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Unidade 1

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

Repensando o Ensino da Língua Escrita


Silvia M. Gasparian Colello

Se, no início da década de 80, os estudos acerca da psicogênese da língua


escrita trouxeram aos educadores o entendimento de que a alfabetização, longe de
ser a apropriação de um código, envolve um complexo processo de elaboração de
hipóteses sobre a representação lingüística; os anos que se seguiram, com a
emergência dos estudos sobre o letramento [i] , foram igualmente férteis na
compreensão da dimensão sócio-cultural da língua escrita e de seu aprendizado. Em
estreita sintonia, ambos os movimentos, nas suas vertentes teórico-conceituais,
romperam definitivamente com a segregação dicotômica entre o sujeito que aprende
e o professor que ensina. Romperam também com o reducionismo que delimitava a
sala de aula como o único espaço de aprendizagem.
Reforçando os princípios antes propalados por Vygotsky e Piaget, a
aprendizagem se processa em uma relação interativa entre o sujeito e a cultura em
que vive. Isso quer dizer que, ao lado dos processos cognitivos de elaboração
absolutamente pessoal (ninguém aprende pelo outro), há um contexto que, não só
fornece informações específicas ao aprendiz, como também motiva, dá sentido e
“concretude” ao aprendido, e ainda condiciona suas possibilidades efetivas de
aplicação e uso nas situações vividas. Entre o homem e o saberes próprios de sua
cultura, há que se valorizar os inúmeros agentes mediadores da aprendizagem (não
só o professor, nem só a escola, embora estes sejam agentes privilegiados pela
sistemática pedagogicamente planejada, objetivos e intencionalidade assumida).
O objetivo do presente artigo é apresentar o impacto dos estudos sobre o
letramento para as práticas alfabetizadoras.
Capitaneada pelas publicações de Angela Kleiman, (95) Magda Soares (95, 98)
e Tfouni (95), a concepção de letramento contribuiu para redimensionar a
compreensão que hoje temos sobre: a) as dimensões do aprender a ler e a escrever;
b) o desafio de ensinar a ler e a escrever; c) o significado do aprender a ler e a
escrever, c) o quadro da sociedade leitora no Brasil d) os motivos pelos quais tantos
deixam de aprender a ler e a escrever, e e) as próprias perspectivas das pesquisas
sobre letramento.

As dimensões do aprender a ler e a escrever

Durante muito tempo a alfabetização foi entendida como mera sistematização


do “B + A = BA”, isto é, como a aquisição de um código fundado na relação entre
fonemas e grafemas. Em uma sociedade constituída em grande parte por analfabetos
e marcada por reduzidas práticas de leitura e escrita, a simples consciência fonológica
que permitia aos sujeitos associar sons e letras para produzir/interpretar palavras (ou
frases curtas) parecia ser suficiente para diferenciar o alfabetizado do analfabeto.
Com o tempo, a superação do analfabetismo em massa e a crescente
complexidade de nossas sociedades fazem surgir maiores e mais variadas práticas
de uso da língua escrita. Tão fortes são os apelos que o mundo letrado exerce sobre
as pessoas que já não lhes basta a capacidade de desenhar letras ou decifrar o código
da leitura. Seguindo a mesma trajetória dos países desenvolvidos, o final do século
XX impôs a praticamente todos os povos a exigência da língua escrita não mais como
meta de conhecimento desejável, mas como verdadeira condição para a sobrevivência
e a conquista da cidadania. Foi no contexto das grandes transformações culturais,
sociais, políticas, econômicas e tecnológicas que o termo “letramento” surgiu [ii] ,
ampliando o sentido do que tradicionalmente se conhecia por alfabetização (Soares,
2003).
Hoje, tão importante quanto conhecer o funcionamento do sistema de escrita é
poder se engajar em práticas sociais letradas, respondendo aos inevitáveis apelos de
uma cultura grafocêntrica. Assim, enquanto a alfabetização se ocupa da aquisição da
escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos, o letramento focaliza os aspectos
sócio-históricos da aquisição de uma sociedade (Tfouni, 1995, p. 20).
Com a mesma preocupação em diferenciar as práticas escolares de ensino da
língua escrita e a dimensão social das várias manifestações escritas em cada
comunidade, Kleiman, apoiada nos estudos de Scribner e Cole, define o letramento
como
...um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema
simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos. As práticas específicas da
escola, que forneciam o parâmetro de prática social segundo a qual o letramento era
definido, e segundo a qual os sujeitos eram classificados ao longo da dicotomia
alfabetizado ou não-alfabetizado, passam a ser, em função dessa definição, apenas
um tipo de prática – de fato, dominante – que desenvolve alguns tipos de habilidades
mas não outros, e que determina uma forma de utilizar o conhecimento sobre a escrita.
(1995, p. 19)
Mais do que expor a oposição entre os conceitos de “alfabetização” e
“letramento”, Soares valoriza o impacto qualitativo que este conjunto de práticas
sociais representa para o sujeito, extrapolando a dimensão técnica e instrumental do
puro domínio do sistema de escrita:
Alfabetização é o processo pelo qual se adquire o domínio de um código e das
habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja: o domínio da tecnologia – do
conjunto de técnicas – para exercer a arte e ciência da escrita. Ao exercício efetivo e
competente da tecnologia da escrita denomina-se Letramento que implica habilidades
várias, tais como: capacidade de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos (In
Ribeiro, 2003, p. 91).
Ao permitir que o sujeito interprete, divirta-se, seduza, sistematize, confronte,
induza, documente, informe, oriente-se, reivindique, e garanta a sua memória, o
efetivo uso da escrita garante-lhe uma condição diferenciada na sua relação com o
mundo, um estado não necessariamente conquistado por aquele que apenas domina
o código (Soares, 1998). Por isso, aprender a ler e a escrever implica não apenas o
conhecimento das letras e do modo de decodificá-las (ou de associá-las), mas a
possibilidade de usar esse conhecimento em benefício de formas de expressão e
comunicação, possíveis, reconhecidas, necessárias e legítimas em um determinado
contexto cultural. Em função disso,
Talvez a diretriz pedagógica mais importante no trabalho (...dos professores),
tanto na pré-escola quanto no ensino médio, seja a utilização da escrita verdadeira [iii]
nas diversas atividades pedagógicas, isto é, a utilização da escrita, em sala,
correspondendo às formas pelas quais ela é utilizada verdadeiramente nas práticas
sociais. Nesta perspectiva, assume-se que o ponto de partida e de chegada do
processo de alfabetização escolar é o texto: trecho falado ou escrito, caracterizado
pela unidade de sentido que se estabelece numa determinada situação discursiva.
(Leite, p. 25)

O desafio de ensinar a ler e a escrever


Partindo da concepção da língua escrita como sistema formal (de regras,
convenções e normas de funcionamento) que se legitima pela possibilidade de uso
efetivo nas mais diversas situações e para diferentes fins, somos levados a admitir o
paradoxo inerente à própria língua: por um lado, uma estrutura suficientemente
fechada que não admite transgressões sob pena de perder a dupla condição de
inteligibilidade e comunicação; por outro, um recurso suficientemente aberto que
permite dizer tudo, isto é, um sistema permanentemente disponível ao poder humano
de criação (Geraldi, 93).
Como conciliar essas duas vertentes da língua em um único sistema de ensino?
Na análise dessa questão, dois embates merecem destaque: o conceitual e o
ideológico.

1) O embate conceitual
Tendo em vista a independência e a interdependência entre alfabetização e letramento
(processos paralelos [iv] , simultâneos ou não [v] , mas que indiscutivelmente se
complementam), alguns autores contestam a distinção de ambos os conceitos,
defendendo um único e indissociável processo de aprendizagem (incluindo a
compreensão do sistema e sua possibilidade de uso). Em uma concepção
progressista de “alfabetização” (nascida em oposição às práticas tradicionais, a partir
dos estudos psicogenéticos dos anos 80), o processo de alfabetização incorpora a
experiência do letramento e este não passa de uma redundância em função de como
o ensino da língua escrita já é concebido. Questionada formalmente sobre a “novidade
conceitual” da palavra “letramento”, Emilia Ferreiro explicita assim a sua rejeição ao
uso do termo:
Há algum tempo, descobriram no Brasil que se poderia usar a expressão
letramento. E o que aconteceu com a alfabetização? Virou sinônimo de decodificação.
Letramento passou a ser o estar em contato com distintos tipos de texto, o
compreender o que se lê. Isso é um retrocesso. Eu me nego a aceitar um período de
decodificação prévio àquele em que se passa a perceber a função social do texto.
Acreditar nisso é dar razão à velha consciência fonológica. (2003, p. 30)
Note-se, contudo, que a oposição da referida autora circunscreve-se
estritamente ao perigo da dissociação entre o aprender a escrever e o usar a escrita
(“retrocesso” porque representa a volta da tradicional compreensão instrumental da
escrita). Como árdua defensora de práticas pedagógicas contextualizadas e
signifcativas para o sujeito, o trabalho de Emília Ferreiro, tal como o dos estudiosos
do letramento, apela para o resgate das efetivas práticas sociais de língua escrita o
que faz da oposição entre eles um mero embate conceitual.
Tomando os dois extremos como ênfases nefastas à aprendizagem da língua
escrita (priorizando a aprendizagem do sistema ou privilegiando apenas as práticas
sociais de aproximação do aluno com os textos), Soares defende a
complementaridade e o equilíbrio entre ambos e chama a atenção para o valor da
distinção terminológica:
Porque alfabetização e letramento são conceitos freqüentemente confundidos
ou sobrepostos, é importante distingui-los, ao mesmo tempo que é importante também
aproximá-los: a distinção é necessária porque a introdução, no campo da educação,
do conceito de letramento tem ameaçado perigosamente a especificidade do
processo de alfabetização; por outro lado, a aproximação é necessária porque não
só o processo de alfabetização, embora distinto e específico, altera-se e reconfigura-
se no quadro do conceito de letramento, como também este é dependente daquele.
(2003, p. 90)
Assim como a autora, é preciso reconhecer o mérito teórico e conceitual de
ambos os termos. Balizando o movimento pendular das propostas pedagógicas (não
raro transformadas em modismos banais e mal assimilados), a compreensão que hoje
temos do fenômeno do letramento presta-se tanto para banir definitivamente as
práticas mecânicas de ensino instrumental, como para se repensar na especificidade
da alfabetização. Na ambivalência dessa revolução conceitual, encontra-se o desafio
dos educadores em face do ensino da língua escria: o alfabetizar letrando.

2) O embate ideológico

Mais severo do que o embate conceitual, a oposição entre os dois modelos


descritos por Street (1984) [vi] representa um posicionamento radicalmente diferente,
tanto no que diz respeito às concepções implícita ou explicitamente assumidas quanto
no que tange à pratica pedagógica por elas sustentadas.
O “Modelo Autônomo”, predominante em nossa sociedade, parte do princípio
de que, independentemente do contexto de produção, a língua tem uma autonomia
(resultado de uma lógica intrínseca) que só pode ser apreendida por um processo
único, normalmente associado ao sucesso e desenvolvimento próprios de grupos
“mais civilizados”.
Contagiada pela concepção de que o uso da escrita só é legitimo se atrelada
ao padrão elitista da “norma culta” e que esta, por sua vez, pressupõe a compreensão
de um inflexível funcionamento lingüístico, a escola tradicional sempre pautou o ensino
pela progressão ordenada de conhecimentos: aprender a falar a língua dominante,
assimilar as normas do sistema de escrita para, um dia (talvez nunca) fazer uso desse
sistema em formas de manifestação previsíveis e valorizadas pela sociedade. Em
síntese, uma prática reducionista pelo viés lingüístico e autoritária pelo significado
político; uma metodologia etnocêntrica que, pela desconsideração do aluno, mais se
presta a alimentar o quadro do fracasso escolar.
Em oposição, o “Modelo Ideológico” admite a pluralidade das práticas letradas,
valorizando o seu significado cultural e contexto de produção. Rompendo
definitivamente com a divisão entre o “momento de aprender” e o “momento de fazer
uso da aprendizagem”, os estudos lingüísticos propõem a articulação dinâmica e
reversível [vii] entre “descobrir a escrita” (conhecimento de suas funções e formas de
manifestação), “aprender a escrita” (compreensão das regras e modos de
funcionamento) e “usar a escrita” (cultivo de suas práticas a partir de um referencial
culturalmente significativo para o sujeito). O esquema abaixo pretende ilustrar a
integração das várias dimensões do aprender a ler e escrever no processo de
alfabetizar letrando:
O Significado
do aprender a ler e a escrever

Ao permitir que as pessoas cultivem os hábitos de leitura e escrita e respondam


aos apelos da cultura grafocêntrica, podendo inserir-se criticamente na sociedade, a
aprendizagem da língua escrita deixa de ser uma questão estritamente pedagógica
para alçar-se à esfera política, evidentemente pelo que representa o investimento na
formação humana. Nas palavras de Emilia Ferreiro,
A escrita é importante na escola, porque é importante fora dela e não o
contrário. (2001)
Retomando a tese defendida por Paulo Freire, os estudos sobre o letramento
reconfiguraram a conotação política de uma conquista – a alfabetização - que não
necessariamente se coloca a serviço da libertação humana. Muito pelo contrário, a
história do ensino no Brasil, a despeito de eventuais boas intenções e das “ilhas de
excelência”, tem deixado rastros de um índice sempre inaceitável de analfabetismo
agravado pelo quadro nacional de baixo letramento.

O quadro da sociedade leitora no Brasil

Do mesmo modo como transformaram as concepções de língua escrita,


redimensionaram as diretrizes para a alfabetização e ampliaram a reflexão sobre o
significado dessa aprendizagem, os estudos sobre o letramento obrigam-nos a
reconfigurar o quadro da sociedade leitora no Brasil. Ao lado do índice nacional de
16.295.000 analfabetos no país (IBGE, 2003), importa considerar um contingente de
indivíduos que, embora formalmente alfabetizados, são incapazes de ler textos longos,
localizar ou relacionar suas informações.
Dados do Instituto Nacional de Estatística e Pesquisa em Educação (INEP)
indicam que os índices alcançados pela maioria dos alunos de 4ª série do Ensino
Fundamental não ultrapassam os níveis “crítico” e “muito crítico”. Isso quer dizer que
mesmo para as crianças que têm acesso à escola e que nela permanecem por mais
de 3 anos, não há garantia de acesso autônomo às praticas sociais de leitura e escrita
(Colello, 2003, Colello e Silva, 2003). Que escola é essa que não ensina a escrever?
Independentemente do vínculo escolar, essa mesma tendência parece
confirmar-se pelo “Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional” (INAF), uma pesquisa
realizada por amostragem representativa da população brasileira de jovens e adultos
(de 15 a 64 anos de idade) [viii] : entre os 2000 entrevistados, 1475 eram analfabetos
ou tinham pouca autonomia para ler ou escrever, e apenas 525 puderam ser
considerados efetivos usuários da língua escrita.
Indiscutivelmente, uma triste realidade!

Os motivos pelos quais tantos deixam de aprender a ler e a escrever

Por que será que tantas crianças e jovens deixam de aprender a ler e a
escrever? Por que é tão difícil integrar-se de modo competente nas práticas sociais de
leitura e escrita?
Se descartássemos as explicações mais simplistas (verdadeiros mitos da
educação) que culpam o aluno pelo fracasso escolar; se admitíssemos que os
chamados “problemas de aprendizagem” se explicam muito mais pelas relações
estabelecidas na dinâmica da vida estudantil; se o desafio do ensino pudesse ser
enfrentado a partir da necessidade de compreender o aluno para com ele estabelecer
uma relação dialógica, significativa e compromissada com a construção do
conhecimento; se as práticas pedagógicas pudessem transformar as iniciativas
meramente instrucionais em intervenções educativas; talvez fosse possível
compreender melhor o significado e a verdadeira extensão da não aprendizagem e do
quadro de analfabetismo no Brasil.
Nesse sentido, os estudos sobre o letramento se prestam à fundamentação de
pelo menos três hipóteses não excludentes para explicar o fracasso no ensino da
língua escrita. Na mesma linha de argumentação dos educadores que evidenciaram
os efeitos do “currículo oculto” nos resultados escolares de diferentes segmentos
sociais, é preciso considerar, como ponto de partida, que as práticas letradas de
diferentes comunidades (e portanto, as experiências de diferentes alunos) são muitas
vezes distantes do enfoque que a escola costuma dar à escrita (o letramento
tipicamente escolar). Lidar com essa diferença (as formas diversas de conceber e
valorar a escrita, os diferentes usos, as várias linguagens, os possíveis
posicionamentos do interlocutor, os graus diferenciados de familiaridade temática, as
alternativas de instrumentos, portadores de textos e de práticas de produção e
interpretação...) significa muitas vezes percorrer uma longa trajetória, cuja duração
não está prevista nos padrões inflexíveis da programação curricular.
Em segundo lugar, é preciso considerar a reação do aprendiz em face da
proposta pedagógica, muitas vezes autoritária, artificial e pouco significativa. Na
dificuldade de lidar com a lógica do “aprenda primeiro para depois ver para que serve”,
muitos alunos parecem pouco convencidos a mobilizar os seus esforços cognitivos em
benefício do aprender a ler e a escrever (Carraher, Carraher e Schileimann, 1989;
Colello, 2003, Colello e Silva, 2003). Essa típica postura de resistência ao artificialismo
pedagógico em um contexto de falta de sintonia entre alunos e professores parece
evidente na reivindicação da personagem Mafalda:
Com ironia e bom humor, o exemplo acima explica o caso bastante freqüente
de jovens inteligentes que aprenderam a lidar com tantas situações complexas da vida
(aquisição da linguagem, transações de dinheiro, jogos de computador, atividades
profissionais, regras e práticas esportivas entre outras), mas que não conseguem
disponibilizar esse reconhecido potencial para superar a condição de analfabetismo e
baixo letramento.
Por último, ao considerar os princípios do alfabetizar letrando (ou do Modelo
Ideológico de letramento), devemos admitir que o processo de aquisição da língua
escrita está fortemente vinculado a uma nova condição cognitiva e cultural.
Paradoxalmente, a assimilação desse status (justamente aquilo que os educadores
esperam de seus alunos como evidência de “desenvolvimento” ou de emancipação do
sujeito) pode se configurar, na perspectiva do aprendiz, como motivos de resistência
ao aprendizado: a negação de um mundo que não é o seu; o temor de perder suas
raízes (sua história e referencial); o medo de abalar a primazia até então concedida à
oralidade (sua mais típica forma de expressão), o receio de trair seus pares com o
ingresso no mundo letrado e a insegurança na conquista da nova identidade (como
“aluno bem-sucedido” ou como “sujeito alfabetizado” em uma cultura grafocêntrica
altamente competitiva).

... a aprendizagem da língua escrita envolve um processo de aculturação – através, e


na direção das práticas discursivas de grupos letrados - , não sendo, portanto, apenas
um processo marcado pelo conflito, como todo processo de aprendizagem, mas
também um processo de perda e de luta social. (...)
(...) há uma dimensão de poder envolvida no processo de aculturação efetivado na
escola: aprender – ou não – a ler e escrever não equivale a aprender uma técnica ou
um conjunto de conhecimentos. O que está envolvido para o aluno adulto é a aceitação
ou o desafio e a rejeição dos pressupostos, concepções e práticas de um grupo
dominante – a saber, as práticas de letramento desses grupos entre as quais se
incluem a leitura e a produção de textos em diversas instituições, bem como as formas
legitimadas de se falar desses textos -, e o conseqüente abandono (e rejeição) das
práticas culturais primárias de seu grupo subalterno que, até esse momento, eram as
que lhe permitiam compreender o mundo. (Kleiman, 2001, p. 271)
Como exemplo de um mecanismo de resistência ao mundo letrado construído por
práticas pedagógicas (ainda que involuntariamnete ideologizantes) no cotidiano da
sala de aula, Kleiman (2001) expõe o caso de um grupo de jovens que se rebelaram
ante a proposta da professora de examinar bulas de remédio. Como recurso didático
até bem intencionado, o objetivo da tarefa era o de aproximar os alunos da escrita,
favorecendo a compreensão de seus usos, nesse caso, chamando a sua atenção para
os perigos da auto-medicação e para a importância de se informar antes de tomar uma
medicação (posologia, reações adversas, efeitos colaterais, etc). Do ponto de vista
dos alunos, o repúdio à tarefa, à escola e muito provavelmente à escrita foi uma reação
contra a implícita proposta de fazer parte de um mundo ao qual nem todos podem ter
livre acesso: o mundo da medicina, da possibilidade de ser acompanhado por um
médico e da compra de remédios.
Na prática, a desconsideração dos significados implícitos do processo de
alfabetização - o longo e difícil caminho que o sujeito pouco letrado tem a percorrer, a
reação dele em face da artificialidade das práticas pedagógica e a negação do mundo
letrado – acaba por expulsar o aluno da escola, um destino cruel, mas evitável se o
professor souber instituir em classe uma interação capaz de mediar as tensões,
negociar significados e construir novos contextos de inserção social.
Perspectivas das pesquisas sobre letramento

Embora o termo “letramento” remeta a uma dimensão complexa e plural das


práticas sociais de uso da escrita, a apreensão de uma dada realidade, seja ela de um
determinado grupo social ou de um campo específico de conhecimento (ou prática
profissional) motivou a emergência de inúmeros estudos a respeito de suas
especificidades. É por isso que, nos meios educacionais e acadêmicos, vemos surgir
a referência no plural “letramentos”.
Mesmo correndo o risco de inadequação terminológica, ganhamos a
possibilidade de repensar o trânsito do homem na diversidade dos “mundos letrados”,
cada um deles marcado pela especificidade de um universo. Desta forma, é possível
confrontar diferentes realidades, como por exemplo o “letramento social” com o
“letramento escolar”; analisar particularidades culturais, como por exemplo o
“letramento das comunidades operárias da periferia de São Paulo”, ou ainda
compreender as exigências de aprendizagem em uma área específica, como é o caso
do “letramento científico”, “letramento musical” o “letramento da informática ou dos
internautas”. Em cada um desses universos, é possível delinear práticas
(comportamentos exercidos por um grupo de sujeitos e concepções assumidas que
dão sentido a essas manifestações) e eventos (situações compartilhadas de usos da
escrita) como focos interdependentes de uma mesma realidade (Soares, 2003). A
aproximação com as especificidades permite não só identificar a realidade de um
grupo ou campo em particular (suas necessidades, características, dificuldades,
modos de valoração da escrita), como também ajustar medidas de intervenção
pedagógica, avaliando suas conseqüências. No caso de programas de alfabetização,
a relevância de tais pesquisas é assim defendida por Kleiman:
Se por meio das grandes pesquisas quantitativas, podemos conhecer onde e
quando intervir em nível global, os estudos acadêmicos qualitativos, geralmente de
tipo etnográfico, permitem conhecer as perspectivas específicas dos usuários e os
contextos de uso e apropriação da escrita, permitindo, portanto, avaliar o impacto das
intervenções e até, de forma semelhante à das macro análises, procurar tendências
gerais capazes de subsidiar as políticas de implementação de programas. (2001, p.
269)
***
Sem a pretensão de esgotar o tema, a breve análise do impacto e contribuição dos
estudos sobre letramento aqui desenvolvida aponta para a necessidade de aproximar,
no campo da educação, teoria e prática. Na sutura entre concepções, implicações
pedagógicas, reconfiguração de metas e quadros de referência, hipóteses explicativas
e perspectivas de investigação, talvez possamos encontrar subsídios e alternativas
para a transformação da sociedade leitora no Brasil, uma realidade politicamente
inaceitável e, pedagogicamente, aquém de nossos ideais.

NOTAS
[i] “Literacy” do inglês, traduzido por “letramento” no Brasil e por “literacia” em Portugal
é uma terminologia não dicionarizada que, nos meios acadêmicos, vem sendo
utilizada com diferentes sentidos.
[ii] No Brasil, o termo “letramento” foi usado pela 1 a vez por Mary Kato, em 1986, na
obra “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística” (São Paulo, Ática). Dois
anos depois, passa a representar um referencial no discurso da educação, ao ser
definido por Tfouni em “Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso” (São Paulo,
Pontes) e retomado em publicações posteriores.
[iii] O autor utiliza a expressão “escrita verdadeira” em oposição à “escrita escolar”, um
modelo muitas vezes artificial, cujo reducionismo não faz justiça à
multidimensionalidade da língua viva.
[iv] Como evidência desse paralelismo, é possível, por exemplo, termos casos de
pessoas letradas e não alfabetizadas (indivíduos que, mesmo incapazes de ler e
escrever, compreendem os papéis sociais da escrita, distinguem gêneros ou
reconhecem as diferenças entre a língua escrita e a oralidade) ou de pessoas
alfabetizadas e pouco letradas (aqueles que, mesmo dominando o sistema da escrita,
pouco vislumbram suas possibilidades de uso).
[v] Em uma sociedade como a nossa, o mais comum é que a alfabetização seja
desencadeada por práticas de letramento, tais como ouvir histórias, observar cartazes,
conviver com práticas de troca de correspondência, etc. No entanto, é possível que
indivíduos com baixo nível de letramento (não raro membros de comunidades
analfabetas ou provenientes de meios com reduzidas práticas de leitura e escrita) só
tenham a oportunidade de vivenciar tais eventos na ocasião de ingresso na escola,
com o início do processo formal de alfabetização.
[vi] Para um estudo mais aprofundado dos modelos “Autônomo” e “Ideológico”
descritos por Street, remetemos o leitor à leitura de Kleiman, 1985.
[vii] Dinâmica porque pressupõe o movimento intenso de um pólo ao outro; reversível
porque a experiência em qualquer um dos pólos remete ao amadurecimento nos
demais.
[viii] Para mais dados sobre a pesquisa do INAF (objetivos, população envolvida,
critérios de análise e resultados obtidos), remetemos o leitor à leitura de Ribeiro
(2003).
Referências bibliográficas:
CARRAHER, T., CARRAHER, D. & SCHLIEMANN, A. Na vida dez, na escola zero.
São Paulo, Cortez, 1989.
COLELLO, S. M. G. “A pedagogia da exclusão no ensino da língua escrita” In
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COLELLO, S. M. G. & SILVA, N. “Letramento: do processo de exclusão social aos
vícios da prática pedagógica” In VIDETUR, n. 21. Porto/Portugal: Mandruvá, 2003, pp.
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FEEREIRO, E. Cultura escrita e educação. Porto Alegre, Artes Médicas, 2001.
__________ “Alfabetização e cultura escrita”, Entrevista concedida à Denise Pellegrini
In Nova Escola – A revista do Professor. São Paulo, Abril, maio/2003, pp. 27 – 30.
GERALDI, W. Portos de Passagem. São Paulo, Martins Fontes, 1993.
___________ Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação. Campinas,
Mercado das Letras/ABL,1996.
IBGE, Censo Demográfico, Mapa do analfabetismo no Brasil, Brasília, MEC/INEP,
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KLEIMAN, A. B. (org.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a
prática social da escrita. Campinas, Mercado das Letras, 1995.
___________ “Programa de educação de jovens e adultos” In Educação e Pesquisa
– Revista da Faculdade de Educação da USP. São Paulo, v. 27, n.2, p.267 – 281.
LEITE, S. A. S. (org.) Alfabetização e letramento – contribuições para as práticas
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RIBEIRO, V. M. (org.) Letramento no Brasil. São Paulo: Global, 2003.
SOARES, M. B. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte, Autêntica,
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____________ “Língua escrita, sociedade e cultura: relações, dimensões e
perspectivas”, Revista Brasileira de Educação, n. 0, 1995, pp. 5 – 16.
STREET, B. V. Literacy in theory and Practice. Cambridge, University Press, 1984.
TFOUNI, L.V. Letramento e alfabetização. São Paulo, Cortez,1995.

EXERCÍCIOS:

1) Após a leitura elabore um texto de aproximadamente 15 linhas fazendo um


breve resumo e comentário sobre o que você leu aqui.
2) Procure textos que representam uma prática somente alfabetizadora e
textos que estimulam o letramento.

Anexe ao PORTFÓLIO.

Unidade 2
OS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO

Introdução
O melhor método para a alfabetização é um discussão antiga entre os especialistas
no assunto e também entre os pais quando vão escolher um escola para seus filhos
começaram a ler as primeiras palavras e frases. No caso brasileiro, com os elevados
índices de analfabetismo e os graves problemas estruturais na rede pública de ensino,
especialistas debatem qual seria o melhor método para revolucionar, ou pelo menos,
melhorar a educação brasileira. Ao longo das décadas, houve uma mudança da
forma de pensar a educação, que passou de ser vista da perspectiva de como o
aluno aprende e não como o professor ensina.
São muitas as formas de alfabetizar e cada uma delas destaca um aspecto no
aprendizado. Desde o método fônico, adotado na maioria dos países do mundo, que
faz associação entre as letras e sons, passando pelo método da linguagem total, que
não utiliza cartilhas, e o alfabético, que trabalha com o soletramento, todos contribuem,
de uma forma ou de outra, para o processo de alfabetização.
Qual é o melhor método?

Neste artigo, você vai conhecer os métodos de alfabetização mais utilizados, como
funcionam, quais são as vantagens e desvantagens de cada um deles, além da
orientação dos Parâmetros Curriculares Nacionais da Língua Portuguesa,
adotados pelo governo federal.

A proposta deste artigo não é apontar o melhor método de alfabetização, até


porque os educadores e especialistas não têm um consenso sobre o tema.
Pretendemos apenas mostrar as características de cada método para que os pais
conheçam mais profundamente o método que está sendo aplicado na educação de
seus filhos.
Métodos sintéticos ou analíticos
Existem duas opções para o ensino da leitura: ou parte-se da parte para o todo,
que são os métodos sintéticos, ou parte-se do todo para as partes, os chamados
métodos analíticos. A partir desses métodos, é possível delinear também

Método sintético

O método sintético estabelece uma correspondência entre o som e a grafia,


entre o oral e o escrito, através do aprendizado por letra por letra, ou sílaba por
sílaba e palavra por palavra.
Os métodos sintéticos podem ser divididos em três tipos: o alfabético, o fônico
e o silábico. No alfabético, o estudante aprende inicialmente as letras, depois forma
as sílabas juntando as consoantes com as vogais, para, depois, formar as palavras
que constroem o texto.
No fônico, também conhecido como fonético, o aluno parte do som das letras,
unindo o som da consoante com o som da vogal, pronunciando a sílaba formada. Já
no silábico, ou silabação, o estudante aprende primeiro as sílabas para formar as
palavras.
Por este método, a aprendizagem é feita primeiro através de uma leitura
mecânica do texto, através da decifração das palavras, vindo posteriormente a sua
leitura com compreensão.
Neste método, as cartilhas são utilizadas para orientar os alunos e professores
no aprendizado, apresentando um fonema e seu grafema correspondente por vez,
evitando confusões auditivas e visuais.
Como este aprendizado é feito de forma mecânica, através da repetição, o
método sintético é tido pelos críticos como mais cansativo e enfadonho para as
crianças, pois é baseado apenas na repetição e é fora da realidade da criança, que
não cria nada, apenas age sem autonomia.

Método analítico

O método analítico, também conhecido como “método olhar-e-dizer”, defende


que a leitura é um ato global e audiovisual. Partindo deste princípio, os seguidores do
método começam a trabalhar a partir de unidades completas de linguagem para
depois dividi-las em partes menores. Por exemplo, a criança parte da frase para
extrair as palavras e, depois, dividi-las em unidades mais simples, as sílabas.
Este método pode ser divido em palavração, setenciação ou global. Na
palavração, como o próprio nome diz, parte-se da palavra. Primeiro, existe o contato
com os vocábulos em uma seqüência que engloba todos os sons da língua e, depois
da aquisição de um certo número de palavras, inicia-se a formação das frases.
Na setenciação, a unidade inicial do aprendizado é a frase, que é depois
dividida em palavras, de onde são extraídos os elementos mais simples: as sílabas.
Já no global, também conhecido como conto e estória, o método é composto por
várias unidades de leitura que têm começo, meio e fim, sendo ligadas por frases com
sentido para formar um enredo de interesse da criança. Os críticos deste método
dizem que a criança não aprende a ler, apenas decora.
Método alfabético
Um dos mais antigos sistemas de alfabetização, o método alfabético, também
conhecido como soletração, tem como princípio de que a leitura parte da decoração
oral das letras do alfabeto, depois, todas as suas combinações silábicas e, em
seguida, as palavras. A partir daí, a criança começa a ler sentenças curtas e vai
evoluindo até conhecer histórias.
Por este processo, a criança vai soletrando as sílabas até decodificar a palavra.
Por exemplo, a palavra casa soletra-se assim c, a, ca, s, a, sa, casa. O método
Alfabético permite a utilização de cartilhas.
As principais críticas a este método estão relacionadas à repetição dos
exercícios, o que o tornaria tedioso para as crianças, além de não respeitar os
conhecimentos adquiridos pelos alunos antes de eles ingressarem na escola.
O método alfabético, apesar de não ser o indicado pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais, ainda é muito utilizado em diversas cidades do interior do Nordeste e Norte
do país, já que é mais simples de ser aplicado por professores leigos, através da
repetição das Cartas de ABC, e na alfabetização doméstica.

A velha cartilha Caminho Suave

A grande maioria dos brasileiros alfabetizados até os anos de 1970 e início dos
80 teve na cartilha Caminho Suave o seu primeiro passo para o aprendizado das
letras. Com mais de 40 milhões de exemplares vendidos desde a sua criação, a
cartilha idealizada pela educadora Branca Alves de Lima, que morreu em 2001, aos
90 anos, teve um grande sucesso devido à simplicidade de sua técnica.
Na tentativa de facilitar a memorização das letras, vogais e consoantes, e
depois das sílabas para aprender a formar as palavras, a então professora Branca, no
final da década de 40, criou uma série de desenhos que continham a inicial das
palavras: o “A” no corpo da abelha, o “F” no cabo da faca, o “G”, no corpo do gato.
Por causa da facilidade no aprendizado por meio desta técnica, rapidamente a
cartilha tornou-se o principal aliado na alfabetização brasileira até o início dos anos
80, quando o construtivismo começou a tomar forma. Em 1995, o Ministério da
Educação retirou a cartilha do seu catálogo de livros. Apesar disto, estima-se que
ainda são vendidas 10 mil cartilhas por ano no Brasil.

Método fônico
O método fônico consiste no aprendizado através da associação entre fonemas
e grafemas, ou seja, sons e letras. Esse método de ensino permite primeiro descobrir
o princípio alfabético e, progressivamente, dominar o conhecimento ortográfico próprio
de sua língua, através de textos produzidos especificamente para este fim.
O método é baseado no ensino do código alfabético de forma dinâmica, ou seja,
as relações entre sons e letras devem ser feitas através do planejamento de
atividades lúdicas para levar as crianças a aprender a codificar a fala em escrita e a
decodificar a escrita no fluxo da fala e do pensamento.
O método fônico nasceu como uma crítica ao método da soletração ou
alfabético. Primeiro são ensinadas as formas e os sons das vogais. Depois são
ensinadas as consoantes, sendo, aos poucos, estabelecidas relações mais
complexas. Cada letra é aprendida como um fonema que, juntamente com outro,
forma sílabas e palavras. São ensinadas primeiro as sílabas mais simples e depois as
mais complexas.
Visando aproximar os alunos de algum significado é que foram criadas
variações do método fônico. O que difere uma modalidade da outra é a maneira de
apresentar os sons: seja a partir de uma palavra significativa, de uma palavra
vinculada à imagem e som, de um personagem associado a um fonema, de uma
onomatopéia ou de uma história para dar sentido à apresentação dos fonemas. Um
exemplo deste método é o professor que escreve uma letra no quadro e apresenta
imagens de objetos que comecem com esta letra. Em seguida, escreve várias palavras
no quadro e pede para os alunos apontarem a letra inicialmente apresentada. A partir
do conhecimento já adquirido, o aluno pode apresentar outras palavras com esta letra.
Os especialistas dizem que este método alfabetiza crianças, em média, no
período de quatro a seis meses. Este é o método mais recomendado nas diretrizes
curriculares dos países desenvolvidos que utilizam a linguagem alfabética.
A maior crítica a este método é que não serve para trabalhar com as muitas
exceções da língua portuguesa. Por exemplo, como explicar que cassa e caça têm a
mesma pronúncia e se escrevem de maneira diferente?

Método fônico
O método fônico consiste no aprendizado através da associação entre fonemas
e grafemas, ou seja, sons e letras. Esse método de ensino permite primeiro descobrir
o princípio alfabético e, progressivamente, dominar o conhecimento ortográfico próprio
de sua língua, através de textos produzidos especificamente para este fim.
O método é baseado no ensino do código alfabético de forma dinâmica, ou seja,
as relações entre sons e letras devem ser feitas através do planejamento de
atividades lúdicas para levar as crianças a aprender a codificar a fala em escrita e a
decodificar a escrita no fluxo da fala e do pensamento.
O método fônico nasceu como uma crítica ao método da soletração ou
alfabético. Primeiro são ensinadas as formas e os sons das vogais. Depois são
ensinadas as consoantes, sendo, aos poucos, estabelecidas relações mais
complexas. Cada letra é aprendida como um fonema que, juntamente com outro,
forma sílabas e palavras. São ensinadas primeiro as sílabas mais simples e depois as
mais complexas.
Visando aproximar os alunos de algum significado é que foram criadas
variações do método fônico. O que difere uma modalidade da outra é a maneira de
apresentar os sons: seja a partir de uma palavra significativa, de uma palavra
vinculada à imagem e som, de um personagem associado a um fonema, de uma
onomatopéia ou de uma história para dar sentido à apresentação dos fonemas. Um
exemplo deste método é o professor que escreve uma letra no quadro e apresenta
imagens de objetos que comecem com esta letra. Em seguida, escreve várias palavras
no quadro e pede para os alunos apontarem a letra inicialmente apresentada. A partir
do conhecimento já adquirido, o aluno pode apresentar outras palavras com esta letra.
Os especialistas dizem que este método alfabetiza crianças, em média, no
período de quatro a seis meses. Este é o método mais recomendado nas diretrizes
curriculares dos países desenvolvidos que utilizam a linguagem alfabética.
A maior crítica a este método é que não serve para trabalhar com as muitas
exceções da língua portuguesa. Por exemplo, como explicar que cassa e caça têm a
mesma pronúncia e se escrevem de maneira diferente?

EXERCÍCIOS:

1) pesquise sobre Paulo Freire e como é seu método de


alfabetização de adultos.
2) Tomando por base o quadro abaixo:

a) Procure saber o que é alfabetismo funcional.


b) Pesquise com pedagogos se eles acreditam que hoje os alunos
saem da Educação Básica plenamente alfabetizados. Porque?
c) Entreviste uma pessoa analfabeta ou em alfabetismo rudimentar
procurando saber o motivo que impediu esta alfabetização e quais
suas expectativas em relação a ainda ser alfabetizado.
ANEXE AO PORTIFÓLIO
Segundo a UNESCO existem basicamente dois grupos de métodos de alfabetização:

No 1º estão inseridos aqueles cuja metodologia leva o aluno a combinar elementos


isolados da língua (sons, letras e sílabas) em todos maiores tendo como base o
processo mental de síntese – Métodos Sintéticos.
No 2º estão os que dão ênfase as unidades lingüísticas maiores (palavra, frase,
texto) usando o processo mental de análise – Métodos Analíticos

Características Sintéticos Analíticos


✓ Defendem como ✓ Por ser a leitura um
capazes de dar ao processo de
aluno, mais percepção de idéias,
Justificativas rapidamente maior métodos e materiais
capacidade e que visem seu
autonomia no ensino devem conter
reconhecimento de elementos ideativos.
palavras e assim De acordo com psicólogos
deixam mais tempo a percepção se faz do todo
para o trino da para as partes.
leitura Oferece mais satisfação
posteriormente. para quem aprende.
✓ Introdução de ✓ Pouco exercício do
elementos das reconhecimento da
palavras contraria o palavra o que deixa
modo natural de para trás os alunos
Acusações e Críticas reconhecimento com dificuldade.
✓ Organização lógica ✓
dos referidos ✓ Despreparo dos
métodos afasta o professores.
vocabulário
conhecido pela
criança.
✓ Excesso de
concentração
desinteressam a
criança.
✓ Dificultam a
interpretação de
combinações que
fogem a regra inicial
apresentada.

Comparação entre os métodos sintéticos e analíticos em suas especificidades:


Sintéticos:

Característica Alfabético Fônico Silábico


s
Histórico Deu origem ao Passou a ser adotado Difere por seu objeto
termo alfabetizar, em lugar do alfabético de estudo – a sílaba.
permaneceu em na tentativa de Os introdutores
uso em alguns superar a grande desse métodos
países no século dificuldade existente basearam-se em
XIX. Sua por causa da princípios
familiaridade de diferença entre o lingüísticos de que a
formas com nome e o som da consoante só pode
nomes de letras letra. ser pronunciada com
ajudava o aluno, a vogal.
através de
repetição de sons
reconhecidos nas
letras, a soletrar
palavras: gê com
a ga...te com o
to...
Gato – mesmo
sem saber o
significado.
Procedimento O aluno aprendia Os sons da letra são As vogais são
Didático o nome das ensinados apresentadas
letras e suas isoladamente e sozinhas e, depois,
formas na depois reunidos em combinadas entre si.
seqüência sílabas que são Depois todas as
alfabética pronunciadas pelos consoantes são
As letras eram alunos. apresentadas em
depois Primeiro são ordem alfabética e
apresentadas em ensinados os sons também combinadas
combinações de das vogais, fazendo- com as vogais
2 a 2 assim como se de forma utilizando ilustrações
ab e ba; daí para simultânea, o ensino para apoiar a silaba
frente as da forma da letra e a destacada.
combinações maneira correta de É dada muita ênfase
ampliavam-se em pronunciá-la. a pronuncia em voz
grupos de 3, 4 e Depois das vogais, as alta das sílabas
5 letras formando consoantes são isoladas na ordem
as palavras. introduzidas numa natural (ba-be-bi-bo-
Depois eram determinada ordem, bu).
treinadas as pré-estabelecida, e Ensino repetitivo e
sílabas e seus sons tenta manter uma
finalmente combinados com relação da sílaba a
apresentadas cada vogal. uma palavra
formando as Depois do ilustrada.
palavras. Ensino treinamento as Restringe os verbos
da escrita silabas são necessários para a
paralelo e ênfase introduzidas e logo formação de frases.
a caligrafia. formam palavras,
Base na depois combinações
repetição. de palavras e de
frases.
Críticas ✓ Nem sempre ✓ O som das ✓ Opõe-se
os nomes das consoantes totalmente a
letras permanece ligado forma da criança
correspondem às vogais e isso aprender.
ao seu som. traz dificuldades ✓ Não forma bem
✓ Ajuda posteriores. em relação a
incidental e ✓ Não é praticável leitura de
ineficiente ao em grande palavras
ensino. número de completas.
✓ Compreensão línguas. ✓ Professores
do significado ✓ Procedimentos desse método
está vinculada didáticos muito são bastante
a leitura do formais. resistentes a
professor ✓ Toma muito tempo outras formas de
✓ Afastam o da criança ensinar.
aluno do texto dificultando a ✓ Sobrecarrega a
pelos árduos leitura. memória infantil.
exercícios ✓ Interfere na ✓ Com o ensino
✓ Desinteressa habilidade de isolado de silabas
m o aluno perceber a idéia a criança se
pela leitura ✓ Exige desinteressa
✓ Quanto mais conhecimento facilmente.
treinado fonético por parte ✓ Ausência de
menos apto do professor. significado das
para leituras sílabas isoladas.
eficientes. ✓ Exige muita
abstração.
✓ Pobre de idéias e
de expressão por
estar
irremediavelment
e sujeito a
formação de
palavras
isoladas.
Vantagens ✓ Uso do som da ✓ Lições podem
letra no ser
reconheciment preparadas
o da palavra com mínimo
✓ Transmite conhecimento
segurança da língua
quando em ✓ Pouco
relação ao que material
j didático
✓ Econômico ✓ A organização
✓ Facilita do método e a
aplicação de organização
exercícios em mental do
séries adulto se
✓ Fácil de ser assemelham
aplicado
e facilita a
aplicação.
✓ Revela ótimos
resultados na
alfabetização
de adultos.

Comparação entre os métodos sintéticos e analíticos em suas especificidades:


Analíticos

Característica Palavração Sentenciação Historiado


s
Histórico Nasceu da revolta Psicólogos Método do pré-
contra os métodos estudiosos dos livro.
formais que movimentos dos Representa uma
prevaleceram nos olhos na leitura extensão do
primeiros anos. mostraram que as método de
Commenius é pausas e fixações do sentenças.
apontado como olhar na leitura das
seu introdutor, em linhas é um processo
1657 já criticava o mental e que esse
ensino massante procedimento de
com soletração. aprendizagem está
ligada a grupamentos
regulares e não
necessariamente
frase a frase.
Procedimento As palavras são Primeiro a atenção e Apresenta-se uma
Didático apresentadas em dirigida a algum história com uma
agrupamentos assunto de interesse série de eventos
(conjunto da classe. O tema é com princípio, meio
organizado por discutido e o segundo e fim e, desde que
alguma associação passo é fazer o atenda aos
de idéias) e os registro de uma das interesses do
alunos aprendem a afirmações obtidas aluno.
reconhecê-los. dos alunos, sobre o Como a leitura da
Muitos recursos assunto ventilado. O história não pode
são utilizados para professor lê e depois ser feita de uma só
facilitar. os alunos são vez oferece
Inicialmente figuras orientados a procurar oportunidade de
acompanham palavras semelhantes discussão sobre
palavras e sua dentro da sentença. cada fase.
repetição promove E depois da 2ª ou 3ª Depois segue o
a memorização. lição, começam a procedimento da
A ordem da formar grupos de sentenciação.
apresentação das palavras semelhantes
palavras favorece às primeiras. As
aquisição de palavras são
habilidades de bastante visualizadas
leitura inteligente. e depois os alunos
Processo de são levados a fazer
análise e síntese uma análise
são aplicados comparativa para
simultaneamente. chegar às partes
menores e formar
novas palavras.
Críticas ✓ Falhas no ✓ Dificuldades em
desenvolviment manter
o da habilidade relacionados os
de enfrentar assuntos do
palavras novas. interesse da
✓ Lentidão no turma e o
processo que vocabulário a ser
ocorre quando estudado através
se estabelecem das sentenças.
as falhas ✓ Dificuldade em
citadas. dar atenção
necessária à
análise das
palavras pelo
excesso de tempo
gasto com a
memorização de
sentenças.
Vantagens ✓ A palavra é ✓ Atende aos ✓ Apresenta
simultaneament princípios ou seqüência
e unidade da leis da de
língua e do percepção e sentenças
pensamento. modernos organizadas
✓ O enfoque da conceitos atendendo a
leitura deve, estruturalistas princípios de
desde o da interesse e
principio, ser aprendizagem. apelo à
dado ao ✓ Cultivar criança.
significado do hábitos e ✓ As histórias
que está atitudes de têm
escrito. leitura. significado e
✓ A ✓ Enfatiza acrescenta
aprendizagem conteúdo as
de palavras ideativo. vantagens
como um todo ✓ O do método
corresponde à reconheciment sentenciaçã
forma como o o do som o.
adulto e dentro da
crianças palavra ajuda
percebem as a construir
idéias, formas e mecanismos
aprendem. corretos de
leitura.
Unidade 3
CARTILHAS

As cartilhas de alfabetização

Necessidade apontada desde o final do século XIX no Brasil, o processo de


nacionalização do livro didático – produzido por brasileiros e adequado à realidade
brasileira – acompanha pari passu (simultaneamente) o anseio de organização
republicana da instrução pública; e, simultaneamente, faz-se acompanhar do
surgimento e da expansão do mercado editorial brasileiro, que na escola encontra
espaço privilegiado de circulação e público consumidor de seus produtos.
No entrecruzamento desses anseios e iniciativas, o ensino inicial da leitura1 é
tomado como problema estratégico, tornando-se um importante índice para medir a
eficácia da escola em relação ao cumprimento da promessa com que acena às novas
gerações e que a caracteriza e justifica: o acesso ao mundo público da cultura letrada.
Inicia-se, assim, um movimento de escolarização das práticas culturais de leitura e
escrita e sua identificação com a questão dos métodos de ensino. Lugar de destaque,
passam, então, a ocupar as tematizações, normatizações e concretizações sobre esse
ensino e sobre um tipo particular de livro didático, a cartilha, na qual se encontram o
método a ser seguido e a matéria a ser ensinada, de acordo com certo programa oficial
estabelecido previamente.
Embora já na segunda metade do século XIX encontrem-se cartilhas
produzidas por brasileiros, o impulso nacionalizante nessa área se faz sentir,
especialmente em alguns estados, a partir da década de 1890, solidificando-se nas
primeiras décadas do século XX, quando se observa o engendramento de fenômenos
correlatos: apoio de editores e especialização de editoras na publicação desse tipo de
livro didático; surgimento de um tipo específico de escritor didático profissional – o
professor; e processo de institucionalização da cartilha, mediante sua aprovação,
adoção, compra e distribuição às escolas públicas, por parte de órgãos dos governos
estaduais.
Acompanhando o movimento histórico das tematizações, normatizações e
concretizações sobre a questão dos métodos, as primeiras cartilhas brasileiras,
produzidas sobretudo por professores fluminenses e paulistas através de sua
experiência didática, baseavam-se nos métodos de marcha sintética (processos de
soletração e silabação). Dever-se-ia, assim, iniciar o ensino da leitura com a
apresentação das letras e seus nomes, de acordo com certa ordem crescente de
dificuldade. Posteriormente reunidas as letras em sílabas e conhecendo-se as famílias
silábicas, ensinava-se a ler palavras formadas com essas sílabas e letras e, por fim,
ensinavam-se frases isoladas ou agrupadas. Quanto à escrita, esta restringia-se à
caligrafia e seu ensino, à cópia, ditados e formação de frases, enfatizando-se a
ortografia e o desenho correto das letras.
As cartilhas produzidas sobretudo no início do século XX, por sua vez,
passaram a se basear programaticamente no método de marcha analítica (processos
de palavração e sentenciação), a partir das contribuições da pedagogia norte-
americana, divulgadas inicialmente no estado de São Paulo pelas reformas da
instrução pública na década de 1890 e posteriormente disseminadas para outros
estados brasileiros, por meio de “missões de professores” paulistas.2 Embora muitas
tenham sido as disputas sobre as diferentes formas de processuação do método, um
ponto em comum era a necessidade de se adaptar esse ensino às necessidades
biopsicológicas da criança, cuja forma de apreensão do mundo era tida como
sincrética.
Uma nova concepção de criança – de caráter psicológico – passa a embasar a
discussão sobre o método de ensino da leitura (e da escrita). Empreendida por
educadores, essa discussão prioriza as questões didáticas, ou seja, o como ensinar,
com base na definição das habilidades visuais, auditivas e motoras do aprendiz. A
partir de então, observa-se um movimento de institucionalização do método analítico,
que se consolida com a publicação das Instruções práticas para o ensino da leitura
pelo methodo analytico – modelos de lições, expedidas pela Directoria Geral da
Instrucção Publica do Estado de São Paulo, em 1915. Nesse documento passa-se a
priorizar a historieta (conjunto de frases relacionadas entre si por meio de nexos
lógicos), como núcleo de sentido e ponto de partida para o ensino da leitura,
enfatizando-se as funções instrumentais desse ensino.
E as cartilhas produzidas a partir de então buscam se adequar a essas
instruções.

1. Esta é a vaca do meu tio Carlos.


2. Chama-se Rosada.
3. Chama-se Rosada, porque é vermelha.
4. Rosada tem um lindo bezerro.
5. O bezerro é tambem vermelho.
6. Elle gosta muito do leite da Rosada.
7. ? Vocês tambem gostam de leite?
8. Eu gosto muito de leite.
9. Gosto do leite quando tem nata.
Cadernos Cedes, ano XX, no 52, novembro/2000 45
10. É da nata que se faz a manteiga.
11. É da nata que tambem se faz o queijo.
12. ! Não mames todo o leite, bezerrinho!
13. Deixa um pouco de leite para mamãe fazer manteiga.

Exemplo 3 – Página da Cartilha analytica, de Arnaldo de O. Barreto. Rio de Janeiro:


Francisco Alves, 191?, p. 48 Fonte: Centro de Referência para Pesquisa Histórica
em Educação (Unesp-Marília)

A partir dos anos de 1930, aproximadamente, as cartilhas passam a se basear


em métodos mistos ou ecléticos (analítico-sintético e vice-versa), especialmente em
decorrência da disseminação e da repercussão dos testes ABC, de Lourenço Filho,
cuja finalidade era medir o nível de maturidade necessário ao aprendizado da leitura
e da escrita, visando à maior rapidez e eficiência na alfabetização. Verifica-se, então,
um processo de secundarização da importância do método, uma vez que o como
ensinar encontra-se subordinado à maturidade da criança e as questões de ordem
didática, às de ordem psicológica. Observa-se, no entanto, embora com outras bases
teóricas, a permanência da função instrumental de ensino e aprendizagem da leitura
e da escrita, entendidas como habilidades visuais, auditivas e motoras; e começam a
se produzir os manuais do professor acompanhando as cartilhas, assim como se
dissemina a idéia da necessidade de um “período preparatório”.
A partir dos anos de 1980, passa-se a questionar programaticamente a
necessidade dos métodos e da cartilha de alfabetização, em decorrência da intensa
divulgação, entre nós, dos pensamentos construtivista e interacionista sobre
alfabetização.
No entanto, esses questionamentos parecem ter sido satisfatoriamente
assimilados, resultando: no paradoxo da produção de cartilhas “construtivistas” ou
“socioconstrutivistas” ou “sociointeracionistas”; na convivência destas com cartilhas
tradicionais, nas indicações oficiais e nas estantes dos professores, muitos dos quais
alegam tê-las apenas para consulta quando da preparação de suas aulas; e no ensino
e aprendizagem do modelo de leitura e escrita veiculado pelas cartilhas, mesmo
quando os professores dizem seguir uma “linha construtivista” ou “interacionista” e
seus alunos não utilizam diretamente esse instrumento em sala de aula, como ocorreu
nos casos transcritos a seguir.

A bola é do Guto.
O gato furou a bola.
O Guto e o gato.
Exemplo 7 – Página do caderno de um aluno de 1a série de escola particular, em
1989
Fonte: Centro de Referência para Pesquisa Histórica em Educação (Unesp-
Marília)

1) A uva é da titia.
2) O cavalo é a uva.
3) O ovo é do titio.
4) A vila é bela.

Exemplo 8 – Página do caderno de uma aluna do Ciclo Básico (1a série) de escola
pública, em 1995 Fonte: Centro de Referência para Pesquisa Histórica em Educação
(Unesp- Marília)

Ao longo desses aproximados 120 anos, a cartilha sofreu alterações relativas


ao método e teve aprimorados e atualizados vários de seus aspectos, especialmente
o suporte material e os temas abordados nas lições.
Entretanto, permaneceu até os dias atuais, assim como conservou-se intocada
sua condição de imprescindível instrumento de concretização de determinado método,
ou seja, da seqüência necessária de passos predeterminados para o ensino e a
aprendizagem iniciais de leitura e escrita, e, em decorrência, da configuração
silenciosa de determinado conteúdo de ensino, assim como de certas também
silenciosas, mas efetivamente operantes, concepções de alfabetização, leitura,
escrita, texto e linguagem/ língua. Essas concepções operantes podem ser assim
sintetizadas:
• alfabetização: processo de ensinar e aprender o conteúdo da cartilha, de acordo com
o método proposto, o que permite considerar alfabetizado o aluno que tiver terminado
a cartilha com êxito, ou seja, que tiver aprendido a ler e escrever, podendo, assim,
começar a ler e escrever;
• leitura e escrita: instrumentos de aquisição de conteúdos escolares, cuja finalidade e
cuja utilidade se encerram nos limites da própria situação escolar, ou seja, de ensino
e aprendizagem.
• texto: conjunto de frases, por vezes com nexos sintáticos entre si, constituído de
palavras escolhidas de acordo com o nível de dificuldade adequado ao momento de
aprendizagem.
• linguagem/língua: expressão do pensamento e instrumento de comunicação, cujo
funcionamento assume características especificamente voltadas para a situação de
ensino e aprendizagem escolares.

Tais concepções remetem à permanência de um projeto (republicano) de


educação que vem sendo objeto de constantes ajustamentos e atualizações, cada vez
que se constata uma crise, ou seja, cada vez que a testagem – especialmente por
meio dos índices de repetência ou evasão – de sua eficácia revela que as crianças
estão tendo pouco ou nenhum sucesso na alfabetização. E é no âmbito desse projeto,
fundamentado em uma concepção seletiva e normativa de cultura, que se engendra
uma cultura escolar, a qual se pode definir como: certos conteúdos cognitivos e
simbólicos, que selecionados, organizados, normatizados e rotinizados, sob o efeito
dos imperativos de didatização, constituem habitualmente o objeto de uma
transmissão deliberada no contexto das escolas. (Forquin 1993, p. 167)
Ora, um dos principais aspectos da cultura que se constitui objeto de ensino na
escola é precisamente a linguagem/língua, que nos precede, ultrapassa, institui e
constitui como seres humanos e sujeitos sóciohistóricos. Daí decorre a importância
estratégica, no âmbito desse projeto, da escolarização das práticas de leitura e escrita
e seu ensino inicial às novas gerações, assim como sua estreita relação com o
engendramento de uma cultura escolar.
Como se observa nos exemplos de lições de cartilhas e cadernos de alunos
apresentados no tópico anterior, na história da alfabetização em nosso país podem-
se identificar certos conteúdos cognitivos e simbólicos – relacionados com aquelas
concepções de alfabetização, leitura, escrita, texto e linguagem/língua –, que,
selecionados, organizados, normalizados, rotinizados e didatizados, continuam
constituindo objeto de transmissão deliberada, sobretudo mediante a utilização direta
ou indireta da cartilha de alfabetização até os dias atuais, a despeito das
normatizações oficiais contrárias e dos avanços da lingüística contemporânea,
especialmente na vertente da análise do discurso e da teoria da enunciação em que
se fundamentam pensamentos contemporâneos sobre alfabetização, como os de
Geraldi (1984, 1991, 1996) e Smolka (1989).
Dessa forma, no âmbito da realização de sua função educativa, mediante
processo de transmissão cultural intencional, explícita e organizada para as novas
gerações e com base em uma razão pedagógica essencialmente normativa e
prescritiva, cuja tentação é o anseio de universalização, na escola brasileira vem-se
ensinando e aprendendo uma imagem idealizada de linguagem/língua – e, em
decorrência, de leitura, escrita e texto – que constitui o objeto de uma aprovação social
e sua versão autorizada, sua face legítima.
Dada a legitimidade e o valor intrínseco que a autoridade pedagógica do
professor (ainda) confere a esses conteúdos e o fato de ser a escola o lugar por
excelência para se aprender a ler e escrever, mesmo o valor instrumental – relativo ao
acesso à instrução e ao mundo público da cultura letrada – anunciado ou desejado
para essa aprendizagem é substituído por um valor em si decorrente de uma finalidade
restrita à própria aprendizagem, de modo tal que, à pergunta “Para que aprender a ler
e escrever?”, uma das respostas possíveis – ou talvez a única – seja: “Para aprender
a ler e escrever”.
Diferentemente do que aponta Forquin, no que se refere à história da
alfabetização no Brasil, a seleção cultural escolar (o que tem valor educativo, de
acordo com certa escala e juízo de valor) sofreu poucas variações “com a época,
ideologias políticas ou pedagógicas dominantes” (op. cit., p. 160), prevalecendo certos
aspectos constantes tidos como universais e constitutivos de uma cultura escolar, para
cujo engendramento, transmissão e perpetuação, tem-se, aliada ao conservadorismo
cultural da escola e do professor, a contribuição fundamental da cartilha de
alfabetização.
Baseando-se em uma imagem idealizada de linguagem/língua, assim como
substituindo o trabalho de professores e alunos – na medida em que àqueles impõe
métodos e contéudos de ensino previamente estabelecidos e questionáveis e, a estes,
os alfabetizandos, modelos equivocados de leitura, escrita, texto –, a cartilha de
alfabetização institui e perpetua certo modo de pensar, sentir, querer e agir, que,
embora aparentemente restrito aos limites da situação escolar, tende a
silenciosamente acompanhar esses sujeitos em outras esferas de sua vida pessoal e
social, uma vez que: se o imperativo da “transposição didática” impõe a emergência
de configurações cognitivas específicas (os saberes e os modos de pensamento
tipicamente escolares), estas configurações tendem a escapar de seu estatuto
puramente funcional de instrumentos pedagógicos e de auxiliares das aprendizagens,
para se constituir numa espécie de “cultura escolar” sui generis, dotada de dinâmica
própria e capaz de sair dos limites da escola para imprimir sua marca “didática” e
“acadêmica” a toda espécie de outras atividades (...), sustentando assim com as outras
dinâmicas culturais relações complexas e sempre sobredeterminadas, de nenhum
modo redutíveis, em todo caso, aos processos de simples reflexo ou de “repartição de
tarefas” (...). (Forquin 1993, pp.17-18) Na tragédia Fausto, de J.W. Goethe, o
protagonista faz um pacto com Mefistófeles, que lhe promete satisfazer o desejo de
conhecimento, de ampliação dos estreitos limites do saber humano. Logo em seguida,
travestido de Fausto, Mefistófeles recebe e promete ajudar um estudante que, “com
ânimo robusto e inteiro, / com sangue moço e algum dinheiro”, viera manifestar ao
sábio Fausto seu modesto desejo de ser instruído, mesmo ciente do penoso fardo que
teria que suportar para atingir seu objetivo.
No Brasil, desde pelo menos a última década do século XIX, a escola vem
prometendo, a cada nova geração, o acesso à instrução e ao mundo público da cultura
letrada. No entanto, essa promessa assemelha-se à do Mefistófeles travestido: não é
o conhecimento o que o falso Fausto lhe oferece, nem é Fausto, o sábio, quem
promete instruir o incauto estudante. Assim também, na escola brasileira, o que se
tem oferecido aos estudantes é o acesso a certa cultura escolar, mediado
especialmente pela cartilha de alfabetização, esse primeiro e emblemático
instrumento, substitutivo do trabalho de professores e alunos, que se apresenta como
portal do mundo prometido e que forma nossas crianças, no sentido da constituição
de um modo de pensar, sentir, querer e agir relacionado com a imagem idealizada de
linguagem/língua e com modelos equivocados de leitura, escrita e texto.
Será a cartilha de alfabetização um mal necessário, de fato? Que outras
concepções, que outras práticas, que outros conteúdos, que outras finalidades da
alfabetização, que outras formas de acesso ao mundo da cultura seriam possíveis, no
sentido de romper com esse pacto secular?
EXERCÍCIOS:
1) Faça uma análise de uma cartilha e redija uma crítica aos pontos
que você percebeu que não contribuem para uma alfabetização
que visa letramento.
2) Pesquise atividades de alfabetização que permitem a criança
construir sua alfabetização.

ANEXE AO PORTFÓLIO
Unidade 4
PSICOGÊNESE DA LÍNGUA ESCRITA

Emilia Ferreiro, psicóloga e pesquisadora argentina, radicada no México, fez


seu doutorado na Universidade de Genebra, sob a orientação de Jean Piaget. Na
Universidade de Buenos Aires, a partir de 1974, como docente, iniciou seus trabalhos
experimentais, que deram origem aos pressupostos teóricos sobre a Psicogênese do
Sistema de Escrita, campo não estudado por seu mestre, que veio a tornar-se um
marco na transformação do conceito de aprendizagem da escrita, pela criança.
Autora de várias obras, muitas traduzidas e publicadas em português, já esteve
algumas vezes no país, participando de congressos e seminários.
Falar de alfabetização, sem abordar pelo menos alguns aspectos da obra de Emilia
Ferreiro, é praticamente impossível.
Ela não criou um método de alfabetização, como ouvimos muitas escolas
erroneamente apregoarem, e sim, procurou observar como se realiza a construção da
linguagem escrita na criança.
Os resultados de suas pesquisas permitem, isso sim, que conhecendo a
maneira com que a criança concebe o processo de escrita, as teorias pedagógicas e
metodológicas, nos apontem caminhos, a fim os erros mais freqüentes daqueles que
alfabetizam possam ser evitados, desmistificando certos mitos vigentes em nossas
escolas.
Aqueles que são, ou foram alfabetizadores, com certeza, já se depararam
com certos professores que logo ao primeiro mês de aula estão dizendo, a respeito de
alguns alunos: não tem prontidão para aprender, tem problemas familiares, é muito
fraca da cabeça, não fez uma boa pré-escola, não tem maturidade para aprender e
tantos outros comentários assemelhados. Outras vezes, culpam-se os próprios
educadores, os métodos ou o material didático. Com seus estudos, Ferreiro desloca
a questão para outro campo: " Qual a natureza da relação entre o real e sua
representação? " As respostas encontradas a esse questionamento levam, pode-se
dizer, a uma revolução conceitual da alfabetização.
A escrita da criança não resulta de simples cópia de um modelo externo, mas é um
processo de construção pessoal. Emilia Ferreiro percebe que de fato, as crianças
reinventam a escrita, no sentido de que inicialmente precisam compreender seu
processo de construção e suas normas de produção.
" Ler não é decifrar, escrever não é copiar".

Muito antes de iniciar o processo formal de aprendizagem da leitura/escrita, as


crianças constroem hipóteses sobre este objeto de conhecimento.
Segundo Emília Ferreiro e Ana Teberowsky (pedagoga de Barcelona),
pesquisadoras reconhecidas internacionalmente por seus trabalhos sobre
alfabetização, a grande maioria das crianças, na faixa dos seis anos, faz corretamente
a distinção entre texto e desenho, sabendo que o que se pode ler é aquilo que contém
letras, embora algumas ainda persistam na hipótese de que tanto se pode ler as letras
quanto os desenhos. É bastante significativo que estas crianças pertençam às classes
sociais mais pobres que por isso acabam tendo um menor contato com material
escrito.

O processo de construção da escrita

Na fase 1, início dessa construção, as tentativas das crianças dão-se no sentido da


reprodução dos traços básicos da escrita com que elas se deparam no cotidiano. O
que vale é a intenção, pois, embora o traçado seja semelhante, cada um "lê" em seus
rabiscos aquilo que quis escrever. Desta maneira, cada um só pode interpretar a sua
própria escrita, e não a dos outros. Nesta fase, a criança elabora a hipótese de que a
escrita dos nomes é proporcional ao tamanho do objeto ou ser a que está se referindo.

Na fase 2, a hipótese central é de que para ler coisas diferentes é preciso usar formas
diferentes. A criança procura combinar de várias maneiras as poucas formas de letras
que é capaz de reproduzir.
Nesta fase, ao tentar escrever, a criança respeita duas exigências básicas: a
quantidade de letras (nunca inferior a três) e a variedade entre elas, (não podem ser
repetidas).

Na fase 3, são feitas tentativas de dar um valor sonoro a cada uma das letras que
compõem a palavra. Surge a chamada hipótese silábica, isto é, cada grafia traçada
corresponde a uma sílaba pronunciada, podendo ser usadas letras ou outro tipo de
grafia. Há, neste momento, um conflito entre a hipótese silábica e a quantidade mínima
de letras exigida para que a escrita possa ser lida.
A criança, neste nível, trabalhando com a hipótese silábica, precisa usar duas formas
gráficas para escrever palavras com duas sílabas, o que vai de encontro às suas idéias
iniciais de que são necessários, pelo menos três caracteres. Este conflito a faz
caminhar para outra fase.

Na fase 4 ocorre, então a transição da hipótese silábica para a alfabética. O conflito


que se estabeleceu - entre uma exigência interna da própria criança ( o número
mínimo de grafias ) e a realidade das formas que o meio lhe oferece, faz com que ela
procure soluções.Ela, então, começa a perceber que escrever é representar
progressivamente as partes sonoras das palavras, ainda que não o faça corretamente.
Na fase 5, finalmente, é atingido o estágio da escrita alfabética, pela compreensão
de que a cada um dos caracteres da escrita corresponde valores menores que a
sílaba, e que uma palavra, se tiver duas sílabas, exigindo, portanto, dois movimentos
para ser pronunciada, necessitará mais do que duas letras para ser escrita e a
existência de uma regra produtiva que lhes permite, a partir desses elementos simples,
formar a representação de inúmeras sílabas, mesmo aquelas sobre as quais não se
tenham exercitado.
Nível pré-silábico – fase 1 e 2
Nível silábico – fase 3
Nível silábico alfabético – fase 4
Nível alfabético – fase 5
A criança tem a sua frente uma estrada longa, até chegar à leitura e a escrita da
maneira que nós, adultos, a concebemos, percebendo que a cada som corresponde
uma determinada forma; que há grupos de letras separada por espaços em branco,
grupos estes que correspondem a cada uma da palavras escritas.

"Ignorar que a criança pensa e tem condições de escrever desde muito


cedo é um retrocesso"

EXERCÍCIOS:

1) Faça um ditado com uma criança de 06 a 08 anos e identifique o seu nível


de escrita.

SONDAGEM

Ditado de uma lista de palavras:


O ditado diagnóstico deve observar os seguintes critérios:
➢ Planejar uma lista de palavras de mesmo campo semântico;
➢ A lista deve ter uma palavra polissílaba, uma trissílaba, uma dissílaba e uma
monossílaba;
➢ Deve iniciar pela polissílaba;
➢ Evitar escolher palavras que repitam vogais como BANANA, ABACAXI;
➢ Uma frase que contenha pelo menos uma das palavras da lista;
➢ Registrar a data da sondagem;
➢ Para alunos não-alfabéticos solicitar que escrevam com letra bastão.
➢ Iniciar o ditado pelo nome do aluno; informar do que se trata a lista

ANEXAR AO PORTFÓLIO

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