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A representação de espaços sociais e a crítica de costumes

O subtítulo da obra, “Episódios da vida romântica”, sugere uma demonstração detalhada de vícios e
aspetos que ainda vigoram na sociedade, em plena segunda metade do século XIX. O cenário em
que se desenrola a intriga principal, bem como o recurso a personagens-tipo que representam
grupos sociais e/ou atividades profissionais, permitem a representação de espaços sociais da capital
portuguesa e, através deles, a crítica de costumes. É o que acontece nos episódios do jantar no Hotel
Central e na corrida de cavalos no hipódromo de Belém, por exemplo.

No episódio do jantar no Hotel Central, onde Ega pretende fazer uma espécie de homenagem ao
banqueiro Cohen, reproduzem-se conversas que focam assuntos diversos, desde a situação política e
económica do país até um confronto literário. Os confraternizantes do jantar discutem inicialmente
o estado deplorável das finanças públicas e o eterno endividamento do país, comentando a
necessidade de reformas externas e radicais, mostrando a decadência do país. Já no final do jantar
existe um confronto entre Ega, defensor acérrimo do Naturalismo, e Alencar, poeta ultrarromântico.
Os dois envolvem-se numa disputa verbal e física, deixando evidente a incapacidade de alguns
membros da elite lisboeta em se comportarem com civismo e dignidade.

No episódio das corridas de cavalos, é denunciado o culto da aparência da sociedade burguesa,


imitando a realidade das corridas inglesas. As pessoas presentes, vestidas de forma inadequada,
mostram desinteresse pelo evento, revelando comportamentos desajustados. O espaço é um local
improvisado, existe falta de desportivismo dos participantes da corrida e o ambiente apenas anima
quando surge uma cena de discussão e pugilato, factos que evidenciam o provincianismo lusitano e
a mediocridade do evento, bem como a falta de civismo português (mais uma vez).

Assim, percebemos que ambos os episódios servem como crítica dos excessos e da desadequação
dos comportamentos do povo português.

A educação

O tema da educação em “Os Maias” é abordado de forma a evidenciar duas mentalidades


diferentes, havendo a comparação entre a educação tradicional portuguesa e a educação britânica.

A educação tradicional portuguesa, representada por Pedro da Maia e Eusébiozinho, baseia-se,


sobretudo, na promoção da religião católica e na conceção punitiva do mundo. Há uma valorização
da memória em detrimento do espírito crítico, o ensino do latim e uma grande desvalorização da
prática do exercício físico. Como resultado deste tipo de educação, surgem nas personagens traços
de fragilidade e fracasso: Pedro da Maia fica obcecado por Maria Monforte e acaba por suicidar-se
quando esta foge com o italiano; Eusébiozinho torna-se protagonista de situações em que se
encontra na presença de prostitutas e submete-se à violência da mulher.
Relativamente à educação britânica, praticada em Carlos por decisão de seu avô, esta valoriza
essencialmente a cultura física, o rigor e o método, havendo apologia pela cultura física e pelo
espírito reflexivo. Carlos, contudo, à semelhança de Eusébiozinho e seu pai, acaba também por
fracassar mesmo tendo grandes planos para o seu futuro após formar-se em medicina. No entanto, a
educação que teve aquando criança permitem-lhe ultrapassar a morte de seu avô e a descoberta do
seu parentesco com Maria Eduarda.

Assim, através destes exemplos, percebemos a forma como o tipo de educação de cada personagem
é capaz de interferir com o seu caráter e a sua atitude, perante uma vida futura, sendo evidente a
decadência da educação tradicional portuguesa.

Características trágicas das personagens

A obra “Frei Luís de Souza”, de Almeida Garret, e “Os Maias”, de Eça de Queirós, possuem algumas
semelhanças no que diz respeito ao desenvolvimento da ação e às características trágicas dos
protagonistas.

No drama de Garret, à medida que nos aproximamos da tragédia, há uma fatalidade que paira sobre
a família de Madalena, uma família de estatuto nobre, existindo inúmeros indícios que surgem no
decorrer da ação e que anunciam a catástrofe que se concretizará com o regresso e reconhecimento
de D. João de Portugal, ex. Marido de Madalena. São eles: os retratos de Manuel e de D. João, as
superstições e os agouros, a referência à “sexta-feira" como dia ominoso, etc. No final da história
existe a morte de Maria e a entrega dos seus pais a uma vida religiosa. Para além disso, a ação
central apresenta uma típica estrutura de tragédia.

Da mesma forma, no romance de Eça parecem existir indicações de um destino fatal: Carlos da Maia
e Maria Eduarda destacam-se das restantes personagens pela sua superioridade física e intelectual;
Carlos chega a perceber a determinada altura a semelhança dos seus nomes, facto que pode ser
entendido como um presságio da concordância dos seus destinos; Vilaça faz alusão a uma lenda
segundo a qual eram sempre fatais aos Maias as paredes do Ramalhete; a imagem da alcova onde
decorrem os amores de Carlos e Maria Eduarda como “Tabernáculo profanado”; etc. Também ao
nível da estrutura da obra se podem distinguir aspetos trágicos: o amor incestuoso de Carlos e Maria
Eduarda, que equivale à “hybris” (desafio); a súbita mudança dos acontecimentos, devido ás
revelações na carta trazida por Guimarães, que constitui a “peripécia”; a morte física (para Afonso),
do amor (para Carlos e Maria Eduarda) e social (da família), sendo a “catástrofe”.

Com isto, percebemos que ambas as obras apresentam elementos trágicos, como a inevitabilidade
do destino, o sofrimento humano e a falha dos personagens em lidar com as suas próprias fraquezas
e limitações, havendo um certo paralelismo entre ambas.

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