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RESUMO:
Estudos sobre o letramento e o papel da leitura do texto literário na formação do leitor estão
comumente atrelados à escola. Atividades como um debate após a leitura confirmam uma
interatividade entre o texto e os seus leitores, levando-os a reconsiderar conflitos com o lido.
Além disso, servem para criar expectativas nos interlocutores e para abrir espaços à
compreensão do texto e do mundo a sua volta. Dessa forma, o trabalho objetiva refletir sobre
a narrativa longa, gênero que circula no universo escolar e que faz parte do repertório dos
alunos. Para isso, analisa-se o que dizem leitores de 4ª série (5º ano) a respeito do livro A
roupa nova do imperador (2001), de Hans Christian Andersen, quais suas primeiras
impressões ao entrarem no universo ficcional e quais os aspectos que mais chamam a sua
atenção.
PALAVRAS-CHAVE: letramento, leitura, leitor, narrativa longa
ABSTRACT:
Research about literacy and the function of reading children’s literature to build a reader are
related with the school. Activities as a debate after reading a book show interactivity between
the text and their readers, thanking them to questioning what the read. Further more serve to
create expectative in readers and to open spaces for the comprehension of the text and the
world around them. In this way, this article has the objective to reflect about the long
narrative, text that is present inside the school and that make part of the students background.
For this proposal, we are going to analyze what students from a 5th grade has to say about the
book The new clothes form the Emperor (2001), by Hans Christian Andersen, their first
impressions getting into the fiction universe and which aspects capture their attention the
most.
KEYWORDS: literacy, reading, reader, long narrative
1 O letramento no Brasil
Os estudos sobre o letramento intensificaram-se no Brasil por volta de 1990. Alguns
autores (KLEIMAN, 1991, 1993; TFOUNI, 1995; SOARES, 1998; ROJO, 1998), em suas
pesquisas, buscavam compreender tanto “o impacto social da escrita” quanto a inserção dos
sujeitos no universo da palavra escrita. Neste sentido, os pesquisadores passaram a relacionar
os usos e as funções atribuídas à escrita na organização dos grupos na sociedade, focalizando
as conseqüências socioculturais, políticas e/ou cognitivas. Assim, promoveram um
deslocamento significativo na forma de idealizar o processo de aprendizagem da leitura e da
escrita, procurando compreender o que o sujeito faz, por que, para que e como faz quando
escreve.
Esses estudos foram possíveis em virtude do aprofundamento no campo investigativo
da linguagem, além disso, aqueles relacionados à Educação se viram impulsionados a
compreender as razões do “fracasso” escolar de alunos que, desde o início dos anos 70, com a
chamada “democratização da escola”, têm sido sistematicamente excluídos das salas de aulas,
mesmo com as proposições da progressão continuada, ‘corriqueiramente’ chamada de
promoção automática.
Neste sentido, assegurar educação para todos ainda é um desafio no Brasil, pois apesar
da expansão quantitativa ocorrida nas últimas décadas, em nosso país, persiste um quadro
preocupante. São milhões de brasileiros analfabetos e quase um terço da população com
baixos níveis de letramento. Entre jovens e adultos, considerando-se aqueles que têm mais de
15 anos, cerca de 13% são analfabetos, ainda que um terço deles já tenha passado pelo Ensino
Fundamental. Entre as crianças, mais da metade das que chegam à 4ª série (5º ano) não têm
apresentado um rendimento adequado em leitura. Quase 30% dessas crianças não sabem ler.
Os dados do INAF (Indicador de Alfabetismo Funcional) de 2007 são reiterativos e, talvez,
mais alarmantes: há 800 mil crianças fora da escola; das que dela têm acesso, 25% estão
“atrasadas” em relação à série que estudam; apenas 3% são consideradas alfabetizadas até a 4ª
série; e 97% não conseguem aprender.
Não se pode afirmar, todavia, que a preocupação com a inserção dos alunos no
universo da leitura e da escrita, concebidas como práticas sociais, tenha efetivamente se
iniciado nos anos 90. No Brasil há, previamente, vários textos que abordam a questão do
letramento, sem se referirem explicitamente a ele. A transcrição do discurso – texto de
abertura da antologia comemorativa do 10º Cole – proferido em 1978 por Haquira Osakabe,
se refere à escrita e à leitura em citação de Márcia Abreu:
Como se vê, os autores pressupõem que escrita e leitura são formas que, por meio das
quais, o sujeito se constitui enquanto tal pela linguagem. Escrita e leitura, desse ponto de
vista, não são concebidas meramente como capacidades individuais, mas são compreendidas
como práticas de linguagem que possibilitam formas específicas de o sujeito estabelecer
relações sociais e construir sua identidade.
Em mesa redonda durante o 6º COLE, em 1987, Magda Soares afirma a respeito da
leitura:
Historicamente a leitura foi sempre um ato social. Nós passamos de um ato social,
em que as pessoas lêem em conjunto, em uma prática de leitura muito associada à
oralidade, para essa visão contemporânea, e falsa, de que a leitura é um ato
solitário, o que, na verdade, ela não é. Ela é uma interação verbal de indivíduos e
indivíduos socialmente determinados. (SOARES, 1995, p. 87)
2 O contexto da pesquisa
Estudantes de 4ª série (5º ano) do Ensino Fundamental de três escolas públicas do
Oeste do Estado de São Paulo, das cidades de Presidente Prudente, Assis e Marília 1 , foram
entrevistados por um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista, em ocasião
do desenvolvimento do projeto internacional de pesquisa intitulado “Literatura na escola:
espaço e contextos – a realidade brasileira e portuguesa”, que acontece nas três cidades já
citadas e em duas cidades portuguesas: Évora e Braga. Os alunos leram A roupa nova do
1
As cidades, segundo estimativa do Censo 2007 realizado pelo IBGE, contam com 203 000, 93 000 e 219000
habitantes, respectivamente.
imperador (Martins Fontes, 2001), de Hans Christian Andersen, “Meu nome é cachorro”,
primeira narrativa de O livro dos pontos de vista (Ática, 2006), de Ricardo Azevedo, e A
bolsa amarela (Casa Lygia Bojunga, 2007), de Lygia Bojunga. Depois da leitura, foi
realizada uma entrevista coletiva que teve duração de pouco mais de uma hora e foi guiada
por questões previamente elaboradas pelo grupo de pesquisadores, cujo intuito é observar
como se dá a recepção do texto literário por esses jovens leitores.
No trabalho aqui proposto, analisaremos o que dizem esses leitores acerca do livro A
roupa nova do imperador (Martins Fontes, 2001), de Hans Christian Andersen, quais suas
primeiras impressões ao entrarem no universo ficcional e quais os aspectos que mais chamam
a sua atenção.
o que se pode criticar, o que se deve negar não é a escolarização da literatura, mas a
inadequada, a errônea, a imprópria escolarização da literatura, que se traduz em sua
deturpação, falsificação, distorção, como resultado de uma pedagogização ou uma
didatização mal compreendidas que, ao transformar o literário em escolar, desfigura-
o, desvirtua-o, falseia-o.
Dessa forma, a literatura escolarizada de modo adequado seria aquela que leva às
práticas sociais de leitura e às ações que correspondam ao ideal de leitor que se quer formar.
Histórias com finais felizes lembram os contos de fadas e vão na contramão das
histórias contemporâneas, em que são vislumbrados finais abertos, passíveis de interpretações
múltiplas, ou finais de tom realista. Não gostar do final, portanto, pode livrar o aluno de
pensar na sua realidade, já que seria muito mais fácil viver no conto de fadas e ter uma
situação já concluída, na qual o bem se sobressai e o mal é detido.
O caráter humorístico desta parte do texto é percebido pelos alunos quando o
imperador desfila nu e todos que assistiam ao desfile assumem que não estavam vendo suas
roupas, apesar de a ironia ficar implícita e não ser vivenciada na leitura. Essas crianças
acabam atribuindo valores morais às atitudes dos tecelões e deixam passar despercebida a
sátira feita ao adulto cínico e à sociedade gananciosa da atualidade.
Conforme Zilberman (1991) promover a leitura em na sala de aula significa levar o
aluno a ter acesso à obra de ficção, pois
Nesse sentido, é a sala de aula o espaço para debates sobre os textos lidos e para a
viabilização da troca de experiências entre os leitores, que os torna capazes de relacionar o
que acontece na ficção com o que vive em sua realidade. É esta a leitura que possibilita uma
relação entre a linguagem e a realidade, desencadeando a interpretação do texto por parte do
leitor. Nesse sentido Zilberman (1991, p. 19) afirma que a obra de ficção é o modelo para
leitura, “pois, sendo uma imagem simbólica do mundo que se deseja conhecer, ela nunca se
dá de maneira completa e fechada”. A estrutura chama o leitor para preencher os vazios do
texto e dar vida ao mundo formado pelo autor. Assim, cada leitor os preencherá de uma
maneira, de acordo com sua vivência, experiência e imaginação, não apenas decifrando o
código.
Mais agravante do que ler os mesmos autores por um longo tempo talvez seja ler
autores desconhecidos pela crítica, que não têm importância no meio cultural artístico infantil,
que são pouco representativos ou que têm textos de pouca qualidade estética e que, portanto,
não contribuem para a compreensão do literário e para o desenvolvimento no aluno do
conceito de autoria e de obra.
Um trabalho com o gênero narrativa longa na escola poderia possibilitar a leitura pelo
aluno de textos literários de qualidade estética e o desenvolvimento de atividades que não
fossem modelos concretos para o ensino, mas que privilegiassem suas características
intrínsecas como o material impresso, a estrutura narrativa, a intertextualidade, a ideologia e a
opinião do leitor.
Uma alternativa é o debate que pode ser realizado após a leitura do livro, pois valoriza
as impressões do aluno. Por meio dele é possível: construir coletivamente os significados do
texto; promover uma interação entre livro-professor-aluno; demonstrar posicionamentos;
elaborar conjuntamente uma resposta a uma questão posta, que permite a cada um refletir para
precisar ou modificar sua posição inicial; aprofundar conhecimentos; explorar opiniões
controversas ou complementares; desenvolver novas idéias e novos argumentos; construir
significações ao texto; transformar atitudes. Funções essas que foram notadas pelos alunos da
4ª série observada ao dizerem que “o debate é bom porque cada um pode mostrar a sua
opinião”.
Referências Bibliográficas