. E hoje à noite? Você acabou de ganhar uma porra de uma
punição inteira.

Valentine ficou em silêncio por tempo suficiente que eu olhei para


descobrir que ele estava olhando para mim como se eu fosse um louco que ele
se viu cativo. E bastante justo.

— O que você quer dizer com punir?

A fome enrolou-se em minhas entranhas como uma serpente pronta


para atacar a cautela em seu tom.

— Oh, você vai descobrir. — Eu assegurei a ele. A verdade era que eu


ainda não tinha decidido sobre um. Apenas quando eu finalmente pensei que
tinha, outra perspectiva se ergueu, ainda mais tentadora do que a anterior.
Ele era uma musa para meu sádico interior, e eu ia transformar seu corpo e
sua alma em uma tela para cada fantasia depravada que passasse pela minha
mente.

Ele engoliu audivelmente. Deus, ele era demais. E eu não conseguia


fodidamente o suficiente.

Quando cheguei em casa e percebi que ele não estava em lugar algum,
fiquei chateado. Não demorou muito para rastreá-lo pelo telefone, no entanto,
e na curta viagem para pegar meu pequeno fugitivo, eu vi isso de uma

132
maneira diferente. Era isso. Esta era a desculpa que eu estava procurando, e
ele involuntariamente me deu carta branca.

— Eu não fiz nada de errado. — Ele rangeu. Já entrando na fase de


negação. Tão bem. Isso significava que a barganha estava para seguir, e eu
estava desejando ouvi-lo implorar desde o dia em que nos conhecemos. — Eu
não sou uma porra de um prisioneiro.

— Você é agora. — Eu atirei de volta, fazendo uma curva acentuada em


direção à rua em que meu prédio estava. — E de agora em diante, você vai
ficar amarrado ao meu lado.

— Literalmente ou figurativamente? — Ele perguntou cautelosamente.

— Isso é contigo.

Ele fez um som perigosamente próximo a um gemido.

— Por favor, não.

Meus dedos estavam brancos no volante e um arrepio estava subindo


pela minha espinha. Meu pau já estava dolorosamente duro. Nesse ritmo, eu
não teria força de vontade para esperar até sairmos da garagem.

Não disse nada, correndo o risco de desencorajar a mendicância.


Melhor deixá-lo pensar que ele tinha uma chance. Ele descobriria em breve
que eu não tinha nenhuma corda no coração para ele puxar.

— E o trabalho? — Ele perguntou de repente, como se ele tivesse


acabado de encontrar sua própria salvação. Fofa.

— Você vem comigo. — Eu respondi.

133
— Você não pode estar falando sério. Você sabe como isso vai parecer?
Tenho certeza de que não existe dia de ―leve seu prisioneiro para o trabalho‖.

— Você deveria ter pensado nisso antes de me desobedecer. — Eu disse,


saindo do carro e mantendo-o trancado para que ele não pudesse sair sem
mim. Dei a volta para abrir a porta e o peguei pelo braço para puxá-lo para
fora.

— Saia de cima de mim. — Ele rosnou, tentando puxar seu pulso para
fora do meu alcance.

Apertei meu aperto, não o suficiente para causar nenhum dano, mas o
suficiente para que ele estremecesse e parasse de lutar por tempo suficiente
para eu me inclinar e sussurrar: você se arrepende dez vezes quando estamos
lá dentro.

Para qualquer outra pessoa, poderia ter parecido um abraço íntimo, e


não seria a primeira vez que eu trouxe um menino bonito como ele para
minha cobertura. Os vizinhos não pensariam duas vezes.

Desta vez, não havia como confundir o gemido quando se afastou de


mim, mas ele desistiu de lutar. Ele estava aprendendo. Lentamente, mas tudo
bem para mim. Tudo o que realmente importava era que ele aprendeu.

— Qual era a regra número um? — Ele murmurou.

— Não me desobedeça porra. — Eu respondi. — Você já quebrou aquele,


mas não se preocupe. Vou me certificar de que você não esqueça de novo.

Dei um passo para trás, mantendo seu pulso firmemente em minhas


mãos. Minha mão poderia envolvê-lo duas vezes e mais um pouco.
Comparado com a maioria das pessoas, ele estava no lado alto da média, mas

134
comparado a mim, ele era pequeno. Frágil. E não apenas fisicamente. Seria
tão fácil quebrá-lo, e havia uma parte de mim que estava ansioso para fazer
exatamente isso. Eu não podia ir com tudo, mesmo porque eu não confiava
em mim mesma para recuar, mas isso não significava que eu tinha que pegar
leve com ele. Não por um tiro longo.

Como Valentine estava prestes a aprender, minha versão de luvas de


pelica era um pouco diferente do que ele estava acostumado.

135
Capítulo 9
Valentine

Eu tinha me fodido inúmeras vezes na minha vida, e de inúmeras


maneiras. Eu era uma espécie de artista nisso, mas nunca tinha criado uma
obra-prima de sacanagem tão boa quanto a que eu estava agora.

Nós estávamos de volta ao apartamento de Malcolm por uma questão de


minutos, e eu já me peguei temendo o que quer que ele tivesse reservado.

A julgar por tudo o que ele disse no carro, e fora dele, não foi nada bom.
Eu não tinha certeza exatamente até onde ele estava disposto a ir, mas minhas
tentativas de chamar seu blefe antes terminaram tão desastrosamente, eu não
ousei cometer esse erro novamente.

Malcolm tinha acabado de chegar de qualquer inferno que ele estava


fazendo em seu quarto no último minuto ou assim, e meu corpo ficou gelado
quando ele se aproximou de mim, andando um círculo lento e deliberado ao
meu redor enquanto ele me estudava como um predador avaliando seu corpo,
uma presa. Isso era exatamente o que eu era para ele.

Isso não estava muito longe de como aquela fantasia sórdida começou,
mas de repente, era menos uma novidade.

Eu sempre considerei Enzo o orgulhoso de nós três, mas parado ali com
Malcolm me espreitando como um tubarão, o fato de que eu ainda estava
tendo tanta dificuldade em engolir meu orgulho era a prova de que era um
vício que eu possuído em pelo menos igual medida.

136
— Olha, me desculpe, ok? — Eu comecei. As palavras eram amargas na
minha língua, mas pedir desculpas era preferível ao que quer que ele tivesse
planejado.

— Você sente muito. — Ele ecoou, um sorriso muito familiar brincando


em seus lábios. Eu estava tendo um déjà vu da pior maneira, e embora eu
adorasse poder dizer que não tinha uma queda por psicopatas presunçosos e
dominadores como meu irmão, os eventos recentes tornaram essa mentira
ainda mais difícil de engolir do que contrição.

— Você sabe, você diz muito isso, mas palavras não significam muito
sem ações para apoiá-las. — Disse ele, parando bem na minha frente. Havia
um brilho em seus olhos que me deixou no limite ainda mais do que suas
palavras. — Eu suponho que você nunca aprendeu isso com seu pai, então eu
terei que ser aquele que te ensina.

Eu me irritei e, de repente, a ideia de engolir meu orgulho saiu pela


janela.

— Você não sabe nada sobre mim. — Eu cuspi. Porque, aparentemente,


eu era um glutão por punição. — E mantenha minha família fora de sua boca.

Ele deu uma risada baixa e ameaçadora. Isso também era


estranhamente familiar. Se alguma coisa, ele fez Silas parecer quase agradável
em comparação.

— Isso é fofo. Você quer ser um cara durão como seus irmãos, hein?
Defendendo a honra de sua família quando você não pode nem se defender.

Eu apertei minha mandíbula, tentando ver através do vermelho. Medo e


repugnância eram as duas polaridades pelas quais eu estava sempre sendo

137
empurrada e puxada no que dizia respeito a Malcolm. Agora, eu estava bem
no meio.

— Que diabo é a o seu problema? — Eu perguntei incrédulo. — Uma


semana atrás, nós éramos praticamente estranhos. Você não dava a mínima
para mim, e agora, você age como se fosse meu dono.

— Oh, passarinho. — Ele murmurou, segurando meu rosto em sua mão.


Era tão quente e áspero quanto na minha fantasia, e meu coração respondeu
da mesma maneira ao seu toque, batendo furiosamente. — Eu faço.

Quando tentei virar a cabeça, seu aperto aumentou, mas na realidade,


minha resposta não foi excitação. Era raiva.

Pelo menos uma parte de mim estava funcionando.

Eu dei outro golpe nele, por mais suicida que fosse esse impulso, e ele
pegou meu punho na palma da mão tão facilmente quanto da primeira vez.
Ao contrário da primeira vez, ele não apenas me prendeu contra a parede. Ele
puxou meu braço atrás das minhas costas rápido o suficiente para me girar, e
antes que eu pudesse me orientar, seu joelho varreu minhas costas com força
suficiente para me mandar para o chão. Ele estava bem em cima de mim,
pousando com o joelho pressionado nas minhas costas.

O impacto foi forte o suficiente para tirar o ar dos meus pulmões com
um chiado, e com ele em cima de mim, eu não poderia substituí-lo por outra
respiração completa. Ele arqueou seu corpo sobre o meu, agarrando um
punhado do meu cabelo com a outra mão e puxando-o para trás para que eu
pudesse sentir o raspar de sua mandíbula ao longo da minha garganta
exposta.

138
— Obrigado por isso. — Ele ronronou ao lado da minha orelha, o calor
de sua respiração fazendo cócegas na minha orelha.

— Para que? — Eu gritei, tentando em vão me libertar de seu aperto.

Ele tinha quase cento e vinte quilos de músculos sólidos, e era difícil
apenas respirar com ele em cima de mim, mesmo sabendo que o fato de poder
respirar significava que ele não estava intencionalmente me esmagando. Eu
tinha enfrentado muitos homens que eram maiores e mais fortes na minha
vida, mas a diferença de tamanho e força entre nós era tão extrema que era
cômica. Nenhuma quantidade de determinação desconexa ou luta suja iria me
tirar dessa, mas eu não iria cair sem lutar do mesmo jeito.

Chame isso de orgulho. Chame isso de estupidez. Se este dia não me


ensinou mais nada, foi que eu possuía uma abundância de ambos.

— Por quê? Por me dar uma razão. — Ele respondeu com uma voz que
soava como veludo esfregando contra o grão, suave e áspero ao mesmo
tempo. A resposta que despertou dentro de mim foi igualmente contraditória,
e quando encontrei motivos para esperar que a dura realidade de Malcolm
fosse suficiente para matar qualquer fome doentia que eu estava alimentando
por ele, ela voltou com força total.

Eu estava grato por estar encostado no tapete, porque pelo menos ele
não poderia dizer que eu estava duro. E merda, eu nem tinha certeza se era
por medo ou luxúria. Talvez ambos.

Antes que eu pudesse perguntar o que diabos ele quis dizer com isso, ele
me levantou sem soltar meu braço e o som de metal raspando metal me fez
estremecer. Eu me virei para olhar por cima do ombro, mas enquanto eu não

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podia ver o que ele estava fazendo, a sensação de algemas agarrando meu
pulso direito logo respondeu minha pergunta.

— Ei! — Chorei quando outra onda de pânico e adrenalina tomou conta


de mim. Eu me debati e me contorci até conseguir me levantar em um joelho,
mas Malcolm plantou uma mão entre minhas omoplatas e me empurrou de
volta para baixo como se não fosse nada, prendendo a outra algema em volta
do meu pulso esquerdo.

Ele puxou as algemas para verificar se estavam seguras antes de me


colocar de pé como se não fosse nada. Eu mal tive tempo de cambalear antes
que ele colocasse a mão em meu ombro e me empurrasse para frente com
impulso suficiente para que eu não pudesse nem tropeçar.

Assim que percebi que ele estava me levando para seu quarto, gritei.

— Me deixar ir! — Eu fervia, de alguma forma conseguindo me virar


parcialmente para encará-lo. Ele ignorou meus gritos de protesto, e quando
minha luta provou ser bastante irritante, ele me agarrou pela cintura e me
jogou por cima do ombro.

Um suspiro estrangulado de alarme me escapou, seguido por um


grunhido quando ele sem cerimônia me jogou na cama.

Eu me contorci e me debati como um verme em um anzol, conseguindo


apenas ficar de lado a tempo de vê-lo tirar o cinto. Que diabos? Antes que eu
pudesse processar completamente o que estava acontecendo, ele me rolou e,
quando começou a desabotoar meu cinto, senti outra onda de adrenalina,
desta vez tingida de horror.

140
Isso estava realmente acontecendo. Isso não era um sonho ou alguma
fantasia fodida, era real. Meu choque durou apenas um momento antes que
eu começasse a lutar, conseguindo dar um chute em seu abdômen que nem
parecia desestabilizá-lo.

— Saia de cima de mim! — Eu assobiei, me debatendo forte o suficiente


para ter certeza de que tinha tirado meu ombro do lugar.

Ele me ignorou, puxando minha calça jeans até os joelhos antes de


agarrar minha nuca como se eu fosse uma gatinha selvagem e me jogar em
seu colo. A confusão fez minha cabeça girar quando um cenário de pesadelo
deu lugar a outro que era menos horrível, mas igualmente mortificante.

— Eu disse que faria você pagar dez vezes por cada vez que você me
desafiasse. — Disse ele em uma voz tão perfeitamente calma e composta, que
contrastava com a brutalidade de suas ações, tornando- as ainda mais
aterrorizantes em comparação.. — Até agora, são três vezes. No dia em que
você invadiu meu quarto sem permissão, sua decisão de sair depois que eu
disse explicitamente para você não fazer isso, e agora, quando você tentou me
bater. A primeira vez foi de graça, mas eu ganhei. não seja tão misericordioso
no futuro.

— Você não pode estar falando sério. — Eu disse por entre os dentes,
me esforçando para dar uma olhada nele por cima do meu ombro, embora ele
tivesse me esticado horizontalmente sobre seu colo, meus pés pendurados no
chão desde que a cama estava elevada. Os dele estavam solidamente no chão,
é claro. — Você não pode me espancar, porra!

141
— Eu posso fazer o que eu quiser com você. Quanto mais cedo você
entender isso, mais fácil será sua vida. — Disse ele naquele tom
irritantemente calmo e pedante, como se estivesse falando com uma criança.
E considerando nossas circunstâncias atuais, eu tinha certeza de que era
assim que ele me via. — Está claro que seu pai não lhe deu a disciplina
adequada quando teve a chance, então cabe a mim. Mas não se preocupe,
garoto. Eu vou te ensinar a ser bom ainda. tempo no mundo.

Suas palavras me fizeram estremecer violentamente o suficiente para


que meus dentes estalassem, e eu desejei poder dizer que era tudo repulsa.
Havia muito disso, mas impulsos muito mais preocupantes eram capazes de
coexistir ao lado dele. Mesmo agora, eu estava dolorosamente duro, e com
meu pau pressionado em seu colo, separado apenas por suas roupas e minha
cueca boxer, tinha que ser tão dolorosamente óbvio.

— Tudo bem, eu entendo. — Eu chorei com a voz rouca. — Você fez o


seu ponto, ok? Eu não vou desobedecer a você novamente.

— Isso seria do seu interesse. — Ele meditou. — Mas não tem relação
com o castigo desta noite. Você paga por seus pecados em retrospecto,
Valentine. Não adiantado.

Antes que eu pudesse perguntar o que diabos isso deveria significar, eu


o senti dando um puxão na minha cueca boxer e tentei mordê-lo.

Ele golpeou a parte externa da minha coxa com força o suficiente para
que eu estremecesse. Não doeu tanto quanto o impacto me abalou.

— Não lute ou eu vou adicionar mais dez. — Disse ele em um tom


áspero, repreendendo.

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Fiquei rígido, exceto pela minha respiração estremecendo e tremendo.
Eu não tinha certeza se era mais medo ou apenas raiva, mas de qualquer
forma, eu fiquei parada enquanto ele puxava minha cueca boxer para baixo o
suficiente para o ar bater na minha bunda.

Meu rosto estava queimando de humilhação, e o pior ainda estava por


vir. Eu me encolhi ao som de couro batendo contra couro, e por mais que
tentasse me preparar, nada poderia me preparar para o primeiro golpe
daquele cinto contra minha bunda nua. Isso doeu como um filho da puta.

Um grito assustado escapou de mim, e com cada golpe subsequente, eu


sentia a respiração bater de meus pulmões novamente enquanto meu corpo
balançava para frente em seu colo. Desisti de tentar respirar fundo e me
contentei em ranger os dentes. No número quatro, minha carne estava em
carne viva, e quando eu pensei que não poderia doer mais, o próximo golpe
provou que eu estava errado.

Lágrimas quentes escorriam pelo meu rosto e um gemido estrangulado


brotou na minha garganta. Cinco. Cinco golpes foram suficientes para me
tirar do meu orgulho, mas doeu muito para formular o apelo sendo esmagado
pelos sons patéticos e chorosos. Por alguma razão, aquele grito o deteve,
embora ele estivesse apenas no número cinco, mas eu sabia que não deveria
sequer cogitar a ideia de que era misericórdia.

Era uma oportunidade, de qualquer maneira. Uma chance de respirar


fundo e implorar:

— Por favor! Por favor, pare, eu não vou fazer isso de novo. Eu juro, por
favor.

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Malcolm permaneceu em silêncio, mas cada segundo que parava em
contemplação era um segundo de alívio. Minha bunda ainda doía como se
alguém tivesse acendido fogo, mas era suportável. Isso foi mais do que eu
poderia dizer pela humilhação.

— Já implorando? — Ele parecia desapontado, mas não havia como


dizer com ele. Ele estava tão distante da razão ou emoção humana que
poderia muito bem ter sido deleite.

— Sim. — Eu gritei, mal capaz de ver através das lágrimas embebidas


em seu edredom. Eu sabia que parecia exatamente como eu era. Fraco.
Patético. Infantil. — Por favor.

Ele parou outro momento em contemplação antes de finalmente colocar


o cinto no chão, e só então me deixei respirar fundo.

— Acho que você aprendeu a lição?

— Sim. — Eu disse com seriedade.

Era a verdade. Eu tinha aprendido minha lição. Eu não tinha certeza se


era a lição que ele planejava me ensinar, mas de qualquer forma, estava
gravada em minha mente como tinta, indelével. Malcolm Whitlock realmente
fez jus ao seu apelido, Diabo, vestindo um traje de pele humana e o fino verniz
de civilidade. A verdade por baixo era crua e feia e totalmente distorcida.

— E o que poderia ser isso? — Ele perguntou, me levantando para que


eu estivesse sentado em seu colo, minhas calças ainda em torno dos meus
joelhos. Eu não consegui olhar em seus olhos, que estavam ardendo de
lágrimas, mas ele segurou meu queixo entre o polegar e o indicador com uma

144
ternura inesperada e virou minha cabeça para que eu não tivesse escolha a
não ser olhar para ele. — Faça uma promessa.

Eu estava tremendo tanto que não conseguia falar, tendo que cerrar os
dentes só para impedi-los de bater.

— Obedecerei a você.

Essa resposta pareceu satisfazê-lo, a julgar pela mudança que veio em


seu rosto. Não que sua expressão se suavizou, mas sim que a prata ardente de
seus olhos ardeu com um tipo diferente de malícia. E isso também me
ensinou uma lição. Que sua crueldade poderia ser aplacada de duas maneiras:
punição ou submissão. De uma forma ou de outra, o último seria o resultado
final. Ele iria me quebrar, e tinha sido vergonhosamente pouco. Era apenas
uma questão de quanto do primeiro eu tive que suportar antes que ele
conseguisse.

— Bom menino. — Ele disse em uma voz que soava como a frequência
coletiva de cada pecado sombrio e depravado que a humanidade já cometeu.
— Acho que é o suficiente por hoje à noite.

Com isso, ele me puxou do colo e manteve as mãos nos meus quadris
para me firmar até que eu pudesse me equilibrar novamente. A humilhação
queimou minha alma como carvão em brasa quando ele agarrou o cós da
minha boxer e puxou-a de volta antes de me pedir para sair do meu jeans o
resto do caminho.

Eu ainda estava algemado sem nenhuma maneira de me defender, tão


fútil como agora eu sabia que teria sido. Quando Malcolm pegou meu braço e
gentilmente me virou para que minhas costas ficassem de frente para ele,

145
destravando a algema em volta do meu pulso esquerdo, eu não podia
acreditar na minha sorte.

E eu não deveria, porque no momento seguinte, ele empurrou meu


ombro, me forçando a ficar de joelhos para que ele pudesse prender a outra
algema na parte inferior do poste de metal ao pé da cama.

Olhei para ele em confusão apenas para encontrá-lo olhando para mim,
um olhar plácido em suas feições diabolicamente bonitas.

— Você vai dormir lá esta noite. É claro que você não pode confiar nem
mesmo com um mínimo de liberdade, então você terá que ganhar tudo a
partir deste ponto. Confiar. Conforto. Dignidade. Eu tenho que mantê-lo vivo,
mas não pense nem por um minuto que isso significa que eu não posso fazer
você desejar estar morto.

Com isso, ele caminhou até a porta e apagou a luz. Um momento depois,
ouvi roupas baterem no chão e a cama ranger sob seu peso. Muito tempo
depois que o som de sua respiração constante me disse que ele estava
dormindo, eu me deitei de lado, contemplando tudo o que tinha acabado de
acontecer e tudo o que ainda estava por vir.

De todos os fodidos homens que eu poderia ter escolhido para ter tesão,
tinha que ser ele.

Pelo menos agora eu sabia que seu apelo estético era apenas mais um
estratagema que ele usava para atrair suas vítimas inocentes. Uma exibição
deslumbrante, destinada a seduzir pequenas criaturas estúpidas a se
aproximarem o suficiente para que ele pudesse afundar suas garras
profundamente. Quando eles percebessem a verdade, seria tarde demais.

146
Já era para mim.

147
Capítulo 10
Malcolm

Valentine estava de mau humor desde que eu o encontrei encolhido


contra o meu estribo com os joelhos dobrados contra o peito naquela manhã.
Eu dei a ele uma escolha simples, porque essa era de longe a maneira mais
eficaz de treinar uma mente.

A força pura foi eficiente, mas não produziu nenhuma mudança


duradoura. Como água lutando contra uma represa, quando a estrutura
desmoronasse, tudo cairia em cascata na direção em que vinha empurrando o
tempo todo. Se você realmente quisesse controlar a maneira como a água
fluiria, teria que direcioná-la através de canais e riachos cuidadosamente
planejados.

Com um menino teimoso de posse de quantidades inversas de sabedoria


e bom senso, o processo seria gradual. Delicado e complicado, assim como
ele.

Eu tinha dado a ele a escolha entre ficar algemado na minha cama, nu e


sozinho enquanto eu ia trabalhar, e poderia se mijar no chão por tudo que eu
me importava. Ou, ele poderia se comportar e se vestir para me acompanhar.

Ele havia escolhido o último. Em sua mente, provavelmente não era


uma escolha, mas isso não importava. Isso lhe deu a ilusão de controle. Algo
para trabalhar.

148
Com o tempo, ele passou a ver que me agradar era uma recompensa em
si, mas por enquanto, sua obediência no interesse da sobrevivência serviria.

Ele ficou em silêncio durante todo o trajeto até a estação, o que foi bom
para mim. Ele tagarelava demais, de qualquer maneira, sobre a merda mais
fútil. O fato de eu geralmente achar isso charmoso era motivo de
preocupação.

Eu sabia que Miller e os outros iam dar na minha bunda ainda mais do
que o normal por trazer um refém para o trabalho, mas que escolha eu
realmente tinha? Eu não o teria deixado sozinho, mesmo que ele tivesse
escolhido isso. Não que ele precisasse saber disso.

Se ele tivesse sido enviado com qualquer roupa remotamente


profissional, eu poderia passá-lo para qualquer um que ainda não o
reconhecesse como estagiário, mas Enzo parecia pensar que não enviar nada
além de moletons e jeans iria mantê-lo longe de problemas.

Isso realmente não importava, no entanto. Eu planejava comprar um


novo guarda-roupa para ele de qualquer maneira, já que ele me
acompanharia em todos os lugares. Se ele ia ser um pé no saco da realeza, ele
poderia muito bem ser um colírio para os olhos adaptado às minhas
preferências.

Quanto a quando estivéssemos em casa, bem, eu planejei que ele


estivesse vestindo tão pouco que não importava.

— Bom dia, chefe. — Um dos novatos disse assim que entrei pela porta
da frente. Eu não me lembrava do nome dela, mas acenei ao passar por ela.

149
— Fique perto. — Eu murmurei para Valentine, baixo o suficiente para
que apenas ele me ouvisse.

Sua única resposta foi um olhar, mas eu ainda não tinha estabelecido
nenhuma expectativa de como ele deveria responder adequadamente. Eu
estava mantendo as coisas incrivelmente simples e, até agora, isso provou ser
uma necessidade.

Fui direto para o meu escritório, querendo dar a ele o mínimo de tempo
possível para ser notado. Com a minha sorte, ele ia começar a piscar um SOS
em código Morse.

Abri a porta e esperei Valentine entrar, observando enquanto ele olhava


ao redor e estudava meu escritório.

— Fantástico. — Ele murmurou, deixando-se cair na cadeira em frente à


minha mesa.

— Você fica aqui, e não se engane, isso é um teste. — Eu disse


incisivamente, algemando seu pulso esquerdo na cadeira para garantir. — Se
você tentar correr, você nem vai conseguir chegar ao saguão da frente. Eu me
fiz entender?

— Claro como cristal. — Ele disse amargamente.

— Bom. — Eu disse, saindo do escritório. Ainda era cedo para um teste,


não importa quão pequeno, e minhas expectativas sobre ele não eram altas
para começar, mas ele tinha que começar em algum lugar. E se eu ia passar
um dia inteiro de trabalho com Valentine amarrado ao meu quadril, a cafeína
era uma necessidade.

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Eu não estava na sala de descanso por dois minutos inteiros antes de
sentir alguém se aproximar e me virar para encontrar Miller de pé perto da
cafeteira, os braços cruzados enquanto ela se inclinava contra o balcão.

— Então você trouxe seu menino de brinquedo, desculpe, cunhado para


o trabalho hoje.

— Você presta muita atenção ao que seus superiores estão fazendo para
alguém com uma carga completa de casos. — Eu respondi, servindo-me de
uma xícara de café e outra para Valentine, mesmo que ele já estivesse
conectado o suficiente. Um pirralho da máfia mal-humorado era o suficiente
para lidar sem jogar a abstinência de cafeína na mistura.

Ela apenas sorriu.

— O que posso dizer? Tenho uma mente curiosa.

— Eu notei. — Eu disse. — Um traço perigoso de se ter nesta cidade,


você não acha?

Ela zombou, mas eu poderia dizer pela forma como seu olhar escureceu,
ela sabia que não era uma ameaça vã.

— O que você acha que o prefeito vai dizer sobre seu animal de
estimação DiFiore?

— Não tanto quanto ele teria a dizer sobre você conhecer sua filha no
Bellagio no mês passado. — Eu respondi. Eu zombei do olhar de desânimo em
seu rosto. — O que, você acha que é o único que está curioso?

A raiva queimou em seus olhos, e ela apertou a mandíbula.

151
— Sério? Chantagem? — Ela perguntou categoricamente. — Carmen tem
vinte e três anos. Ela tem idade suficiente para tomar suas próprias decisões.

— Claro. Aposto que se você colocar assim para o pai dela, ele ficaria
mais do que feliz em lhe dar sua bênção.

Enquanto ela ainda estava fervendo de raiva, eu continuei:

— Você é uma boa policial, Miller. Dura, mas com princípios. Quase
incorruptível. Essa é uma combinação rara hoje em dia, e isso é mais do que
razão suficiente para você fazer algo muito poderoso. Alguns deles sugeriram
que eu me livrasse de você ao longo dos anos.

— Então por que você não fez? — Ela perguntou por entre os dentes.

Eu sorri.

— Negaçãoaplausível. Você não gosta de mim, e eu não gosto de você, e


todo mundo sabe disso. Se eu a manter por perto, talvez até promovê-la a
vice-chefe em alguns anos, isso me faz parecer justo e razoável, e é uma pena
no seu boné. Uma situação ganha-ganha.

— Você está tentando me subornar com uma promoção. — Ela disse


categoricamente.

— Oh, não é um suborno. — Eu assegurei a ela. — Eu não preciso


subornar você. Não se engane, no segundo em que você deixar de ser mais
conveniente como escudo do que como um pé no saco, todas as apostas estão
fora. Agora, conhecendo você, você pode estar disposta a aceitar esse risco,
por uma questão de princípio, mas eu me pergunto se essa nobreza se estende
às pessoas que você ama? Aquele seu irmão mais novo, qual é o nome dele? —

152
Eu perguntei, coçando a barba por fazer no meu queixo. — Ivan, certo? Ele
acabou de ser promovido a vice, não foi?

Ela não respondeu, mas não precisava. O olhar em seu rosto era mais do
que explícito o suficiente.

— Claro que sim, agora eu me lembro. — Eu disse, estalando os dedos.


— Na verdade, eu coloquei uma palavra para ele.

Miller franziu a testa em confusão.

— Por que você faria isso?

— Porque ele é um bom garoto, e nós poderíamos usar mais desses na


rua. — Eu disse com um encolher de ombros. — Mas é um trabalho perigoso.
Coloca você na posição certa para fazer todos os tipos errados de conhecidos.
E merda acontece. Mas não se preocupe, eu ainda tenho muitos amigos dos
meus dias na batida. Eles vão ficar de olho nele, se eu der a palavra. Só para
ter certeza de que nada... Infeliz aconteça. Você me entendeu?

Raiva e o primeiro tom de medo que eu já vi nela cintilou em seu rosto.

— Seu filho da puta. — Ela fervia. — Você é a porra da escória, você sabe
disso? Você é tudo o que há de errado com esta profissão.

Sua mão se contorceu ao seu lado, e eu não ficaria surpreso se ela fosse
para sua arma ali mesmo. Eu já tinha visto policiais melhores reclamarem
menos. Você não conhecia alguém de verdade até saber do que eles eram
capazes sob pressão e, como aprendi ao longo dos anos, todos eram capazes
de praticamente qualquer coisa, com a quantidade certa. Apenas o pequeno
empurrão certo na direção errada.

153
Eu não esperava exatamente ter essa conversa hoje, mas demorou
muito para acontecer. Eu estava esperando a oportunidade certa para
descobrir exatamente onde estava o seu limite.

— Você pode estar certa sobre isso. — Eu concordei. — Mas da próxima


vez que você pensar em me ameaçar, pense nisso primeiro: eu estava aqui
muito tempo antes de você, e estarei aqui muito tempo depois que você se for,
se você continuar na direção em que está agora. Porque essa é a coisa sobre a
escória, Miller. Ela gruda. —Inclinei-me, dando-lhe um tapinha no ombro. —
Estou feliz que tivemos essa pequena conversa.

Com isso, eu a deixei marinar em sua justa indignação. Só o tempo diria


se minhas palavras afundaram, ou se ela era um problema que precisava ser
resolvido mais cedo ou mais tarde, mas por enquanto, eu tinha merda para
fazer.

Quando voltei ao meu escritório e descobri que Valentine estava


exatamente onde o deixei, fiquei agradavelmente surpreso que ele não tentou
escapar. Claro, eu sabia que não devia atribuir à obediência o que poderia
atribuir à incompetência quando se tratava dele. Se seus irmãos não o
ensinaram a ficar longe de homens como eu, provavelmente também não lhe
ensinaram essa habilidade básica.

Isso era algo que eu teria que mudar no futuro. Concedido, ele estar
indefeso era propício para os meus interesses agora, mas isso nem sempre
seria o caso. Eventualmente, uma vez que ele estivesse suficientemente
dividido, eu poderia começar o processo de moldá-lo no que eu queria. Se não
em um animal de estimação adequado, pelo menos no tipo de pessoa que não

154
iria se matar no segundo em que eu não fosse mais responsável por mantê-lo
vivo.

Eu nem sabia por que eu dava a mínima. Ou se o fiz, em qualquer


sentido significativo da palavra.

Disse a mim mesma que era apenas o fato de que uma vez eu assumi a
responsabilidade por algo, por mais raro que fosse, que o tornava meu. E eu
não gostava que as pessoas tocassem nas minhas coisas.

Valentine tinha se aconchegado com os joelhos no peito na cadeira perto


da minha mesa, depois de girá-la para que ficasse de frente para a janela. Ele
olhou para cima da vista da cidade abaixo, uma cautela familiar entrando
naqueles grandes olhos castanhos.

Coloquei a xícara de café no parapeito da janela na frente dele.

— Eu suponho que você tome com creme e grandes quantidades de


açúcar.

— Não. — Ele murmurou, embora trouxesse a xícara aos lábios com


bastante avidez.

Eu bufei, sentando atrás da minha mesa para começar meu trabalho.


Consegui fazer vinte minutos de trabalho antes de ouvir um gemido de dor do
outro lado da sala e encontrar Valentine afundando, meio fora de sua cadeira.

— Isso é uma tortura. — Ele lamentou. — Você não pode esperar


seriamente que eu fique sentado aqui por oito horas enquanto você trabalha
sem nada para fazer.

155
Parecia que a noite anterior não o tinha deixado tão quebrado e apático
quanto parecia. Talvez ele tivesse um pouco mais de coragem do que eu
acreditava.

Bom. Isso significava que havia muita diversão a ser desfrutada.

— Geralmente é mais como dez. — Eu o informei.

Ele deu um uivo triste de desânimo.

— Isso não é justo. Se você vai me tratar como uma criança, você
poderia pelo menos me dar um livro de atividades ou algo assim.

Eu bufei uma risada.

— Isso pode ser arranjado.

— Estou falando sério. Eu tenho TDAH2. Este é um nível de


desumanidade que quebra a Convenção de Genebra.

Eu levantei uma sobrancelha.

— Você está realmente reclamando mais por estar entediado do que por
ter sua bunda tingida de vermelho?

Seu rosto ficou com um tom bastante atraente de rosa, e ele se inclinou
para longe de mim.

— Eu não preciso ser lembrado, obrigado. Vamos, pelo menos me dê


um telefone ou algo assim.

— O que, então você pode ligar e chorar para o seu irmão sobre o quão
cruel eu sou? — Eu perguntei.
2Doença crônica que inclui dificuldade de atenção, hiperatividade e impulsividade. Em geral, o TDAH começa na infância e pode
persistir na vida adulta. Pode contribuir para baixa autoestima, relacionamentos problemáticos e dificuldade na escola ou no
trabalho.Os sintomas incluem falta de atenção e hiperatividade. Os tratamentos incluem medicamentos e psicoterapia.

156
Seu silêncio era prova suficiente de que era uma preocupação válida. E
realmente, não importava o que Enzo pensava, porque não dependia dele.
Não mais. Ele havia entregado Valentine aos meus cuidados, e não era
problema meu que Silas não o tivesse avisado o suficiente sobre o que isso
poderia implicar. Ainda assim, quanto menos putaria eu tivesse que lidar,
melhor.

— Eu vou te dizer uma coisa. — Eu disse, me levantando da minha


cadeira. — Eu tenho algumas coisas para fazer no centro, de qualquer
maneira. Se você conseguir ficar aqui e se comportar pela próxima hora, então
vamos providenciar algo para você ler.

Ele claramente não estava feliz com isso, mas sabia que era melhor não
discutir. Ou pelo menos estava aprendendo a escolher suas batalhas.

— E se eu tiver que mijar enquanto você estiver fora? — Ele demandou.

Eu balancei a cabeça para a xícara de café em sua mão.

— Eu sugiro que você termine isso, então.

Eu o ouvi murmurar ―idiota‖ baixinho quando fui até a porta e peguei


minha jaqueta. Eu escolhi fingir que não tinha ouvido no momento, porque
eu não poderia puni-lo tão efetivamente quanto eu queria aqui sem chamar
atenção indesejada. De qualquer forma, eu já ia manter um registro para
quando chegássemos em casa, e tinha certeza de uma coisa.

No final do dia, haveria outros.

Eu tranquei a porta do meu escritório e parei na mesa ao virar da


esquina ao sair. Estava ocupado por Dallas, um jovem de vinte e poucos anos
que acabara de ganhar o status de novato. Ele era um universitário, ansioso

157
para provar que era mais do que um acadêmico mimado, então, embora a
confiança não fosse um luxo que eu tinha, eu confiava em sua ambição de
nariz marrom.

— Eu preciso que você me faça um favor. — Eu disse, esperando na


beirada de seu cubículo.

Ele olhou para cima, tirando seus fones de ouvido.

— Claro, chefe. O que é?

— Aquele homem no meu escritório. — Eu disse, — Certifique-se de que


ele não vá a lugar nenhum. E certifique-se de que ninguém tente entrar. Se
alguém bater, diga que eu almocei cedo.

— Você pode ficar tranquilo. — Disse ele, um brilho de conhecimento


em seus olhos. — Um pouco jovem, não é?

Eu não tinha certeza do que deu a ele a impressão de que eu estava


querendo falar merda sobre minha vida pessoal, mas eu dei a ele um olhar
vazio, planejando desiludi-lo dessa noção imediatamente.

Ele limpou a garganta sem jeito.

— Certo. Vou ficar de olho nele.

— Eu aprecio isso. — Eu disse antes de sair da estação. Olhei para o


meu relógio, imaginando que tinha tempo suficiente para pegar meu contato
no MIT antes de sua próxima aula começar. Por mais irritante que fosse
admitir, eu não tinha muitas opções se quisesse descobrir o que estava
naquele maldito chip, e já havia esgotado os limites de minhas habilidades.

158
Quanto mais eu trabalhava na maldita coisa, mais me convencia de que
era, por mais impossível que parecesse, realmente Demônio com quem
estávamos lidando. E se esse foi o caso, levantou mais perguntas do que
respostas. A principal delas era se Silas estava mentindo para mim.

Após a morte de Owen, eu tive minhas apreensões sobre Silas ser o


único a tirar Demônio, e essas dúvidas foram exacerbadas quando ele decidiu
mais ou menos desaparecer pelos próximos cinco anos.

O fato de que não houve mais encontros com Demônio depois disso foi
prova suficiente para mim de que ele realmente se foi, e Silas manteve sua
palavra.

Agora…

Não, a confiança não era um luxo que eu tinha. Nem mesmo para o meu
próprio irmão.

Quando cheguei ao campus, o estacionamento do lado de fora do prédio


principal de ciência da computação estava lotado. O lugar era o terreno de
caça ideal para descobrir novos talentos, e considerando quantas dessas
jovens mentes brilhantes estavam se afogando em dívidas estudantis, sempre
foi fácil conseguir sua cooperação. O dinheiro era um substituto decente para
a lealdade, na maioria dos casos, e esse era outro conto de fadas em que eu
tinha deixado de acreditar há muito tempo.

Recebi alguns olhares enquanto estacionava o carro e entrava no prédio,


mas duvidava que fosse o único idiota com um Tesla por aqui. A pretensão era
praticamente um requisito para a posse.

159
Caminhei pelo corredor, passando por uma multidão de bebês do fundo
fiduciário e nerds ansiosos. Este era o tipo de lugar onde todos tinham um
aplicativo em desenvolvimento, e metade deles estava falando besteira como
―perturbar o mercado‖ porque eles tinham uma ideia para um novo site de
namoro. A outra metade era obstinada, inteligente demais para seu próprio
bem e precoce demais para perceber que, por mais brilhantes que fossem, e
por mais que quisessem mudar o mundo, nunca teriam permissão para
mudá-lo para melhor. Porque não era assim que a merda funcionava. A única
coisa que todas as suas invenções engenhosas conseguiriam fazer era tornar
um idiota rico ainda mais rico.

Quando cheguei ao meu destino, a porta estava fechada e eu podia ouvir


vozes atrás dela. Olhei para a placa colada na porta com um clipart brega dos
anos noventa de código binário e microchips que dizia: Horário de
atendimento do Prof. Rosenfield: nove horas às onze e trinta3 terça e
quinta-feira.

Parecia que eu estava bem na hora.

Esperei alguns momentos até que a porta se abriu, revelando uma


jovem de capuz com as letras da universidade impressas na frente, sorrindo
rigidamente e balançando a cabeça em um entusiasmo mal fingido enquanto
o homem atrás da porta tagarelava sobre alguma merda que passou até
mesmo na minha cabeça. cabeça.

Ela olhou duas vezes quando me viu antes de sair correndo da sala o
mais rápido possível.

160
— Ah, e não se esqueça do teste na próxima quarta-feira. — Ele gritou
atrás dela, congelando e ficando alguns tons mais pálidos quando ele
finalmente me notou. Sua voz subiu uma oitava e falhou quando ele disse: —
Oh. Chefe Whitlock, que surpresa agradável. Eu não estava esperando você de
novo tão cedo.

— Você é tão ruim em mentir quanto aquele garoto é em fingir que não
a está entediando até a morte, Elijah. — Eu o informei, entrando em seu
escritório.

Ele parecia confuso quando fechou a porta.

— Desculpe, mas eu não tenho nenhum novo desenvolvimento no...


Projeto... Que você me deu. Mas posso garantir que você será o primeiro a
saber quando eu tiver.

— Sim, eu posso ver que você está realmente queimando a vela em


ambas as extremidades trabalhando nisso.

Ele apertou os lábios e empurrou os óculos claros e perfeitamente


redondos para cima do nariz. Foi um tique nervoso que peguei na primeira
vez que o encontrei enquanto consultava sobre um homicídio que por acaso
passou para a divisão de crimes cibernéticos. Elijah era praticamente o
garoto-propaganda do corpo docente do MIT, por dentro e por fora. Ele
estava no lado mais baixo da média, com uma constituição rechonchuda que
parecia pensar que seus coletes estruturados estavam escondendo, e mesmo
que eu soubesse que ele estava em seus trinta e tantos anos, ele estava
barbeado com um rosto de bebê emoldurado por cabelos castanhos dourados.
um estilo despenteado que o fazia parecer ainda mais juvenil.

161
Ele também era volúvel, neurótico e um gênio verificável com
credenciais e pontuações de QI correspondentes. Ele trabalhou para a NSA
por alguns anos antes de garantir a estabilidade e um confortável escritório de
canto, em parte graças à minha recomendação. Dizer que ele me devia não
teria sido um exagero.

— Eu tenho aula. — Ele protestou. — Eu posso garantir a você, eu fiquei


até tarde todas as noites esta semana trabalhando nisso. Se você não acredita
em mim, você pode verificar os logs no laboratório de informática.

— Eu só poderia. — Eu disse, inclinando-me na beirada de sua mesa.


Seu escritório estava cheio de papéis e livros que toda a parede de prateleiras
atrás de sua mesa não podia acomodar totalmente. Ele podia ser um nerd de
computador, mas seu amor por Chaucer e Proust era prova suficiente de que
ele não era inteiramente unidimensional, como a maioria de seus colegas.
Essa foi parte da razão pela qual eu o escolhi como um ativo. Ele era do tipo
suave e romântico, literal e figurativamente, e foi fácil convencê-lo da nobreza
por trás da causa no início.

Estávamos na maior parte de uma década em nosso relacionamento de


trabalho, e eu tinha certeza de que ele tinha sido devidamente desiludido
dessa noção. Ele era um gênio, afinal. Mas ele estava muito fundo para voltar
agora.

— Sabe, pode ajudar se você me disser o que há nessa coisa. — Disse


ele, torcendo as mãos enquanto caminhava até a janela, não tão sutilmente
tentando colocar a maior distância possível entre nós. — Ou quem o
criptografou em primeiro lugar. Se eu pudesse restringir que tipo de cifra eles
podem ter usado, isso ajudaria muito.

162
— Você sabe tudo o que precisa saber. — Eu disse com firmeza.

Ele normalmente não empurrava de volta, então quando ele se virou


para mim, sua testa franzida em frustração ao invés da deferência silenciosa
que eu estava acostumada, eu fiquei surpresa.

— Você sabe, eu estive envolvido em negócios ilícitos o suficiente por


todos esses anos que, se eu te entregasse, eu estaria afundando com o navio
também.

— Verdade. — Eu disse, tamborilando meus dedos na borda da mesa. —


Tenho certeza de que você é inteligente o suficiente para saber que apenas um
de nós pode nadar em águas tão agitadas. Muitos tubarões que adorariam
mastigar uma foca saborosa como você.

Ele fez uma careta, puxando seu colete para baixo sobre seu estômago
arredondado.

— Então, qual é o mal em me dar a informação que eu preciso para fazer


meu trabalho? Já que você não está feliz com a linha do tempo atual.

Era uma pergunta justa. Eu não estava acostumada a mudar de ideia,


mas não me opunha a isso dentro do razoável.

— O nome 'Demônio'. Isso toca algum sino para você?

A julgar pela maneira como ele passou de pálido para branco, foi.

— Eu... Eu pensei que ele estava morto.

— Isso faz de nós dois. — Eu disse, cruzando os braços. — Você pode


imaginar minha surpresa quando um moribundo da família DiFiore apareceu

163
às portas da morte, dizendo que aquela coisa é a chave para descobrir onde
ele esteve escondido todos esses anos.

Ele engoliu audivelmente, afundando contra a parede.

— Então aquele chip... Pertence a... E eu estive... Oh, Deus.

Lá estava. A razão pela qual eu não queria contar a ele. A


autopreservação era um grande obstáculo a ser superado.

— Isso muda alguma coisa, Professor?

Ele parou um momento antes de assentir com a cabeça trêmula.

— Isso me dá uma ideia melhor, sim. Você tem mais alguma coisa dele?
Correspondências criptografadas que ele enviou no passado, arquivos
antigos...

Eu hesitei.

— Eu não. Mas eu conheço alguém que pode.

— Traga-os para mim o mais rápido possível. — Disse ele, encolhendo-


se um pouco. — Por favor.

Eu empurrei sua mesa, caminhando até a porta.

— Entrarei em contato em breve. — Parei na porta, minha mão


demorando na maçaneta. — E Elijah? Só para ficarmos claros, qualquer coisa
que Demônio possa fazer com você no caso altamente improvável de ele
conseguir conectá-lo ao chip e caçá-lo será um deleite absoluto em
comparação com o que eu faço com você e todos com quem você se importa,
incluindo aquele pequeno estudante alegre, no caso extremamente infeliz de
você sobreviver a ele. Temos um entendimento?

164
Ele estava tremendo visivelmente, mas ainda havia uma quantidade
impressionante de fogo em seu olhar.

— Sim. — Ele disse rigidamente. — Nós temos.

— Homem inteligente. — Eu disse antes de sair do escritório. Às vezes,


um ativo só precisava de um pequeno lembrete para evitar que ele se tornasse
um passivo. Era por isso que eu tirava um tempo da minha agenda lotada
para visitas domiciliares de vez em quando.

Eu deslizei de volta para o meu carro e coloquei meus óculos escuros


antes de sair para a estrada. Eu estava voltando para a estação quando recebi
uma ligação pelo rádio. Uma explosão na beira da estrada, não muito longe da
minha saída. Não houve menção a um acidente, o que foi bastante estranho,
mas foi a descrição do carro que realmente chamou minha atenção. Um
Pégaso vermelho escuro de mil novecentos e cinquenta e um. Considerando o
fato de que havia menos de cinquenta deles na estrada, algo me fez duvidar
que fosse uma coincidência.

Acendi as luzes do painel e acelerei, mas quando cheguei ao local, o


esquadrão antibombas já estava lá e pude ver o carro. Era um pedaço de
metal descascado, mas ainda assim inconfundível.

Uma onda impressionante de déjà vu me atingiu quando saí do carro e


caminhei até a equipe. Alguns estavam montando uma barricada de fita
amarela ao redor da cena, enquanto outros estavam ao redor, olhando para os
destroços.

165
— O que está acontecendo? — Eu perguntei, embora eu tivesse uma
sensação de afundamento que eu já conhecia. Provavelmente ainda melhor do
que eles.

O policial mais próximo pareceu surpreso ao me ver, olhando para o


acidente.

— Eu que o diga, chefe. — Disse ele, esfregando a parte de trás de sua


cabeça. — Nenhum motorista foi encontrado, e ninguém na área relata ter
notado qualquer atividade suspeita. Não havia ninguém por perto, então
ninguém se machucou.

Eu balancei a cabeça distraidamente, porque isso estava longe de ser o


primeiro pensamento em minha mente.

— Falha no motor? — Eu perguntei esperançoso, embora eu já soubesse


qual seria a resposta.

Ele balançou sua cabeça.

— Não, muito limpo para isso. E muito poderoso. Este foi um projeto de
ciência de algum idiota. Parece uma detonação remota.

Minha garganta ficou apertada, mas eu não conseguia tirar os olhos dos
destroços. Eu podia entender por que o homem ao meu lado estava olhando
para mim daquele jeito. Eu tinha encontrado cenas verdadeiramente horríveis
sem sequer vacilar. Inferno, eu tive que me lembrar de não comer na cena do
crime metade do tempo, mas isso...

Isso era outra coisa. E enquanto olhava para os destroços, encontrei-me


congelado em choque e arrastado de volta ao dia mais sombrio da minha vida.

166
Havia muito por onde escolher, mas nenhum deles se comparava a este. Nem
um único.

E foi, sem dúvida, uma mensagem. Uma mensagem significava para


mim que apenas uma pessoa poderia ter enviado.

Saí do meu estado atordoado com outra percepção.

— Valentine. — Eu fervia, voltando para o meu carro. Voltei para a


delegacia como um morcego fora do inferno, porque o naufrágio não era
apenas uma mensagem. Foi uma distração.

167
Capítulo 11
Valentine

Eu tinha passado quase uma hora tentando arrombar a algema que


prendia meu pulso à cadeira, e eu estava realmente começando a me
arrepender de ter perdido o foco durante todas as vezes que Enzo e Luca
tentaram me ensinar esse tipo de merda.

— Nunca saia de casa sem pelo menos saber abrir duas fechaduras. —
Era praticamente o mantra de Luca enquanto eu crescia. Fiquei irritado por
pensarem que eu era o principal candidato a um sequestro, mas aqui estava
eu.

Pensando bem, eles se concentraram muito em tentar diminuir a


probabilidade de eu ser sequestrado em geral. Olhando para trás, eu tinha
certeza de que deveria me sentir insultado por isso. Acho que eu parecia o tipo
de criança que entraria na van de um estranho com a promessa de
cachorrinhos e doces.

Quem eu estava brincando? Se houvesse uma van de cachorro e doces,


eu entraria nela agora. Sem perguntas.

Eu tinha certeza de que Malcolm havia se esquecido de mim ou algo


mais havia acontecido. Isso, ou ele tinha acabado de me abandonar
completamente. Provavelmente isso.

Achei que seria melhor ir trabalhar com ele, considerando que havia um
limite que ele poderia fazer comigo em um prédio cheio de policiais.

168
Eu esperei. Isso, ou ele teria uma audiência.

De qualquer forma, eu estava errado. Na verdade, eu estava começando


a desejar que ele me levasse para casa, para a casa dele, de qualquer maneira.

Ele ainda não havia voltado quando ouvi algumacomoção do lado de


fora da porta, além do habitual zumbido de conversas e da agitação do
escritório ocupado. Se nada mais, pelo menos eu era capaz de me consolar
com o fato de que o trabalho de Malcolm era chato pra caralho na maior parte
do tempo. E eu pensei que Enzo estava mal.

Não trabalhar estava me deixando louco, porém, e tinha sido apenas um


pouco mais de uma semana. Eu não fiz tempo de inatividade. A única maneira
de me forçar a relaxar de vez em quando, apenas para evitar o inevitável
acidente, era se eu ficasse bêbado.

Agora isso era outra coisa que eu sentia falta. Algo me disse que
Malcolm seria estranhamente restritivo sobre isso também. Tornou-se claro
para mim que a coisa mais próxima que ele possuía de uma bússola moral era
a crença firme e inabalável de que era sua responsabilidade garantir que eu
não tivesse nada parecido com um bom momento.

O som de tiros me sacudiu para fora da minha festa de piedade. Sentei-


me em posição de sentido, tentando não enlouquecer, pelos dois segundos
que levou para os gritos de alarme precipitarem mais tiros. No espaço de um
único momento, um tiroteio completo irrompeu do outro lado da porta.

Que merda de verdade?

Quando o tiroteio se aproximou e algo atingiu a parede do escritório de


Malcolm, eu me engasguei bruscamente e caí para trás por instinto, caindo

169
sobre o encosto da cadeira. Eu bati no chão com força, meu braço torcendo o
suficiente para que eu sentisse um estalo forte seguido por uma sensação de
queimação doentia que irradiou do meu ombro até o meu cotovelo.

Ok, agora estava fora de seu encaixe.

Eu ainda estava tentando me levantar quando percebi que alguém


estava literalmente batendo na porta. Puta merda.

Desisti de tentar escapar e, em vez disso, me abaixei e me cobri atrás da


cadeira, pelo menos o máximo que pude com meu pulso ainda algemado à
maldita coisa. Por todo o bem que me faria. Com outro baque retumbante, a
porta explodiu para dentro, pedaços de madeira e gesso do batente da porta
espirrando no chão.

Através da fumaça, pude ver o contorno vago de um homem com um


rosto grotescamente retorcido segurando um aríete emitido pela polícia que
definitivamente havia sido requisitado. A julgar pelo silêncio do lado de fora
do escritório, esta não era uma batalha que os mocinhos haviam vencido.

Quando a fumaça se dissipou e a figura entrou na sala, percebi por que


seu rosto parecia tão estranho. Era uma máscara. Brilhante, papel de plástico
branco, se não algo mais durável, impresso com o design 3D do rosto de um
Demônio, sua boca anormalmente larga esticada em um sorriso torto
completo com duas fileiras de dentes afiados. Os olhos estavam cortados, mas
tudo que eu podia ver atrás deles era uma sombra preta e um leve indício de
luz das pupilas.

Eu tossi, porque mesmo que a poeira tivesse assentado, o cheiro de


pólvora e fumaça no ar estava fazendo cócegas na minha garganta. Eu me

170
movi o máximo que pude até minhas costas baterem na parede, arrastando a
cadeira comigo no processo, mas eu não conseguia nem me concentrar na dor
no meu ombro. Era como se pertencesse a outra pessoa. Tudo que eu podia
fazer era olhar para o homem que agora estava parado bem na minha frente, a
poucos metros de distância.

O homem mascarado inclinou a cabeça para um lado em um ângulo não


natural, ou talvez só parecesse assim por causa da máscara.

— Valentine DiFiore. — Ele disse em uma voz distorcida por algum tipo
de dispositivo de distorção. Um bom também, não apenas o tipo que qualquer
criança poderia comprar online como um presente de mordaça. — Nós nos
encontramos finalmente.

— Essa é uma linha de vilão bem clichê, você sabe. — Eu disse, minha
voz tensa, mas não tão fraca quanto eu esperava, especialmente considerando
o fato de que eu tinha certeza de que estava a dois segundos de me irritar.

Ele riu, e até mesmo sua risada era robótica e errada.

— Eu suponho que você sabe quem eu sou, então.

— Sim, você é o filho da puta que matou Robbie. A máscara meio que
entrega isso. — Eu disse categoricamente. — Se você está esperando uma
revelação grande e dramática, você pode querer algo um pouco mais sutil da
próxima vez.

— Sarcástico, mesmo diante da morte. — Ele meditou. — Agora isso me


traz lembranças. Posso ver por que Malcolm gosta tanto de você.

— O que diabos isso quer dizer? — Eu perguntei, imaginando que


enquanto eu mantivesse essa aberração falando, seria mais um segundo para

171
os policiais chegarem. Assumindo que havia algum sobrando na maldita
cidade.

— Você me lembra o amante dele. — Ele respondeu, como se fosse


óbvio. — Aquele que eu matei.

Que porra? Silas tinha deixado de fora esse pequeno detalhe.

O Demônio ergueu uma pistola de cano duplo e, embora ir ao campo


não fosse exatamente um hobby para mim como era para Enzo e Luca, eu
sabia o suficiente sobre armas para saber que não era uma que você pudesse
comprar no mercado regular. Essa merda era costume. E isso é outra coisa
que você terá em comum além do sarcasmo.

Todo mundo diz que sua vida passa diante de seus olhos logo antes de
você morrer, mas eu não tive essa experiência. Eu não tinha certeza se era
porque isso não era realmente o que acontecia com ninguém, ou porque eu
simplesmente não tinha vivido o suficiente da minha vida para que houvesse
um filme de destaque.

Esse foi um pensamento meio deprimente, mas estava longe de ser a


percepção mais proeminente que aconteceu no período daquele momento
eterno. A percepção mais urgente foi o que eu senti mais intensamente. Medo,
arrependimento, saudade e culpa pelo fato de que aqui estava eu, cara a cara
com o cara que matou Robbie, e eu poderia foder tudo sobre isso... Pequenas
quantidades relativas a outra emoção tão intensa e profunda que ameaçava
varrê-las todas para dentro de si, como um tornado recolhendo detritos em
seu caminho.

Alívio.

172
Talvez fosse apenas choque, mas eu tinha certeza de que não era o que
você deveria sentir antes de ser violentamente assassinado.

Não era como se fosse apenas adrenalina que tinha cruzado os fios do
meu cérebro, considerando o fato de que eu conseguia pensar em não uma,
mas várias razões pelas quais aquela sensação desconcertante estava ali.

Por um lado, foi a percepção que vinha se formando há muito tempo e


finalmente se cristalizou naquele exato momento de que meus irmãos e o
resto da minha família, Johnny e Chuck incluídos, estariam em melhor
situação. Eles se sentiriam uma merda por um tempo, claro, e eu me senti
culpado por isso também, mas eles teriam um fardo, e eu era uma memória
melhor do que um irmão.

Toda essa aventura recente foi a prova de que eu realmente não tinha
nada a oferecer em termos de uma contribuição significativa para a família.
Enzo era seu bravo e nobre líder, o descendente da linhagem DiFiore, e
Johnny era seu braço direito agora. Luca era o calmo e sensato, a quem todos
procuravam quando precisavam de conselhos. Chuck era o músculo, e até
Silas tinha se encaixado na família melhor em alguns anos do que eu tinha em
toda a minha vida.

Para que diabos eu era bom? Alívio cômico? Eu era o coringa e a piada,
e não muito mais.

Apesar do fato de que eu sempre fui meio romântico e esperava ter uma
esposa e filhos um dia, eu nunca tive nenhuma conexão romântica mais
significativa do que um relacionamento de curto prazo ou uma noite. Inferno,
o mais próximo que eu já tinha chegado era o chefe que me odiava até um

173
mês ou dois atrás, e um homem que eu odiava mais do que tudo, mesmo que
ele me fizesse sentir coisas que me faziam me odiar ainda mais do que eu o
detestava.

E mesmo isso foi provavelmente apenas algum efeito colateral estranho


da síndrome de Estocolmo.

Sim, eu estava uma bagunça. E não o tipo de bagunça divertida, como


depois de organizar uma festa em casa que vale a pena ter que limpar pipoca
velha das almofadas do sofá pelas próximas três semanas. O patético desastre
de trem de uma vida meio bagunçada. Uma vida mal vivida, terminada
prematuramente em um sentido e não suficientemente cedo em outro. Nem
mesmo com um estrondo, mas com um gemido.

Isso parecia certo, na verdade.

Seu dedo se fechou ao redor do gatilho, e eu respirei fundo, fechando


meus olhos para encontrar meu destino. Porque se eu não pudesse lutar, eu
pelo menos seria uma puta de drama sobre isso.

Um tiro foi disparado, mas não senti nada. Isso também parecia estar de
acordo com o que eu sabia dos meus irmãos.

Exceto que eu não senti nada. Sem frio, sem calor, sem dor. Quando
abri meus olhos e vi Demônio cambalear para frente, percebi que não foi ele
quem atirou primeiro.

— Abaixe-se! — Malcolm rosnou. Eu o ouvi antes de vê-lo entrar na sala


com armas em punho. Um em cada mão, como um maldito herói de ação. Ele
parecia o papel também, e essa era a maior piada de todas, porque não

174
importava o que o cara na minha frente tivesse feito, Malcolm ainda era o
vilão.

Eu mal tinha me abaixado quando ele disparou três tiros no homem que
não se recuperou totalmente do primeiro. O corpo de Demônio balançou
violentamente, mas quando percebi que não havia sangue, eu sabia que algo
estava errado.

Sempre havia sangue. Muito foda-se.

Ele estava usando um colete à prova de balas. Claro que ele estava.

A cadeira caiu atrás de mim quando mergulhei para o lado da mesa de


Malcolm, a coisa mais próxima de abrigo que a sala aberta poderia fornecer,
cobrindo meus ouvidos, embora eu tivesse certeza de que o fogo cruzado já
havia me ensurdecido pelo menos parcialmente.

Quando finalmente houve um alívio do tiroteio, olhei para cima para ver
Demônio passando por Malcolm, que se virou e disparou outra rodada de
tiros antes de esvaziar seu pente.

— Merda. — Ele sussurrou, dando um passo para seguir apenas para


cambalear, inclinando-se pesadamente para um lado. Havia sangue
ensopando a lateral de sua camisa e jaqueta, bem como a parte superior do
ombro esquerdo, e ele definitivamente tinha sido baleado pelo menos uma
vez, mas de alguma forma, ele ainda estava de pé.

— Malcom! — Eu chorei.

Ele hesitou na porta, mas fosse porque ele percebeu que não havia
esperança de alcançar Demônio, pelo menos não sem ser morto ou em

175
resposta ao meu apelo, ele murmurou algo que era quase certamente profano
e provavelmente blasfemo sob seu poder. fôlego antes que ele viesse até mim.

Ele se ajoelhou, enfiando a mão no bolso para um conjunto de chaves


presas ao cinto. Ele rapidamente destravou a algema que me prendia ao braço
da cadeira. Suas mãos tremiam, mas eu tinha certeza que era adrenalina e
raiva ao invés de medo.

— Você está machucado? — Ele perguntou.

— Estou bem. — Eu disse, tentando dar uma olhada melhor no local


onde ele foi baleado. — Eu não sou aquele que parece queijo suíço.

Ele me ignorou, me puxando para os meus pés. Estendi a mão, mas ele
afastou minha mão.

— Estou bem. Há sobreviventes. Vá ver como estão.

Hesitei um segundo, talvez uma fração de um, mas foi o suficiente para
ele latir:

— Vá!

Foi o suficiente para me colocar em ação e eu corri para o curral,


procurando qualquer sinal de vida entre os corpos caídos. Havia cinco que eu
podia ver, mas a julgar pelos sons dos tiros, havia muito mais do que isso.

— Aqui. — Uma voz familiar gritou. Segui o som até o detetive que
estava me interrogando quando me trouxeram do tiroteio no hospital.

Seu braço esquerdo estava sangrando, mas ela já havia feito um


torniquete com um pano rasgado. O homem ao lado dela não estava tão
quente. Ele parecia quase inconsciente, sentado contra a parede e encostado

176
nela. Havia uma enorme mancha de sangue encharcada em sua camisa, onde
a bala atingiu seu abdômen inferior direito. Não é um ótimo local. Muitas
coisas importantes que poderia ter atingido. Ele parecia ter a minha idade,
seu cabelo claro e feições parecidas o suficiente com as dela que eu me
perguntei se eles eram parentes.

— Eu estou bem, apenas ajude-o. — Disse ela, sua voz embargada.

Eu balancei a cabeça, caindo ao lado do homem.

— Onde está o kit de primeiros socorros?

— No final do corredor, eu vou pegar. — Disse ela, já de pé, embora eu


pudesse dizer que ela estava relutante em sair do lado dele.

Enquanto ela estava fora, decidi que tinha que fazer algo sobre meu
ombro. Agarrei meu braço perto do cotovelo, respirei fundo e o forcei de volta
no encaixe. Um grito estrangulado me escapou, mas não foi tão ruim quanto o
que Malcolm tinha feito comigo antes.

A detetive saiu trinta segundos antes de ela voltar com o que parecia ser
um kit de serviço pesado. Definitivamente mais do que o tipo que a maioria
das pessoas mantinha no armário do banheiro.

— Qual o nome dele? — Eu perguntei, abrindo o kit para fazer uma


avaliação de seu conteúdo.

Ela hesitou antes de responder:

— Ivan.

— Ok, Ivan, fique comigo. — Eu disse, abrindo sua camisa. Havia


sangue jorrando da ferida, então eu cuidadosamente me deitei no chão e tirei

177
minha camisa, já que o pano que ela estava segurando contra ela estava
completamente encharcado. — Você vai ficar bem.

Seus olhos estavam vidrados, e eu tinha visto aquele olhar muitas vezes,
e recentemente, para saber que não era bom.

— Eu vou morrer, porra. — Ele gemeu.

— Não diga isso. — A detetive sibilou, agarrando seu pulso. — Você vai
ficar bem.

— Qual é o número do seu distintivo, Ivan? — Eu perguntei. Ambos me


deram um olhar estranho. — Fale comigo.

Ele hesitou, olhando para o teto.

— Dois um seis... Oito... Oito, uh...

— Oito o quê? — Eu pressionei, pegando um pacote de pó coagulante e


rasgando-o com meus dentes antes de começar a fechar a ferida.

Ele estremeceu antes de continuar.

— Seis, três, quatro.

— Ótimo, agora me dê ao contrário. — Eu disse, reaplicando a pressão.

O detetive olhou para cima, franzindo a testa.

— Exatamente qual é o ponto disso?

— Mantendo-o acordado. — Respondi. — Coloque suas mãos aqui, e


pressione a ferida, como se você estivesse tentando impedi-lo de se levantar.
E mantê-lo falando. Tenho que verificar os outros.

178
Ela assentiu com relutância, e quando eu saí, eu podia ouvi-la pedindo
para ele recitar o número de trás para frente.

Na sala ao lado, eu podia ver Malcolm ajoelhado ao lado do corpo


estendido do garoto da recepção, e a julgar pelo olhar em seu rosto, não era
bom. Ele olhou para cima, balançando a cabeça sombriamente.

Fui até o corpo mais próximo de mim, verificando o pulso, e repeti o


mesmo para outros seis, menos o primeiro grupo que tinha visto do lado de
fora do escritório de Malcolm.

Havia apenas quatro sobreviventes, incluindo nós dois.

Quatro em mais de uma dúzia.

Como não havia mais ninguém, me virei para meu outro paciente.
Provavelmente o mais difícil que já tive.

— Sente-se. — Eu disse, tentando empurrar Malcolm para a cadeira


mais próxima.

Seus olhos se estreitaram, e ele plantou seus pés, deixando claro que eu
não iria empurrá-lo em qualquer lugar que ele não quisesse ir.

Eu dei a ele um olhar incrédulo.

— Sério? Esta é a única vez que você pode querer submeter-se à minha
experiência.

Ele cerrou o maxilar, mas se sentou ou mais ou menos desmaiou na


cadeira e rasgou a camisa o resto do caminho, tirando-a com uma leve careta.
Eu podia ouvir sirenes de ambulância à distância, nem um segundo antes.

179
Malcolm tinha sido atingido no ombro esquerdo, a poucos centímetros
de seu coração, e o lado de seu abdômen tinha duas feridas que não pareciam
ruins. O que estava em seu ombro era o que mais me preocupava. Havia uma
artéria importante lá, então eu agarrei sua camisa e tentei rasgá-la, mas ele
fez parecer muito mais fácil do que era. Em vez disso, apenas me contentei em
enrolá-lo em seu ombro para fazer um torniquete o melhor que pude. Não era
o ideal, dada a localização, mas era melhor do que nada.

— A bala ainda está lá, provavelmente fragmentada. — Eu disse. —


Tente não se mover. Eu não acho que atingiu a artéria, mas isso pode mudar
se um dos fragmentos for desalojado.

Malcolm assentiu enquanto eu abria outro pacote de pó coagulante.

— Isso vai doer. — Eu avisei.

Ele me deu um olhar fulminante.

Dei de ombros e comecei a tapar a ferida, e ele soltou um silvo furioso


por entre os dentes.

— Filho da puta.

— Eu te avisei. — Eu murmurei, tendo um pouco mais de prazer com


isso do que eu queria admitir. O juramento de Hipócrates era uma promessa
de não fazer mal, mas não dizia nada sobre um pouco de dor quando o mal já
estava sendo feito.

Eu não devo ter feito um trabalho tão bom em esconder isso quanto
pensei, porque ele disse:

— Sabe, você pode fingir que não está gostando disso.

180
— Eu provavelmente poderia. — Eu concordei.

Ele soprou uma bufada pelas narinas.

— Eu vou ficar bem. Vá ver o garoto.

Hesitei novamente, por algum motivo relutante em sair do lado dele.

— Vá. — Ele retrucou.

Eu fiz uma careta, mas me virei e voltei para verificar Ivan. Ele ainda
estava recitando aquele número, desajeitadamente e com longas pausas no
meio, mas ele estava consciente.

A detetive olhou para cima, o alívio iluminando seus olhos.

— O sangramento diminuiu muito. Isso é bom, certo?

— É. — Eu disse, embora estivesse mais encorajado pelo fato de que ele


ainda estava consciente do que qualquer outra coisa. Ele havia perdido muito
sangue, e eu não tinha o equipamento para dizer quanto dano havia sido feito.

Um momento depois, os paramédicos entraram correndo e, depois de


informá-los sobre o que eu sabia sobre os ferimentos do meu paciente, fui
verificar Malcolm. Ele estava onde eu o havia deixado, rechaçando
furiosamente os avanços dos dois paramédicos que tentavam
desesperadamente tratá-lo.

— Você deixaria de ser um mártir? — Eu gemi. — Sangramento porque


você é muito teimoso para aceitar a ajuda de profissionais médicos literais
não vai ganhar nenhum ponto de macho, eu prometo.

Ele me lançou um olhar fulminante, e eu tinha certeza de que pagaria


por isso no momento em que estivéssemos sozinhos como agradecimento pela

181
minha ajuda, mas se isso o levasse ao hospital, tudo bem. Porque eu dava a
mínima, eu ainda não tinha certeza.

Em vez disso, ele deu um som relutante de reconhecimento e passou


pelos médicos, provavelmente com a intenção de ir para a ambulância
sozinho. Claro que ele ia. Resolvi esperar para revirar os olhos até que eu
tivesse pelo menos uma certeza razoável de que ele sobreviveria.

Cinco minutos depois, estávamos na sala de emergência, e o fato de meu


hospital ser o mais próximo era uma triste realidade. Eles levaram Malcolm e
Ivan de volta imediatamente e, embora eu pudesse dizer que todos estavam
confusos e mais do que um pouco cautelosos em me ver, eles me deixaram
voltar com ele para tudo, exceto os raios-x. Acho que eu era da família, no
sentido mais técnico da palavra.

Um momento depois de conseguirem uma cama para Malcolm, na qual


ele insistiu em se sentar, Chris entrou, ainda vestindo seu casaco e um pouco
sem fôlego, como se tivesse acabado de entrar.

— Valentine? — Ele gritou, correndo para o meu lado. Ele parou,


colocando a mão no meu ombro enquanto me olhava, medo e preocupação
genuínos em seu olhar. — O que aconteceu? Você está ferido?

— Eu estou bem, não estou machucado. — Eu assegurei a ele, acenando


para Malcolm. — Ele é o único que levou um tiro.

Chris virou-se para encarar seu paciente real, franzindo a testa. Ele não
era do tipo que deixava seus sentimentos pessoais atrapalharem seu trabalho,
mas eu poderia dizer que ele não estava feliz com isso do mesmo jeito que ele
foi até o outro homem.

182
— Ei, Doc. — Malcolm disse com seu sorriso malicioso de sempre,
mesmo que não houvesse tanta mordida como de costume. — Muito tempo
sem ver.

Chris apenas franziu a testa com mais força, examinando suas feridas.
Fiquei surpreso que Malcolm estava deixando.

— Nós controlamos a perda de sangue, mas ele perdeu muito. —


Comentei. — Ele é A negativo, e não deixe a arrogância te enganar, ele seria
um idiota em seu leito de morte literal.

Malcolm me lançou o olhar mais sujo até agora.

— Eu não sou um maldito cachorro em um veterinário.

— Você está certo. — Disse Chris em um tom entediado, cutucando uma


das feridas no lado de Malcolm desnecessariamente, apenas para fazê-lo fazer
uma careta. — A maioria dos cães se comporta melhor e não apresenta tanto
risco de raiva.

— Você quer ir, Doc? Porque eu posso sangrar mais alguns minutos
para fazer uma luta justa, se você quiser.

Chris deu uma risada.

— Sim, sem dúvida, ameace o homem que vai fazer uma cirurgia de
emergência em você. — Ele tirou o estetoscópio do pescoço e colocou os fones
de ouvido antes de colocar o auscultador sobre o coração de Malcolm.

— Cirurgia? — Malcolm perguntou cautelosamente. — Eu não tenho


tempo para essa merda, eu preciso ir atrás dele.

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— Depois de quem? — Chris perguntou, franzindo a testa. — Você não
vai a lugar nenhum, independentemente.

— Quer apostar?

Aproximei-me para colocar a mão no ombro de Malcolm, embora não


soubesse por que achava que isso teria algum efeito remotamente positivo,
considerando o que ele sentia por mim. Se nada mais, parecia atordoá-lo em
conformidade momentânea.

— Demônio já está muito longe agora. — Eu raciocinei. — E você


também ficará, se não deixá-lo operar. Confio nele de todo o coração.

— Você sabe por que isso não é exatamente um endosso, certo? —


Malcolm perguntou rispidamente.

Revirei os olhos.

— Ok, acho que você sempre pode me deixar fazer isso aqui sem
anestesia.

— Tudo bem. — Malcolm murmurou, o que foi um choque por si só. —


Mas isso é melhor não demorar muito.

— Sim, eu vou ter certeza de deixar o pessoal do Centro cirúrgico saber


que você está com pressa. — Disse Chris, sua voz gotejando com sarcasmo.
Ele revirou os olhos assim que Malcolm virou as costas. — A equipe pré-
operatória virá para te pegar em um minuto.

Assim que estávamos sozinhos, eu esperava que Malcolm me xingasse


por ousar desafiá-lo na frente dos outros. Especialmente Chris, já que ele
tinha algum rancor estranho contra o cara.

184
— Antes que você diga qualquer coisa, eu sei. — Eu disse, antecipando-
se a ele.

Ele franziu a testa em confusão

— Antes que eu diga o quê?

— Que estou em apuros por falar mal de você e que vai me punir por
isso mais tarde. — Respondi.

Ele bufou. — Oh, você esta e eu vou. Mas eu ia te agradecer.

Eu o encarei por um momento.

— Talvez você esteja morrendo. Se você vir uma luz, não entre nela.

Ele revirou os olhos.

— Estou falando sério, e não é algo que eu digo com frequência. Ou


nunca, então apenas aceite. — Disse ele em seu tom áspero habitual.

Sorri um pouco, mas estava mais preocupado do que estava deixando


transparecer. Talvez houvesse algo nessa teoria da síndrome de Estocolmo,
afinal. Isso foi rápido.

— Sim, bem, Demônio estava prestes a puxar o gatilho quando você


entrou, então vamos chamá-lo mesmo.

Malcolm estava de volta ao seu habitual sério, beirando o ameaçador,


em um instante.

— Silas está a caminho de você. Se eu for lá antes que ele chegue aqui,
eu quero que você me prometa que vai ficar parado. Demônio já veio atrás de
você duas vezes agora, e ele não deixa nada. inacabado.

185
— Considerando o fato de que ele voltou dos mortos, acho que não. —
Murmurei. Uma memória ressurgiu de todo o caos naquele momento. — Ei,
ele disse algo mais cedo que eu estava pensando.

— Quem, Demônio? — Malcolm perguntou, franzindo a testa.

— Sim. Ele disse que matou seu amante. Isso é verdade?

Seu olhar ficou ainda mais escuro, se isso fosse possível.

— Sim, é.

Eu não tinha certeza porque isso me pegou de surpresa tanto quanto o


fez. Acho que parte de mim estava esperando que ele negasse, mesmo que
fosse apenas porque era uma admissão de que ele tinha sido vulnerável o
suficiente para amar outra pessoa, pelo menos uma vez na vida.

— Oh! — Eu disse sem jeito. Agora que eu tinha minha resposta, eu não
tinha certeza do que fazer com ela. — Eu acho que você realmente está
investindo em derrubá-lo, então.

— Nada disso. — Disse ele. — Por que você parece tão surpreso com
isso?

— Não estou. — Respondi. — Estou surpreso que você tenha ficado


comigo em vez de ir atrás dele.

Ele não parecia saber o que fazer com isso. Era raro que ele ficasse sem
palavras, e decidi que aceitaria. Os outros vieram para prepará-lo, de
qualquer maneira, e depois de relutantemente deixar seu telefone e itens
pessoais aos meus cuidados, Malcolm saiu com eles.

186
Eu tinha estado na sala de cirurgia muitas vezes, e da última vez, foi o
mais desastroso possível. Eu não estava acostumado a estar deste lado, no
entanto, esperando impotente enquanto alguém que eu me importava estava
em cirurgia.

Foi foda.

Ocorreu-me então que eu realmente me importava com Malcolm,


mesmo que apenas por uma razão. Graças a Demônio, nossos destinos
estavam agora inextricavelmente entrelaçados. E tínhamos pelo menos uma
coisa em comum.

Nós dois o queríamos morto mais do que tudo.

187
Capítulo 12
Valentine

Assim que Enzo e Silas me levaram de volta para casa e Luca apareceu,
Silas, que não estava nem um pouco preocupado com o irmão, voltou para o
hospital. Apenas no caso de Demônio aparecer lá ou algo assim. Novamente,
não porque ele estava preocupado. Não. Isso não.

Uma coisa que mudou desde que eu saí foi o fato de que agora havia
quatro guardas armados estacionados ao redor da propriedade, e esses eram
apenas os que eu podia ver. Conhecendo Silas, ele tinha um exército de
malditos ninjas à espreita nas sombras observando o lugar.

E isso seria muito foda, eu tinha que admitir.

O fato de que ele não iria embora até que Luca chegasse era a prova de
que ele não queria deixar Enzo sozinho. Eu poderia dizer que meu irmão
também sabia, e estava meio irritado com isso, mas ele não reclamou.
Provavelmente porque Silas não estava muito preocupado e estava pegando
leve com ele, porque esse era definitivamente o tipo de merda que ele
normalmente reclamaria.

— Val? — Luca perguntou, uma ruga preocupada em sua testa enquanto


caminhava pelo corredor. — Merda, eu vim assim que recebi a mensagem de
Enzo. Você está bem?

— Estou bem. — Eu disse, pelo que parecia ser a milésima vez. Ele
realmente não era do tipo carinhoso, então eu não levei para o lado pessoal

188
que ele não correu para tirar a vida de mim como Enzo tinha feito. Meu
ombro também estava agradecido. Eu poderia dizer pelo olhar em seu rosto
que ele estava assustado, porém, o que me fez sentir uma merda por pensar
que ele não teria sido tão afetado pela minha morte. Eu ainda pensava nisso,
mas me sentia mal por isso.

Eu poderia dizer que ele não acreditou em mim, mas ele não insistiu, o
que eu também estava grata.

— Acabei de ver Silas sair daqui como um morcego fora do inferno,


então presumo que ele esteja voltando para o hospital, — disse Luca.

— Sim, ele foi verificar Malcolm. — Disse Enzo com um suspiro. — Ele
acha que Demônio seria mais provável aparecer no hospital.

— Qual é a condição dele? — Luca perguntou a ele, como se o cara com


o diploma de medicina que estava literalmente tratando o paciente em
questão uma hora atrás não estivesse ali.

— Ele está em cirurgia. — Respondeu Enzo antes que eu tivesse a


chance. — Eles disseram que poderia demorar algumas horas antes de
sabermos alguma coisa, mas era apenas o ombro dele.

Lucas assentiu.

— Isso não é realmente uma coisa boa. — Eu disse.

Ambos se viraram para olhar para mim.

— O que você quer dizer? — Perguntou Enzo.

— O ombro é um dos piores lugares que você pode levar um tiro. — Eu


respondi. — Quero dizer, existem quatro artérias principais apenas nessa

189
área. A bala atinge qualquer um deles e você está em apuros. É por isso que
Silas ficou tão fodido quando papai atirou nele. E ele também foi baleado na
lateral, mas não estou tão preocupado com isso, considerando todas as coisas.

— Oh. Certo. — Disse Enzo com desdém. — De qualquer forma, esse


idiota do Demônio fugiu e agora ele está solto, então eu tenho Johnny
montando um grupo de busca pela cidade, para todo o bem que
provavelmente vai fazer.

Luca grunhiu em reconhecimento.

— Provavelmente não muito. Esse cara ficou escondido por o que, cinco
anos? Dez?

— Algo assim. — Disse Enzo. — Silas foi totalmente 'quanto menos você
souber, melhor' com essa besteira.

— Isso é conveniente. — Eu murmurei.

Ambos se viraram para olhar para mim novamente, e Enzo franziu a


testa.

— Por que você estava na delegacia, afinal? Você deveria ficar na casa de
Malcolm.

Como se esse fosse o porto seguro que ele parecia pensar que era. Eu me
irritei com o tom de sua voz, como se eu fosse uma criança estúpida que não
conseguia ficar parada.

— Bem, era 'leve seu prisioneiro para o dia de trabalho' e ele não
conseguiu encontrar uma babá, então parecia a coisa mais razoável a fazer.

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— Pelo amor de Deus, Valentine, você não é um prisioneiro. — Enzo
atirou de volta. — Ele está cuidando de você.

— Tem certeza que? Você pode querer falar com ele, então, porque eu
tenho certeza que ele acha que você me vendeu para ele como um animal de
estimação exótico. — Eu atirei de volta.

Ele franziu a testa.

— O que você está falando?

Luca também estava me observando atentamente, esperando. Essa era


minha chance. Minha oportunidade de finalmente contar a Enzo exatamente
o que Malcolm tinha feito, porque se alguém podia me salvar do diabo, era o
irmão do diabo e se alguém podia me salvar dele, era meu.

Exceto por admitir o que aconteceu, eu basicamente estaria provando


que eles estavam certos sobretudo. Que eu era um garoto indefeso que não
conseguia se defender. Que eu era fraco. Que eu deixaria outro homem
literalmente bater na minha bunda até a submissão, e mais alguns.

Então havia aquele velho medo de que se eu contasse aos meus irmãos o
que estava acontecendo, eles viriam em socorro, porque era exatamente isso
que faziam, porque eles não eram patéticos. Porque eles se levantaram não
apenas por si mesmos, mas por todos ao seu redor também. Inferno, Enzo
quase foi condenado à prisão perpétua, se não morto, porque ele assassinou
um cara em defesa de uma completa estranha. E não havia dúvida em minha
mente de que ele definitivamente iria me defender, não importa quais fossem
as consequências. Para sua vida. Para o relacionamento dele.

Eu apertei minha mandíbula e balancei minha cabeça.

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— Nada. Apenas esqueça isso. — Eu murmurei.

Sua testa franziu ainda mais.

— Não vou esquecer. O que você quer dizer com ele está te tratando
como um animal de estimação?

— Apenas sendo meu eu dramático habitual. — Eu disse em um tom


seco. Eu sabia que era o que ele e Luca sempre diziam pelas minhas costas, de
qualquer maneira. — Ele é um idiota, mas eu vou viver.

— Esse é o ponto. — Disse Enzo. — Olha, eu não suporto o cara


pessoalmente, mas ele é bom no que faz, e ele tem o tipo de conexões que não
podemos perder. Especialmente não agora. Não até que Demônio esteja
morto ou preso. Como eu disse, não é para sempre, mas preciso que você seja
paciente só mais um pouco, e pelo menos tente se comportar bem, ok? Para
mim.

— Sim, claro. — Eu suspirei, já passando por eles. — Enquanto estou


aqui, vou pegar algumas coisas. Você é uma merda em fazer as malas.

Eu não precisava me virar para saber que ele estava me ignorando. Uma
vez que cheguei ao meu quarto, peguei a mochila debaixo da minha cama que
eu tinha desde a última vez que tentei fugir quando adolescente. Isso durou
cinco horas, até que fiquei com fome.

Eu ainda estava jogando roupas na bolsa junto com meu tablet e alguns
carregadores de reserva para o caso de sentir que não estava sozinho. Virei-
me para encontrar Luca encostado na porta, me observando em silêncio com
esse estranho olhar nostálgico em seu rosto.

192
— Bem, isso não é nada assustador. — Eu disse, virando-me para
encará-lo.

Ele soprou uma lufada de ar pelas narinas.

— Só faz um tempo desde que eu estive aqui, isso é tudo. Me lembra de


todas aquelas vezes que você costumava entrar no meu quarto no meio da
noite me implorando para checar seu armário porque você estava convencido
de que havia um goblin morando lá.

— Sim, bem, Troll doisfez um número na minha psique pré-


adolescente. — Murmurei. — Nenhum troll real nisso, a propósito. Roubo
total.

— Ele só está preocupado com você, sabe. Ele não lida com não ser
capaz de consertar as coisas muito bem.

— Sim, eu notei. — Eu disse, cruzando meus braços. — Ele está


tentando me consertar há anos.

— Isso não é verdade, Val.

— Não? — Eu desafiei. — Você tem certeza disso? Não foi por isso que
ouvi vocês falando sobre o que fazer com o 'problema Val' depois que papai
morreu?

Seu rosto ficou em branco, e enquanto eu pensava que seria bom


finalmente chamá-lo sobre isso, isso não aconteceu. Isso só me fez sentir
ainda mais merda.

— Valentim, você...

— Não era para ouvir isso, sim, eu sei. — Eu disse. — Mas eu fiz.

193
— Você não entende o contexto disso. — Ele insistiu. — Como você
disse, foi logo depois que papai morreu. Estávamos todos lutando para acertar
nossos álibis, e a coisa toda era delicada. Como um castelo de cartas, e
bastaria um pequeno erro para que tudo desmoronasse.

— Certo. E eu sou sempre o elo mais fraco.

Ele me deu um olhar.

— Você não é fraco, você é apenas... Olha, até aquele filho da


promotoria, nós éramos praticamente os malditos Waltons do mundo do
crime. Até mesmo Enzo estava fodido com essa merda, e por mais sangue
ruim que houvesse entre ele e papai, ele ainda era nosso pai. Nenhum de nós
já havia lidado com nada pior do que ele lá fora, e de repente, estávamos até
os joelhos no mais alto perfil que esta cidade conheceu nos últimos vinte
anos. Nós não sabíamos se você poderia lidar com isso. Merda, alguns dias, eu
não tinha certeza se poderia.

— O que, você acha que eu iria quebrar e trair meus próprios irmãos
porque estou chateado? — Eu exigi.

— Claro que não. Não foi isso que eu disse. Não é que seria intencional,
mas você tem que admitir, você sempre foi... Sensível. — Ele disse depois de
uma longa pausa.

— Sensível? — Eu repeti com uma risada amarga. — O que, porque eu


tenho emoções e diferente de todo mundo por aqui, eu não estou
constantemente me masturbando com a fantasia de ser um robô desumano
que não sente nada? Só porque eu não sou tão reprimido quanto o resto de
vocês não significa que eu seja uma putinha instável.

194
— Mais uma vez, eu nunca disse isso. Mas você nem sempre reage às
coisas da maneira mais comedida, sendo este o caso em questão.

Eu apertei meu punho ao meu lado com força suficiente minhas unhas
cravadas em minhas palmas.

— Certo. Porque é muito melhor ser como vocês. Talvez eu devesse


mentir para mim mesmo e para todos os outros por um quarto de século,
como Enzo. Ou fingir que tenho minhas coisas juntas quando tudo está
desmoronando. Isso é muito mais saudável.

Luca estreitou os olhos em suspeita, e eu imediatamente me arrependi


das palavras, mas era tarde demais. Eles já estavam fora.

— O que diabos isso quer dizer?

— Nada.

— Foda-se. — Disse ele, entrando no quarto. — Você disse isso, então


você pode muito bem ser um homem e assumir isso.

Cerrei os dentes, tentando não ceder à frustração.

— Eu sei que você e Carol não estão exatamente vivendo a pequena fatia
de felicidade doméstica que você quer que todos vejam. E eu sei que você está
fodido com Geo desde que seu Bromance terminou, mas você acha que não
falar sobre isso de alguma forma vai fazer tudo ir embora, e não é.

Ele apenas me encarou por alguns segundos, sua expressão


completamente em branco.

Eu soltei uma respiração profunda.

— Eu sinto muito. Eu não deveria...

195
Eu parei quando ele deu um soco em mim, e eu mal me abaixei a tempo
de seu punho bater na parede ao invés do meu queixo.

— Que porra é essa? — Eu chorei.

— Sua putinha. — Ele fervia, atacando-me novamente. Desta vez, ele


conseguiu me prender contra a parede, mas tentei em vão empurrá-lo para
trás, minhas mãos em volta de sua garganta, e a luta nos jogou no chão.

— Sim você está certo. Isso é muito calmo e medido. — Eu me


engasguei, empurrando-o para longe de mim enquanto ele segurava minha
camisa em uma mão, segurando um punhado do meu cabelo com a outra, já
que era a coisa mais próxima da minha garganta que ele podia alcançar.

— Ah, cale a boca, seu pirralho de merda. — Luca estalou. Eu trouxe


meu joelho em seu estômago e o joguei de cima de mim com um chiado.

Antes que eu pudesse ficar de joelhos, ele estava de volta. Ele agarrou
meu tornozelo, me puxando para trás até eu cair para frente. Ele agarrou meu
braço em seguida e o torceu atrás das minhas costas, movendo-se perto o
suficiente atrás de mim para que eu pudesse sentir o cheiro de álcool em seu
hálito.

—Bebendode novo, irmão? — Eu provoquei, jogando minha cabeça


para trás até bater em alguma coisa. Provavelmente dentes, a julgar pelo
quanto doía e pelo fato de que eu podia sentir algo quente e pegajoso
escorrendo pelo meu couro cabeludo.

— Foda-se. — Ele cuspiu, torcendo meu braço ainda mais forte. — Leve-
o de volta. Agora.

196
— O que, a parte sobre você ter um casamento de merda, ou a parte
sobre você ser um alcoólatra funcional? — Eu atirei de volta.

Ele agarrou outro punhado de cabelo para bater minha cabeça no chão
de madeira, coberto apenas por um tapete fino.

— Como o cara que se fez de bobo bêbado em todas as reuniões de


família nos últimos dez anos tem espaço para conversar.

— Pelo menos eu sei que estou uma bagunça. — Eu gritei, dando-lhe


uma cotovelada forte o suficiente com meu braço ferido para mandá-lo voar
para longe de mim e cair de lado com um baque. Eu cambaleei para meus pés.
— Você age como se fosse o Sr. Perfeito que mija ouro e nunca fez merda na
vida!

— É isso que você acha? — Ele exigiu, voltando a ficar de pé, ainda
ofegante com o esforço. — Você acha que eu não vivo na sombra de Enzo?
Você acha que eu nunca me senti como uma decepção colossal? Enzo é o
primogênito e você sempre foi o favorito do papai. Aquele que não podia fazer
nada errado. Então não me venha com essa merda!

— Eu? — Eu dei uma risada seca. — Favorito? Tente invisível. Eu nem


preciso de uma mão inteira para contar o número de vezes que ele me
reconheceu pelo nome.

— Ah, pobre Valentine. — Ele disse em um tom zombeteiro. — Isso deve


ter sido tão difícil. Você acha que a atenção dele era algum momento de
ligação entre pai e filho? Como se ele não me chamasse de bicha por chorar no
funeral da nossa mãe, ou me dava uma surra toda vez que ficava bêbado.

197
— Sim, porque ele era um filho da puta fodido, e foi assim que ele
mostrou que se importava. — Eu chorei, mesmo sabendo que era besteira.
Isso não impediu que as palavras saíssem. — Pelo menos ele se importava
com como você se saía.

— Que porra você sabe? — Ele exigiu, me empurrando de volta. — Ele


nunca bateu em você, pelo amor de Deus.

— Oh, por favor. — Eu disse com uma risada amarga, empurrando-o


para trás com mais força. Forte o suficiente para afastá-lo. — Você não sabe
merda nenhuma.

— Não? — Ele desafiou, dando um passo mais perto. — Porque eu tenho


certeza que sim. Ele tratou você como uma princesa, provavelmente porque
sabia que você quebraria como vidro se ele o tocasse.

Algo estalou em mim, e eu dei outro golpe. Desta vez, atingiu, e sangue
espirrou de seu lábio cortado, mas um segundo depois, ele me atacou
novamente, mandando nós dois para a minha mesa. Uma das pernas de
madeira se partiu e eu caí com força de costas com Luca em cima de mim,
suas mãos em volta da minha garganta apertada o suficiente para que não
houvesse espaço para duvidar que ele estava tentando me estrangular.

O medo e a raiva que eu deveria ter sentido quando Malcolm me


colocou nessa posição me aceleraram, e eu agarrei seu rosto, indo para seus
olhos, embora eu devesse estar focada em tirar suas mãos de mim.

— Cite uma porra de coisa que você já fez que ele te puniu por uma
fração tão ruim quanto ele puniu a mim e Enzo por apenas existir. — Ele
exigiu.

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Eu fiz uma careta, me esforçando em vão para empurrá-lo, e ele tinha
minhas pernas presas também, então não era como se eu pudesse chutá-lo de
cima de mim novamente.

— Vá... Para o inferno... Luca. — Eu gritei.

— Não até que você responda. — Ele rosnou. — Uma fodida vez, Val.
Apenas um, e eu nunca vou dizer isso de novo, mas você não pode, pode?
Você não pode, porque isso nunca aconteceu.

— Quarto de julho. — Eu me engasguei, começando a ver preto nas


bordas da minha visão enquanto meu cérebro estava sem oxigênio e o pânico
tomou conta.

— O que? O que diabos isso quer dizer?

— Você perguntou quando papai me puniu do jeito que ele puniu você.
— Eu disse entre os dentes. — Quarto de julho, dois mil e seis. Isso é quando
foi.

Eu poderia dizer que ele não acreditou em mim, mas seu aperto
afrouxou apenas o suficiente para me deixar falar. Eu ainda não conseguia
respirar fundo, no entanto.

— Então você tirou um encontro aleatório da sua bunda, isso não


significa nada.

— Como você acha que eu quebrei o braço quando você e Enzo


voltaram do acampamento? — Eu exigi.

Ele franziu a testa.

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— Você estava sempre se metendo na merda, e ele nunca levantou a
mão contra você por isso. O que diabos você fez que ele quebrou a porra do
seu braço sobre isso?

— Foda-se.

Seu aperto afrouxou, mas ele o substituiu por seu antebraço, um


método muito mais eficaz de me manter presa e comprimir minha jugular o
suficiente para que eu começasse a me sentir tonta novamente.

— Eu não vou deixar você até que você diga.

Senti outra onda de adrenalina alimentada pelo pânico e tentei derrubá-


lo, mas não funcionou. Não importa o quanto eu lutasse, eu não conseguia
afastá-lo e frustração e exasperação me dominaram enquanto eu assobiava:

— Sr. Hoffmann!

Luca congelou, seus olhos se encheram de confusão.

— Quem, o professor de ginástica? O que ele tem a ver com alguma


coisa?

— Saia de cima de mim. — Eu chorei, sentindo lágrimas de frustração


brotarem em meus olhos no pior momento possível. Toda a adrenalina e
terror e pura sacanagem do dia caíram sobre mim de uma vez, junto com o
peso de Luca, e não era apenas minha garganta que estava apertada, era todo
o meu peito.

— O que aconteceu, Valentim? — Luca exigiu, preocupação e cautela se


misturando com a raiva em sua voz. Algo brilhou em seus olhos que estava

200
perigosamente perto da realização, e sua voz ficou ainda mais áspera. — O que
ele fez?

Meus dentes rangeram com tanta força que meu maxilar doeu, como se
isso fosse me impedir de trair a memória mais humilhante e fodida de todas.
Aquele para o qual eu cavei um buraco tão profundo e escuro, e me afoguei
em tanta bebida e sexo sem sentido e brigas inúteis para enterrar, e ainda não
foi o suficiente. Ele ainda estava lá, me observando ao fundo, como um
intruso dentro da minha própria mente.

— Saia. — Eu me engasguei, mal capaz de ver através das lágrimas em


meus olhos, embora tenha saído mais como um pedido do que uma exigência
desta vez. Toda a luta me deixou de uma vez, e mesmo que o domínio de Luca
sobre mim tivesse enfraquecido, eu ainda não poderia tê-lo empurrado se
tentasse.

O olhar de horror e compreensão em suas feições não deixou nada mais


do que uma brasa da raiva e indignação que havia antes, mas era mil vezes
pior. Ele abriu a boca como se estivesse prestes a dizer algo quando a voz de
Enzo ecoou pela sala.

— Ei! — Ele gritou, seguido pelo som de passos trovejantes. Um


segundo depois, ele agarrou a parte de trás da camisa de Luca e o puxou de
cima de mim antes de empurrá-lo. — O que diabos está errado com você?

Luca poderia ter se mantido firme normalmente, mas ele ainda parecia
atordoado, e ele não tirou os olhos de mim mesmo quando suas costas
bateram na parede.

201
Eu rolei de bruços e comecei a ficar de pé, embora a sala ainda estivesse
girando. Quando senti uma mão no meu ombro e percebi que era Silas
tentando me ajudar, eu o empurrei e cambaleei para ficar de pé sozinha.

— Estou bem. — Eu disse, apertando a ponta do meu nariz e inclinando


minha cabeça para trás para parar o fluxo de sangue. Eu não sabia quando eu
tive uma hemorragia nasal, mas eu ainda estava um pouco instável em meus
pés e isso estava piorando, então eu decidi deixar isso parar por conta
própria.

— Você não está bem! — Enzo gritou, gesticulando para mim. — Olhe
para você!

— Eu comecei. — Eu menti. — Eu bati nele primeiro.

Enzo estreitou os olhos como se não acreditasse e se virou para Luca.

— Isso é verdade?

— Dados os eventos recentes, parece provável. — Silas disse em um tom


seco, me olhando de cima a baixo. — Eu tenho que dizer, ele fez mais um
número em você do que Demônio.

— Bem, algo aconteceu, e alguém vai me dizer o que diabos foi. — Enzo
exigiu, olhando entre mim e Luca. — Agora.

— Nada aconteceu. — Eu insisti. — Luca estava tentando me dizer que


você estava apenas cuidando de mim, isso me irritou, e eu bati e dei o
primeiro soco, ok? Você tem razão. Vocês dois estão certos. Eu sou imaturo e
perdi a paciência, então eu merecia.

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Enzo franziu a testa enquanto ouvia, mas Silas estava me dando um
olhar estranho, como se soubesse que era besteira. E por mais mentiroso que
eu fosse, ele era melhor, então provavelmente era.

— Isso é verdade? — Enzo exigiu de Luca. — Ele bateu em você


primeiro?

Luca começou a responder, mas eu lhe lancei um olhar suplicante. Ele


hesitou um momento antes de dizer de má vontade:

— Eu não deveria ter respondido a ele, especialmente com tudo o que


ele acabou de passar. Éramos nós dois.

Enzo parou para contemplar por um momento antes de dizer:

— Estou desapontado com vocês dois. Já temos o suficiente com que


nos preocupar agora sem estarmos na garganta um do outro.

— Deus, você parece com a mamãe. — Luca murmurou.

Eu bufei uma risada antes que eu pudesse me conter, e mesmo que Enzo
me encarasse de volta, a boca de Luca se inclinou levemente em um canto.
Não encontrou seus olhos.

— Importa-se de mudar de ideia, amor? —Silas perguntou em um tom


de conhecimento.

— Mudar de ideia sobre o quê? — Eu perguntei cautelosamente,


olhando para ele e Enzo.

Enzo apenas soltou um suspiro de exasperação.

— Silas quer enviar você e Malcolm para uma casa segura enquanto
limpamos tudo isso. Não isso. — Ele disse incisivamente, gesticulando para os

203
destroços do meu quarto. Nós realmente tínhamos feito um número sobre
isso. — Mas a situação do Demônio. E eu concordo com ele.

— Isso é besteira. — Eu chorei. — Não vou me esconder mais do que já


estou.

— Não cabe a você dar as ordens. — Disse Enzo com firmeza. — Não
mais.

Voltei minha atenção para Silas, tentando fazer sua cabeça explodir em
chamas com a minha mente. Agora seria um ótimo momento para aqueles
superpoderes pirocinéticos que eu sempre desejei quando criança.

— Malcolm está fora da cirurgia e vai ficar fora de serviço por um


tempo. — Disse Silas. — Precisamos de um lugar para ele se recuperar
fisicamente, e você de seu colapso nervoso.

— Foda-se, Budget Moriarty3. — Eu assobiei.

Silas riu, para adicionar insulto à injúria.

— Sempre me considerei mais do tipo Hannibal Lector4, mas sensível.

— Quanto tempo você vai levar para tirá-los do país? — Enzo


perguntou.

— Já fiz os preparativos e há um jato esperando na pista de pouso assim


que Malcolm sair do hospital. — respondeu Silas. Ao ver o olhar incrédulo que
Enzo lhe lançava, acrescentou: — Achei que você mudaria de ideia.

Enzo revirou os olhos, mas não discutiu.

3Omaior inimigo de Sherlock Holmes.


4HannibalLecter é um célebre personagem de ficção criado pelo escritor Thomas Harris, que apareceu pela primeira vez no livro
Dragão Vermelho, de 1981, um sociopata.

204
— Ótimo. — Eu disse, pegando minha mochila e jogando-a sobre meu
ombro. — Vou esperar lá embaixo. O que eu faria se não fossem os irmãos
Whitlock decidindo o curso da minha vida?

— Valentim. — Enzo implorou.

Eu o ignorei, saindo do quarto. Antes que eu pudesse chegar às escadas,


Luca chamou:

— Val, espere.

Virei-me para vê-lo andando em minha direção. Ele parou a alguns


metros de distância, parecendo culpado quando eu coloquei a bolsa no meu
ombro, apenas no caso de ele decidir me derrubar novamente.

— Sinto muito. — Ele disse calmamente. — Sobre tudo. Eu sei que este
não é o melhor momento, mas se você quiser falar sobre...

— Eu não quero. — Eu disse, suavizando meu tom. — Eu realmente...


Realmente não. Se você quiser ajudar, apenas mantenha isso entre nós.
Melhor ainda, esqueça completamente. Ok?

Ele hesitou, me dando aquele olhar preocupado que eu preferia


infinitamente menos do que um soco sólido na mandíbula. Pelo menos isso
foi revigorante de um jeito fodido. Ele finalmente suspirou, seus ombros
caindo.

— Se isso é realmente o que você quer.

— É. — eu assegurei a ele. Quando vi Silas por cima do ombro, fiz uma


careta. — Vejo você quando der, eu acho. Dê um abraço em Carol e Timmy
por mim.

205
— Sim. — Ele disse rigidamente. — Eu vou.

Ocorreu-me que, pela primeira vez, Luca e eu tínhamos algo em


comum. Nós dois tínhamos esqueletos em nosso armário que não queríamos
reconhecer. Nem para nós mesmos.

206
Capítulo 13
Malcolm

Quando eu saí da anestesia para encontrar a última pessoa que eu


queria ver olhando para mim, eu estava fora de mim o suficiente para que
minha primeira resposta fosse uma raiva cega e pura. Agarrei a máscara em
volta do meu rosto e a puxei junto com os tubos saindo dos meus braços e me
sentei bruscamente, pronto para rasgar qualquer um que tentasse me
impedir.

— Calma, Kong. — Disse o médico em um tom seco e condescendente


que realmente não me fez querer estrangulá-lo menos uma vez que me
lembrei de quem ele era e por que eu estava lá. O quarto era pequeno, mas
confortável e mais privado do que a maioria das suítes de recuperação. — Vejo
que você é um dos vinte e dois por cento que experimentam a agitação de
emergência como resultado de estar sob efeito do álcool. Que choque.

— Eu tenho que dizer, estou um pouco surpreso por ter acordado. — Eu


disse, minha voz ainda rouca, eu assumi pelo tubo que eles tinham descido
pela minha garganta. — Pensei que você veria sua oportunidade de vencer a
concorrência.

Chris me deu um sorriso torto e tenso, mas não se deu ao trabalho de


negar.

— O que posso dizer? Prefiro fazer as coisas à moda antiga.


Especialmente quando se trata de assuntos tão delicados.

207
Eu zombei, sentando na beirada da cama para olhar para minha ferida
recentemente enfaixada. Tirei a ponta do curativo e examinei os grossos
pontos pretos.

— Não é um trabalho ruim. Você ensina a ele esse trabalho manual ou


passa o dia todo cobiçando a bunda dele como um pervertido?

— É preciso um para conhecer outro, chefe. — Ele atirou de volta. —


Mas para que conste, Valentine era um dos meus residentes mais
promissores. Eu consertei você porque esse foi o juramento que fiz quando
me tornei médico, e alguns de nós realmente se preocupam em aderir aos
padrões éticos de nossa profissão, mas eu estaria mentindo se dissesse que
não tenho segundas intenções.

— Claro que você tem. — Eu zombei. Ele era melhor em esconder isso
do que a maioria, mas tudo tinha que sair em algum momento. Se alguma
coisa, eu realmente o respeitava mais por admitir isso. — Nós vamos? O que é
isso? Um processo de negligência que você quer que seja dispensado? Ou
prefere dinheiro vivo para poder comprar mais alguns daqueles belos óculos
de novela?

Ele colocou sua boca em uma linha firme em agitação.

— Eu o quero de volta. — Ele respondeu. — Quando tudo isso for dito e


feito, quero que ele possa voltar à sua antiga vida. Para sua família, seus
amigos, sua vocação.

— Para você, mais especificamente. — Eu acusei.

Aquele sorriso de lábios apertados voltou ao seu rosto. O que era apenas
um leve eco da dureza em seus olhos. Esse cara falou muito sobre ser um

208
curandeiro nobre, mas ele era uma cobra. Era preciso um para conhecer um.
Como o inverso do mesmo instinto inato que levou monstros como eu à nossa
presa, um monstro reconheceu outro.

— Isso também. — Ele admitiu. — Eu não gosto de você, Malcolm. Na


verdade, eu detesto você e todos os outros predadores corruptos, bêbados e
arrogantes que você representa como um exemplo perfeito e cópia carbono.
Os nomes mudam, e você usa uma máscara mais atraente do que a maioria,
mas eu já te encontrei mil vezes antes, e eu te conheço. Inferno, eu até amei
você, e intimamente o suficiente para saber que há uma coisa que um fodido
doente como você não pode resistir. Gostaria de saber o que é isso, chefe
Whitlock?

— Mal posso esperar, Doc. — Eu rosnei.

— Inocência. — Ele respondeu, seu tom ficando tão frio e duro quanto
aqueles olhos. — Homens como você sempre anseiam pela única coisa que
você não pode ter, porque em virtude de simplesmente tocá-la, você a corrói
como um câncer. Como uma doença. Porque no final, tudo o que você
realmente é um vírus, e tudo para o que você é realmente bom é pegar algo
bom, puro e inteiro e deixá-lo um monte de decomposição quebrado e
purulento. Estou errado? Sobre isso?

Olhei para ele por alguns momentos, contemplando o quão fácil seria
quebrar a porra do pescoço dele aqui e agora. Apenas um aperto forte, e um
pouco de pressão, e... Estouro. Fora como uma tampa de garrafa.

— Não. — Eu disse. — Você não está.

209
— Pontos para autoconsciência, suponho. — Ele zombou. — Como eu
disse. Eu te odeio, e tenho certeza de que o sentimento é mútuo, mas também
acredito que você é o único monstro que provavelmente é capaz de mantê-lo a
salvo daquele que está atrás dele. E não tenho dúvidas de que você conseguirá
acabar com a ameaça eventualmente, porque essa é a outra coisa para a qual
os vírus são bons. Tirando qualquer ameaça à sua própria existência. A única
questão é, quando isso acontecer, quem vai manter Valentine a salvo de você?

Eu estreitei meus olhos, cheio de indignação, mesmo que eu não


entendesse completamente a causa. Não foram suas palavras. Por um lado, eu
não dava a mínima para o que ele pensava. Por outro lado, ele não estava
dizendo nada que eu já não soubesse. Nada disso tinha me incomodado antes.
A única explicação que eu conseguia pensar, realmente, era possessividade.
Era o fato de que ele ou qualquer outra pessoa achava que tinha o direito de
tocar o que era meu.

E Valentim era meu. Meu para proteger, meu para punir, e meu para
manter enquanto eu quiser.

— Desculpe, doutor, mas se esse era o seu objetivo, você realmente


deveria ter me deixado morrer na mesa. Uma vez que eu fiz algo meu, eu não
deixo ir. Nunca.

Ele me encarou por um momento antes de me dar um sorriso


enganosamente agradável. Eu não era o único que usava uma máscara,
aparentemente.

210
— Está tudo bem. — Ele respondeu. — Eu não estou preocupado. Eu
espero que no tempo entre agora e então, ele vai perceber exatamente quem e
o que você é, e a escolha será clara o suficiente.

Ele provavelmente estava certo sobre isso. E era exatamente por isso
que eu não planejava dar a Valentine uma escolha.

— Bem, eu vou deixar você se recuperar. — Ele comentou, virando-se


para sair. — A recepção diz que seu irmão está aqui.

— Ele está agora? — Eu perguntei, incomodado com essa revelação


quase tanto quanto a existência do médico. Ele apenas riu ao sair.

Quando Silas entrou um minuto depois, uma xícara de café na mão


como se ele estivesse aqui por um tempo, fiquei ainda mais chateado.

— Você deveria estar assistindo Valentine. — Eu rebati.

— Bom ver você também, irmão. — Disse ele, chutando a cadeira ao


lado da cama antes de afundar nela, uma perna sobre a outra. — Ouvi dizer
que você era um paciente modelo.

— Foda-se. Onde ele está?

— Em casa, com Enzo e um pequeno exército de homens fortemente


armados. — Respondeu. — Mas não se preocupe, é uma situação temporária.
Eu já tenho um jato esperando para levar vocês dois para uma linda vila
aninhada nas pitorescas montanhas do centro da Romênia.

— Sim, você realmente perdeu sua vocação como guia turístico. Do que
diabos você está falando? — Sentei-me, ignorando a picada quando meus
pontos puxaram. — Eu não estou indo a lugar nenhum. Caso você não tenha

211
notado, metade da porra da minha força acabou de ser exterminada pelo seu
ex.

— Foi apenas cinco por cento. — Ele respondeu. Quando ele viu a raiva
em meu rosto, ele acrescentou: — O que é absolutamente trágico. Mas essa é
mais uma razão pela qual você não pode estar aqui agora. Mesmo porque você
é um alvo para o Demônio apontar.

Aborrecido como eu estava com seu raciocínio, ele estava certo. Até eu
colocar uma bala no crânio de Demônio, minha existência era uma
responsabilidade. Assim foi Valentine.

— Você ainda quer Valentine vivo. — Ele desafiou. — Ele não vai ser
uma testemunha muito eficiente do túmulo, e está bem claro que nem mesmo
você pode protegê-lo aqui.

Eu estreitei meus olhos. Mesmo que ele provavelmente não quis dizer
essas palavras como um desafio, eu certamente as tomei como um.

Ele estava certo, porém, por mais que eu não quisesse admitir, nem para
mim mesmo. Ficando na cidade, era apenas uma questão de tempo até que
Demônio chegasse a um de nós. E se ele não o fizesse, ele iria destruir toda a
maldita cidade tentando.

— Tudo bem. — Eu disse por entre os dentes. — Mas há outra coisa que
precisamos discutir.

— Oh? — Ele perguntou.

— Meu povo foi morto. — Comecei. — E você quer que eu vá para o


outro lado do mundo porque essa aberração não vai parar até que estejamos
todos mortos. Eu acho que você me deve uma resposta honesta do caralho.

212
Silas ouviu pacientemente e, embora sua expressão não traísse nenhum
traço de seus pensamentos, isso não era novidade.

— E isso seria sobre o que, exatamente?

— O que você acha?

Ele suspirou.

— Você ainda não acredita que eu matei James.

— Eu sei que você não fez. — Eu disse incisivamente. A menção de seu


nome foi o suficiente para me desanimar. Eu não me importava com o que ele
tinha sido para Silas uma vez. Para mim, ele sempre foi e sempre seria um
Demônio. — Nós não estaríamos nesta situação se você tivesse. Mas o que eu
não tenho certeza é se você tentou.

Silas suspirou, como se estivesse cansado do assunto. Bem, isso fez de


nós dois.

— Eu fiz. Mas não importa o que eu diga, não é? — Ele desafiou. — Você
não vai acreditar na minha palavra.

Parei por um momento para considerá-lo.

— Não. — Eu concordei. — Acho que não estou.

Silas era meu irmão. Eu o amava, pelo menos tanto quanto eu era capaz
de amar alguém. Mas eu não confiava nele. Menos agora do que nunca.

Quando cheguei à pista de pouso, o jato estava esperando por mim, e


Valentine já estava lá, enrolado em um dos grandes assentos de couro macio.
Pela janela, é claro. Ele estava com o telefone nas mãos e estava focado o

213
suficiente para não me notar de imediato, não até que eu estivesse bem em
cima dele.

— Puta merda. — Ele murmurou. — Como alguém tão grande pode ser
tão quieto?

— Eu poderia dizer o mesmo de você ao contrário. — Eu disse, andando


até ele. Eu estendi minha mão. — Deixe-me ver o seu telefone. Eu quero
verificar uma coisa. E quaisquer outros eletrônicos que você trouxe.

Ele me olhou com cautela.

— Pelo que?

— Agora. — Eu ordenei.

Ele revirou os olhos, mas se abaixou para vasculhar sua mochila a seus
pés em busca de um tablet. Eu verifiquei a bolsa, ignorando seus protestos, só
para ter certeza de que não havia mais nada. Satisfeito, peguei o telefone e o
tablet e joguei os dois na pista.

— Ei! — Ele gritou. — Que diabos?

— Estamos fugindo de um gênio que quer nos matar. — Eu disse. —


Você realmente acha que carregar dois dispositivos de rastreamento
glorificados em torno de você é uma boa ideia? Eu vou te dar um telefone flip
quando chegarmos à Romênia.

Ele afundou de volta em sua cadeira, lançando punhais para mim.

— Você poderia ter me dito para deixá-los aqui.

— Eu poderia ter. — Eu concordei. — Mas eu não tinha o meu telefone.

Ele me ignorou enquanto eu me sentava na frente dele.

214
Ele olhou incisivamente ao redor da cabine vazia.

— É um jato particular. Você poderia sentar-se literalmente em


qualquer outro lugar.

— Eu poderia. — Eu concordei, inclinando-me para trás com as mãos


nos braços.

Ele revirou os olhos.

— Você nem deveria estar fora do hospital.

— É muito mais seguro do que estar em Boston no momento.

Ele grunhiu em reconhecimento.

— Sim, tanto faz. Eles pelo menos lhe deram varfarina ou


rivaroxabana?

— O que?

Ele suspirou.

— Anticoagulantes. Você corre um risco maior de coágulos sanguíneos


após a cirurgia. Especialmente em uma longa viagem de avião.

— Acho que eu só tenho que me arriscar, então.

Ele me deu um olhar.

— Apenas ande de hora em hora e você ficará bem. Tenho aspirina na


minha bolsa.

— Meu próprio médico particular. — Eu disse categoricamente. — Que


legal.

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— Você sabe, a maioria das pessoas ficaria grata ao cara que salvou sua
vida.

— Considerando que estou mantendo você vivo, eu diria que estamos


quites. — Eu rebati. — Eu estou curioso sobre alguma coisa, no entanto.

— O que? — Ele perguntou cautelosamente, ainda emburrado. Ele era


fofo quando fazia beicinho, eu tinha que admitir.

— Por que você não me delatou para o seu irmão? — Eu perguntei.

Valentim franziu a testa.

— Sobre o que, o cinto, ou você me trata como um prisioneiro de


guerra?

— Ambos. — Eu respondi.

Ele soprou uma lufada de ar pelas narinas.

— Bem, por um lado, isso prejudicaria a harmonia familiar se Enzo


tentasse matá-lo.

Eu ri.

— E para outro?

Ele não respondeu, mas o olhar em seus olhos deixou claro o suficiente.

— Oh! — Eu disse em um tom de conhecimento. — Você está


envergonhado.

A forma como seu rosto se iluminou com mais humilhação apenas


confirmou isso.

— Ah, foda-se.

216
Eu apenas me inclinei para trás na minha cadeira, sorrindo.

— Foi uma decisão sábia, de qualquer forma. — Eu disse a ele. — Um


que pode lhe render um pouco de liberdade quando chegarmos ao nosso
destino, se você jogar suas cartas corretamente.

Ele franziu a testa, como se não tivesse certeza do que fazer com isso. Eu
gostava de mantê-lo no limite. E enquanto eu detestava a ideia de me
esconder de qualquer coisa, especialmente Demônio, a ideia de passar algum
tempo sozinha com Valentine em um ambiente isolado tinha seu apelo.

Mais do que eu queria admitir.

217
218
Capítulo 14
Valentine

Dizer que tinha sido a semana do inferno desde a nossa chegada seria ao
mesmo tempo um eufemismo e um exagero. Pelo menos o inferno teria sido
interessante. Aquilo parecia mais um purgatório, e enquanto Malcolm entrava
e saía como bem entendesse, embora ninguém pudesse adivinhar o que el,
estava fazendo, a não ser quando ocasionalmente trazia comida para casa. eu
estava preso na propriedade. Não era apenas porque ele havia embarcado e
trancado todas as portas, mas também porque havia uma porra de uma cerca
elétrica ao redor da propriedade também.

Naquela tarde, decidi foda -se. Eu estava pegando um pouco de ar


fresco, quer ele gostasse ou não, e usei a cadeira da cozinha para arrombar
uma janela no segundo andar, já que estava trancado em vez de ser fechada
com tábuas como todas as do primeiro andar. E, claro, Malcolm havia
limpado a casa de tudo o que poderia ser usado, seja como arma, ferramenta
ou uma maneira de escapar da minha existência miserável.

Joguei uma toalha de mesa grossa sobre o vidro quebrado que não
consegui limpar e saí. Eu sabia que estaria em um mundo de problemas mais
tarde, mas eu realmente não me importava muito. Eu estava entediado pra
caralho, e já fazia tempo suficiente desde a primeira punição que eu tive
tempo para me convencer de que não era tão ruim assim. Pelo menos não em

219
comparação com a alternativa, que era ficar parado e lenta, mas seguramente
perder minha sanidade.

Não tão devagar ultimamente.

O ar fresco era bom, e eu tinha que admitir, a vista era inigualável.


Supondo que você gostasse de montanhas e… mais montanhas. Isso era
praticamente o que a vida nos arredores de uma vila que mal se qualificava
como vila tinha a oferecer.

Com alguma sorte, eu teria algumas horas para mim antes que Malcolm
voltasse. Não havia como consertar a janela, então não via sentido em entrar.

A borda do telhado era larga o suficiente para ser confortável, e embora


eu nunca tivesse imaginado sentar e observar ovelhas pastando na encosta era
um passatempo que me ofereceria qualquer entretenimento significativo,
mendigos não podiam escolher.

Quando o meio da tarde se transformou em crepúsculo e o céu ficou


mais escuro, comecei a ficar um pouco mais apreensivo. Malcolm estaria de
volta a qualquer momento, e enquanto eu estava gostando do ar fresco, eu
realmente não tinha certeza se aquela era a colina certa para morrer.

Talvez eu pudesse dizer a ele que caí da janela. Eu duvidava que ele
acreditasse, mas sua opinião sobre minha inteligência era tão baixa que ele
poderia acreditar. Engoli em seco quando notei que a motocicleta que ele
havia alugado, comprado ou requisitado de alguma alma desavisada veio
roncando pelo caminho.

220
Aquele filho da puta tinha que parecer legal fazendo tudo. Eu adorava
minha motocicleta, mas de alguma forma o fato de compartilharmos esse
meio de transporte me fez gostar um pouco menos.

Eu estava prestes a me levantar para entrar quando o vi parar na porta


da frente, com as chaves na mão, como se sentisse uma perturbação na força.

Doido.

Prendi a respiração e não ousei me mexer, mas foi tudo em vão quando
ele olhou para cima, seus olhos travando nos meus. Em um instante, eles
passaram de seu habitual cinza pedregoso para uma agitação ardente.

— Que porra você está fazendo aí em cima? — Ele demandou.

Engoli em seco, tentando afastar o medo na minha voz. Eu sabia que a


contrição era inútil, e o estrago já estava feito.

— Contando ovelhas?

Seus olhos se estreitaram e ele caminhou até a ladeira baixa da


saliência. O filho da puta era tão alto que sua cabeça quase chegou até ele.

— Para baixo. — Disse ele, apontando para o chão a seus pés. — Agora.

Havia algo sobre o quão frio seu tom era que me deixou imediatamente
no limite, ainda mais do que o habitual.

— Sim, tudo bem. — Eu murmurei, levantando-me para escovar os


joelhos do meu jeans. — Eu vou entrar.

— Não dentro. — Disse ele com firmeza. — Abaixo.

Eu pisquei para ele.

221
— Você deve estar brincando. — Eu disse com uma risada seca. — Você
quer que eu pule?

Sua expressão não mudou ou vacilou.

— Não. — Eu disse, tentando fazer meu tom soar firme e não como uma
criança petulante. Eu realmente não consegui, infelizmente.

Malcolm se aproximou e eu comecei a me mover para trás, convencido


de que ele realmente ia se levantar para chutar minha bunda. E ele
provavelmente poderia, se quisesse. Eu definitivamente não esperava que ele
me agarrasse pelo tornozelo. Ele me puxou sem cerimônia para fora da borda
e me segurou pela parte de trás da minha camisa como se eu fosse um gatinho
de rua, e eu me debatia e lutava, mas todas as minhas tentativas de escapar
falharam. Ele nem parecia dar a mínima que eu estava arranhando seu braço
com força suficiente para tirar sangue, ou que ele não tinha saído da cirurgia
há muito tempo.

— Eu tenho que admitir, estou surpreso. Eu não achei que você fosse
aguentar tanto tempo sem estragar tudo. Eu estava ficando entediado.

Eu atirei a ele um olhar sujo, que ele ignorou quando ele prontamente
me jogou por cima do ombro, me mantendo lá com apenas uma mão na parte
de trás da minha coxa, perigosamente perto da minha bunda.

— Coloque-me no chão. — Eu assobiei, agarrando suas costas agora


enquanto ele destrancava a porta, alheio a tudo isso, e me carregava para
dentro. Ele passou direto pela sala de estar e subiu para o quarto, onde me
jogou na cama com força suficiente para que eu saltasse.

222
Senti outra pontada de pânico e me afastei dele o máximo que pude,
mas ele simplesmente agarrou meu tornozelo de novo e puxou para que eu
ficasse deitado de costas.

Meu coração começou a martelar em uma mistura familiar de raiva,


medo e excitação. Muito deste último para o conforto, realmente.

Eu com certeza não estava mais entediado. E eu poderia dizer pelo


brilho de malícia que beirava a alegria em seus olhos, nem ele.

— Você deveria estar feliz. — Ele zombou. — Seu pequeno grito de


atenção foi ouvido alto e claro.

— Não é um pedido de atenção, — eu rebati quando ele subiu na cama


em cima de mim. — Eu só queria um pouco de ar fresco. Estou preso aqui há
uma semana enquanto você vai aonde diabos quiser.

— E você sabe por que isso acontece, Valentine? — Ele perguntou


calmamente. Eu teria preferido se ele estivesse chateado. O fato de que ele
parecia divertido, se não totalmente animado, era muito mais enervante.

— O que? — Eu perguntei, fazendo uma careta quando seu joelho


pressionou contra o colchão entre minhas coxas, perigosamente perto de
roçar meu pau.

Calor encheu seu olhar enquanto ele me estudava por um momento,


segurando um punhado do meu cabelo e puxando minha cabeça para trás
antes de responder.

— Porque eu estou no comando. Eu só vou ter que deixar isso ainda


mais claro.

223
Engoli em seco, olhando para ele com meu coração acelerado, mal
conseguindo respirar.

— O que você vai fazer? — Eu perguntei, minha voz tremendo apesar de


mim mesma. — Você vai... — Eu parei, com medo de colocar o pensamento
em sua cabeça, caso já não estivesse lá.

Ele inclinou a cabeça ligeiramente, como se achasse uma pergunta


estranha por algum motivo.

— Por quê? — Ele perguntou, seu joelho pressionando minha virilha, o


que era desconfortável considerando que já estava duro pra caralho. Ele se
inclinou, sua respiração um sussurro contra minha garganta. — O
pensamento te excita, gatinho? É nisso que você pensa quando se toca?

Suas palavras enviaram um relâmpago pela minha espinha,


mortificação e horror em forma elétrica, superando o medo e a excitação que
sempre pareciam existir em igual medida quando ele estava por perto.

— Que porra é essa? — Eu fervi quando a raiva momentaneamente


ultrapassou tudo isso. Então, a resposta me ocorreu e entrou em uma espiral.
— Você está me filmando?

— Claro. — Ele disse sem um pingo de vergonha. — Mas isso foi apenas
um palpite. Obrigado por confirmar isso.

Meus olhos se arregalaram quando percebi que tinha entrado direto em


sua maldita armadilha e revelado meu segredo mais vergonhoso no processo.
Um deles, de qualquer forma.

— Seu filho da puta. — Eu rosnei, movendo-me para atacá-lo apenas


para ele prender minhas mãos sem esforço no colchão.

224
Deveria ter previsto isso, realmente.

— Esse é um gatinho travesso. — Ele ronronou, seu olhar escurecendo


com uma fome primitiva que eu reconheci em um nível profundo e instintivo.
O mesmo instinto que me disse que eu era uma presa. — Agora, como devo
punir tal comportamento petulante? Especialmente quando está claro que a
punição é apenas uma recompensa disfarçada.

Eu fiz uma careta, virando minha cabeça para longe dele e mantendo
meu corpo parado, porque estava tomando toda a minha força de vontade
para não moer contra a porra da perna dele como um animal no cio.

— Foda-se.

Ele se inclinou para mais perto, e quando sua língua se arrastou sobre a
barba por fazer ao longo do lado da minha garganta, algo dentro de mim
estalou, só que desta vez, não foi meu temperamento cedendo. Era algo
completamente diferente. Um tipo de controle muito mais perigoso para
desistir. Meu corpo inteiro ficou rígido como resultado, e eu perdi a
capacidade de respirar ou mesmo piscar enquanto olhava para o teto em
estado de choque. Tanto por causa do que ele estava fazendo quanto por
causa da minha própria resposta.

— É isso mesmo que você quer? — Ele zombou, sua língua sacudindo
contra o lóbulo da minha orelha. — Ou você quer que eu te foda?

Um som muito próximo de um gemido de conforto me escapou, e só


então percebi que estava tremendo embaixo dele. A única razão pela qual
minhas mãos não estavam era o aperto forte que ele tinha em meus pulsos,
mantendo-os presos e imóveis.

225
— Isso importa? Você só vai fazer o que quiser de qualquer maneira.

— Eu poderia. — Ele disse pensativo, sua voz rouca de fome, como se


ele estivesse saboreando a ideia. — Há uma primeira vez para tudo, e se
alguma vez tive razão, você me deu uma centena de vezes. Mas eu não acho
que quero tornar isso tão fácil para você. Acho que quero que você admita. Ou
isso estraga a diversão para você, se for consensual?

Eu cerrei os dentes, tentando me contorcer em uma posição menos


comprometedora, até que percebi que isso só estava piorando.

— Eu sei. — Ele continuou, porque ele claramente não precisava que


essa conversa tivesse dois lados. Meu corpo estava carregando o suficiente, no
entanto. — Podemos sempre chegar a um acordo.

— Do que diabos você está falando? Eu perguntei, finalmente ousando


olhar para ele. Grande erro. O brilho malévolo em seus olhos estava de volta,
mais brilhante do que nunca.

Ele finalmente me soltou e saiu de cima de mim, para minha


consternação ao invés de alívio. Como sempre, sua mudança repentina de
comportamento deixou minha cabeça girando.

— Nós dois estamos entediados, e nós dois temos certos... Apetites que
são mais compatíveis do que não.

Apetites. Aquilo foi hilário. O Lobo Mau não tinha nada sobre esse cara.
E eu tinha certeza de que ele estava prestes a me engolir inteira.

— Eu sou hétero. — Eu disse, lembrando meu pau tanto quanto ele.

226
— E seu interesse pelo site de pornografia peluda, pelo jeito que meu
irmão conta. Esses não são mutuamente exclusivos?

O calor entre minhas pernas pareceu mudar de direção e correr para o


meu rosto. Algumas delas, pelo menos.

— Seu irmão é um idiota e precisa cuidar da própria vida.

— Ou você deve limpar o histórico do seu navegador de vez em quando.


— Disse ele sem rodeios. — Eu tenho dificuldade em acreditar que você nunca
chegou ao final ainda

Como diabos chegamos a esse assunto, afinal? Eu tinha recuado contra


a cabeceira da cama, colocando a maior distância possível entre nós.

— Ser fodido por uma garota gostosa é diferente de ser fodido por... —
Eu gesticulei para cima e para baixo para ele. — Você.

Ele sorriu, e aquela pequena curva inclinada de seus lábios fez uma
merda comigo que me fez duvidar de tudo.

— Eu vou aceitar isso como um elogio.

— Não foi um.

— Tudo o mesmo.

Soltei um grunhido de frustração, minha cabeça caindo para trás contra


a cabeceira da cama.

— Eu nem sei o que você está sugerindo. Passamos o tempo fodendo


com ódio e depois fingimos que nunca aconteceu? O que acontece na
Romênia fica na Romênia?

— Algo assim. — Ele respondeu. — Como isso soa?

227
— Parece fodidamente gay, é assim que soa.

Malcom riu.

— Não precisa ser. Não se você não for o responsável.

Eu o olhei com cautela.

— Porra, isso deveria significar?

— Você quer que eu te foda, mas você não quer isso. — Ele disse com
um encolher de ombros. — Mas se não for sua ideia, isso realmente não
importa, não é?

Hesitei, considerando suas palavras e a implicação por trás delas.

— Você está me pedindo para te dar permissão para fazer merda sem
permissão?

Ele sorriu.

— Agora você está entendendo. Pense nisso como um consentimento


geral.

Engoli em seco, com mais medo de mim no momento do que dele. Do


fato de que eu estava realmente considerando ou mesmo levando isso
remotamente a sério. Malcolm era perigoso, e eu não tinha dúvidas de que as
coisas que ele faria comigo se eu dissesse sim seriam igualmente perigosas,
mas não tanto quanto o fato de eu querer que ele fizesse.

— Criativo. — Eu murmurei. — E se eu mudar de ideia?

— Você não vai. — Ele respondeu em um tom severo. — Não uma vez
que você fez as pazes.

228
— Isso não é realmente consentimento, então, é?

Ele revirou os olhos.

— Ok. Usaremos uma palavra segura. Suponho que você já usou um


desses antes.

— Obviamente. — Eu murmurei. — Porco

— Desculpe, essa é a sua palavra segura ou um daqueles mascotes


pervertidos pelos quais você é fodido?

— O antigo! — Eu agarrei. — Eu tenho padrões, mesmo eu não foderia


um porco-da-terra.

— Huh. Bem, não serei capaz de levar nada disso a sério se souber que
existe a possibilidade de você gritar o nome de um porco glorificado.

— Eu disse porco, não Malcolm.

Irritação brilhou em seu olhar.

— Ok, então o que você sugere? — Eu perguntei antes que ele pudesse
decidir que me manter viva era mais problema do que valia a pena.

Ele fez uma pausa para considerar isso por um momento.

— Diabo.

— Diabo? — Eu ecoei. — Seu nome de supervilão? Seriamente?

— Você estará gritando meu nome de uma forma ou de outra. É pegar


ou largar.

Meu rosto ficou quente novamente, bem quando minha humilhação


começou a esfriar.

229
— Qualquer que seja. É um pouco megalomaníaco, mas acho que isso é
de se esperar.

— Então está resolvido. — Ele respondeu. — Durante nosso tempo aqui,


você é meu. Meu para disciplinar, foder e torturar como eu achar melhor, sem
exceções e sem liberação, a menos e até que você me chame por esse nome.
Isso soa aceitável?

Eu abri minha boca para responder, mas ele interrompeu:

— Eu sugiro que você dê um pouco de consideração, porque esta é sua


última chance de voltar atrás.

Engoli o nó na minha garganta.

Ele estava certo. Isso não era algo que eu deveria concordar
levianamente, e o fato de que ele estava realmente me dando uma escolha no
assunto era quase tão chocante quanto o fato de que eu já tinha me decidido.

Eu tinha, no entanto. Eu sabia que tinha, mesmo quando me encontrei


sentado em frente a um íncubos em roupas de lobo, me encarando como se
ele estivesse esperando apenas uma pequena palavra para me comer vivo.

A palavra que já estava dançando na ponta da minha língua.

— Sim.

Saiu mais como uma pergunta, na verdade, mas minha voz estava muito
tensa para oferecer qualquer correção. Não que ele tenha pedido.

Em vez disso, o fogo do inferno entrou em seus olhos e um sorriso lento


e malévolo puxou seus lábios. Um olhar naqueles olhos, e eu sabia
exatamente por que eles chamavam esse homem de Diabo.

230
E eu tinha acabado de me vender para ele, corpo, alma e tudo.

231
Capítulo 15
Malcolm

— Sim.

Essa pequena palavra me deixou mais duro do que qualquer conversa


suja ou gemidos de prazer já teve. Mas, para ser justo, não foi apenas uma
palavra. Foi o feitiço mágico que quebrou as correntes que me prendiam,
como uma alma demoníaca enterrada em uma tumba desconhecida, apenas
esperando que algum pobre tolo ingênuo o libertasse.

E ele tinha. Mesmo agora, eu não tinha certeza se ele entendia


completamente o que tinha feito, mas ele tinha feito, e minha diligência
acabou.

— Sim, o que? — Eu perguntei, minha voz apertada e áspera com fome.

Meus pensamentos estavam correndo com as possibilidades de todas as


coisas imundas, depravadas e distorcidas que eu ansiava fazer com esse
menino desde o momento em que o destino o jogou no meu altar, como um
sacrifício virgem.

E ele era, para todos os efeitos meu, de qualquer maneira, um virgem.


Não importa com quantas pessoas ele esteve no passado, ninguém nunca fez
as coisas que eu estava prestes a fazer com ele, e ninguém nunca faria.

Mesmo que sua pequena fantasia de correr de volta para uma vida
mundana e relativamente normal, onde ele estava no controle, acontecesse

232
exatamente do jeito que ele esperava, ele estaria arruinado. Ele nunca seria
capaz de voltar sem pensar em mim. Eu me certificaria disso.

Ele me encarou, a confusão suavizando suas feições inocentes.

— O que você quer dizer, sim, o quê?

— Sim, Mestre. — Eu esclareci.

Ele empalideceu.

— Eu não estou te chamando de Mestre, pelo amor de Deus.

— Não. — Eu meditei, já mudando de ideia. — Não, você vai me chamar


de papai. Acho que prefiro isso, pirralho mimado que precisa de disciplina
que você é.

Seu queixo caiu, e o tom particularmente agradável de rosa que veio em


suas bochechas apenas confirmou minha decisão.

— Ok, tudo bem, Mestre. — Ele murmurou.

— Foi o que eu pensei. — Eu disse, agarrando a frente de sua camisa


para rasgá-la. Ele deu um grito assustado quando puxei o tecido pelos ombros
tonificados, revelando seu torso perfeitamente liso. — Nova regra. Sem roupas
no quarto. Você estará pronto e acessível para mim o tempo todo.

— Você deve estar brincando. — Ele murmurou.

Eu o ignorei, já desabotoando sua calça jeans. Eu já o tinha visto quase


nu, mas não tinha ido até o fim. Minha imaginação era hábil o suficiente para
preencher as lacunas, mas eu não estava mais contente apenas com a
imaginação. Ele era meu agora, e eu teria tudo dele, de qualquer maneira e a
qualquer hora que eu quisesse.

233
— Eu posso me despir. — Disse ele, estendendo a mão para o zíper.

Afastei suas mãos, ansiosa demais para desembrulhar meu prêmio para
me incomodar em discipliná-lo adequadamente. Havia muito tempo para isso
mais tarde.

Eu assobiei entre os dentes enquanto eu tirava sua calça jeans todo o


caminho, junto com sua boxer, revelando seu pau meio duro para minha
visão. Longo e esguio, assim como o próprio menino, e perfeito em todos os
sentidos, desde a forma como se curvava levemente até a coroa brilhando com
prepúcio, parcialmente obscurecido pelo prepúcio implorando para ser
perfurado.

Minha boca encheu de água ao vê-lo finalmente revelado, mas resisti à


vontade de prová-lo ainda. Eu estava evitando meus instintos mais básicos
quando ele estava preocupado por tempo suficiente para que mais ou menos
uma hora não fosse me matar, e ele teria que merecer isso. Deixá-lo saber o
quanto eu queria o prazer dele, assim como o meu, tão cedo seria um erro mal
calculado.

Em vez disso, agarrei a curva de seu pau e empurrei o prepúcio todo


para trás antes de passar a ponta do meu dedo sobre a cabeça inchada. Ele
estava caído para trás em uma posição meio reclinada, olhando para mim
através de suas pernas com uma combinação sedutora de excitação e
mortificação em seus olhos.

Do jeito que eu o queria.

— Eu acho que seu pau gosta de mim um pouco mais do que você,
Gatinho.

234
Suas bochechas ficaram ainda mais quentes e ele desviou o olhar,
murmurando:

— Não me chame assim.

Bem, agora eu ia chamá-lo de pouco mais. Dei um tapa forte na parte de


fora de sua coxa, o suficiente para picar e fazê-lo pular.

— Você não dá ordens. Na verdade, de agora em diante, você não fala a


menos que seja solicitado. Você já conhece a punição pela desobediência. Dez
vezes, e desta vez, não terei piedade de você.

Ele parecia querer protestar, mas em vez disso ele apertou os lábios e
deixou seus olhos falarem. Eventualmente, isso também lhe renderia uma
punição rápida, mas isso poderia esperar. Meu gatinho era selvagem, e ia
levar algum esforço para levá-lo a esse nível de obediência.

Um desafio que eu estava mais do que ansioso para aceitar.

Momentaneamente satisfeito, continuei minha exploração de seu pênis,


traçando a linha irregular da veia que corria ao longo da parte de baixo até as
bolas antes de tomá-las. Eles apertaram tão sedutoramente enquanto eu os
rolei suavemente na palma da minha mão, então eu firmemente apertei meu
aperto até que ele se contorceu em pânico.

— Fique quieto. — Eu ordenei, ao mesmo tempo aliviada e desapontada


quando ele obedeceu. Suas coxas estavam tremendo, mas isso dificilmente era
uma ofensa punível. Eu soltei meu aperto uma vez que ele cedeu e tracei seu
períneo até o ânus enrugado abaixo, abrindo-o com meus dedos para que eu
pudesse dar uma olhada melhor.

235
Apertado e rosa, apertando em antecipação enquanto eu corria meu
dedo ao redor dele. Eu me mexi na cama e enganchei minhas mãos sob seus
joelhos, empurrando suas pernas para cima e separadas. Seu pênis caiu para
trás contra seu abdômen, e quando ele voltou para cima, havia um rastro de
sêmen que se estendia da ponta ao umbigo.

Inclinei-me e cuspi em seu ânus, o que não foi difícil no ritmo que
minha boca estava molhada. Ele murmurou baixinho:

— Que porra é essa? — Mas fingi que não tinha ouvido, pois não queria
me atrasar mais.

Pressionei dois dedos contra seu ânus e os empurrei, de repente o


suficiente para que ele se fechasse com um grito estrangulado.

— Se você acha que isso é difícil... — Eu disse com uma risada seca,
usando o lubrificante improvisado para trabalhar meus dedos mais fundo. Eu
os inclinei para pressionar em sua próstata e desta vez, o grito em seus lábios
foi de prazer, o que pareceu incomodá-lo ainda mais. — Quando foi a última
vez que alguém usou seu ânus, Gatinho?

Ele me lançou um olhar assassino que se dissipou enquanto eu


continuava acariciando seu lugar, e seus olhos reviraram em sua cabeça.

— F... Foda-se, eu... Eu não sei.

— Tempo o suficiente. — Eu murmurei, puxando meus dedos para fora.

Por mais tentado que eu estivesse a tomá-lo cru depois da merda que ele
fez e porque eu queria saber se seus gritos de agonia eram tão doces quanto
seus gemidos de prazer e não havia como eu conseguir mais do que a cabeça
do meu pau dentro dele sem lubrificante, e mesmo isso era duvidoso. Não

236
sem rasgá-lo muito mal para usar mais por uma semana, se não mais. Além
disso, se eu lhe desse o pior agora, não haveria nada para fazer.

Saí da cama e abri a gaveta da mesa ao lado para retirar um frasco de


lubrificante. Revesti minha palma e a deslizei para baixo do meu eixo.

— V...Você não vai usar camisinha?

Dei-lhe um olhar e bati em seu flanco com minha mão esquerda, mais
forte desta vez.

— Não. Eu embrulho para meus parceiros sexuais, que, para constar, eu


preciso fazer o teste. Meu animal de estimação, no entanto, entro quando e
onde quero.

A raiva brilhou em seus olhos, transformando-os em um tom brilhante


de ouro, e eu esperei que ele cedesse. Se ele fosse desistir, provavelmente
seria no início.

Eu só não tinha certeza se seria capaz de manter minha parte no trato se


ele o fizesse, assim como não seria capaz de manter a promessa implícita de
que eu o deixaria voltar à sua antiga vida quando tudo foi dito e feito.

Felizmente, não precisei tomar essa decisão. Não agora.

— Tudo bem. — Ele murmurou, cobrindo parcialmente o rosto com a


mão. — Apenas faça.

— Você não pode dar as ordens. — Eu o lembrei, virando-o de bruços.


— Em suas mãos e joelhos. Não vou pedir duas vezes.

Ele obedeceu com bastante pressa. Estava aprendendo. Eu levei um


momento para admirar a visão dele apresentando sua bunda perfeita para

237
mim. Eu não seria capaz de ver seu rosto, que era a única desvantagem, mas
planejava levá-lo mais de uma vez esta noite. Interrompendo-o.

Eu abri suas nadegas e posicionei a cabeça do meu pau, já latejando com


a necessidade, entre eles. Sua respiração engatou e seu corpo ficou tenso
quando coloquei minhas mãos em seus quadris. Ele estava tremendo embaixo
de mim, e um homem decente poderia ter sentido o medo palpável vindo dele
e ido um pouco mais fácil. Mas eu não era um homem decente.

Eu entrei nele com força suficiente para que seus braços se dobrassem,
deixando sua cabeça baixa e sua bunda no ar. Desta vez, o grito que rasgou da
garganta do menino não estava apenas misturado com dor, era agonia em sua
forma mais pura. Minha recompensa foi o prazer ofuscante de ser envolvido
em seu canal apertado da ponta à base, mas sua punição estava apenas
começando.

238
Capítulo 16
Valentine

— Porra! — Eu chorei, enterrando meu rosto na dobra do meu braço


quando as pontas dos dedos de Malcolm morderam meus quadris e ele
começou a empurrar dois segundos depois que acabou de se enfiar dentro da
minha bunda sem aviso prévio.

Eu não tinha certeza do que eu esperava, realmente. Não gentileza,


mas... Não brutalidade completa e absoluta.

Esse foi o meu erro.

Meu primeiro erro foi colocar meu corpo nas mãos de um louco para
começar. Mas foi um erro que eu cometi de boa vontade, e pensar no que eu
teria que fazer para revogá-lo era mais problemático do que valia a pena.

Mesmo agora... Mesmo que cada impulso enviasse uma onda de choque
de dor pela parte inferior do meu corpo, a ponto de nem ter certeza de como
seria capaz de andar de manhã, eu não queria atingir o nuclear. botão. Eu não
queria que isso acabasse.

Se houvesse alguma dúvida de que eu estava completamente e


totalmente fodido da cabeça, ela simplesmente saiu por aquela janela
quebrada.

Eu gemia em desespero silencioso, agarrando os lençóis em uma


tentativa fútil de me preparar, mas a dor não era a única parte das minhas

239
fantasias que o encontro estava vivendo. Meu pau estava dolorosamente duro
e já estava chorando quando atingia minha parte inferior do abdômen cada
vez que ele empurrava em mim. Ele nem tinha me tocado ainda e dado o quão
brutal seu estilo tinha sido até agora, eu tinha motivos para duvidar que ele o
faria e eu já estava tão perto de gozar?

Eu estava louco para coisas mais humilhantes, com certeza, mas isso
definitivamente estava lá em cima. Os cinco primeiros pelo menos.

Suas unhas cravaram em meus quadris com força suficiente para que a
picada momentaneamente eclipsasse o abuso que ele estava derramando na
minha bunda, como se ele estivesse tentando me manter no lugar. Não era
como se eu fosse a lugar algum. Mais como se ele corresse o risco de nos
encurralar pelas malditas tábuas do piso, a cama rangendo e tudo mais.

Toda vez que eu pensava em bater, ele parecia saber de alguma forma, e
ele diminuiu seu ritmo um pouco o suficiente para que o prazer dele
empurrando em minha próstata superasse a dor. Apenas por um fio de
cabelo. Então, no momento em que eu abaixasse minha guarda, ele me
foderia com mais força, apenas para compensar isso.

O cara era um psicopata completo em sua vida cotidiana, então eu não


tinha certeza por que me surpreendeu que ele fosse assim na cama também.
Mas o jeito que ele falou sobre os outros homens que ele fodeu me fez
pensar...

Ele só era assim comigo? O pensamento era mais atraente do que tinha
o direito de ser. E o pensamento dele com qualquer outra pessoa era
igualmente enlouquecedor.

240
E assim, quando deixei meu inimigo mortal me levar ao esquecimento,
me peguei repetindo a mesma pergunta que me ocorrera tantas vezes ao
longo de minha vida, mas nunca mais do que quando estava em sua presença.

O que diabos havia de errado comigo?

Eu imaginei que se havia um lado bom em sua aspereza, era que ele não
poderia durar tanto tempo do jeito que estava indo. Eu estava completamente
errado, é claro. Talvez a dor apenas esticou o tempo, mas parecia que ele
estava indo para sempre quando sua respiração ficou superficial e suas
estocadas ganharam velocidade. Eu estive no limite muitas vezes para contar
sem me envergonhar ainda mais, mas ele parecia saber disso também, e
sempre me mantinha no limite antes que fizesse doer demais para terminar.
Ele queria controle completo e absoluto. Ele queria me foder, mesmo
enquanto estava me fodendo, e isso não deveria ter sido uma surpresa, agora
que eu estava pensando nisso.

Quando Malcolm estendeu a mão e espalmou meu pau, meu corpo


inteiro enrijeceu junto com ele.

Foda-se. Por que eu tinha que responder a ele tão violentamente?

Mesmo as sensações prazerosas que ele suscitou em mim vieram na


ponta de uma faca.

— Você vai gozar para mim, Gatinho. — Ele disse em uma voz tão
áspera e crua que soou como uma ameaça ou uma provocação ao invés de
uma brincadeira sexy. Mas isso me excitou mais, de qualquer maneira.

Um gemido estrangulado me escapou e minha bunda se apertou em


resposta à ligeira mudança de ângulo. Leve, mas o suficiente para fazer seu

241
próximo impulso mais doloroso enquanto ele se dirigia para mim, mesmo que
ele ainda estivesse acertando minha próstata.

Estremeci, mais oprimido pela submissão imediata do meu próprio


corpo ao seu comando do que sua própria aspereza. Ele só teve que me
acariciar algumas vezes antes que meu pau pulsasse em fluxos quentes sobre
a roupa de cama e meus quadris balançassem violentamente em sua mão,
mesmo que isso tornasse o que ele estava fazendo comigo ainda mais
excruciante.

Malcolm rosnou quando gozou um momento depois, e eu não tinha


certeza se era seu gozo escorrendo pelo interior das minhas coxas ou sangue.
Provavelmente ambos. De qualquer forma, eu ainda estava tão empolgado
com o orgasmo cortando meu corpo como uma lâmina serrilhada que eu não
conseguia me importar.

Eu tinha certeza de que me importaria muito na manhã seguinte. Eu


tinha certeza de que toda a vergonha e confusão iriam desabar sobre mim
junto com uma pilha saudável de arrependimento, mas quando eu desabei,
sustentado apenas pelos meus joelhos enfiados debaixo de mim, eu não me
importei. Havia apenas o êxtase maçante e dolorido do prazer enquanto sua
melodia suave desaparecia, e o ritmo brutal de dor que perdurou muito tempo
depois, pulsando em mim a cada batida do meu coração.

Dele. Meu. Eu não tinha mais certeza de qual era qual. Eu podia sentir
seu pulso latejando profundamente dentro de mim. Mais profundo do que
deveria ter sido possível, pelo menos até que ele saiu tão rudemente quanto
entrou.

242
Dei um grito de dor, minhas mãos apertando os lençóis encharcados de
suor em que meu rosto estava enterrado.

— Você poderia pelo menos ter me avisado?

— Não. — Foi sua resposta simples e sem remorso enquanto se deitava,


as mãos apoiadas atrás da cabeça. Ele se virou para mim, um olhar diabólico
em seus olhos. — Recupere o fôlego. Ainda não terminei com você.

Eu choraminguei, mas por mais que eu estivesse questionando minha


própria sanidade, eu ainda não estava pronta para bater. Não por um tiro
longo.

243
Capítulo 17
Malcolm

Era raro eu passar uma noite inteira com alguém, quanto mais acordar
com ele em meus braços. Mais raro ainda que eu não estivesse entediado,
mesmo que eu tivesse devastado o homem adormecido algumas vezes na
noite anterior.

De alguma forma, eu ainda não estava satisfeito. E, no entanto, eu


estava. Mais do que eu tinha sido desde... Sempre, para ser honesto.

Valentine gemeu em seu sono, rolando em mim com o rosto enterrado


em meu peito. Por alguma estranha razão, não senti vontade de afastá-lo. Em
vez disso, encontrei-me olhando para ele, observando a configuração de suas
feições. Seu nariz reto, seus lábios carnudos, o ângulo agudo de sua
mandíbula e a forma como a luz que entrava pelas frestas das persianas
destacavam os pequenos destaques dourados em seu cabelo.

E agora eu sabia que seu corpo era tão perfeito quanto seu rosto. A
mistura perfeita de músculos duros e pele lisa e bronzeada.

O fato de eu ter explorado cada centímetro dele não saciou nem


remotamente minha curiosidade. Só me deixou querendo mais.

— Já acordou? — Eu perguntei quando seus olhos se abriram,


atordoados e confusos. — Você praticamente assobiou para mim da última
vez que tentei te acordar antes das oito.

244
— Pode ter algo a ver com a dor. — Ele murmurou, empurrando para
trás como se fosse ele quem estivesse horrorizado com a nossa posição íntima.

Eu bufei.

— Você vai viver.

Ele me lançou um olhar desanimado.

— Eu não sei como eu deveria andar.

— Você não deve. — Eu disse incisivamente. — Essa é uma maneira de


mantê-lo parado.

O segundo olhar não foi tão indiferente.

— Você é um idiota, você sabe disso?

— Foi o que me disseram. — Respondi.

Ele se sentou com uma careta e se encostou na cabeceira da cama.

— Merda. Você poderia ir um pouco mais fácil da próxima vez?

— Não. — Eu respondi. — Provavelmente não.

Valentim fez uma careta. Ele era fofo quando era assim. Meio irado e
meio adormecido.

Inferno, ele era fofo, não importa o quê, e eu podia ver o quão
facilmente ele poderia se tornar um vício. A rapidez com que provocar todas
as suas várias reações e estados emocionais poderia se tornar um vício.

Eu me peguei imaginando como era sentir tudo tão fortemente. Ser tão
fácil de manipular, tanto nas alturas da euforia quanto nas profundezas do
desespero. Ele estava pintando com cores que não só me faltavam na minha

245
própria paleta de emoções e experiências, mas que eu nem conseguia ver. E
ainda, através de seus olhos, eles eram um pouco mais claros. Apenas
manchas no canto do meu olho, mas eu podia ver como com mais tempo, eles
poderiam facilmente se tornar mais do que isso.

Eu me peguei me perguntando se isso era o que meu irmão sentia. Enzo


lhe dera uma lente através da qual ele podia ver o mundo. Através do qual ele
podia ver e experimentar coisas que pessoas como ele e eu simplesmente não
deveriam.

Era um pensamento estranho. Uma perigosa, eu decidi, então a


descartei tão rapidamente quanto tinha ocorrido.

— Eu preciso de um banho. — Disse ele incisivamente.

— Então eu vou ajudá-lo. — Eu respondi.

Ele empalideceu com o pensamento.

— Desculpe?

— Eu carrego você. — Eu esclareci. — Se você realmente não pode


andar.

Seu rosto ficou vermelho e, de alguma forma, tive a sensação de que ele
achou essa sugestão ainda mais humilhante do que qualquer coisa que
aconteceu na noite anterior.

— Você não vai me carregar. — Ele retrucou. — Isso é ridículo.

— Então não demore. — Eu retruquei.

Ele fez uma careta para mim novamente, mas ele não protestou mais.
Quando ele começou a se levantar, eu coloquei uma mão em seu braço para

246
estabilizá-lo. Assim que ele colocou um pé no chão, seus joelhos se dobraram
sob ele. Percebi que ele não estava apenas sendo precioso, afinal.

Eu não pude deixar de sentir uma onda de excitação, e algo muito mais
desconcertante com o pensamento. Ele realmente era delicado.

Saí da cama e coloquei seu braço sobre meus ombros, decidindo não
humilhá-lo completamente, pegando-o no colo, embora isso fosse mais fácil.
Eu nem sabia por que me importava. Humilhá-lo era uma espécie de
passatempo para mim, mas enquanto eu não chamaria isso de misericórdia,
eu estava com um humor estranhamente brando esta manhã.

Ele desviou o olhar, amuado, mas não discutiu quando me deixou


ajudá-lo a entrar no banheiro anexo ao quarto. Eu o coloquei contra a parede
e fui ligar o chuveiro, dando um momento para a água esquentar. Por mais
agradável que a cabine fosse, estava longe de ser nova, e as comodidades eram
um pouco carentes. As alegrias da vida rural.

Não que eu pudesse reclamar muito. Os encantos certamente


superavam as desvantagens. Pelo menos para meus propósitos atuais.

Eu assisti quando Valentine saiu de sua boxer, descaradamente


apreciando a vista. Ele parou para olhar por cima do ombro, seus olhos se
estreitando em ofensa.

— Você não pode ficar boquiaberto?

— Eu poderia. — Eu respondi, continuando a olhar, apenas para o


inferno agora.

Ele suspirou exasperado e agarrou o trilho ao lado do chuveiro antes de


entrar. Eu observei a água cair em cascata sobre sua pele e saboreei o olhar de

247
felicidade que suavizou suas feições quando ele se inclinou para trás,
deixando a água umedecer seu cabelo. Ficou escuro e reto, acariciando suas
omoplatas com uma ternura que me vi com inveja.

Torná-lo submisso era uma coisa, mas a gentileza parecia


perigosamente íntima, mesmo porque era um impulso completamente
estranho para mim.

Quando ele finalmente pareceu perceber que eu não ia dar a ele


nenhuma privacidade, ele relutantemente começou a se lavar, começando
pelo cabelo. Eu assisti enquanto ele trabalhava a espuma em seus longos fios,
penteando os dedos do jeito que eu tinha feito na noite anterior. Agarrar um
punhado de suas tranças macias para puxar sua cabeça para trás ainda estava
fresco em minha mente e meu pau já estava duro só de observá-lo. Pensando
no jeito que ele choramingou de dor. A maneira como ele cheirava quando eu
enterrei meu rosto na parte de trás de seu pescoço e o fodi com mais força.

Ele ensaboou seu corpo em seguida, e eu me vi observando atentamente


enquanto ele descia pelos planos musculares de seus ombros e peito. A água
brilhava em sua pele de forma tão sedutora. Meu próprio show de strip
privado. De vez em quando, ele lançava um olhar furtivo como se quisesse ver
se eu ainda estava olhando, e quando percebia que a resposta era sim, ele
rapidamente desviava o olhar novamente. Sua pele estava toda corada da
água quente, mas eu tinha certeza que ele estava corando também.

Ele finalmente terminou e desligou a água, mas eu poderia facilmente


ter continuado a observá-lo por mais uma hora. Teoricamente. Assumindo
que eu tinha a força de vontade para não apenas entrar lá e fodê-lo
novamente, e eu já estava pensando nisso quando ele saiu.

248
Bom momento, Gatinho.

Peguei uma toalha e um roupão que estavam pendurados na porta e os


trouxe. Valentine pareceu surpreso quando eu coloquei o roupão branco de
pelúcia em volta de seus ombros e comecei a enxugar seu cabelo.

— O que você está fazendo?

— Cuidando meu animal de estimação. — Eu respondi.

Essa resposta deixou seu rosto vermelho brilhante. Eu esperava que ele
discutisse, mas ele não o fez. Ou ele estava aprendendo e aceitando seu lugar,
ou sabia que era inútil.

— Vamos. — Eu disse. — Vá se sentar no sofá, e eu vou fazer algo para


você comer.

Ele fez o que eu disse, embora parecesse relutante, e eu fiquei perto dele
na escada para o caso de ele tropeçar. Uma vez que ele estava instalado, eu
entrei na cozinha para vasculhar a geladeira. Peguei uma caixa de ovos e
verifiquei a data de validade do leite antes de pegar o resto dos ingredientes
para as omeletes.

— Estou surpreso que você cozinhe. — Ele comentou da sala de estar.

— Eu não cozinho. — Eu admiti. — Assim, os resultados vão ser um


sucesso ou um fracasso.

Ele bufou.

— Não pode ser pior do que a última tentativa de Silas.

— Estou surpreso que ele tenha feito uma. — Admiti. — Ele não é
realmente do tipo que faz qualquer tipo de trabalho manual.

249
— Então eu notei. — Disse ele. — Acho que ele só gosta de cuidar do
meu irmão.

— E o que parece. — Eu concordei.

Ele ficou em silêncio por um tempo suspeito, mas quando olhei para
cima, ele estava apenas me observando com curiosidade.

— O que você pensa sobre isso, afinal?

— O que, Silas fazendo o café da manhã?

Ele me deu um olhar.

— Ele se casando com Enzo.

Dei de ombros, mexendo a mistura de ovo e pimenta na frigideira.

— Eu não sei. Realmente não importa o que eu penso, não é?

— Não, mas cada um tem uma opinião. — Comentou.

Suspirei.

— Eu realmente não perco tempo tendo opiniões sobre coisas que não
me dizem respeito.

— Ok, mas se isso te preocupasse? — Ele pressionou. — Qual seria sua


opinião, então?

O menino era implacável.

— Eu acho que ele está feliz. E pela primeira vez, não é algo
completamente autodestrutivo que está trazendo felicidade para ele, então eu
estou feliz por ele. Satisfeito?

Eu poderia dizer que ele não estava, mas ele não insistiu mais.

250
— Como ele era quando vocês eram mais jovens?

Eu zombei.

— Praticamente o mesmo que ele é agora. Sarcástico. Insensível.


Brilhante.

— Então ele sempre foi um idiota. — Disse Valentine.

— Nem sempre. — Eu admiti. — Ele mudou ao longo dos anos.


Endurecido.

— É difícil imaginar que ele nunca foi nada além disso.

— A maioria dos monstros não nascem, Valentine. Eles são feitos.

— O que fez dele um?

Fiz uma pausa para considerá-lo. E para considerar se eu ia responder a


ele.

— Quanto você sabe sobre o nosso passado?

— Não muito. — Ele admitiu. — Eu realmente não sei o quanto ele disse
a Enzo também.

— Provavelmente não muito. — Eu disse. — Não há muito o que contar,


e o que há não é o tipo de coisa que alguém gosta de falar. Até mesmo ele.

— Tão ruim? — Ele perguntou.

— Sim. — Eu disse, desligando o queimador. — Que ruim. Vou lhe dar a


versão resumida. Nossa mãe era uma viciada que negligenciou seus filhos e
nunca encontrou uma substância que ela não queria cheirar ou injetar em
suas veias, ou ambos. E ela estava disposta a fazer qualquer coisa. Quero dizer

251
qualquer coisa para pôr as mãos na merda. Mentir, roubar, vender a si
mesma. Vender os próprios filhos.

— Literalmente? — Ele perguntou, sua voz falhando ligeiramente.

— Sim. — Eu disse, colocando um prato na frente dele antes de me


inclinar contra o balcão. — Eu não me lembro muito antes dos seis ou sete
anos, mas me lembro da primeira vez que esfaqueei um cara. Um de seus
'namorados' que ela me deixou enquanto estava desmaiada. Depois disso, ela
não relaxou. As coisas melhoraram um pouco, até que um dia, quando Silas
tinha três anos, cheguei em casa da escola e descobri que ele havia sumido.
Ela não queria falar comigo, então peguei a arma dela e a coloquei para sua
testa e disse a ela que eu a mataria se ela não me dissesse onde ele estava.
Acabou que ela o vendeu para um traficante de merda por uma porra de uma
semana de droga.

— Juro por Deus, às vezes eu ainda gostaria de ter puxado o gatilho,


mas não apertei. — Continuei com uma risada amarga. — Eu saí e o encontrei.
Eu não sei que merda aconteceu naquelas seis ou sete horas que ele se foi,
mas quando eu o encontrei, ele estava escondido em um armário enquanto o
idiota que nossa mãe o vendeu estava apagado no sofá. Eu atirei nele
enquanto ele dormia, peguei tudo que tinha com ele, peguei Silas, e passamos
as próximas semanas sozinhos antes que algum policial nos pegasse.
Ninguém nunca soube que era eu, e duvido que alguém se importe com o que
aconteceu com um cara assim, então o resto é uma longa série de lares
adotivos e besteira.

252
Percebi que ele estava olhando para mim, sua mandíbula ligeiramente
frouxa, como... Bem, mais ou menos como se eu tivesse acabado de dizer a ele
exatamente o que eu tinha. E essa foi a versão higienizada.

— Puta merda. — Ele respirou.

— Essa é uma maneira de colocá-lo.

— Eu não sei o que dizer.

— Então não diga nada. — Eu disse a ele. — Você fez uma pergunta, aí
está sua resposta. Nada mais do que isso.

— Sim, mas... — Ele parou por um momento. — Desculpe. Acho que faz
sentido agora.

— O que?

— Porque você e Silas são do jeito que são.

Eu bufei.

— Silas, talvez. Eu sou do jeito que sou porque foi assim que saí do
útero. Não teria importado se tivéssemos crescido em um belo pedaço de
subúrbio com uma cerca branca e um cachorro.

— Talvez. — Ele disse duvidosamente. — Talvez não.

Revirei os olhos.

— Aí está.

— Há o quê? — Ele perguntou, franzindo a testa.

253
— A ingenuidade que vai te matar um dia desses, se alguém não te
salvar de si mesmo. — Eu disse. — Porque você acredita em contos de fadas.
Como pensar que as pessoas são inocentes por padrão.

— Eles são. — Disse ele sem uma pitada de ironia. — As crianças são
inocentes. E não importa o que você se tornou, você já foi uma criança. Você
mesmo disse isso, monstros são feitos, não nascem.

— A maioria deles. — Eu o corrigi. — Eu não.

Ele franziu a testa e parecia que estava prestes a discutir novamente,


então eu o afastei.

— E você? Quem foi?

Ele piscou para mim em confusão.

— Quem?

— O cara que te fodeu tanto que você gosta de ser abusado. — Eu


respondi. — Conselheiro do acampamento, padre, talvez querido velho papai?

Raiva brilhou em seus olhos, deixando claro que eu tinha atingido um


nervo. Que era o que eu pretendia.

— Você é um burro.

— Claro. — Eu disse. — Mas não responde a minha pergunta.

Seus lábios se contraíram em agitação e ele parecia estar tentando olhar


um buraco no centro da minha testa.

— Professor. — Ele finalmente murmurou.

254
— Ah! — Eu disse em um tom de conhecimento. — Bem, eu te contei
minha história triste. Agora é a sua vez.

— Não há muito a dizer. Eu tinha treze anos. — Disse ele com um


encolher de ombros. — Eu me senti invisível na minha própria família, como
se ninguém nunca tivesse ouvido. Ele ouviu.

— E você nunca contou a ninguém.

Ele pareceu surpreso.

— Como você...

— Linguagem corporal. — Eu disse. — Você meio que se encolhe


quando está envergonhado. Quando você toca seu lábio superior, é como se
estivesse inconscientemente tentando evitar dizer o que quer que esteja
prestes a dizer.

— Apenas quando eu começo a esquecer que você é um policial. — Ele


murmurou.

Eu ri.

— Se isso faz você se sentir melhor, eu não sou muito bom.

— Não, obrigado. — Brincou.

— Também não deve ser um bom cozinheiro. Você não tocou em seus
ovos.

Ele olhou para seu prato cheio, então de volta para mim, piscando.

— Como diabos eu deveria comer enquanto estávamos falando sobre


essa merda?

255
Dei de ombros.

— Nunca me incomodou.

— Claro que não. — Ele disse em um tom monótono. — De qualquer


forma... Você está errado, só para constar. Eu disse alguma coisa.

— Oh? — Eu perguntei. — Acho que a aberração está morta, então?

Se não estivesse, ele ia estar.

— Ele sofreu um acidente de carro alguns anos depois. — Valentine


respondeu com um encolher de ombros, pegando a omelete com seu garfo. —
Carma, eu acho.

— Então eu acho que seu velho era ainda mais inútil do que eu pensava.

— Oh, ele fez algo sobre isso. — Valentine murmurou, passando um


dedo pela leve protuberância na ponte de seu nariz. — Primeira vez que ele
me bateu assim. E a última, mas deixou uma impressão.

— Tenho certeza que sim. — Eu disse, tomando um momento para


compartimentar minha raiva, que se tornou um problema muito seletivo nos
últimos minutos. — Eu poderia preencher, você sabe.

Valentim hesitou.

— O quê? Preencher para quem?

— Seu papai. — Eu respondi. — Porque eu acho que ele te fodeu ainda


mais do que aquele professor pervertido fez.

— I... Isso não é... Que porra é essa, Mal? Isso é foda.

256
— Estamos todos fodidos de uma forma ou de outra. — Eu disse com
um encolher de ombros. — Eu gosto de causar dor. Você gosta de sentir.
Parece uma combinação muito boa para mim.

Ele continuou a olhar, ainda mais vermelho do que antes, e eu estava


começando a pensar que por todas as minhas tentativas na noite passada, esta
foi a maneira que eu finalmente o tinha quebrado.

— Você está falando sério. — Ele murmurou.

— Raramente sou outra coisa. — Eu tinha que admitir, a ideia de ter um


pouco mais de liberdade para explorar os impulsos mais ternos que ele
inspirava em mim enquanto ainda tinha uma desculpa era atraente.

Ele não tinha uma resposta para isso, também, e ele perdeu a
capacidade de encontrar meus olhos.

— O que isso mudaria em nosso acordo, exatamente?

Eu pensei sobre isso. Então eu percebi qual era a verdadeira causa de


sua apreensão e um sorriso puxou os cantos dos meus lábios.

— Não se preocupe. Eu ainda vou ser muito duro. Mas, a julgar pelo
quão duro você ficou quando eu tinha você sobre meu joelho, eu acho que
você iria gostar mais se viesse na forma de disciplina.

também, se fosse honesto comigo mesmo. Ele parecia mortificado, mas


não estava dizendo não.

— Eu... Acho. Contanto que não faça merda estranha.

— Oh, vai ser estranho. — Eu assegurei a ele. — Mas isso faz parte da
diversão.

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258
Capítulo 18
Valentine

Fazia apenas alguns dias desde que Malcolm havia mencionado nosso
arranjo alterado e, embora eu ainda não estivesse andando direito, não estava
com tanta agonia quanto antes. Eu estava no banho, embebido em sal de
Epsom na esperança de que minha bunda estivesse um pouco menos dolorida
quando ele me tomasse.

E para minha completa e absoluta vergonha, eu estava ansioso por isso.


Até a dor.

Não... Especialmente a dor. Malcolm estava certo sobre isso.

Ele foi embora durante a tarde, como de costume. Eu não sabia o que
fazia na cidade, só que ele esperava que eu ficasse parado. Ele tinha tomado
medidas de segurança adicionais depois de consertar a janela, e eu tinha
ficado em seu quarto desde então, então isso incluía trancar todas as outras
portas às quais eu não precisava de acesso imediato.

Não era como se eu tivesse que me preocupar mais com o tédio, pelo
menos. Não quando ele estava em casa. Ainda havia a questão de encontrar
algo para fazer comigo mesmo quando ele não estava, e apesar do fato de ter
me dito que eu deveria ficar na cama e descansar, não escondendo o fato de
que era para ser capaz de me usar novamente em breve, em vez de
preocupação real, eu me aventurei no andar de baixo.

259
Não era como se ele soubesse. Ele não tinha câmeras em todos os
lugares, apenas nos lugares que levavam para fora, como a porta da frente, a
porta dos fundos e em seu quarto, apontadas para as janelas. E eu tinha
verificado cuidadosamente. Eu aprendi pelo menos isso com meus irmãos e
meu pai.

Vasculhei a cozinha e revirei os olhos para as barras da janela que não


estavam lá quando chegamos. Pelo menos Malcolm mantinha a geladeira
abastecida e toda aquela coisa de brincar de bichinho não tinha se estendido a
ponto de me fazer comer ração de uma tigela, mas eu sabia que se eu o
irritasse o suficiente, isso provavelmente poderia mudar.

A coisa era, era fácil de fazer. E tentador.

Lembrei-me do cachorro de infância de Johnny. Ele sempre tinha um


lápis a menos de uma caixa cheia, e ele gostava de mastigar fios porque o
pobre idiota gostava do zumbido. E eu gostava da dor e da punição inevitáveis
que vinham ao irritar um louco, então realmente, quem era o maior idiota?

Eu assistia TV nas últimas horas quando ouvi o ronco da motocicleta de


Malcolm à distância e rapidamente mudei de volta para o canal que estava
antes. Depois de arrumar qualquer evidência de minha desobediência, corri
para cima, embora meu corpo pagasse o preço por correr, e me acomodei na
beirada da cama em posição ajoelhada, já que ele parecia gostar disso.

Alguns minutos depois, depois de ouvi-lo vasculhar e guardar na


cozinha o que quer que trouxesse para casa, ouvi seus passos na escada.

Meu coração pulou com cada um.

Calma, não tem como ele saber.

260
Malcolm chegou à porta, abrindo-a ligeiramente e olhando em volta
como se suspeitasse de algo. Para ser justo, era sempre assim que ele agia
quando se ausentava por um tempo. Como ele assumiu e esperou que eu
fizesse algo pelo qual ele poderia me punir.

— Você está em casa... Papai. — Eu acrescentei, embora essa palavra


ainda estivesse um pouco presa na minha garganta. Essa foi de longe a
resposta física menos preocupante que suscitou de mim, no entanto.

Malcolm ergueu uma sobrancelha. Talvez eu estivesse colocando muito


grosso.

— Você se comportou enquanto eu estava fora, Gatinho? — Ele


perguntou, as tábuas do piso rangendo sob seu peso quando ele entrou na
sala. Ele era uma parede sólida de músculos e apenas um olhar para ele era o
suficiente para me fazer sentir como se fosse partir ao meio.

Quando seu pau foi enfiado dentro de mim, parecia que isso poderia ser
mais literal do que figurado.

— Sim, papai. — Eu disse, fazendo o meu melhor para parecer inocente,


embora eu sentisse que ele poderia de alguma forma ouvir meu coração
martelando em meus ouvidos.

Ele se aproximou e quando ele enfiou a mão no bolso interno da


jaqueta, eu fiquei tenso em antecipação nervosa.

— Eu trouxe uma coisa para você. — Disse ele, puxando uma longa
caixa preta.

Meus olhos se arregalaram quando ele se aproximou ainda mais,


parando na beirada da cama. Esperei que ele me entregasse a caixa e escutei

261
atentamente o som do tique-taque, mas em vez disso, ele tirou a tampa para
revelar o colar de couro grosso dentro. Havia uma etiqueta prateada
pendurada que dizia GATINHO em negrito.

— Um colar? — Eu perguntei cautelosamente.

— Você é meu animal de estimação. — Disse ele, como se devesse ser


óbvio. Ele tirou a coleira da caixa e ordenou: — Puxe seu cabelo para trás.

Eu sabia que não devia hesitar nem por uma fração de segundo quando
ele dava uma ordem direta, então fiz o que ele disse e prendi meu cabelo para
cima e para fora do meu pescoço. Minha garganta se apertou quando seus
dedos roçaram contra ela enquanto prendia a coleira em volta do meu
pescoço. Foi um pouco apertado, especialmente quando engoli, mas também
sabia escolher minhas batalhas.

— Pronto. — Disse ele, dando um passo para trás para examinar seu
trabalho e pegando a etiqueta entre os dedos. A luz de satisfação em seus
olhos fez meu estômago revirar e eu tive que morder meu lábio inferior para
não sorrir como uma idiota.

Deus, eu era tão patético.

— Como está sua bunda? — Ele perguntou, quebrando a delicadeza do


momento com uma marreta.

— Está tudo bem. — Eu murmurei.

— Oh? — Ele desafiou, como se soubesse que era uma mentira. — Então
isso não será tão ruim.

262
— O que não vai ser tão ruim? — Eu perguntei cautelosamente,
movendo-me enquanto ele se sentava ao meu lado na cama e descia
pesadamente de seu corpo robusto.

— Tire suas roupas. — Ele ordenou, ignorando minha pergunta. Isso, eu


tinha me acostumado, mas não o tornava menos irritante.

Eu apertei minha mandíbula e mordi minha língua, me levantando da


cama. Ele ia me foder tão cedo?

Não era como se ele tivesse se limitado a uma vez na primeira noite, no
entanto... Acho que eu deveria ter esperado isso. E agora eu estava me
arrependendo da minha decisão de mentir sobre ir com calma.

Eu puxei minha camisa sobre minha cabeça e quando comecei a


desabotoar meu jeans, pude sentir seu olhar viajando sobre minha carne nua,
faminto e avaliador. Ser observado assim despertou sentimentos conflitantes
de orgulho e apreensão.

Estava longe de ser um strip-tease. Eu era muito estranho e inseguro de


mim mesmo para tentar seduzi-lo assim, mas ele parecia o tipo de homem
que não acharia isso atraente, de qualquer maneira. Talvez de um amante,
mas não de seu animal de estimação.

Uma vez que meu jeans caiu no chão, junto com minha cueca, e eu
fiquei completamente exposto diante dele, ele não deu mais ordens. Apenas
me deixou ficar ali, se contorcendo de desconforto enquanto olhava para o seu
preenchimento. Ele finalmente me pegou pelo pulso e puxou com força,
puxando-me sobre seu joelho.

263
Assustado com a mudança repentina e tentei olhar por cima do ombro,
mas sua mão já estava na parte inferior das minhas costas, me mantendo lá.

— O que? O que você está fazendo?

— Sua punição. — Ele respondeu.

— Punição? — Eu chorei. — Mas eu não fiz nada!

— Não? Você não desceu depois que eu disse para você ficar na cama?

Eu cerrei meus dentes, lutando por uma desculpa adequada. Como


diabos ele sabia? Eu fui cuidadoso.

— Eu...

— Minta para mim e vai ser três vezes pior. — Ele avisou.

Tudo que eu podia fazer era olhar para ele, queixo ligeiramente frouxo,
enquanto eu pesava minhas opções. Não importa o que ele dissesse, negar
ainda parecia minha melhor opção.

— Eu não...

Os lábios de Malcolm se voltaram para baixo, mas a carranca não


combinava com a alegria em seus olhos.

— Não? — Ele desafiou, sua mão viajando para baixo. Minhas bochechas
se apertaram em antecipação ao golpe pungente, e eu já estava duro de pensar
nisso, mas em vez disso, ele deslizou o dedo em minha fenda e pressionou
contra meu ânus dolorido. — Então isso não deve doer tanto.

Virei minha cabeça para o chão e apertei meus lábios para segurar o
som estrangulado que brotava no fundo da minha garganta. Todo o sangue
correu para minha cabeça. Pelo menos, a maior parte. Não ousei responder

264
porque sabia que qualquer coisa que eu dissesse poderia e seria usada contra
mim no tribunal do Diabo, onde Malcolm era juiz, júri e carrasco.

Ele empurrou o dedo mais fundo e mexeu a ponta dentro de mim.


Quando ele pressionou contra um machucado dentro, eu não pude segurar o
choro por mais tempo.

Ele congelou e puxou a ponta do dedo, descansando a mão na minha


bunda.

— Isso foi o que eu pensei.

Bastardo.

— Como você sabia? — Eu gritei.

— Eu não sabia. — Ele respondeu, e meu coração caiu direto na boca do


meu estômago. — Não até agora.

Filho de uma...

Palmada!

Um grito de alarme escapou de mim quando sua mão se conectou com a


parte externa da minha coxa, embora o golpe não tenha sido tão forte quanto
a primeira vez que ele me espancou. Certamente empalideceu em comparação
com qualquer coisa que tinha feito comigo na outra noite, e isso não tinha
sido uma punição. Mais chocante do que qualquer coisa.

— Eu disse a você que seria pior se você mentisse. — Ele disse de uma
maneira calma e prática que eu percebi que precedia coisas muito piores do
que sua raiva. — Mas você não pode evitar, não é, Gatinho? Ou talvez... — Ele
se inclinou, sua respiração perturbando os cabelos da minha nuca já que o

265
resto tinha caído sobre meu ombro. — Você apenas anseia pela disciplina que
lhe falta tanto.

Suas palavras enviaram um arrepio na minha espinha, mas antes que eu


pudesse me preparar, sua mão acertou minha bunda novamente. Desta vez,
consegui cerrar os dentes e segurar meus gritos, pelo menos por enquanto.
Minha resposta para apertar depois de cada golpe sucessivo significava que
minha bunda doía ainda mais por dentro do que a dor pungente de sua palma
encontrando minha carne. A primeira vez, ele pelo menos me avisou de
quantos golpes estavam vindo, mas não desta vez. Um golpe seguiu o outro e
cada um parecia mais difícil do que o anterior, embora eu soubesse de fato
que ele estava se segurando. Usando apenas uma fração de sua força.

Se quisesse, ele poderia quebrar meu pescoço como uma porra de um


galho, e houve muitas vezes o olhar em seus olhos me dizendo que ele queria.
Muito mesmo.

Esse conhecimento de alguma forma fez a luxúria traiçoeira dentro de


mim explodir ainda mais em resposta à sua brutalidade. Desisti de contar
quantas vezes ele me bateu quando ele parou de repente e perguntou:

— Já chega, Gatinho?

Minha cabeça ainda estava girando e a dor havia consumido a maior


parte da minha largura de banda mental, então levei um segundo para
processar o que ele estava perguntando.

— Você está pronto para usar sua palavra segura? — Ele esclareceu.

Não fazia muito tempo desde que chegamos a esse acordo, mas eu tinha
esquecido do mesmo jeito, como se um ano tivesse se passado. Era um colete

266
salva-vidas jogado em um oceano agitado e tempestuoso, uma promessa de
alívio, mesmo que eu estivesse surpresa que ele ainda estivesse disposto a
manter.

Parte de mim se ressentiu dele por me lembrar disso, mas a coisa


sensata teria sido aceitar isso. Para reconhecer o quão longe da minha
profundidade eu estava e encerrar o dia.

Em vez disso, balancei a cabeça como uma criança teimosa.

Malcolm deu uma risadinha conhecedora. Como se ele soubesse que


seria a minha resposta.

— Bem, então. — Disse ele, alisando a mão sobre minha bunda. A


ternura era pura tortura roçando minha carne ardendo. — Acho que é o
suficiente para a noite.

Ele me levantou de seu colo e me colocou de volta em meus pés, mesmo


que meus joelhos parecessem trêmulos embaixo de mim. Antes que eu tivesse
coragem de testar meu equilíbrio, ele se levantou e me pegou em seus braços.
Ele de alguma forma conseguiu puxar as cobertas antes de me colocar no
colchão, absurdamente gentil depois de tudo que ele tinha acabado de fazer.

— I-isso é tudo? — Eu perguntei, ainda tremendo e sem fôlego. Eu só


percebi então que as lágrimas estavam ardendo em meus olhos e eu podia
sentir o aperto de alguns fios delas secando em minhas bochechas.

— Você quer mais? — Ele perguntou, levantando uma sobrancelha.

— Não! — Eu chorei.

Pode ser.

267
Seus lábios se contraíram, traindo a diversão que seus olhos mortos
raramente davam.

— Tenho trabalho a fazer lá embaixo. — Ele me informou. — Descanse


um pouco ou não, mas de qualquer forma, vou pegar sua bunda doce amanhã.
Sugiro que aceite minha generosidade.

Com isso, ele saiu do quarto e eu esperei até ouvir seus passos descendo
as escadas antes de enterrar meu rosto no travesseiro, tentando não ficar tão
excitado quanto eu estava com seu cheiro nos lençóis e as consequências de...

Fosse o que fosse.

Ocorreu-me que este era o meu verdadeiro castigo. Fazendo isso e


depois me deixando assim, desesperado e orgulhoso demais para implorar.
Por muito pouco. Em vez disso, envolvi minha mão em volta do meu próprio
pau e comecei a acariciar, apenas alimentada pela dor persistente.

Não demorou muito. Amaldiçoei o nome do filho da puta baixinho


mesmo quando gozei, e desmaiei, decidindo me dar um momento antes de
limpar a evidência. Ele não voltaria por um tempo, de qualquer maneira.

Ele sabia exatamente como me torturar, e esse era de longe um de seus


métodos mais cruéis até agora.

268
Capítulo 19
Valentine

Estávamos na vila há algumas semanas, mais ou menos. Minha


percepção do tempo estava distorcida por não ter nenhuma rotina discernível
para aderir, exceto por qualquer coisa que Malcolm quisesse passar para o
dia. Enquanto minhas apreensões iniciais giravam principalmente em torno
do que Malcolm ia fazer comigo, depois daquela primeira noite brutal, eu
estava mais preocupada com o que ele não tinha feito.

Não é que não estávamos fodendo como coelhos ou algo assim. E


enquanto eu não tinha exatamente experiência em dormir com homens fora
dele, eu tinha certeza de que ele ainda era rude em comparação com a maioria
das pessoas, mas em comparação com aquela primeira noite, as coisas tinham
sido quase mansas. Gentil, até.

O fato de que este era Malcolm quando ele estava tentando ser gentil
deveria ter sido enervante por si só, mas não pelas razões que eram. Claro, eu
tive que ir e me sentir inseguro porque ele não estava me prendendo contra a
parede e fodendo meus miolos como se ele fosse uma britadeira e eu fosse a
calçada.

Todos os dias, eu encontrava novas profundezas para afundar, mas foda


-se, eu já tinha feito um acordo com o diabo, e o mínimo que ele podia fazer
era cumprir sua parte do acordo.

269
Naquela tarde, eu estava brigando comigo mesmo o dia todo enquanto
ele estava lá embaixo na mesa da cozinha trabalhando em um laptop que ele
comprou na cidade vizinha em algum momento. Porque ele podia ter
tecnologia enquanto eu tinha que viver como um camponês do século XV.

— Você não pode ser confiável, Valentine.

— Você nem sabe o que é uma VPN, Valentine.

— Tudo o que você vai fazer é ver pornografia peluda o dia todo,
Valentine.

E sim, tudo bem, isso era tudo verdade, mas ainda era hipocrisia e ele
não estava exatamente me mantendo entretido.

Quando finalmente reuni coragem para me aventurar no andar de baixo


e o vi tomando um copo de uísque enquanto fazia o que diabos o chefe de
polícia fazia quando deveria estar de licença, hesitei. De repente, minha
coragem desapareceu e fiquei inseguro de mim mesmo, que era meu estado
padrão na presença dele.

A maioria das pessoas provavelmente se sentiria mais confortável perto


de alguém depois de desnudar sua alma, ou pelo menos, o que quer que
passasse por sua. Mas nossa conversa teve o efeito oposto. Agora ele conhecia
todos os meus segredinhos obscuros e sujos, e eu sabia que ele havia matado
um homem enquanto ainda estava na escola primária. Eu não tinha certeza
de que exatamente se qualificava como vulnerabilidade se isso o tornasse
ainda mais aterrorizante.

E como uma porra de um fodido completo, eu queria mais. Mais dele,


mais de seu toque, mais de sua brutalidade. Eu queria tanto quanto pudesse

270
obter enquanto pudesse, porque se eu não descobrisse uma maneira de
purgar essa doença que ele tinha sido o vetor antes de sairmos da Romênia,
eu estaria em uma situação difícil. mundo de problemas em casa.

Eu me peguei preocupado com a etiqueta pendurada no meu colarinho,


esfregando-a entre o polegar e o indicador. Ele não tinha me notado ainda, ou
ele estava fingindo que não tinha, o que me deu muito tempo para abortar a
missão e voltar para cima antes que eu me revelasse como a completa
prostituta da atenção que eu era.

Em vez disso, afundei em minhas mãos e joelhos e me arrastei em


direção a ele até a cozinha, tentando parecer sensual, embora me sentisse
completo e totalmente ridículo.

— Miau?

Malcolm olhou para cima em confusão antes que seus olhos metálicos
viajassem até mim quando me aproximei de sua cadeira e apalpei sua perna.
Para os segundos mais longos da minha vida, ele apenas ficou lá sentado
olhando para mim, enquanto eu piscava para ele lentamente e esfregava
minha bochecha contra sua perna.

Eu tinha trabalhado em ronronar mais cedo, mas soava como se eu


estivesse tentando ligar um cortador de grama com eficiência energética, e
isso parecia ridículo o suficiente. Justo quando eu pensei que ele ia me
repreender por incomodá-lo enquanto estava trabalhando novamente e
esmagar o que restava da minha já minúscula auto-estima, seus olhos
escureceram daquele jeito familiar que fez meu coração palpitar e afundar
como uma pedra no chão. mesmo tempo.

271
Ele estendeu a mão, colocando meu queixo em sua palma e inclinando
minha cabeça para me forçar a olhar para ele.

— O que é isso? — ele perguntou, sua voz áspera com algo que eu estava
muito hesitante para ler como desejo. — Acho que meu gatinho quer atenção?

Encorajado, eu empurrei minha bochecha em sua palma e me aproximei


dele, miando.

— Miau?

Seus lábios se curvaram em uma extremidade, um sorriso torto que eu


tinha recebido milhares de vezes, e cada vez, atingiu o mesmo acorde de
luxúria dentro de mim tão violentamente quanto o primeiro.

— Bem, não podemos ter isso, podemos? — Ele perguntou, fechando


seu laptop antes de se virar para mim, passando os dedos pelo meu cabelo.
Suas unhas levemente roçando meu couro cabeludo enviou uma onda
instantânea de felicidade através de mim, e de repente, eu não tive nenhum
problema em ronronar.

— Que bom menino. — Disse ele em um tom grave que eu finalmente


me permiti aceitar que era desejo. Ele empurrou a cadeira para trás da mesa e
começou a desabotoar o cinto com a mão direita, a esquerda ainda enterrada
no meu cabelo, acariciando carinhosamente. — Sabe, se você queria a atenção
do papai, tudo que você tinha que fazer era dizer.

Eu não estava prestes a sair do personagem e admitir que, acredite ou


não, essa parecia a opção menos humilhante.

Quando ele liberou seu pau de seu jeans, meus pensamentos estavam
correndo, todos eles contraditórios. Eu nunca tinha chupado um cara antes, e

272
até ele, eu realmente não tinha pensado nisso. Ser fodido por ele deveria ter
parecido um problema maior, mas eu realmente não tinha muito o que fazer
sobre isso, exceto por apenas se deitar lá e ficar absolutamente destruída.
Nenhuma habilidade envolvida nisso. Pelo menos, não do jeito que ele fodeu.

Isso, porém…

Ele deve ter notado minha hesitação, porque ele deu um pequeno
sorriso perigoso e embalou a parte de trás da minha cabeça.

— Seja um bom menino e lamba para o papai.

Meu rosto ficou tão quente que eu senti como se fosse desmaiar, mas eu
coloquei minha mão ao redor da base de seu membro e passei minha língua
timidamente contra a cabeça de seu pênis. Quando meus olhos se moveram
para encontrar os dele, eles estavam escuros com aprovação, então eu corri
minha língua pela parte de baixo, e o gosto do pré-sêmen esperando por mim
quando voltei para a ponta foi muito mais agradável do que eu esperava..
Forte e meio salgado, assim como ele. Envolvi meus lábios ao redor da cabeça
e chupei levemente, sentindo isso. Eu tinha começado a relaxar quando ele
empurrou minha cabeça para baixo, empurrando seu pau mais fundo na
minha boca e esticando minha mandíbula.

Dei um grito abafado de alarme, mas ele apenas apertou os dedos no


meu cabelo e se acomodou em seu assento.

— Você pode aguentar. — Ele disse, sua voz áspera com excitação que
enviou uma onda de calor pelo meu próprio pau como um para-raios.

Poderia, talvez. Mas eu não tinha certeza se seria capaz de fechar minha
mandíbula novamente se continuasse por muito tempo, e eu já sabia que sua

273
resistência era impressionante, para dizer o mínimo. Tentei me ajustar,
sentando-me um pouco mais de joelhos com as duas mãos em volta de seu
pau, e antes que a coroa pudesse passar pelos meus lábios novamente na
saída, ele empurrou minha cabeça para baixo até atingir a parte de trás da
minha garganta e me fez engasgar.

Eu me afastei e caí de bunda, batendo minha cabeça na lateral da mesa


enquanto tossia.

Malcolm olhou para mim, uma sobrancelha levantada em uma


expressão um pouco confusa.

— Nós vamos ter que trabalhar nesse reflexo de vômito.

— Você não pode simplesmente enfiar a garganta em alguém sem aviso.


— Eu protestei. — Ou… Garganta Profunda reverso. Qualquer que seja.

— Você trouxe lubrificante? — Ele perguntou, ignorando meu


comentário.

Eu balancei a cabeça, ainda confuso quando enfiei a mão no bolso e tirei


a pequena garrafa. Eu também sabia que não deveria arriscar um encontro
com ele sem estar totalmente preparada, porque eu tinha certeza de que ele
pularia na primeira oportunidade para me matar.

— Bom menino. — Disse ele, pegando a garrafa de mim. Ele agarrou


meus quadris e me virou em direção à mesa, me dobrando sobre ela tão
rapidamente que eu mal tive tempo de processar o que ele estava fazendo
antes que ele puxasse minhas calças para baixo, e eu o ouvi esguichar um
pouco da geleia transparente antes de sentir seus dedos empurrando contra
meu ânus. Apertei-me em resposta, mas ele foi mais gentil do que antes,

274
aliviando-os após o primeiro nó. Eu o senti de pé atrás de mim, chutando a
cadeira para trás enquanto me preparava.

Eu deveria estar agradecido. Mesmo que ele estivesse indo devagar,


ainda doía o suficiente, e eu sabia o quão pior seria quando ele colocasse seu
pau dentro. Minha mandíbula ainda estava dolorida e eu nem tinha colocado
metade na minha boca.. Mesmo assim, meus impulsos autodestrutivos
estavam tomando conta de mim novamente e eu me vi desejando mais.

No momento em que ele conseguiu trabalhar um terceiro dedo em mim,


meus quadris estavam resistindo e meu próprio pau estava chorando,
desesperado por liberação.

— Pronto. — Ele ronronou, finalmente puxando os dedos para fora.

Eu me preparei para a invasão iminente que eu sabia que estava vindo


quando ele derramou um pouco mais de lubrificante e eu senti sua coroa
recém escorregadia deslizar entre minhas nadegas.

Ele entrou em mim lentamente desta vez, mas eu ainda dei um grito
estrangulado e agarrei a outra borda da mesa quando ele me abriu. Suas mãos
se estabeleceram em meus quadris, a direita ainda escorregadia com
lubrificante quando ele começou a guiar seu pau mais fundo em mim, e por
mais que eu quisesse, meu corpo naturalmente resistiu.

— Tão apertado pra caralho. — Ele rangeu, sua voz tensa como se fosse
ele quem estava pegando a ponta dura do pau.

Mais como um maldito tronco de árvore.

275
E aqui estava eu, amargurado por ele estar sendo ―gentil.‖ Eu não ousei
dizer uma palavra, e quando ele passou os dedos pelo meu cabelo e inclinou
seu corpo sobre o meu, beijando o lado do meu pescoço, eu derreti.

— Como é isso, Gatinho?

Minha respiração vacilou em meus lábios.

— Eu... Bom?

Minhas palavras saíram meio esganiçadas, mas eu não acho que ele iria
pensar nada sobre isso, considerando o que estávamos fazendo. Quando ele
congelou completamente, eu não tinha certeza.

— Algo está errado.

Engoli.

— N... Não. Nada.

Nunca pensei que fosse possível ouvir um clarão, mas tudo que Mal
fazia era uma experiência multissensorial, desde seus olhares ardentes até o
gosto agridoce da dor que ele infligia.

Ele agarrou meu cabelo com força de repente e puxou minha cabeça
para trás, inclinando-se para que eu pudesse sentir seus lábios roçando minha
garganta.

— O que eu te disse sobre mentir para mim?

Eu me engasguei em alarme quando a mudança abrupta de ângulo


dirigiu seu pênis em minha próstata.

— Desculpe, papai.

276
— Você está muito certo. — Ele murmurou. — Agora me diga o que está
errado.

Eu apertei meus lábios, meu pulso martelando no meu peito e o dele


igualmente profundo dentro de mim.

— É só... Está diferente. Isso é tudo.

Malcolm parou por alguns segundos torturantes antes de sair e me virar


para encará-lo, um olhar duro e perigoso em seu rosto que fez ainda mais com
meu pau do que ele tinha acabado de fazer.

— O que está diferente? — Ele demandou.

Tentei engolir o nó na minha garganta, mas não cedeu.

— O jeito que você me fode.

Minha voz soou pequena e tímida, o que foi preciso o suficiente.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— E como é isso?

Bem, ele já estava chateado e eu já estava mortificada. Mentir só poderia


piorar.

— Você está gentil. — Eu finalmente respondi.

Sua expressão não mudou, e ele não disse nada. Nem porra nenhuma, e
ele ficou em silêncio por tempo suficiente para que eu senti que poderia
entrar em combustão espontânea com a tensão na sala. Eu nem me importei
com o que ele fez ou disse, contanto que ele fizesse alguma coisa, e quando ele
finalmente falou, sua voz era menos cortante do que eu esperava.

277
— E isso é um problema.

Engoli novamente, mas minha boca tinha esquecido como produzir


saliva, aparentemente.

— Quero dizer, eu acho que eu imaginei que você estava... Eu não sei,
entediado ou algo assim.

— Entediado? — Ele ecoou.

Porra, eu realmente queria que ele fosse mais fácil de ler. Meus livros de
latim não tinham nada em sua cara de pôquer.

— Sim. — Eu disse com um encolher de ombros, meus braços cruzados


sobre mim, como se isso fosse de alguma forma colocar qualquer tipo de
barreira suficiente entre nós.

Seus olhos escureceram com algo como compreensão e ele estendeu a


mão, inclinando meu queixo para cima para que eu tivesse que encontrar seus
olhos.

— Deixe-me esclarecer uma coisa. Eu faço o que e quem eu quero,


quando eu quero. Sem exceções. E eu não jogo. Se eu estivesse entediado,
você saberia. Quanto a eu ser 'gentil', depois da conversa que tivemos no
outro dia, imaginei que era isso que você gostaria.

Levei um segundo para perceber do que ele estava falando e, quando me


dei conta, me senti uma idiota.

— Meu professor?

— O quê mais? — Ele perguntou rispidamente. — Você já está uma


bagunça, eu não queria te traumatizar ainda mais.

278
Levou mais alguns segundos para eu processar essa revelação, ao
mesmo tempo insultante e tocante, e todas as implicações que fluíram dela.
Ou seja, o fato de que ele estava tomando cuidado para evitar me traumatizar
novamente ou algo assim.

— Isso é meio doce. Mas acho que gosto de ficar traumatizado. Quando
é você.

Ele revirou os olhos.

— Claramente, foi mal orientado. E se eu estive segurando todo esse


tempo sem motivo, vou recuperar o tempo perdido.

Eu senti meus olhos se arregalarem enquanto eu olhava para ele, e


quando aquele familiar olhar sinistro apareceu em seu rosto, eu me perguntei
no que diabos eu tinha acabado de me meter.

— Oh.

Eu mal tinha tirado aquela pequena palavra da minha boca antes que
ele me agarrou pela garganta e me prendeu contra a mesa tão rapidamente
que eu não pude nem registrar que eu bati minha cabeça nela até que ele
estava em cima. eu, surgindo.

— Isso excitou você antes, não foi? —Ele perguntou, sua voz um
estrondo malévolo. — Eu sufocando você. Você certamente ficou duro o
suficiente.

— Tenho certeza de que é uma resposta física natural para ser


estrangulado. — Eu murmurei, instintivamente agarrando seus pulsos,
mesmo sabendo que tentar arrancá-los era uma causa perdida. E um inútil,
considerando que ele estava certo, aliás. Isso me excitou. E eu já estava duro

279
pra caralho de novo, o que ele sabia perfeitamente bem, considerando o fato
de que ele já estava entre minhas pernas, empurrando-as abertas.

Sua mão apertou minha garganta, e eu me engasguei voluntariamente,


tentando forçar o ar em meus pulmões enquanto ainda tinha a chance. Eu me
contorci, mas ele estava se inclinando o suficiente para prender minha parte
inferior do corpo também, e de alguma forma, acabei com meu pé esquerdo
na beirada da mesa, tornando ainda mais fácil para ele posicionar seu pau na
minha bunda.. Apenas o ângulo certo, apenas a configuração certa, mas
quando era ele, eu sabia melhor do que pensar que algo aconteceu por
acidente.

— Você é fofo quando luta, Gatinho. — Ele comentou, seus olhos


escurecendo com a aprovação que se tornou minha droga. Meu maldito erva
de gato, para colocar em termos apropriados para este nosso pequeno sexo
totalmente fodido. E eu andando de quatro miando como um maldito gato
não estava nem perto da parte mais fodida. — Quando você está sem fôlego.

Instintivamente, eu me engasguei em resposta e achei mais difícil desta


vez respirar até o mais leve. Apenas o suficiente para dar ao meu cérebro a
quantidade mínima de oxigênio que eu precisava para pedir uma onda de
adrenalina quando percebi a quão precária era essa situação. Não que um
monte de sangue estivesse chegando ao meu cérebro de qualquer maneira
quando tudo parecia ter corrido para o meu pau.

Eu choraminguei quando a fivela do meu colar se cravou no meu pomo


de adão com a força de seu aperto, mas tornou-se um grito estrangulado de
dor quando ele empurrou seu pau em mim. Ao contrário de antes, ele fez tudo

280
em um movimento rápido, e ele não se preocupou em reaplicar o lubrificante
depois que ele puxou, então eu fui deixado para me contentar com os restos.

Eu senti a nitidez reveladora onde deveria haver apenas uma dor surda
e sabia que ele tinha me dilacerado. Ele nem tinha começado a empurrar
ainda, mas quando o fez, senti algo quente e pegajoso escorrer pela minha
coxa, e havia muito disso para ser apenas lubrificante. O sangue era
claramente um afrodisíaco para ele a par da dor e da asfixia, e o fato de que
todos os três estavam na mistura parecia levá-lo ao limite. Eu não conseguia
nem gritar direito, e quando tive certeza de que ia desmaiar, ele afrouxou o
aperto apenas o suficiente para que o preto começando a se formar nos cantos
da minha visão diminuísse.

Com o quase apagão veio uma espécie de euforia como eu nunca tinha
conhecido antes. A julgar pelo olhar no rosto de Malcolm enquanto ele olhava
para mim como um deus raivoso reivindicando seu sacrifício humano, ele
estava sentindo sua própria versão.

— Eu amo o jeito que você sangra por mim. — Ele ronronou.

Aceito as coisas que os serial killers dizem por cem.

E o fato de que aquelas palavras acariciaram meu pau como a carícia de


um amante era apenas a prova de que eu era tão pervertido quanto ele. Tudo
o que eu sempre pensei que sabia sobre mim mesmo foi deixado um destroço
mutilado e disforme no momento em que a colisão frontal que era nosso
relacionamento aconteceu.

Inferno, eu nem tinha certeza do que era. Nós certamente não éramos
namorados ou amigos, mesmo. Mas em algum momento, ele deixou de ser

281
apenas meu pau de um cunhado que eu via apenas em uma estranha reunião
de família, geralmente onde ele estava me julgando por empilhar cinco
pãezinhos no meu prato, ou eu estava rindo de qualquer piada de mau gosto
que Chuck ou Johnny tinham acabado de contar.

Eu tinha certeza de que não havia nem uma palavra para onde tínhamos
acabado. Em algum lugar entre a síndrome de Estocolmo e inimigos com
benefícios com certeza.

Não importava qual fosse a definição oficial, no entanto. Tudo o que


importava era o fato de que neste exato momento, me sufocando sem fôlego e
me fodendo sem sentido, ele era meu.

Meu mestre.

Meu papai.

Meu pior pesadelo e meu sonho mais sujo, tudo embrulhado em uma
pessoa.

Eu não sabia o que eu era para ele, mas eu seria. Seu menino, seu
gatinho, seu brinquedo de merda. Eu seria o que ele me pedisse enquanto me
quisesse, porque mais do que tudo, eu era louco o suficiente para desejá-lo.
Louco o suficiente para precisar dele. Louco o suficiente para deixá-lo me
possuir, me destruir, me quebrar, porque quando eu era dele, era o mais
próximo que meu mundo já esteve da sanidade.

E essa foi a parte mais fodida de todas.

Em algum momento, ele soltou seu aperto na minha garganta, e eu só


percebi por que ele se abaixou para me beijar e o pouco que restava da minha
compostura se quebrou em mil pedaços. Apesar de tudo o que tínhamos feito,

282
me ocorreu que eu não achava que ele realmente tinha me beijado antes.
Assim não. Ele lambeu e chupou e beliscou e mordeu e devastou cada parte de
mim com quase cada parte dele, mas seus lábios já esmagaram os meus
assim, forte o suficiente para machucar? Ele fodeu minha bunda com sua
língua, mas de alguma forma, aquela língua batendo contra meu lábio inferior
para entrar parecia ainda mais íntima. E a justaposição daquela coisa tenra no
ritmo implacável de sua estocada desenrolou algo em mim como uma maldita
mola e eu apenas...

Quebrado.

Eu o beijei de volta, e agora que eu não estava instintivamente tentando


tirar suas mãos da minha garganta, minhas mãos encontraram seu cabelo e
meus dedos vasculharam avidamente, mas meu corpo estava agindo por
conta própria. Eu não conseguia formular um único pensamento racional,
muito menos um comando, mas decidi que não importava. Quando você
estava no caminho de um furacão, você não lutou contra ele, você se escondeu
onde quer que pudesse encontrá-lo, mas eu não podia nem fazer isso. Não, eu
apenas me entreguei à tempestade inteiramente, e o deixei cair sobre mim de
novo e de novo até que eu perdi a noção de onde meu corpo terminava e o
dele começava.

Quando ele finalmente quebrou o beijo, fiquei ofegante novamente, mas


desta vez, não por ar. Por ele. Pela aquela coisa estranha, dolorida e terna que
eu segurei por um tempo tão curto, mas foi tempo suficiente. Tempo
suficiente para um vício se formar. Tempo suficiente para desencadear uma
obsessão.

283
Ele me deu um olhar conhecedor enquanto enfiava uma mão no meu
cabelo e envolvia a outra mão em volta da minha garganta mais uma vez.

— Toque-se. — Ele ordenou, deixando apenas espaço suficiente entre


nossos corpos para eu executar seu comando, e eu fiz sem pensar, porque ele
era perfeitamente capaz de contornar meu cérebro e controlar meu corpo
através de alguma forma de telepatia sexual distorcida. — Eu quero que você
se toque enquanto eu te sufoco, e de manhã, eu quero que minhas mãos
deixem uma contusão que envolve sua garganta, então mesmo se você tirar
esse colar, todos saberão que você é meu.

De vez em quando, tão profundamente nessa coisa quanto eu estava, ele


dizia algo que me fazia parar e pensar:

— O que diabos seria a reação de uma pessoa normal, racional, não


completamente fodida na cabeça a isso? — E para a vida de mim, eu não
poderia dizer. Mas com certeza não foi a minha reação, que foi me acariciar
mais rápido, mesmo quando seu aperto aumentou e minha cabeça começou a
nadar novamente, porque eu nunca tinha estado mais excitado na porra da
minha vida.

A respiração de Malcolm ficou tão pesada quanto suas estocadas, e


enquanto eu olhava para ele, as luzes da cozinha esticadas e embaçadas atrás
dele como uma espécie de halo irônico, eu me peguei pensando que estaria
tudo bem se fosse assim que terminasse. Eu não queria mais morrer, e eu
realmente não tinha certeza de quando isso tinha acontecido, mas o
pensamento de terminar assim ainda era muito mais palatável do que o
pensamento desse final. E através da névoa de sexo e luxúria, eu sabia que

284
acabaria. Tinha que. Nada de bom poderia durar. Mesmo que fosse o pecado
mais decadente e delicioso que eu já provei na minha língua.

Naquele momento, me acariciando furiosamente para acelerar minha


consciência cada vez menor e seus impulsos cada vez mais rápidos, tive uma
espécie de epifania. Eu tinha ouvido em algum lugar que o eufemismo francês
para orgasmo era ―la petite mort” apequena morte. E na época, eu meio que
dei de ombros e percebi que era uma daquelas coisas francesas que eu nunca
entenderia, como escargot, mas agora entendi.

Como eu gozei mais forte do que nunca, e o prazer e a dor se fundiram


em uma espécie de euforia tão intensa que parecia que nada mais poderia ser
deixado em seu rastro, eu tinha certeza de que morri. Eu simplesmente deixei
de ser o que eu era antes e, em algum momento, devo ter realmente
desmaiado, mesmo que fosse apenas por uma fração de segundo. Mal estava
me beijando de novo, sua língua enterrada na minha boca, e eu o estava
beijando de volta, como se outra pessoa estivesse pilotando meu corpo
enquanto eu flutuava em algum lugar além dele.

Ele rosnou contra meus lábios quando seu gozo me encheu, e eu dei um
grito de dor porque fodidamente queimou, mas ele engoliu o som tão
avidamente quanto sua língua estava explorando a minha. Mesmo quando
seus impulsos diminuíram e meus gemidos se tornaram ronrons lamentosos,
o êxtase zumbiu dentro de mim como o canto de uma sereia. A euforia
permaneceu, e eu encontrei nela o tipo de fuga que nenhuma droga ou farra
de bêbados jamais chegara perto de fornecer. Eu morri em seus braços e
renasci neles também. Enquanto ele me segurava, acariciando meu cabelo até
as marcas que deviam estar se formando na minha garganta, a mistura

285
perfeita de ternura e dor parecia prolongar tudo indefinidamente. Eu me
peguei pensando que se eu pudesse ficar assim para sempre, abraçada por ele,
talvez nunca tivesse que acabar depois de tudo.

Mas isso era uma fantasia. E não importa quão sombrio e distorcido seja
o conto de fadas, todas as fantasias têm que acabar eventualmente.

Ele puxou para fora, e eu senti um novo fio de sangue escorrer pela
minha coxa enquanto eu rolei para o meu lado, percebendo em algum
momento, nós derrubamos todas as suas merdas da mesa, incluindo seu
laptop.

— Espero que você tenha uma garantia sobre isso. — Eu murmurei.

Malcolm deu uma risada áspera, passando a mão pelo cabelo


encharcado de suor.

— Provavelmente estáem melhores condições do que você agora.

Eu só pude oferecer um gemido de concordância apática, meus olhos se


fechando, já que as luzes acima estavam dançando muito forte para serem
toleráveis sem que ele as bloqueasse pelo menos parcialmente. À medida que
o orgasmo desaparecia, os efeitos analgésicos junto com ele, a dor permanecia
e eu doía e latejava em lugares que nem sabia que existiam.

— Vamos. — Malcolm disse, me pegando em seus braços antes que eu


tivesse a chance de sequer pensar em resistir. Ele me levantou tão facilmente
como se eu fosse uma criança, me embalando contra seu peito forte enquanto
me carregava para o banheiro do andar de baixo. — Vamos te limpar.

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— Não... — Eu gemi em protesto sem entusiasmo, porque eu não
conseguia nem mesmo reunir o constrangimento adequado que deveria estar
começando agora.

Ele me ignorou, é claro, e me colocou na banheira. Eu estremeci mesmo


que ele me colocou do meu lado, e percebi que não havia nenhuma maneira
de eu realmente ser capaz de andar sozinho. Ele ligou a água e ajustou o
chuveiro removível na parede para que o fluxo fosse suave. Eu assobiei
enquanto até mesmo as gotas frias caindo em cascata sobre minha pele eram
dolorosas, mas o calor logo era muito calmante para me importar.

Malcolm realmente subiu na banheira comigo desta vez e afundou


contra a parte de trás da banheira, me ajustando para que eu ainda estivesse
enrolada de lado contra seu peito. Soltei um profundo suspiro de alívio
quando a água lavou o sangue, gozo e vestígios insuficientes de lubrificante
pelo ralo, e deixei minha cabeça cair contra seu peito, embalada em um transe
silencioso pelo som constante de seu batimento cardíaco e a corrida de a água.

— Você se arrepende de me pedir para não ser gentil? — Malcolm


finalmente perguntou em um tom de conhecimento.

Eu considerei isso por um momento, me aconchegando nele, embora


essa fosse provavelmente a coisa mais gay que eu tinha feito até agora.

— Não. — Eu admiti, suspirando profundamente. — Mas isso é legal.

Eu poderia me acostumar com os dois lados dele. Se eu estivesse sendo


honesto comigo mesmo, eu já tinha.

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Capítulo 20

MALCOLM

Fazia mais de um mês desde que eu fodi Valentine na cozinha pela


primeira vez, e houve muitas vezes desde então. Na cozinha. A sala de estar.
No banho. Nas escadas uma vez, que tinha sido um desafio interessante de
destreza. Até o quarto de vez em quando, quando eu conseguia ter paciência
para chegar tão longe sem devastá-lo.

No começo, eu tinha certeza de que um pouco de força era tudo o que


seria necessário para quebrá-lo. Eu queria, mas em algum momento, fiquei
com medo disso. Fiquei agradavelmente surpreso com o quanto ele poderia
aguentar. Ele era tão frágil e instável de muitas maneiras, e ainda, em outras,
ele era muito mais forte do que eu jamais imaginei.

O mais preocupante de tudo, ele realmente parecia ansiar pela


brutalidade que vinha tão facilmente para mim, mas nunca mais do que
quando eu o tinha em minhas mãos. Ele me chamou por tantos nomes, ambos
gritaram em êxtase e xingaram baixinho, mas ele ainda não me chamou pelo
único nome que acabaria com tudo. Eu me peguei esperando que ele nunca o
fizesse, empurrando um pouco mais a cada vez.

O problema era que todos tinham um limite eventualmente. E eu ainda


não tinha decidido o que faria quando finalmente encontrasse o dele.

Eu não o pegaria à força, mas, tímido, qualquer coisa era um jogo justo.

Mesmo que ele não desistisse durante o nosso tempo aqui, depois que
eu o submeti à miríade de depravações que eu ainda tinha planos de exorcizar
de minhas fantasias, não poderíamos ficar aqui para sempre.

288
Eu não tinha certeza do que fazer com o fato de que parte de mim
queria.

Naquela manhã, enquanto Valentine ainda estava dormindo e eu sabia


que ele estaria por mais algumas horas pelo menos, eu decidi ligar e checar
com Elijah. Fazia alguns dias desde que ele tinha dado qualquer atualização, e
como qualquer outro ativo, ele teve que ser de mão e babá durante a coisa
toda.

Ele foi ousado em deixar o telefone tocar algumas vezes antes de


atender, mas pelo menos teve o bom senso de não deixar cair na caixa postal.
Eu não gostava de ser ignorado.

— Malcolm. — Ele disse, soando sem fôlego, embora considerando que


ele era um professor medroso, isso poderia facilmente ter sido o resultado de
ele subir um lance de escadas ao invés de algo agitado. Era difícil ficar
apropriadamente irritado com um cara que parecia um ursinho de pelúcia
vivo, mas se ele continuasse brincando, eu conseguiria. — Como posso ajudá-
lo?

— Eu acho que você já sabe a resposta para isso, Professor. — Eu disse,


mantendo minha voz baixa apenas no caso de Valentine ter um sono mais
leve do que ele deixou transparecer.

Ele engoliu audivelmente.

— Sim, eu... Bem, há algo. Eu ia ligar para você em breve, na verdade.


Eu só não tinha certeza se era um bom momento.

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— Acho que deixei bem claro que nunca há um momento ruim para
esse tipo de coisa. — Eu disse, lutando para manter meu tom de voz. Havia
apenas até onde ele poderia ser ameaçado sem se tornar inútil.

— Claro. — Disse ele, parecendo muito à beira de desmaiar. — Bem,


aqui vai. Consegui decifrar o chip.

Eu fiz uma careta.

— Então por que diabos você esperou até agora para me dizer isso?

O silêncio do outro lado me disse que eu não ia gostar da resposta.

— Elia...

— Não é nada. — Ele deixou escapar. — Eu decifrei, mas não há nada.

— O que você quer dizer, não há nada? — Eu assobiei. — Isso não é


possível.

— Confie em mim, eu tenho trabalhado nos últimos dois dias sem


parar, tentando encontrar qualquer firewall oculto, qualquer sinal de um fio
de tropeço que eu possa ter ativado que limparia o chip como uma proteção
contra falhas, mas não há nada. Nada além de...

— Nada além do quê? — Eu exigi.

Ele parou novamente por tempo suficiente para que eu estivesse prestes
a falar com ele antes de acrescentar:

— Havia uma mensagem. Apenas uma única linha de texto. Estava em


código, mas era fácil de decifrar. Ele claramente queria que você visse isto.

— E qual é a mensagem? — Eu perguntei friamente.

290
— Você realmente achou que seria tão fácil assim? Não se preocupe,
nós nos veremos novamente em breve.

Fiquei em silêncio, considerando a mensagem e medindo minha própria


resposta.

— Malcom? — Ele perguntou depois de um momento.

— Estou aqui. — Eu disse rispidamente.

— O que devo fazer? — Ele perguntou. — Você quer que eu tente...

— Não. — Eu respondi. — Destrua-o. Você sabe como, eu presumo.

— Claro, mas...

Desliguei antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa porque eu já
podia sentir a raiva fervendo. Virei a mesa, deixando escapar um rosnado
mais adequado para um animal do que para um homem. Era raro que eu me
deixasse sair do controle embora menos ultimamente, mas se alguém era
capaz de me empurrar para isso, era Demônio.

Olhei para cima da minha fúria para encontrar a única outra pessoa que
possuía esse conjunto de habilidades raras e únicas de pé na porta da cozinha,
olhando para mim com o primeiro tom apropriado de medo que esteve em
seus olhos por semanas.

— Malcom? — Valentim perguntou cautelosamente.

— Do que você me chamou? — Eu perguntei. Eu precisava de uma


válvula de escape para minha raiva, e isso era uma desculpa suficiente para
fazê-lo. Antes que ele pudesse responder, eu fechei a distância entre nós em
alguns passos longos e o prendi contra a parede pela garganta.

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Os olhos de Valentine se arregalaram com medo genuíno, e eu perdi o
sabor na ponta da minha língua, mas meu corpo estava pressionado perto o
suficiente para que eu pudesse sentir sua ereção. Exatamente onde eu gostava
de mantê-lo, em algum lugar entre excitação e terror.

— P...Papai. — Ele se engasgou, embora eu não estivesse aplicando


pressão suficiente para afetar sua respiração.

Ainda.

— Certo. — Eu disse entre dentes, antes de capturar seus lábios em um


beijo violento e prender seus pulsos nas paredes.

Ele engasgou quando eu voltei minha atenção para seu pescoço logo
acima de seu colarinho, beliscando e chupando forte alternadamente com o
objetivo de deixar minha marca nele o mais claramente possível.

— O que aconteceu? — Ele perguntou, já sem fôlego quando eu rasguei


sua camisa aberta, tateando cada centímetro dele que eu podia colocar
minhas mãos.

Ignorei sua pergunta e murmurei.

— Fique. — Contra sua garganta antes de desaparecer o tempo


suficiente para pegar o lubrificante que estava na gaveta da mesa lateral na
sala de estar. Quando voltei, ele estava exatamente onde eu o havia deixado,
suas costas pressionadas contra a parede enquanto ele olhava para mim com
os olhos arregalados de curiosidade.

Ele deu uma olhada na garrafa na minha mão e engoliu em seco. Eu


sorri, colocando-o de lado para puxar as calças do pijama e forçá-lo a sair
delas. Apliquei um pouco de lubrificante em meus dedos e empurrei dois

292
deles nele sem aviso, agarrando seu cabelo com a outra mão e engolindo seu
grito assustado com outro beijo.

Ele tinha gosto de medo e desejo, e eu não conseguia o suficiente. Eu


empurrei meus dedos mais fundo, cortando-os dentro dele para soltá-lo o
suficiente para que eu pudesse entrar sem rasgá-lo. Essa era a ideia, de
qualquer forma. Dado o quão nervoso eu estava, eu não tinha certeza se esse
era um plano que eu seria capaz de seguir, mas ele não reclamou quando eu
puxei meus dedos de repente, mesmo que eu normalmente lhe desse um
pouco de atenção. mais preparação.

As mãos de Valentine se estabeleceram em meus ombros, seus olhos


pesados e seus lábios entreabertos com sua respiração já superficial. Puxei
sua coxa para cima do meu quadril, e ele gemeu um pouco em antecipação, o
que teve exatamente o efeito oposto de qualquer resposta equivocada da
presa. Quando eu o empurrei até a metade, sua bunda apertada se apertou no
meu pau, e eu o penetrei com mais força até que eu estava profundamente,
prendendo-o na parede como uma maldita borboleta em um quadro de
cortiça, delicado e arruinado.

Outro grito estrangulado rasgou de sua bela boca e sua cabeça caiu para
trás, expondo sua garganta. Estava apenas implorando para ser reivindicado
com meus dentes, e eu não estava com vontade de negar a mim mesmo
nenhum dos impulsos carnais que esse garoto despertava dentro de mim tão
facilmente.

— Foda-se. — Ele rangeu quando um gosto metálico atingiu minha


língua e percebi que o mordi um pouco mais forte do que pretendia. Eu não
consegui me desculpar, além de correr minha língua pelo pequeno furo para

293
coletar a gota de sangue que já estava escorrendo em direção ao colarinho.
Não poderia desperdiçar.

— Ainda tão apertado para o papai. — Eu rosnei ao lado de sua orelha


antes de tomar seu lóbulo entre os dentes. Deixei ir antes de começar a
empurrar nele, já que não confiava em mim mesma para não morder.

Valentine envolveu seus braços ao redor do meu pescoço, enterrando


seu rosto em meu ombro, mas não antes de eu ter um vislumbre de sua careta
de dor. Eu estava sendo mais rude do que o normal, e nós dois sabíamos
disso, mas ele não usou sua palavra de segurança. Parte de mim se perguntou
se ele havia esquecido essa parte do nosso pequeno acordo, e eu não era boa o
suficiente para arriscar lembrá-lo. Ele também não disse não, ou me pediu
para parar, e imaginei que ele teria feito pelo menos se fosse demais.

Seu pau estava duro contra o meu estômago enquanto eu empurrava


nele, porém, nossos corpos pressionados tão perto que ele estava vazando
antes da fricção de cada movimento. Seus dedos agarraram e soltaram meu
cabelo com o mesmo movimento rítmico de seus quadris, embora ele só
estivesse piorando para si mesmo. Parecia ser instinto mais do que qualquer
coisa. Então, novamente, eu fiquei agradavelmente surpreso com o quanto ele
poderia aguentar. Quanta dor ele ansiava.

Eu sabia que as profundezas das minhas tendências sádicas certamente


eram mais profundas do que as suas masoquistas, mas ele era o mais próximo
que eu já havia chegado de encontrar um igual. O mais próximo que eu jamais
chegaria. Eu sabia disso, mesmo agora que me perdia em seu corpo, no néctar
agridoce de seu sangue em minha língua.

294
A verdade era que, se houvesse um par melhor por aí em algum lugar
entre os sete bilhões de filhos da puta desperdiçando ar nesta terra, eu não
estava interessado em encontrá-lo. Eu o queria. Agora. Amanhã. Para todo
sempre. Eu o queria com tanta intensidade que abafou a raiva de antes.
Parecia cinco minutos atrás e cinco anos atrás, tudo de uma vez. O tempo era
um conceito que perdeu todo o significado quando eu o tive em meus braços,
mas isso não impediu o relógio de tiquetaquear. Contando o cronômetro que
estava nessa coisa desde o início.

Marcação.

Toc.

Ele engasgou quando eu o empurrei contra a parede mais forte do que


antes, como se eu já não estivesse enterrado profundamente em sua bunda
perfeita. Só para ouvi-lo gritar. Eu não tinha certeza de qual nome ele chamou
quando ouvi o som da porta da frente se fechando, mas quando olhei para
cima, percebi que não estávamos sozinhos.

Antes que eu pudesse pegar minha arma, processei o fato de que era
Silas, mas isso estava longe de ser um alívio de mil outras maneiras.

— Que porra é essa? — Eu fervi.

— Silas? — Valentine resmungou ao mesmo tempo, sua voz ainda


estrangulada e sem fôlego. Considerando a aparência dele, e o fato de que eu
provavelmente parecia estar no meio do caminho para me transformar em
algum tipo de demônio, eu não ficaria surpresa se ele tivesse a ideia errada.

Ou o certo.

295
De sua parte, Silas estava parado ali, parecendo que alguém tinha
acabado de limpar sua mente. Ou desejando que o fizessem. Eu podia contar
em uma mão o número de vezes que eu já tinha visto meu irmão congelado
em choque, e essa era uma delas.

Eu puxei para fora e Valentine deu um ganido de dor, mas eu mantive


minhas mãos em seus braços para mantê-lo firme já que ele não parecia capaz
de ficar de pé ainda.

— Você está bem? — Eu perguntei, minha voz mais rouca do que eu


queria que fosse.

Ele apenas balançou a cabeça trêmulo, então eu fechei o zíper antes de


pegar suas roupas e entregá-las a ele.

— Suba e se limpe. — Eu murmurei.

Valentine agarrou suas roupas à sua frente e parecia que ele estava
tentando descobrir uma maneira de chegar às escadas sem descobrir sua
bunda, mas ele rapidamente desistiu e simplesmente subiu por elas com um
manco óbvio o suficiente que Silas tinha certeza de perceber. isto.

Excelente.

— Você já ouviu falar em bater na porra? — Eu rosnei, virando-me para


encará-lo uma vez que estávamos sozinhos.

— Você não estava atendendo seu telefone. — Disse Silas, segurando o


dele incisivamente. — Embora agora eu certamente entenda por que você não
ouviu a porta. E eu pensei que o menino era barulhento em circunstâncias
normais.

296
Eu zombei de uma risada, caminhando para encostar na parede, minha
adrenalina ainda correndo do orgasmo interrompido.

— Você poderia ter ligado antes de entrar na porra do avião.

— Qual seria o ponto de verificar você, então?

Senti uma onda de raiva que ele estava apenas saindo e admitindo isso.
Não que eu pudesse realmente dizer que o culpava, considerando o que ele
descobriu.

— O que foi isso, Malcolm? — Ele pressionou.

— Antes de você aparecer, foi uma boa manhã.

— Ah, você tem piadas. — Disse ele com um sorriso de escárnio amargo.
— Isso é bom. Estou feliz que um de nós acha isso engraçado. Irmão do Enzo?
Sério? Você está fora de sua mente, porra?

— O que você achou que ia acontecer quando você deixou o leão


cuidando do cordeiro? — Eu desafiei.

A raiva que eu não via há anos brilhou nos olhos de Silas e, por um
momento, me peguei me perguntando se ele ia me atacar. Fazia muito tempo
desde que nós realmente brigamos, mas eu tinha um súbito excesso de
adrenalina para queimar, então se ele quisesse dar o primeiro soco, que assim
fosse.

Em vez disso, a chama em seus olhos prateados ficou fria e dura. Aquele
olhar, eu conhecia bem.

— Por favor, me diga que isso foi um lapso único de julgamento, e


acontece que eu tenho o pior momento do mundo.

297
— Claro. — Eu disse com um encolher de ombros. — Se isso faz você se
sentir melhor.

Seus olhos se estreitaram.

— Bem, termina esta noite.

— Você não pode tomar essa decisão. — Eu disse com uma risada seca.
— Ele é um adulto.

— Ele é uma criança do mesmo jeito. — Ele retrucou. — O fato de ele


não ter o bom senso de ficar longe de você é prova suficiente disso.

Dei um passo à frente.

— Diga-me, Silas, você está chateado por causa de Enzo ou por você?
Porque isso com certeza parece pessoal.

— Ambos. — Ele respondeu, sem morder a isca. — Ele é


responsabilidade de Enzo, o que o torna meu por procuração, e se há uma
coisa que você e eu temos em comum é como nos sentimos sobre outras
pessoas tocando nossas coisas. O que é mais uma razão pela qual você deveria
saber melhor.

Agora era eu quem estava prestes a dar o primeiro soco. Parecia que
Valentine era capaz de acender esse meu lado mesmo quando ele não estava
diretamente envolvido.

— Você age como se eu fosse uma ameaça maior para ele do que
Demônio.

— Você é. — Ele disse sem hesitação. — Demônio é uma ameaça física,


não existencial. Você é os dois.

298
Revirei os olhos.

— Você está sendo dramático.

— Eu sou?

— Por que você não deixa que ele seja o único a decidir isso? — Eu
perguntei, embora houvesse uma parte de mim que não tinha certeza de qual
seria sua resposta.

Silas não disse nada por um longo tempo, apenas parado ali me
observando com aquele olhar que nem eu conseguia ler.

— Oh, Deus. — Ele murmurou. — Não é apenas sobre sexo, é?

— O que? — Eu exigi, já no limite.

— Foi ruim o suficiente quando eu pensei que você estava apenas


fodendo para o inferno. — Ele respondeu. — Porque ele é a única coisa que
você não pode ter. Mas não é isso, é? Você realmente acha que se importa com
ele.

Por alguma razão, isso de todas as coisas foi o que me ofendi.

— E se eu fizer? — Eu perguntei com um encolher de ombros,


recusando-me a deixá-lo saber que ele tinha chegado a mim. — Você tem
permissão para ter um animal de estimação, mas eu não?

— Não. — Ele respondeu imediatamente. — Ele não. Sexo é uma coisa,


mas você não pode tê-lo. Você sabe disso.

Eu apertei minha mandíbula, furiosa, embora ele não estivesse fazendo


nada além de expressar as mesmas discussões que eu vinha tendo comigo o
tempo todo.

299
— E por que diabos não? Eu não posso ser pior para ele do que você é
para Enzo.

Outra risada escapou dele, está afiada quando ele passou a mão pelo
cabelo em descrença.

— Deus, eu acho que a altitude está fodendo com sua cabeça. Claro que
você é! Eu vivo minha vida nas sombras e sempre vivi. Mantenho as pessoas
que amo o mais longe possível do meu trabalho. Eu compartimentalizo, mas
você... Você é seu trabalho. Você vive para o prestígio e a infâmia e tudo o que
vem com isso.

— Você não sabe merda nenhuma. — Eu murmurei.

— Não? — Ele perguntou. — Você ganhou dinheiro suficiente para se


aposentar uma década atrás, se quisesse, e eu sei que não é porque você se
importa com 'justiça'.

— Você está andando em uma linha tênue, Silas. — Eu o avisei.

— E você cruzou isso. — Ele atirou de volta. — Eu nunca me importei


com seus joguinhos de poder e não vou começar agora, mas este não é um
deles. Ele não.

— Eu sei disso. — Eu rebati. — Você não acha que eu sei disso, porra?
Nós não nos falamos por cinco anos. Você acha que eu arriscaria perder você
de novo por um jogo?

Silas parecia não saber o que fazer com isso.

— Não. — Ele finalmente disse, sua voz mais calma. — Eu não. E é isso
que me assusta.

300
— Você é o único que me pediu para observá-lo. — Eu o lembrei. —
Você confiou em mim com a vida dele, mas se importar com ele e querê-lo
isso é muito longe?

— Querê-lo como o quê, Malcolm? — Ele perguntou. — Um brinquedo?


Um namorado? Um segredinho sujo?

— Não. — Eu disse por entre os dentes. Foi só ouvindo cada um desses


rótulos em voz alta que percebi o quão inadequados eles eram. Como eles
falharam em descrever o que eu sentia por Valentine. — Ele é mais do que
isso. Ele é... Ele significa mais do que isso, ok?

Silas franziu a testa, algo como pena entrando em seu olhar, o que me
irritou mais do que tudo.

— Então essa é mais uma razão para você deixá-lo ir. — Disse ele com
firmeza. — A menos que você queira que ele acabe como Owen.

Suas palavras foram um tapa na cara, e precisei de toda a minha força


de vontade para não atacar ele naquele momento.

— Foda-se... — Eu cuspi, empurrando-o de volta. Ele cambaleou, mas se


endireitou rápido o suficiente, irritantemente calmo. — Você, de todas as
pessoas, não tem o direito de nem mesmo dizer o nome dele. Não quando
você é a razão pela qual ele está morto.

— Você acha que eu não sei disso? — Silas perguntou, seu tom
suavizando. — Esse é todo o meu ponto. Demônio usou você para chegar até
mim, e ele sabia que a melhor maneira de fazer isso era através de Owen. E
você facilitou bastante, não foi? Desfilando com ele nas festas. Aquele carro
esportivo chamativo que você comprou para ele. Isso é o que você faz quando

301
ama alguma coisa, você a coloca em um pedestal. Você o tranca em uma
vitrine para que o mundo inteiro possa vê-lo e, eventualmente, a pessoa
errada o fará. Se não for Demônio, será outra pessoa. Um dos inúmeros
inimigos que você fez, todos os quais sabem exatamente onde você mora.
Talvez você possa mantê-lo longe deles, mas mesmo que tenha sucesso, que
tipo de vida ele terá vivendo em uma prateleira, Malcolm? Ele não é outro
prêmio para pendurar em seu escritório.

Suas palavras eram uma barragem constante de tudo que eu já sabia.


Cada voz da razão sussurrando venenosamente no fundo da minha mente,
abafada pelo barulho da paixão e ambição egoísta que era sempre muito mais
alto.

— Demônio é um fantasma que assombra a nós dois. — Ele continuou,


porque ele sabia que tinha atingido sua marca no momento em que falou
sobre Owen. — Assumo total responsabilidade por trazê-lo para o seu mundo
e juro a você que farei o que for preciso para tirá-lo dele. Para Enzo, para
você, para Valentine. Mas quando esse fantasma for enterrado, as pessoas que
amo estarão seguras. Todos menos você. Todos menos Valentine, se você
continuar com isso. Se você fizer dele seu. Demônio terá ido embora, mas
todos os outros fantasmas que te assombram ainda estarão lá, e eu sei que
você pode lidar com eles, mas ele pode? Ele deveria ter que fazer isso?

Tudo o que eu podia fazer era olhar para ele, porque para cada
argumento na ponta da minha língua, ele já tinha feito um melhor no fundo
da minha mente. E quando um sociopata genuíno era seu substituto para uma
consciência, você já estava travando uma batalha perdida.

302
— Vou levá-lo de volta. — Silas disse suavemente. Não foi um desafio
desta vez. Foi um apelo.

Fiquei ali congelado por um longo tempo, chegando a um acordo com a


decisão que já tinha tomado, sabendo que seria a única coisa boa e decente
que eu já tinha feito. E eu odiei pra caralho. Eu finalmente balancei a cabeça,
porque eu não tinha fôlego para falar. Mesmo que ele nunca tivesse dado
aquele soco, ele me tirou o fôlego do mesmo jeito.

Mas ele não me disse nada que eu já não soubesse. Nada que eu não
soubesse desde o início.

303
Capítulo 21
Valentine

Tomei banho o mais rápido que pude, lavando o máximo possível da


minha vergonha pelo ralo, antes de me vestir e voltar para baixo só para ter
certeza de que Silas e Malcolm não tinham se matado. Isso parecia uma
possibilidade sempre que algo envolvia dois homens com transtorno de
personalidade antissocial e histórias de crimes violentos que rolavam como
créditos de filmes.

Quando eu encontrei os dois parados na sala, em silêncio, eu não tinha


certeza de que isso era muito melhor do que a violência física real.

— Ok, quem morreu? — Eu perguntei cautelosamente. Sempre havia


uma boa chance de que também não fosse uma pergunta hiperbólica.

Nenhum deles respondeu por um momento, e eu estava começando a


pensar que tinha acertado em cheio. Eu estava começando a surtar um pouco
quando Silas falou.

— Você vai voltar comigo.

— O que? — Eu perguntei, olhando entre eles. — Nós vamos voltar?

— Só você. — Disse Malcolm.

Levei um segundo para processar o que ele estava dizendo porque tinha
saído completamente do campo esquerdo.

304
— O quê? O que você quer dizer, só eu? — Eu exigi. — Você encontrou
Demônio?

— Não. — Silas disse cuidadosamente. — Ainda não.

— Então o que? — Eu pressionei. Eu estava cansado de todo mundo


sempre tendo conversas pelas minhas costas, especialmente quando essas
conversas afetavam diretamente o curso da minha vida. Achei que tínhamos
superado isso, mas uma olhada na expressão solene de Malcolm e eu sabia
melhor. Não pude deixar de sentir a dor da traição, mas disse a mim mesma
que ele tinha uma razão.

Certo?

— Mal? — Eu perguntei esperançoso.

Eu sabia que era um risco não chamá-lo de papai, mesmo na frente de


Silas, mas parte de mim estava esperando que ele me repreendesse por isso.
Que ele estaria ansioso para me reivindicar como sua, porque agora, eu não
tinha certeza de muita coisa.

Ele apenas balançou a cabeça.

— Eu não entendo. — Eu disse. — Se nada mudou, por quê? Por que


agora?

— Porque não adianta. — Disse Silas. — Por um lado, Demônio não fez
nenhum movimento recentemente, e por outro, eu fiz arranjos para garantir
que você possa ser mantido em segurança em casa.

— Mas eu não quero voltar. Não sem você. — Eu disse a Malcolm,


sabendo que provavelmente parecia uma criança mimada fazendo birra. Mas

305
era assim que eu me sentia agora, e eu não me importava. Não se isso
significasse que eu não teria que sair do inferno que se transformou em um
paraíso inesperado, porque, aparentemente, o diabo era o único capaz de me
salvar.

E sim, estava fodido, mas eu não me importei. Era também o lugar mais
seguro e em casa que eu já havia me sentido, e eu não queria abrir mão disso.
Não sem luta.

O problema era que eu tinha certeza de que eu era o único lutando.

Malcolm apenas me encarou em silêncio por alguns momentos, e eu


voltei a não ser capaz de dizer o que diabos ele estava pensando. Quando ele
finalmente falou, sua voz era comedida e desprovida de emoção, assim como
no dia em que nos conhecemos. Mesmo antes de ele dar sua resposta, porém,
eu sabia que algo havia mudado. Eu senti isso desde o momento em que
entrei na sala.

— Eu sei. — Ele finalmente disse. — Mas isso sempre foi temporário.

— Sim, mas…

Eu parei porque percebi que não poderia terminar esse pensamento sem
trair o quão completa e totalmente patético eu era.

Mas foda-se. Eu tinha sido muito mais vulnerável com muito menos
provocação em torno dele e se isso era o que precisava para garantir que essa
coisa, o que quer que fosse, não chegasse ao fim, que assim fosse. Não era
como se fosse a primeira vez que eu fazia papel de boba na frente dele – ou
Silas, por falar nisso.

306
— Eu pensei que as coisas tinham mudado. — Eu admiti, minha voz
soando rouca e rachada, como um adolescente nervoso e não um homem
adulto com a porra de um diploma de medicina, mas foi exatamente nisso que
Malcolm me transformou.

— Você pensou errado, então. — Malcolm disse em um tom apático que


eu conhecia bem. Doeu mais do que seu cinto já havia doído. — Olha, nós dois
nos divertimos, mas estou ficando entediado e não estou preparado para ficar
de babá em tempo integral. É melhor acabar com isso enquanto ainda é uma
lembrança agradável. Você estará melhor de volta. com seus irmãos.

Se eu estivesse entediado, você saberia.

Suas palavras não apenas me atingiram como um soco no estômago,


elas me atingiram como um maldito trem de carga. Eles machucavam
fisicamente, mas mesmo agora, mesmo que ele tivesse acabado de soletrar em
termos tão claros que mesmo eu não podia negar, eu não queria acreditar
nele. Minha mente entendeu suas palavras perfeitamente, mas meu coração
não se agarrou a elas.

— O que? — Eu me engasguei.

Ele revirou os olhos.

— Vamos, Valentine, o que você achou que isso era? Um


relacionamento? — Havia um tom tão desdenhoso em sua voz que também
parecia um golpe do qual eu nunca me recuperaria. — Você tem seu médico
pretensioso esperando por você em casa, de qualquer maneira. Ele
claramente tem uma tolerância maior para cuidar do que eu. Ele fez disso
uma profissão.

307
Era isso. Isso foi o último que eu poderia tomar. Senti como se um torno
apertasse meu peito e mal conseguia respirar. Como se a sala estivesse se
fechando, e se eu não tomasse um pouco de ar fresco imediatamente, eu ia
sufocar.

Isso realmente parecia inteiramente possível enquanto eu saía da


cabana sem dizer mais nada. Antes que ele pudesse desferir um golpe
devastador, eu sabia que me quebraria para sempre, assumindo que ainda
restasse alguma coisa para quebrar.

Eu estava vagamente ciente de alguém me seguindo do lado de fora, ao


mesmo tempo aliviado e com o coração partido ao perceber que era Silas.

— Vamos. — Ele disse em um tom estranhamente gentil. Pelo menos,


ele nunca tinha usado isso em mim antes, então eu sabia que provavelmente
parecia ainda mais patético do que me sentia. Ele colocou a mão no meu
ombro e acenou com a cabeça para o SUV preto esperando por nós. — Vamos
levá-lo para casa.

Por mais inócuas que essas palavras provavelmente fossem, elas foram a
gota d'água. A faca em meu estômago torceu-se bruscamente, e parecia que
alguém havia tirado o ar dos meus pulmões.

Casa.

Só então percebi que era exatamente isso que a cabana nas montanhas,
a cabana em que eu nem queria estar, havia se tornado.

Não, isso não era verdade. Não era a cabana. Era ele. Malcom. De
alguma forma, mesmo sem perceber, eu tinha dado a ele mais do que apenas
meu corpo e controle absoluto, o que era uma decisão estupidamente estúpida

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por si só. Eu tinha ido e feito algo ainda mais tolo. Eu tinha dado a ele meu
coração.

E ele estava entediado. Isso era o que eu era para ele agora. Um
brinquedo ―nem mesmo um bichinho‖ que já começava a perder a novidade.
Um que ele mal podia esperar para jogar fora na primeira chance que tivesse.

Entrei no carro com Silas e ele ligou imediatamente. Eu não conseguia


ver o motorista através da divisória escura, o que fazia tudo isso parecer ainda
mais um sonho febril. Nada disso parecia real. Parte de mim ainda se sentia
convencida de que estava de volta à cabana e, a qualquer minuto, eu acordaria
e descobriria que era apenas um pesadelo nascido da insegurança e da
neurose. Deus sabia que eu tinha muitos desses.

— Sinto muito. — Disse Silas uma vez que estávamos no caminho


sinuoso da montanha por um tempo. A paisagem era apenas um vago
contorno de montanhas obscurecido quase inteiramente pela neve, como um
grande dragão espinhoso prestes a se erguer de suas cinzas geladas a qualquer
momento.

— Porque? — Eu perguntei. Minha voz soou em branco. Separado. Acho


que era isso que eu era agora. O que eu precisava ser.

— Por deixar você com ele. — Ele respondeu. — Está claro que foi um
erro.

Bem, isso fazia sentido. Ele estava certo. Isso foi um erro. Só não pelas
razões que ele poderia imaginar. Não por razões que eu poderia imaginar no
começo, também.

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— Se serve de consolo, é o melhor. — Continuou ele. — Aquela coisa que
você está sentindo agora, aquele buraco vazio no centro do seu estômago...
Seria o mesmo, se acontecesse agora ou daqui a um ano. Você se sente vazio
porque é isso que pessoas como Malcolm fazem. Até que eles fiquem
entediados, ou até que não haja mais nada para consumir. Seja grato que no
seu caso, foi o primeiro.

Eu o encarei por um momento.

— Sabe, você não é muito bom em conversas estimulantes.

Ele deu uma risada.

— Eu vou admitir, minha empatia é limitada ao seu irmão, mas eu sinto


muito mesmo assim.

Virei-me para olhar pela janela, tentando não pensar em como ainda
parecia que uma parte de mim foi deixada para trás. E não era só porque
saímos rápido demais para eu mesmo arrumar minhas coisas, poucas e
distantes como eram. Minha vida inteira estava de volta a Boston, e ainda
assim, eu não sentia que estava perdendo nada aqui. Não até agora.

— Há algo que eu queria perguntar a você. — Eu disse, porque eu


precisava desesperadamente mudar de assunto para qualquer outra coisa. E
eu tinha certeza de que essa era a melhor chance que eu teria de conseguir
uma resposta honesta dele. Achei que até um sociopata encontraria uma
maneira de ter pena de mim. Porque eu era tão patético.

— Sim? — Ele perguntou.

Obriguei-me a olhar para ele, mas não foi difícil pelas razões habituais.
Não foi difícil por causa daquela frieza em seu olhar que estava sempre lá,

310
sempre à espreita sob a superfície, com a notável exceção de quando seus
olhos estavam fixos em meu irmão. Foi por causa de quão perto eles se
pareciam com aqueles com os quais eu me acostumei a acordar.

— Você realmente o matou? — Eu perguntei. — Demônio?

Silas pareceu surpreso, embora isso tenha durado apenas o tempo que
qualquer outra emoção durou no que dizia respeito a ele.

Ele não respondeu por tempo suficiente que eu pensei que ele não ia
responder.

Quando ele finalmente abriu a boca como se fosse responder, algo mais
aconteceu. Senti uma guinada repentina, como se o carro tivesse freado de
repente, e então, a próxima coisa que eu sabia, estávamos voando pelo ar.
Silas estendeu a mão como se fosse me agarrar, mas minha cabeça bateu na
janela, e a próxima coisa que eu sabia era que eu estava de costas.

Ou talvez eu estivesse de cabeça para baixo. Isso explicaria por que


parecia que todo o sangue estava correndo para minha cabeça.

Havia vidro por toda parte. As janelas foram quebradas. Tentei levantar
a cabeça, embora não tivesse certeza se lembrava de que lado era para cima,
mas parecia que era feito de pedra sólida. Com o canto do olho, pude ver Silas
pendurado em seu assento também, mas antes que pudesse descobrir se ele
ainda estava respirando, ouvi passos esmagando vidro e neve.

Minha visão estava embaçada, e eu podia ver dois pares de botas pretas
marchando pela neve em minha direção. Mas quando eles finalmente
pararam bem na frente do SUV, percebi que estava vendo o dobro.

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Tentei abrir a boca para pedir ajuda a quem quer que fosse, embora em
algum lugar no fundo da minha mente, depois do traumatismo craniano e da
confusão, eu soubesse que era um pouco conveniente demais. Quando o
homem se ajoelhou para olhar pela janela quebrada, tive certeza de que não
passava de uma alucinação.

— Cris? — Eu consegui resmungar antes que tudo ficasse preto.

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Capítulo 22
Malcolm

No momento em que eles saíram, meus punhos encontraram a parede e


a atingiram com força suficiente para que toda a cabine estremecesse. Os
minutos seguintes foram um borrão de apagão, ou talvez tenham sido horas.
No final da noite, o lugar inteiro estava destruído, e eu tinha bebido uísque
suficiente para abater um cavalo. Mas eu ainda não estava mais perto de me
odiar menos.

Eu disse a mim mesma que estava fazendo a coisa certa e, pela porra da
minha vida, eu realmente me importava. Eu realmente me importava com a
coisa certa para ele, o que era melhor para ele, mesmo que isso significasse
que meu mundo estava desmoronando.

Não era hipérbole. Eu não sabia exatamente quando Valentine


conseguiu conquistar um espaço tão significativo na minha vida, mas ele
conseguiu. A pequena doninha tinha que passar por cada parede de três
metros, e eu odiava isso.

Eu o odiava. Eu o odiava, porque eu tinha percebido apenas quando ele


estava saindo pela porta que eu o amava. E essa foi, de longe, a coisa mais
cruel que alguém já fez comigo.

A pior parte era que eu achava que tinha amado Owen. Eu realmente
fodidamente fiz. E eu me importava com ele, pelo menos, tanto quanto eu era
capaz naquela época. O problema era que eu era capaz de mais agora. Eu era

313
capaz disso por causa de Valentine. Ele se entregou a mim, totalmente e sem
reservas, e ainda assim, em algum momento sem que eu percebesse, foi ele
quem assumiu o controle. Eu o possuía, corpo e mente, mas ele havia tomado
algo ainda mais íntimo. Algo que só percebi que havia perdido quando o vi
saindo pela porta.

Em algum momento, eu me apaguei apenas porque não queria ter a


opção de ir atrás dele. Eu não confiava que meu altruísmo duraria uma vez
que ele estivesse longe o suficiente, e qualquer campo de força de decência e
bondade que ele projetou em mim se foi.

Quando finalmente abri os olhos, era de manhã, então eu não tinha feito
dano suficiente ao meu fígado para entrar em coma induzido pelo álcool.
Olhei para os destroços ao meu redor e decidi que nem me incomodaria com a
limpeza. Eu era o único que geralmente limpava a bagunça de Silas, para que
ele pudesse lidar com a minha pelo menos uma vez.

Tecnicamente, eu sabia que deveria estar grata a ele por me impedir de


cometer o único erro que nunca poderia ser desfeito. A única coisa pela qual
eu nunca me perdoaria.

Porque ele estava certo. Se aquele garoto ficasse sob meus cuidados por
mais tempo, eu iria manchá-lo. Corrompe-o. Quebrá-lo. No começo, tinha
sido um desafio, mas agora, percebi que era apenas uma segunda natureza.
Eu era um predador, e não importa o quanto eu tivesse gostado do meu
cordeirinho, um lobo nunca poderia ser confiável como pastor. Claro, eu
poderia protegê-lo dos outros lobos, mas isso importava se aquele que era a
maior ameaça para ele era aquele cuja cama ele ia todas as noites?

314
Mais cedo ou mais tarde, eu o destruiria. Porque era isso que eu fazia
quando me importava com alguma coisa. Algo frágil e humano e capaz de ser
ferido. A única razão pela qual eu não arruinei Silas foi simplesmente porque
não havia mais nada para quebrar nele. E inferno, talvez isso não fosse mais
verdade, também. Talvez eu fosse a pessoa que deveria ficar longe dele e de
sua família. O mais longe possível deles, um em particular, porque se havia
uma coisa que Owen deveria ter me ensinado, era que ser amado por um
monstro era uma maldição – e se eu quisesse proteger Valentine, eu tinha que
fazê-lo me odeie.

Felizmente para mim, isso foi bastante fácil de realizar.

Passei a mão pelo rosto e tentei me recompor o suficiente para ligar


para Silas, já que ele não se preocupou em me enviar uma mensagem para me
informar que eles chegaram lá em segurança. Uma voz aguda me disse que
algo estava errado, mas eu deixei de lado por causa da minha própria
sanidade.

Não houve resposta, e na terceira vez que seu telefone foi direto para o
correio de voz, eu o xinguei até que a máquina apitou e me desligou.

Eu briguei comigo mesma por um segundo por ligar para Valentine,


mas se Silas queria reclamar sobre isso, ele deveria ter me enviado uma
maldita mensagem de texto. Porque, aparentemente, agora eu era o
namorado preocupado e superprotetor, só que não era. Eu não era nada para
Valentine, e eu tinha acabado de me certificar disso. Sua sobrevivência
contínua ou pelo menos, a continuação de qualquer vida que valesse a pena
ser vivida dependia disso.

315
Quando ele também não respondeu, comecei a sentir outra emoção que
era inteiramente nova.

Pânico.

Lembrei-me de que realmente não era tão estranho que ele estivesse
ignorando meus telefonemas, mas a racionalidade não era algo que parecia
ter um papel significativo na minha vida.

Desesperada e sem opções, liguei para Enzo, o tempo todo dizendo a


mim mesma que estava apenas sendo paranoica. Ele respondeu
imediatamente e disse:

— Malcolm? Graças a Deus, eu estava prestes a ligar para você.

Eu fiz uma careta. Essa definitivamente não era uma resposta que eu
havia provocado em alguém antes, certamente não em um DiFiore.

— Por quê? — Eu perguntei cautelosamente. — Na verdade, risque isso.


Valentine está com você?

Ele parou por um tempo suspeito antes de dizer, sua voz lenta e
deliberada.

— Você está brincando, certo?

— Comédia realmente não é minha praia. — Eu o informei. Certamente


não no que se referia a isso. — Ele e Silas deveriam ter voltado esta manhã o
mais tardar. Você está me dizendo que eles não estão lá?

— Não. — disse Enzo, sua voz ficando tensa com o mesmo medo que eu
agora conhecia em abundância.

316
Puta merda, isso é foda. Como as pessoas lidaram com isso? Eu nunca
tive um instinto de sobrevivência particularmente forte, era apenas algo em
que eu era bom. Mas parecia que a parte mais vulnerável de mim estava
andando fora do meu corpo, e não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso.

E eu realmente me importava.

— Quando foi a última vez que você ouviu falar deles?

— Ontem à noite. — Respondeu Enzo. — Silas me ligou assim que


chegou na cabana.

— Filho da puta. — Eu fervi.

— Quando eles foram embora? — Enzo exigiu enquanto eu já estava a


caminho do carro.

— Ontem à noite. — Eu disse. — Entre oito e nove aqui.

O silêncio de Enzo falou muito.

— Ele não faria isso. — Ele finalmente disse, sua voz rouca. — Silas não
faria isso com nenhum de nós, ele ligaria.

— Estou inclinado a concordar com você. — Murmurei. Ou pelo menos,


eu sabia que ele não faria isso com Enzo. Eu provavelmente poderia ir de
qualquer maneira, dependendo de quão chateado ele estava.

— Estou indo para a Romênia. — Disse Enzo de repente. Eu sabia que


Silas iria querer que eu lhe dissesse não, mas no momento, eu não me
importei.

— É melhor eu ir. — Eu disse.

Desliguei antes que ele pudesse responder, sentindo que ia vomitar.

317
Assim que entrei na estrada, percebi que estava nevando muito forte
para que houvesse qualquer esperança de rastrear o carro além da rota mais
lógica que eu sabia que deveria ter tomado. As encostas das montanhas eram
ásperas, mesmo com um carro feito para resistir à neve, então enquanto eu
dirigia pela deriva, minha mente me tratou com todos os tipos de cenários
sobre o que poderia ter acontecido.

E se eles tivessem saído da montanha?

E se eles tivessem entrado em uma colisão frontal?

E se fosse Demônio?

As perguntas estavam literalmente me deixando louco, então me forcei


a parar e tentar me lembrar de como era ser o meu eu racional habitual.
Mesmo que apenas por causa da pessoa que tirou essas faculdades de mim.

Eu estava dirigindo por uns bons vinte ou trinta minutos quando pensei
em meios de transporte mais eficientes. Algo me chamou a atenção com o
canto do olho, mas era tão difícil ver através da neve que quase descartei
como um truque de luz. Quando me aproximei, porém, e vi os sinais
reveladores de destroços - uma tira de metal e um pedaço de pneu grande o
suficiente para sair da neve, a apenas uma ou duas horas de ficar
completamente coberto congelei.

Eu mal consegui estacionar o carro antes de sair, deixando o motor


ligado enquanto mergulhava na deriva, procurando freneticamente. Não
demorou muito para rastrear os destroços até os destroços em si.

Um SUV preto, virado de lado e quase invisível, completamente


escondido da estrada.

318
Mesmo enquanto corria, eu podia ouvir algo através do uivo do vento e,
a princípio, estava convencido de que era minha imaginação, ou talvez algum
tipo de alucinação induzida pelo pânico. Presumi que isso poderia acontecer,
mesmo que eu não tivesse nenhuma experiência em primeira mão com isso.

Quando me aproximei, o som ficou mais claro e percebi que vinha do


rádio do carro. O som dos gritos de um homem, familiar em seu teor, doentio.
Mesmo que eu nunca tivesse ouvido a gravação em si, eu sabia a quem a voz
pertencia.

Um fantasma.

Abri a porta, nem mesmo tentando entender o fenômeno no momento.


Quando encontrei o motorista do carro morto, senti um alívio que
provavelmente teria envergonhado a maioria das pessoas, porque não o
reconheci. Pelo menos, senti alívio até perceber que não foi o acidente que o
matou. Era o buraco de bala bem no centro de sua testa, estilo execução.

O pavor tomou conta de mim novamente quando abri a porta dos


fundos, ao mesmo tempo aliviada e confusa ao descobrir que estava vazia.
Nenhum sinal de Silas ou Valentim, exceto...

Alcancei o teto ensanguentado do SUV e peguei uma tira de couro


familiar, sentindo meu coração bater no peito. Toquei a gota de carmesim
manchando a etiqueta de prata, ainda brega, e percebi que minhas mãos
estavam tremendo. Com medo, com raiva. Só Deus sabia que havia muitos de
ambos correndo em minhas veias.

Meu gatinho. Meu irmão. Eles se foram. Ambos. Eles devem ter sido
feridos em vez de mortos, por que por que ele teria levado seus corpos? E não

319
havia dúvida em minha mente de quem tinha feito isso, é claro. Demônio, se
não um proxy.

O zumbido em meus ouvidos abafou principalmente o som dos gritos


familiares, que eu mal havia registrado antes porque estava fixada em
Valentine, mas agora, percebi a conexão entre eles. Entre a horrível gravação
tocando no som do carro e o que estava acontecendo agora. Talvez neste exato
momento.

Não... Não, se ele teve todo esse trabalho para me encontrar e levar
Valentine e Silas, havia uma razão. Ele queria usá-los contra mim. Isso
significava que ele os manteria vivos, pelo menos pelo tempo que fosse
necessário.

Ouvi a gravação e percebi que estava tocando em um loop. Uns sólidos


cinco minutos dos gritos agonizantes de Owen, sem dúvida registrados
momentos antes de sua morte real nas mãos do monstro que agora tinha os
outros dois homens que eu havia falhado, mesmo que apenas ousasse amá-
los.

Eu ainda estava tentando descobrir o que fazer quando a estática


interrompeu a transmissão repetida. Eu congelei quando uma voz
estranhamente familiar me cumprimentou. A princípio, pensei que talvez
fosse apenas uma interrupção de qualquer frequência pirata que Demônio
havia sequestrado, mas logo ficou claro que não era.

— Bem, você demorou bastante, não foi? — A voz provocou. — Deixe-


me adivinhar, você estava ocupado bebendo até ficar bêbado. Ouvi dizer que
foi assim que você passou os primeiros meses após a morte de Owen. E veja

320
como você completou o círculo. Eu tenho minhas mãos em seu irmão e seu
novo animal de estimação. Imagine isso. Você realmente precisa aprender a
cuidar melhor de suas coisas.

Olhei em volta procurando qualquer sinal de uma torre à distância que


ele pudesse estar usando para transmitir, mas um segundo depois, recebi uma
resposta direta.

— Oh, não se preocupe com isso, Malcolm. — Disse ele entediado. —


Você realmente acha que eu estaria na área? Sim, agora mesmo, estou de olho
em você à distância. Mas vamos nos concentrar no que é importante, certo?
Se você quiser ver qualquer um deles novamente, nós vamos jogar um
joguinho. E se você se recusar a jogar junto, terei que jogar com eles. O
mesmo jogo que joguei com Owen.

Eu aperto minha mandíbula, lutando para ver através da minha raiva.


Não fazer nada não era algo que eu poderia lidar, mas ele estava certo. Ele
estava no controle, e estávamos jogando o jogo dele.

— Isso é bom. — Ele provocou. — Eu vejo que consegui sua atenção. Eu


esperava que fosse fácil o suficiente, considerando sua obsessão. E realmente,
quão lamentável é quando um monstro se apaixona? Isso só pode terminar
em tragédia. Sabe disso, Malcolm? Ele sabe que você o ama, ou é por isso que
você o deixou ir? Você achou que o estava protegendo? Que você poderia
mantê-lo longe de mim?

Ele fez uma pausa, rindo.

— Não se preocupe, vou direto ao assunto. Nosso jogo. Todo jogo que
vale a pena jogar tem suas apostas, então, para torná-lo interessante, farei

321
uma aposta particularmente generosa. Vou deixar você ter um deles. Mas
você tem que vir buscá-lo. E você tem que escolher seu irmão ou seu amante.
Agora, eu sei o que você está pensando. Como você sabe que eu não os matei?
Bem, eu sou um homem razoável, e estou feliz em fornecer a prova que sua
mente analítica exige. Permita-me um momento.

Ouvi gritos familiares e abafados. Valentine. De repente, elas se


tornaram palavras claras, mas sua voz estava rouca, como se ele estivesse
gritando por horas.

— Malcolm, não... — Sua voz quebrou em um grito de gelar o sangue


que teve um efeito exponencialmente maior em mim do que aqueles que
estavam tocando em um loop. Porque eu não poderia amar um homem sem
trair outro.

— Valentine! — Eu fervia, agarrando o painel, sua coleira ainda


pendurada na minha mão. Eu mal podia ver através da minha raiva.

Levar um tiro não era nada comparado a isso. Essa dor foi registrada
como pertencente ao meu corpo menos do que seu som de agonia, e quando
ouvi sua voz abafada novamente, senti como se fosse perder a porra da
cabeça. A única coisa que mantinha tudo em ordem era o conhecimento de
que eu tinha que encontrá-lo. Não era tarde demais. Ele ainda estava vivo. Ele
ainda estava vivo, e isso significava que havia tempo para jogar a porra do
jogo de Demônio.

— E agora, seu irmão. — Demônio continuou.

Tudo o que ouvi depois foi o som de algo afiado talvez uma faca
perfurando a carne, e um gemido estrangulado, seguido pela voz de Silas.

322
— Você tem que pegar Valentine, Malcolm. — Ele disse, sua voz tensa.
— É a nossa antiga casa.

— Conversaremos esta noite. — Demônio disse amargamente. — Não


importa. Nada mais do que eu ia te dizer, de qualquer maneira. Ele está certo,
é claro. Eu suponho que você ainda se lembra do endereço? — Ele perguntou
em tom zombeteiro, parando como se esperasse que eu respondesse. — Isso é
maravilhoso, porque o relógio está correndo e, como todos sabem, não gosto
de ficar esperando. Lembre-se, sou um homem de palavra. A escolha é sua.

O rádio desligou e voltou a tocar aquela melodia nociva de tormento,


mas foi quase um alívio. Os gritos de Valentine ecoaram em meus ouvidos,
muito mais altos.

Afastei-me dos destroços e peguei meu telefone com a outra mão,


porque não conseguia soltar a coleira de Valentine. Disquei o número de
Enzo, e ele atendeu no primeiro toque novamente.

— Malcolm? O que está acontecendo? Você...

— Cancele seu voo. — Eu disse com a voz rouca. — Eu sei onde eles
estão.

323
Capítulo 23
Valentine

Em algum momento depois da pequena apresentação de Chris ou


melhor, Demônio para Malcolm, devo ter desmaiado. A próxima coisa que me
lembrei, eu acordei para descobrir que minha perna estava enfaixada, e eu
não tinha morrido de perda de sangue, o que significava que Chris ainda não
tinha terminado de me usar.

Eu mal conseguia levantar a cabeça, e meus pensamentos eram tão


desconexos e estranhos que percebi que ele deve ter me drogado. Eu não
tinha ideia de quanto tempo tinha passado, mas parecia muito tempo.
Quando olhei, fiquei aliviado ao ver que Silas ainda estava respirando e
acordado.

Eu nunca poderia ter imaginado que isso era algo que eu sentiria por
ele, mas havia uma primeira vez para tudo.

Tudo o que tinha acontecido ainda parecia surreal. Tinha que ser um
sonho, ou melhor, um pesadelo. Eu não conseguia acreditar que isso estava
realmente acontecendo.

— Onde ele está? — Eu perguntei.

Silas parecia prestes a responder, mas quando vi a mudança em sua


expressão para uma de puro ódio, percebi que, apesar do que eu costumava
pensar, ele realmente não me odiava. Nem mesmo perto.

324
— Você está acordado. — Disse Chris em um tom familiar,
estranhamente agradável. Olhei para ele, ainda lutando para aceitar o fato de
que era o mesmo homem com quem eu tinha trabalhado nos últimos anos.
Meu chefe. Um maldito médico. Ele e o infame e retorcido Demônio eram a
mesma coisa. — Isso é bom. Imagino que Malcolm estará aqui a qualquer
momento, e então a diversão pode realmente começar.

— Por quê? — Eu perguntei, porque essa era a pergunta mais


importante em minha mente. Havia tantos outros, mas era nisso que todos se
resumiam.

— Por quê? — Ele ecoou. — Temo que você terá que ser um pouco mais
específico do que isso.

Fiz uma pausa para pensar sobre isso. Eu não estava realmente no
estado de espírito para colocar minha pergunta em termos mais específicos.
Ela resumia a completa e absoluta confusão que eu sentia, agora mais do que
nunca depois de seu discurso.

— Por que você fez tudo isso? — Eu perguntei. — Me fazer trabalhar


para você... Ganhar minha confiança... Qual é o sentido disso tudo se você vai
apenas me matar? Você poderia ter feito isso a qualquer momento, como você
mesmo. Por que fingir ser outra pessoa?

Para ser justo, ele tentou me matar em várias ocasiões, mas parecia um
pouco atrasado.

— Essa é uma boa pergunta. — Observou ele, virando-se para Silas. —


Você vai responder isso para o seu cunhado? Ou você ainda não descobriu? —
Quando ele viu o olhar de confusão no rosto de Silas, ele balançou a cabeça. —

325
Você realmente está perdendo sua vantagem. Há quanto tempo você e Enzo
estão juntos agora, Silas?

Um olhar de realização surgiu em seu rosto, e ele murmurou:

— O mesmo tempo que estivemos juntos.

— Aí está. — Disse Chris, caminhando até o rosto de Silas em sua mão.


— Demorou um pouco, mas você sempre descobre no final. Exatamente a
mesma quantidade de tempo que eu estava com você, como seu aluno. Seu
protegido. Seu amante. Exatamente o tempo que você levou para ficar
entediado e jogar. Tempo suficiente para você saber o que é amar alguém
enquanto eu te amei, para que você possa apreciá-lo completamente quando
eu o tirar de você. Bastante poético, você não acha?

Um olhar de raiva pura e não adulterada que eu nunca tinha visto antes
brilhou no olhar de Silas.

— Você não vai tocá-lo. — Ele fervia. — Eu não sei como você está vivo,
mas você vai desejar nunca ter voltado dos mortos se você colocar a mão nele.

— Tocante. — Chris zombou, embora a amargura em seu tom


desmentisse seu sarcasmo. — Mas não acho que você esteja em posição de
fazer ameaças agora. A qualquer momento, estarei de posse de todas as
fraquezas que você já teve. Seu marido. Seu irmão. Não vou parar por aí, não
até que você tenha visto cada um deles morrer. Enzo, Valentine, Luca... Toda
a família preciosa. Todos com quem você interagiu. Todos com quem seu
amado se importa, e você, por extensão, porque foi isso que você me ensinou
a fazer antes de decidir me punir por ser o monstro que você me transformou.

326
— Você estava fora de controle. — Disse Silas amargamente. — Você
estava enlouquecendo. Mandei você matar antes de destruir tudo.

Eu fiz uma careta. Ele realmente não era bom em aplacar psicopatas,
considerando sua linha de trabalho.

Eu tinha certeza de que Chris ia bater em Silas quando ele levantou a


mão, mas em vez disso, ele agarrou um punhado do cabelo branco do homem
e subiu em seu colo, puxando a cabeça para trás.

— Você me usou. — Ele cuspiu. — Eu teria feito qualquer coisa por você.
Eu teria morrido por você. Eu teria colocado a bala no meu próprio crânio se
você me pedisse, mas você não fez, não é? Não tinha mais uso para você, e me
jogou fora. Como lixo.

Silas o encarou em silêncio por um longo tempo, como se sua vida não
estivesse literalmente nas mãos desse homem. Acho que ele ainda estava
louco, afinal. Ele apenas escondeu melhor do que antes.

— Você está certo. — Ele disse finalmente, sua voz calma. — Eu fiz. É
isso que você quer ouvir? Que eu sinto muito?

— Eu não quero suas malditas desculpas. — Chris ferveu. — Eu quero


saber por quê. Eu quero saber por que você não conseguiu nem mesmo fazer
isso sozinho. Você manipulou meu carro com explosivos como um maldito
covarde. Você não conseguiu nem puxar o gatilho.

Meu coração disparou. Silas passou por isso. Ele o matou, ou pelo
menos ele tentou. Claramente, ele falhou, mas não traiu Malcolm e não
mentiu para Enzo. Acho que isso contava para alguma coisa.

327
Silas fez uma pausa como se estivesse considerando isso. — Porque eu
fui fraco. — Ele respondeu em um tom prático. — Você era um monstro, mas
você era meu. Eu fiz você, e era minha responsabilidade lidar com você. Para
lhe dar uma morte decente, se nada mais e eu não fiz porque eu não tinha
estômago para te matar e você está certo. Eu fui muito covarde. E me
arrependo disso todos os dias desde então.

Chris estava ouvindo até aquele momento, mas eu não estava realmente
tão surpreso quando ele puxou sua arma e atingiu Silas no rosto com ela. Ele
não estava exatamente ajudando sua causa.

Silas desmaiou por um segundo antes de voltar a si, sua sobrancelha


aberta. Ele deu uma risada seca.

— Não faça perguntas para as quais você não quer as respostas. Não é
um jogo que você vai ganhar.

Os olhos de Chris escureceram com desgosto, mas seu rosnado se


tornou um escárnio.

— Não importa se você o ama mais do que você já me amou, ou se você


me amou, porque em breve, seremos apenas nós dois. Para sempre, como
você prometeu. Se eu tiver que manter você como meu prisioneiro e cortar
todos os seus membros para mantê-lo aqui, eu vou.

Silas riu novamente. Foi a risada mais aguda e genuína que eu já ouvi
dele. Mesmo Demônio parecia pego de surpresa.

— Você deveria apenas me matar, então. — Disse ele. — Porque não é


assim que o amor funciona. Eu tive pena de você, sim, como um cientista

328
louco tem pena da abominação que ele acabou de criar, mas é isso. Eu nunca
te amei naquela época, e nunca amarei.

Chris se levantou e, desta vez, atingiu Silas com força suficiente no rosto
para quase derrubá-lo. Chris estava em cima dele imediatamente, batendo
com o punho na cabeça do outro homem várias vezes até que eu gritei:

— Pare! Por favor, pare!

Chris congelou, olhando lentamente por cima do ombro. Seu cabelo


estava em seus olhos, mas eu ainda podia ver o suficiente deles para
reconhecer a loucura neles. Ele me encarou, levantando-se lentamente de
Silas, que ainda parecia estar parcialmente consciente, embora seu rosto
tivesse sido espancado até sangrar.

Quando Chris se aproximou de mim, fiquei aliviado por ter conseguido


distraí-lo de Silas antes que ele pudesse matá-lo, mas também fiquei
petrificada. Porque como eu poderia não estar?

— Oh, Valentine, — Chris disse, parando na minha frente. Sua voz era
suave e gentil, um lado que eu só tinha visto recentemente, embora agora eu
soubesse que era completamente artificial. Assim como todo o resto. — Meu
doce Valentine. Você sabe, por que vale a pena, eu realmente me apeguei a
você. Honestamente, eu poderia até mantê-lo como um animal de estimação.
Para mantê-lo na linha. Eu acho que você poderia ser moldado. Formado. E
você. Estaria melhor por isso. Malcolm só poderia quebrar você, ele nunca
poderia ajudá-lo a alcançar todo o seu potencial. Mas ele não sabe o que eu
faço. Um curandeiro tem mais potencial para ser um assassino do que
qualquer um. Afinal, eu estudava anatomia humana no meu trabalho mais do

329
que qualquer estudante de medicina. — Ele riu. — Um suprimento infinito de
cadáveres. Isso o fortaleceria, não é? Se eu pudesse me mascarar em seu
mundo, posso ensiná-lo a prosperar no meu. Eles não são realmente tão
diferentes.

O fato de um fodido serial killer ter conseguido se disfarçar de


curandeiro por tanto tempo era perturbador como o inferno, mas ele tinha
razão. Poucos cirurgiões haviam esquartejado tantas pessoas quanto o infame
Demônio deve ter para que ele acabasse no radar de Silas.

— Você não tem que fazer isso. — Eu disse, mesmo sabendo que no
fundo ele estava longe demais para raciocinar. Eu tinha que tentar de
qualquer maneira, e quanto mais tempo ele passasse comigo, menos ele teria
que gastar com Silas. Se tivéssemos uma chance de sair deste lugar, era ele, e
se não, bem... Havia também uma parte de mim que esperava que Malcolm
não aparecesse. — Eu conheço você.

Chris me encarou por um momento, sua expressão ilegível. Quando ele


finalmente riu de novo, havia algo sobre o som que deixou claro o quão
doente estava. E eu soube naquele momento que não havia raciocínio com ele.
Não havia natureza melhor para apelar e, se houvesse, estava enterrada tão
profundamente sob a loucura que era impossível.

Eu assumi que Demônio tinha que ser como Silas e Malcolm. Que a
natureza de sua monstruosidade era como a deles, fria e insensível, mas eu
estava começando a pensar que não era o caso. Ele sentia. Ficou claro desde o
momento em que olhou para Silas do jeito que ele olhou. Eu sabia
intimamente como era a raiva reprimida, o desejo, a mágoa e a insegurança,
mesmo que eu geralmente estivesse do outro lado da equação. Enquanto Silas

330
e Malcolm eram o olho da tempestade, parados e silenciosos, este homem era
puro e furioso caos em carne humana. Eu me vi nele e, de alguma forma, isso
o tornou muito mais aterrorizante.

— Oh, você é precioso. — Ele respondeu. — Mesmo que você se torne


um fracasso, você será um entretenimento sem fim. Mas não se preocupe, eu
vou te fazer um favor que eu gostaria que alguém tivesse feito para mim, e eu
vou te mostrar exatamente quem é seu amante. Vou continuar com a pequena
charada que prometi, e vou deixar Malcolm pensar que ele realmente pode
escolher, só para você pode ver. Porque caso você não tenha percebido, ele vai
escolher Silas. Ele sempre escolherá Silas, porque sangue é a coisa mais
próxima que um homem como ele conhece de amor e lealdade.

Antes que eu pudesse responder, Chris olhou para cima como se tivesse
ouvido alguma coisa. E a julgar pelo fato de que Silas tinha acabado de
levantar a cabeça do chão, ambos eram mais perceptivos do que eu de várias
maneiras.

— Perfeito no momento. Ele está aqui. — Disse Chris, afastando-se de


mim. — Você não tem que acreditar na minha palavra. Você vai ver em breve.

Ele parecia pensar que era uma ameaça, mas não era. Não do jeito que
ele pensava. Porque se Malcolm estivesse aqui e só pudesse salvar um de nós,
eu queria que fosse Silas. Mesmo que eu tivesse parado de odiá-lo
recentemente, meu irmão o amava, e isso era o suficiente. Razão suficiente
para eu o querer por perto, independentemente de como eu me sentia sobre
ele pessoalmente.

331
Eu ainda queria acreditar que Malcolm realmente se importava comigo.
Eu sabia agora que seus sentimentos aparentes por mim tinham sido tudo
besteira, mas isso não mudou a maneira como eu me sentia. Eu sabia que isso
provavelmente me faria uma tola ainda maior aos olhos dele, assim como aos
de Chris, mas não importava.

Saber que ele realmente não se importava comigo não mudou nada.

332
Capítulo 24
Malcolm

Enquanto parte de mim debatia se eu deveria dar a Enzo a localização


real da casa, mesmo que apenas para ter apoio quando eu entrasse no covil de
Demônio, eu finalmente decidi contra isso. Por um lado, Silas não gostaria
que eu o colocasse em perigo e, por outro, ele poderia facilmente se tornar um
risco. Eu realmente não sabia o que Leon DiFiore estava ensinando a seus
meninos, mas com certeza não era como funcionar em situações de alta
pressão.

Enquanto dirigia para o bairro em ruínas e há muito abandonado onde


Silas e eu crescemos, me peguei imaginando o quanto ele se lembrava. A casa
tinha sido o centro do palco para o inferno de nossa infância compartilhada, e
embora não tivéssemos vivido aqui por muito tempo, este lugar de alguma
forma conseguiu acumular a maioria das minhas piores lembranças.

Ele imaginou que Demônio escolheria este local para servir de pano de
fundo para o que poderia facilmente se tornar outro. Ou o último.

Saquei minha arma, já que não havia como ele fantasiar que eu entraria
neste lugar desarmado. Era uma incógnita se Demônio teria uma equipe
esperando.

Então, novamente, isso era claramente pessoal, e ele aprendeu a ser


paranoico com os melhores, então talvez não.

333
Abri a porta da frente, não surpresa ao encontrá-la destrancada, embora
estivesse pendurada nas dobradiças. Eu a abri o resto do caminho e olhei para
dentro do corredor quase todo escuro, as tábuas do piso rangendo sob meu
peso enquanto eu avançava.

A poeira neste lugar era tão espessa que eu mal conseguia respirar, mas
algo me disse que eles não estariam no primeiro andar. Eu olhei de qualquer
maneira, só para que nada pudesse saltar para mim, mas apenas entrar assim
era suicídio. Eu não me importava se saísse viva ou não, desde que levasse
Demônio comigo, e eu sabia que Silas levaria meu menino para casa em
segurança.

E eu faria o mesmo por ele.

— Tudo bem, sua aberração. — Eu rosnei. — Eu fiz o que você pediu, e


eu vim sozinho, então por que você não é um homem pelo menos uma vez e
sai e me enfrenta?

— Sempre tão impaciente. — Demônio provocou. Eu podia ouvir sua


voz vindo do andar de cima, mas estava ecoando, deixando claro que as velhas
paredes não eram tão grossas quanto eu me lembrava. Eu sabia que estava
entrando em uma armadilha, mas que escolha eu realmente tinha?

Por tudo que eu sabia, Valentine nem estava aqui.

Quando subi as escadas, eles gemeram tanto que me perguntei se ia cair


por eles, mas continuei mesmo assim, mantendo minha arma pronta.

A porta do sótão no topo da escada estava ligeiramente aberta. Sim,


definitivamente uma armadilha.

Ah bem.

334
Eu chutei a porta aberta, congelando com a visão que me esperava. Eu
não tinha certeza do que estava esperando, mas definitivamente não estava
esperando a configuração que Demônio tinha arranjado.

Havia duas caixas de vidro transparentes na extremidade da sala, em


tábuas de assoalho que não pareciam nem de longe seguras o suficiente para
suportar seu peso. Amarrado a cadeiras e amordaçado, Valentim estava no da
esquerda, enquanto Silas estava amarrado no da direita.

Havia pouco mais na sala, mas eu sabia que Demônio tinha que estar
assistindo de algum lugar. No momento em que fiz contato visual com
Valentine, meu coração deu uma guinada de uma forma familiar.

Ele estava vivo. Havia um corte em sua testa que definitivamente


precisaria de pontos, e havia um curativo ensanguentado em sua perna, mas
fora esses dois ferimentos, ele não parecia ter sido gravemente ferido. As
feridas e ferimentos que eu podia ver poderiam facilmente ter sido causados
pelo acidente em si, mas eu sabia que isso não significava que Demônio o
havia poupado da tortura a que ele havia submetido Owen.

Ou talvez ele simplesmente quisesse fazer isso na minha frente.

Eu vi o olhar de pânico nos olhos de Valentine, então não fiquei


surpresa quando me virei para encontrar alguém atrás de mim.

O que me surpreendeu, no entanto, foi quem estava atrás de mim.

Chris.

Ou melhor, Tiago. Claro que foi. Minha surpresa durou dois segundos
antes de eu dizer:

335
— Bem, isso faz todo o sentido. Deixe-me adivinhar... Você matou um
cara e roubou sua identidade só para chegar perto de Val? E Silas, por
extensão.

Ele zombou.

— Ele foi atencioso o suficiente para morrer de causas naturais, na


verdade, mas você está certo sobre os outros aspectos. E foi bastante fácil. Eu
tinha acabado a faculdade de medicina quando comecei... Como freelancer,
por assim dizer, o conhecimento íntimo da anatomia humana para fazer isso,
e eu sempre gostei de me esconder à vista de todos. Seu irmão me ensinou
isso.

— Tenho certeza de que ele te ensinou um monte de coisas. — Eu


murmurei, apontando a arma para ele. Eu não tinha certeza porque ele não
tinha um, mas isso dava credibilidade à possibilidade de que ele tinha alguém
me observando de um ponto de vista invisível.

— Não se preocupe. — Ele disse como se estivesse lendo meus


pensamentos. — Não há mais ninguém. Só você e eu, um a um. Qual é o
sentido de um jogo se não for justo?

— Você sabe, Silas pode ter tolerado a besteira do Coringa, mas eu não
sou tão paciente com teatralidade quanto ele. — Eu disse entre dentes. —
Então por que você não nos poupa o problema e me diz qual é o problema?

— Não há problema. — Disse ele com um encolher de ombros, as mãos


enfiadas nos bolsos do casaco como se estivéssemos tendo uma conversa
casual. — Você pode atirar em mim agora se quiser, mas acho que você
acharia isso um erro. Veja, essas cadeiras estão equipadas com sensores, e no

336
momento em que a pressão é removida de uma delas, um gás mortal será
liberado. para a outra câmara, matando o ocupante em segundos. E se
nenhuma das câmaras for desativada nos próximos quinze minutos, elas
serão ativadas automaticamente. E, claro, sou o único que pode impedir que
esse evento infeliz aconteça. Mas, por todos significa, seja meu convidado.

Eu estreitei meus olhos.

— Exatamente qual é o ponto de tudo isso?

— Você deveria ter percebido isso agora. — Ele comentou. — Nada disso
é pessoal. — Ele fez uma pausa. — Na verdade, isso não é verdade. Owen não
era pessoal, mas agora que eu te conheço um pouco, francamente, eu não
gosto de você. Então te fazer infeliz é um lado bom.

— Você me lisonjeia. — Eu disse categoricamente.

Ele sorriu.

— Vá em frente, Malcolm. Eu não vou insistir mais no assunto. Faça sua


escolha. Seu irmão, ou seu amante. fraqueza humana e abandonar os dois. Eu
certamente poderia respeitar isso.

— Foda-se. — Eu cuspi.

— O relógio está correndo. — Disse ele em uma cantiga, andando pela


sala. — Minhas desculpas por não escolher um local mais teatral, como você
diz, mas quem não gosta de um passeio pela memória?

Voltei-me para os dois casos, estudando-os em busca de qualquer sinal


de fraqueza. Disparei uma bala no de Silas, mas quando o vidro apenas

337
rachou em um padrão de teia de aranha, isso confirmou minha suspeita de
que era à prova de balas. Vale a pena experimentar.

— Estou insultado. — Demônio disse em tom de irritação. — O que você


acha de mim, um tolo?

— Não, esse título pertence a mim. — Eu disse amargamente. — Mas


não se preocupe, isso não é um erro que vou cometer novamente.

Os olhos de Silas encontraram os meus, e mesmo que nenhuma palavra


tenha sido trocada entre nós, eu entendi o olhar neles bem o suficiente. Ele já
sabia qual seria a minha escolha. Ele sabia que tinha sido feito muito antes de
eu entrar neste lugar.

Era a mesma escolha que ele teria feito se estivesse no meu lugar, e eu
estaria dando a ele o mesmo olhar, porque Demônio estava certo sobre uma
coisa, era lamentável quando um monstro se apaixonava. Tudo e todos
ficaram em segundo plano, porque uma vez que você abria um buraco negro,
ele consumia tudo. Todo o resto se tornou sem sentido em comparação.

Eu soube quando Silas apareceu no meu escritório, pronto para jogar


tudo fora sua vida, sua carreira, sua liberdade para um homem, as coisas
mudaram. Por mais impossível que parecesse, ele havia se apaixonado. E a
coisa sobre homens como ele e eu era que até o amor se tornava uma coisa
sombria e violenta quando o tocávamos. Tornou-se uma obsessão, e não havia
como voltar atrás. Não houve queda de amor, porque para nós, nunca foi uma
emoção em primeiro lugar. Essa pessoa esse infeliz objeto de nossa fixação
tornou-se o sol central do nosso universo.

Enzo era dele.

338
Valentim era meu.

Corri para frente, ignorando o olhar de desânimo nos olhos de Valentine


quando ele balançou a cabeça. Eu não tinha certeza de como abriria a caixa, já
que não conseguia ver nenhum sinal de um mecanismo de travamento, e abrir
a porta levaria mais balas e mais tempo do que eu tinha de sobra. Não havia
vidro verdadeiramente à prova de balas, mas no momento em que consegui a
tarefa, Demônio teria facilmente tido tempo de matar os dois em retribuição.

Era um risco que eu não podia correr. Nem mesmo por Silas. Minha
própria vida, eu daria pela dele sem pensar, mas esta não era apenas a minha
vida. Esta era a minha alma em jogo.

Demônio tirou um controle remoto do bolso e apertou um botão. Assim


que a porta se abriu, eu corri para dentro e arranquei a mordaça da boca de
Valentine primeiro.

— Não! — Ele gritou enquanto eu desamarrava as cordas que o


prendiam à cadeira. — Não, é uma armadilha!

Ele não estava me dizendo nada que eu já não soubesse, mas isso já era
difícil o suficiente, e não tínhamos um segundo de sobra.

— Vamos. — Eu insisti, arrastando-o para fora da cadeira.

Senti uma sensação de afundamento na boca do estômago quando vi gás


amarelo enchendo a outra caixa no canto do meu olho. Quando olhei, Silas já
estava começando a cair em sua cadeira, e eu tinha acabado de preparar
minha mão para pegar minha arma mais uma vez quando me virei e encontrei
Demônio parado na entrada da caixa aberta em que Valentine e eu
estávamos..

339
Sua arma estava apontada diretamente para nós. Eu me coloco entre ele
e Valentine, mantendo o meu nivelado na cabeça do bastardo.

— Ele nunca ia matar Silas, Malcolm. — Valentine se engasgou,


agarrando a parte de trás da minha jaqueta. — É você.

Olhei para a outra caixa de vidro em confusão. Meu irmão estava caído e
parecia totalmente inconsciente agora, mas de alguma forma, ele ainda estava
respirando. Eu pensei ter visto gás vazando do local onde eu tinha atirado no
vidro, mas eu não podia arriscar olhar o suficiente para ter certeza.

— Ele está certo, é claro. — Demônio disse casualmente. — É um


sedativo. Ainda não terminei com ele. Tenho que admitir, estou surpreso com
a escolha que você fez. Acho que a nostalgia não conta muito.

Eu me preparei para apertar o gatilho, mas ele me venceu, atirando na


minha mão e a arma saiu voando.

Soltei um silvo estrangulado, mas tudo nos próximos segundos pareceu


acontecer ao mesmo tempo. Antes que eu pudesse ir para a minha arma,
Demônio mirou novamente, e eu me preparei para enfrentá-lo, sabendo que
ia levar um tiro no processo.

E desta vez, não seria apenas a minha mão.

A arma disparou e, ao mesmo tempo, ouvi um grito que fez meu sangue
gelar. Antes que eu pudesse processar o que estava acontecendo, ouvi um
baque e vi Valentine cair no chão na minha frente.

Não…

Não!

340
Mesmo que não pudesse ter sido mais do que uma fração de segundo,
parecia que eu estava congelado para sempre, até que ganhei a presença de
espírito para atacar enquanto Demônio estava igualmente atordoado.

Percebi então que Valentine estava certo. Demônio não tinha planejado
matá-lo, ou Silas. Os dois estariam bem, se eu não tivesse...

Eu rosnei de raiva, agarrando a garganta do outro homem e batendo sua


cabeça no chão com força suficiente para que ele desmaiasse. Eu peguei sua
arma e a outra escondida no coldre em seu quadril antes de voltar para
Valentine, porque eu realmente não dava a mínima se Demônio acordasse e
me matasse agora.

Se Valentine não estivesse bem, se ele estivesse...

Ele estava respirando. Graças a Deus, ele estava respirando, mas o


ferimento em seu ombro direito estava jorrando sangue, e minha tentativa de
manter a pressão sobre ele não parecia estar surtindo efeito.

— Valentine? — Eu me engasguei, olhando para ele. Ele estava


consciente, mas mal, e eu podia dizer pelo olhar vidrado em seus olhos que
ele estava em choque. — Val, fique comigo, Gatinho. Por favor. Me diga o que
fazer, eu...

Seus olhos se fecharam, e eu senti meu peito apertar quando percebi


que o estava perdendo.

Olhei em volta em pânico, voltando-me para Demônio, que finalmente


estava começando a se mexer.

— Você. — Eu fervi, mirando em sua cabeça novamente enquanto


colocava tanta pressão na ferida de Val quanto eu podia. — Levante-se. Você

341
vai consertar isso. Salve-o e abra a porra da mala, ou eu juro por Deus, eu vou
rasgar seus membros primeiro e dar-lhe os pedaços.

Demônio deu uma risada amarga, rolando de bruços. O sangue escorria


pela nuca de onde eu tinha batido a cabeça dele no chão de madeira,
manchando seu colarinho. Se ele ainda fosse ele mesmo o suficiente para ser
um idiota, então ele poderia tratar Valentine.

— Que patético. Não me lembro de você ter ficado tão emocionado com
Owen, e ele certamente sofreu muito pior do que uma morte relativamente
pacífica.

— Você o ouviu. — Veio uma voz familiar, seguida pelo som de uma
arma engatilhada.

Olhei para cima para encontrar Silas cambaleando até seu ex-protegido.
A bala deve ter deixado o gás sair o suficiente da caixa, afinal, mas ele
claramente ainda estava afetado. Ele agarrou Demônio pela nuca e o colocou
de pé.

— Talvez você pense que ele está blefando, mas você me conhece melhor
do que isso. E eu lhe asseguro, eu serei muito prático desta vez.

Demônio congelou, mas Silas tinha chamado seu blefe, e nós dois
sabíamos disso. Mesmo ele não era louco o suficiente para querer ser
torturado até a morte, só para deixar claro. Especialmente não por alguém
que ele nem mesmo pretendia matar em primeiro lugar.

— Minha bolsa. — Disse ele por entre os dentes. — Está no canto.

Silas hesitou, mas ele acenou com a cabeça, mantendo a arma que ele
pegou apontada para Demônio enquanto ele ia pegar a bolsa. Ele voltou um

342
momento depois, vasculhando o conteúdo. Ele puxou outra arma aninhada
dentro da bolsa antes de deixá-la cair aos pés de Demônio.

Eu poderia dizer que era o último plano de Demônio pelo olhar de


irritação em suas feições, mas ele caiu de joelhos ao meu lado, rasgando a
camisa de Val aberta o resto do caminho.

Pressionei o cano da minha arma contra a têmpora de Demônio e ele


congelou.

— Um movimento errado, vadia. — Eu rosnei. — Ele morre, e eu vou me


certificar de que você passe os próximos sessenta anos desejando que você
tenha tanta sorte.

— Você fez o seu ponto. — Ele assobiou. — Você vai me deixar tratá-lo,
ou devo deixá-lo sangrar no chão?

Eu estreitei meus olhos, acenando para ele ir em frente, mas eu o


observei como um falcão enquanto ele trabalhava enquanto Silas chamava
uma ambulância com meu telefone. Parecia uma eternidade até que as sirenes
pudessem ser ouvidas à distância, embora não devesse ter sido mais do que
alguns minutos. Eu estava aprendendo em primeira mão, no entanto, que
mesmo um segundo poderia ser uma eternidade de tormento em sua forma
mais pura quando seu mundo inteiro estava na balança.

343
Capítulo 25
Valentine

Eu não achei que fosse abrir meus olhos de novo, então quando eu fiz
com a visão familiar das telhas de vinil do teto que eu tinha trabalhado por
centenas de horas da minha vida, eu estava convencido de que vovó estava
certa e eu tinha acabado no purgatório.

Então senti a mão em volta da minha, forte, áspera e quente, e percebi


que não era possível. Eu tinha que estar vivo, porque minha versão do céu
teria que incluir o Diabo, e esse era o tipo de paradoxo que simplesmente não
poderia existir na vida após a morte.

Mas na minha vida louca e fodida, sim... Poderia.

— Mal? — Eu perguntei, minha voz soando fraca e cheia de confusão.

Ele apareceu, iluminado por trás em um halo enganoso de luz da


lâmpada acima, parecendo um pesadelo tornado realidade. Círculos escuros
cercavam seus olhos penetrantes, e havia um leve sorriso em seu rosto, mas
não era tão diabólico como de costume. Minha cabeça parecia que estava
nadando, então eu assumi que o que quer que eles tivessem no saco de
gotejamento acima da cama do hospital era um pouco mais forte que soro
fisiológico.

— Ei. Como você está se sentindo?

344
— Como se eu tivesse levado um tiro no peito. — Eu murmurei,
realmente incapaz de sentir muito além da pressão de todas as bandagens e
da camisa de compressão.

— Alguns centímetros para cima e para a esquerda, mas sim, parece


certo. — Disse ele, sua voz rouca de exaustão. Parecia que não dormia há uma
semana.

— Há quanto tempo estou inconsciente?

— O suficiente para assustar todo mundo. — Ele respondeu.

— Eles estão aqui? — Eu perguntei.

— Enzo e Silas estão no corredor. Finalmente convencemos Luca a ir


para casa para dormir algumas horas. — Disse ele. — Johnny também. Eles
estão fazendo turnos para garantir que você não fique sozinho comigo.

— Provavelmente para o melhor. — Eu disse em um tom seco.

Malcolm riu, mas ele se interrompeu, me dando um olhar estranho.

— Você sabe, quando você sair daqui você vai ficar em prisão domiciliar
pelo resto de sua vida. Só para você saber.

— Por quê? — Eu perguntei, franzindo a testa. — Demônio fugiu?

— Não. — Ele disse categoricamente. — Eu estava me referindo ao fato


de que você levou uma porra de um tiro por mim. Você sabe que é apenas
uma expressão para a maioria das pessoas, certo?

— Eu sempre fui um pouco literalista. — Eu disse. Quando ele


continuou a me dar aquele olhar furioso, que era ao mesmo tempo enervante

345
e excitante, eu murmurei, — Eu não me arrependo, você sabe. Mas você pode
relaxar. Eu sei que isso não muda nada.

Ele franziu a testa em confusão, como se não tivesse ideia do que eu


estava falando.

— Eu bati minha cabeça no acidente, mas não forte o suficiente para


esquecer o que você disse antes de eu sair. — Eu disse a ele. — O que eu não
entendo é porque você me escolheu em vez de Silas.

Sua testa franziu.

— Deus, você realmente é um idiota, não é?

Havia algo afetuoso naquelas palavras mordazes que os impediam de


bater do jeito que normalmente fariam.

— O que você está falando?

Ele balançou sua cabeça.

— Eu não quis dizer nada disso, Val. Não querer você, estar entediado...
Pelo menos uma vez na porra da minha vida, eu estava tentando fazer a coisa
certa.

— A coisa certa? — Eu ecoei. — Talvez seja a morfina, mas eu realmente


não entendo.

— Silas estava certo. — disse ele calmamente. — Protegê-lo era uma


coisa, mas mantê-lo? Isso só poderia terminar em desastre, e tudo o que
aconteceu é prova suficiente disso. Você poderia formar um exército de todos
os inimigos que fiz na minha vida, e até você, eu nunca tive nada que eu
tivesse tanto medo de perder.

346
Minha garganta ficou apertada enquanto ele falava, mas eu tinha
cometido o erro de baixar a guarda em torno de Malcolm antes, e parecia que
alguém arrancou meu coração do meu peito. Ele tinha feito muito mais dano
do que Demônio, isso era certo.

— Você estava tentando me proteger?

— Sim, eu estava. — Disse ele. — Mesmo se não fosse pelo perigo, um


homem decente manteria você o mais longe possível de mim. Você merece
mais, Valentine. Muito melhor do que eu jamais poderia te dar, e se você ficar
comigo, não garanto que não vou corromper você. Porque se há uma coisa
que essa vida de merda me ensinou, é que qualquer um que cometa o erro de
se importar comigo morre ou se torna um monstro também.

Levei um momento para processar suas palavras, sorrindo um pouco.

— Bem... O que a corrupção implicaria, exatamente? Porque se for como


o tempo que passamos na cabana, acho que posso viver com isso.

Malcolm deu uma risada, estendendo a mão para segurar meu rosto em
sua mão, seu toque incomumente gentil.

— É um ponto discutível. — Ele respondeu. — Porque eu não sou um


homem decente, e eu não tenho intenção de deixar você ir novamente. Como
eu disse, eu estava tentando fazer a coisa certa, e isso acabou
espetacularmente, então a lição aprendida. Foda-se a coisa certa. Eu não dou
a mínima para o que seu irmão, ou o meu, ou qualquer outra pessoa tem a
dizer sobre isso. novamente, eu vou fazer isso. Mesmo que isso signifique que
você me odeie. Eu posso viver com isso. A única coisa com a qual eu não posso
viver é você indo embora.

347
Olhei para ele, ainda meio convencido de que isso era algum tipo de
fantasia induzida por drogas, onde ele estava me dizendo tudo o que eu queria
ouvir. Ou talvez fosse pena. Eu diria culpa, mas eu sabia perfeitamente bem
que não era um de seus problemas.

— Sabe, tudo isso soa perigosamente como se você estivesse tentando


confessar seu amor eterno por mim. — Eu disse incisivamente. — E eu
poderia ter a ideia errada.

Seus lábios se curvaram em um canto.

— Talvez esteja o certo.

Meu rosto ficou quente, porque, aparentemente, eu ainda estava corada.

— Sim, bem... Eu também te amo, então acho que estamos quites.

O olhar de Malcolm suavizou quando ele acariciou minha bochecha.

— Esse é outro ponto para a gaiola. — Quando ele viu a confusão em


meu rosto, ele acrescentou: — Está bem claro que tudo isso não despertou
nem um pingo de autopreservação em você.

Eu bufei.

— Eu acho que é uma coisa boa eu ter você para cuidar de mim, então,
não é?

Ele se inclinou, capturando meus lábios, e o que começou como um


beijo casto se tornou algo que me deixou sem fôlego e ainda mais tonta do que
antes.

— Como eu disse. Você não vai a lugar nenhum. — Ele fez uma pausa,
procurando algo no bolso. — O que me lembra…

348
Observei quando ele puxou uma pequena e fina caixa preta com um laço
vermelho em cima, colocando-a na cama ao meu lado. Olhei para baixo e vi
que sua mão ainda estava enfaixada, mas a julgar pelo fato de que ele ainda
podia movê-la, a bala não tinha feito muito dano.

— Espero que isso não afete permanentemente suas habilidades de


masturbação ou algo assim. — Observei.

— Apenas abra a maldita caixa.

Eu puxei uma ponta da fita que amarrava a caixa até que o laço se desfez
e tirei a tampa para revelar um colar descansando em um travesseiro de cetim
dentro. Eu olhei para ele, meus olhos se arregalando. A parte de mim
agarrada à insegurança de que talvez ele estivesse dizendo tudo isso para me
fazer sentir melhor desapareceu. Ele realmente planejava me manter como
seu animal de estimação.

Era muito diferente da minha última coleira, já que não havia tira de
couro flexível. Em vez disso, havia uma banda de metal sólido feita do que
parecia ser platina com uma etiqueta de prata pendurada no centro, cercada
por pequenos diamantes e gravada com meu nome. No verso, a etiqueta dizia:
Se encontrado, devolver para Malcolm Whitlock, seguido de seu número de
telefone.

E um endereço. Mas não era dele.

— Onde é isso?

— Achei que era hora de um novo lugar. — Respondeu ele. — Um com


porão.

349
Olhei para Malcolm, piscando. Só ele poderia fazer algo tão ameaçador
soar romântico.

— Esta é sua maneira de me pedir para morar com você? — Eu


perguntei.

— Claro que não. — Ele zombou. Antes que eu pudesse ceder


completamente a mim mesmo, ele acrescentou: — Eu não estou te
perguntando merda nenhuma. Eu quis dizer o que eu disse, eu nunca vou
deixar você fora da minha vista novamente. Você está vindo comigo, quer
você goste ou não.

Eu me peguei sorrindo como uma idiota, mas eu nunca fui bom em ser
legal. Definitivamente não quando se tratava dele. Olhei de volta para o colar
quando ele o tirou da caixa e notei um cadeado minúsculo, mas claramente
bem-feito pela primeira vez.

— Que diabo é isso?

Ele ignorou minha pergunta e abriu a gola por uma costura na parte de
trás que era quase imperceptível quando estava fechada. Havia duas alças
finas de metal nas quais ele encaixou a barra da fechadura antes de fechá-la,
dando um leve puxão como se quisesse testar sua força. Quando ele estava
satisfeito que não abriria facilmente, ele colocou em volta do meu pescoço e
prendeu a fechadura no lugar.

— Pronto. — Disse ele. — Isso deve servir.

— E exatamente como eu devo usar essa coisa quando estou no


trabalho? — Eu perguntei, levantando uma sobrancelha, mesmo que meu
coração não estivesse acelerado por nenhuma das razões certas.

350
— Você não vai. — Disse ele, levantando uma sobrancelha. — Que parte
da ―gaiola‖ você não entende?

Pisquei para ele quando percebi pela primeira vez que ele estava
realmente falando sério.

— Malcolm, eu não posso ficar sentado na porta o dia todo esperando


você voltar para casa como um cachorro.

— Você é realmente mais um gato. — Disse ele, colocando uma mecha


de cabelo atrás da minha orelha. Dado o tempo que eu estava no hospital, eu
sabia que tinha que parecer uma merda, mas ele estava olhando para mim
como se eu fosse a coisa mais perfeita que ele já tinha visto.

Ele realmente era louco. Sorte minha.

— Nós vamos falar sobre isso. — Eu murmurei.

— Podemos conversar o quanto quiser, mas você não dá mais as


ordens. — Disse ele incisivamente. — O fato de você literalmente ter pisado na
frente de uma bala da última vez deve ser argumento suficiente contra isso.

— Você faz parecer que já houve um tempo em que você não estava
dando as ordens.

— Você gosta disso. — Ele acusou, capturando meus lábios novamente


antes que eu pudesse me trair ao admitir isso, sim... Eu gosto. E eu tinha
muitas apreensões sobre exatamente o que eu tinha desencadeado em mim
mesmo, mas todas ficaram em segundo plano quando sua língua deslizou em
minha boca, e eu me encontrei extasiado na felicidade de seu toque.

A porta se abriu e uma voz familiar gritou:

351
— Porra, não posso sair da sala por dez minutos sem você molestar meu
irmão?

Malcolm interrompeu o beijo, olhando para Enzo com uma expressão


que eu tinha visto nos olhos de Silas mais de uma vez ao longo dos anos,
quando os encontrei em uma posição comprometedora. Não era como se eu
não tivesse aprendido a bater depois das primeiras vezes, considerando que
nenhum quarto na casa era seguro.

Agora, eu meio que entendi.

— Você vai viver. — Disse Malcolm, voltando-se para mim para passar o
polegar ao longo do meu lábio inferior. Foi um pequeno gesto simples que me
fez estremecer do mesmo jeito.

Enzo caminhou até o outro lado da minha cama, me dando um sorriso


cansado.

— Cara, é bom ver você acordado.

— Sentiu minha falta? — Eu perguntei secamente.

— Sim. — Ele disse sem um traço de sarcasmo em sua voz. — Mais do


que você poderia saber. — Ele olhou para Malcolm, franzindo a testa. — Eu
acho que eu deveria estar agradecido que você o trouxe para casa, mesmo que
ele tenha mais buracos do que antes.

— Há muitos lugares que eu poderia ir com isso, mas no interesse da


paz familiar, não vou. — Disse Malcolm.

Enzo fez uma careta.

— Então eu acho que isso é uma coisa agora. Vocês dois.

352
— Sim. — Malcolm disse antes que eu tivesse a chance de responder.
Seus olhos viajaram para Silas, que estava atrás de Enzo. — Receio que isso
não esteja em debate.

Silas o encarou por alguns momentos, sem piscar, antes de finalmente


suspirar.

— Sobre o que eu disse antes... Eu estava errado.

Por mais enigmático que isso fosse, era a prova de que Malcolm estava
dizendo a verdade, e sua mudança repentina na cabana tinha sido por ordem
de seu irmão. Em um nível, eu estava chateado, mas em outro, eu estava meio
tocado que Silas realmente deu a mínima para mim para ir contra seu próprio
irmão. Mesmo que fosse apenas por causa de Enzo.

— Você está certo sobre uma coisa. — Disse Malcolm. — Do jeito que eu
vivo... As pessoas que eu amo sempre estarão em risco. Estou me
aposentando.

— Você esta o que? — Eu perguntei, olhando para ele com descrença.

Até Silas pareceu surpreso com suas palavras.

— Eu estive no centro das atenções por tempo suficiente. — Disse


Malcolm com um encolher de ombros. — Está na hora de mudar de ritmo. E
já tenho uma ideia do meu substituto.

— Você está falando sério. — Disse Enzo duvidosamente.

— Absolutamente. — Malcolm disse sem hesitação, olhando para seu


irmão. — Desculpe, eu sei que perder sua conexão com a força não é o ideal.

Silas sorriu um pouco.

353
— Acho que vou conseguir. Mas o que você vai fazer?

— Bem, eu não tiro férias há cerca de vinte anos. — Malcolm meditou,


passando os dedos pelo meu cabelo daquele jeito que sempre me fazia
derreter, mesmo que eu ainda estivesse me recuperando de sua revelação. —
E eu tenho muitos contatos em todos os lados da lei para investigar depois
disso. A contratação é bastante flexível.

— Você sempre pode se juntar a mim. — Disse Silas, cruzando os


braços. — Faça disso um negócio de família.

Malcolm fez uma pausa como se estivesse realmente considerando isso.

— Estamos falando de uma coisa meio a meio? Porque eu não sou bom
em subordinação.

— Podemos discutir isso. — Disse Silas.

— Tem certeza? — Eu perguntei, finalmente me recuperando o


suficiente para falar. — Quero dizer, é a porra da sua carreira. Você realmente
vai desistir disso por minha causa?

— Eu não seria um mestre muito bom se eu pedisse para você fazer algo
que eu não faria, não é, Gatinho? — Ele perguntou, inclinando meu queixo em
direção a ele.

Eu derreti com suas palavras até que Enzo me lembrou que não
estávamos sozinhos.

— Mestre? — Ele ecoou desconfiado. — E isso é uma coleira?

354
— Venha, amor. — Disse Silas, colocando a mão no ombro de Enzo. —
Acho que está na hora de dormirmos um pouco, e tenho certeza de que eles
precisam de um momento a sós.

— Isso é o que estou tentando evitar. — disse Enzo enquanto Silas


gentilmente o conduzia para fora da sala, e eu podia ouvir os sons de suas
contínuas brigas desanimadas se arrastando pelo corredor.

— Eu acho que eles estão levando isso muito bem. — Eu disse,


voltando-me para Malcolm.

— Espetacularmente. — Disse ele, inclinando-se para me beijar


novamente. — Tenho certeza de que ele vai aparecer no casamento.

— Casamento? — Eu ecoei, minha voz falhando.

Malcolm ergueu uma sobrancelha.

— O que, usar minha coleira permanentemente é bom, mas casar é um


compromisso demais?

— Eu não disse isso. — Eu murmurei, meu rosto ficando quente


novamente por algum motivo. — Eu só não achei que você fosse o tipo de
casamento depois do que aconteceu com Owen.

— Eu não fui por um longo tempo. — Ele admitiu. — Mas acho que
estou aberto a novas ideias no que diz respeito a você.

— Oh sim? — Eu perguntei. — Que tal eu estar no topo?

Malcolm bufou, como se fosse uma pergunta ridícula.

— Talvez se você estiver montando meu pau.

Fiz uma pausa para considerá-lo.

355
— Eu acho que eu poderia viver com isso.

Ele me beijou novamente, e era tudo que eu conseguia pensar. Corri


minhas mãos pelo seu peito, mas quando cheguei ao seu cinto, ele pegou
minha mão para me parar.

— Você acabou de levar um tiro. — Ele disse em um tom de repreensão,


como se eu tivesse esquecido isso.

E tudo bem, por um segundo, talvez eu meio que tivesse. Ele tinha esse
efeito em mim.

— Na minha opinião médica profissional, está tudo bem.

Malcolm me deu uma olhada, mas seus olhos estavam dançando com
diversão.

— Paciência, Gatinho. Descanse agora, porque quando chegarmos em


casa, você vai precisar.

Quando chegarmos em casa.

Essas palavras deixaram minha cabeça ainda mais confusa do que a


medicação. Para ser justo, não havia alta que pudesse se comparar à merda
que Malcolm me fez sentir. Ele era minha droga. Meu vício. Minha completa e
absoluta queda.

E eu não tive um único maldito arrependimento.

356
Epílogo
Malcolm

Enquanto eu estava em um mar de corpos com sangue se acumulando


ao redor das solas das minhas botas, olhei em volta para avaliar os danos.
Onze mortos no andar superior, sem contar os dois corredores que meu
parceiro tinha ido atrás, e dezesseis nos níveis inferiores combinados.

Provavelmente era seguro dizer que a filial da Costa Leste da rede de


tráfico de armas da Sociedade Sigma estava permanentemente fechada.

O som de sapatos grudando no sangue que já estava ficando brega


ecoou pelo vasto loft do armazém, e me virei para encarar Silas enquanto ele
vinha em minha direção.

— Nada mal. — Ele comentou, olhando ao redor da sala. — Para o seu


primeiro trabalho.

— Seriamente? — Eu murmurei, passando por cima de um cadáver


enquanto desaparafusava meu silenciador e recolocava a arma no coldre.

Ele apenas sorriu como o idiota que ele era.

— Contagem de corpos muito grande para um emprego no governo. —


Observei.

— Você está brincando? Esses são sempre os mais sangrentos. — Ele


respondeu, oferecendo-me um lenço.

Eu olhei fixamente para ele.

357
— O que, eu sou uma maldita donzela vitoriana ou algo assim?

Ele revirou os olhos.

— Você tem sangue em seu rosto, e você já vai se atrasar para sua
própria festa de noivado se não nos apressarmos. Algo me diz que seu noivo
corado não vai gostar de você aparecer parecendo o Rambo. Há um terno
novo no carro.

Apesar do fato de que ele estava usando o mesmo cinza que ele estava
usando quando entramos, não havia uma mancha de sangue nele.

Eu bufei, pegando o pano de sua mão para limpar os respingos na


minha bochecha e mandíbula.

— Você vai ter que me dizer como você consegue fazer essa merda sem
fazer uma bagunça.

Silas fez uma pausa, e seu olhar viajou sobre mim em uma
contemplação crítica.

— Isso pode ser uma causa perdida.

— Oh, foda-se. — Eu disse, passando por ele no meu caminho para fora
da porta. — Seu pessoal de limpeza está a caminho?

— Eles já estão aqui. — Disse ele, seguindo-me pelos degraus de metal


raquíticos. Com certeza, havia três veículos pretos que não estavam lá antes
de cercar o armazém. Eu assisti como uma equipe de homens e mulheres
vestidos com roupas e óculos de proteção saiu dos veículos e começou a
carregar uma variedade de equipamentos, de lonas de plástico a barris de

358
metal e kits pretos compactos cheios de todas as outras coisas que eles
precisavam para fazer este lugar parecer que não foi palco de um massacre.

— Seus novos caras são bastante eficientes.

— Eles deveriam ser. — Disse Silas, abrindo o porta-malas para me


jogar uma mochila. — Metade deles trabalhou para o cliente desta noite há
alguns meses.

— E você não está preocupado com a organização clandestina do


alfabeto, você nem vai me dizer o nome de ficar irritado por ter roubado o
talento deles? — Eu perguntei, tirando minhas roupas ensanguentadas para
me trocar para o terno preto que eu usaria para a noite.

Um cara vestido de branco da cabeça aos pés veio e recolheu minhas


roupas descartadas, colocando-as sem palavras em um saco plástico.

Matar não era novidade para mim, mas eu definitivamente poderia me


acostumar com o serviço de concierge.

— Vai para os dois lados. — Silas meditou, antes de deslizar para o


banco do motorista. — E você sabe o que precisa saber. Por enquanto.

— Eu pensei que isso era um negócio de família agora. — Eu brinquei,


entrando no lado do passageiro.

Ele soprou uma lufada de ar pelas narinas.

— Considere esta sua fase de rodinhas, irmão mais velho. Além disso,
você realmente quer assumir tanta responsabilidade tão cedo antes de sua lua
de mel?

Revirei os olhos.

359
— Sim, tanto faz. Quando voltarmos, conversaremos.

— Tenho certeza que sim. — Disse Silas, mantendo os olhos na estrada.


— Valentim parece estar se adaptando bem.

— Ao quê? — Eu perguntei. — Viver comigo ou não trabalhar no


hospital?

— Ambos. — Ele respondeu depois de um momento. — Tem sido


bastante conveniente, na verdade, ter um médico sob demanda.

Eu grunhi. Fazer com que ele deixasse de trabalhar no hospital para ser
o médico oficial da máfia não era exatamente o que eu tinha em mente, mas o
mantinha ocupado e significava que Enzo poderia ficar de olho nele quando
eu estivesse em uma missão com Silas, então eu não ia reclamar muito.

Era quase duas horas de carro até o clube de campo que serviria de local
para a festa que Valentine estava planejando nos últimos dois meses, e
quando chegamos a um oceano de carros no estacionamento lá fora, eu sabia
que um bom vinte deles pelo menos tinham de ser seguranças disfarçados.

Demônio ainda estava enterrado no poço mais profundo e escuro que


pude encontrar, que por acaso era a prisão subterrânea que Silas estava
encarregado por inúmeras razões. Depois de meros dois meses no trabalho
com Silas após minha aposentadoria da força, percebi quantas vezes ele teve
que usá-lo.

Trabalhou para mim, no entanto. Mas mesmo que Demônio estivesse


sendo monitorado vinte quatro horas por dia de todos os ângulos, eu ainda
não tinha certeza de como me sentia sobre o fato de que ele ainda estava vivo.

360
Mesmo que isso significasse que ele poderia apodrecer e sofrer pelos
próximos cinquenta anos, mais ou menos.

— O que está em sua mente? — Silas perguntou, embora eu pudesse


dizer por suas entonações que ele sabia muito bem.

Fiz uma pausa para considerar minhas palavras por um momento antes
de responder:

— Eu confio em você.

Foi a primeira vez que eu disse aquelas palavras para outra alma viva, e
eu quis dizer isso, mas era a verdade. Ele colocou sua vida em risco por
Valentine, e isso significava muito mais do que se ele tivesse colocado em
risco por mim. Valentine não era apenas minha vida, ele era minha alma.
Toda a minha vida, eu tinha assumido que não tinha um só para perceber que
tinha. Apenas vivia fora de mim.

— Só não prove que estou errado. — Acrescentei.

Silas não respondeu imediatamente. Quando finalmente o fez, ele se


virou para mim, um olhar diferente de sarcasmo em seu rosto pela primeira
vez.

— Se eu achasse que eles estariam mais seguros com ele morto, ele
estaria. — Ele finalmente disse. Ele nem precisou esclarecer do que eu estava
falando, ou de quem. — O fato é que Demônio está lá há anos e teve tempo
mais do que suficiente para desenvolver sua própria rede de recursos.
Incluindo um botão de pânico.

Eu balancei a cabeça em reconhecimento quando ele parou em um


espaço vazio no estacionamento. Ele estava certo, é claro. Havia mil maneiras

361
diferentes de Demônio poderia nos foder do além-túmulo se não tivéssemos
cuidado, e ele era apenas o tipo de filho da puta vingativo para sair com um
estrondo.

— Além disso, é como você disse antes. — Silas continuou. — Nós dois
temos mais inimigos lá fora do que ele sozinho. Ele tem informação. Podemos
usá-lo.

— A tortura não foi tão eficaz para ele até agora, não é?

— Não. — Silas admitiu. — Mas eu conheço Demônio. Melhor do que


ele mesmo se conhece. — Murmurou. — Se tem uma coisa que ele não suporta
é o tédio, e ainda nem deu tempo de começar.

Ele provavelmente estava certo sobre isso também. E eu acreditava que


ele estava certo sobre Enzo e Valentine estarem mais seguros com Demônio
vivo do que morto, por enquanto. Se havia uma coisa em que você podia
confiar, era no instinto de sobrevivência de um predador, e Silas havia
provado repetidas vezes que sua proteção obsessiva sobre o marido excedia
até isso.

— Devemos entrar. — Comentou Silas, olhando para o relógio. — Seu


'gatinho' espera.

Eu sorri com o desgosto indiferente em seu tom.

— Você sempre foi mais uma pessoa de cachorro. — Eu disse, saindo do


carro.

O clube estava iluminado por fora, mas empalidecia em comparação


com o layout extravagante de dentro.

362
— Ele realmente se superou, não foi? — Silas perguntou, olhando ao
redor os vários membros do mundo do crime reunidos para esfregar os
cotovelos e bebericar coquetéis como se não fôssemos todos apenas cães de
ferro-velho em ternos.

— Isso é o que eu ganho por me casar com um festeiro, eu acho. — Eu


disse secamente, examinando a multidão em busca do meu animal de
estimação.

Eu o encontrei com bastante facilidade, já que as pessoas ao seu redor


estavam mantendo bastante distância enquanto ele gesticulava
descontroladamente enquanto contava alguma história que provavelmente
estava meio inventada. Ele estava com seus irmãos, Chuck, Johnny e alguns
outros que eu não reconheci, o que significava que eles provavelmente eram
amigos da faculdade. Eu já havia examinado obsessivamente todos os
conhecidos do hospital e da Família, porque eu não estava acima de perseguir
meu próprio noivo para sua própria proteção.

Ou minha própria possessividade. Mas só porque Valentine me mudou


não significava que eu estava totalmente reformado de forma alguma.

Observar os outros o observando me encheu de diversão e uma


quantidade irracional de ciúmes ao mesmo tempo. Valentine era como uma
fogueira humana, tão cheio de calor e vibração que as pessoas naturalmente
se reuniam ao seu redor. Eu sabia melhor do que pensar que era o único que
tinha ficado encantado com sua inocência e o carisma que ele empunhava
como uma arma, mesmo que eu percebesse que ele estava completamente
alheio a isso. Mas isso também fazia parte de seu charme.

363
Um olhar para o jeito que Johnny o observava com um olhar de
adoração, que ele conhecia bem o suficiente para mascarar na minha
presença, e eu sabia que não era o único que se sentia assim também.

— Ele é da família. — Silas disse, bem ao meu lado, embora eu nem


soubesse que ele ainda estava lá. Rastejar. — Você não pode matar a família.

— Sim, sim. — Eu murmurei, pegando uma bebida da bandeja de um


garçom que passava. Eu precisaria de algo para aliviar a besta de olhos verdes
dentro de mim se eu quisesse sobreviver à noite. Normalmente aquele que
tinha sede de sangue era o que estava furioso contra a jaula, mas esse era
outro lado de mim que Valentine tinha despertado.

Eu sempre fui um filho da puta possessivo, mas nunca se estendeu às


pessoas. Nem mesmo no meu casamento anterior. Eu podia reconhecer agora
que, de certa forma, eu tratei Owen como qualquer outro bem. Eu o amava
tanto quanto era capaz naquela época, mas principalmente como uma
extensão de mim mesmo. Se ele tivesse me traído, eu teria ficado chateado,
mas principalmente por causa do meu orgulho ferido. Tudo o que Valentine
tinha que fazer era olhar para outra pessoa, e eu me transformei em um
maldito homem das cavernas.

E eu realmente não era muito um ser humano civilizado para começar.

Atravessei a multidão de convidados, tentando não parecer um tubarão


faminto circulando sua presa, mesmo que fosse exatamente o que eu fosse.
Quando cheguei atrás de Valentine, eu sabia que ele não tinha me notado, já
que ainda estava rindo tanto de sua própria piada que bufou.

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— E então, ele rasgou os pontos como eu disse que faria e você deveria
ter visto o rosto dele enquanto eu o costurava de volta, tentando ser tudo,
'Grr, eu sou um macho alfa, não sinto dor.'

Ele parou quando os outros ficaram em silêncio e todos, menos Enzo e


Luca, pareciam que iam se mijar. Os lábios de Luca estavam franzidos,
tentando não rir quando Valentine congelou e perguntou:

— Ele está bem atrás de mim, não está?

— Sim. — Disse Enzo, seus olhos brilhando com diversão quando Silas
se aproximou para deslizar um braço em volta de sua cintura.

Valentine se virou e gritou alarmado quando viu o quão perto eu estava.


Eu deslizei uma mão atrás de suas costas e o puxei contra mim, de repente, o
suficiente para que sua bebida espirrou em sua mão.

— Divertindo-se, Gatinho?

Ele corou ainda mais do que o normal, mas ele ia ter que se acostumar
comigo chamando-o assim em público. Assim como ele se acostumou a usar
minha coleira o tempo todo. Era mais sutil do que o primeiro colar que eu dei
a ele e mal era visível sob o colarinho de sua camisa, mas eu sabia que estava
lá, e isso alimentou uma satisfação primitiva dentro de mim.

— Eu só estava contando a eles sobre aquela vez na casa do lago. — Ele


disse com um sorrisinho tímido, que teria me acalmado mesmo se eu
estivesse com raiva.

— Oh sim? — Eu perguntei. — Você disse a eles como eu puxei esses


pontos?

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Seu rosto ficou ainda mais vermelho.

— Não tinha chegado a essa parte, não.

— E essa é a minha deixa. — Luca murmurou com desgosto, dando um


tapinha no meu braço no caminho. — Parabéns. Grande festa, mas não
preciso ouvir em detalhes como você repreendeu meu irmão. Novamente.

— Eu pensei que estávamos nos unindo. — Eu chamei por ele.

Ele me ignorou antes de desaparecer na multidão.

— Sim, eu vou uh, provavelmente me esquivar disso também. — Disse


Chuck, acenando para nós dois. — Adoro o bar aberto.

Dada a forma como ele bebia, eu provavelmente iria me arrepender de


ter dado ao fornecedor meu cartão preto. Pelo menos até eu ver o sorriso no
rosto de Val quando ele se inclinou para mim, e decidi que não, eu pagaria
com prazer qualquer preço por isso.

Estranhamente, todos pareciam se separar assim que cheguei. Silas


arrastou Enzo para a pista de dança, e Johnny murmurou alguma desculpa
que parecia sem entusiasmo antes de dar seus parabéns e dar um abraço em
Val. Ele me olhou com cautela o tempo todo antes de partir.

— Ele parece nervoso perto de mim. — Comentei uma vez que


estávamos sozinhos.

Valentine olhou para mim incrédulo.

— Sim, eu me pergunto por quê.

Eu o puxei para mais perto, beijando-o com força, só porque eu podia.


Eu o beijei até que ele afundou no meu peito e passou os braços em volta do

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meu pescoço, e quando eu me afastei, se apenas para poder dar uma olhada
nele, seus olhos estavam vidrados e seus lábios rosados pelo fluxo de sangue e
sangue e a ferocidade do beijo.

— Para o que foi isso? — Ele perguntou atordoado.

— Porque você é meu. — Eu respondi com um encolher de ombros. — E


eu senti sua falta.

Seus lábios se curvaram em um pequeno sorriso travesso e a luz do


candelabro brilhou em seus olhos.

— Você sentiu minha falta, hein?

— Você parece surpreso.

— Na verdade, não. — Disse ele, inclinando-se para mim quando


acabamos na pista de dança. Peguei sua mão na minha esquerda e deslizei
minha outra para baixo em seu quadril, levando-o. — Mas você não costuma
dizer isso.

— Eu não costumo fazer muitas coisas que me sinto compelido a fazer


quando se trata de você. — Eu admiti.

— Oh sim? — A mão que estava no meu ombro subiu e seus dedos


brincaram com o cabelo da minha nuca. — Como o quê?

— Posso pensar em algumas coisas agora. — Eu disse, minha mão


viajando um pouco mais para baixo para segurar sua bunda, apenas para ver
o olhar tímido em seu rosto enquanto ele olhava ao redor para ter certeza de
que ninguém mais estava prestando atenção. Não que eles ousassem
comentar se fossem. — Mas seria mais divertido mostrar a você.

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— Malcolm, é nossa festa de noivado. — Valentine murmurou.

— Isso é um não?

Ele hesitou, olhando ao redor novamente.

— Bem... Há um almoxarifado naquela esquina.

Peguei sua mão, já o conduzindo pelo chão antes que ele terminasse
essa frase. Com certeza, lá estava, mesmo que fosse pequeno o suficiente para
ser mais como um armário de suprimentos do que um quarto cheio.

Seria bom, no entanto. Não havia como eu passar a noite sem perder a
cabeça se eu não o tivesse, e eu sabia que Valentine não iria querer sair mais
cedo da nossa festa de noivado.

No momento em que estávamos dentro do armário, fechei a porta e o


empurrei contra ela, beijando-o forte o suficiente para lembrá-lo de que eu
estava me segurando antes, mesmo que apenas por causa dele.

— Malcolm... — Ele respirou enquanto eu voltava minha atenção para


seu pescoço. Suas mãos encontraram meu cabelo, e ele deu um pequeno
gemido sedutor quando meus dentes roçaram sua garganta.

Eu rasguei sua jaqueta e comecei em seu cinto, mas eu não podia


esperar para tirar suas calças antes de deslizar minha mão por sua boxer e
espalmar seu pau. A sensação dele endurecendo em minhas mãos era
querosene em chamas, e quando ele resistiu ao meu toque instintivamente
como se não pudesse se controlar, isso se transformou em um inferno.

Eu consegui me segurar o suficiente para tirar suas calças, e ele já estava


desafivelando meu cinto com as mãos trêmulas. Eu me perguntei se era a

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antecipação do que estava prestes a acontecer, o pensamento da última vez
que eu usei em sua bunda, ou ambos.

— Oh, espere. — Disse ele, estendendo a mão para pegar algo fora das
calças agrupadas em torno de seus tornozelos. Ele puxou uma camisinha e eu
sorri.

— Você veio preparado.

Eu geralmente me opunha a que houvesse qualquer barreira entre nós,


mas estava lubrificada, e algo me dizia que ele ia reclamar do meu gozo
pingando em sua coxa no meio de um caso tão civilizado.

— Eu tive um pressentimento. — Disse ele secamente, desembrulhando


a camisinha antes de pegar meu pau já duro na palma da mão e deslizá-lo. Ele
tomou seu tempo, as pontas dos dedos roçando a ponta.

— Me provocando, hein? — Eu perguntei, agarrando seus pulsos antes


de girá-lo e empurrá-lo contra a porta, de cara.

Ele se engasgou, seus dedos espalmados contra a porta enquanto ele


estava com sua bunda perfeita meio exposta sob a cauda de sua camisa,
pronto para ser tomado. Eu deslizei meus dedos por sua fenda, roçando a
base familiar do plug dentro dele.

— Bom menino. Você ouviu. Não quer ser punido esta noite.

— Eu não diria isso. — Ele murmurou.

Um sorriso torceu meus lábios mais uma vez quando eu dei um puxão
suave no plugue. Eu o senti ficar tenso automaticamente. Molho os dedos na
boca antes de usá-los para lubrificar um pouco o plugue para poder tirá-lo.

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Ele ainda choramingou um pouco, um som sedutor que me fez querer
confortá-lo e arrebatá-lo de uma vez.

Seu cabelo já estava puxado para trás, então dei um beijo em sua nuca e
recoloquei o plugue com meus dedos, esfregando suavemente seu ânus, que
ainda estava ligeiramente aberto.

— Parece que você está pronto para o papai. — Eu disse, minha voz
baixa e áspera com aprovação em seu ouvido.

Valentine estremeceu em resposta quando eu alinhei meu pau em sua


entrada e empurrei para dentro, sendo rápida por causa dele, já que tínhamos
lubrificante limitado para trabalhar. E também um pouco porque não
aguentava mais esperar. Eu precisava estar dentro dele agora, e a sensação de
sua bunda apertada em mim era mais do que recompensa suficiente.

— Foda-se. — Ele rangeu, suas unhas raspando contra a porta.

Eu coloquei uma mão em seu quadril para melhor controle e dei-lhe um


segundo para se ajustar antes de empurrar o resto do caminho para dentro
dele. Eu apertei minha outra mão sobre sua boca para abafar o grito
estrangulado que escapou dele. A música e a conversa da festa estavam muito
altas para que alguém nos ouvisse, a menos que estivessem do lado de fora do
corredor, e eu realmente não dava a mínima se eles estivessem, mas eu sabia
que ele ligava. E foi uma virada. A julgar pela maneira como ele arqueou as
costas contra mim, sentiu o mesmo.

Quando comecei a empurrar lentamente nele, eu estava prestes a me


afastar até que senti sua língua deslizar contra minha pele, deslizando por
entre meus dedos. Eu gemi em aprovação e empurrei dois dedos em sua boca.

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Ele começou a chupar e lavá-los em uma deliciosa prévia do que ele ia fazer
com meu pau mais tarde naquela noite.

— Bom gatinho. — Eu ronronei, minhas mãos viajando para a frente de


seu corpo. Eu deslizei um por baixo de sua camisa e belisquei seu mamilo até
endurecer, e agarrei seu pau com o outro.

A cabeça de Valentine caiu para trás e ele gemeu de felicidade quando


comecei a beijar sua nuca e acariciá-lo, tudo isso enquanto empurrava nele
mais forte do que antes. Eu gostava de tomar meu tempo na maioria das
ocasiões. Saboreando as sensações de seu corpo perfeito sob o meu, e
aproveitando o tempo para dedilhar todas as suas cordas para extrair todas as
notas certas de prazer e dor de seus lábios carnudos, mas havia um tempo e
um lugar para áspero e rápido, e isso era isto.

A noite ainda era uma criança, e uma vez que eu o tivesse em casa, onde
ele pertencia, na minha cama, estaríamos indo a noite toda até que ele
implorasse por misericórdia ou desmaiasse. O que veio primeiro. Este foi
apenas o aquecimento.

Não importa quantas vezes eu o levei, ou para onde, nunca chegou perto
de envelhecer. Eu explorei cada centímetro de seu corpo tão completamente
com quase cada parte do meu, e ainda cada vez que eu transava com ele, eu
sentia a emoção de explorar um território desconhecido. Eu já o havia
conquistado mil vezes, e ainda assim, eu queria mais.

A julgar pelo jeito que ele estava se contorcendo desesperadamente em


meu toque, ele também.

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Valentine gozou com um pequeno gemido tentador e eu não estava
muito atrás. Cedi à tentação de morder seu pescoço, quase com força
suficiente para romper a pele, logo antes de gozar, e seu grito de dor me levou
ao limite.

— Filho da puta. — Ele disse por entre os dentes, seu pau ainda se
contorcendo na minha palma enquanto as últimas gotas de gozo
escorregavam pelos meus dedos. — Eu juro, você é como um maldito
vampiro.

Eu puxei e joguei o preservativo usado antes de levar meus dedos na


minha boca e chupar o dele, salgado e doce. Assim como ele.

— Você gosta disso. — Eu acusei.

Ele me deu um olhar indiferente, seus olhos ainda vidrados de prazer,


mas não negou. Eu assisti enquanto ele lutava para recuperar o fôlego e
puxava as calças para cima, suas mãos tremendo enquanto tentava reapertar
o cinto. Eu já tinha cuidado da minha, então eu empurrei suas mãos para o
lado e assumi para ele.

— Você está uma bagunça. — Comentei, observando sua aparência


recém-desgrenhada, desde sua camisa amarrotada até os fios de cabelo que
caíram de seu rabo de cavalo baixo.

Irritação brilhou em seus olhos.

— Eu quero saber porque.

Eu apenas sorri e peguei seu rosto em minhas mãos quando me inclinei


para beijá-lo, roubando seu fôlego recém-recuperado.

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— Quando formos lá, você acha que eles vão saber? Você acha que eles
serão capazes de dizer que eu fodi seus miolos no armário de suprimentos
porque você é uma putinha tão travessa, você não podia esperar até
chegarmos em casa?

— Oh, foda-se. — Ele murmurou, mas eu podia dizer pelo rubor em


suas bochechas que sua irritação tinha mais a ver com ficar excitado
novamente do que com ser insultado. Ele adorava quando eu falava
sacanagem com ele, mas também gostava de fingir que não. Apenas mais um
dos joguinhos que jogamos tanto no quarto quanto fora dele.

Eu nunca fui muito grande em limites, então não fazia muito sentido
compartimentar esse aspecto do nosso relacionamento. Valentine era meu
animal de estimação, meu menino, meu melhor amigo e meu amante. Ele era
todas essas coisas e muito mais, e eu queria que ele fosse todas essas coisas,
quer estivéssemos na cama ou na rua. Eu queria possuir cada parte dele de
todas as maneiras que pudesse, e eu queria que o mundo soubesse disso
também.

O anel em seu dedo era apenas outra maneira de mostrar o que a coleira
em seu pescoço já mostrava, e em breve teríamos uma certidão de casamento
para provar o mesmo. No final, eles eram apenas símbolos superficiais de
uma verdade subjacente.

— Você é meu, Valentine. — Eu sussurrei em outro beijo enquanto eu o


prendia contra a porta novamente. — Cada parte de você. Sempre. Para todo
sempre. Não há escapatória.

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Ele sorriu contra meus lábios e olhou para mim com um pequeno brilho
perverso em seus olhos.

— Só você poderia encontrar uma maneira de fazer isso soar como uma
ameaça, seu psicopata.

— Oh, é. — Eu assegurei a ele, colocando uma mecha de cabelo errante


atrás da orelha. — Mas você vai se casar comigo, então realmente, qual de nós
é mais louco?

— Essa é uma pergunta justa. — Ele meditou, deslizando os braços em


volta do meu pescoço e pressionando sua testa contra a minha. — Acho que
vai ter que ser um ajuste certo.

Fim

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