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M 2021

INCORPORAÇÃO DE DADOS DE ANÁLISE


TÉRMICA NA SIMULAÇÃO DE SOLIDIFICAÇÃO
DE FERRO FUNDIDO NODULAR

JOÃO PEDRO DA SILVA RIBEIRO


DISSERTAÇÃO REALIZADA NO ÂMBITO DO MESTRADO INTEGRADO EM ENGENHARIA
METALÚRGICA E DE MATERIAIS

ORIENTADOR
CARLOS SILVA RIBEIRO
PROFESSOR DOUTOR NO DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA
METALÚRGICA E DE MATERIAIS

CO-ORIENTADOR
VITOR EMANUEL AZEVEDO DOS ANJOS
PROFESSOR DOUTOR NO DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA
METALÚRGICA E DE MATERIAIS
CANDIDATO João Pedro da Silva Ribeiro CÓDIGO 201504603

TÍTULO Incorporação de dados de análise térmica na simulação de solidificação de


ferro fundido nodular
DATA 19 de julho de 2021 – 11h30

LOCAL Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

JÚRI PRESIDENTE Manuel Fernando Gonçalves Vieira DEMM/FEUP

ARGUENTE Rui Jorge de Lemos Neto DeMec/FEUP

ORIENTADOR Vítor Emanuel Azevedo dos Anjos CITNM


Resumo
A presente dissertação visa obter uma melhoria do desempenho das simulações de
solidificação (software QuikCast) aplicado a peças fabricadas em ferro nodular, utilizando
como ferramenta auxiliar as técnicas de análise térmica aplicada à produção de ferros
fundidos nodulares. Devido à complexidade deste tipo de material é fundamental
controlar devidamente todos os parâmetros de processo que influenciam o resultado final
da qualidade das peças. Desta forma, este trabalho foi elaborado de forma a conseguir
compreender as características de solidificação da liga que mais influenciam o resultado
final, permitindo mimetizá-las, à posteriori, no software de simulação.
Primeiramente, foi realizado um estudo à produção regular da empresa Cruz Martins
& Whal, identificadas as características da liga produzida e a eficiência dos tratamentos
ao banho. Para esta fase foram utilizadas as técnicas de análise térmica para obtenção
das curvas características da solidificação do metal. Numa segunda fase foi estudado,
tendo em conta o registo das curvas de arrefecimento obtidas, a sensibilidade à formação
de rechupes pela identificação do tempo até à coerência dendrítica. A interpretação das
curvas de arrefecimento permitiu afinar e ajustar os parâmetros de pré-processamento
“expansão grafítica” do software QuikCast. Na terceira e última fase foram realizadas
simulações de solidificação com os parâmetros de pré-processamento definidos com o
objetivo de validar os resultados verificados nas peças produzidas.
No fim do trabalho foi possível identificar quais os outputs do software QuikCast,
provenientes da análise dos parâmetros de pré-processamento e dos dados recolhidos pela
interpretação das curvas de arrefecimento, permitem aprimorar o resultado final das
simulações de solidificação. Com a implementação destes verificou-se uma melhoria do
desempenho das simulações na previsão dos rechupes, de acordo com todo o estudo
elaborado.

Palavras-Chaves
Ferro fundido nodular; simulação de solidificação; análise térmica; rechupe

I
Abstract
This dissertation project aims to improve the performance of solidification simulations
(QuikCast software), applied to parts made of nodular cast iron, using thermal analysis
techniques as an auxiliary tool on the production of nodular cast irons. Due to the
complexity of this type of material, it is essential to properly control all process
parameters that influence the final result of the parts quality. In this way, this work was
elaborated in order to understand the solidification characteristics of the alloy that most
influence the final result, allowing to mimic them, posteriorly, in the simulation software.
First, a study was carried out on the regular production of the company Cruz Martins
& Whal and were identified the characteristics of the produced alloy and the efficiency
of the bath treatments. For this phase, thermal analysis techniques were used to obtain
the characteristic curves of the metal solidification. In a second phase, it was studied,
taking into account the recording of the cooling curves obtained, the sensitivity to the
formation of shrinkage defects by identifying the time until dendritic coherency. The
interpretation of the cooling curves made it possible to fine-tune and adjust the pre-
processing parameter “graphitic exapnsion” of the QuikCast software. In the third and last
phase, simulations were carried out with the pre-processing parameters defined in order
to validate the results verified in the produced parts.
At the end of the work it was possible to identify which outputs, from the analysis of
the pre-processing parameters and from the data collected through the interpretation of
the cooling curves, allow to improve the final result of the solidification simulations.
With the implementation of these, there was an improvement in the performance of the
simulations in the prediction of shrinkage defects, according to the entire study.

II
Agradecimentos
Primeiramente gostaria de agradecer ao Professor Carlos A. Silva Ribeiro pela
orientação ao longo de toda a dissertação de mestrado, pelo saber e conhecimento
transmitido, assim como, pelo apoio e disponibilidade fornecida.
Um agradecimento à empresa Cruz Martins & Wahl, Lda por me proporcionarem a
possibilidade de realizar esta dissertação dando-me acesso a todos os recursos
necessários. Um individual agradecimento à Eng. Rita Claro e ao Eng. Carlos Dias pela
orientação prestada durante a realização da parte prática na empresa e pela ampla
disponibilidade com que sempre me receberam. A elaboração da parte prática não seria
possível sem o apoio do CITNM, com um agradecimento especial ao Eng. João Teixeira e
ao Professor Vitor Anjos que, de forma incansável, me instruíram em todas as etapas da
dissertação.
À minha família pela paciência de terem convivido comigo numa altura tão peculiar
para todos nós, COVID-19, e pelos conselhos dados sempre de forma sábia e ponderada.
À Ana, minha namorada, pela ajuda e apoio dado em todas as alturas menos positivas
vividas nestes meses, para além de todo o incentivo e motivação dada na finalização do
meu percurso académico.

III
Índice
Resumo .................................................................................................. I

Palavras-Chaves ........................................................................................ I

Abstract ................................................................................................ II

Agradecimentos ...................................................................................... III

Lista de Figuras ...................................................................................... VI

Lista de Tabelas ...................................................................................... IX

Abreviaturas e Símbolos ............................................................................. X

1. Introdução Teórica .............................................................................. 1


1.1. Enquadramento ............................................................................ 1
1.2. Empresa Cruz Martins & Wahl ............................................................ 2

2. Revisão de literatura............................................................................ 3
2.1. Ferros fundidos nodulares ................................................................ 3
2.1.1. Principais elementos químicos ..................................................... 3
2.1.2. Microestrutura e tipo de grafite.................................................... 5
2.2. Produção de ferro fundido nodular ..................................................... 5
2.2.1. Elaboração do metal de base ....................................................... 6
2.2.2. Tratamento de nodularização ...................................................... 7
2.2.3. Técnica de inoculação ............................................................... 8
2.2.4. Controlo do processo de produção ................................................. 9
2.3. Morfologia de solidificação ............................................................... 9
2.3.1. Fenómeno de coerência dendrítica ............................................... 10
2.3.2. Fenómeno de expansão da grafite ................................................ 11
2.4. Análise térmica ............................................................................ 12
2.4.1. Descrição da técnica ................................................................ 12
2.4.2. Nomenclatura ........................................................................ 14
2.4.3. Interpretação das curvas de arrefecimento ..................................... 15
2.5. Software de simulação QuikCast ....................................................... 22
2.5.1. Descrição de software de simulação de solidificação ......................... 22
2.5.2. Parâmetros de pré-processamento ............................................... 23
2.5.3. Parâmetros de pós-processamento ............................................... 24

IV
3. Materiais e procedimentos .................................................................... 25
3.1. Corpo de prova ............................................................................ 25
3.2. Equipamentos e software de análise térmica ........................................ 26
3.3. Software de simulação QuikCast ....................................................... 28
3.3.1. Parâmetros de pré-processamento ............................................... 29
3.3.2. Parâmetros de pós-processamento ............................................... 29
3.3.3. Manipulação do valor de coeficiente de expansão grafítica .................. 30
3.4. Avaliação de rechupes no corpo de prova ............................................ 30

4. Apresentação e discussão dos resultados ................................................... 31


4.1. Determinação da morfologia de solidificação ........................................ 31
4.2. Identificação do ponto de coerência dendrítica ..................................... 36
4.3. Simulações de solidificação ............................................................. 40
4.3.1. 1ª etapa de simulação - Módulo térmico ........................................ 41
4.3.2. 2ª etapa de simulação - Influência da variação do coeficiente de expansão
grafítica no parâmetro de pós-processamento “time to end mass feeding”.......... 43
4.3.3. 3ª etapa de simulação - Localização de rechupes pela função pós-
processamento “total shrinkage porosity” ................................................. 46
4.4. Validação da simulação de solidificação para determinar a formação de rechupe
49

5. Conclusão ........................................................................................ 53
5.1. Sugestões para trabalhos futuros ....................................................... 53

Referências Bibliográficas .......................................................................... 55

V
Lista de Figuras
Figura 1: Classificação do tipo de grafite segundo a norma ISO 945-1:2019. Adaptado de
[7]. ................................................................................................. 5
Figura 2: Condução do processo de fusão. Adaptado de [9]. .................................. 6
Figura 3: Esquematização das técnicas de tundish-cover e sandwich. Adaptado de [13]. 8
Figura 4: Diagrama de equilíbrio ferro-carbono. Adaptado de [8]. .......................... 10
Figura 5: Interseção dos braços de austenite – coerência dendrítica. Adaptado de [8]. . 11
Figura 6: Variação do volume conforme as transformações físicas, adaptado de [20]. .. 11
Figura 7: Hardware de suporte para cartuchos de análise térmica. Adaptado de [22]. .. 12
Figura 8: Cartuchos abertos com adição de telúrio - standard Heraeus Electro-Nite.
Adaptado de [26]. .............................................................................. 13
Figura 9: Cartuchos fechados Therm-O-Stack. .................................................. 13
Figura 10: Cartuchos Therm-O-Stack fechados com duas cavidades. Adaptado de [29]. . 14
Figura 11: Curva de arrefecimento e respetiva derivada da secção da curva de
solidificação. Adaptado de [10]. ............................................................. 14
Figura 12: Curva de arrefecimento típica de um ferro fundido. Adaptado de [18]. ...... 15
Figura 13: Curva de arrefecimento típica de um ferro fundido hipoeutéctico. Adaptado de
[30]. .............................................................................................. 17
Figura 14: Curvas de arrefecimento com morfologia de solidificação hipoeutécticas,
eutécticas e hipereutécticas. Adaptado de [26]. ......................................... 18
Figura 15: Momento ideal para a ocorrência do DCP no colo do alimentador em função o
momento de expansão grafítica na peça. Adaptado de [34]. ........................... 19
Figura 16: Identificação do ponto de coerência dendrítica numa curva com morfologia
hipoeutéctica. Adaptado de [8]. ............................................................. 19
Figura 17: Identificação do ponto de coerência dendrítica utilizando o valor inverso da 1ª
e 2ª derivada. Adaptado de [8]. ............................................................. 20
Figura 18: Identificação do ponto de coerência dendrítica na curva de morfologia
eutéctica. Adaptado de [8]. .................................................................. 20
Figura 19: Identificação do ponto de coerência dendrítica na curva de morfologia
hipereutéctica. Adaptado de [8]. ............................................................ 21
Figura 20: Relação do fim da reação eutéctica e a formação de rechupes. Adaptado de
[35]. .............................................................................................. 21
Figura 21: Geometria da malha do software QuikCast. Adaptado de [38].................. 23

VI
Figura 22: Modelo do corpo de prova estudado. ................................................ 25
Figura 23: Layout da distribuição das estações de análise térmica, utilizada no controlo
do processo. ..................................................................................... 26
Figura 24: Cartucho aberto Quik-Cup com adição de telúrio, adaptado de [26]. ......... 27
Figura 25: Cartucho fechado Quik-Cup, adaptado de [26]. ................................... 27
Figura 26: Cartucho fechado dupla cavidade Therm-O-Stack................................. 27
Figura 27: Linha de corte nas secções do corpo de prova na vista de cima. ............... 30
Figura 28: Serra de corte semiautomático. ...................................................... 30
Figura 29: a) Curva de arrefecimento cartucho do Quik-Cup fechado, sem adição de
telúrio, ensaio 1, com um só patamar; b) Curva de arrefecimento do inverso da
primeira derivada cartucho do Quik-Cup fechado, sem adição de telúrio, ensaio 1. 32
Figura 30: a) Curva de arrefecimento do cartucho Quik-Cup fechado, sem adição de
telúrio, ensaio 2, com indícios ligeiros de aparecimento de um segundo patamar; b)
Curva de arrefecimento do inverso da primeira derivada do cartucho Quik-Cup, sem
adição de telúrio, ensaio 2. .................................................................. 32
Figura 31: a) Curva de arrefecimento do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 1, com dois
patamares; b) Curva de arrefecimento do inverso da primeira derivada do cartucho
Therm-O-Stack, ensaio 1. ..................................................................... 34
Figura 32: a) Curva de arrefecimento do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 2, com dois
patamares; b) Curva de arrefecimento do inverso da primeira derivada do cartucho
Therm-O-Stack, ensaio 2. ..................................................................... 34
Figura 33: a) Curva de arrefecimento do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 1; b) Curva de
arrefecimento do inverso da primeira derivada do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 1.
.................................................................................................... 37
Figura 34: a) Curva de arrefecimento do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 2; b) Curva de
arrefecimento do inverso da primeira derivada do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 2.
.................................................................................................... 38
Figura 35: a) Curva de arrefecimento cartucho Therm-O-Stack, ensaio 1; b) Curva de
arrefecimento do inverso da primeira derivada do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 1
. ................................................................................................... 39
Figura 36: a) Curva de arrefecimento do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 2; b) Curva de
arrefecimento do inverso da primeira derivada do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 2.
.................................................................................................... 39

VII
Figura 37: Parâmetros de pré-processamento standard. ...................................... 41
Figura 38: Estrutura da malha do corpo de prova. ............................................. 42
Figura 39: Diagrama térmico do corpo de prova. ............................................... 42
Figura 40: Diagrama térmico do corpo de prova, ou, mapa dos módulos de arrefecimento,
com as gamas de variação em cada secção. ............................................... 43
Figura 41: Valor da função "time to end mass feeding" para um coeficiente de expansão
grafítica de 0,25. ............................................................................... 44
Figura 42: Valor da função "time to end mass feeding" para um coeficiente de expansão
grafítica de 0,5. ................................................................................ 44
Figura 43:Valor da função "time to end mass feeding" para coeficiente de expansão
grafítica de 0,75. ............................................................................... 45
Figura 44: Valor da função "time to end mass feeding" para coeficiente de expansão
grafítica de 1. ................................................................................... 45
Figura 45: Distribuição da percentagem de rechupes no corpo de prova, previsto pela
função "total shrinkage porosity" da simulação do QuikCast, utilizando parâmetros
standard. ........................................................................................ 47
Figura 46: Distribuição da percentagem de rechupes no corpo de prova, previsto pela
função “total shrinkage porosity” da simulação do QuikCast, utilizando o coeficiente
da expansão grafítica de 0,5. ................................................................ 47
Figura 47: Distribuição de rechupes no plano XZ, utilizando um coeficiente de expansão
grafítica de 0,5. ................................................................................ 48
Figura 48: Regiões secionadas para estudo de rechupe no corpo de prova. ................ 49
Figura 49: Imagem fotográfica de poros na secção 3 do corpo de prova, sem alimentador.
.................................................................................................... 50
Figura 50: Poros da seção 3 do corpo de prova sem alimentador. ........................... 50
Figura 51: Secção 3 do corpo de prova com alimentador. .................................... 51
Figura 52: a) Imagem fotográfica de rechupes da secção 1 sem alimentador; b) Imagem de
lupa da dimensão de rechupes da secção 1 sem alimentador. .......................... 51
Figura 53: a) Imagem fotográfica de rechupe na secção 1 com alimentador; b) Imagem de
lupa da dimensão do rechupe. ............................................................... 52

VIII
Lista de Tabelas
Tabela 1: Classificação dos elementos presentes na composição química ferro fundido
nodular. ........................................................................................... 3
Tabela 2: Valores de módulo térmico teóricos para as diferentes secções da peça,
estimados pela aplicação de critérios heurísticos. ........................................ 26
Tabela 3: Parâmetros de pré-processamento. .................................................. 29
Tabela 4: Composição química de vazamento ensaio 1........................................ 35
Tabela 5: Composição química de vazamento do ensaio 2. ................................... 36
Tabela 6: Valor médio do tempo Mir para os ensaios realizados............................. 40
Tabela 7: Valores da função "time to end mass feeding" para a secção 2. ................. 46

IX
Abreviaturas e Símbolos
CE - Carbono Equivalente
Fe – Ferro
C - Carbono
Si - Silício
Mg - Magnésio
Mn - Manganês
Cu - Cobre
P - Fósforo
S – Enxofre
Cr – Crómio
Sn – Estanho
Sr- Estrôncio
Ba- Bário
Mo – Molibdénio
Ca- Cálcio
Ni - Níquel
Nb – Nióbio
Ti - Titanio
Ce – Cério
B - Boro
DCP - Dendrite Coherency Point, ou, em português, ponto de coerência dendrítica

X
1. Introdução Teórica
1.1. Enquadramento
O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito da dissertação de mestrado em
Engenharia Metalúrgica e de Materiais e foi elaborado em parceria com a empresa CMW –
Cruz Martins & Wahl, Lda, e com o auxílio do CITNM – Centro de Inovação e Tecnologia
N.Mahalingam. Esta dissertação desenvolveu-se no contexto excecional de confinamento
originado pela pandemia COVID-19, o que obrigou a uma adaptação do plano inicial.
A alta produtividade na indústria de fundição é influenciada por todas as etapas de
produção tendo como objetivo final obter uma elevada qualidade das peças produzidas e
a sua reprodutibilidade. Para se obter peças sãs, e com a melhor qualidade possível, é
essencial controlar meticulosamente todo o processo de produção com a padronização de
todo o procedimento. Assim sendo, é imprescindível identificar quais os parâmetros das
diversas etapas do processo que influenciam o resultado final do produto.
Atualmente, utilizam-se diversas técnicas e softwares específicos que possibilitam
eliminar os métodos menos precisos como, por exemplo, o método “tentativa-erro”, para
retificação dos produtos finais sem perda de recursos. Para tal, têm vindo a ser utilizados
cada vez mais os softwares de simulação de solidificação, visto serem uma ferramenta
eficaz na previsão do resultado final das peças, uma vez que permitem reproduzir os
fenómenos de solidificação do processo de fundição. A reprodução destes fenómenos
consegue-se pela configuração de diversos parâmetros de pré-processamento como
densidade e tipo de material, temperatura de vazamento, coeficiente de expansão
grafítica e coeficiente de transferência de calor, entre outros mais. No entanto, o
resultado obtido na simulação da solidificação das peças, embora tenha por base os
parâmetros do processo, apresenta sempre um erro associado, quando comparado com os
resultados encontrados na prática industrial. Para colmatar esta falha, utilizam-se
técnicas de análise térmica que permitem obter, em tempo real, mais informações sobre
o processo de solidificação de uma determinada liga e que contribuem com inúmeras
informações que são utilizadas para melhorar o controlo e conhecimento sobre o processo
de produção e solidificação da liga. Os outputs da interpretação das curvas de
arrefecimento permitem retificar marcadores do processo de produção, como composição
química e tratamentos ao banho, e correlacionar os valores obtidos na prática com os da
simulação de solidificação teórica tendo como finalidade a coincidência dos resultados.
Neste seguimento, foi desenvolvida esta dissertação com o propósito de alcançar uma
melhor concordância entre as previsões da simulação e os resultados obtidos nas peças,
apoiado em técnicas de análise térmica.
Este trabalho iniciou-se com o estudo da produção regular da empresa CMW,
englobando as técnicas e processos utilizados na elaboração e processamento dos banhos.
Com o apoio do CITNM, foi feito um registo e interpretação das curvas de análise térmica
do banho no forno, antes dos tratamentos ao banho (1ª etapa) e após os tratamentos de
nodularização e inoculação (2ª e 3ª etapas). Na primeira etapa foi determinado o teor de
CE, C e Si e estabelecida a curva “característica do banho” para caracterizar a morfologia
1
de solidificação do ferro fundido nodular. Já na segunda e terceira etapa foi feita uma
análise das curvas de arrefecimento na linha de moldação (primeira e última moldação),
com o objetivo de caracterizar as alterações induzidas no banho metálico, com o decorrer
do tempo após nodularização (desvanecimento). Os dados provenientes da análise térmica
foram usados posteriormente como inputs para o software QuikCast.
Sucintamente, utilizaram-se técnicas de análise térmica da etapa 2 e 3, para
acompanhar os fenómenos de solidificação no banho e identificar o ponto de coerência
dendrítica, Mir, do cartucho HEN Therm-O-Stack cujo módulo de solidificação de ambas
as câmaras é de 0,5 cm, módulo idêntico ao módulo de solidificação duma das secções do
corpo de prova vazado. Depois, variando um parâmetro de pré-processamento do QuikCast
denominado “expansão grafítica”, associado com o potencial de grafitização existente no
banho no momento da solidificação, realizaram-se simulações que permitiram validar o
parâmetro “time to end mass feeding” com o valor do ponto Mir dos cartuchos de análise
térmica. Finalmente, estabelecido o grau de expansão grafítica apropriado na simulação,
realizaram-se simulações que permitiram validar a formação de rechupe, detetado com o
parâmetro “total shrinkage porosity”, nas secções críticas do corpo de prova vazado nos
ensaios realizados em condições de produção da CMW.

1.2. Empresa Cruz Martins & Wahl


A empresa CMW - Cruz Martins & Wahl, Lda, pertence ao grupo português CMW
FOUNDRIES, foi fundada em 1981 e apresenta uma capacidade instalada de produção anual
de 15 000 toneladas, tendo como mercados a industria petroquímica, movimentação de
terras, fragmentação de rochas e naval. A CMW é especializada na produção de peças por
moldação em areia, autossecativa e verde, de ferros brancos de alta liga, ferros fundidos
nodulares, aços ao carbono e de baixa liga, aços inoxidáveis e ligas de níquel. A empresa
procura garantir todas as solicitações dos seus clientes de ferro branco e aço, produzindo
também, pequenas séries de ferro fundido nodular.

2
2. Revisão de literatura
2.1. Ferros fundidos nodulares
Os ferros fundidos são ligas metálicas constituídos por múltiplos elementos tendo por
base o ferro (Fe), o carbono (C) e o silício (Si). O carbono presente na composição dos
ferros fundidos pode precipitar sob duas formas distintas, dependendo do processamento
da liga com ênfase na sua composição química, velocidade de arrefecimento e
tratamentos ao banho. O carbono pode precipitar seguindo uma reação de solidificação
do sistema estável e originar grafite, ou seguindo uma reação de solidificação do sistema
metastável e originar cementite. De acordo com a fase precipitada na reação eutéctica,
os ferros fundidos podem ser classificados como ferros cinzentos (grafite) ou ferros
brancos (cementite) [1, 2].
Os ferros fundidos nodulares solidificam segundo uma reação eutéctica estável o que
conduz à precipitação de grafite, sobre a forma esferoidal, resultante da adição duma
ferro-liga com magnésio, durante o tratamento de nodularização [1].

2.1.1. Principais elementos químicos


Os ferros fundidos nodulares possuem na sua composição química múltiplos elementos.
Estes podem ser classificados como elementos fundamentais, elementos secundários e
elementos residuais (tabela 1).
Tabela 1: Classificação dos elementos presentes na composição química ferro fundido nodular.

Classificação Elementos
Carbono, Silício, Manganês,
Elementos fundamentais
Magnésio, Enxofre
Elementos secundários Cobre, Estanho, Níquel
Titânio, Boro, Crómio,
Elementos residuais
Molibdénio

Os elementos fundamentais são o carbono, o silício, o manganês (Mn), o enxofre (S) e


o magnésio (Mg).
O carbono é um elemento grafitizante que ao precipitar sob a forma de grafite provoca
um fenómeno de expansão. O fenómeno de expansão grafítica permite compensar a
contração que ocorre quando há a passagem do metal do estado líquido para o estado
sólido. Sugere-se que o teor de carbono no banho deve estar compreendido entre 3,4 % e
3,6 % [2-5].
O silício aumenta a atividade do carbono no banho fazendo com que haja precipitação
da grafite nas regiões onde este se dissolve. O silício provoca a perda de estabilidade da
cementite, aumentando a temperatura de equilíbrio da reação eutéctica estável e diminui
a temperatura da reação eutéctica metastável, favorecendo a precipitação da grafite.

3
Sugere-se que o teor de silício final na peça deve estar compreendido entre 2,0 % e 2,8 %
[2-5]. O cálculo do carbono equivalente (CE) tem em consideração o teor de ambos os
elementos referidos assim como o teor de fósforo (P). O carbono equivalente é calculado
segundo a seguinte fórmula:
'(%)*%
𝐶𝐸 = 𝐶% + ( ) (Eq.1)
+

O manganês (Mn) é um elemento perlitizante, com origem nas matérias primas da


carga, que segrega nas fronteiras de grão podendo provocar a precipitação de carbonetos
intercelulares que promovem a perda da ductilidade do ferro fundido nodular. Para ferros
fundidos de matriz ferrítica, sugere-se que o seu valor não deve ultrapassar os 0,2 %,
enquanto que, para ferros fundidos de matriz perlítica, o seu valor máximo pode ser de 1
% [2-5].
O teor de enxofre (S) presente no banho, antes dos tratamentos de nodularização e
inoculação, deve apresentar valores compreendidos entre os 0,008 % e 0,02 %. Nesta gama
de valores, o enxofre contribui para a formação de núcleos de germinação de grafite na
forma de óxido-sulfuretos, devido à reação com elementos provenientes dos tratamentos
ao banho [2-5].
O magnésio (Mg) é o elemento que promove esferoidização da grafite. O seu teor dever
estar compreendido entre 0,04 % e 0,06 %, havendo autores que sugerem que pode ser
superior no caso do banho apresentar teores mais elevados de enxofre [2-5].
No que concerne os elementos secundários são de salientar o cobre (cu) e o estanho
(Sn). Estes elementos promovem a formação de uma microestrutura com matriz perlítica,
aumentando a dureza e resistência mecânica do fundido [6].
Os elementos considerados residuais como o titânio (Ti), o boro (B), o crómio (Cr) e o
molibdénio (Mo) não são adicionados intencionalmente, podendo estar inadvertidamente
apenas presentes em pequenas quantidades [6].

4
2.1.2. Microestrutura e tipo de grafite
De acordo com a norma ISO 945-1:2019, a morfologia da grafite presente na
microestrutura dos ferros fundidos é classificada em seis tipos conforme apresentado na
figura 1 [7].

Figura 1: Classificação do tipo de grafite segundo a norma ISO 945-1:2019. Adaptado de [7].

Os ferros fundidos nodulares exibem, tipicamente, grafite sob a forma esferoidal do


tipo VI. Este tipo de grafite apresenta uma forma com elevada esfericidade, resultante da
adição do magnésio no tratamento de nodularização. Quando existe uma deficiência nos
tratamentos de nodularização e inoculação, os ferros nodulares podem também
apresentar grafite do tipo V. A grafite do tipo III, típica de um ferro fundido compacto ou
de grafite vermicular, pode estar presenta na microestrutura de um ferro fundido nodular
resultante de baixos teores de magnésio. Os tipos de grafite I e II são característicos de
ferros fundidos lamelares [8].

2.2. Produção de ferro fundido nodular


A produção de ferro nodular envolve diferentes técnicas, e procedimentos, que
influenciam fortemente a qualidade do produto final obtido. A produção deve ser
meticulosamente desenvolvida, tendo em consideração o tipo de material e as
especificações do produto final. A produção envolve as etapas de elaboração do metal de
base com o carregamento e condução da fusão, seguida dos tratamentos ao banho
(nodularização e inoculação) (figura 2).

5
Figura 2: Condução do processo de fusão. Adaptado de [9].

2.2.1. Elaboração do metal de base


A elaboração do metal de base de ferros nodulares para fabrico de pequenas e médias
séries é, atualmente, realizado em fornos elétricos de indução com cadinho, cuja
capacidade nominal pode variar de algumas centenas de quilos a várias toneladas.
A elaboração do metal de base inicia-se com o carregamento para o forno de sucata
de aço, limpa, calibrada e classificada de acordo com gamas de composição química,
seguida da adição de retornos de ferro fundido nodular e, eventualmente, lingote. Este
carregamento é estabelecido conforme a classe de ferro fundido a produzir.
Posteriormente pode também, e quando necessário, adicionar-se grafite e ferrossilício,
com a finalidade de alcançar a composição desejada para o banho no forno. Após a fusão,
controla-se a composição química, por análise espetrométrica, e quando concluída
realiza-se o sobreaquecimento final para tratamento na colher e vazamento nas
moldações. A temperatura de sobreaquecimento do banho não deve ser superior a 1550ºC
dado que para temperaturas superiores existe o aumento do risco de exterminação de
germens de grafite e destruição do refratário.

6
2.2.2. Tratamento de nodularização
A nodularização consiste na adição ao banho de ferro-ligas, normalmente Fe-Si, com
elementos esferoidizantes, como o magnésio ou o cério, com o objetivo de promover a
precipitação de grafite segundo uma morfologia esferoidal. No processo de nodularização,
uma parte do magnésio adicionado reage com o enxofre e com o oxigénio, formando
sulfuretos de magnésio e óxidos de magnésio que originam pequenas inclusões dispersas
no banho. Nos banhos de ferro nodular o magnésio dissolvido vaporiza-se continuamente,
dado que a pressão parcial do magnésio nos banhos de nodular pode atingir valores
próximos das 11 atmosferas. Se o teor de magnésio residual for superior a um dado valor
crítico, industrialmente estabelecido nos 0,03%, origina a precipitação de grafite
esferoidal.
Como referido, para a produção de ferros nodulares é requerido um teor de magnésio,
após tratamento, entre os 0,04 % e os 0,06 %. O teor de magnésio e a sua recuperação é
influenciado pela técnica de nodularização e tipo de nodularizante utilizado. A taxa de
recuperação de magnésio é obtida pelo rácio entre a quantidade de magnésio adicionado
e o teor de magnésio final no vazamento, equação 2 [8].

%78.:(;<= ;> ?<;@>


%𝑅𝑒𝑐𝑢𝑝𝑒𝑟𝑎çã𝑜 = D ×100 (Eq.2)
%78.<A(B(>;<A> C %'.(;(B(<=
E

O peso de nodularizante adicionado é ponderado de acordo com o peso do material a


ser tratado, o teor de elementos, como o enxofre, que reagem com o magnésio e a
composição química do nodularizante. O peso do nodularizante adicionado pode ser
calculado utilizando, por exemplo, a equação 3, sabendo que: M é o peso de nodularizante
a adicionar (em Kg), P o peso do material a ser tratado (em Kg), %S a concentração do
enxofre do banho, K o teor percentual de magnésio final dissolvido no banho, t o tempo
decorrido (em minutos) entre o início do respetivo tratamento e o vazamento da última
moldação, R a recuperação do magnésio (em percentagem), %Mg a concentração de
magnésio presente na liga de nodularizante e T a temperatura a que se procede o
tratamento na colher, medida em °C [10-12].

* × J,LM %' CJ,JN )O) P×NJQD W Z


𝑀 = R×%ST × (Eq.3)
NXYJ
UVV

As técnicas de nodularização tradicionalmente utilizadas são as técnicas sandwich e a


as técnica tundish-cover, como está apresentado na figura 3.

7
Figura 3: Esquematização das técnicas de tundish-cover e sandwich. Adaptado de [13].

Em ambas as técnicas, a liga de nodularizante é depositada no fundo da colher de


tratamento [11-13]. O nodularizante é coberto por pincha (sucata de aço) com o objetivo
de atrasar a sua reação com o metal vazado do forno de fusão. A taxa de recuperação do
magnésio nas duas técnicas situa-se entre os 50 % e os 80 % [8, 13].

2.2.3. Técnica de inoculação


A inoculação é uma técnica fundamental no fabrico de ferros fundidos e visa agilizar a
germinação da grafite pela criação de núcleos exógenos. A criação de núcleos para a
precipitação da grafite ocorre devido à adição de determinadas ferro-ligas, designadas
inoculantes, que apresentam na sua constituição elementos ativos como o bário (Ba), o
cálcio (Ca), o manganês (Mn), o estrôncio (Sr) e o cério (Ce). Estes elementos estão
presentes num sistema portador, normalmente em ligas de ferrossilício (teor de silício
entre 45 % e 80 %) que provocam o aumento da densidade de núcleos para a precipitação
da grafite e reduzem a tendência à formação de carbonetos. A escolha do inoculante é
definida pela composição química e potencial de nucleação do banho, o tipo de técnica
de inoculação utilizada e o tempo de desvanecimento dos elementos ativos, ao longo do
tempo de vazamento. Elementos como o bário apresentam uma menor perda do efeito
inoculante por desvanecimento, porém, não exibem um poder de inoculação tão elevado
como, por exemplo, o estrôncio [14-16].
As técnicas de inoculação podem ser realizadas em simultâneo ou de forma separada
com o tratamento de nodularização. A técnica sandwich pode ser realizada com uma pré-
inoculação, como a realizada na CMW, em que ambos os tratamentos ocorrem em
simultâneo, ou, de uma outra forma, realizada independente. Os tratamentos prematuros
8
ao banho apresentam uma perda de eficiência pelo desvanecimento forte do inoculante.
O método de adição de um fluxo de inoculante por fio, ou por inoculante de granulometria
calibrada soprado para o banho, designada in-stream, apresenta um maior controlo na
quantidade de liga adicionado e uma maior eficiência de tratamento.

2.2.4. Controlo do processo de produção


O controlo do processo é realizado nas diversas etapas de produção. Em cada uma é
utilizada uma técnica específica, com o propósito de identificar os parâmetros cruciais
para a adequada produção.
Para o controlo da elaboração do metal de base são utilizadas técnicas que permitem
determinar a composição química do banho. As duas técnicas vulgarmente utilizadas são
a análise espetrométrica, utilizada pela CMW, e a análise térmica. Ambas permitem
identificar a composição química. De acordo com os valores obtidos podem ser, se
necessário, realizadas correções ao banho [17, 18].
Outra etapa de controlo sucede os tratamentos ao banho. Nesta são utilizadas ambas
as técnicas mencionadas anteriormente. A análise espetrométrica fornece informação
acerca da composição química “global” do banho. As técnicas de análise térmica
permitem registar a curva de solidificação do banho metálico e inferir sobre as
características finais da microestrutura e propriedades mecânicas [17, 18].

2.3. Morfologia de solidificação


A morfologia de solidificação de um ferro fundido nodular influencia de forma
pronunciada as propriedades do fundido e a possibilidade de formação de rechupes. Os
ferros fundidos podem ser classificados de acordo com a sua composição química em
hipoeutécticos (teor de CE inferior a 4,3 %), hipereutécticos (teor de CE superior a 4,3 %)
ou eutécticos (4,3 % CE), conforme se sugere na figura 4. Consoante a sua classificação,
os ferros fundidos irão apresentar diferenças na solidificação e na microestrutura.

9
Figura 4: Diagrama de equilíbrio ferro-carbono. Adaptado de [8].

Os ferros fundidos com uma morfologia de solidificação hipoeutéctica, iniciam a sua


solidificação com a precipitação de austenite, a um dado sobrearrefecimento, abaixo da
temperatura de liquidus. A diminuição da temperatura fomenta o crescimento de
dendrites de austenite no banho metálico, normalmente colunares. Este fenómeno altera
localmente a composição do banho, enriquecendo-o em carbono. Com o
sobrearrefecimento abaixo da temperatura eutéctica, ocorre a nucleação de grafite
devido ao aumento sucessivo da concentração de carbono no líquido adjacente às
dendrites dando início à reação eutéctica [19].
Os ferros fundidos com uma morfologia de solidificação eutéctica são os que
apresentam a temperatura de solidificação mais baixa e uma menor contração específica.
Neste tipo de solidificação ocorre a coexistência da precipitação da austenite e da grafite
provocando a nucleação e o crescimento de ambas as fases, quase em simultâneo [19].
Nos ferros fundidos com uma morfologia de solidificação hipereutéctica, o fenómeno
de solidificação inicia-se com a precipitação da grafite após um sobrearrefecimento até
uma temperatura inferior à temperatura de liquidus. Em consequência da precipitação da
grafite, a temperatura do restante líquido diminui ao longo da linha de liquidus,
originando a nucleação e crescimento de austenite, a partir do qual se inicia a reação
eutéctica [19].
2.3.1. Fenómeno de coerência dendrítica
O fenómeno de coerência dendrítica, transversal às três morfologias de solidificação,
corresponde ao momento em que os braços secundários das dendrites de austenite se
intersetam (figura 5) e impedem a circulação livre do banho, das zonas mais quentes para
as mais frias.

10
Figura 5: Interseção dos braços de austenite – coerência dendrítica. Adaptado de [8].

Antes da ocorrência do fenómeno de coerência dendrítica, as dendrites de austenite


crescem sem qualquer contacto com outros braços das dendríticos permitindo, assim, a
movimentação livre do banho das zonas de mais elevada temperatura para as de menor
temperatura [8].
Após a convergência dos braços dendríticos e, uma vez alcançado o momento de
coerência dendrítica, existe uma restrição ao fluxo livre do metal líquido na rede
interdendrítica formada. Desta forma, existe a formação de poças isoladas de banho que,
ao solidificarem, contraem, aumentando a possibilidade de formação de rechupe ou
micro-rechupe [8].

2.3.2. Fenómeno de expansão da grafite


O processo de solidificação de um ferro fundido exibe uma contração do metal na
passagem do seu estado líquido para o estado sólido (figura 6).

Figura 6: Variação do volume conforme as transformações físicas, adaptado de [20].

A austenite e os carbonetos apresentam um volume específico menor que o do ferro


no estado líquido, fazendo com que haja perda de volume. A esta perda de volume está
associada uma contração que pode originar a formação de rechupes. Esta contração pode

11
ser balanceada pela nucleação e crescimento da grafite. A grafite apresenta um volume
específico 3 vezes superior ao volume das outras fases. Devido a esta diferença de volumes
a grafite ao crescer expande, contrariando a contração no banho. Este fenómeno é
fundamental para evitar a formação de rechupes [8].

2.4. Análise térmica


A análise térmica é uma técnica muito utilizada na indústria de fundição que permite
registar a variação da temperatura de uma amostra em função do tempo, durante a
solidificação. Estes dados dão origem a uma curva representativa das transformações de
fase durante o arrefecimento do metal.
A análise das curvas de arrefecimento permite antever as transformações que ocorrem
nos ferros fundidos a partir da identificação dos patamares e pontos críticos. Estes pontos
críticos resultam da libertação de calor latente proveniente das transformações de fase e
permitem estabelecer uma relação da estrutura de solidificação e da fração sólida
formada. Desta forma, recorrendo aos resultados de análise térmica é possível realizar
um ajuste das condições de processamento [18, 21].

2.4.1. Descrição da técnica


A técnica de análise térmica permite registar as curvas de arrefecimento do processo
de solidificação do metal vazado. Para tal, é necessária a utilização de um termopar
inserido no centro geométrico de um cartucho de teste e de um sistema de aquisição de
dados específico que fornece informações para um computador.

Figura 7: Hardware de suporte para cartuchos de análise térmica. Adaptado de [22].

O cartucho é conectado a um suporte de contacto, (figura 7), que se encontra ligado


a um computador com um software próprio que regista as informações e processa os dados

12
característicos dos ensaios realizados. O software procede ao registo da temperatura em
função do tempo, processando posteriormente a informação para obter uma curva, com
variações positivas e negativas da temperatura e identificação dos pontos críticos das
curvas de arrefecimento [23-25].
A dimensão e a geometria dos cartuchos de análise térmica condicionam a morfologia
da curva de arrefecimento. Os cartuchos utilizados podem ser diferenciados de acordo
com a sua geometria em abertos ou fechados.
Os cartuchos abertos são mais suscetíveis à variação do volume da amostra o que
provoca variações do calor sensível registado e, consequentemente, uma menor
reprodutibilidade e precisão da análise. Estes cartuchos podem ainda ser utilizados com a
adição de telúrio, para promover uma reação de solidificação metaestável (figura 8) e
possibilitar a estima do teor de carbono e silício do banho, através da correlação da
temperatura de liquidus da austenite com a temperatura eutéctica metastável [23-25].

Figura 8: Cartuchos abertos com adição de telúrio - standard Heraeus Electro-Nite. Adaptado de [26].

Os cartuchos fechados apresentam um volume de amostra constante podendo ser


utilizados para prever a microestrutura final do fundido. Os cartuchos fechados de dupla
cavidade Therm-O-Stack (figura 9) e os cartuchos fechados Quik-Cup são exemplos comuns
[10, 27, 28].

Figura 9: Cartuchos fechados Therm-O-Stack.

Nos cartuchos fechados Therm-O-Stack as duas cavidades encontram-se isoladas uma


da outra. Numa das câmaras pode ser adicionada uma determinada quantidade e tipo de
inoculante para avaliar o efeito da inoculação tardia na microestrutura final da amostra,
figura 10 [10, 23-25, 27, 28].

13
Figura 10: Cartuchos Therm-O-Stack fechados com duas cavidades. Adaptado de [29].

2.4.2. Nomenclatura
Os patamares e pontos de inflexão presentes nas curvas de arrefecimento são
identificados por um software específico. Os dados identificados irão apresentar
diferentes nomenclaturas de acordo com o software utilizado.
O software PhaseLab, desenvolvido pela empresa OCC, mais tarde adquirida pela
Heraeus Electro-Nite, permite associar os pontos de inflexão identificados com
determinadas transformações de fase. A figura 11 é um exemplo de curvas de
arrefecimento, onde estão identificados alguns pontos críticos correspondentes às
transformações ocorridas no processo de solidificação [8].

Figura 11: Curva de arrefecimento e respetiva derivada da secção da curva de solidificação. Adaptado de [10].

Os principais pontos identificados diretamente pelo software são:


Liq - Temperatura de liquidus; 1º mínimo da primeira derivada;
Mir – Ponto médio entre a temperatura de liquidus e eutéctico mínimo; 1º máximo do
inverso da primeira derivada;
EutLo – Ponto eutéctico mínimo; 2º mínimo da primeira derivada;
14
Eut – Ponto eutéctico; 2º mínimo da primeira derivada;
EutUp – Ponto máximo no patamar da reação eutéctica;
EOF – Final da solidificação; 2º máximo da primeira derivada.
Alguns parâmetros não são identificados diretamente pelo software. No entanto, com
base nos pontos identificados, estes podem ser calculados de acordo com as seguinte
equações [8]:

Sobrearrefecimento (°C) =T_Eutectica_Estável -EutLo (Eq.4)

Recalescência_no_Liquidus (°C) = LiqUp -LiqLo (Eq.5)

Recalescência_no_Eutéctico (°C) = EutUp - EutLo (Eq.6)

2.4.3. Interpretação das curvas de arrefecimento


O registo das curvas de arrefecimento permite compreender as transformações de fase
que ocorrem durante a solidificação do metal vazado. Desta forma, é possível identificar
a morfologia de solidificação do ferro fundido.
Na figura 12 apresenta-se uma curva de arrefecimento típica de um ferro fundido.

Figura 12: Curva de arrefecimento típica de um ferro fundido. Adaptado de [18].

O registo da curva de arrefecimento inicia-se com a identificação da temperatura


máxima do metal líquido vazado para o cartucho de análise térmica, que corresponde ao
máximo de temperatura registada. A temperatura da amostra vai progressivamente

15
diminuindo até ser alcançado o início do processo de solidificação com a formação de
austenite ou grafite (região 1). O declive da curva na região 1 do gráfico é determinada,
fundamentalmente, pela extração de calor e pelo calor emitido segundo a equação 7 [10,
18, 21].
Ay AW
= 𝑣J 𝜌|}P<= 𝑐 |}P<= (Eq.7)[10]
AP AP ~
Ay
Onde corresponde ao calor emitido pela amostra por unidade de tempo, 𝑣J ao
AP
AW
volume da amostra, 𝜌|}P<= à densidade do ferro metal, à velocidade de arrefecimento
AP
e 𝑐~|}P<= à calor específico, a pressão constante, do ferro.
A região 2 corresponde ao início do processo de solidificação, entre a temperatura de
início de precipitação da austenite ou grafite e a temperatura de eutéctico mínimo. Nesta
região, a equação que rege o processo é a seguinte:
Ay AW A‚ƒ
= 𝑣> 𝜌|}P<= 𝑐~|}P<= + −∆𝐻 (Eq.8)[10]
AP AP AW

Nesta equação, ∆𝐻 corresponde ao calor latente da precipitação das fases da amostra,


A‚ƒ
𝑓𝑠 à fração sólida e à fração sólida formada com a variação da temperatura. A equação
AW
8 é afetada pelo calor latente de transformação que varia com a quantidade de fração
sólida formada bem como com o tipo de fases precipitadas. No processo de solidificação,
a transformação do estado líquido para o estado sólido envolve a libertação de calor
AW
latente, o que faz com que exista a alteração da velocidade de arrefecimento .
AP

A terceira região visível na curva corresponde ao processo da reação eutéctica. Esta


situa-se entre a temperatura de início da reação eutéctica e o fim do processo de
solidificação. A equação 9 permite calcular o volume de fração solidificada durante a
reação eutéctica [10, 18, 21, 25].
Ay A‚ƒ
= 𝑣J 𝜌|}P<= −∆𝐻 (Eq.9)[10]
AP AW

2.4.3.1. Morfologia de solidificação


Os diferentes tipos de ferro fundido nodular apresentam distintas morfologias de
solidificação das curvas de arrefecimento. A sua interpretação permite identificar os seus
pontos característicos.
Um ferro fundido com morfologia de solidificação hipoeutéctica apresenta, na sua
curva de arrefecimento, dois patamares, como é possível identificar na figura 13.

16
Figura 13: Curva de arrefecimento típica de um ferro fundido hipoeutéctico. Adaptado de [30].

Nas curvas de arrefecimento dos ferros fundidos hipoeutécticos, o primeiro patamar


corresponde ao início do processo de solidificação. Quando alcançada a temperatura de
liquidus, inicia-se a precipitação da austenite primária, com a consequente libertação de
calor latente de transformação. As primeiras dendrites formadas vão crescendo no líquido
envolvente, alterando a sua composição química e, consequentemente, a velocidade de
arrefecimento. A temperatura diminui progressivamente até à temperatura do eutéctico
mínimo, sobrearrefecimento máximo, onde se dá a precipitação das células eutécticas.
Com a precipitação das células eutécticas existe um aumento da temperatura, designado
fenómeno de recalescência, até ao ponto da temperatura máxima eutéctica onde se
observa uma inflexão. A partir da temperatura máxima eutéctica, existe a diminuição da
taxa de crescimento das células eutécticas, sendo que o calor libertado pela fração sólida
formada diminui, igualando o calor extraído para o ambiente circundante. Nesta reação é
visível o segundo patamar característico [25, 31, 32].
Uma morfologia de solidificação hipereutéctica apresenta, tal como numa morfologia
de solidificação hipoeutéctica, dois patamares. O primeiro patamar corresponde ao
fenómeno de precipitação de grafite primária, quando atingida a temperatura liquidus da
grafite, e o segundo patamar corresponde à transformação da reação eutéctica.
Embora as curvas de arrefecimento de ambas as morfologias de solidificação
apresentem dois patamares, as suas características são distintas (figura 14).

17
Figura 14: Curvas de arrefecimento com morfologia de solidificação hipoeutécticas, eutécticas e hipereutécticas.
Adaptado de [26].

A curva característica de uma morfologia de solidificação hipoeutéctica apresenta uma


reduzida recalescência no primeiro patamar e uma elevada recalescência no segundo. Por
outro lado, a curva de arrefecimento característica de uma morfologia de solidificação
hipereutéctica apresenta uma maior recalescência no primeiro patamar e uma menor
recalescência no segundo.
A curva de arrefecimento de um ferro fundido com morfologia de solidificação
eutéctica apresenta um único patamar, correspondente à reação eutéctica, sendo este
caracterizado pela sua pronunciada extensão [31, 33].

2.4.3.2. Identificação do ponto de coerência dendrítica


A identificação do momento do fenómeno de coerência dendrítica (figura 15) é
fundamental para prever a possibilidade de formação de rechupes nas peças. Zonas da
peça com tempos de solidificação local superior ao tempo de coerência dendrítica, têm
maior tendência à formação de rechupe. Utilizando técnicas de análise térmica é possível
determinar o momento em que se inicia a restrição da fluidez do metal líquido. Na figura
15 está esquematizada de que forma este fenómeno interfere com a eficiência da
alimentação.

18
Figura 15: Momento ideal para a ocorrência do DCP no colo do alimentador em função o momento de expansão
grafítica na peça. Adaptado de [34].

Para aproveitar ao máximo a eficiência de alimentação, o colo do alimentador deve


solidificar momentos antes da reação eutéctica (figura 15). Caso o colo do alimentador
solidifique de forma precoce verifica-se a interseção dos braços de dendrites nos ataques.
Este fenómeno restringe a fluidez do metal líquido dos alimentadores, o que impossibilita
compensar a contração de metal que ainda ocorre no interior da cavidade da moldação
que corresponde à peça.
As diferentes morfologias de solidificação das curvas de arrefecimento apresentam
alterações na identificação do ponto de coerência dendrítica, denominado como DCP
(Dendrite Coherency Point). No software PhaseLab, este ponto corresponde ao ponto Mir.
Nas curvas com uma morfologia de solidificação hipoeutéctica, este é o ponto que
apresenta maior velocidade de arrefecimento entre a temperatura de liquidus e a
temperatura do eutéctico mínimo (figura 16) [8].

Figura 16: Identificação do ponto de coerência dendrítica numa curva com morfologia hipoeutéctica. Adaptado de [8].

19
Este ponto pode também ser identificado a partir das curvas da primeira e segunda
derivada. No caso do software PhaseLab, o Mir corresponde ao primeiro máximo do
inverso da primeira derivada ou ao momento em que a segunda derivada se aproxima de
zero, figura 17.

Figura 17: Identificação do ponto de coerência dendrítica utilizando o valor inverso da 1ª e 2ª derivada. Adaptado de
[8].

Para uma curva de morfologia de solidificação eutéctica, este ponto observa-se após
ser atingida a temperatura do eutéctico mínimo (figura 18). O ponto Mir pode, também,
ser identificado na curva da primeira derivada, correspondendo ao seu primeiro mínimo
[8].

Figura 18: Identificação do ponto de coerência dendrítica na curva de morfologia eutéctica. Adaptado de [8].

No caso das curvas com morfologias de solidificação hipereutéctica, a coerência


dendrítica verifica-se no momento em que é alcançada a temperatura máxima de liquidus,
desde que haja ausência da identificação do ponto Mir. Pode também ser identificado
pelo mínimo da segunda derivada, figura 19 [8].

20
Figura 19: Identificação do ponto de coerência dendrítica na curva de morfologia hipereutéctica. Adaptado de [8].

2.4.3.3. Sensibilidade à formação de rechupes


A sensibilidade à formação de rechupes está intimamente relacionada com a forma de
grafite precipitada, com a morfologia de solidificação do metal líquido e com a quantidade
de carbono. Num processo de solidificação, a temperatura do metal vazado diminui
progressivamente. Uma vez atingida a temperatura de liquidus, inicia-se a formação de
dendrites de austenite nas cavidades moldantes. As dendrites, ao solidificar, vão originar
uma contração na passagem do estado físico do metal. Ao crescimento da grafite está
associado um fenómeno de expansão que provoca um aumento do volume. Caso a região
de domínio de grafite se estenda até ao final da solidificação pode ocorrer precipitação
secundária de grafite nas regiões interdendríticas (figura 20). O aumento do volume nessas
regiões contraria a contração da solidificação do metal, reduzindo assim a formação de
rechupes [8, 35].

Figura 20: Relação do fim da reação eutéctica e a formação de rechupes. Adaptado de [35].

21
2.5. Software de simulação QuikCast
O avanço tecnológico das últimas décadas permitiu o desenvolvimento de softwares
de simulação cada vez mais robustos. Com a utilização destes softwares pela indústria de
fundição é possível proceder a simulações de solidificação com condições semelhantes à
prática industrial. Os resultados finais permitem antever possíveis defeitos nas peças
fundidas e, assim, otimizar o sistema de alimentação e gitagem. Para tal é necessário
compreender todos os parâmetros integrantes de pré e pós processamento [36].

2.5.1. Descrição de software de simulação de solidificação


O software QuikCast, desenvolvido pelo ESI GROUP, é utilizado como ferramenta na
indústria de fundição, uma vez que este permite realizar simulações de solidificação. Este
processo baseia-se na transferência de calor do processo de solidificação da peça e de
todo o sistema de gitagem, de acordo com a geometria e material selecionado.
Este software possibilita, ainda, fazer simulações de enchimento tendo em conta o
comportamento físico e térmico do metal líquido selecionado.
O software baseia-se num código utilizando o método das diferenças finitas. Desta
forma, o módulo de malhamento funciona com base em elementos unitários, com a mesma
dimensão, que faz com que haja a transferência de propriedades de e para os elementos
vizinhos. Os parâmetros pré-estabelecidos são atribuídos a cada elemento, considerados
constantes para a célula que o representa, permitindo a transferência de propriedades
[37, 38].
A malha apresenta uma estrutura triangular, como é apresentado na figura 21.

22
Figura 21: Geometria da malha do software QuikCast. Adaptado de [38].

Uma malha com elementos unitários de dimensão mais reduzida permite uma melhoria
dos resultados obtidos e da própria resolução pós-simulação, porém, requer um aumento
da capacidade de processamento do computador [37-39].

2.5.2. Parâmetros de pré-processamento


Os parâmetros de pré-processamento são ajustados aos tipos de materiais utlizados na
simulação de solidificação. Para os ferros fundidos existem diversos parâmetros de pré-
processamento a ter em conta para que o resultado final seja coerente com o resultado
obtido na prática.
A dimensão da malha influencia a qualidade dos resultados obtidos. O seu valor deve
ser criteriosamente selecionado sabendo que um aumento da densidade de elementos
unitários requer uma maior capacidade computacional. Após a seleção da dimensão da
malha, é necessário verificar a sua qualidade. Quando existe algum erro de malhamento,
o software possibilita uma correção automática das anomalias verificadas. Caso estas
persistam, o utilizador tem ainda a opção de as corrigir manualmente a partir das opções
avançadas do software [37, 38].
A seleção do tipo de material é individualizada para cada grupo de elementos. Os
diferentes materiais apresentam propriedades térmicas e físicas diferentes. Estas fazem
parte da base de dados do software, podendo ser alteradas manualmente pelo utilizador.
As condições iniciais de simulação são inseridas pelo utilizador tendo em consideração as
temperaturas pretendidas para a resolução do cálculo da simulação [38, 39].
23
2.5.3. Parâmetros de pós-processamento
A análise dos parâmetros de pós-processamento permite compreender diversas
variáveis do processo de fundição. Com a visualização dos resultados de simulação é
possível selecionar as características que se pretendem estudar.
Entre várias hipóteses é possível identificar a distribuição do módulo térmico da peça
(“thermal modulus”), a probabilidade de formação de rechupes (“total shrinkage
porosity”), o tempo até atingir a coerência dendrítica (“time to end mass feeding”) e
estrangulamentos. A análise destes parâmetros permite conhecer eventuais defeitos
possíveis de ocorrerem na peça e compreender de que forma é possível melhorar o sistema
de alimentação e gitagem [38, 39].

2.5.3.1. Parâmetro time to end mass feeding


A função de cálculo pós-processamento “time to end mass feeding” revela o período
de tempo, após vazamento, em que a capacidade de alimentação deixa de existir. Este
parâmetro pode ser otimizado com recurso a análise térmica e à identificação do ponto
de coerência dendrítica, permitindo melhorar os resultados de pós-simulação. Com este
parâmetro é possível identificar as zonas da peça que irão apresentar uma maior
sensibilidade à formação de rechupe, quando ocorre a restrição da fluidez do metal
vazado pelo fenómeno de solidificação da coerência dendrítica.
Com estes dados é possível prever se a contração do metal líquido é compensada pelos
alimentadores. Se os ataques solidificarem de forma precoce não existe fluxo do banho
metálico para a peça originando maior sensibilidade ao rechupe [38, 39].

24
3. Materiais e procedimentos
A metodologia experimental adotada teve como objetivo final validar as simulações de
solidificação por comparação com os resultados obtidos na prática industrial,
nomeadamente, informações obtidas com as curvas de análise térmica e a análise da
sensibilidade ao rechupe do corpo de prova produzido.
O procedimento experimental iniciou-se com a utilização das técnicas de análise
térmica como ferramenta de controlo do processo de produção. A recolha das curvas de
arrefecimento foi realizada em 3 etapas com o propósito de identificar determinadas
características do metal líquido. Na primeira etapa desejava caracterizar-se o teor de C,
Si e CE presente no banho. Já as curvas de arrefecimento da segunda e terceira etapas
forneceram informações referentes à morfologia de solidificação do metal líquido e ao
fenómeno de coerência dendrítica.
As simulações de solidificação foram realizadas de acordo com os parâmetros e
condições utilizadas na produção do corpo de prova. A eficiência da simulação na previsão
de formação de rechupes no corpo de prova foi avaliada, inicialmente, com os parâmetros
de pós-processamento standard e posteriormente com os parâmetros ajustados com base
nas informações da análise térmica. O planeamento das simulações foi dividido em 3
diferentes fases, nas quais foram analisados parâmetros de pós-processamento diferentes.
No final foram comparados com os resultados da melhoria da simulação ajustada com os
resultados reais obtidos no corpo de prova produzido.

3.1. Corpo de prova


Nos ensaios experimentais na fundição foram produzidos os corpos de prova
apresentados na figura 22. O corpo de prova utilizado é proveniente dum trabalho anterior
concebido por Anjos & All [8].

Figura 22: Modelo do corpo de prova estudado.

A geometria do corpo apresenta 3 secções diferentes: duas secções maciças (1 e 3)


ligadas por uma secção fina (2). As secções de maior massa apresentam inerentemente
um módulo de solidificação e tempo de solidificação maior, como é possível verificar pelos

25
valores apresentados na tabela 2. Estes valores foram calculados segundo o método
heurístico tendo em consideração as dimensões e a geometria de cada secção.
Tabela 2: Valores de módulo térmico teóricos para as diferentes secções da peça, estimados pela aplicação de
critérios heurísticos.

a– Módulo
b - altura x – largura Volume Aarref teórico
Secção comprimento
(mm) (mm) (cm3) (cm2)
(mm) (V/Aarref,cm)
1 100 55 30 165 173 0,95
2 80 55 15 66 112 0,60
3 65 55 55 197 148 1,30

Os valores calculados serviram para validar e comparar com os do diagrama térmico


do corpo de prova obtido na simulação de solidificação com o parâmetro “Thermal
Modulus” (apresentado mais à frente na figura 39 e 40, da página 42 e 43).

3.2. Equipamentos e software de análise térmica


O controlo do processo de produção foi realizado com recurso a técnicas de análise
térmica. A localização das estações de análise térmica foi definida de acordo com as
diferentes etapas do processo de produção. As estações de análise térmica foram
distribuídas segundo o layout apresentado na figura 23, o que permitiu obter os dados
fundamentais sobre o processo. A metodologia de amostragem foi dividida em 3 etapas:
(1) fusão - antes dos tratamentos; (2) na linha, início de vazamento e (3) na linha, fim de
vazamento.

Figura 23: Layout da distribuição das estações de análise térmica, utilizada no controlo do processo.

A primeira etapa teve como propósito o controlo da composição química do banho a


partir dos valores obtidos de C, Si e CE. As etapas 2 e 3, realizadas no início e fim de

26
vazamento, permitiram caracterizar a existência do efeito de desvanecimento, a
morfologia de solidificação e identificar o ponto de coerência dendrítica. Com o seu
posicionamento foi possível controlar a qualidade do banho e o desvanecimento dos
tratamentos de nodularização e inoculação, ao longo da linha de produção, para garantir
que a última moldação apresentaria a qualidade desejada para o fabrico de peças em
ferro nodular.
Para a etapa 1 foram utilizados cartuchos abertos Quik-Cup com adição de telúrio,
figura 24, que promove uma solidificação metaestável do eutéctico, o que permite estimar
os valores de composição de C, Si e CE.

Figura 24: Cartucho aberto Quik-Cup com adição de telúrio, adaptado de [26].

Para as etapas 2 e 3 foram utilizados cartuchos fechados Quik-Cup (figura 25) e


cartuchos fechados de dupla cavidade Therm-O-Stack (figura 26).

Figura 25: Cartucho fechado Quik-Cup, adaptado de [26].

Figura 26: Cartucho fechado dupla cavidade Therm-O-Stack.

Nestas etapas formam utilizados dois cartuchos com custos diferentes, tendo o
cartucho Quik-Cup um preço inferior ao cartucho Therm-O-Stack, para aferir se o nível de
detalhe das curvas de arrefecimento dos cartuchos fechados Quik-Cup era equivalente á
dos cartuchos Therm-O-Stack. Os cartuchos fechados Quik-Cup e os cartuchos Therm-O-
Stack de dupla cavidade permitiram identificar, através da interpretação dos pontos
críticos e patamares das curvas de arrefecimento, a morfologia de solidificação do banho.
Os cartuchos fechados Therm-O-Stack possibilitaram, ainda, identificar com maior

27
precisão o ponto Mir no processo de solidificação. O valor do ponto Mir identificado no
cartucho Therm-O-Stack é válido para as secções do corpo de prova com um módulo
térmico de, aproximadamente, 0,5 cm (figura 26).
O software utilizado para interpretar as informações da análise térmica foi o PhaseLab.
Este software identifica os pontos de inflexão das curvas de arrefecimento pelo
reconhecimento dos valores críticos da primeira e segunda derivada. De acordo com os
valores reconhecidos e com os tempos a que estes ocorrem, o software define os pontos
críticos específicos da curva de arrefecimento.

3.3. Software de simulação QuikCast


Com o objetivo de se obter resultados mais fidedignos foi elaborado um planeamento
das simulações de solidificação dividido em 3 etapas.
Numa primeira etapa foi realizada uma simulação de solidificação standard, do corpo
de prova isolado, com o objetivo de identificar o diagrama térmico – mapa de distribuição
dos módulos de solidificação - nas diferentes secções da peça, os pontos quentes e os
estrangulamentos. Nesta etapa foi possível identificar a secção do corpo de prova que
apresenta um módulo térmico idêntico ao do cartucho fechado Therm-O-Stack (0,5 cm),
sendo esta a secção de referência para as etapas seguintes.
Para a segunda etapa foram realizadas 4 abordagens distintas que consistiram na
manipulação do valor de coeficiente de expansão grafítica. Para cada uma delas foi
comparado o valor da função pós-processamento “time to end mass feeding” – tempo até
atingir o final da alimentação “livre” mássica ou tempo até atingir a coerência dendrítica,
na secção crítica do corpo de prova (secção com módulo térmico próximo de 0,5 cm), com
o valor médio do ponto Mir identificado pelas curvas de arrefecimento do cartucho
fechado Therm-O-Stack. O valor do coeficiente de expansão grafítica da simulação com o
valor da função “time to end mass feeding” mais próximo do valor médio do ponto Mir foi
o utilizado na etapa seguinte de simulação.
A terceira e última etapa permitiu verificar a sensibilidade à formação de rechupes,
previsto pela simulação no software QuikCast utilizando o parâmetro expansão grafítica
que possibilitou reproduzir a formação de rechupes no corpo de prova, com a função pós-
processamento “total shrinkage porosity”. Nesta simulação foi utilizado o grau de
coeficiente de expansão grafítica validado na etapa anterior.

28
3.3.1. Parâmetros de pré-processamento
Os parâmetros de pré-processamento foram selecionados de acordo com as
informações provenientes da produção, apresentadas na tabela 3.
Tabela 3: Parâmetros de pré-processamento.

Parâmetros de pré-processamento
Corpo de Prova 5 mm
Dimensão da Sistema de gitagem e alimentação 5 mm
Malha Moldação 5 mm
Corpo de Prova GGG60
Material Sistema de gitagem e alimentação GGG60

Moldação Areia autossecativa


Corpo de prova 1350 °C
Temperatura Sistema de gitagem e alimentação 1350 °C
Inicial moldação 20 °C

O material selecionado para o corpo de prova e para o sistema de alimentação e


gitagem foi o ferro fundido nodular classe GGG60. O tipo de areia definida para a
moldação foi areia autossecatica. A temperatura inicial da areia foi fixada em 20 °C e a
da peça e do sistema de alimentação e gitagem foi de 1350 °C. Uma vez que foram
realizadas simulações de solidificação, sem enchimento, foi imposto um enchimento
inicial a 100%. A dimensão da malha definida para todos os elementos foi de 5 mm dado
demonstrar uma reprodução adequada dos detalhes da cavidade moldante.

3.3.2. Parâmetros de pós-processamento


Os parâmetros de pós-processamento analisados variaram de acordo com as etapas de
simulação. Na primeira etapa de simulação foi avaliado o diagrama térmico da peça,
distribuição do módulo térmico das diferentes secções, e o ponto crítico da peça. Na
segunda etapa de simulação foi avaliado a distribuição dos valores da função “time to end
mass feeding” para a secção do corpo de prova com módulo térmico próximo da do
cartucho Therm-O-Stack. Na última etapa de simulação foi analisada a formação e
distribuição de rechupes no corpo de prova pela função “total shrinkage porosity”.

29
3.3.3. Manipulação do valor de coeficiente de expansão grafítica
A segunda etapa de simulação foi estruturada tendo em consideração a manipulação
do valor do coeficiente de expansão grafítica. Para tal foram realizadas quatro abordagens
diferentes nas simulações, onde se utilizaram os valores de coeficiente de expansão
grafítica de 0,25, 0,5, 0,75 e 1.
A variação deste parâmetro influenciou os resultados das diferentes simulações,
nomeadamente da função “time to end mass feeding”. Os dados desta função permitiram
identificar qual o coeficiente de expansão grafítica que apresentou maior concordância
com os resultados obtidos para o ponto Mir retirados das curvas da análise térmica.

3.4. Avaliação de rechupes no corpo de prova


A formação de rechupes no corpo de prova produzido foi comprovada pelo
seccionamento das regiões apresentadas na figura 27, recorrendo a um serrote mecânico
(figura 28).

Figura 27: Linha de corte nas secções do corpo de prova na vista de cima.

Figura 28: Serra de corte semiautomático.

30
4. Apresentação e discussão dos resultados
O presente capítulo expõe um conjunto de resultados, práticos e de simulação, que
expressam de que forma é que as técnicas de análise térmica possibilitam a melhoria da
previsão de formação de rechupes, nas simulações de solidificação.
Inicialmente, serão apresentados os resultados obtidos do controlo do processo de
produção pela utilização das técnicas de análise térmica e da análise espetrométrica das
etapas 1, 2 e 3. Posteriormente, será exposto de que forma é que esses dados foram
utilizados para conduzir a realização das simulações de modo a obter resultados mais
fidedignos e próximos da realidade. Por fim, serão apresentados os resultados relativos ao
seccionamento dos corpos de prova que possibilitaram a validação das simulações
realizadas e, consequentemente, todo o procedimento efetuado.

4.1. Determinação da morfologia de solidificação


A morfologia de solidificação do metal vazado foi determinada a partir da análise de
um conjunto de curvas de arrefecimento dos cartuchos Quik-Cup fechados, sem adição de
telúrio, (figura 25, página 27) e dos cartuchos Therm-O-Stack (figura 26, página 27). A
utilização de dois cartuchos permitiu verificar se o cartucho Quik-Cup fechado fornecia a
mesma precisão e qualidade de informação quando comparada com a do cartucho Therm-
O-Stack, que apresenta um custo superior. Com a análise das curvas foi possível
compreender se existiram alterações nas morfologias de solidificação das curvas obtidas
e, se sim, qual dos cartuchos apresentou uma maior precisão na previsão da morfologia
de solidificação do metal, comparando com a informação da análise da composição
química. A interpretação das curvas permitiu estabelecer a curva de arrefecimento padrão
da produção de ferro fundido nodular da Cruz Martins & Wahl, garantindo a existência de
reprodutibilidade da morfologia de solidificação, de ensaio para ensaio.
As curvas de arrefecimento do conjunto de ensaios dos cartuchos Quik-Cup fechados
estão apresentadas nas figuras 29 e 30.

31
Figura 29: a) Curva de arrefecimento cartucho do Quik-Cup fechado, sem adição de telúrio, ensaio 1, com um só
patamar; b) Curva de arrefecimento do inverso da primeira derivada cartucho do Quik-Cup fechado, sem adição de
telúrio, ensaio 1.

Figura 30: a) Curva de arrefecimento do cartucho Quik-Cup fechado, sem adição de telúrio, ensaio 2, com indícios
ligeiros de aparecimento de um segundo patamar; b) Curva de arrefecimento do inverso da primeira derivada do
cartucho Quik-Cup, sem adição de telúrio, ensaio 2.

32
Pela análise das curvas de arrefecimento é possível identificar os pontos de inflexão
que permitem determinar a morfologia de solidificação.
Em ambas as curvas das imagens a) das figuras 29 e 30 foi identificado o ponto de
inflexão Liq que corresponde ao fenómeno do início de solidificação do banho. Na curva
de arrefecimento da figura 29, a temperatura de Liq apresenta um valor de 1148ºC, sendo
alcançada 21 segundos após o vazamento da amostra. Já na curva de arrefecimento da
figura 30 verifica-se que o fenómeno de solidificação se inicia mais cedo, sendo a
temperatura de Liq alcançada a 1149ºC, após 13,5 segundos.
O ponto Eut, identificado apenas na figura 30, corresponde a uma temperatura no
patamar eutéctico identificado pelo software. Este fenómeno ocorre, no ensaio 2, a uma
temperatura de 1145ºC, após 29 segundos do início do vazamento. Embora o ponto de
reação eutéctica não esteja identificado na figura 29, pode constatar-se que, devido ao
comportamento da curva, este fenómeno ocorre de igual modo. Em ambas as curvas é
possível identificar o patamar plano, típico duma morfologia de solidificação eutéctica.
Com o propósito de comparar o nível de detalhe da informação dos dois cartuchos
utilizados foram, também, analisadas as curvas de arrefecimento dos cartuchos Therm-O-
Stack para o mesmo conjunto de ensaios. O gráfico representativo da solidificação do
banho metálico vazado para o cartucho Therm-O-Stack apresenta duas curvas, que exibem
o processo de solidificação existente nas duas cavidades. As duas cavidades do cartucho
Therm-O-Stack servem para avaliar e comparar o efeito da adição eventual, a uma das
cavidades, dum determinado inoculante (como pós inoculante). A curva verde
corresponde, normalmente, à solidificação do metal líquido na cavidade com adição de
inoculante e a curva vermelha corresponde à solidificação do metal líquido na cavidade
sem adição de inoculante. As curvas de arrefecimento obtidas destes cartuchos
encontram-se nas figuras 31 e 32.

33
Figura 31: a) Curva de arrefecimento do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 1, com dois patamares; b) Curva de
arrefecimento do inverso da primeira derivada do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 1.

Figura 32: a) Curva de arrefecimento do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 2, com dois patamares; b) Curva de
arrefecimento do inverso da primeira derivada do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 2.

34
Nas curvas de arrefecimento dos cartuchos Therm-O-Stack das figuras 31 e 32,
identificou-se o ponto Liq, correspondente ao início da solidificação. Na curva de
arrefecimento da figura 31 este ponto ocorre a uma temperatura e tempo equivalente à
curva de arrefecimento do cartucho Quik-Cup fechado da figura 29. Já na curva da figura
32 o ponto Liq, ocorre cerca de 16 segundos após vazamento e a uma temperatura próxima
dos 1150ºC, valores similares aos valores identificados nas curvas do cartucho Quik-Cup
fechado da figura 30.
O comportamento das curvas de arrefecimento das figuras 31 e 32 dos cartuchos
Therm-O-Stack são muito similares, distinguindo-se das curvas de arrefecimento das
figuras 29 e 30 dos cartuchos Quik-Cup, por apresentarem dois patamares. O primeiro
patamar visível nas figuras 31 e 32 exibe um fenómeno de recalescência correspondente
ao inicio da reação de solidificação da grafite primária. Neste patamar é observável um
aumento da velocidade de arrefecimento entre o ponto Liq e o ponto Eut, apresentando
valores máximos no ponto MIR. Nas curvas de arrefecimento dos cartuchos Therm-O-Stack
a separação entre o ponto Liq e Eut é mais evidente, apresentando um fenómeno de
recalescência mais pronunciado comparativamente com as curvas dos cartuchos Quik-Cup
das figuras 29 e 30. O segundo patamar, visível nas curvas de arrefecimento dos cartuchos
Therm-O-Stack das figuras 31 e 32, corresponde à reação eutéctica. Neste patamar
evidencia-se um comportamento decrescente devido à continua diminuição da velocidade
de arrefecimento. O comportamento verificado em ambas as curvas dos cartuchos Therm-
O-Stack é típico de uma morfologia de solidificação hipereutéctica, uma vez que a sua
morfologia apresenta dois patamares, sendo o primeiro recalescente e o segundo
decrescente.
Comparando as curvas de arrefecimento de ambos os cartuchos, é visível uma
diferença do primeiro patamar no comportamento de solidificação do metal. Posto isto,
é necessário determinar qual dos cartuchos é capaz de fornecer uma informação mais
precisa recorrendo-se, para isso, à análise da composição química, nomeadamente, ao
teor de carbono equivalente. O teor dos diferentes elementos presentes na composição
química de vazamento do ensaio 1 e 2 encontram-se, respetivamente, nas tabelas 4 e 5.

Tabela 4: Composição química de vazamento ensaio 1.

Composição química de vazamento

CE (%) C (%) Si (%) P (%) S (%) Mg (%) Mn (%)

4,40 3,58 2,45 0,021 0,012 0,053 0,28

35
Tabela 5: Composição química de vazamento do ensaio 2.

Composição química de vazamento

CE (%) C (%) Si (%) P (%) S (%) Mg (%) Mn (%)

4,40 3,60 2,41 0,018 0,011 0,059 0,32

O teor de carbono equivalente característico de um ferro fundido eutéctico é de cerca


de 4,30 %, para valores superiores considera-se um ferro fundido hipereutéctico. Na
análise espetrométrica obteve-se um valor de CE de 4,40 % para ambos os ensaios,
podendo considerar-se que o ferro fundido produzido na CMW apresenta na peça uma
composição final hipereutéctica.
A análise do teor de carbono equivalente e das curvas de arrefecimento permitiu
concluir que o cartucho Therm-O-Stack fornece curvas com maior detalhe e sensibilidade
na deteção da morfologia de solidificação do metal, sendo, por isso, mais preciso. A
análise deste conjunto de dados permitiu concluir que a morfologia de solidificação
padrão do metal é hipereutéctica.

4.2. Identificação do ponto de coerência dendrítica


A identificação do momento em que ocorre o fenómeno de coerência dendrítica, DCP
nas curvas de arrefecimento [8], serve de ponto de partida para as etapas posteriores. O
tempo determinado nas curvas de arrefecimento foi comparado com os tempos obtidos na
função do software QuikCast após simulação “time to end mass feeding” da 2ª fase, com
o objetivo de verificar qual das simulações realizadas se aproxima mais da previsão de
rechupe na realidade. Posto isto, foram analisadas as curvas de arrefecimento extraídas
dos cartuchos Therm-O-Stack (figura 26) com o propósito de estimar o valor médio do
tempo até atingir o ponto Mir.
O software de análise térmica, PhaseLab, identifica o momento em que ocorre o
fenómeno de coerência dendrítica como sendo o ponto Mir [8]. De acordo com a
bibliografia, a identificação do ponto DCP varia com o tipo de morfologia de solidificação
do metal vazado [8]. As curvas das figuras 31 e 32 das imagens a) são características de
uma morfologia de solidificação hipereutéctica. De acordo com esta morfologia de
solidificação, este ponto é identificado como sendo a temperatura máxima de liquidus
desde que não exista a identificação do ponto Mir [8]. Dado ao carácter de solidificação
do metal vazado, o software conseguiu identificar o ponto de coerência dendrítica,
definindo-o como ponto Mir apresentado nas curvas de arrefecimento.
O gráfico representativo da solidificação do banho metálico vazado para o cartucho
Therm-O-Stack apresenta duas curvas. A curva verde corresponde à solidificação do metal
líquido na cavidade quando se adiciona inoculante (numa pequena quantidade, como pós-
inoculante) e a curva vermelha corresponde à solidificação do metal líquido na cavidade
sem adição de inoculante. O tempo obtido até ao fenómeno de coerência dendrítica foi

36
identificado pela análise das curvas a vermelho uma vez que não existiu inoculação in-
mold. Nestes ensaios não se experimentam quaisquer pós inoculantes.
Nas figuras 33 e 34 estão apresentadas as curvas de arrefecimento dos cartuchos
Therm-O-Stack para a etapa 2 – início da linha de moldação.

Figura 33: a) Curva de arrefecimento do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 1; b) Curva de arrefecimento do inverso da
primeira derivada do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 1.

37
Figura 34: a) Curva de arrefecimento do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 2; b) Curva de arrefecimento do inverso da
primeira derivada do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 2.

Na curva de arrefecimento da figura 33, imagem b), é possível verificar que o ponto
Mir é identificado 33 segundos após o vazamento do banho metálico para o cartucho. Já
na imagem b) da figura 34, este fenómeno ocorre aos 36 segundos. Em ambas as curvas a
temperatura a que se verifica este fenómeno ocorre, aproximadamente, aos 1150ºC.
As figuras 35 e 36 apresentam as curvas de arrefecimento representativas do
comportamento do metal vazado no fim da linha da moldação (etapa 3).

38
Figura 35: a) Curva de arrefecimento cartucho Therm-O-Stack, ensaio 1; b) Curva de arrefecimento do inverso da
primeira derivada do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 1 .

Figura 36: a) Curva de arrefecimento do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 2; b) Curva de arrefecimento do inverso da
primeira derivada do cartucho Therm-O-Stack, ensaio 2.

39
Em ambas as curvas se verifica um decréscimo no tempo até ser atingido o ponto Mir.
O ponto Mir manifesta-se, para a curva de arrefecimento da figura 35, imagem b), aos 27
segundos, enquanto que na curva de arrefecimento da imagem b) da figura 36, este mesmo
ponto, verifica-se aos 30 segundos. Esta diferença entre as curvas de arrefecimento do
início e fim de vazamento justifica-se pela diminuição da temperatura do metal na colher
de vazamento e pelo desvanecimento contínuo dos tratamentos de inoculação e
nodularização.
Com os tempos obtidos para ambos os ensaios nas duas etapas foi calculada a média,
tabela 6.
Tabela 6: Valor médio do tempo Mir para os ensaios realizados.

Ponto Mir (segundos) Média


33

36
31,5
27

30

Com os resultados obtidos é possível estabelecer o valor médio do ponto Mir para a
morfologia de solidificação do ferro fundido nodular da CMW, servindo este como
referência para posteriormente estabelecer o valor de coeficiente de expansão grafítica
que conduz ao valor da função pós-processamento “time to end mass feeding” idêntico
ao valor do ponto Mir.

4.3. Simulações de solidificação


As simulações de solidificação foram realizadas de acordo com os dados e análises
expostas nos capítulos anteriores. As simulações realizaram-se em 3 etapas com objetivos
diferentes.
A primeira etapa de simulação permitiu gerar o diagrama térmico do corpo de prova
tal como se apresenta nas figuras 39 e 40, que permitiu identificar os valores de módulo
térmico nas três secções da peça. Nesta primeira etapa de simulações foi possível
identificar a secção do corpo de prova que apresenta um módulo térmico idêntico ao do
cartucho Therm-O-Stack, e que serviu como referência para as etapas posteriores.
Na segunda etapa de simulação foram realizadas 4 variações na simulação com valores
de coeficiente de expansão grafítica. A manipulação deste parâmetro altera o fenómeno
de coerência dendrítica na simulação do processo de solidificação do metal líquido,
previsto no software QuikCast. Para cada abordagem foi comparado o tempo obtido da
função “time to end mass feeding”, para a secção identificada na primeira etapa de
simulação, com o tempo Mir das curvas de arrefecimento.

40
Na terceira etapa de simulação, utilizando o resultado mais promissor da expansão
grafítica obtido na segunda etapa, foi estudada a função pós-processamento “total
shrinkage porosity” que permitiu localizar, no software QuikCast, os rechupes na peça.
Esta função foi estudada para a abordagem de simulação validada na segunda etapa. Uma
vez identificada a distribuição de rechupes na simulação de solidificação foi realizado o
corte das secções dos corpos de prova produzidos e comparado os dois resultados, o da
simulação com a do resultado experimental no corpo de prova.

4.3.1. 1ª etapa de simulação - Módulo térmico


Para esta primeira etapa de simulação foram implementados os parâmetros de pré-
processamento standard apresentados no capítulo “Materiais e procedimentos”. Nas
figuras 37 e 38 estão apresentados os parâmetros estabelecidos e a definição da estrutura
da malha.

Figura 37: Parâmetros de pré-processamento standard.

41
Figura 38: Estrutura da malha do corpo de prova.

Nesta etapa foi estudada a distribuição do valor do módulo térmico nas diferentes
secções do corpo de prova, tal como se apresenta nas figuras 39 e 40.

Figura 39: Diagrama térmico do corpo de prova.

42
Figura 40: Diagrama térmico do corpo de prova, ou, mapa dos módulos de arrefecimento, com as gamas de variação
em cada secção.

Os resultados obtidos para os valores de módulo térmico para cada secção apresentam-
se concordantes com os cálculos heurísticos realizados, da tabela 2 na página 26. Desta
forma, a distribuição de valores do diagrama térmico do corpo de prova foi validada com
o método heurístico apresentado na tabela 2. Conforme se poderia esperar, os resultados
obtidos pós-processamento verifica-se uma variação de valores do módulo térmico entre
as três secções do corpo de prova. A secção 1 apresenta uma gama de valores
compreendidos entre 1,0 e 1,2 cm, a secção 2 entre 0,4 e 0,6 cm e a secção 3 entre 1,1
a 1,2 cm. Com os valores obtidos é possível identificar a secção 2 do corpo de prova como
sendo a região que apresenta uma maior semelhança com o valor do módulo térmico do
cartucho Therm-O-Stack (~0,5 cm). Esta região serviu de referência para análise das
funções de pós-processamento das outras etapas de simulação de solidificação.

4.3.2. 2ª etapa de simulação - Influência da variação do coeficiente de


expansão grafítica no parâmetro de pós-processamento “time to
end mass feeding”
O estudo da variação do coeficiente de expansão grafítica permitiu avaliar a influência
deste parâmetro de pré-processamento na função pós-processamento “time to end mass
feeding”, correspondente ao momento em que ocorre o fenómeno de coerência
dendrítica. Para compreender de que forma é que este influencia os resultados finais
foram realizadas 4 simulações com valores de expansão grafítica de 0,25, 0,5, 0,75 e 1.
Os resultados pós-simulação para a função “time to end mass feeding”, para a secção 2
do corpo de prova, foram comparados com o valor médio do ponto Mir da análise térmica

43
com o objetivo de identificar a abordagem de simulação que mais se aproxima da
realidade.
Nas figuras 41, 42, 43 e 44 apresentam-se os resultados das simulações da função “time
to end mass feeding” para valores de coeficiente de expansão grafítica de,
respetivamente, 0,25, 0,5, 0,75 e 1.

Figura 41: Valor da função "time to end mass feeding" para um coeficiente de expansão grafítica de 0,25.

Figura 42: Valor da função "time to end mass feeding" para um coeficiente de expansão grafítica de 0,5.

44
Figura 43:Valor da função "time to end mass feeding" para coeficiente de expansão grafítica de 0,75.

Figura 44: Valor da função "time to end mass feeding" para coeficiente de expansão grafítica de 1.

Os resultados para a função “time to end mass feeding” apresentam uma variação de
tempo de acordo com as diferentes secções do corpo de prova. Pelos resultados é
percetível que as secções 1 e 3 apresentam tempos da função “time to end mass feeding”
superiores à secção 2. Este resultado é espectável uma vez que a secção 2 apresenta um
módulo térmico inferior às restantes regiões, sendo, desta forma, a primeira a solidificar.
Na primeira simulação, para a seção 2, utilizando um valor de coeficiente de expansão
grafítica de 0,25, obteve-se um tempo de 38,1 segundos da função “time to end mass
feeding”. Na segunda simulação, com um coeficiente de expansão grafítica de 0,5,
verifica-se um tempo de 31,6 segundos. Já a terceira e a quarta simulação, realizadas
com valores de coeficiente de expansão grafítica de 0,75 e 1, respetivamente,
apresentaram valores da função de pós-processamento “time to end mass feeding” de
26,8 segundos e 21,0 segundos.

45
Comparando os resultados recolhidos das 4 simulações constata-se que a variação do
parâmetro de pré-processamento do coeficiente de expansão grafítica promove alterações
na função analisada. Com a análise relativa dos resultados da função “time to end mass
feeding” é possível identificar qual o valor de coeficiente de expansão grafítica que
reproduz melhor um comportamento de solidificação semelhante ao da produção.
Na tabela 7 estão apresentados os valores da função do software que representa o
fenómeno de coerência dendrítica, para as 4 simulações.
Tabela 7: Valores da função "time to end mass feeding" para a secção 2.

Simulação Valor de coeficiente Valor da função “time to end mass


de expansão grafítica feeding” para a secção 2 segundos
1 0,25 38,1
2 0,50 31,6
3 0,75 26,8
4 1,00 21,0

Pela análise da tabela 7, pode verificar-se que a simulação que apresenta uma maior
concordância de valores entre a função “time to end mass feeding” e o valor médio do
ponto Mir (31,5 segundos) foi a simulação 2, pelo que se passou a utilizar, nas etapas
seguinte, o valor de coeficiente de expansão grafítica de 0,5.

4.3.3. 3ª etapa de simulação - Localização de rechupes pela função pós-


processamento “total shrinkage porosity”
O estudo da localização dos rechupes, na terceira etapa de simulação, fundamentou-
se nos parâmetros de pré-processamento identificados anteriormente. Com a validação
do valor de coeficiente de expansão grafítica de 0,5 foi realizada uma nova simulação de
solidificação para estudar a distribuição de rechupes para comparação com as diferentes
secções do corpo de prova, utilizando a função pós-processamento “total shrinkage
porosity” do software QuikCast.
Na figura 45 apresenta-se o resultado do parâmetro de pós-processamento da função
“total shrinkage porosity” com parâmetros de pré-processamento standard.

46
Figura 45: Distribuição da percentagem de rechupes no corpo de prova, previsto pela função "total shrinkage porosity"
da simulação do QuikCast, utilizando parâmetros standard.

Na figura 46 apresenta-se o resultado final da simulação da função “total shrinkage


porosity”, para um coeficiente de expansão grafítica de 0,5.

Figura 46: Distribuição da percentagem de rechupes no corpo de prova, previsto pela função “total shrinkage
porosity” da simulação do QuikCast, utilizando o coeficiente da expansão grafítica de 0,5.

Os resultados de ambas as simulações sugerem que a diferença de valores de módulo


térmico entre as secções do corpo de prova influencia, como se esperaria, a sensibilidade
de formação de rechupes. As secções indicadas na primeira etapa de simulação com o
maior módulo térmico (secções 1 e 3) apresentam uma maior sensibilidade de formação

47
de rechupes, dado serem as últimas secções a solidificar. A solidificação precoce da secção
2, que apresenta um menor módulo térmico, impede a passagem livre do metal líquido da
secção 1 para a secção 3, isolando-as e promovendo a formação de rechupes dado não
existir metal para compensar a contração do líquido. Com o propósito de contrariar a
formação de rechupes, foi implementado um alimentador na secção 3 para analisar a
influência deste na ocorrência destes defeitos.
Pela análise da função pós-processamento “total shrinkage porosity” nas figuras 45 e
46 é percetível a existência de alterações na formação e dimensão dos rechupes. Com o
ajuste do parâmetro de pré-processamento do coeficiente de expansão grafítica verifica-
se uma redução do tamanho e da distribuição dos rechupes nas secções 1 e 3 promovendo
um maior rigor na deteção de possíveis rechupes indicados na simulação.
Na figura 47 está apresentada a distribuição de rechupes ao longo do plano XZ para as
diferentes secções e corpos de prova, utilizando um coeficiente de expansão grafítica de
0,5.

Figura 47: Distribuição de rechupes no plano XZ, utilizando um coeficiente de expansão grafítica de 0,5.

É possível constatar que a probabilidade de se formarem rechupes na secção 3 do corpo


de prova, sem alimentador, apresenta um valor crescente com a proximidade à superfície
da peça. A função “total shrinkage porosity” no plano XZ, na secção 3 no corpo de prova
sem alimentador, indica a formação de rechupes no interior da seção e abatimento do
topo. Já o corpo de prova com alimentador apresenta uma ausência de formação de
rechupes, comprovando a eficácia do mesmo.
No que diz respeito à secção 1, verifica-se que, para ambos os corpos de prova, a
localização e a probabilidade de se formarem rechupes no centro geométrico da seção é
idêntica. A presença do alimentador, neste caso, não proporciona a redução de rechupes

48
visto que, como já referenciado, a secção 2 solidifica em primeiro lugar o que não permite
a alimentação de metal da secção 3 para a 1.
Pela análise dos resultados obtidos em todas as etapas de simulação obtiveram-se as
regiões a seccionar no corpo de prova produzido para validação do procedimento de
simulação.

4.4. Validação da simulação de solidificação para determinar a formação de


rechupe
Na terceira etapa de simulação foi possível identificar quais os locais do corpo de prova
com maior probabilidade de formar rechupes. Para validação dos resultados de simulação
procedeu-se ao seccionamento dos corpos de prova produzidos, com o objetivo de
verificar a existência de rechupes nesses locais.
Na figura 48 é visível o seccionamento das peças nas duas regiões identificadas pelas
simulações como as mais propícias ao aparecimento de rechupes.

Figura 48: Regiões secionadas para estudo de rechupe no corpo de prova.

A metodologia de corte foi dirigida às seções 1 e 3 como identificado nas simulações


de solidificação.
Nas figuras 49, 50 e 51 é possível observar os resultados relativos ao corte transversal
da secção 3 para os corpos de prova sem e com alimentador.

49
Figura 49: Imagem fotográfica de poros na secção 3 do corpo de prova, sem alimentador.

Figura 50: Poros da seção 3 do corpo de prova sem alimentador.

Para o corpo de prova sem alimentador, a função “total shrinkage porosity” obtida
pela simulação previu a formação de rechupes na superfície da secção 3. O seccionamento
da peça nesta secção não evidencia a presença de rechupes mas sim porosidades, por
aprisionamento de gás, distribuídas ao longo do plano superficial. Este acontecimento
pode ser explicado pelos softwares de simulação funcionarem com um erro associado por
excesso, salvaguardando a produção com o pior cenário.

50
Figura 51: Secção 3 do corpo de prova com alimentador.

Por sua vez, o seccionamento do corpo de prova com alimentador permitiu evidenciar
a ausência total de rechupes em toda a área de corte, tal como previsto pela simulação
realizada. A utilização de alimentador poderá ter ajudado o gás a vazar, não ficando
aprisionado na secção da peça.
Nas figuras 52 e 53 estão apresentados os resultados referentes ao corte da secção 1,
para ambos os corpos de prova.

Figura 52: a) Imagem fotográfica de rechupes da secção 1 sem alimentador; b) Imagem de lupa da dimensão de
rechupes da secção 1 sem alimentador.

Na figura 52, imagem a), observa-se uma distribuição de rechupes na região central da
secção 1. Estes localizam-se no centro geométrico da secção, conforme o previsto pela
função “total shrinkage porosity”. A imagem b) da figura 52 permite, por sua vez, avaliar
a dimensão dos rechupes. Os rechupes observados apresentam uma dimensão que varia
entre 2 a 5 mm, sugerindo-se que se trate de macrorrechupes.

51
Figura 53: a) Imagem fotográfica de rechupe na secção 1 com alimentador; b) Imagem de lupa da dimensão do
rechupe.

A figura 53, imagem a), exibe a presença de rechupes no centro geométrico da secção
em análise, à semelhança do que se verificou no corpo de prova sem alimentador. Esta
concordância de resultados permitiu compreender a importância do alimentador e como
este promove a diminuição da formação de rechupes. No entanto, visto que o alimentador
está posicionado junto à secção 3 e ocorre, como já salientado, a solidificação prematura
da secção 2, a deslocação do banho entre a secção 3 e a secção 1 não ocorre, não
permitindo a eliminação dos rechupes. Na imagem b) pode verificar-se que o
macrorrechupe apresenta uma dimensão de cerca de 7,5 mm.
Este conjunto de resultados permite validar a simulação de solidificação da terceira
etapa e, consequentemente, os parâmetros de pré-processamento utilizados. Com o
ajuste dos parâmetros de pré-processamento foi possível melhorar as simulações de
solidificação standard, aproximando os resultados dos parâmeros de pós-processamento
aos resultados obtidos na prática industrial. É possível afirmar, também, que a localização
dos rechupes da secção 1 é relativamente concordante com o previsto na simulação e que,
embora não haja evidencia da presença de rechupes da secção 3, os valores ajustados dos
parâmetros de pré-processamento melhoraram as previsões de simulação de solidificação
do software, pela redução da indicção da formação de rechupes nesta secção.

52
5. Conclusão
Considerando a elaboração industrial e experimental desta dissertação que teve como
objetivo melhorar o desempenho das simulações de solidificação recorrendo às técnicas
de análise térmica, é possível retirar as seguintes ilações:
1. A utilização das técnicas de análise térmica permitiu acompanhar a produção
de ferro fundido nodular da CMW, com a identificação das curvas de
arrefecimento características. A comparação das curvas de arrefecimento dos
cartuchos fechados Quik-Cup e Therm-O-Stack permitiu identificar este último
como sendo um cartucho com maior precisão na identificação da morfologia de
solidificação dos banhos. Com o conjunto de dados fornecidos pela análise
espetrométrica e pelas curvas de arrefecimento dos cartuchos Therm-O-Stack
identificou-se a morfologia de solidificação como sendo hipereutéctica;
2. A interpretação das curvas de arrefecimento dos cartuchos fechados de dupla
cavidade Therm-O-Stack permitiu identificar qual o valor médio do ponto Mir.
A comparação deste valor com o parâmetro de pós-processamento “time to end
mass feeding” conduziu à identificação do coeficiente de expansão grafítica
capaz de reproduzir de forma mais eficaz os fenómenos de solidificação
ocorridos. O ajuste dos parâmetros de pré-processamento proporcionou uma
melhoria dos resultados de pós-processamento da simulação standard,
aproximando os dos resultados obtidos no corpo de prova;
3. O ajuste dos parâmetros de pré-processamento proporcionou uma melhoria da
previsão dos resultados de simulação em ambas as secções do corpo de prova.
O seccionamento dos corpos de prova produzidos permitiu validar a
metodologia adotada com a confirmação da existência da formação de
rechupes na secção 1 e com a redução da indicação da formação de rechupes
na secção 3 comparativamente com os resultados de pós-processamento
obtidos na simulação standard.
No final desta dissertação foi possível concluir que a utilização de técnicas de análise
térmica, segundo a metodologia adotada, permite melhorar as simulações de
solidificação.

5.1. Sugestões para trabalhos futuros


Com o desenvolvimento do trabalho nesta dissertação foi percetível que o melhor
desempenho das simulações de solidificação é conseguido com o ajuste do coeficiente de
expansão grafítica. Este parâmetro está relacionado com as condições de processamento
do banho, nomeadamente o estado de germinação da grafite por ação da inoculação, a
composição química do banho e a velocidade de arrefecimento das diferentes secções da
peça. Devido à incerteza imposta pelo período anómalo vivido atualmente, não foi possível
validar o efeito da variação da composição química do banho, mantendo as outras duas
variáveis mencionadas inalteradas.

53
Desta forma, e para alcançar resultados mais fiáveis das simulações de solidificação
no software, é útil utilizar os dados de análise térmica, Mir, e o consequente ajuste do
coeficiente de expansão grafítica no software, para melhorar o desempenho das
simulações de solidificação, considerando-se que seria pertinente um estudo em que se
promovam variações graduais da composição química do banho para valores à volta do CE
eutéctico.
Para a elaboração deste estudo é necessário caracterizar o estado de germinação do
banho para uma produção padrão com CE pretendido e as alterações manifestadas na
microestrutura dos fundidos. Estas características irão influenciar o coeficiente de
expansão grafítica e, consequentemente, diminuir a possibilidade de formação de
rechupes. Para tal, a metodologia utilizada pelas técnicas de análise térmica deve manter-
se constante a fim de se obter valores de outputs concordantes entre os banhos.

54
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