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PASSO IX

Linguagem e Processos
Psicopedagógicos de Aprendizagem
Alfabetização e letramento
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

Objetivos

Conhecer os principais conceitos sobre Alfabetização e Letra-


mento

Apropriar-se das principais teorias relacionadas aos temas Alfa-


betização e Letramento

Antes de iniciar seus estudos neste passo, faça uma breve pesquisa
sobre Alfabetização e Letramento e elabore um quadro simples,
comparando as principais diferenças entre os dois termos. Separe
suas anotações e vamos ao passo 9! Ao final dele, você poderá
fazer um comparativo entre aquilo que anotou antes e o que acres-
centou depois.

9.2
Quando falamos em aquisição e desenvolvimento da linguagem,
em especial da linguagem escrita, estamos falando também em
alfabetização, vocábulo que, de modo geral, refere-se ao ato de
ensinar a ler e a escrever. Porém, por se tratar de um conceito
complexo, que denota – numa acepção mais expandida – estra-
tégias de ensino-aprendizagem, políticas públicas voltadas para
a inclusão das crianças na Educação Infantil, metodologias e
procedimentos diversos etc., a alfabetização é muito mais do que
simplesmente ensinar a criança a ler e a escrever.

Durante muito tempo, a alfabetização


ficou a cargo das chamadas carti-
lhas escolares, destinadas a ensinar
às crianças os “mistérios” da escrita; o
problema é que, indo na contramão
das teorias mais avançadas dos estudos
da linguagem humana, as cartilhas
ignoravam a realidade linguística da
criança, desconsiderando sua aprendi-
zagem espontânea e, como vimos no
passo anterior, os saberes pré-esco-
lares da criança em relação ao mundo
da escrita. Como lembram Rocha e Rodrigues (2007), “através
do método da cartilha a escola ignora a habilidade, a percepção
da fala que as crianças têm. Ignora o conhecimento adquirido da

9.3
própria fala, e, aos poucos, induz os alunos a interpretarem os
fenômenos fonéticos da fala tendo como modelo a forma escrita
das palavras e não a realidade fonética” (p. 3) Com efeito, essa é
uma realidade que, além de não levar em consideração as habi-
lidades linguísticas que a criança possui antes mesmo de entrar
na escola, desconsidera os avanços da Pedagogia e da Psicope-
dagogia em relação à dinâmica do ensino e da aprendizagem nos
primeiros anos escolares.

Um exemplo disso é o fato de, atualmente, uma boa prática peda-


gógica ligada à alfabetização não dispensar a linguagem em uso,
relacionada a contextos diversos, que sejam significativos para a
criança, que considere a interação social e a função comunica-
tiva da linguagem, e não uma prática que se limite aos exercícios
de repetição e cópia, baseando em regras ortográficas alheias à
realidade do aprendiz. Faz-se necessário, portanto, adotar uma
concepção de linguagem que se pode chamar de linguagem inter-
locutiva (BROTTO, 2019). Por isso, como sugere Edna Brito (2007):

“a escola precisa pensar a alfabetização como processo dinâ-


mico, como construção social, fundada nos diferentes modos de
participação das crianças nas práticas culturais de uso da escrita,
transcendendo a visão linear, fragmentada e descontextualizante
presente nas salas de aula onde se ensina/aprende a ler e a
escrever” (p. 2).

9.4
Emilia Ferreiro, estudada no passo anterior,
dedicou-se bastante a pensar os processos de
alfabetização a que as crianças são subme-
tidas. Para a autora (2005), durante muito
tempo a escola apoderou-se da escrita trans-
Emilia
Ferreiro formando-a num objeto puramente escolar,
sem considerar suas funções sociais que vão
além da escola. Nas suas palavras, “a alfabetização não é um
estado ao qual se chega, mas um processo cujo início é, na maioria
dos casos, anterior à escola e que não termina ao finalizar a escola
primária” (p. 47). Refletindo ainda mais profundamente sobre o
processo de alfabetização, a autora (2011) lembra também que
é responsabilidade da pré-escola propiciar à criança a liberdade
de experimentar os sinais escritos, sem a pressão da obrigatorie-
dade de acertar, numa atividade mais lúdica e, consequentemente,
mais produtiva. Evita-se, assim, nas palavras da autora (2002),
a adoção indevida e contraproducente do conceito de fracasso
escolar na dinâmica de alfabetização escolar.

Pelo fato de a alfabetização ter sido considerada, durante muito


tempo e num amplo espectro de práticas pedagógicas, uma técnica,
muitas vezes completamente alheia à realidade da criança, é que
se começou a adotar, com mais frequência o conceito de letra-
mento, que, grosso modo, refere-se à capacidade dos indivíduos,
mesmo não alfabetizados, de participar das sociedades letradas,
construindo concepções acerca da escrita e identificando seus dife-
rentes usos e funções.

9.5
O termo “letramento” originou-se do vocábulo literacy, palavra de
origem inglesa que, segundo Magda Soares (2004), foi adaptada
ao português por meio de uma tradução direta do termo originário,
denotando “o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e
escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um
indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita” (p.18).
Esse tema foi difundido no Brasil por volta da década de 1980, por
meio da produção da linguista Mary Kato, entre outros pesquisadores,
como Leda Verdiani Tfouni, ngela Kleiman, Magda Soares, Roxane
Rojo e outros. O conceito surge, de modo geral, devido à necessidade
de uma palavra que nomeasse as práticas de leitura e escrita, de
acordo com o contexto social em que vivia o cidadão. Ainda segundo
Magda Soares (2003), “o surgimento do termo literacy (cujo signifi-
cado é o mesmo que alfabetismo), nessa época, representou, certa-
mente, uma mudança histórica nas práticas sociais: novas demandas
sociais pelo uso da leitura e da escrita exigiram uma nova palavra
para designá-las. Ou seja: uma nova realidade social trouxe a neces-
sidade de uma nova palavra” (p. 29).

9.6
Um dos pressupostos do letramento é a questão da leitura de
mundo, proposta, pioneiramente, pelo educador Paulo Freire, cujo
método de alfabetização é considerado inovador até hoje. Obras
diversas do célebre educador – como Alfabetização: leitura de
mundo, leitura da palavra, Alfabetização e conscientização, A
importância do ato de ler, entre outras – já propunham algumas
ideias próprias do conceito de letramento, como o posicionamento
crítico diante do texto e da escrita, uma das questões fundamen-
tais para o desenvolvimento do aluno, o que, aliás, o vincula defini-
tivamente ao conceito de letramento, já que, em sua teoria, Paulo
Freire defendeu a alfabetização como meio de conscientização e
de apropriação social da leitura e da escrita pelo alfabetizando.

Paulo Reglus Neves Freire: foi


um educador e filósofo brasileiro.
É considerado um dos maiores
pensadores da Pedagogia no
mundo, é também patrono da
Educação Brasileira. Seu método
didático, resumidamente, apoia-se
na crença de que o educando deve
ser visto como sujeito no processo
de ensino-aprendizagem e não
como objeto. Destacou-se, também, por seu trabalho na área
da Educação Popular, voltada tanto para a escolarização
como para a formação da consciência político-social.

9.7
É autor de obras reconhecidas mundialmente, como
Educação como Prática da Liberdade (1967); Pedagogia do
Oprimido (1968); Pedagogia da Autonomia (1996), entre
outras. É o brasileiro mais homenageado da história, com
pelo menos 35 títulos de Doutor Honoris Causa em diversas
Universidades do mundo.

Desse modo, pode-se inferir que o letramento é o uso social da


leitura e da escrita, estado ou condição que assume o indivíduo
alfabetizado: essa ideia pressupõe que o uso da escrita pode trazer
ao indivíduo consequências tanto políticas quanto socioculturais,
seja para o grupo social no qual ele está inserido, seja para ele
próprio, “independentemente” do grupo a que se vincula.

Maria do Rosário Mortatti (2004),


em seu livro Educação e letramento,
traça um breve histórico da educação
do Brasil, mostrando, em cada época,
sua evolução. Segundo a autora, “no
Brasil, certamente em decorrência das
condições de sua colonização, de sua
dimensão territorial e de sua estrutura
predominantemente agrária, a preocu-
pação com a educação e com ensino
elementar tardou a ganhar vulto” (p. 33).
9.8
Nesse contexto, a autora lembra e da escrita de acordo com as
ainda que, apesar de certa resis- contínuas mudanças e exigências
tência, houve mudanças substan- sociais, motivo pelo qual Mortatti
ciais no desenvolvimento da alfa- (2004) reforça a importância
betização e sua prática na escola. do letramento, conceito que vai
Está claro, para ela, que essas além da noção restrita de alfa-
mudanças ocorreram de acordo betização: “se ‘educação’ é uma
com o desenvolvimento social, palavra bastante utilizada e
cultural, econômico e político da com significado relativamente
sociedade, moldando também a conhecido, o mesmo não ocorre
forma de alfabetizar o cidadão, com ‘letramento’, de recente
já que, a certa altura, não era introdução em nossa língua e
mais possível simplesmente alfa- diretamente relacionada com
betizá-lo, sendo necessário, a a visibilidade de novos fenô-
partir de então, letrá-lo. Nesse menos e com a constatação
sentido, torna-se -se necessário de novas formas de compre-
saber fazer um uso da leitura endê-los e explicá-los” (p. 35).

9.9
De acordo com essa primeira definição geral, o letramento pode
ser compreendido como o uso da leitura e da escrita em práticas
diversas, como a obtenção de informações, a escrita e recepção de
e-mails ou, simplesmente, a realização de qualquer tipo de leitura,
sabendo interpretá-la e relacioná-la ao objetivo pretendido. O que
muitas vezes não nos damos conta – nem a escola! – é que, no
dia a dia, estamos envolvidos direta ou indiretamente com muitas
práticas sociais de leitura e escrita, em contextos diversos, tanto
em casa, na escola ou na igreja quanto no trabalho ou com os
amigos.

Muitas crianças e adolescentes fazem uso da escrita e da leitura


em seu cotidiano – nos sites de relacionamento, nos blogs, nas
mídias sociais, na leitura de revistas em quadrinhos etc. –, o que,
muitas vezes, é ignorado pela escola, que lhes impõe uma relação

9.10
automatizada com a leitura e a escrita, baseada mais na técnica
do que em seu uso consciente e real. A prática de leitura e escrita
na escola deve estar relacionada, sempre que possível, à reflexão
do contexto social do aluno, fazendo com que o estudante se posi-
cione, autonomamente, diante dos desafios da realidade e possua
uma visão crítica sobre o mundo.

9.11
Embora a alfabetização seja uma ativi-
dade necessária e fundamental para a
aquisição da língua escrita, cumpre sempre
lembrar que letrar é mais que alfabetizar:
é algo além de somente decodificar letras
e signos, já que o letramento propõe que
o leitor/escritor tenha senso crítico e auto-
nomia diante do mundo e de suas práticas
sociais, sabendo, sobretudo, interpretar a
realidade discursiva em que está inserido.
Nesse caso, o aluno simplesmente alfabe-
tizado decifra os códigos, enquanto o letrado entende seu signifi-
cado, interpretando-o. Alfabetização e letramento devem, por isso,
caminhar juntos... Para Mortatti (2004), a alfabetização não é
pré-requisito para o letramento, mas ambos estão relacionados
com as práticas de leitura e escrita: o letramento envolve seu uso
social, não se distanciando da prática educativa e de escolari-
zação, mas ocorre em situações diversas dentro ou fora do universo
escolar. Segundo Leda Tfouni (1988):

“apesar de estarem indissoluvelmente e inevitavelmente ligados


entre si, escrita, alfabetização e letramento nem sempre têm sido
enfocados como um conjunto pelos estudiosos. Diria, inicialmente,
que a relação entre eles é aquela do produto e do processo:
enquanto que os sistemas de escritura são um produto cultural,
alfabetização e o letramento são processos de aquisição de um
sistema escrito” (p. 9).

9.12
Cada indivíduo possui uma competência particular em relação ao
letramento, uma vez que mesmo uma criança de dois anos possui
um “conhecimento de mundo”. A escola, portanto, deve se apro-
priar do nível de letramento de cada aluno e elevá-lo, fazendo
assim com que o aluno desenvolva sua capacidade de expressão e
de intelecção do mundo. Por isso, tanto a alfabetização quanto o
letramento devem ser considerados direito inalienável dos alunos
e dos cidadãos.

Assim, se para Emilio Ferreiro (2002) “a alfabetização não é um


luxo nem uma obrigação: é um direito” (p. 38, grifo da autora),
para Magda Soares (2004), “o letramento é, sem duvida alguma,
pelo menos nas modernas sociedades industrializadas, um direito
humano absoluto, independentemente das condições econômicas
e sociais em que um dado grupo humano esteja inserido” (p. 120).

9.13
Indicação de Vídeo

Assista à entrevista “Métodos de alfabetização


- Magda Soares - Entrevista - Canal Futura”.

Link: https://bit.ly/3iJqenZ Acesso: 07/07/2020

Dica Cultural

Assista ao documentário “Paulo Freire Contem-


porâneo”.

Link: https://bit.ly/2Z89yyO Acesso: 07/07/2020

9.14
REFERÊNCIAS
BRITO, Antonia Edna. “Prática pedagógica alfabetizadora: a aquisição da língua
escrita como processo sociocultural”. Revista Iberoamericana de Educación, Organi-
zación de Estados Iberoamericanos, Madrid, No. 44: 1-9, nov. 2007.

BROTTO, Ivete Janice de Oliveira. “A linguagem na educação infantil: concepção


de linguagem interlocutiva e períodos de desenvolvimento”. In: ZOIA, Elvenice T.;
PASQUALOTTO, Lucyelle C.; COSSETIN, Márcia (orgs.). Educação infantil: em
defesa de uma formação humanizadora em tempos de lutas e resistências. Uber-
lândia, Navegando, 2019, p. 71-91.

FERREIRO, Emilia. Passado e presente dos verbos ler e escrever. São Paulo, Cortez,
2002.

_____. Com todas as letras. São Paulo, Cortez, 2005.

_____. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo, Cortez, 2011.

MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Educação e letramento, São Paulo, UNESP,


2004.

SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto, 2003.

_____. Letramento um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

TFOUNI, Leda Verdiani. Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso. Campinas,


Pontes. 1988.
Professora: Marcia Pereira
Designer: Mirela Martins

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