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Neste artigo buscamos tecer uma breve crítica ao conceito de literacia histórica
proposto por Peter Lee, estabelecendo um dialogo com o conceito de prática de letramento.
Nossa crítica busca compreender o proposto pelo autor em diálogo com outros campos de
conhecimento, apresentando as limitações e possibilidade do conceito literacia histórica
possui.
A expressão tecida por Peter Lee literacia histórica dialoga principalmente com o
campo da Teoria da História e o da Didática da História, tendo como principal interlocutor o
alemão Jörn Rüsen. Nessa perspectiva Lee (2006) pensa a literacia histórica como uma forma
de promover o conhecimento histórico no aluno.
A expressão literacia ganharia aspectos linguísticos (BARCA, 2006) supostamente
mais abrangentes neste conceito. Ler estaria relacionado diretamente com leitura do mundo da
vida e sua relação constitutiva com o conhecimento construído pelo sujeito.
Peter Lee (2006) busca preenche um espaço vazio no debate a cerca do aprendizado
histórico construindo o conceito de literacia histórica:
Não se trata de que alguém tenha repentinamente revelado um novo
problema; após a experiência dos últimos trinta anos de atenção às questões
disciplinares, é mais fácil enxergar o que está faltando. Uma forma de
colocar o problema é dizer que ainda falta um conceito adequado de literacia
histórica. (LEE, p. 133, 2006)
Pretende com este conceito lançar luz sobre um debate fundamental no ensino de
história, delineia uma perspectiva de como fazer a literacia histórica estar presente nos
processos de aprendizagem do aluno. Neste sentido o autor afirma que “[precisamos] de uma
noção operacionalizável de literacia histórica” (LEE, p. 134, 2006).
*
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, doutora e educação, professora de disciplina Ensino de História
no curso de História.
Para conduzir essa indicação operacionalizante Lee faz referência a “Matriz disciplinar
de Jörn Rüsen”:
Indica que Rüsen “conecta a história a vida pratica cotidiana” (LEE, p. 135, 2006) e
neste sentido “o conhecimento não deve ser inerte, mas deve agir como parte da vida do
aprendiz” (LEE, p. 135, 2006). A literacia histórica instrumentalizaria o aprendiz a romper
com o senso comum e fomentaria a consciência histórica e sua função prática (RÜSEN,
2001), isto é, o “papel em nos orientar no tempo” (LEE, p. 135, 2006).
A literacia histórica teria como principal função operacional instrumentalizar o aluno
no transcurso do aprendizado histórico, fomentando sua consciência e sua capacidade de lidar
com o tempo e os processos históricos de forma crítica. Neste sentido como o próprio autor
salienta existem marcas de identificação, vocabulários e expressões (LEE, p. 136, 2006) que
constituem essa área de conhecimento.
A literacia histórica promoveria uma “estrutura histórica utilizável (UHF) que vai
além dos fragmentos ‘verificados’ ou características nacionais...” (LEE, p. 146, 2006), o
autor indica que esta abordagem:
A UHF deve ser uma estrutura aberta, capaz de ser modificada, testada,
aperfeiçoada e mesmo abandonada, em favor de algo mais, de forma que os
alunos sejam encorajados a pensar e refletir sobre as suposições que fazem
ao testar e desenvolver sua estrutura. Diferentes alunos sairão da escola com
diferentes estruturas. (LEE, p. 147, 2006)
O próprio termo fonte ganha na História uma perspectiva própria deste campo de
conhecimento discursivo (BAKHTIN, 2002), neste sentido ao presumir que a leitura é uma
passagem direta para a constituição da consciência histórica, apenas por que o aprendiz é
alfabetizado e assim é capaz de manipulara as fontes, mostra um reducionismo das relações
sociais nos quais os processos de leitura e escrita são constituídos.
Destacamos que estas fontes podem pertencem a diferentes gêneros discursivos e uma
variante temporal ampla. Na perspectiva apontada pelo conceito de literacia a língua e a
capacidade compreender estes gêneros discursivos ganham uma estabilidade atemporal, isto é,
o indivíduo letrado pode independente das relações sócio-históricas e do tempo-espaço
poderia transitar com desenvoltura pelas fontes apresentadas.
Gostaríamos de destacar uma proposta em relação à escrita da História para corroborar
a afirmação que apresentamos nesta seção: a ação do historiador é uma prática de
letramento e, dessa forma, constitui-se em seu tempo-espaço sócio-historicamente situado e
validado. Como prática de letramento, a história vem se constituindo ao logo do tempo,
formando-se em processos de ruptura e consolidação de gêneros discursivos e se
estabelecendo em gêneros discursivos que constituem:
†
A expressão alfabetismo atualmente equivale a letramento. Em 1990 o campo da Educação ainda havia adoto a
expressão “letramento” usando alternadamente para afirmar a mesma coisa letramento e alfabetismo.
Há mais na história do que somente acúmulo de informações sobre o
passado. O conhecimento escolar do passado e atividades estimulantes em
sala de aula são inúteis se estiverem voltadas somente à execução de ideias
de nível muito elementar, como que tipo de conhecimento é a história, e
estão simplesmente condenadas a falhar se não tomarem como referência os
pré-conceitos que os alunos trazem para suas aulas de história. (LEE, p. 136,
2006)
A crítica apresentada pelo autor aos processos de ensino nos parece ingênua e
carecendo de densidade em relação as questões sócio-históricas que o fazer está
circunstanciado. Não basta conhecer os pré-conceitos trazidos pelos alunos. Saliento que não
acredito que consigamos de fato compreender eles em sua totalidade, apenas temos um
vislumbre de como cada sujeito aluno pensa ou compreende as questões de passado, tempo e
História. Esse conhecimento do outro é apenas a ponta do iceberg na construção do
conhecimento histórico e na problematização do saber que o aluno traz do mundo da vida para
a dinâmica da sala de aula.
A crítica também induz uma perspectiva que considero pouco atenta aos fluxos do
ensinado. Ao afirmar que “estão simplesmente condenadas a falhar se não tomarem como
referência os pré-conceitos que os alunos trazem para suas aulas de história” o autor
deposita no professor a tarefa de buscar formas para promover a literacia histórica em
condições independentes e idealizadas, uma ação que ele como protagonista possui uma
suposta autonomia e condições de realizar por seus esforços e competência pedagógica.
Este depósito de importância e tarefas nas mãos do professor não considera os fluxos
pedagógicos que a sala de aula está submetida. Muitas vezes independem do protagonista do
ensino “o professor” e dos protagonistas do aprendido “os alunos” a tarefa de fazer um
conhecimento ensinavel e aprendido é impactada por outras questões não exclusivamente
pertinente a ação ensino-apredizagem em seu sentido strito.
Lee (2006), afirma ser preciso “... uma noção operacionalizante de literacia
histórica” (p. 134). O uso da expressão opercionalizante já nos indica uma visão calcada na
concepção de racionalidade técnica. Nesta perspectiva o saber é apresentado como linear e
mecânica entre o conhecimento técnico-científico e a prática na sala de aula, o professor ao
dominar os caminhos da operação garantiriam a instalação e propagação da literacia histórica
nos alunos.
O conceito de literacia histórica apresentado por Lee ao não dialogar com áreas de
sociologia da linguagem, filosofia da linguagem, estudos do currículo e a cultura escolar
produz uma redução nas potencialidades que este conceito possui. Acreditamos que pensar o
ensino de História como prática de letramento tem potencialidades maiores e abarca questões
presente na literacia histórica e de suma importância, entre elas a consciência histórica.
Referência bibliográfica.
BARCA, I. Literacia e consciência histórica. In. Educar, Curitiba, p. 96 – 112, 2006.
LEE, P. Em direção a um conceito de literacia histórica. In. Educar, Curitiba, p. 131 – 150,
2006.
CHERVEL, André. História das disciplinas escolares. In Teoria e Educação. Porto Alegre,
nº2, 1990.
FORQUIN, Jean-Claude. Saberes escolares, imperativos didáticos e dinâmicas sociais. In.
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