Você está na página 1de 140

2.

Ano 2, Nº 9

Líder
Produzida por Teólogos da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

- A pregação e o Prega- - Fé ativa no amor, p. 6 - Santíssima Trindade, - A Rainha do Reino


dor, p. 24 - O Espírito Santo, a lide- p. 130 Unido, p. 23
- A relação do livro de Jó rança cristã, p. 74 - liturgia — Período de - Mãe responsável, filhos
com a riqueza e a pobre- - O pastor equipando Pentecostes, p. 132 obedientes, p. 129
za, p. 114 leigos como aconselhan- - Aborto de anencéfalos, - Nudez exposta, p. 131
- Dignidade e proveito da te de pessoas, p. 58 p. 138 - Salvação do meio am-
Santa Ceia, p. 86 - Proselitismo, p. 46 - Abuso Sexual, p. 45 biente, p. 57
EXPEDIENTE
Publicação periódica de pastores da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) não oficial. Tem
como propósito divulgar textos teológicos/pastorais, inéditos ou não, produzidos por pastores e
teólogos da IELB, recuperar textos teológicos escritos no passado e que não estão disponíveis na
Internet, divulgar de forma mais abrangente a teologia evangélica luterana confessional e a reflexão
teológica na IELB, e ser uma ferramenta prática para as atividades ministeriais em suas diferentes
áreas. Os conteúdos são de responsabilidade dos seus autores.

Colaboradores desta edição:


Cláudio Ramir Schreiber, Dieter Joel Jagnow, Fernando Emílio Graffunder, Horst R.
Kuchenbecker, Ismar Lambrecht Pinz, Jarbas Hoffimann, Leandro Daniel Hübner, Marcos
Schmidt, Martinho Renneck, Mauro Sérgio Hoffmann e Otávio A. Schlender

Imagens:
As imagens usadas nesta publicação são de livre acesso na Internet, ou foram cedidas pelo
proprietário. Caso contrário aparecerá, ao lado da imagem, a referência ao seu autor.

Coordenadores:
Rev. Dieter Joel Jagnow (editor) Rev. David Karnopp
Rev. Jarbas Hoffimann (diagramador) Rev. Mário Rafael Yudi Fukue
Rev. Tiago José Albrecht Rev. Waldyr Hoffmann

Diagramador:
Rev. Jarbas Hoffimann — diagramador.rt@gmail.com

Blogue e Leitura On-line


http://www.revistateologia.blogspot.com

Facebook
www.facebook.com/pages/Revista-Teologia-Prática

Twitter
@revistateologia

Colaborações:
Os textos a serem publicados na revista devem ser enviados ao editor

Contato/Editor:
revistateologia@gmail.com
Apresentação da Revista
Eletrônica Teologia & Prática
A revista Teologia & Prática é uma iniciativa de pastores da Igreja Evangélica
Luterana do Brasil (IELB). Ela não tem caráter oficial. Seu objetivo básico é coletar e
compartilhar periodicamente, de forma organizada, via Internet, textos teológicos/
pastorais, inéditos ou não, produzidos por pastores da IELB e que regularmente cir-
culam em listas da Igreja. Além disso, procura recuperar textos teológicos escritos no
passado e que não estão disponíveis na Internet. Um objetivo subjacente é a inten-
ção de divulgar de forma mais abrangente a teologia evangélica luterana confessional
e a reflexão teológica na IELB. Além de possibilitar a reflexão teológica, a revista quer
ser uma ferramenta prática para as atividades ministeriais em suas diferentes áreas.

Critérios
1. A produção da revista Teologia & Prática é coordenada por um grupo de voluntários,
teólogos da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) e tem quatro edições anuais.
2. Após o fechamento, o arquivo da revista é colocado em uma (ou mais) plataforma na
Internet, onde pode ser lido online ou baixado.
3. Um blogue (www.revistateologia.blogspot.com) serve de apoio para as edições, a fim
de possibilitar a sua divulgação pelos mecanismos de busca da Internet. A revista tam-
bém possui uma página no Facebook (www.facebook.com/pages/Revista-Teologia-
-Prática) para divulgação e interação.
4. A produção da revista é aberta aos teólogos da Ielb (ativos ou não) interessados em
compartilhar seus textos (meditações, estudos homiléticos, sermões, resenhas, en-
saios, palestras, composições musicais, monografias, etc.), inéditos ou não. Cada autor
é responsável pelo seu texto (doutrinária, gramática e ortograficamente). As colabora-
ções devem ser enviadas para revistateologia@gmail.com
5. Os responsáveis pela coordenação podem recusar algum texto — ou solicitar que seja
revisado. Não são aceitos textos de conteúdo político-partidário, que promovam o ódio
ou a discriminação, ou que firam as Escrituras e os princípios e valores da IELB.
6. A publicação das colaborações não é por ordem de chegada. Os organizadores tentam
variar os conteúdos em uma edição e em edições subsequentes. Ademais, uma ou
outra edição pode ser temática, razão porque determinado texto pode ser preservado
para edição futura. Caso solicitado, os responsáveis informam ao autor a situação de
cada texto recebido.
Nota:
a) A produção da revista Teologia & Prática é feita por voluntários. Nem sempre é pos-
sível cumprir os prazos. Por esta razão, precisamos de mais voluntários, tanto para a
produção como a organização e a divulgação do material. (Se você quer colaborar, use
o e-mail revistateologia@gmail.com)
b) Para facilitar a leitura online, a partir desta edição a RT vem com uma diagramação
diferente das edições anteriores, com menos imagens e mais texto.
c) Também a partir desta edição vem num formato diferente do que as edições anterio-
res, já prevendo a leitura em mídias recentes, como os tablets.
Artigos
Aborto de anencéfalos — Ismar Lambrecht Pinz, p. 138
Abuso Sexual — Ismar Lambrfecht Pinz, p. 45
A Rainha do Reino Unido — Ismar Lambrecht Pinz, p. 23
Direto ao Ponto — Marcos Schmidt, p. 139
Mãe responsável, filhos obedientes — Fernando Emílio Graffunder, p. 129
Nudez exposta — Marcos Schmidt, p. 131
O perigo da ostentação — Fernando Emílio Graffunder, p. 113
Salvação do meio ambiente — Marcos Schmidt, p. 57
Trabalho sem avareza nem preguiça — Ismar Lambrecht Pinz, p. 137

Evangelismo
Proselitismo — Horst R. Kuchenbecker, p. 46

Homilética
A pregação e o Pregador — Dieter Joel Jagnow, p. 24

Liderança Cristã
O Espírito Santo, a liderança cristã — Leandro Daniel Hübner, p. 74
O pastor equipando leigos como aconselhante de pessoas — Martinho
Rennecke, p. 58

Liturgia
Período de Pentecostes — Jarbas Hoffimann, p. 132

Livros Bíblicos
A relação do livro de Jó com a riqueza e a pobreza — Cláudio Ramir
Schreiber e Mauro Sérgio Hoffmann, p. 114

Resumo de Obra
Fé ativa no amor — Leandro Daniel Hübner, p. 6

Santa Ceia
Dignidade e proveito da Santa Ceia — Otávio A. Schlender, p. 86

Simbologia
Santíssima Trindade — Jarbas Hoffimann, p. 130
Resumo de Obra Rev. Leandro Daniel Hübner

Fé ativa
no amor
1. Introdução blicação das 95 teses. Suas cartas na
época indicam que eles estava preo-

C hamar a atenção do mundo


culto para os abusos dos ven-
dedores dominicanos (indulgên-
cupado com o bem-estar do povo.
Ao contrário de um místico
medieval ou de santo ermitão, que
cias) de uma salvação forjada, foi goza o seu relacionamento pessoal
uma tentativa por parte de Lutero com Deus e pouco se preocupa se o
de mostrar à sociedade os seus pa- mundo em seu redor se desintegra, a
drões éticos quanto ao certo e ao vida toda de Lutero é uma ação so-
errado. Podemos, pois, afirmar que a cial, isto é, uma tentativa conscien-
Reforma teve início com uma ação te de influenciar a sociedade de que
que deve ser chamada “social”. era parte e de influenciar as ordens
Em Lutero a convicção pessoal ou organismos que, em sua opinião,
criou um sentimento de responsabi- constituíam esta sociedade.
lidade social que se expressou na pu- Somente se Lutero acreditava

6 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Resumo de Obra

que a ação social é um imperativo 2. O Problema.


e que o cristão tem percepções que
lhe proporcionam a oportunidade A Alemanha, um país fortemen-
de ajudar outros a vier neste mun- te influenciado pelo pensamento de
do, somente então a vida de Lutero Lutero, tornou-se um baluarte do
pode ser explicada, pois do início ao totalitarismo, e alguns liberais logo
fim ela foi uma vida de ação social. “descobriram” que Lutero era a cau-
Para Lutero a ética era a expres- sa deste desenvolvimento.
são pratica do método teológico. A Mas estes críticos jamais expli-
ética social de Lutero é uma parte caram porque um semelhante de-
integral de sua ética crista, e o princí- senvolvimento “fascista” não tomou
pio ético geral de Lutero é um fator lugar em países muito mais sólida
essencial para a compreensão da sua e genuinamente luteranos como a
ética social. Suécia, a Dinamarca, a Noruega e a
Para compreender o princípio Finlândia, e eles ignoram por com-
prático da ética social de Lutero é pleto a influência criativa da Áustria
fundamental entender o seu ensino e da Bavária (solidamente católicos)
a respeito dos dois reinos da existên- na formação da ideologia nazista
cia humana, o secular e o espiritual. (sem mencionar a Itália, a Espanha
Para Lutero o reino secular era igual- e Portugal).
mente o reino de Deus. A principal razão para uma in-
O pano de fundo de todas as suas vestigação da ética social de Lutero
afirmações é constituído pela sua não deve ser o estado atual da pes-
firme crença na iminência do dia de quisa de Lutero. Se considerarmos a
Jesus Cristo. É a escatologia de Lute- ética social de Lutero em termos de
ro que fornece o princípio limitante motivação que ela eventualmente
para o seu pensamento sócio-ético. ofereceu a “luteranos”, então a inves-
A ética social de Lutero deve ser tigação se tornará mais gratificante.
compreendida em relação com seu O catolicismo romano cria um
método teológico, os seus padrões estado que na melhor das hipóteses
éticos básicos, a sua compreensão é o instrumento secular da igreja
prática da estrutura do mundo e o como instituição hierárquica. Na
pano de fundo escatológico de toda prática ele cria estados como a Es-
a vida. panha, Portugal e Argentina atuais
(= 1959) e como a Áustria de 1934-

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 7


Resumo de Obra

1938. o cristão, juntamente com os outros


O calvinismo cria um estado cidadãos, deve assumir as suas res-
onde Deus deveria governar através ponsabilidades.
de magistrados, dos quais se espera
que estabeleçam o culto puro a Deus 3. As Dificuldades.
de acordo com a sua lei. Isso cria a
teocracia puritana de Genebra, da Tem-se exagerado a influência de
Escócia e da Nova Inglaterra, e atu- Lutero e da Reforma em geral sobre
almente é encontrada em algumas o desenvolvimento do capitalismo
pequenas comunidades nos EUA. e do nacionalismo. Qualquer leitu-
Dentro dos movimentos “en- ra atenta das fontes mostrará que o
tusiastas” (Schwärmer) em geral a capitalismo existiu e floresceu antes
política é considerada “suja” por na- que Lutero entrasse em cena. O ca-
tureza, e nenhum cristão respeitável pitalismo não teve o seu início em
deveria se envolver com ela. Isto se Wittemberg ou em Genebra, e se
aplica mesmo a ordens religiosas fosse necessário apontar o local do
dentro do catolicismo romano e à seu nascimento, Roma seria a esco-
grande corrente do pietismo lutera- lha mais adequada.
no e calvinista, voltados para o outro As exigências financeiras interna-
mundo. cionais da Santa Sé fizeram necessá-
O luteranismo vê o estado como ria uma reforma da economia mone-
uma ordem divina incumbida por tária. Sem demora o papado usou as
Deus com determinadas tarefas cria- casas bancárias como seus agentes e
tivas e completamente independen- envolveu-se completamente com o
te da igreja como uma instituição sistema capitalista. Não pode haver
eclesiástica. A influência da igreja dúvida de que o patrocínio do papa-
sobre o estado pode ser exercida do ajudou em muito estes banquei-
apenas pessoalmente através da “co- ros italianos no desenvolvimento da
munhão dos santos”, e não institu- máquina capitalista.
cionalmente como no catolicismo Já que os fatos mostram tão evi-
romano ou legalmente como no dente e claramente que o capitalis-
calvinismo. Além disso, e em opo- mo surgiu e floresceu com a sanção
sição à seita e ao pietismo, o estado do papado bem antes da Reforma
não é simplesmente um mal necessá- protestante (ou seja, a partir de 1200
rio, mas uma dádiva divina em que d.C.), parece absurdo afirmar que a

8 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Resumo de Obra

Reforma e Lutero causaram o apare- sultado do conflito entre dois pode-


cimento do capitalismo. res universais que dominam a Idade
O papa que entrou em conflito Média, o imperador e o papa. A Ida-
com Lutero era um banqueiro Mé- de Média foi um período de intenso
dici e os vendedores de indulgências conflito entre ambiciosos imperado-
estavam sempre acompanhados por res (como Gregório VII, Alexandre
um representante da casa bancária III, Inocêncio III). O papado, por
dos Fugger. Encorajado pela prática seu lado, reivindicava, desde Hilde-
do papado — que às vezes usava a brand (1073-1085), um direito ab-
ameaça da excomunhão para obrigar soluto de governar o mundo.
as pessoas a pagar os juros usuários Na luta contra o poder universal
exigidos pelos prestamistas italianos do império, os papas eram obrigados
— e pelo espírito da época, o poder a recorrer aos poderes nacionais e
e a influência do capitalismo cresceu paroquiais dos reis e príncipes. Em
constantemente mesmo antes que a ordem de enfraquecer o imperador,
Reforma começasse. eles tinham que fortalecer os prínci-
São Bernardo afirmava sobre a pes nacionais, bem mais autocráti-
sua amada igreja: “A riqueza é içada cos e absolutos.
com cordas ricas, e assim o dinheiro O vitorioso na luta pelo poder
traz dinheiro. .... Vaidade das vaida- entre o papa e o imperador foi o na-
des, mas não menos vaidoso do que cionalismo, e esta vitória, estabeleci-
insano! A igreja resplandece em suas da bem antes da Reforma, tinha sua
paredes, e seus pobres mendigam. origem nas ambições políticas do
Ela reveste as usas pedras com ouro, papado.
e seus filhos ela deixa despido.” (Car- Uma tentativa de a Europa resol-
ta de S. Bernardo, c. de 1.125 d.C.) ver seus problemas foi o Movimento
Tudo isto (usura e exploração Conciliar do Século XV, que falhou
comercial) revela a sincera repulsa por causa da oposição do papado,
de Lutero pelo capitalismo e todas e, por isso, o próprio papado con-
as suas obras e uma quase patética tribuiu mais do que qualquer outro
nostalgia por uma época menos co- poder para a desintegração da cris-
mercial. tandade ocidental em pequenos rei-
Também se atribui a Lutero e à nados absolutos, que caracterizaram
Reforma a questão do nacionalismo. o desenvolvimento moderno.
Na verdade, o estado nacional é o re- Desde 1520 Lutero pediu um

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 9


Resumo de Obra

concílio no sentido de reformar a insaciável preferiu a desintegração


igreja e a sociedade, e até o fim da da cristandade à reforma genuína,
sua vida, ele esperava uma solução que eventualmente lhe limitaria o
das dificuldades enfrentadas pela poder.
cristandade através de um concílio
geral. 4. O Principio
Enquanto os luteranos continua- Metodológico.
mente faziam pressão no sentido da
realização de um concílio geral livre, É da máxima importância desco-
o papado usava todos os meios pos- brir o método que Lutero usou na
síveis para impedir que o imperador discussão de problemas sócio-éticos
o realizasse. e de padrões éticos aplicados à socie-
Quando o Movimento Conciliar dade.
fracassou e os apelos por um concí- Lutero, cujo objetivo teológico e
lio geral livre encontraram ouvidos ético era descrever e interpretar o re-
surdos em Roma, havia se perdido a lacionamento do homem com Deus
última chance para reunir a cristan- e a criação de Deus, pouco se preo-
dade ocidental. A responsabilidade cupava se o resultado era sistemáti-
para esta catástrofe não está com os co ou não, contanto que ele sentisse
reformadores protestantes mas com que sua descrição correspondia à si-
os homens em Roma, cujo orgulho tuação humana real.

10 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Resumo de Obra

Lutero afirmou que o cristão é manecerão com a mesma classifica-


simultaneamente um pecador e um ção sempre; mas eles o são em um
justo. Ele não fez esta afirmação de- sentido dinâmico, isto é, de acordo
vido à sua utilidade sistemática, mas com a sua função de incrementar ou
porque ela descrevia para ele o rela- obstaculizar o mais importante dos
cionamento do homem com Deus. relacionamentos, o relacionamento
Como Lutero descrevia esse rela- entre Deus e o homem.
cionamento em termos de vida real, Assim como a razão é “boa” se
com todas as complexidades nela usada no sentido de governar com
implícitas, os teólogos que insistem justiça, e “má” se utilizada pelo ho-
em usar apenas aquela parte do pen- mem como instrumento para con-
samento que se ajusta ao seu sistema, quistar a Deus, assim também “boas
descartando o resto como inconse- obras” são “boas” se elas são os fru-
quente, foram forçados a suprimir tos do Espírito, e “más” se elas são
uma grande parte de Lutero. Ao usadas para comprar a salvação.
mesmo tempo não existia quase nin- Todos os padrões éticos têm sen-
guém que não pudesse usar alguma tido apenas na vida. Eles são bons
parte do pensamento de Lutero para se ajudam a revelar Deus; são maus
fortalecer a sua própria posição. A se escondem Deus dos homens. Por
resultante confusão quanto à inter- isso a preocupação de Lutero é a de
pretação da teologia de Lutero não avaliar todas as coisas em relação a
estava tanto no reformador como Deus e à sua revelação em Jesus Cris-
nos homens que o interpretaram. to. E para Lutero o centro desta re-
Não é de surpreender que haja velação de Deus em Cristo é o evan-
um número de Luteros igual ao de gelho do perdão dos pecados.
professores alemães discutindo Lu- Para Lutero toda a ética está ba-
tero, e que cada um deles, mesmo seada sobre o perdão divino dos pe-
o seu defensor mais leal, suprime cados. Isto vale tanto para a ética in-
aquela parte do pensamento de Lu- dividual como para a social. Nem o
tero que conflita com o seu respec- Sermão do Monte nem o Decálogo
tivo sistema. são pontos de referência para a ética
Para Lutero, ações, faculdades, de Lutero, mas sempre o relaciona-
seres e padrões são bons ou maus mento que Deus estabelece em amor
não em um sentido estático, de com o homem através do perdão dos
modo que, uma vez avaliados, per- pecados.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 11


Resumo de Obra

Esta importância central do rela- sempenham em relacionar o homem


cionamento de Deus com o homem, com Deus. Ele é dinâmico e é objeti-
como estabelecido pelo evangelho vo. Para Lutero a ética social não é a
do perdão dos pecados, é a chave causa mas o resultado da confronta-
para o método de Lutero. ção do homem por Deus.
Para não se perder ao estudar
Lutero, deve-se seguir esta regra: 5. O Princípio Ético.
“Jamais acredite possuir uma correta
compreensão de um pensamento de Lutero não desenvolveu sua ética
Lutero antes de conseguir reduzi-lo em um vácuo, mas teve como pano
a um simples colorário do pensa- de fundo uma ética escolástica que
mento do perdão dos pecados.” (Ei- dominou a sua época, e ele a desen-
nar Billing, Nossa Vocação). volveu em um claríssimo contraste
A teologia ou a ética não esta- com esta ética escolástica. Esta era
belecem o relacionamento entre o o resultado da fusão e da amalgama-
homem e Deus; para Lutero elas são ção dos elementos bíblicos cristãos
meros resultados da confrontação com a filosofia moral dos filósofos
do homem com Deus. O relaciona- gregos. Ela era uma ética dominada
mento com Deus molda a ética de por noções filosóficas gregas.
um homem; a sua ética não molda o De acordo com o escolasticismo,
seu relacionamento com Deus. “o homem só pode atingir a beatitu-
Este relacionamento do homem de através do mérito.” Desta manei-
com Deus é simplesmente um fato ra, o mérito se transformou no prin-
da existência humana e não depende cípio ético que dominava a teologia
absolutamente da aprovação subje- escolástica.
tiva do homem. A vontade de Deus A ética cristã, a fim de novamen-
é válida para o homem se ele gostar te se tornar genuinamente cristã,
dela ou não, e, por isso, a igreja tem tinha que ser liberta da ética filosófi-
uma mensagem para todas as pesso- ca. Para Lutero, apenas a fé poda ga-
as, independentemente das suas pre- rantir a ação ética. A ética filosófica
dileções religiosas. jamais pode ser ética cristã, pois ela
O princípio metodológico de inicia com a pressuposição errada.
Lutero como aplicado à ética social Como resultado da influência de
é funcional, avaliando todos os pa- Aristóteles e da filosofia grega em ge-
drões éticos à luz do papel que de- ral, o sistema ético do escolasticismo

12 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Resumo de Obra

era egocêntrico e antropocêntrico. ativa no amor.


A ética de Lutero era uma ética O amor é o instrumento da fé, o
“teológica” ou “evangélica”, basea- instrumento através do qual a fé lida
da no testemunho do evangelho. com o próximo. Uma pessoa cuja
Lutero tomou este novo princípio fé é estéril e não produz boas obras
diretamente da Bíblia, se bem que de amor, não crê verdadeiramente.
parecesse aos seus contemporâneos “Deus não te julgará de acordo com
que ele havia descoberto uma coisa o teu título ‘cristão’ ou com o teu
completamente nova. batismo, mas ele te perguntará: se
Lutero afirmou que justificação é és um cristão, conta-me onde estão
a base para toda a ética cristã. Não os frutos que provam a tua fé” (Lu-
há ética cristã sem o povo cristão; e tero).
apenas pessoas justificadas mediante Fé é a atitude do cristão frente a
a fé são cristãs. Fé jamais é fé a-ética. Deus, e amor é a atitude do cristão
Aquele que tem fé será santificado e frente ao seu próximo, que se segue à
fará boas obras. Justificação e santifi- fé. A fé em Deus através de Cristo é
cação são para Lutero dois aspectos a fonte de toda a ética.
do mesmo processo e, por isso, mu- Logo, se o princípio da ética de
tuamente interdependentes. Lutero pode ser definido em relação
Os cristãos deveriam ser liberta- à sua fonte em Deus como “justifica-
dos de boas obras na medida em que ção mediante a fé”, ele pode ser des-
estas eram entendidas como produ- crito em relação ao seu “canal escoa-
zindo “justificação pelas obras”. Por dor” como “fé ativa no amor”.
outro lado, Lutero insistia em que Lutero sabia que o cristão tem
uma fé viva se expressa em obras de em si o novo e o velho homem. Ele
amor. E, se bem que a lei em si não diz que “o homem justo é semelhan-
mude, a atitude do cristão em rela- te a um instrumento enferrujado
ção à lei é alterada tão profunda- que Deus começou a polir, mas que,
mente pela fé que ele se torna um onde estiver enferrujado, não cor-
amante da lei em vez de ser mera- tará até que estiver perfeitamente
mente o seu escravo. A fé “não per- polido”. Este processo de polimen-
gunta se há boas obras a fazer, pois to ocorre enquanto o homem viver.
antes que a pergunta surja, ela já as Mas é Deus quem realiza o polimen-
fez, e ela constantemente as está fa- to: esta é a importante diferença
zendo”, diz Lutero. A fé sempre está entre a ética de Lutero e a ética de

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 13


Resumo de Obra

Roma. mediar o amor divino aos outros


Segundo Lutero, o amor cristão homens. Lutero considerava o amor
é diametricamente oposto a todo não um meio para um fim, mas um
desejo aquisitivo humano. O amor, fim ético em si mesmo.
na medida em que for genuina- Para Lutero a pergunta-chave
mente cristão, é moldado segundo feita a qualquer obra era “a quem
o amor de Cristo. Até então os te- beneficia?”. Ela precisa beneficiar o
ólogos, guiados pelos princípios da teu próximo e a sociedade, caso con-
ética filosófica, haviam interpretado trário ela não terá valor algum. Diz
o amor em termos essencialmente Lutero: “Uma obra verdadeiramen-
egocêntricos e eudemonísticos — te cristã e boa é aquela que pode e
amor era amor aquisitivo. Lutero, deve ser feita a qualquer tempo, em
porém, definiu o amor cristão como todos os lugares e a todas as pessoas.”
abnegado, espontâneo e abundante Lutero, colocando a ênfase in-
como o amor de Deus. Com base teiramente sobre o interesse do
nesta definição de amor é que o próximo, estava mais interessado
princípio ético de Lutero deve ser em abolir a causa da mendicância
entendido. do que em medidas paliativas que
Isto mostra claramente o que Lu- visavam assistir o mendigo tempo-
tero pretendia dizer com “fé ativa rariamente sem tirá-lo do estado de
no amor”: em fé o homem recebe mendicância. Sugeriu, por exemplo,
o amor de Deus e o passa adiante que as instituições que abrigavam os
ao seu próximo. O cristão como fi- mendigos eclesiásticos fossem trans-
lho de Deus é usado por Deus para formadas em alojamentos para do-
entes e necessitados. Para Lutero o
próximo não era mais um meio para
um fim, mas era um fim muito real e
importante em si mesmo.
A aplicação do princípio ético
de Lutero tornava todo o serviço a
Deus realizado neste mundo em um
serviço ao próximo. Lutero enfati-
zou repetidamente que Deus não
precisa das nossas ações de miseri-
córdia, mas que o próximo necessita

14 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Resumo de Obra

delas. tero não há dúvida de que o homem


Olhando para a história da igreja é religioso por natureza.
cristã, Lutero observou que houvera Para Lutero a religião natural e
tempos em que os líderes da igreja racional também inclui o concei-
usavam todas as possessões de sua to de um ser divino, que é eterno e
instituição para sustentar os pobres apresenta muitos outros atributos
e necessitados. Agora, ele acres- divinos. Ela também é a fonte de
centou, as coisas se inverteram e as toda religião. Na verdade, o conhe-
possessões dos pobres sustentam o cimento natural da existência de
esbanjamento e o esplendor dos lí- Deus é a base para toda a idolatria,
deres da igreja. Mas aquele que igno- pois ele não nos aproxima um passo
ra o seu próximo necessitado, ignora sequer da realidade de Deus como
a Deus. revelada em Jesus Cristo.
O cristão age na sociedade por- Para Lutero Deus está em todos
que sabe que é na comunidade viva os lugares, em cada criatura, em cada
que Deus quer ser servido. Amar a pedra, no fogo, na água, mas Ele
Deus é servi-lo através do próximo quer que O encontremos na Pala-
— isto é fé ativa no amor. vra; o homem não pode encontrá-
-lo em nenhum outro lugar. Lutero
6. O Princípio Prático. diz: “Dizer que Deus está presente
não significa o mesmo que dizer que
Lutero afirmou que as ordens Deus está presente para ti; Deus está
naturais eram parte do desígnio presente para ti apenas quando tive-
de Deus com o fim de preservar o res a Sua Palavra e quando Ele, atra-
mundo e conter as forças criativas vés da Palavra, te prende a Si mesmo
no homem, que sob a influência do e diz: Aqui tu Me encontrarás.”
pecado poderiam levar à desordem e Lutero é cético na sua avaliação
à destruição. dos resultados teológicos da razão.
Existe uma revelação geral de Mas não abandona o uso das “or-
Deus na natureza e na história, mas dens naturais” porque crê que qual-
ela é uma revelação de Deus que es- quer vida humana se desenrola em
conde Deus, assim como a resposta dois reinos, o secular e o espiritual.
humana a esta revelação, ou seja, São dois reinos separados, mas am-
religião, é uma tentativa de reaproxi- bos pertencentes em última análise
mação que afasta de Deus. Para Lu- a Deus.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 15


Resumo de Obra

Lutero subdivide o reino secular de secular.


em “ofícios”, “vocações” e “ordens”. A obediência às ordens naturais,
As principais são a família (ou socie- para Lutero, não é obediência aos
dade), o governo e a igreja empírica. homens, mas a Deus. O reino secu-
Ele diz que “três tipos de vocações lar, para ele, não é autônomo e não
são ordenadas por Deus; no âmbi- existe um reino que, em última aná-
to delas é possível viver com Deus lise, não pertença a Deus.
e com uma consciência clara. O pri- Para Lutero o Decálogo é uma re-
meiro é a família, o segundo a auto- presentação muito boa do cerne da
ridade secular e política, o terceiro lei natural geral que perpassa toda
a igreja ou o ministério, segundo o lei positiva, e como tal tem validade
modelo das três pessoas da Trinda- ilimitada. Se um padrão para todas
de”. as ordens naturais é a lei natural, o
Todos possuem alguma comissão outro padrão é a razão.
ou vocação, e todos têm oportuni- É preciso ter em mente que a
dades suficientes para trabalhar — crítica de Lutero à razão é dirigida
se o desejam. Lutero enfatiza que àquele razão que se considera um
“missas, legados rosários, orações substituto para a revelação. Para to-
e indulgências” não são substitu- das as questões do dia a dia, Lutero
tos para fidelidade dentro e através advoga o uso da razão para alcançar
das ordens divinas. As vocações são resultados racionais. As ordens na-
boas, são parte das ordens naturais turais eram ordens racionais e de-
de Deus e são os instrumentos práti- viam ser interpretadas pela razão.
cos da ética social de Lutero. Lutero não era grande amigo de
Nós em realidade não criamos mudanças, pois sentia, baseado na
nada, mas Deus, usando as ordens sua perspectiva teológica, que não
naturais e as vocações, opera através havia muita chance que as coisas
de nós, criando e preservando todas mudassem para melhor. Mesmo as-
as coisas. sim, ele acreditava que a história é
Lutero afirma que a autoridade feita e alterada por grandes homens
secular, se realizar a tarefa preserva- e heróis. Esses heróis podem ser re-
dora, é, em verdade, uma “máscara crutados por Deus em qualquer ca-
de Deus” através da qual Ele próprio mada da sociedade — nascimento
opera. Apenas Deus ordena, man- nobre não significa nada; orientação
tém e protege ou destrói a autorida- divina significa tudo. Esta divina

16 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Resumo de Obra

inspiração que guia o herói e é a base te estas ordens são afetadas pelo pe-
para seu sucesso, não pode ser herda- cado, o que as torna onerosas e di-
da e não passa de geração a geração fíceis. Por serem ordens divinas, elas
como numa sucessão real. sentirão sempre o ímpeto do ataque
Resumindo, as ordens naturais do diabo, mas de uma maneira ou
de Lutero estavam baseadas para outra elas permanecerão até o fim
todos os propósitos práticos na lei do mundo.
natural e na razão. Elas ajudavam a Lutero explica que o ponto de
explicar o mundo e as forças que o contato entre o reino secular e o
preservavam de uma forma ordena- espiritual existe na pessoa do cris-
da, mas elas não revelam Deus e não tão individual. O evangelho em si
têm valor soteriológico. não pode ser usado para governar o
Um cristão sempre é um membro mundo, porque ele é o evangelho e
das ordens naturais, se bem que estas exige uma resposta voluntária do ho-
ordens não possam ser outra coisa mem. Ele deixaria de ser evangelho
senão ordens pecaminosas, infecta- se se transformasse em uma nova lei.
das e envolvidas no pecado. Mas através da pessoa do crente, que
Também a razão é sempre razão está conectado com Cristo através
corrupta. Ela não é apenas incapaz do evangelho e que é simultanea-
de conhecer a Deus, mas também é mente um membro das ordens na-
incapaz de apreciar as obras de Deus. turais, a fé ativa no amor penetra na
Como as ordens naturais estão ordem social.
completamente envolvidas no peca- Lutero afirma que o mundo é
do, Deus lida com os cristãos através preservado por causa da ordem e dos
dos Seus meios da graça, da palavra e mandamentos de Deus e das orações
dos sacramentos, mas ele lida com a dos cristãos. Deus quer que o cristão
humanidade em geral através das or- assuma sua total responsabilidade
dens naturais com elas se expressam no mundo. Ele pode se tornar um
na natureza e na história. líder nos setores seculares e até mes-
Assim, o princípio da ética social mo portar a espada.
de Lutero é o seu conceito das or- O cristão no mundo vive com
dens naturais. Ele as descreve como o propósito de ajudar e através de
sendo divinamente ordenadas e sua existência protege o próximo da
como tendo a sua fonte na vontade destruição. Para transformar a socie-
preservadora de Deus. Naturalmen- dade, Cristo usa o cristão individual

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 17


Resumo de Obra

que vive uma vida de fé neste mundo esperar tal mudança em um estágio
de descrença. No crente os reinos se- tão tardio da história humana, isto
cular e espiritual se encontram. é, sua expectativa do fim iminente
Longe de tornar o cristão irre- deste mundo.
levante para a ordem social, Lutero A convicção de que a história
tornou possível que a verdade cristã havia chegado ao fim e que a segun-
absoluta estivesse sempre disponí- da vinda de Cristo era iminente fez
vel à sociedade, e isto não através com que Lutero visse todas as tenta-
de uma organização hierárquica ou tivas de reformar a sociedade como
de uma interpretação legal do evan- simples esforços de reparar uma or-
gelho, mas através do santo cristão, dem social que estava destinada a
isto é, do pecador salvo pela graça, um colapso bem próximo.
ativo no mundo como um instru- Lutero sentia que o trabalho de
mento do propósito preservador e remendar e reparar a sociedade era
salvador de Deus. importante, mas que em vista do
fim próximo, não via necessidade de
7. O Princípio grandes reformas, pois os cristãos es-
Limitante. peravam um lar novo e maravilhoso.
Tudo o que Lutero ensinou e fez
Lutero sentiu frequentemente era em sua própria mente uma ten-
que a ordem social necessitava de tativa de preparar os homens para o
uma reforma, mas era muito relu- vindouro reino de Deus. Tanto os
tante em liderar uma radical refor- cavaleiros como os camponeses es-
ma social. A chave para entender peravam que Lutero se tornasse seu
esta relutância era a firme convicção líder social, mas ele estava totalmen-
de Lutero de que não era bíblico te disposto a melhorar a situação de-

18 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Resumo de Obra

les através da sua palavra e ação. Lutero.


Lutero não estava disposto a sa- Ele reconheceu a responsabili-
crificar a reforma da igreja e a pro- dade missionária da igreja. Ele disse
clamação do evangelho a uma revo- que um cristão “é obrigado a pregar
lução social e política cujo resultado, e a ensinar o evangelho aos pagãos e
na melhor das hipóteses, beneficia- não cristãos errantes como um de-
ria a humanidade apenas tempora- ver de amor fraternal, mesmo que
riamente. nenhum homem o tenha chama-
Além de ser a fonte da ética social do.” Para que os pagãos conheçam
de Lutero, a fé foi também o que im- e creiam em Deus, é preciso que o
possibilitou Lutero de tomar qual- ouçam. Para isso, diz Lutero, é pre-
quer reforma social com extrema ciso que missionários lhes sejam en-
seriedade. A fé era o fator “motivo” viados e lhes proclamem a Palavra de
e o fator “quietivo” (acalmante) da Deus.
sua ética social. Era a força impul- Para entender a posição escatoló-
sionadora de todas as suas tentativas gica de Lutero precisamos lembrar
de reorganizar a sociedade, e era, que para ele cristãos são apenas “pe-
ao mesmo tempo, a razão pela qual regrinos” nesta terra, toda a sua vida
todas estas tentativas ocupavam um é uma peregrinação, e eles deveriam
segundo plano no seu pensamento viver como estrangeiros e hóspedes
teológico. em uma terra estranha. O cristão
O interesse relativamente exíguo participará nas atividades essenciais
em missões que contaminou a or- dos homens que mantêm a ordem
todoxia luterana durante os séculos e a vida, mesmo no país estranho,
seguintes foi outra consequência mas não ficará tão excitado com
infeliz da reduzida escatologia de qualquer uma destas funções como

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 19


Resumo de Obra

a pessoa que considera este mundo contra os turcos, não podia ofendê-
o seu lar real. -los através da destruição da sua li-
Mas quais eram as causas para as berdade religiosa.
fortes expectativas escatológicas de Mesmo assim, para Lutero os tur-
Lutero? Examinando a história, ele cos eram outra indicação do fim imi-
achava que o governo do Anticristo nente do mundo. Também neles ele
havia iniciado neste mundo e que as- via o poder do Anticristo. Ele acon-
sim o fim era iminente. Dois fatores selhava que as defesas contra o papa
o fizeram concluir isto: o poder do e o turco devem andar juntas, pois
papa e o poder dos turcos. ambos eram expressões do poder do
Desde 1519 Lutero começou diabo. Dizia que os cristãos deviam
a pensar que o para poderia ser o orar contra o diabo, o papa e o turco.
Anticristo e em 1521 isto se tornou Para ele, ambos se complementavam
uma convicção para ele. Ele observa- em seus esforços para destruir a igre-
ra vários sinais bíblicos sobre o An- ja de Cristo: “O turco enche o céu
ticristo que se aplicavam ao papado, com cristãos assassinando os seus
mas o mais claro de todos era o fato corpos, mas o papa faz todo o pos-
do papa alegar que era o cabeça da sível para encher o inferno com cris-
igreja. Contra isto ele disse: “O papa tãos através dos seus ensinamentos
não é o cabeça da igreja; se fosse as- blasfemos.” Por seus estudos, Lutero
sim, a igreja seria um mostro de duas concluiu que os turcos eram o mes-
cabeças, pois apenas Cristo é o cabe- mo que Gogue (Ez 38, Ap 20).
ça da igreja, como diz São Paulo. Em Como olhava para o mundo com
verdade, o papa é o cabeça da falsa tal perspectiva escatológica, Lutero
igreja do diabo”. À parte de sua ani- não podia esperar a solução dos pro-
mosidade pessoal, esta posição sobre blemas históricos do mundo através
o papado era uma sincera convicção das atividades políticas normais dos
teológica de Lutero. participantes humanos deste drama.
A convicção de Lutero de que o E qual então deveria ser a atitude do
mundo estava próximo do fim era cristão em relação ao juízo final, ao
reforçada pelo surgimento do pode- fim do mundo?
rio militar do império turco. De cer- O cristão deve permanecer sem-
ta maneira a ameaça turca ajudou a pre pronto para este último dia.
Reforma, pois Carlos V, necessitan- Toda a sua vida deve ser vivida em
do dos príncipes evangélicos na luta direção a este dia. Toda a história é,

20 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Resumo de Obra

para Lutero, simplesmente a vida en- unidos com outros mortais como
tre os tempos (da ascensão de Jesus Deus nos aglomerou, servindo-nos
até o dia do juízo final). Para Lutero, reciprocamente.”
esquecer este dia ou recusar-se a orar
por ele não seria nada menos do que 8. Conclusão.
rejeitar o reino de Deus. Não desejar
o dia do juízo é o mesmo que não de- A maioria das discussões sobre a
sejar o Reino de Deus. ética social de Lutero são caracteri-
Assim, se bem que disposto a fa- zadas por duas tendências divergen-
zer o possível para ajudar no estabe- tes. Elas procuram mostrar que Lu-
lecimento da melhor ordem social tero nem tinha uma ética social, já
viável em um mundo moribundo, que ele colocava a sociedade fora da
Lutero era incapaz de esperar que influência do evangelho cristão; ou
esta sociedade fosse algum dia o rei- que a sua ética social era puramen-
no de Deus. te pragmática, aceitando a ordem
Sua esperança na iminente so- social dos seus dias e contribuindo
lução de Deus para todos os pro- assim para o crescimento do capita-
blemas humanos é o princípio li- lismo e do nacionalismo.
mitante da ética social de Lutero. Vimos, no entanto, que o pen-
Em um sermão sobre o tema, entre samento social de Lutero deve ser
outras coisas, ele diz (sermão sobre compreendido como uma parte in-
1Pe 2.11-20): “Cristãos deveriam tegral do seu pensamento global e
estar conscientes da sua cidadania no contexto da sua visão completa
em um país melhor, para que se pos- da vida.
sam adaptar assim corretamente a Assim, pode-se obter as seguin-
este mundo. Não devem ocupar a tes percepções sobre a ética social de
vida presente como se pretendessem Lutero:
permanecer nela; nem agir como I. Sua abordagem aos problemas
os monges, que fogem da respon- éticos é existencial, não legal. O va-
sabilidade, evitando o ofício civil e lor de uma ação depende completa-
tentando escapar deste mundo. Pois mente do papel que ele desempenha
Pedro diz que não devemos escapar em auxiliar ou obstaculizar a relação
dos nossos próximos e viver cada um do indivíduo com Deus em Cristo.
para si, mas que devemos perma- II. A força motivadora de toda
necer nas nossas diversas vocações, ética cristã é o amor de Deus. A fé

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 21


Resumo de Obra

nos leva a Cristo e o torna nosso as respostas específicas a problemas


com tudo aquilo que Ele possui; o específicos do tempo de Lutero pos-
amor nos dá ao nosso próximo com suem mais significado histórico do
tudo aquilo que temos. que teológico. Mas os princípios
III. A ética social cristã não é um sócio-éticos derivados da compreen-
ensinamento esotérico para a elite, são existencial luterana da revelação
mas é a divina, ou seja, a melhor ma- de Deus são de considerável interes-
neira prática para todos os homens se para todos aqueles que desejam
com o intuito de preservar o mundo entender o plano de Deus para o
da autodestruição até o dia de Jesus cristão na sociedade.
Cristo. O mundo precisa seguir a lei Para Lutero, os fins jamais justi-
natural de Deus. Tal obediência não ficam os meios. Isto joga luz sobre
salva o homem, mas leva ao bem- as escolhas que temos que fazer hoje
-estar de todos. na sociedade. E parece igualmente
IV. O evangelho, como tal, não válida e urgente para o nosso tempo
pode ser usado para governar, já que a objeção de Lutero a todas as tenta-
ele se aplica apenas àqueles que crê- tivas que visam fazer do evangelho a
em. É através da pessoa do crente lei do estado cristão.
individual que a fé ativa no amor pe- Lutero jamais se cansou de viver
netra a ordem social. Através do cris- a sua ética social, mostrando na sua
tão individual, não importa qual sua própria vida que através do cristão o
função (vocação), os inesgotáveis re- evangelho penetra na ordem social.
cursos do evangelho se tornam dis- Teria sido bom para o cristianismo
poníveis à ordem social. se aqueles que seguiram Lutero ti-
V. A ordem social é simplesmen- vessem sido igualmente zelosos em
te uma ordem interina válida até o mostrar a sua fé ativa no amor.
fim iminente deste mundo. Até este
dia todos os esforços humanos serão Rev. Leandro Daniel Hübner — Rio Branco-AC, pastor
meras tentativas de eliminar males da Igreja Evangélica Luterana do Brasil.
imediatos. Os males últimos que
confrontam a humanidade podem Bibliografia
ser superados apenas pela parousia
de Cristo, pelo vindouro Reino de Forell, George W. Porto Alegre: Concór-
dia e Sinodal. Trad.: Geraldo Korn-
Deus. dörfer, 1985.
Olhando para isto, vemos que

22 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


A Rainha de
um Reino
Unido
As belas imagens dos ingleses ao re-
dor da rainha Elisabeth, celebrando os
seus sessenta anos de reinado sobre Reino Unido, transpareceram fidelidade
do povo para com aquela respeitosa senhora.
A aparente fidelidade do povo à sua rainha destoou com o próximo as-
sunto do jornal: a saída de Ronaldinho do Flamengo. Foi inevitável lembrar o
quanto foi saudado por aquela torcida — quase como um rei. Agora é vaiado
e declarado traidor.
A família real britânica também tem múltiplas histórias de infidelidade
e escândalos. Por isso podemos acompanhar todos os assuntos e dizer: gente
como agente. Podem ter brilho! Podem ter coroa! Mas seu reino terá seu fim
logo ali adiante. Assim como um ídolo dos esportes é exaltado em um mo-
mento e recebe vaias no outro.
De fato, não importa o tamanho e a duração do reinado, a verdade se re-
nova como diz a Bíblia em Isaías 40.6b e 8: “todos os seres humanos são como
a erva do campo e toda a força e glória deles é como uma flor do mato. A erva
seca, a flor cai, mas a palavra do nosso Deus dura para sempre.”
Jesus é a Palavra viva, que se fez gente (Jo 1.14) e por isso Ele é o Rei dos
Reis, pois seu reinado é eterno! Se Jesus é rei, quem é a nossa rainha?
Jesus instituiu e adornou a Igreja como sua Rainha! Infelizmente, muitas
vezes transparece a aparência de um reino desunido por placas e denomina-
ções. Mas na verdade a verdadeira rainha, que é a Igreja, não são as paredes
de um templo, não é o sino que soa, não são os líderes, papas, padres e pas-
tores... a Igreja são as pessoas ao redor da Palavra de Deus. Pessoas que são
naturalmente infiéis, contraditórias, escandalosas, mas que são agraciadas
com o perdão por meio da obra de Jesus, o único completamente fiel.
Assim, toda vez que uma pessoa reparte o pão e, sobretudo, o perdão, a
grande rainha, a Igreja de Jesus, desfila e celebra o seu reinado renovado pela
Palavra Viva de Deus. Provavelmente as ações dessas pessoas simples não
serão acompanhadas nos noticiários, nem mesmo comemoradas como um
gol de um grande jogador. Também não serão parte de um reino de sessenta,
setenta ou oitenta anos, mas de um Reino que dura para sempre. Nossa ora-
ção é que de fato, esse reino seja verdadeiramente Unido.
Rev. Ismar Lambrecht Pinz — Pelotas-RS, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 23


Lutero Rev. Dieter Joel Jagnow

A pregação
eo
pregador
Na exposição do Novo Testamento por Martinho Lutero

Introdução deste estudo é coletar estas informa-


ções esparsas, reuni-las e organizá-

Q uando alguém resolve estudar


um determinando tópico na
teologia de Lutero, ele logo vai des-
-las de uma forma coerente.
O pressuposto é que Lutero se
preocupou com a pregação e o pre-
cobrir que o Reformador raramente gador, haja vista que se considera
segue um método sistemático em que a pregação da Palavra de Deus
sua exposição. Mas se ele é pacien- foi um poderoso veículo para o mo-
te para encarar este desafio reunir vimento da Reforma Protestante.
o material esparso, certamente será A pesquisa foi limitada às expo-
recompensado. sições que Lutero fez de diferentes
Este é o caso do levantamento do textos e livros do Novo Testamen-
que Lutero fala sobre a pregação e o to.1 Como “exposição”, entende-se
pregador, objeto principal deste es-
1 O livro de Gálatas está excluído deste
tudo. A sua compreensão sobre o as- estudo, pois, na época, ele seria anali-
sunto está diluída em diferentes tex- sado em outro estudo, o que acabou
tos que produziu. O objetivo básico não acontecendo. Todavia, mesmo com

Este estudo é uma tradução de “The Preaching and the Preacher in Luther´s Exposition on the New Testament.”
Trata-se de uma pesquisa apresentada à disciplina Seminar in Practical Theology, do curso de Mestrado em
Sagrada Teologia do Concordia Seminary, Saint Louis, EUA, em fevereiro de 1991, sob a coordenação do professor
Wayne W. Schmidt. Alguns pequenos ajustes foram feitos na tradução.

24 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Lutero

aqui sermões, comentários e aulas de ponto de vista de que a pregação é


Lutero. um ofício divino e que possui alguns
O resultado deste estudo surgiu propósitos específicos.
da seguinte sistemática: a) Material
relacionado aos focos foi pesquisado 1.1. A pregação como um
e selecionado de acordo com o pro- ofício divino
pósito do tema. A fim de localizar o
material, dois procedimentos foram Em sua exposição do NT, Lute-
realizados: leituras de textos e exame ro não fala muito sobre a pregação
de índices tópicos; b) O material foi como um “ofício”. Todavia, quando
examinado e sistematizado de acor- isto acontece, é preciso ter em mente
do com o seu conteúdo peculiar; c) que a expressão “ofício da pregação”,
O material foi distribuído em uma normalmente usada por ele, não sig-
unidade com ênfases distintas, po- nifica um ofício especial, separado
rém relacionadas. que existe na Igreja Cristã. O que ele
Como pode ser observado na Bi-
bliografia, somente fontes primárias
foram utilizadas neste estudo. Além
disso, com notar que o material é
apresentado sem abordagem crítica.
Esta configuração foi escolhida para
permitir que Lutero “falasse” sobre a
pregação e o pregador.

Parte 1
A Pregação
Nesta primeira parte do estudo,
iremos ver o que Lutero tem a dizer
sobre a pregação em sua exposição
do Novo Testamento. Seus pensa-
mentos podem ser considerados do

a ausência deste livro, é perfeitamente


possível abranger-se a essência de Lute-
ro acerca do tema.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 25


Lutero

deseja dizer, na verdade, é que este A pregação, diz Lutero, é um


ofício é sempre sinônimo de “ofício ofício divino pelo fato de que é
do ministério pastoral” ou “minis- um serviço que provém de Cristo,
tério pastoral público”. Parece que é ordenado por ele, e não é algo de
Lutero segue esta linha por causa da procedência humana em direção a
importância que ele dá à pregação da Cristo.4 Foi Deus quem “estabele-
Palavra de Deus no ministério pas- ceu o ministério da pregação oral,
toral. instituiu o Sacramento e ordenou
Em um sermão baseado em João a absolvição.”5 Assim, aqueles que
10.1-11, ele diz que o ofício da pre- querem ser pregadores de Cristo
gação é o mais importante na Cris- precisam ser enviados por ele, assim
tandade. Ele exemplifica, dizendo como ele foi enviado por Deus e pre-
que o apóstolo Paulo teve altíssima gou a sua Palavra.
estima por este ofício, pois por meio É por esta razão, afirma Lutero,
dele a Palavra de Deus é proclama- que Paulo se autodenomina
da.2 “ministro de Cristo” e chama o seu
A mesma ideia pode ser encon- ofício como um “serviço ou ministro
trada em outro sermão (Mateus de Cristo”.6 Isto significa que Cristo
7.22,23). Aqui, ele diz que a admi- enviou seus “oficiais” para servir as
nistração da Palavra e do Sacramen- pessoas com a sua mensagem. Ele
to (que trazem pessoas à fé em Jesus, continua: Se eles são verdadeiros
libertam da morte eterna e as levam ministros (ou pregadores), eles não
para a vida eterna no céu) é o maior podem pregar os seus próprios in-
trabalho que acontece na terra; ela
ultrapassa todos os sinais e maravi- será citada como AE. Este sermão per-
lhas externas.3 tence ao comentário de Lutero sobre o
Sermão do Monte, baseado em uma
2 Sermons of Martin Luther, vol. III, série de sermões que ele pregou em
Sermons on Gospel Texts — Pente- Wittenberg e publicado em 1532.
cost. Lenker, John, ed. Grand Rapids: 4 Lutero, Sermons on Epistle Texts For
Baker, 1983, pág. 373 — a partir daqui Advent and Christmas, Sermões VI,
citado apenas como Sermões. Lutero pág. 66.
pregou este sermão em 1522, em Wit- 5 Lutero, Sermons on the Gospel of St.
tenberg. John, Chapters 1. Pelikan, Jaroslav,
3 Luther´s Works, American Edition, ed. AE, vol. 22. Saint Louis: Concordia,
vol. 21, The Sermon on the Mount 1957, pág. 368. Em um sermão com
and the Magnificat. Pelikan, Jaroslav, base em João 3.17, pregado em setem-
ed. Saint Louis: Concordia, 1956, págs. bro de 1538.
276, 277. Esta coleção a partir daqui 6 Lutero, Sermões,Vol.VI, pág. 66

26 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Lutero

teresses ou doutrinas, mas a Palavra surgir se é verdade que todos os cris-


de Deus; e por meio do seu ofício tãos são sacerdotes e devem pregar?
da pregação não podem convocar Lutero concorda que, caso isto seja
pessoas para serem leais a eles, mas assim, a anarquia vai reinar na Igreja.
para seguir a Cristo, o único e gran- Por isto, ele explica que um cristão
de Líder. não tem mais autoridade do que ou-
Em um sermão com base em Atos tros cristãos. Por esta razão, ele não
10, Lutero afirma que Deus orde- pode pregar na Igreja sem consenti-
nou que o Evangelho fosse pregado mento comum.
ao mundo, para a salvação de mui- Para Lutero, alguns dos termos
tos. Esta é a razão porque o ofício básicos relacionados com o ofício da
da pregação também é chamado de pregação são “chamado”, “comissão”,
“o ministério da reconciliação”, pois “indicação”. Em seu sermão com
as bênçãos da Palavra são levadas às base em João 10.1-119, ele deixa cla-
pessoas por meio deste ofício.7 ro que ninguém deveria entrar neste
Lutero deixa este ensino bíbli- ofício por conta própria e sem uma
co mais claro quando ele fala sobre “comissão” dos que detém a auto-
o “sacerdócio de todos os cristãos”. ridade. Na Igreja é necessito existir
Este ensino bíblico diz que todos os ordem. Deus quer que, por meio de
cristãos podem pregar — eles têm o consentimento comum, uma seleção
direito de serem sacerdotes e prega- seja feita e um dos membros pregue
ram a Palavra. O verdadeiro sacerdó- aos demais. No rito da ordenação, os
cio de todos os crentes abrange sacri- membros concedem uma “vocação”
fícios espirituais diante de Deus, ou especial aos que escolhem, e os que
seja, orar em favor da Igreja e pro- são “chamados” desta forma procla-
clamar a sua Palavra.8 Todavia, fica a mam a Palavra de Deus.10
questão: que tipo de situação pode Desta forma, em um sermão ba-
seado em Mateus 5.1,2, ele diz que se
7 Lutero, Sermons on Epistle Texts for alguém não quer ou não pode ir ao
Epiphany, Easter, and Pentecost, Ser-
mões, vol. VII, pág. 196. O texto deste púlpito publicamente, ele deveria se
sermão é Atos 10.34-43. manter calado.11 Na Igreja não exis-
8 Lutero, The Catolic Epistles. Jaroslav
Pelikan, ed. Saint Louis: Concordia, 9 Lutero, Sermões, III, pág. 373.
1967, AE, págs. 30, 54. Este sermão 10 Lutero, AE, vol. 22, pág. 479. Em um ser-
está incluído em seu comentário “ser- mão baseado em João 3.34 e pregado
mônico” sobre 1 Pedro e provavelmente por Lutero em 1538.
foi pregado em 1522. 11 Lutero, AE, vol. 21, pág., pág. 7.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 27


Lutero

dor.
A sua argumentação sobre mu-
lheres como pregadoras aparece
logo no começo do sermão. A pas-
sagem bíblica básica que ele utiliza é
o primeiro versículo de João 10: “Je-
sus disse: Eu afirmo a você que isto é
verdade: quem não entra no curral
das ovelhas pela porta, mas pula o
muro é um la-
drão e bandido.”
Todos os
cristãos têm a or-
dem de pregar, ele
diz. Isto está claro em 1
Pedro 2.9,10. Todavia, os
que querem ser pregadores (ou
ministros) precisam ser regular-
te alguma coisa que alguém possui mente chamados e indicados.
ou faz por si mesmo; tudo pertence No segundo ponto de sua expo-
a todos. Assim, o ministro pastoral sição, Lutero pergunta: Se todos os
prega pela “comissão” dos membros, cristãos tem esta autoridade de pre-
e quando ele faz isto, não é obra sua, gar, o que dizer das mulheres? Isto
mas em favor de toda a congregação. deveria ser permitido a elas? Não,
Considerando o fato do sacerdó- não assim, ele responde. De acor-
cio de todos os crentes, uma pergun- do com 1 Coríntios 14.34, Lutero
ta necessária é: uma mulher poderia continua, as mulheres não podem
ocupar este ofício, ser pregadora? se postar à frente como pregadoras
Lutero lida com a questão em dois em uma congregação de homens.
diferentes sermões: João 10.10 e 1 Ao contrário, elas deveriam estar su-
Pedro 2.1-5. jeitar aos seus maridos, aprender em
O sermão baseado em João foi silêncio, com toda a submissão (cf. 1
pregado por Lutero em 1522. É um Timóteo 2.11,12).
dos seus sermões mais importantes Mas existe uma exceção, ele con-
acerca do ofício do ministério, par- tinua: “Se acontecesse... que ne-
ticularmente do pastor como prega-
28 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
Lutero

nhum homem pudesse ser escolhido ser autorizada a pregar.”13


para o ofício, então uma mulher po-
deria se levantar e pregar aos demais 1.2. A pregação e o seu
o melhor que pudesse...”12 propósito
O outro sermão, com base em 1
Pedro, foi provavelmente pregado Nesse segundo ponto da primei-
por Lutero em 1522. Neste, ele ex- ra parte do estudo, iremos lidar com
põe argumentos parecidos como no a seguinte questão: por qual razão
sermão citado acima. ou propósito Cristo estabeleceu o
Ele diz que todos os cristãos são ofício do ministério pastoral ou da
sacerdotes e que podem pregar; esta pregação? Lutero fornece algumas
autoridade pertence ao verdadeiro respostas em diferentes momentos
sacerdócio da Igreja. Todavia, quem da sua exposição do Novo Testa-
vai pregar precisa ser escolhido por mento.
todo o grupo. Em um sermão com base no
Na sequencia, Lutero argumenta Evangelho de João, Lutero diz que
não é possível fazer distinção entre a pregação existe como um instru-
os cristãos. Diante de Deus, homens mento para a proclamação da Pala-
e mulheres, servos e senhores, jovens vra de Deus, particularmente o seu
e adultos são todos iguais como um amor redentor em Jesus Cristo.14 O
povo espiritual; eles todos são sacer- Evangelho é eficaz para a salvação
dotes e podem proclamar a Palavra de qualquer pessoa que crê nele. A
de Deus. Todavia, a mulheres não graça de Deus é oferecida aos seres
deveriam “falar” na congregação. humanos por meio do Evangelho e
Isso é o que Paulo ensina em 1 Co- da pregação sobre Jesus Cristo.15
ríntios 1.34. Deus quer que elas se- Entendimento semelhante é en-
jam obedientes aos seus maridos e contrado em um sermão com base
que deixem os homens pregarem. em 1 Pedro 1.3-9. Aqui, Lutero afir-
Esta é a ordenança geral estabele- ma que “... chegamos à fé por meio
cida por Deus em relação a este as- da pregação do Evangelho...”16
sunto. Todavia, continua Lutero, em
locais onde “somente mulheres esti- 13 Lutero, AE, vol. 30, pág. 374.
14 Lutero, AE, vol. 22, pág. 368. Em um
verem presentes, como em conven- sermão baseado em João 3.17, pregado
tos, então uma das mulheres pode em 1538.
15 Lutero, AE, vol. 30, pág. 32.
12 Lutero, Sermões, vol. III, pág. 374. 16 Lutero, AE, vol. 30, pág. 17.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 29


Lutero

Pregando sobre Atos 9.1-22, Lu- pergunta “por que razão Cristo tem
tero diz: sido tão cuidadoso em ordenar a
Pois nosso Senhor não tem a pregação da sua Palavra”? O Refor-
intenção de fazer alguma coi- mador responde em sua exposição
sa especial por qualquer um, de Hebreus 3.13: porque a Palavra
mas ele dá o seu Batismo e o seu de Deus é a única forma de fortale-
Evangelho para o mundo todo, cer o coração de uma pessoa; é um
tanto para uma como para pão celestial, que é dado por meio da
outra pessoa. Assim podemos pregação.19 Ideia semelhante Lutero
aprender como devemos ser sal- expressa em sua exposição de 1 Pe-
vos; e não devemos esperar para dro 2.1-5.20
ver se Deus vai fazer alguma A seguinte citação direta de Lu-
coisa nova ou enviar um anjo tero pode servir um resumo do seu
do céu. Pois o que ele quer é que entendimento sobre a pregação e o
ouçamos o Evangelho daqueles pregador:
que o pregam.17 Meu ofício, e o de cada prega-
dor e ministro, não consiste em
Como fica evidente, para Lutero qualquer tipo de senhorio, mas
ofício do ministério tem a função de servir a vocês todos, para que
de servir a todos os seres humanos. aprendam a conhecer a Deus,
Este serviço pode ser realizado por sejam batizados, tenham a
meio de ensino, instrução e exor- verdadeira Palavra de Deus, e
tação usando a Palavra de Deus. E, finalmente sejam salvos... tra-
diz Lutero, ele deve ser oferecido a zer vocês, junto comigo, sob um
todos livre e gratuitamente.18 só Senhor, que é chamado de
Outro aspecto relacionado com Cristo. Além deste serviço, não
o propósito da pregação também busco mais nada.21
é mencionado por Lutero: que ela
é instrumento para fortalecer a fé 19 Lutero, Lectures on Titus, Philemon,
dos filhos de Deus. Respondendo a and Hebrews. Pelikan, Jaroslav, ed.
Saint Louis: Concordia, 1967. AE,
vol. 29, pág. 154. Lutero lecionou sobre
17 What Luther Says, vol. II. Plass, Hebreus de abril de 1517 a março de
Ewald, ed. Saint Louis: Concordia, 1518.
1959, pág. 951. 20 Lutero, AE, vol. 30, pág. 52
18 Ibid., pág 951. Em um sermão pregado 21 What Luther Says, op. cit., págs. 924,
por Lutero em 5 de dezembro de 1917, 925. Em um sermão baseado em Ma-
com base em Mateus 20.24-28. teus 20.24-28 e pregado por Lutero em

30 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Lutero

Parte 2 Em função disto, o pregador pre-


cisa ser certeza desta realidade.22 E
O Pregador mais: ele precisa estar certo de que
Como pode ser observado na ele é chamado para desempenhar o
Parte I deste estudo, Martinho Lu- seu ofício em determinado local. Esta
tero não faz uma distinção entre a ideia foi desenvolvida por Lutero em
pregação e o pregador. Normalmen- um sermão baseado em João 7.16-
te um termo segue o outro ou ambos 18. A certa altura, ele comenta:
aparecem juntos no mesmo contex- Eu não devo pregar sem um
to. Mesmo assim, esta Parte II terá o chamado. Eu não devo ir para
seu foco centrado no pregador, sua Leipzig ou Magdeburgo com o
vida e sua atuação. propósito de pregar lá, pois eu
não tenho o chamado e nem o
2.1. O pregador e sua ofício que me levem para estes
locais. Sim, mesmo se eu ouvir
identidade que nada além de heresia exis-
Nesta seção iremos ver alguns as- ta no púlpito de Leipzig, eu te-
pectos relacionados com o pregador ria de deixa-la continuar. Não
e sua identidade, de acordo com Lu- é da minha conta... Eu não
tero. O termo “identidade” é utiliza- semeei lá. Consequentemente,
do aqui em um sentido amplo, isto não posso colher lá. Mas se
é, basicamente o que o pregador “é” Deus me ordenar, então eu
e “deveria ser” diante de Deus. iria, deveria ir... O primeiro
requisito é o chamado.23
2.1.1. O pregador
precisa ser uma pessoa Se o pregador precisa ser cha-
mado, que é que o chama? Lutero
“chamada”
não tem dúvida de que o pregador é
Antes de qualquer coisa, diz chamado diretamente pelo próprio
Lutero, o pregador precisa ter um Deus. Em seu sermão com base em
chamado para entrar no ofício da
pregação ou do ministério pastoral. 22 Lutero, Sermons on the Gospel of St.
Pertence à sua natureza ou identida- John, Chapters 6-8. Pelikan, Jaroslav,
de ser uma “pessoa chamada”. ed. Saint Louis: Concordia, AE vol. 23,
pág. 227. Este sermão foi pregado em
julho de 1531.
1537. 23 Lutero, AE, vol. 23, págs. 227, 228.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 31


Lutero

João 3.34, ele diz que Deus tem duas irá operar a sua obra nela por
formas de enviar: direta e indireta- meio de pregadores.26
mente. Ele usou a primeira forma de
envio quando chamou os profetas e Sendo27 instrumento de Deus,
apóstolos. A segunda é utilizada por continua Lutero, o pregador é, natu-
Deus por meio de instrumentalida- ralmente, um “anjo”. Claro, ele não
de humana.24 Isto significa que um é um “anjo” no sentido espiritual,
chamado legítimo feito por uma mas um “mensageiro de Deus”. Isto
congregação (veja Parte I, 1.) tem o significa que o pregador apenas é
mesmo valor como se tivesse feito um canal por meio do qual Cristo
pelo próprio Deus.25 transmite o seu Evangelho, do Pai
para o povo. Por conseguinte, a “lín-
2.1.2. O pregador como gua, a voz, as mãos, etc. são de um
instrumento de Deus ser humano; mas a Palavra e o minis-
tério são, de fato, da própria Divina
Se o pregador é chamado pelo Majestade.”28
próprio Deus, então ele é um instru- Lutero expande esta argumen-
mento, um veículo dele, diz Lutero. tação em sua exposição de 1 Pedro
É claro que Deus pode fazer todas 3.19-22,onde diz que o próprio Jesus
as coisas sem a instrumentalidade vem e está espiritualmente presente
humana, mas ele não tem a intenção sempre que o pregador proclama as
de fazer isto. Ele quer usar a Palavra suas Palavras. Cristo fala e prega aos
externa e quer corações das pessoas no mesmo mo-
... empregar pregadores como mento em que o pregador entrega as
assistentes e colaboradores suas palavras de forma oral e física às
para executar o seu propósito
por meio das palavras deles... 26 What Luther Says, op. cit., vol. III,
Como, então, os pregadores pág. 1118. Citado de um sermão prega-
do por Lutero com base em 2 Coríntios
têm o ofício, o nome, a honra 6.1-10
de serem assistentes de Deus, 27 Lutero, AE, vol. 30, pág. 177. No comen-
nenhuma pessoa é tão letrada tário de Lutero sobre 2 Pedro 2.6, em
janeiro de 1523.
ou santa que possa negligenciar 28 Lutero, Sermons on the Gospel of St.
ou despreza a pior pregação; John, Chapters 14-16. Pelikan, Jaroslav,
pois ela não sabe quando Deus ed. Saint Louis: Concordia, 1961, AE, vol.
24, pág. 67. Em um sermão com base
24 Lutero, AE, vol. 22, pág. 482. em João 14.10, provavelmente pregado
25 Ibid., pág. 479. por Lutero em 1537.

32 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Lutero

pessoas.29 tram que o pregador não é autossu-


O pregador também é um “ad- ficiente, mas que a sua suficiência é
ministrador” de Deus, diz Lutero e precisa e ser Deus (cf. 2 Coríntios
em seu comentário de Tito 1.7. Ele 3.5). Deus atua por meio do prega-
é o “mordomo” a quem Deus con- dor e a sua obra é realizada por meio
fiou todas as coisas. Ele tem em suas dele. Por esta razão, o pregador não
mãos a propriedade de Cristo, ou pode se vangloriar de que “é a minha
seja, o Evangelho e os Sacramen- mente, a minha sabedoria, a minha
tos.30 Ele recebeu estas bênçãos a fim habilidade”.32
de distribuí-las para a sua família e
irmãos. Isto significa que o prega- 2.1.3. O pregador precisa
dor precisa considerar a pregação conhecer a Palavra de
da Palavra e a administração dos Deus
Sacramentos como sendo parte vital
do seu ministério. Fazendo assim, o Outro ponto lembrado por Lute-
pregador faz uso correto dos “talen- ro é que o pregador precisa conhecer
tos” do Senhor.31 a Palavra de Deus, já que toda a sua
Estas palavras de Lutero mos- pregação está relacionada com ela.
Em um sermão com base em 1 Ti-
29 Lutero, AE, vol. 30, págs. 114, 115. móteo 1.18-20, ele diz que pertence
30 Isto é, o ministro o tem em suas mãos à identidade do pregador conhecer
porque é chamado pela congregação
para administrar a Palavra e os Sacra-
a Escritura e ser “poderoso” nela. O
mentos.
31 Lutero, AE, vol. 51, pág. 224. Em co- 32 Ibid., pág. 224. Sermão pregado por
mentário sobre Tito 1.7, provavelmente Lutero em 27 de agosto de 1531, com
apresentado em 1527. base em 2 Coríntios 4.1-5.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 33


Lutero

que Cristo quer é que pessoas que e viva como cristão. Somente onde
conhecem a Palavra — que estejam “doutrina e obras concordam, fruto
equipadas com elas e sejam capazes é produzido.”36
que defender a causa de Deus.33 To- Se o pregador deseja ser fiel,
davia, admoesta o Reformador, o então ele precisa ser capaz de en-
pregador precisa reconhecer que o frentar um vício muito comum: o
dom de ser “letrado” vem apenas de orgulho. Pregadores talentosos, diz
Deus. É ele quem torna uma pessoa Lutero, são especialmente sujeitos à
“letrada” e a escolher para o ofício. tentação de glorificar a si próprios.
Sendo assim, o pregador jamais de- Quando alguém descobre que pos-
veria depender de suas habilidades, sui a habilidade de ensinar, tem uma
pois é o Espírito Santo que o ensina voz habilidosa, e é um bom orador,
na fé e na pregação.34 facilmente ele se torna orgulhoso.
Tão cedo ele é aplaudido e louvado
2.1.4. O pregador precisa pela sua habilidade, “ele não sabe
ser fiel se está caminhando na terra ou nas
nuvens.”37
A fidelidade é uma caracterís-
Pregadores orgulhosos, continua
tica requerida do pregador, afirma
Lutero, estão mais preocupados com
Lutero. Existem quatro marcas que
a sua própria honra e bem-estar do
deveriam ser encontrada em um ver-
que com a glória de Deus e o bene-
dadeiro pregador: se ele entrega aos
fício dos seus ouvintes. Com esta in-
seus seguidores a Palavra de Deus,
fidelidade, eles causam o maior dano
se ele prega o Evangelho, se ele des-
aos seus ouvintes. O que “bons, pie-
pensa os mistérios de Deus, e se ele
dosos e fieis professorem fizeram e
é fiel.35 Ele precisa ser fiel aos seus
plantaram e construíram durante
ouvintes, ao seu trabalho e, acima
um longo período de tempo, com
de tudo, a Deus. Se fiel também sig-
grande esforço e trabalho, eles der-
nifica que o pregador seja capaz de
rubam e desperdiçam em pouco
praticar o que ele prega; que pregue
tempo.”38
33 What Luther Says, op. cit., vol. II, pág.
935. Sermão pregado por Lutero em 36 What Luther Says, op. cit., vol. II, pág.
março de 1525. 934. Em um sermão com base em Ma-
34 Ibid., pág. 935. teus 8.1-13.
35 Lutero, Sermões, vol.VI, pág. 74. Em um 37 Ibid., vol. III, pág. 1123. Em um sermão
sermão baseado em 1 Coríntios 4.1-5 e com base em 1 Pedro 4.10.
pregado pelo Reformador em 1522. 38 Ibid., pág. 1123.

34 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Lutero

2.1.5. O pregador e a e fieis pregadores: “Como é bonito


natureza do seu trabalho. ver um mensageiro correndo pelas
montanhas, trazendo notícias de
O pregador que é chamado por paz, boas novas de salvação...” (Isaías
Deus, é seu mensageiro, prega a sua 52.7, NTLH). A vinda de pregado-
Palavra e é fiel, deveria saber e ter a res de coisas boas (isto é, o Evange-
confiança de que ele realiza o maior lho) é algo desejável para aqueles
trabalho na terra e vai além de todas que estão sendo torturados pelos
as maravilhas. Não existe trabalho seus pecados e oprimidos pela sua
maior e mais sublime do que pregar consciência. Os pés dos pregadores
o amor de Deus em Jesus Cristo, são chamados de “belos“ porque não
enfatiza Lutero. Este é o melhor e pregam o Evangelho para vantagem
maior serviço que pode ser tributa- própria ou glória vazia. Eles pregam
do a Deus. Em um sermão com base porque são obedientes a Deus e que-
em 2 Coríntios, ele revela a sua con- rem a salvação de todos os seus ou-
fiança nesta verdade: “E não posso vintes.42
me vangloriar de coisa alguma, a não Assim, pregar o Evangelho é
ser o fato de que estou pregando por conceder aos que o ouvem o maior
causa do comando e da vontade de benefício. Esta é a “glória” do prega-
Deus; é a vontade dele, e eu sei que dor.43
não é em vão.”39
Todavia, acrescenta Lutero, ne- 2.2. O pregador e a Palavra
nhum trabalho é mais difícil do
que tornar boas outras pessoas.40 O
de Deus
ofício da pregação é árduo. 41 O pregador da Palavra de Deus
Apesar disto, entretanto, existem é um curso de água que sai do Para-
palavras de Deus para os verdadeiros íso, e é como o Nilo, que inunda o
Egito, diz Lutero. Todavia, ele acres-
39 Lutero, Sermons I. Dobberstein, centa, esta “inundação” precisa ter a
JohnW., ed. Philadelphia: Muhlen- sua fonte, que é o próprio Deus. Esta
brg, 1959. AE, vol. 51, pág. 223.
Sermão pregado por Lutero em 27 de 42 Lutero, Lectures on Romans —
agosto de 1531. Glosses and Scholia. Oswald, Hilton
40 What Luther Says, op. cit., vol. II, pág. S. Saint Louis: Concordia, 1972. AE,
951. Em um sermão baseado em Mar- vol.25, pág. 417. Exposição de Romanos
cos 8.1-9 e pregado por Lutero em 10.15.
1532. 43 Lutero, AE, vol. 25, pág. 523. Exposição
41 Lutero, AE, vol. 51, pág. 222. de romanos 15.20.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 35


Lutero

ção dos ouvintes e da Igreja.45


Assim, estudar e reter a Palavra é
vital para o pregador. Por isto, expli-
ca Lutero em sua exposição de Tito
1.9, o pregador deve lê-la e imergir-
-se constante e completamente em
suas palavras e sentenças. E mesmo
se ele conhecer toda a Escritura, ja-
mais deve parar coloca-la de lado.
“Você precisa lê-la sempre de novo,
pois esta Palavra tem o poder se es-
timular você todas às vezes. Eu te-
nho pregado o Evangelho por cinco
fonte precisa ser a fonte do prega- anos, mas eu sempre sinto uma nova
dor. Ele é chamado para conhecer chama.”46
esta fonte e pregá-la.44
2.2.2. O pregador precisa
2.2.1. O pregador precisa proclamar a Palavra de
estudar a Palavra de Deus Deus
A Palavra de Deus é o guia da Falando sobre 1 Pedro 1.16-18,
Igreja e de cada cristão. Assim, se o Lutero diz que que neste texto é es-
pregador quer ser um verdadeiro tabelecido que os apóstolos foram
mensageiro de Deus, ele precisa co- assegurados que a sua pregação era
nhecer a Palavra. Somente se estiver a Palavra de Deus. O Evangelho que
continuamente ligada a ela ele pode proclamaram não foi inventado por
pregar os santos propósitos divinos. eles ou tomado de outra fonte hu-
O Evangelho é um sermão sobre mana; era uma mensagem vinda do
Cristo, sugere Lutero; e é isto que próprio Deus.
deve ser pregado e ouvido. Quando Da mesma forma, ele continua,
a Palavra não é proclamada com se- cada pregador deveria estar certo
riedade, os ouvintes não ouvem e o
pregador fica preguiçoso; e abre-se o 45 Lutero, AE, vol. 51, pág. 265. Sermão
caminho para o colapso e a desola- baseado em 1 Timóteo 1.5-7, prega-
dor por Lutero em 24 de novembro de
44 Lutero, op. cit., pág. 156. Exposição de 1532.
Romanos 1.19. 46 Lutero, AE, vol. 29, pág. 31.

36 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Lutero

que ter e pregar a Palavra de Deus, ser provadas pela Palavra de Deus,
ao ponto de entregar a sua vida por afirma Lutero, como foi o caso dos
dela, já que é uma questão de vida ou apóstolos: “a convicção deles somen-
morte para os seus ouvintes.47 te pode ser mantida porque podia
Em um sermão baseado em Efé- ser provada da Bíblia.”50 Se o prega-
sios 5.15-21, Lutero faz a seguinte dor não pode fazer isto, ele não está
reflexão sobre o assunto: abrindo a sua boca como um mensa-
Aonde o ministério da Palavra geiro de Deus. E, acrescenta Lutero,
de Deus é preservado, sempre não existe praga pior sobre a terra do
haverá alguém entre as pessoas que um pregador que não proclama
para ouvir a pregação da Pa- o que Deus lhe ordenou que procla-
lavra e conformar a sua vida masse.51 Mas se ele pode fazer isto,
a ela. Mas quando a Bíblia então as suas palavras são palavras de
deixa o púlpito, pouca coisa Deus, ditas por ele.52 E, neste caso,
boa será alcançada, mesmo que Deus e o pregador são tornam um
um ou outro seja capaz de ler em favor da causa.53
a Escritura por conta própria
e imaginar que não precisa da 2.3. O pregador e a sua
palavra pregada.48 pregação
Certamente é verdade que, às ve- Nas seções anteriores, vimos al-
zes, as pessoas desprezam a Palavra e guns argumentos de Lutero acerca
rejeitam os pregadores que fielmen- do pregador e seu relacionamento
te proclamam a voz de Deus. Se isto com a Palavra de Deus. Nesta, vere-
não faz bem ao mundo, diz Lutero, mos alguns detalhes desta pregação
pode fazer bem aos pregadores, pois e alguns conselhos práticas que ele
isto os mantém distante de poder fornece sobre o assunto em sua ex-
arrogante e da tentação de se tornar posição do Novo Testamento.
orgulhosos.49
As palavras do pregador precisam 2.3.1 O conteúdo da
pregação
47 Lutero, AE, vol. 30, págs. 162, 163.
48 Lutero, Sermões, vol.VIII, pág. 320. 50 Lutero, AE, vol. 30, págs. 22-24
49 What Luther Says, vol. III, pág. 1121. 51 What Luther Says, op. cit., vol. III,
Em um sermão baseado em Marcos pág. 1124.
10.14-20 e pregado por Lutero em 52 Lutero, AE, vol. 22, pág. 528.
1532. 53 Lutero, AE, vol. 51, pág. 223.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 37


Lutero

Para Lutero, está claro nas Escri- mas o que Deus está fazendo
turas que o pregador é chamado para por intermédio de Cristo — o
pregar a Palavra de Deus. Mas o que que significa, logicamente, que
exatamente ele deve pregar? Qual é ele opera a fé e concede o Espíri-
ou deveria ser seu conteúdo básico? to Santo. É isto o que significa
Toda a pregação tem o propósito pregar.55
de estabelecer testemunho acerca de
Jesus Cristo nos corações das pesso- Assim, a proclamação de Jesus e
as.54 Em um sermão com base em 2 sua obra redentora deveria ser sem-
Coríntios 3.4-6, Lutero afirma que o pre o principal foco da pregação. É
pregador deveria proclamar o que também fica claro em um ser-
... o Espírito do Novo Testa- mão sobre 1 Pedro de Lutero. Falan-
mento, que é: Jesus veio por do sobre a razão do ofício, ele diz que
nossa causa e carregou os nossos ele existe para que as pessoas possam
pecados sobre si. Lá, você escu- chegar à fé em Cristo e serem salvas.
ta não o que você deveria fazer, “É isto que significa pregar o verda-
54 Lutero, AE, vol. 30, pág. 318. Exposição
deiro Evangelho. Pregação de outro
de 1 João 5.9. Lutero fez a preleção
deste livro bíblico em 1527. 55 Lutero, AE, vol. 51, pág. 227.

38 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Lutero

gênero é não é o Evangelho, e não aos ouvintes seus pecados, até que se
importa quem faz a pregação.”56 humilhem completamente. Contu-
Um pregador que não prega o do, os ouvintes que recebem apenas
que Deus determinou, não é fiel e as a Lei não podem chegar a ter verda-
suas palavras derivam de ensino hu- deira confiança em Deus; é preciso
mano. Agora, se ele proclama a voz existir algo a mais: o Evangelho.
de Cristo, não há diferença entre ou- O Evangelho é algo suave, sereno,
vir esta pregação ou ouvir ao próprio afirma Lutero. Ele declara que Deus
Salvador.57 perdoa o pecado por causa de Jesus.
Assim, deve ser pregado gentilmente
2.3.2 A correta distinção aos que estão terrificados e humilha-
entre Lei e Evangelho dos com a pregação da Lei. Não se
deve pregar a Cristo com palavras
A correta distinção entre a Lei e
furiosas, mas com serenas.60 Quando
o Evangelho que emerge das Escritu-
isto ocorre, então Cristo vem e ali-
ras é outro aspecto vital que o pre-
menta o ouvinte com o seu Evange-
gador precisa observar, diz Lutero, já
lho e anima o coração atribulado e
que cada um tem as suas característi-
machucado.61
cas peculiares.
Em um sermão com base em Lu-
A pregação denunciatória per-
cas 7.36-50, Lutero acrescenta que
tence à Lei. Ela deveria ser procla-
os pregadores precisam assistir a
mada com “trovões aos que são to-
Cristo em seu ofício de conceder e
los e teimosos.”58 A Lei mostra para
reter o perdão dos pecados; ambas as
estas pessoas o que elas são diante
mensagens precisam ser proclama-
de Deus e o que Deus vai fazer se
das. Se isto não acontece, a seguin-
continuarem em seus pecados. Além
te situação é criada: “Os pregadores
disto, o pregador também precisa
que não denunciam o pecado, des-
mostrar para elas que boas obras da
trancam o inferno e trancam o céu...
Lei não ajudam a ninguém diante de
De modo semelhante, os pregadores
Deus.59
que não perdoam o pecado destran-
Assim, a missão da Lei é revelar
cam o inferno e trancam o céu.”62
56 Lutero, AE, vol. 30, pág. 9.
57 Lutero, AE, vol. 30, pág. 5. Em um ser-
mão com base em 1 Pedro 1.1,2. 60 Lutero, AE, vol. 29, pág. 153.
58 Lutero, AE, vol. 29, pág. 143 61 Lutero, Sermões, vol. III, págs. 375-380.
59 Lutero, Sermões, vol. III, págs. 375-377. 62 What Luther Says, vol. II, pág. 952.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 39


Lutero

2.3.3. O modo da roso, amigo ou inimigo.64 Todavia,


pregação continua Lutero, uma admoestação
não deveria ser feita de uma manei-
Como um pregador deveria en- ra pública tal que todos os olhos se
tregar a sua mensagem? Como de- voltem para a pessoa admoestada. Se
veria ser o seu relacionamento com alguém é culpado, seu caso preciso
os seus ouvintes? Nesta seção vamos ser tratado da maneira bíblica, con-
verificar o que Lutero tem a dizer forme Mateus 18.15-17. Assim, em
sobre estas e outras questões relacio- vez de ser violento com as palavras, o
nadas. pregador é chamado confortar o fra-
Um ponto importante, diz o co, reanimar o contristado, admoes-
Reformador, é que o pregador não tar com brandura (cf. Gálatas 6.1).
deveria ser violento em sua prega- Em uma aula sobre 1 Timóteo
ção. Quando Paulo usa a expressão 3.3, Lutero fala sobre o mesmo as-
“não violento” (Tito 1.8), ele não se sunto. Ele diz que o pregador precisa
refere à violência física, mas aquele ir contra as faltas públicas, mas não
praticada contra a consciência de al- as privadas. Se ele transforma ques-
guém — quando o pregador admo- tões particulares em problemas pú-
esta sem misericórdia. Esta pode ser blicas, irá causar muitos problemas
chamada de “violência das palavras”, entre os seus ouvintes.65
e é um grande vício de muitos prega- De outro lado, diz Lutero, o pre-
dores. Quando eles estão no púlpito, gador que está certo da sua doutri-
por exemplo, atacam os magistrados na precisa pegá-la com vigor e sem
e insinuam o povo comum não tem medo; ele precisa abrir a sua boca,
falhas. Ou atacam o povo comum e pois isto faz parte da sua responsabi-
bajulam os magistrados. Em ambos lidade. Em um sermão com base em
os casos estes pregadores são sedicio- Mateus 5.1,2, ele diz que
sos.63 ... é um grande entrave para
Certamente todas as pessoas pe- um pregador se ele olha ao seu
cadoras devem ser admoestadas. O redor e se preocupa com o que
pregador precisa denunciar qual- o povo gosta ou não de ouvir,
quer um que precisa ser — grande ou que pode deixa-lo impo-
ou pequeno, rico ou pobre ou pode- pular ou trazer perigo para si.

64 Lutero, AE, vol. 29, pág. 28.


63 Lutero, AE, vol. 29, págs. 26, 28. 65 Lutero, AE, vol. 28, págs. 286, 287

40 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Lutero

Enquanto está alto em uma têm a liberdade de crer — ou não.68


montanha, em um local pú- Em sua pregação, o ministro da
blico, e olhar livremente ao Palavra pode fazer uso de alegorias
seu redor, assim ele deveria fa- e ilustrações, diz Lutero em sua ex-
lar com liberdade e não temer planação de 1 Coríntios 15.34-38.
ninguém...66 Estes meios são utilizados que os
ouvintes retenham melhor a dou-
Falando sobre as palavras de 1 trina e a tenham sempre em mente.
Pedro 2.2 (“Sejam como criancinhas Todavia, ele conclui, estes recursos
recém-nascidas, desejando sempre somente são úteis aos que já creem
o puro leite espiritual...”), Lutero em Cristo como seu Salvador.
afirma que a pregação agradável é e
suave como o leite acontece quando 2.4. O verdadeiro e o falso
alguém prega o amor de Deus em
Jesus Cristo. Entretanto, ele acres-
pregador
centa, o mesmo pregador também Nesta última seção deste estudo
precisa proclamar a cruz. O proces- veremos algumas coisas que Lutero
so, então, seria idealmente este: o tem a dizer sobre os verdadeiros e os
pregador precisa pregar gentilmen- falsos pregadores. Na seções anterio-
te aos cristãos novos e fracos (isto res, vimos algumas características de
é, não pregar doutrinas difíceis). ambos os tipos de pregadores, espe-
Primeiro eles precisam crescer no cialmente do “verdadeiro”. Aqui, ire-
conhecimento de Cristo e somente mos adicionar alguns detalhes perti-
então eles podem ser “sacrificados na nentes ao tópico.
cruz”.67 Pregando com base em 2 Co-
Outro ponto destacado por Lu- ríntios 3.4-6, Lutero observa que
tero é que o pregador precisa saber é possível encontrar dois tipos de
que ele não pode forçar alguém a pregadores. Primeiro, aqueles que se
crer em sua pregação. Os ouvin- autoqualificam e pregam qualquer
tes devem ser permitidos a seguir a coisa que desejam pregar. O segun-
Cristo com o coração voluntário e a do tipo é totalmente diferente. Estes
partir da sua própria vontade, e não pregadores sabem que não são au-
por medo, força ou vergonha. Eles tossuficientes, mas que a sua habili-
dade e autoridade estão baseados em
66 Lutero, AE, vol. 21, pág. 9. Em um ser-
mão baseado em Mateus 5.1,2.
67 Lutero, AE, vol. 30, pág. 49. 68 Lutero, AE, vol. 28, pág. 175.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 41


Lutero

Deus e em suas palavras. Estes são os Em outro sermão, ele coloca que
“bons pregadores”, afirma o Refor- o pregador que tentar estabelecer
mador.69 algo diferente ou separado do seu
Em um sermão sobre João 8.12, ofício não mais é um verdadeiro pro-
Lutero diz que o verdadeiro prega- feta.71 A verdadeira pregação somen-
dor precisa estar convencido de que te ocorre quando o Espírito Santo
a sua doutrina e mensagem é bíblica está presente, articula e prega; e ele
e que ele quer proclamar a Palavra de está presente se a Palavra é pregada
Deus. Se é assim, ele precisa se “van- em sua pureza. Sem a presença dele,
gloriar” e dizer que é um pastor ge- ninguém pode pregador a Palavra
nuíno, enviado por Deus. Se ele não adequadamente.72
pode se “vangloriar” disto, então ele A oposição que existe entre os
é um traidor, um falso pregador.70
71 Lutero, AE, vol. 21, págs. 275-277.
69 Lutero, AE, vol. 51, pág. 224. 72 Lutero, AE, vol. 51, pág. 111.
70 Lutero, AE, vol. 23, pág. 321.

42 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Lutero

desonra a Deus.
O verdadeiro pregador, contudo,
o que deseja fazer é procurar a pro-
moção de Deus e a sua glória. A sua
motivação é estar devotado a Deus,
e não a si próprio. E por esta causa
ele sobre até mesmo reprovação e
vergonha.74
Assim, os falsos pregadores são
falsos e verdadeiros pregador é mui- um grande perigo para a fé dos cris-
to clara, afirma Lutero. Os falsos tãos. Eles tentam destruir a raiz, a
proclamam algo parecido com isto: origem da salvação. Se os seus ou-
“Na verdade, vocês são cristãos, mas vintes acreditam no que eles procla-
isto não é o suficiente. Em adição, mam, então creem falsamente e seria
vocês precisam realizar tais e tais melhor se não cressem.75
obras.” Os verdadeiros proclamam Por esta razão, diz Lutero, os cris-
algo totalmente diferente: “Vocês tãos precisam estar alertas. Estes fal-
são já cristãos... Todos vocês têm sos pregadores podem semear mais
um Cristo, um Batismo, uma fé, um veneno do que os bons pregadores
Espírito, um Deus. Assim, nenhu- semear a semente sagrada. “Um
ma obra ajuda a tornar alguém um falso pregador causa um mal maior
cristão.”73 com um sermão do que um verda-
Lutero também mostra que al- deiro pregador causa o bem com dez
guém pode ver as características sermões.”76
distintivas entre os dois tipos de pre-
gadores a partir da motivação que Conclusão
eles têm. O falso busca o seu próprio
bem e a sua própria honra. Motivado Os pensamentos de Martinho
pela autopromoção, ele apenas prega Lutero incluídos nesta pesquisa não
o que é agradável ao povo, e não o 74 Lutero, Sermões, vol VII, pág.s 107,
que Deus quer de seus mensageiros. 108.
Agindo assim, ele não apenas seduz 75 Lutero, AE, vol. 25, pág. 430. Na exposi-
ção de Lutero de Romanos 10.24.
as almas para satisfazer os seus pró- 76 What Luther Says, op.cit., vol. III,
prios propósitos, mas especialmente pág. 1124. Em um sermão baseado em
Filemon 3.17-21 e pregador por Lutero
73 Lutero, AE, vol. 20, pág. 169-171. em 1530.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 43


Lutero

se constituem em todo o material é _____. Luther’s Works, American Edi-


tion, vol. 24, Sermons on the Gospel
que possível encontrar sobre a pre- of St. John, Chapters 14-16. Pelikan,
gação e o pregador em sua exposição Jaroslav, ed. Saint Louis: Concordia,
do Novo Testamento. Eles foram se- 1961.
_____. Luther’s Works, American Edi-
lecionados como sendo alguns dos tion, vol. 25, Lectures on Romans —
mais representativos e são o suficien- Glosses and Scholia. Oswald, Hilton
s, ed. Saint Louis: Concordia, 1972.
te para dar ao menos uma ideia geral _____. Luther’s Works, American Edi-
sobre a importância e amplitude do tion, vol. 28, Commentaries on 1
Corinthians 7, 1 Corinthians 15,
tema para o Reformador. Lectures on 1 Timothy. Oswald,
A pregação da Palavra de Deus Hilton s, ed. Saint Louis: Concordia,
1973.
hoje é tão vital como foi na época da _____. Luther’s Works, American Edi-
Reforma e em todos os tempos do tion, vol. 29, Lectures on Titus, Phile-
Cristianismo. A necessidade de pre- mon, and Hebrews. Pelikan, Jaroslav,
ed. Saint Louis: Concordia, 1967.
gadores dedicados e fieis continua _____. Luther’s Works, American Edi-
a mesma. E o que Lutero observou tion, vol. 30, The Catholic Epistles.
Pelikan, Jaroslav, ed. Saint Louis:
na sua época, a partir das Escrituras Concordia, 1967.
e incluído neste estudo, é útil para a _____. Luther’s Works, American Edi-
tion, vol. 51, Sermons I. Dobberstein,
liberação da voz de Deus em todos John W. Philadelphia: Muhlenberg,
os tempos. 1959.
Rev. Dieter Joel Jagnow é jornalista e pastor da Igreja _____. Luther’s Works, American Edi-
Evangélica Luterana do Brasil em Ribeirão Preto-SP, tion, vol. 52, Sermons II. Hillerbrand,
Hans, ed. Philadelphia: Muhlenberg,
além de participar da equipe editorial da Revista. 1964.
Teologia. _____. Sermons of Martin Luther, vol. 3,
Sermons on Gospel Texts — Pente-
cost. Lenker, John N., ed. Grand Ra-
Bibliografia pids: Baker, 1983.
_____. Sermons of Martin Luther, vol. 6,
LUTERO, Martinho. Luther’s Works, Sermons on Epistle Texts for Advent
American Edition, vol. 21, The Ser- and Christmas. Lenker, John N., ed.
mon on the Mount and the Magnifi- Grand Rapids: Baker, 1983.
cat. Pelikan, Jaroslav, ed. Saint Louis: _____. Sermons of Martin Luther, vol. 7,
Concordia, 1956. Sermons on Gospel Texts for Epi-
_____. Luther’s Works, American Edi- phany, Easter, and Pentecost. Lenker,
tion, vol. 22, Sermons on the Gos- John N., ed. Grand Rapids: Baker,
pel of St. John, Chapters 1-4. Pelikan, 1983.
Jaroslav, ed. Saint Louis: Concordia, _____. Sermons of Martin Luther, vol. 8,
1957. Sermons on Epistle Texts for Trinity
_____. Luther’s Works, American Edi- Sunday to Advent. Lenker, John N.,
tion, vol. 23, Sermons on the Gos- ed. Grand Rapids: Baker, 1983.
pel of St. John, Chapters 6-8. Pelikan, WHAT LUTHER SAYS. 3 volumes. Plass,
Jaroslav, ed. Saint Louis: Concordia, Ewald M, ed. Saint Louis: Concordia,
1959. 1959.

44 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Abuso sexual
A declaração da Xuxa revelando ter sido vítima de abusos sexuais quando
criança alimentou comentários e reflexões sobre o assunto, que efetivamente
é uma triste e dura realidade.
Convido a sociedade a repensar a maneira que lidamos com a sexualidade
— e acuso, em especial, a pornografia como grande alimentadora dos abu-
sos, pois a pornografia trata a sexualidade de maneira extremamente vulgar.
Toda vez que um estuprador é preso, a polícia encontra em sua casa uma
grande quantidade de material pornográfico, o que revela que minha acusa-
ção é fundamentada e não está apenas no mundo das ideias.
O que quero denunciar aqui é que os abusos sexuais estão sendo alimen-
tados pela maneira como estamos vivendo. A mesma sociedade que reclama
é a que alimenta essa situação. Desde já deixo claro que a sexualidade é dom
de Deus — não é pecado, mas sim a promiscuidade, tão comum em nossos
dias.
Sei que os abusos acontecem desde que o pecado entrou no mundo, mas
nos últimos tempos, cada vez mais temos tratado a sexualidade como algo
descartável. Os aliciadores à prostituição são mais diretos e criativos. A in-
dústria pornográfica é uma das mais lucrativas! Propagandas recheadas de
erotismo barato são veiculadas diante de crianças e adolescentes. Músicas
praticamente incentivam o abuso! Não tenho dúvidas, que tudo isso ali-
menta mentes desequilibradas. O resultado é que mulheres e crianças são
estupradas, casamentos são desfeitos, doenças sexualmente transmissíveis
multiplicam-se, e o dilema social das mães carentes e solteiras aumenta con-
sideravelmente.
Enquanto a pornografia é aceita e difundida, a Palavra do Criador é con-
siderada babaquice e até mesmo é proibida em instituições.
Fidelidade? Amor e respeito? Isso são coisas para os caretas! Porém, ouso
dizer que os chamados caretas vivem com mais intensidade e felicidade a
sua vida sexual em seus casamentos, uma vez que ela não acaba no final de
uma festinha, mas permanece estável em um relacionamento recheado de
sentimentos nobres e constantes, sem aquele vazio de quem foi usado, sem
aquele medo de ser descartado!
O devaneio dos abusadores e os traumas dos abusados podem ser tratados
a partir do rigoroso amor de Deus, que nos presenteia com a alegria do cor-
reto “uso” da sexualidade e com o amor de Jesus, que morreu na cruz, para
pagar o preço pelos “abusos” da humanidade e dar uma esperança aos que
desejam recomeçar suas vidas.
Rev. Ismar Lambrecht Pinz — Pelotas-RS, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 45


Evangelismo Rev. Horst R. Kuchenbecker

Prosel
Evangelismo X Proselitismo
Introdução a casa, colocando seus folhetos. Só
não crê, quem não quer. Ou vamos

F ala-se muitos em evangelização:


Levar a boa nova da graça de Je-
sus aos corações. Jesus o ordenou à
nós também nos precipitar numa
ofensiva chamada de “evangelismo”,
que, na verdade, é proselitismo?
sua igreja. (Mt 28.18-20; Mc 16.15-
16) Não podemos, no entanto, es- 1. Proselitismo
quecer que vivemos num país cris-
tão. Isto nos coloca diante de uma Proselitismo! O que é isso? A
série de perguntas quando falamos palavra “prosélito” é aquele que se
em evangelizar. aproxima. Na Bíblia, “fazer prosé-
Olhe para o seu bairro e con- litos” (Mt 23.15) é convencer um
te quantas igrejas cristãs há em sua gentio a abraçar a fé judaica. No dia
volta. Ligue o rádio e a televisão e de Pentecostes encontramos entre a
veja quantos programas religiosos multidão ali presente, muitos “pro-
cristãos estão ali. Numa pesquisa sélitos”, gentios convertidos ao ju-
missionária que fizemos em nosso daísmo. (At 2.11; 13.43) O termo é
bairro (Vila Esperança, São Leopol- usado hoje também de forma negati-
do, RS), de aproximadamente 80 va, para alguém que se intromete em
casas visitadas, só duas não tiveram negócio de outrem, (1Pe 4.15) no
a Bíblia. Daí a pergunta: Há ainda sentido de tirar alguém de um gru-
campo para a missão em nossa volta? po cristão para integrá-lo em outro
A palavra de Deus está sendo larga- grupo cristão. Daí a advertência de
mente difundida: Bíblias, progra- que evangelismo não é fazer proseli-
mas de rádio e televisão e o esforço tismo, atrair alguém, seduzir alguém
de muitas igrejas que visitam casa de um grupo cristão para outro gru-

46 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Evangelismo

litismo
po cristão.
Portanto, no evangelismo não
deve intrometer-se no rebanho de
outrem. O Dr. G. Stöckhardt, em
podemos ignorar nossos limites. O seu comentário à carta do apósto-
próprio Salvador os estabeleceu nes- lo Pedro, comenta esta passagem
te trabalho ao exortar pelo apóstolo e escreve: “Alguns cristão estavam
Pedro: Nenhum de vós ... se intro- inclinados a se intrometerem em re-
meta em negócio de outrem”, (1 Pe banhos alheios. E sem dúvida hoje
4.15) na seara alheia. Definir clara- existem muitos que gostam de se
mente estes limites em nosso con- meter de forma insólita em ofício
texto não é fácil. de outrem, como conselheiros, juí-
zes, professores, julgando possuírem
2. Definindo limites no melhores conhecimentos, causando
evangelismo dissabores e consequências desas-
trosas, e trazendo sobre si muitos
Os apóstolos tiveram a ordem: sofrimentos, que não podem ser in-
Ide fazei discípulos de todas as na- cluídos nos sofrimentos honrosos.”
ções... (Mt 28.19) Sereis minhas Portanto, não devemos nos intro-
testemunhas tanto em Jerusalém, meter para onde não fomos chama-
como em toda a Judéia e Samaria, e dos. Isto seria fazer proselitismo, o
até aos confins da terra. (At 1.8) Na que causa aborrecimentos e pode
medida em que o evangelho foi sen- perturbar os fracos na fé.
do pregado, a situação foi mudando. O apóstolo Paulo nos ensina
Comunidades foram fundadas e or- como esta regra deve ser aplicada na
ganizadas. O apóstolo Paulo lembra missão. Ele escreve: Nós, porém, não
os presbíteros: Atendei por vós e por nos gloriaremos sem medida, mas
todo o rebanho sobre o qual o Espí- respeitamos o limite da esfera de
rito Santo vos constituiu bispos. (At ação que Deus nos demarcou e que
20.28) Logo, há limites. Ninguém se estende até vós. Porque não ul-

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 47


Evangelismo

trapassamos os nossos limites como alguém já está colocando o funda-


se não devêssemos chagar até vós, mento da fé, ali não devemo-nos
posto que já chegamos até vos com intrometer, mas pregar onde Cristo
o evangelho de Cristo. Não nos glo- é desconhecido. Onde alguém, que
riando fora de medida nos trabalhos recebeu a ordem de Deus para pre-
alheios, e tendo esperança de que, gar o evangelho estiver atuando, ali
crescendo a vossa fé, seremos sobre- não nos devemos intrometer. Com
maneira engrandecidos entre vós, muita precisão Dr. C.F.W. Walther
dentro da nossa esfera de ação, a fim escreve em sua Teologia Pastoral:
de anunciar o evangelho para além “Por isso, não devemos considerar o
das vossas fronteiras, sem com isto chamado algo de pouca importân-
nos gloriarmos de coisa já realizadas cia. Não basta alguém ter a palavra
em campo alheio. (2Co 10.13-16) pura e doutrina correta, mas precisa-
Na comunidade de Corinto -se ter certeza da retidão do chama-
surgiram falsos profetas, homens do. Pois, quem invade sem chama-
orgulhosos, que confundiam a co- do, por si próprio, esse certamente
munidade com suas doutrinas e pro- vem para nenhuma outra coisa do
curavam diminuir a honra de Paulo, que para estrangular e matar ( Jo
caluniando-o. Esses falsos profetas 10.10)... Se notas em ti um trabalho
não foram enviados por Deus, mas que Deus não está operando em ti,
se infiltravam nas comunidades, pise-o com os pés, e peça a Deus que
causando confusão e escândalo. O o destrua em ti o que ele não operou.
apóstolo Paulo os repele e mostra E mesmo se tu, com uma pregação,
que ele e seus companheiros andam poderias salvar o mundo todo, mas
nos caminhos de Deus, fazendo o não tens ordem para tal, largue de
trabalho que Deus lhes indicou pelo mão; pois quebrarias o verdadeiro
chamado. sábado e Deus não teria grado nis-
O apóstolo Paulo afirma ainda: so.” (Exegese de Êxodo 20.8-11, de
Esforçando-me deste modo por 1629) (Teologia Pastoral de Wal-
pregar o evangelho, não onde Cris- ther, 4ª Tese). Os que invadem igre-
to já fora anunciado, para não edifi- jas de outros e roubam ovelhas, são
car sobre fundamento alheiro. (Rm ladrões, como Jesus afirma: Todos
15.20) O apóstolo Paulo foi incum- os que vieram antes de mim, são
bido de anunciar o evangelho onde o ladrões e salteadores. ( Jo 10.8) A
evangelho na fora anunciado. Onde respeito disso o Dr. Walther obser-

48 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Evangelismo

va: “Isto se aplica especialmente aos res fazem, não devam ser chamados
pregadores sectários, que com suas de servos de Satanás, esquecendo-se
campanhas evangelísticas cruzam de que Satanás se regozija no muito
terras e mares, ávidos em converter mal que fazem.” (Teologia Pastoral
pessoas, fazendo de almas nas quais de Walther, 4ª Tese)
outros servos de Cristo trabalharam Firmado na palavra de Deus e
prosélitos para as suas corporações. dos pais, concluímos: Não devemos
Mesmo se aqui e acolá uma ou outra e nem queremos trabalhar com o
alma é despertada de sua sonolência evangelho junto às pessoas que têm
espiritual, quão grande é a confu- um cura de almas, um ministro de
são que eles causam às almas e quão Cristo, ou junto às quais um minis-
grandes são os escândalos que cau- tro de Cristo está trabalhando, pois
sam aos olhos do mundo cego, que neste caso estaríamos invadindo um
julga todo o cristianismo por esses rebanho, intrometendo-nos em ofí-
movimentos de entusiastas hipócri- cio alheio. Isto também em relação
tas. Na verdade, muitos pensam que àquelas comunidades que não têm
por causa do bem que tais pregado- toda a Palavra em sua verdade e pu-

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 49


Evangelismo

reza. Enquanto ali ainda for encon- ram da igreja ou foram abandona-
trada a base do evangelho, enquanto das pela igreja. Os motivos podem
ali for anunciada a salvação em Cris- ser vários: discórdias, desentendi-
to, queremos e devemos respeitá-las. mentos, problemas administrativos,
atrasos nas ofertas, discordância na
3. Aplicação destas doutrina, etc. Aqui estão incluídos
verdades na prática também os próprios “distanciados
de nossas congregações”. Todas es-
Na aplicação prática desta verda- tas pessoas são de momento, ovelhas
de surgem as seguintes perguntas: sem pastor, que devem ser buscadas.
Que pessoas, em nosso derredor, Com que paciência Deus buscou as
podem ser considerados objetos ovelhas perdidas da casa de Israel.
de missão e que pessoas, em nosso Com que paciência Jesus trabalhou
derredor, não são objetos de nossa no povo de Israel que havia se des-
missão? Onde estão os limites na viado da verdade. Com que paciên-
prática? cia Mônica, a mãe de Agostinho,
orou durante 15 anos por seu filho,
3.1. Pessoas sem igreja até que, aos 32 anos ele voltou à fé.
Buscar estas pessoas não é um dever
Em primeiro lugar, as pessoas
e obrigação nossa para reconduzi-
que não conhecem a Cristo. O após-
-las ao rebanho de Cristo. Surge, no
tolo os designa como “os de fora”
entanto, a pergunta: Como vamos
(Cl 4.5), as quais, em nosso meio,
descobrir que uma pessoa está “nesta
são poucas. A este grupo pertencem
situação”? Responderemos no pró-
também as pessoas que se desliga-
ximo capítulo sob o título: O Diá-
logo.

3.2. Seitas que negam a


Trindade e o Evangelho
Em segundo lugar, temos as pes-
soas que pertencem a seitas que ne-
gam a Trindade, que negam ser Jesus
o Filho de Deus, mesmo que falem
muito de Jesus, como por exemplo:

50 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Evangelismo

Testemunhas de Jeová, Espíritas, 4. Diálogo entre irmãos


Mórmons, Seicho-no-ie, e outras
religiões filosóficas orientais. Mem-
na fé
bros destas religiões são nosso obje- Para introduzir este capítulo
to de missão, pois não conhecem o quero citar um pequeno fato. Cer-
verdadeiro Deus. Mas, precisamos ta feita, eu fui de carro de Moreira
alertar que, anunciar a eles o evan- para Gramado, RS. Tive uma pane
gelho requer um bom preparo, para no pneu. Era verão. Troquei o pneu.
não sermos enredados por eles. É um Após uns quilômetros, estourou ou-
trabalho para cristãos experimenta- tro pneu. É demais. Eu tinha impor-
dos e firmes no conhecimento e na tante compromisso em Gramado.
fé. Iria chegar tarde e todo suado. Lá
veio o ônibus. Que bom. Entrei e
3.3. Pregadores errôneos sentei — como se diz: bufando de
O que dizer de membros da igre- raiva. Um senhor ao meu lado me
ja Católica ou dos diversos grupos olhou, e perguntou: O que houve!
evangélicos, pentecostais ou neo- Eu não estava a fim de conversa,
-pentecostais, que são religiões cris- respondi seco: Dois pneus furados!
tãs, cujos ministros conduzem seus Ele respondeu: É isto quando não
fiéis para dentro da Bíblia e anun- se tem a bênção de Deus. Então dá
ciam Cristo, mesmo que com impu- tudo errado na vida. E me deu um
rezas de doutrina. A igreja Católica longo sermão, durante o qual perma-
prega a graça infusa (Deus infunde neci calado, pois achei interessante.
um pouco de graça, com a qual de- Chegado a Gramado, levantei e lhe
vemos trabalhar nossa salvação, por disse: Obrigado. Foi bom ouvi-lo.
obras) e a maioria dos evangélicos Eu sou pastor luterano. — Acho que
são sinergistas, eles ensinam: gra- ele compreendeu que havia chovido
ças mais obras, com suas diferentes no molhado.
nuances. Estas igrejas, no entanto, Sem dúvida, se admito que al-
têm ainda o suficiente da palavra guém (católico ou evangélico) é um
de Deus, que possibilita ao Espírito cristão, temos algo em comum, e
Santo gerar a fé. Nelas uma pessoa gostamos de conversar sobre o que
pode encontrar o caminho da sal- nos é precioso. Isto nos leva ao diá-
vação. Eles não são nosso objeto de logo.
missão. Isto seria proselitismo. Mesmo havendo linhas em co-

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 51


Evangelismo

mum entre o evangelizar e o dia- fervorosos. Quando souberam que


logar, há também diferenças. Por eu era pastor luterano, demonstra-
exemplo: no início da conversa e ram visivelmente sua rejeição. Co-
quanto aos objetivos a serem alcan- mecei com meu vizinho. Após o
çados. No evangelismo quero levar culto o vi sentado na área tomando
a pessoa ao arrependimento e a con- chimarrão. Eu o cumprimentei e lhe
fiar na graça de Cristo; no diálogo, perguntei: Foste à missa. — Fui! res-
eu admito a pessoa como cristão, e pondeu ele, como se quisesse dizer:
meu objetivo em conversar com a E tu com isso. Eu continuei: O pa-
pessoa é compartilhar com ela nossa dre pregou sobre o quê? — Nem sei!
alegria em Cristo, bem como apro- — Sendo as leituras da Série Trienal
fundá-la neste conhecimento. Veja- iguais, acrescentei: Nosso pastor fa-
mos alguns passos: lou sobre a ovelha perdida, o padre
deve ter falado sobre isso também.
1° Explorando o terreno Não é? — Há sim, disse ele. Assim
O primeiro passo no diálogo é fomos quebrando o gelo. Em resu-
descobrir o que a pessoa, com a qual mo, eu preciso, por meio de pergun-
queremos dialogo, conhece e crê. tas, explorar (num bom sentido) o
Neste sentido desenvolvo minhas que a pessoa conhece e pensa sobre
perguntas. Por exemplo: Havíamos sua religião. — Em certa altura, tive
mudado para uma rua em São Leo- que dizer ao meu vizinho: O que o
poldo, na qual residiam só católicos teu padre disse não está na Bíblia.
Veja o que a Bíblia diz. Vai lá e diga
52 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
Evangelismo

isso ao teu padre. Para resumir, após verdadeiros cristãos estão unidos na
dois anos, todos na rua nos recebe- “una sancta ecclesiae apostólica ca-
ram bem. Tivemos até estudos bíbli- tólica”, cujos membros só o Senhor
cos em nossa casa com alguns deles. conhece (2 Tm 2.19). Isto nos leva a
Isto nos leva ao segundo passo. lutarmos continuamente pela união
da cristandade. Tal união na verda-
2° Aprofundando de, não é conseguida por arranjos,
conhecimentos cedendo aqui e ali, mas pela clara
confissão das verdades bíblicas. A
Na medida em que o diálogo
união que desejamos e procuramos,
avança, procuraremos firmar a pes-
conforme a ordem de Deus, (Ef 4.1-
soa na Bíblia. Sem dúvida a pessoa
6) é a união confessional em todos
procurará esclarecimentos. Nós os
os artigos da fé das Escrituras, con-
daremos.
forme os encontramos resumido em
Se nesta caminhada do diálogo
nossas Confissões, como o confessa-
alguém chegar a um conhecimento
mos no Prefácio ao Livro de Con-
melhor da Bíblia e perguntar por
córdia, § 22: “Visto, pois, que assim
nossa igreja, ele será bem-vindo aos
é, e já que estamos certos de nossa
nossos cultos. Mas não o convida-
confissão e fé cristã, com base na Es-
mos de saída. Não fazemos proseli-
critura divina, profética e apostólica,
tismo, se ele, porém, perguntar, esta-
disso havendo sido suficientemente
mos de portas abertas.
certificados em nossos corações e
consciências cristãs pela graça do Es-
3º Na busca do
pírito Santo, a mais aguda e extrema
verdadeiro ecumenismo necessidade exige que em presença
Creio na santa Igreja Cristã — a de tantos erros irrompidos, escân-
comunhão dos santos. Esta verda- dalos, dissensões e prolongadas di-
de não pode ser esquecida em nos- visões haja uma explanação e recon-
so Diálogo com irmãos na fé, quer ciliação cristã de todas as discussões
sejam de nossa própria igreja ou de surgidas que esteja bem fundamen-
outras denominações, buscaremos tada na palavra de Deus, e à luz da
sempre a expressão da verdadeira qual se reconheça qual a doutrina
unidade da igreja. pura e qual a adulterada.” Sabemos
Nós reconhecemos e nos rego- que não é a simples concordância
zijamos pelo fato de que todos os nas verdades bíblicas que salva, mas

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 53


Evangelismo

a confiança nestas verdades do evan- das igrejas, mas também no diálogo


gelho e a confissão desassombrada individual entre os familiares, vizi-
das mesmas”. (Rm 10.9; Lc 12.8; At nhos e amigos. Cumpre-nos confes-
19.18) sar a verdade em amor. Por exemplo:
Se tu tens conhecimento da doutri-
A busca do verdadeiro na pura, mas segues doutrina falsa
ecumenismo na prática ou até te filias a uma comunidade
que professa doutrinas falas, então
Nesta área, cabe-nos testemu- estás pecando contra a doutrina,
nhar continuamente, visando à edi- contra a verdade para a qual Deus
ficação do corpo de Cristo e o verda- abriu teus olhos e teu coração. Por
deiro ecumenismo. Vejamos alguns outro, não devemos esquecer que
exemplos: há milhares de sinceros cristãos que
não só pertencem a igrejas errôneas,
1. Em relação a nossos mas também as seguem e defendem
vizinhos e amigos fervorosamente as falsas doutrinas,
Ouve-se com frequência: Todas porque foram enganados, como
as religiões são boas. Podemos si- por exemplo doutrinas erradas com
lenciar diante desta afirmação? Não. respeito ao batismo, à Santa Ceia,
Cabe-nos mostrar, com amor, o que ao ministério, etc. Eles o fazem por
é a igreja e quem são os verdadeiros falta de um conhecimento melhor,
discípulos de Cristo. Se vós per- por fraqueza, por não possuírem o
manecerdes na minha palavra, sois verdadeiro conhecimento. Eles es-
verdadeiramente meus discípulos: tão em pecado, mas por fraqueza e
e conhecereis a verdade e a verdade falta de conhecimento. Se seus olhos
vos libertará. ( Jo 8.31-32) Nunca fossem abertos, eles largariam e con-
nos daremos por satisfeitos com a denariam seus falsos mestres.
separação das igrejas, encarando-a A nós, que conhecemos a ver-
como um fato histórico definitivo. dade, cabe confessá-la aberta e pu-
Devemos deixar claro para as pesso- blicamente em amor. Não devemos
as que nos rodeiam, porque estamos condenar precipitadamente uma
separados, não por tradições, mas pessoa por causa da doutrina falsa
por causa da Palavra e da sua inter- ou por pertencer uma igreja cristã
pretação. Esta tarefa deve ser realiza- que ainda tem muitos erros de dou-
da não somente em nível de cúpula trina, pois eles são errantes. Talvez

54 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Evangelismo

esta pessoa, aos olhos de Deus, seja reprovai-as. (Ef 5.8-11) Estas pas-
mais conceituada do que nós. Lem- sagens tratam do testemunho cris-
bremos o centurião de Cafarnaum. tão através da vida. Nos primeiros
(Mt 8.5-13) Ele não pertencia ao séculos, quando os cristãos foram
povo de Israel e não tinha ainda o cruelmente perseguidos, a divisa
claro conhecimento das doutrinas. entre cristãos e incrédulos estava cla-
Ele procurou a Jesus. E Jesus disse ramente traçadas. Os “filhos da luz”
à multidão: Em verdade vos afirmo resplandeciam por seus frutos da
que nem mesmo em Israel achei fé fé. Eles não se tornavam cúmplices
como esta. Digo-vos que muitos das “obras infrutíferas” dos pagãos.
virão do oriente e do ocidente e to- Cristãos resplandeciam por sua vida
marão lugares à mesa com Abraão, santificada. A fé se comprovou na
Isaque e Jacó no reino dos céus. Ao vida diária e não se abalava, nem
passo que os filhos do reino serão diante das ameaças do martírio. Em
lançados para fora, nas trevas; ali ha- nosso meio, a divisa entre cristãos e
verá choro e ranger de dentes. (Mt pagãos está praticamente apagada. A
8.11-12) Da mesma forma o Cen- pregação do evangelho, sem a con-
turião Cornélio, homem piedoso e firmação da vida santificada dos fiéis
temente a Deus com toda a sua casa, é perturbada e desacreditada. Não
que tinham um conhecimento de que as obras sejam a causa eficiente
Deus do Antigo Testamento, mas da fé, esta é somente o evangelho,
buscava conhecê-lo melhor. Deus mas a vida não santificada ofusca a
lhe enviou o apóstolo Pedro. (At 10) Palavra. Como “sal da terra” cabe-
-nos mostrar ao mundo o que é e o
2. Sal e luz da terra que não é da vontade de Deus. Ve-
Vós sois o sal da terra. (Mc 5.13) jam, num país como o Brasil, onde
Vós sois a luz do mundo. (Mt 5.14) 90% da população se denomina cris-
Pois outrora éreis trevas, porém, tã, como foi possível, nossos juízes
agora sois luz no Senhor; andai aprovarem a lei dando aos casais gays
como filhos da luz porque o fruto o direito de adotar crianças; quando
da luz consiste em toda a bondade, as leis de adoção eram bem rígidas.
e justiça, e verdade, provando sem- E os cristãos não levantaram sua voz
pre o que é agradável ao Senhor. E unânimes contra tal aberração, que
não sejais cúmplices nas obras in- vem em prejuízo das crianças. Lute-
frutíferas das trevas; antes, porém, ro em seu tempo, ao ver aberrações

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 55


Evangelismo

quer praticadas pelas autoridades ou momento. Ele está muito cansado. —


pelo povo, levantou sua voz. Suas Mas só quero dizer uma palavrinha
cartas às autoridades, a príncipes, a para ele. O militar veio. Começaram a
pastores e seus sermões, tanto po- falar. O pastor foi convidado para en-
bres como ricos, com respeito à jus- trar e no fim da conversa o militar lhe
tiça social, dão testemunho disso. disse: Muito obrigado. Foi muito con-
fortador. Nos próximo cultos ele se fez
3. Presente nas presente. — Precisamos estar ao lado
tribulações. dos que sofrem, pois temos palavras de
consolo, podemos ser luz para eles.
Outro ponto é fazer-nos presen-
tes junto aos atribulados, angustia-
dos e atingidos por catástrofes. Per-
Conclusão
mitam citar um exemplo: O pastor Muito poderia ser dito ainda a
Herbert Hörlle de Brasília voltou este respeito. A diferença entre abor-
cansado para casa após um dia de dagem numa ação evangelística e
muito trabalho. Já era escuro. Tirou num diálogo. Importa pedir a Deus
a gravata, sentou na sala e ligou a que nos conceda sabedoria, coragem
televisão. Ouviu então a notícia, do e as palavras apropriadas para nossa
falecimento trágico do filho de um ação, como o apóstolo Paulo o fez.
militar, que foi (Cl 4.2-6).
enterrado à tardi- Rev. Horst R. Kuchenbecker é pastor emérito da Igreja
nha. Ele indagou a Evangélica Luterana do Brasil em São Leopoldo-RS.
si mesmo: Será que
esta pessoa ouviu
hoje uma palavra de
consolo? Levantou
e disse para a espo-
sa: Vou dar nossos
pesamos a ele, ele
reside aqui perto,
e foi. A pessoa
que o atendeu
na porta lhe
disse: Não
é um bom
56 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
Salvação do meio ambiente
Doeu demais o coração ao caminhar pelas águas poluídas do rio Areia,
minguadas pela seca. Elas deságuam no rio Rolante bem nos fundos da casa
de minha mãe — que ainda mantém-se razoavelmente preservado graças à
consistência do leito pedregoso. Enquanto a cidade asfalta ruas, pavimenta
calçadas, cobre avenidas, enfeita jardins, esquece o mais importante. Cedo
ou tarde terá um acidente vascular por este colesterol jogado de forma irres-
ponsável no sagrado leito onde corre o sangue do planeta.
O que acontece na minha terra natal é mais que um descaso político e
social. É um problema espiritual, um pecado que afronta o dono de tudo.
Uma desgraça planetária. Vejo aqui a oportunidade de juntar duas datas, o
Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho) e o Domingo da Trindade (3
de junho) para ao menos mexer com a consciência cristã. Sobretudo quando
o Salmo 29 da liturgia diz que “a voz do Senhor é ouvida sobre as águas; o
glorioso Deus troveja”. Se a humanidade tapou os ouvidos e escuta apenas o
que vem do seu coração — a voz da soberba, da ganância, da destruição, da
ignorância — surge a voz de Jesus no Evangelho deste Domingo (João 3.1-
17): “Eu afirmo que isto é verdade: ninguém pode entrar no Reino de Deus
se não nascer da água e do Espírito”. Mais adiante, as célebres palavras que
apontam para a fonte desta água pura: “Porque Deus amou o mundo de tal
maneira que deu o seu único Filho, para que todo aquele que nele crer não
morra, mas tenha a vida eterna”.
A crença no Deus Pai, Filho e Espírito Santo não tira o compromisso com
a vida da natureza, sobretudo das águas. Mesmo na esperança de “um dia
o Universo ficar livre do poder destruidor que o mantém escravo e tomar
parte na gloriosa liberdade dos filhos de Deus” (Romanos 8.21), ou seja, a
completa despoluição e regeneração, ainda assim permanece a lei ambiental
do jardim onde corria um rio de águas cristalinas: cuide com carinho deste
lugar (Gênesis 2.15).
Rev. Marcos Schmidt — Novo Hamburgo, é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 57


Aconselhamento Rev. Martinho Rennecke

O Pastor
Equipando leigos como
aconselhantes de pessoas
U ma breve análise histórica nas
igrejas tradicionais pode de-
monstrar que ainda não se alcançou
mãos alguma forma breve de aconse-
lhamento disponível para que leigos
possam exercê-la.
um equilíbrio sólido e sadio entre o
papel do pastor e dos leigos na fun- A função do pastor na
ção de aconselhamento. consolação entre leigos
Analisando o assunto sob alguns
pontos de vista eclesiológicos e epis- Aos pastores que poderiam se
temológicos, pode-se iluminar o pa- alarmar com uma ênfase no sacer-
pel dos leigos no exercício legítimo dócio de todos os crentes, o pietista
de sua fé, através do amor ao próxi- Philipp Jakob Spener (1635-1705),
mo; também se deverá dignificar o em seu livro Pia Desideria, publica-
papel do pastor, como um dom de do em 1675, na parte final lembra:
Deus à Igreja para capacitá-la a vi- Nenhum pastor será preju-
ver sua missão no mundo, não como dicado se os membros de sua
concorrentes ou excludentes, mas comunidade exercitarem esse
como complementares. sacerdócio universal. Uma das
O pastor tem grande responsabi- razões pelas quais o pastor não
lidade diante do sacerdócio cristão e pode fazer tudo é porque se
pode estimular como também pre- sente muito fraco e sem apoio.
judicar o desempenho do sacerdócio É incapaz de fazer tudo o que
geral dos crentes. Em vista disso, se deve ser feito para a edificação
faz necessário refletir brevemente de muitas pessoas, confiadas ao
sobre o assunto. seu cuidado pastoral. Todavia,
É muito, por fim, importante se os sacerdotes leigos fazem a
abordar a questão das crises pessoais sua parte, o pastor, (...) sente-se
sob a ótica psicológica e ter-se em apoiado e fortalecido para rea-

58 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Aconselhamento

lizar suas obrigações e seus atos fosse o mais importante dentro


pastorais. Assim, o fardo não da igreja, e não o mobilizar
será tão pesado.1 de toda a igreja para realizar
a missão do povo de Deus. (...)
O pastor tem grande responsa- Como seus pastores indireta-
bilidade diante do sacerdócio cris- mente colaboram para que os
tão. Pode estimular como também crentes enterrem seus talentos,
pode prejudicar o desempenho dos seja não lhes dando a oportu-
sacerdotes. O pastor pode prejudi- nidade ou não os despertando
car o sacerdócio real quando cede à de sua sonolência.2
tentação de assumir todas as tarefas
pessoalmente. Essa tentação é inten- Outro problema, num tempo
sificada pela pressão exercida pelo de acentuado materialismo, é o sur-
que se poderia denominar de culto gimento do conceito de pastorado
à eficiência. Tudo precisa ser bem como profissão. Os pastores — as-
organizado e bem dirigido. Espera- sim se pensa — são contratados para
-se que o mesmo aconteça na igreja. fazer o serviço. Os leigos entendem
Como o pastor foi treinado para que sua responsabilidade se esgota
isto, as tarefas acabam ficando com em pagar o pastor. Trabalho da igre-
ele. Muito pastor fica absorvido pela ja passa a ser, então, aquilo que os
burocracia, esquecendo-se de que pastores fazem, pagos pelos leigos.
a igreja é regida pela pregação do Com isto o sacerdócio fica atrofiado.
evangelho, que é coisa bem diferente Na sua época Lutero já criticava os
de burocracia paroquial ou sinodal. 2 Juan J. MÜLLER, Missão e contato com
Juan J. Muller, ex-missionário lutera- outras denominações cristãs, p. 88.
no no Chile, chama a atenção para
este perigo:
A obra, lamentavelmente, vai
ficando para trás, porque os
responsáveis têm-se envolvido
em outros negócios, por vezes
até na simples defesa do mi-
nistério pastoral, como se isso

1 Apud Vilson SCHOLZ, A Igreja como Sa-


cerdócio Real, p. 13.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 59


Aconselhamento

pastores por sua omissão: Da mesma forma Lothar Carlos


Temo, porém, e acredito que Hoch, renomado teólogo luterano
tudo isso é, em grande parte, da área da Prática, na sua obra O
culpa nossa, dos que somos pre- Ministério dos Leigos: Genealogia
gadores, pastores, bispos e cura de um Atrofiamento, fazendo uma
d’alma, uma vez que deixamos análise da prática educacional em
as pessoas sem que se emendem, sua Igreja, a Igreja Evangélica de
não os exortamos, não incita- Confissão Luterana no Brasil, IE-
mos, não admoestamos, como CLB, e que se pode estender a outras
o exige nosso ministério. E fica- denominações evangélicas, critica o
mos roncando e dormindo tão pastorcentrismo por trás desta práti-
seguros como eles, e não pensa- ca: “o modelo de formação acadêmica
mos mais longe do que: quem que está por trás das mesmas até hoje
vem, vem; quem não vem, que não privilegiou a perspectiva da co-
fique de fora.3 munidade no seu fazer teológico”.5
A influência da filosofia grega
A ênfase extrema na importância presente no pastorcentrismo é tão
do conhecimento em detrimento forte que mesmo quando se repas-
da prática, da teoria sobre a práxis, sa a responsabilidade aos leigos, há
teve reflexos profundos na estrutu- uma tendência de repetir neles o
ra educacional teológica, tanto nos mesmo processo, como alerta David
conteúdos como na forma. Howard J. Bosch, professor de missiologia
J. Clinebell, conselheiro pastoral, no na África do Sul, em sua magistral
capítulo sobre treinamento de leigos obra Missão Transformadora: Mu-
para seus ministérios de assistência danças de Paradigma na Teologia
ressalta este ponto: “Além disso, à da Missão: “É necessário dizer, por-
maioria dos pastores não se mostrou tanto, enfaticamente que a teologia
no seminário a importância crucial do laicato não significa que os leigos
de treinar (...) leigos, nem tampouco devam ser treinados para tornar-se
aprenderem eles as habilidades de su- ‘minipastores’”.6
pervisão necessárias para tal”.4
e crescimento, p. 385.
3 Martinho LUTERO, Exortação ao Sa- 5 Lothar C. HOCH, O Ministério dos Lei-
cramento do Corpo e Sangue do Nosso gos: Genealogia de um Atrofiamento, p.
Senhor, p.256. 266.
4 Howard J. CLINEBELL, Aconselhamento 6 David J. BOSCH, Missão Transformado-
Pastoral: modelo centrado em libertação ra: Mudanças de Paradigma na Teologia

60 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Aconselhamento

Hoch, em seu artigo Psicologia “Se tivermos competência na área do


a serviço da libertação: possibilida- cuidado pastoral, nosso tempo e ener-
des e limites da psicologia na pas- gias serão mais bem usados na seleção,
toral de aconselhamento, avança treinamento e supervisão de leigos
nos critérios e entende que “nem se para compartilhar o ministério”.10
deveria falar de um aconselhamento Hoch ressalta com propriedade,
pastoral e, sim, de um aconselhamen- em diversos artigos seus publicados
to comunitário”;7 e no outro artigo é pela IECLB, sua preocupação cres-
mais contundente e afirma: “os que cente com a prática do sacerdócio
exercem o ministério da pregação de- geral quando direciona bem o papel
vem estar sujeitos com sua doutrina do pastor: “Poimênica é uma função
ao parecer dos ouvintes”.8 eclesiológica. É o cuidado mútuo dos
A função dos clérigos não deve membros do corpo de Cristo”;11 ressal-
ser remover ou concentrar o traba- ta no seu artigo sobre Comunidade
lho do povo de Deus na suas mãos, Terapêutica que “a ideia do corpo de
mas, ao contrário, espalhá-los atra- Cristo em I Co 12 dispõe a comuni-
vés do método mais natural que se dade de tal forma que todos os seus
conhece, ou seja, capacitando a cada membros se enriqueçam e se comple-
um e multiplicando tarefas. Cline- mentem reciprocamente. Esta é a base
bell também entende que “agentes teológica da comunidade terapêutica.
leigos de poimênica podem e deveriam (...) o aconselhamento pastoral, (...) é
partilhar com a pastora a responsabi- uma função genuína da comunidade
lidade por esse importante e exigente toda” e, a tarefa da pastora é “pri-
ministério”.9 mordialmente contribuir para que o
David K. Switzer, capelão conse- próprio povo de Deus assuma em suas
lheiro da Southern Methodist Uni- mãos a causa que é dele mesmo”.12
versity, Dallas, Texas, em sua obra 10 David K. SWITZER, The Minister as
The Minister as Crisis Counselor, Crisis Counselor, p. 272. “If we have
vê mais eficiência neste método: competence in the pastoral care area
(or any other, for that matter) our time
and energies will be better spent in the
da Missão, p. 564. selection, training, and supervision of lay
7 Lothar C. HOCH, Psicologia a Serviço persons to share this ministry”.
da Libertação: possibilidades e limites 11 Lothar C. HOCH, Psicologia a Serviço...,
da psicologia na pastoral de aconselha- p. 264.
mento, p.264. 12 Id., Comunidade Terapêutica: Em busca
8 Id., O Ministério dos Leigos..., p. 263. duma fundamentação eclesiológica do
9 Howard J. CLINEBELL, op. cit., p. 179. aconselhamento pastoral, p. 30.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 61


Aconselhamento

Citando Paulo Freire, afirma: é, na verdade o sentido amplo


“ninguém se salva sozinho (...) só nos da doutrina do sacerdócio de
salvamos em conjunto”13 ou, como todos os crentes: livre acesso a
diz Walter Altmann, renomado pas- Deus (privilégio, “Gabe”), mas
tor luterano com atuação marcante também compromisso de servir
especialmente na América Latina, (responsabilidade, “Aufgabe”).
em sua obra Lutero e Libertação: A diakonia é essencialmente
“A rigor, todos são sacerdotes e todos, o ministério da reconciliação
também os sacerdotes, são ‘leigos’, no (2Co 5.1ss.), que não pode ser
sentido de pertencerem ao povo (laós, pura e simplesmente delega-
em grego) de Deus”.14 do a outrem. Os membros da
Neste sentido, o ministério do congregação não ficam alivia-
pastor depende em grande parte do dos desta tarefa no momento
ministério dos membros, especial- em que chamam um pastor. A
mente da disposição dos mesmos presença do pastor não priva
em se colocarem a serviço. A igreja, a congregação de exercer seu
por sua vez, para seu aperfeiçoamen- ministério. Ao contrário, deve
to, depende do ministério do pastor, concorrer para que este minis-
carece do ministério pastoral, cuja tério seja mais intenso e efi-
função é pregar o evangelho e ser o caz.15
guia, presidir o trabalho ou ministé-
rio da igreja. Scholz em seu artigo O É preciso deixar claro que o sa-
Ministro, define com clareza e sim- cerdócio real não é uma simples in-
plicidade esta relação: formação que se guarda na memória,
Isto significa que a igreja como mas uma forma de vida que tem a ver
um todo está encarregada da com a realidade do cristão. Aperfei-
diakonia. Desde que foi ungido çoar os santos para o desempenho
servo de Deus no batismo, cada de seu serviço é a função primordial
cristão individualmente está do pastor e mestre ou, como diz
comprometido com a diako- Switzer: “A vida total da congregação
nia. Não há cristão (“leigo”) será erguida pelo exemplo constante
sem ministério na igreja. Este de um alto nível de ministério e pela
presença em sua vida conjunta de pes-
13 Id., Aconselhamento Pastoral e Liberta-
ção, p. 34. soas que são crescentemente sensíveis a
14 Walter ALTMANN, Lutero e Libertação,
p. 196. 15 Vilson SCHOLZ, O Ministro, p.41.

62 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Aconselhamento

entre o testemunho missionário


de cada cristão e o trabalho do
missionário profissional precisa
ser esclarecida.
Cada pastor local torna-se, em
algum sentido, um motivador
e equipador para a missão na
Igreja local, em suas iniciativas
missionárias em casa e em sua
participação na missão global
da Igreja.17

outros seres humanos”.16


James A. Scherer, teólogo lute- Equipando leigos como
rano, ao levantar suas quinze teses aconselhantes de
de reflexão missiológica na nova era
missionária, é enfático neste sentido pessoas em crise
quando responde com uma de suas
No passado, Igreja e mundo se re-
teses a pergunta “Quem é um mis-
vezaram no comando das ações e, na
sionário”:
maioria das vezes, como concorren-
Nossa prática efetiva está sus-
tes. Recentemente tem se procurado
pensa em algum lugar entre o
entender que a igreja foi chamada a
antigo conceito de profissiona-
servir este mundo onde Deus se faz
lismo e carreirismo missioná-
presente. O reino de Deus se move
rios, por um lado, e, por outro,
no mundo e a Igreja caminha por
o ideal teológico do sacerdócio
ele, procurando os seus sinais e ma-
leigo, segundo o qual cada cren-
nifestações; quando o encontra, no
te batizado é um ministro com
rosto do seu próximo, O serve, enal-
Cristo e uma testemunha do
tecendo o outro e modificando a si
Reino. (...) a relação funcional
mesmo, neste projeto de unidade e
16 David K. SWITZER, op. cit., p. 280. “The complementaridade.
total congregational life will be lifted by A Igreja e cada um são chama-
the constant example of a high level
lay ministry and by the presence in its dos a participar deste sofrimento de
whole life together of people who are
increasingly sensitive to other human 17 James A. SCHERER, Evangelho, Igreja e
beings”. Reino, p. 181.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 63


Aconselhamento

Cristo no próximo, carregando as de cada um que participa da Igreja e


cargas uns dos outros e as suas cri- que é convidado a participar dela.
ses. Quanto mais se conhecer as cri- Hoch, em sua palestra A crise
ses mais se conhecerá o outro e suas pessoal e sua dinâmica: Uma abor-
aspirações, e mais se conhecerá a si dagem a partir da Psicologia Pasto-
mesmo. Esta foi provavelmente uma ral, fazendo uma análise das chan-
das razões porque Lutero trocou a ces do pastor no aconselhamento
fórmula da espiritualidade medieval de pessoas em crise, lembra que no
que era: oratio, meditatio e contem- ocidente durante muito tempo a
platio, por: oratio, tentatio e medi- Igreja detinha quase o monopólio
tatio. Nestas ocasiões pode-se desco- ao acompanhamento de pessoas em
brir o significado da graça de Deus crise. Algumas causas porque isto
e o verdadeiro sentido das relações não acontece mais hoje, talvez seja a
com o outro e consigo. falta de qualificação adequada para o
Para tanto se fazem necessários exercício de cura d’almas diante das
alguns passos terapêuticos, certa novas necessidades vividas pelas pes-
postura no trato com as crises para soas hoje; também a não valorização
que a poimênica possa cumprir do aconselhamento como aconse-
sua função de práxis do evangelho, lhamento espiritual, segundo a tese
aconselhando e curando para a vida, de que todas as crises no seu cerne
libertando o homem da necessidade são crises religiosas.18
concreta de suas respectivas condi- Quanto mais se conhecer as cri-
ções de vida. ses, mais se conhecerá o outro e suas
O Reino de Deus vem muito an- necessidades e aspirações. Como
tes e se faz presente no mundo, cuja estas crises se manifestam e quando,
missão é encarnar o Seu amor às ajuda a identificar pessoas que estão
pessoas em suas necessidades. Neste urgentemente necessitando da en-
contexto a Igreja é chamada a parti- carnação do amor de Deus em suas
cipar e se expor aos povos com suas vidas. Nestes momentos pode-se
culturas e religiões, criticando os as- descobrir o significado da graça de
pectos de alienação, mas caminhan- Deus e o verdadeiro sentido das re-
do com solidariedade, se esvaziando lações com o outro e consigo. Como
e compartilhando dores e crises.
Com isso a Igreja se modifica, cres- 18 Lothar C. HOCH, A crise pessoal e sua
ce, se transforma. Este é o chamado dinâmica: Uma abordagem a partir da
Psicologia Pastoral, p. 5.

64 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Aconselhamento

diz Hoch, na sua obra A cura como localiza a crise dentro das pessoas,
tarefa do aconselhamento pastoral: quando suas usuais atividades des-
“muitas vezes o verdadeiro milagre tinadas a solucionar problemas são
não consiste tanto no fato de acontecer ineficazes, permitindo que o estresse
uma cura sensacional, mas no fato da de necessidades não satisfeitas au-
pessoa aflita receber força para carre- mente sem parar.20
gar a sua cruz com dignidade e espe- Switzer entende assim também,
rança. (...) Prefiro, por isso mesmo, que a crise não é necessariamente
caracterizar a presença pastoral junto inerente à situação externa em si,
aos que sofrem como ministério de so- “a própria crise é a reação interna ao
lidariedade na fraqueza”.19 evento externo, e eventos que podem
Os passos terapêuticos, certa ser muito ameaçadores para alguns
postura do aconselhador, têm como podem não ser para outros”.21
objetivos a integração e a potencia- Falando sobre as origens das
lização do indivíduo, recentralizan- crises ele as caracteriza como ansie-
do sua imagem de valor e poder, na dade, recriminação e um frequente
nova comunidade de interpretação e senso de fracasso pessoal e culpa;
ação. Nesta caminhada, não sem crí- uma combinação de um tremen-
tica á tradição herdada, vai assumir a do impacto emocional junto com a
responsabilidade de cidadão em me- diminuição da habilidade de ver os
lhorar a vida do povo. problemas claramente e lidar com
eles. Aqui começa frequentemen-
Conhecendo as crises te a falência do seu próprio mundo
pessoal, perda de identidade, onde
A informação é extremamente a mesma é muitas vezes baseada nas
importante para se ter a perspectiva relações comunitárias: “A pessoa em
certa da situação e para ordenar um crise é alguém que começou a perder a
plano aceitável de ação; o processo perspectiva, sente-se ansioso e desam-
onde cada um conta seu caso é um parado, frequentemente deprimido
procedimento sensível para restau- e inútil, sem esperança, cujo futuro
rar a correta perspectiva e ajudar o
indivíduo a recolocar sua experiên- 20 Howard J. CLINEBELL, op. cit., p. 180.
cia dentro do contexto. Clinebell 21 David K. Switzer, op. cit., p.46. “the cri-
sis itself is the internal reaction to the
external event, and events that may be
19 Id., A cura como tarefa do aconselha- very threatening for some may not be
mento pastoral, p. 20. for others”.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 65


Aconselhamento

parece ser impedido, que perdeu a de vida que foi afetado por alguma
visão até mesmo de algo do próprio condição adversa.
passado”.22 A leitura de livros sobre temas
Hoch ao citar os dois tipos fun- de crises se torna muito importante
damentais de crises, de desenvolvi- neste assunto de conhecer melhor
mento e as emergenciais ou aciden- as crises e seus aspectos. A entida-
tais, salienta que estas últimas não se de luterana “Hora Luterana” pro-
caracterizam por um estado prolon- duz pequenos livretos que analisam
gado e crônico de sofrimento pes- brevemente algumas crises mais fre-
soal, mas de uma crise reativa a uma quentes na sociedade brasileira e dão
circunstância súbita.23 alguns encaminhamentos. Alguns
Em crises e perdas, as pessoas dos livretos mais importantes são:
muitas vezes se defrontam com sua Estresse, Como Superar a Depres-
fome espiritual, com o vazio de suas são, Como Vencer a Solidão, Ven-
vidas e com a pobreza de seus valo- cendo as Drogas, Bebida, alegria ou
res e relacionamentos. Neste sentido problema, Mães Sozinhas, Estamos
uma crise pode se tornar um mo- Separados, e Agora? Combatendo
mento decisivo, uma oportunidade o Abuso Sexual, A Família e a Aids,
de crescimento, em que as pessoas Procurando Emprego, A Violência
se afastam ou se aproximam de uma Familiar, O Luto, Ser feliz no Casa-
maior força e integralidade da per- mento, Crises e Conflitos, O Privilé-
sonalidade. Este momento deve ser gio de Envelhecer.
valorizado e tratado com o devido Hoch, citando a obra Crisis
respeito e consideração que envolve Counseling de Howard W. Sto-
uma oportunidade desta. Isto não ne, identifica os quatro momentos
significa que se deva dar início a uma
terapia extensa; antes, classificar e
tentar identificar a confusa situa-
ção dando andamento ao processo
22 Ibid., p. 268. “The person in crisis is one
who has begun to lose perspective, feel
anxious and helpless, often depressed
and worthless, frequently without hope,
whose future seems to be blocked out,
who even has lost sight of some of his
own past.”
23 Lothar C. HOCH, A crise pessoal..., p. 2.

66 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Aconselhamento

duma crise. “como aconselhadores pastorais, nós


O primeiro é o evento precipi- precisamos pôr os óculos do crescimen-
tador ou o estímulo externo que to, que nos tornam capazes de ver e de
desencadeia o processo. O segundo afirmar as potencialidades dadas por
momento resulta da percepção do Deus às pessoas”.26
evento como ameaça. Na terceira Hoch também salienta que “o
fase a pessoa faz um levantamento papel do conselheiro consiste em aju-
de recursos disponíveis para enfren- dar a pessoa a recuperar os fragmen-
tar a crise. Por último, se dá o desen- tos de esperança que ainda existem
cadeamento da crise, que poderá ser no recôndito de sua alma e dos quais
de maior intensidade ou menor, de- ela talvez não tenha consciência, vi-
pendendo das fases anteriores. sando juntá-los como brasas dispersas
Destaca uma afirmação impor- em meio às cinzas e, assim, reacender
tante de que a crise emergencial é a chama da vida”.27 Carl Ferdinand
uma reação normal, mas que existem Wilhelm Walther, teólogo luterano,
pessoas que perdem completamente em sua obra Lei e Evangelho, em sua
a noção dos fatos, agem como se as oitava tese orienta neste sentido, que
coisas não estivessem acontecen- “a palavra de Deus não é aplicada cor-
do com elas. Algumas pessoas se retamente quando a lei é pregada aos
tornam dependentes, tornando-se que já estão atemorizados em relação
inclusive, mais influenciáveis. Por a seus pecados, ou quando o evangelho
outro lado, existem pessoas calejadas é pregado aos que vivem tranquila-
no manejo das crises, tornando-se mente em seus pecados”.28
esteios para outras pessoas em situ- Falando da pessoa do conse-
ação semelhante.24 lheiro, é importante salientar o que
Concordando que na maioria Switzer diz sobre o poder da pala-
dos casos as crises ajudam as pesso- vra falada; ele a vê como um ato da
as a crescerem, Hoch concluiu com pessoa toda, um reflexo do que se é,
um alerta de que se use cautela em uma unidade de linguagem e perso-
afirmações como: “Sua crise vai pas- nalidade: “aconselhar é este tipo de
sar logo e depois você estará melhor do relacionamento presente, passado-
que está hoje”.25 -presente, e futuro-presente, estabele-
Clinebell chama atenção que 26 Howard J. CLINEBELL, op. cit., p. 53.
27 Lothar C. HOCH, op. cit., p. 6.
24 Apud Ibid., p.2,3. 28 C. F. W. WALTHER, Lei e Evangelho, p.
25 Lothar C. HOCH, A crise pessoal, p.5. 26.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 67


Aconselhamento

cido e repassado pelo uso de palavras mente consigo próprio, olhando


faladas”.29 Isto torna importante a para seu próprio crescimento, cura e
pessoa do aconselhante no processo relacionamentos significativos, para
de crise de uma pessoa e não apenas depois então, poder oferecer a ou-
as palavras ou orientações com pas- tros. Por fim conclui dizendo que:
sos a seguir. “nós precisamos poder utilizar o poder
Switzer aponta quatro conside- simbólico de nosso papel, mas sem (...)
rações importantes para que o acon- explorar as pessoas com isto”.30
selhante possa utilizar mais efetiva- Conhecer o outro e suas limi-
mente as técnicas de intervenção. tações também é ver-se a si mesmo
Ele deve estar situado e envolvido nestas condições. Portanto, é pre-
com uma comunidade específica, ciso conhecer os aspectos das crises
onde possa ser facilmente achado; e como se manifestam, para, com
precisa estar disponível, pois a im- alguma orientação, poder ajudar o
portância do imediato acesso à pes- próximo nestas condições; assim
soa necessitada no tempo da crise é ele terá um momento de supera-
enfatizada por vários profissionais ção, de potencialização de si mesmo
da área em atuação. Outro fator im- tornando-o mais capaz de viver esta
portante é a mobilidade do aconse- vida e, por sua vez, ajudar o outro.
lhante; um ministro consciencioso e
dedicado tem um modelo: visita as Uma forma breve de
casas, conhece novas pessoas e abre ajuda a pessoas em
portas para o aconselhamento.
Por último ressalta a flexibilida-
crise
de, não necessitando aplicar auto- Entendendo como um dos obje-
maticamente as formas, os símbo- tivos do aconselhamento à pessoas
los, ritos e sacramentos; o direito de em crise, o alívio dos sintomas e a
intervir na vida de outro não pode continuidade do aconselhamento,
ser baseado nas normas tradicionais, visando a sua integração a uma co-
mas na habilidade de ajudar. Envol- munidade terapêutica de solidarie-
ve também responsabilidade inicial- dade, é importante a análise de uma
29 David. K. SWITZER, op. cit., p. 63.
“counseling is this kind of present, 30 Ibid., p. 66-71. “we need to be able to
past-present, and future-present rela- utilize the symbolic power of our role,
tionship, established and expedited by but without (...) exploiting people with
the use of spoken words.” it”.

68 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Aconselhamento

forma breve de ajuda que seja dispo- ensino”.32 Clinebell salienta esta mes-
nível para conselheiros não profis- ma preocupação de evitar procedi-
sionais como leigos de comunidades mentos precipitados: “aconselha-
religiosas. dores inexperientes deveriam evitar
Hoch ressalta que a miséria de pensar em soluções para os problemas
muitas pessoas, no contexto latino- dos aconselhandos, concentrar-se em
-americano, não permite que se ope- vez disso, em compreendê-los e estar
re com uma proposta terapêutica de com eles solicitamente em seu mundo
longo prazo e centrada no indiví- interior”.33
duo, mas um aconselhamento com Neste sentido já encaminha al-
objetivos em curto prazo, sensível e guns passos que podem ajudar a evi-
levando em conta a dimensão comu- tar esta precipitação. Deve-se evitar
nitária presente no povo.31 fazer perguntas de informação além
A convivência, além do diálogo, do necessário, fazendo perguntas
pode trazer à tona os verdadeiros sobre os sentimentos e respondendo
motivos da crise. Nem sempre as pa- a eles, observando a emoção da voz,
lavras que levam a certa racionaliza- do rosto e da postura. Observando
ção podem traduzir os sentimentos não apenas ao conteúdo intelectual
e motivações profundas pelas quais pode-se evitar interpretações e con-
uma pessoa está passando. Um re- selhos prematuros.34
lacionamento terapêutico cresce na Switzer coloca sete itens como
medida em que o aconselhante se condições básicas para um efetivo
aplica no sentido de estar com a pes- aconselhamento. Em primeiro res-
soa aflita. Isso significa concentrar- salta a necessidade de uma empatia
-se em ouvir, e responder com uma acurada, do início ao fim. O conse-
empatia solícita. lheiro precisa perceber e sentir o que
Walther, em sua última tese, fecha a outra pessoa está sentindo, e co-
com chave de ouro seus conselhos municar de forma verbal ou não, de
sobre o uso da Palavra: “A palavra que ele está emocionalmente onde o
de Deus não é aplicada corretamente outro está.
quando aquele que ensina a palavra O fator seguinte é o respeito pelo
de Deus não permite que o evange- aconselhando, como alguém que
lho tenha predomínio geral neste seu
32 C. F.W.WALTHER, op. cit., p.90.
33 Howard J. CLINEBELL, op. cit., p. 74.
31 Lothar C. HOCH, A cura..., p. 23. 34 Ibid., p. 81.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 69


Aconselhamento

está vivendo um momento decisi- cliente, ou entre o seu próprio con-


vo que pode lhe trazer crescimento ceito e o seu ideal, ou ainda entre a
de suas potencialidades. O terceiro sua experiência e a do conselheiro.
aspecto importante é a concretude, Estas questões podem ser trabalha-
ou seja, definir bem com exemplos, das de forma clara e sem agressões,
qual exatamente é o sentimento so- através de questionamentos diretos
bre o qual está falando, para evitar e indiretos.
mal-entendidos. Por último, ele ressalta o aspecto
Os dois pontos seguintes são a da imediaticidade experimentada en-
genuinidade e a transparência de si tre o aconselhante e o aconselhando,
mesmo ao cliente. Isto envolve uma nesta experiência presente de relações
habilidade de utilizar sentimentos mútuas com impactos em ambos.35
negativos para ajudar a explorar Com respeito a modelos de ajuda
mais o relacionamento; ele enten- breve, Clinebell sugere alguns pas-
de que um alto índice de defensivi- sos para a sua efetivação. A empatia
dade é uma característica de baixo e a catarse emocional são os primei-
nível de genuinidade. O aspecto do ros passos; depois a mobilização de
desclausuramento ou transparência recursos latentes e uso de métodos
de si mesmo envolve o conselheiro alternativos; em seguida as ideias e
em revelar sua personalidade como sugestões seguidas de estímulo à au-
ele é, tornando-se mais humano ao toconfiança. Por fim a possibilidade
aconselhando, repartindo impor- de retorno e o encaminhamento ao
tantes aspectos de sua vida. profissional especializado.36
A confrontação é o outro aspecto
ressaltado onde a discrepância pode 35 David K. SWITZER, op. cit., p. 74-76.
ocorrer entre a intuição e a ação do 36 Howard J. CLINEBELL, op. cit., p. 190,
191.

70 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Aconselhamento

Switzer amplia e aprofunda este formarem uma barreira, precisam


caminho através do método A-B- ser reconhecidas, conversadas e re-
-C conforme resumido a seguir. Ele solvidas antes de continuar. Certas
entende que três áreas de necessida- emoções são projetadas como um
des na crise definem a intervenção: filme na tela, parecendo ser direcio-
a percepção distorcida do paciente, nadas contra o conselheiro, porém
as fortes emoções envolvidas que são na verdade lembranças de rela-
precisam ser redirecionadas e a dis- cionamentos passados com outras
tinção entre os modelos terapêuticos pessoas. Sabendo disso podemos
do mais adequado ao cliente dentro usar estes sentimentos como uma
de suas circunstâncias. O modelo ponte para um novo passo.
ABC consiste em: Ativar o conta-
to, Buscar o essencial do problema e Buscar o essencial do
Conduzir o enfrentamento do pro- problema
blema através de recursos do cliente.
Focalizar a crise atual, auxiliar a
Ativar o contato pessoa a ser honesta consigo mesma;
procurar mover a conversa sempre
(1) estabelecer um relacionamen- de volta ao presente, ressaltando
to de confiança pela demonstração emoções atuais, relacionamentos,
ativa do interesse do conselheiro, frustrações e conflitos presentes.
encorajando as pessoas a contarem
sua história. (2) identificar o pro- Conduzir o enfrentamento
blema atual e o evento que o preci-
pitou, através de perguntas como:
do problema
porque está aqui? O que espera de Decisão e ação é o objetivo de
mim? O que aconteceu nas últimas todo o procedimento. Para tanto se
duas semanas? O que é novo na sua faz necessário: (1) Um inventário
situação de vida? (3) Catarse, que das soluções para o problema como
pode ser iniciada com certas afirma- auxílios comunitários, agências es-
ções como ‘você está prestes a cho- pecializadas, AA, etc... Além disto
rar’, ‘você me parece muito mal’, ‘o é necessário explorar possibilida-
que você está sentindo quando fala des de cura usadas no passado pelo
sobre isto’. Se na catarse sentimentos cliente (pela primeira vez enfatizar
negativos forem dirigidos contra o o passado), estimulando a busca de
conselheiro ou atitudes negativas forças interiores. (2) Decisão por

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 71


Aconselhamento

alguma ajuda ou método, sendo mentemos nossa vaidade e nos-


que a sugestão do conselheiro sem- sas fantasias de onipotência.39
pre vem por último; o conselheiro
é um mero estimulador, “a regra de Como identificar pessoas em cri-
ouro para o terapeuta em interven- se usando, por exemplo, os meios
ção de crise é fazer para os outros o de comunicação, passos práticos
que eles não podem fazer para si de que possibilitem a não profissionais
nenhuma forma”.37 (3) O valor do como os leigos de comunidades re-
relacionamento pessoal é enfatiza- ligiosas, visitarem pessoas em crise,
do neste ponto, além de reconstruir poderia ajudar em muito atender a
relações desfeitas. (4) Por último, crises. O aconselhamento pode se
articular os novos aprendizados, o constituir numa ponte entre a Igreja
que se aprendeu de tudo isto, bem e uma considerável parcela de pesso-
como utilizar estas novas forças as que está afastada dela ou decep-
para resolver outros problemas no cionada com a mesma.
futuro.38 Hoch falando sobre a di- Muitas igrejas hoje estão paradas
nâmica das crises também ressalta ou estão até perdendo seus membros
bem esta ênfase: porque elas não encontram formas
por maior que seja a crise que eficazes de se fazerem presente na
uma pessoa esteja enfrentando, vida de seu povo em momentos de
é necessário que ela assuma a sofrimento, de dor, de conflitos e de
sua parcela de responsabilidade perdas.
na solução do problema. Cabe Pessoas que não experimentam a
a nós a arte de motivá-la para solidariedade da Igreja em situações
isso, de ganhar a sua adesão. cruciais de sua vida acabarão duvi-
Isso fará bem para ela, pois se dando da capacidade desta mesma
sentirá orgulhosa e valorizada Igreja de ser solidária com elas. Par-
por ter participado do processo ticipar da mesa do Senhor implica
e fará bem para nós terapeutas partilhar também do sofrimento
e curadores para evitar que ali- daqueles com quem se comunga.
Cuidar bem do outro faz bem a to-
37 Davi K. SWITZER, op. cit., p.95. “the dos os membros. Igreja verdadeira é
golden rule for the therapist in crisis in- aquela igreja que é solidária, onde
tervention is to do for others that which
they cannot do for themselves and no um consola o outro, caso contrário,
more”.
38 Ibid., p. 78-100. 39 Lothar C. HOCH, A crise..., p. 8.

72 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Aconselhamento

não passa de farisaísmo, tão conde- cos. São Leopoldo: Escola Superior
de Teologia, v. 20, n. 2, 1980, p. 88-99.
nado pelo Senhor. A Igreja vai onde _______Comunidade Solidária (Visita-
o povo está! ção). Série Visitação, n. 04, São, Leo-
É fundamental sermos uma igreja poldo, EST. Ano 1991. 12 p.
_______Comunidade Terapêutica: Em
confessional, sim, mas que vai ao en- busca duma fundamentação eclesio-
contro das necessidades das pessoas. lógica do Aconselhamento Pastoral.
In: ABAC (Ed.) Fundamentos Teoló-
gicos do Aconselhamento. São Leo-
Rev. Ms. Martinho Rennecke — Caxias do Sul-RS poldo: Sinodal, 1988. p. 21-33.
— é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil _______O ministério dos leigos: gene-
e coordenador do Projeto Macedônia — CxP 195, alogia de um atrofiamento. Estudos
Teológicos, São Leopoldo: Escola
95.001-970 (projetomacedonia@terra.com.br). Superior de Teologia, v.30, n.3, 1990.
p.256-272,
_______Psicologia a serviço da liberta-
ção: possibilidades e limites da psi-
Bibliografia cologia pastoral de aconselhamento.
Estudos Teológicos. São Leopoldo:
ALTMANN, Walter. Lutero e Libertação. Escola Superior de Teologia, n. 25, v.
São Leopoldo: Sinodal, São Paulo: 3, 1985, p. 249-270.
Ática, 1994. 352 p. MÜLLER, Juan J. Missão e contato com
BOSCH, David J. Missão Transformado- outras denominações cristãs. In: A
ra: Mudanças de Paradigma na Teo- Missão de Deus diante de um Novo
logia da Missão. São Leopoldo: Sino- Milênio, Porto Alegre: Concórdia,
dal/EST, 2002.690 p. 2000. p. 76-89
CLINEBELL, Howard. Aconselhamento LUTERO, Martinho. Exortação ao Sa-
Pastoral: modelo centrado em liber- cramento do Corpo e Sangue do
tação e crescimento. 2. ed. São Le- Nosso Senhor. In: Pelo Evangelho de
opoldo: Sinodal; São Paulo: Paulinas, Cristo. São Leopoldo: Sinodal; Porto
1987. 427 p. Alegre: Concórdia, 1984. p.253-285
HOCH, Lothar C. A crise pessoal e sua SCHERER, James A. Evangelho, Igreja e
dinâmica. Uma abordagem a partir Reino. Estudos Comparativos de Te-
da Psicologia Pastoral. Palestra pro- ologia da Missão. São Leopoldo: Edi-
ferida em São Leopoldo, RS, 2000. 8 tora Sinodal/EST IEPG, 1991. 204 p.
p. SCHOLZ, Vilson. A igreja como Sacer-
_______A cura como tarefa do aconse- dócio Real. Igreja Luterana, ano 47,
lhamento pastoral. In: Prática Cristã n. 2, São Leopoldo, Seminário Con-
— Novos Rumos, São Leopoldo: Si- córdia, p. 5-17, 1988.
nodal/IEPG, p.17-28. O Ministro. Igreja Luterana, ano 45, n. 1,
Aconselhamento pastoral e libertação. São Leopoldo, Seminário Concór-
Estudos Teológicos. São Leopoldo: dia, 1985, p.17-52.
Escola Superior de Teologia, v. 29, n. SWITZER, David K. The Minister as Cri-
1, 1989, p. 17-40. sis Counselor. Nashville: Abingdon
_______Algumas considerações teoló- Press, 1974. 288 p.
gicas e práticas sobre a pastoral de WALTHER, Carl F.W. Lei e Evangelho.
aconselhamento. Estudos Teológi- Porto Alegre: Concórdia S.A., 1977.
92 p.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 73


Liderança Leiga Rev. Leandro D. Hübner

O Espírito Santo,
a Liderança Cristã
e o sacerdócio universal de
todos os crentes
N este pequeno ensaio queremos
refletir um pouco sobre o pa-
pel do Espírito Santo na liderança
1. Sacerdócio Universal
de Todos os Crentes
cristã e no sacerdócio universal de O sacerdócio real de todos os
todos os crentes, aplicando isto ao crentes, doutrina bíblica que nos diz
nosso contexto de Igreja Evangélica que cada cristão batizado é um sa-
Luterana do Brasil. Para tanto, ve- cerdote real de Cristo, está firmada
remos o que dizem alguns autores especialmente no texto de 1 Pedro
sobre os temas principais (liderança 2.9: Mas vocês são a raça escolhida,
e sacerdócio universal), bem como os sacerdotes do Rei, a nação comple-
alguns textos bíblicos relacionados tamente dedicada a Deus, o povo que
ao Espírito Santo e sua relação com pertence a ele. Vocês foram escolhidos
o tema proposto. para anunciar os atos poderosos de
Deus, que os chamou da escuridão
para a sua maravilhosa luz (NTLH),
além de Apocalipse 1.5-6.
Porém, como muitas outras, esta
também foi uma doutrina que aca-
bou obscurecida pelo desvio da Igre-
ja Cristã da Palavra de Deus durante
a chamada Idade Média. E, assim
como Martinho Lutero redescobriu
o Evangelho e a salvação pela fé em
Cristo, na Reforma do século XVI,
ele trouxe à luz também esta precio-
sa verdade descrita em 1 Pedro 2.9.

74 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Liderança Leiga

Sobre isto lemos no volume 7 das como diz Cristo em Jo 61.45:


Obras Selecionadas de Lutero: “Sereis todos instruídos por
É notória a redescoberta do sa- Deus”, e Salmo 44 [sc. 45.71]:
cerdócio dos crentes por Lutero. “Deus te ungiu com o óleo da
Já na sua preleção sobre a Car- alegria como a nenhum dos
ta aos Romanos (1515/16), ele teus semelhantes”. Esses compa-
faz alusão a ele. Quatro anos nheiros são os cristãos, irmãos
depois, em “Um Sermão a res- de Cristo, que com ele estão or-
peito do Novo Testamento, isto denados sacerdotes, como tam-
é, a respeito da Santa Missa” bém diz Pedro, em 1Pe 2[.9]:
(1520), refere-se literalmen- “Vós sois sacerdócio real, para
te ao sacerdócio dos crentes! que proclameis os benefícios
Em seguida, em “À Nobreza daquele que vos chamou das
Cristã da Nação Alemã, acer- trevas para sua maravilhosa
ca da Melhoria do Estamento luz.”2
Cristão” (1520), aprofunda a
questão. Perante a postura an- É interessante também ver o que
ti-Reforma de Roma, Lutero nos diz Johannes Rottmann sobre o
assevera o sacerdócio dos cren- sacerdócio real e a origem deste ter-
tes como veículo da Reforma da mo:
Igreja. A vivência do Batismo “O Novo Testamento clara-
desencadeia a renovação da mente classifica todos os servos
Igreja em doutrina e prática.1 de Cristo como sacerdotes re-
ais. ... A fim de que já no início
Além das referências de Lutero haja entendimento mútuo do
ao assunto citadas acima, neste mes- sentido deste termos, preciso
mo volume 7 das obras de Lutero constatar que na língua grega
temos uma palavra dele sobre o sa- a palavra “sacerdote” — “hie-
cerdócio real: réus” significa “administrador
Por isso ninguém pode negar, de coisas sagradas”. É o mesmo
que cada cristão tem a Palavra sentido que a palavra “sacer-
de Deus e foi instruído e ungi- dote” tem em nossa língua. A
do por Deus para ser sacerdote, palavra “real” é no grego “ba-

1 Obras Selecionadas de Martinho Lute- 2 Obras Selecionadas de Martinho Lute-


ro, v.7, p. 75. ro, v. 7, p. 31.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 75


Liderança Leiga

síleion”, derivado de “basiléus”, Como sacerdotes chamados


rei, monarca, alguém que pos- e capacitados pelo próprio Deus
sui autoridade de um rei. Ser (1Pe 2.5), somos incumbidos de
“sacerdote real” significa, por- grandes privilégios e responsabi-
tanto, possuir autoridade régia lidades, tais como: oferecer-nos
de administrar as coisas sagra- completamente ao Senhor (Rm
das de Deus. ... Os servos redi- 12.1ss.), ouvir a Palavra sempre
midos de Cristo são sacerdotes (Cl 3.16), proclamar o Evange-
reais.”3 (26) lho e batizar (1Pe 2.9, 3.15, Mt
28.18-20), ofertar ao Senhor para
Desde o momento em que re- o trabalho do Reino (2Co 8 e 9,
cebemos a fé em Cristo, pelo ba- Fp 4.18), orar pelo mundo (1Tm
tismo ou pelo ouvir a Palavra de 2.1-2), louvar a Deus (Cl 3.16,
Deus, nos tornamos sacerdotes Hb 13.15-16), chamar pastores
reais de Deus, pois naquele mo- (At 14.23), admoestar-nos mutua-
mento o Espírito Santo nos uniu mente (Gl 6.1-3), servir a Deus no
a Cristo e nos fez sacerdotes de casamento e na criação dos filhos
Cristo, tanto homens como mu- (1Pe 3.1,7, Ef 6.4), entre outras.
lheres, sem distinções (Mt 23.8, Concluímos esta breve refle-
Gl 3.26-28). xão sobre o sacerdócio real dos
Sendo sacerdotes reais, rece- crentes citando o pastor Leopol-
bemos pela graça de Deus o per- do Heimann, que resume bem o
dão pleno, a vida e a salvação em tema:
Cristo e podemos com confiança Além de Pedras Vivas e Raça
chegar diante de Deus (Hb 10.19- Eleita, os leigos também são e
22), como diz Rottmann: Ser recebem o terceiro título: Sa-
sacerdote significa que o servo cerdotes do Rei Jesus. E como
redimido de Cristo, na sua totali- Sacerdotes do Rei Jesus, sa-
dade, também é sacerdote e pode cerdotes santos ou sacerdotes
entrar, sem medo, no Santo dos dedicados a Deus, os cristãos
Santos, isto é, pode e deve diaria- leigos oferecerem sacrifícios es-
mente estar face a face com Deus, pirituais agradáveis a Deus (1
em diálogo com ele e em oração.4 Pedro 2.5). Como sacerdotes
espirituais — não como um
3 Servos de Cristo, p. 26. cargo ou função hierárquica
4 Servos de Cristo, p. 35.

76 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Liderança Leiga

na Igreja — os leigos também


reinam com Deus no Reino de
Deus, e triunfam sobre o peca-
do, a morte e Satanás. Podem,
agora, dirigir-se diretamente
a Deus, o Senhor, o Salvador
e Rei, sem mediadores ou sa-
cerdotes, como no Antigo Tes-
tamento. Podem dirigir-se ao
Pai, tendo um só Mediador;
Jesus Cristo, o Sumo Sacerdote!
O livro de Apocalipse (capítu-
lo 16) confirma este conceito e
aponta para sua finalidade: Je-
sus Cristo fez de nós um reino as qualidades esperadas de um líder,
de sacerdotes a fim de servirmos mas podemos dizer que os modelos
ao seu Deus e Pai. 5 bíblicos de liderança, como Moisés,
Neemias, Paulo, e é claro, Jesus, são
as fontes principais para buscarmos
2. Liderança Cristã essas qualidades desejáveis em um lí-
der cristão. Podemos resumir a lide-
Há várias definições sobre lide-
rança bíblica, especialmente no caso
rança e o que é um líder. Podemos
de Paulo e Cristo, como “liderança
dizer, tentando uma definição deri-
de serviço”.
vada delas, que liderança é uma po-
Quando falamos de liderança
sição de responsabilidade, visando
cristã, pensamos principalmente
levar um grupo a alcançar uma meta
de líderes cristãos atuando em suas
proposta, e que liderar é ter a habili-
congregações e igrejas, mas também
dade de influenciar pessoas para tra-
de sua influência na comunidade
balharem entusiasticamente visando
e sociedade em que vivem. Para J.
atingir os objetivos identificados
Oswald Sanders, liderança espiritual
como sendo para o bem comum.
é uma mistura de qualidades natu-
Não é nosso propósito neste en-
rais e espirituais. Até mesmo as qua-
saio detalhar os tipos de liderança e
lidades naturais não são oriundas do
indivíduo, mas de Deus e, portanto,
5 Os Leigos da Minha Igreja, p. 69.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 77


Liderança Leiga

alcançam maior efetividade quan- A liderança natural e a espiritual


do empregadas no serviço de Deus, e têm muitos pontos em comum, mas,
para sua glória.6 O líder cristão tem há alguns aspectos em que elas po-
muitas qualidades e habilidades co- dem diferenciar-se totalmente. Vê-
muns aos líderes não cristãos. O di- -se isto melhor quando suas caracte-
ferencial é justamente a fé cristã e a rísticas dominantes são comparadas
orientação do Espírito Santo. Aqui entre si, como no quadro abaixo:
citamos novamente Sanders:
6 Liderança Espiritual, p. 21.

Líder natural Líder espiritual


Autoconfiante Confia em Deus
Conhece aos homens Conhece também a Deus
Faz suas próprias decisões Procura a vontade de Deus
Ambicioso Humilde
Origina seus próprios métodos Encontra e segue os métodos de
Deus
Gosta de comandar os outros Delicia-se em obedecer a Deus
Motivado por considerações pes- Motivado pelo amor a Deus e aos
soais homens
Independente Dependente de Deus
Liderança Espiritual, p. 22.

Concordamos com Sanders tam- to. O intelecto, as emoções, a


bém quando ele diz que outras qua- vontade, as forças físicas, tudo
lificações para a liderança espiritual fica em disponibilidade para o
são desejáveis, mas ser cheio do Espí- Espírito, para que se atinjam
rito Santo é indispensável7, conforme os propósitos de Deus. Sob seu
lemos em Atos 6.3. E o que é estar controle, os dons naturais de
cheio do Espírito? Novamente San- liderança ficam santificados e
ders diz: elevados à sua maior potência.
Estar cheio do Espírito, então, ... A obra toda, realmente, não
é ser controlado pelo Espíri- é outra coisa senão o fluir do
Espírito Santo através de vidas
7 Liderança Espiritual, p. 69.

78 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Liderança Leiga

cisa ter mais um grande diferencial


em relação a outros líderes: saber e
crer que o centro da Palavra de Deus,
da doutrina cristã e de sua fé pessoal
é Jesus Cristo e sua salvação e, junto
com isso, saber e crer que Deus fala
e age em sua Palavra e em nossa vida
com Lei e Evangelho.
É através de Cristo que o Espírito
Santo vem a nós, na Palavra e Sacra-
mentos, e é através da Lei e Evange-
lho que o Espírito opera em nossos
corações, produzindo arrependi-
mento e fé, guiando, corrigindo e
orientando nosso viver, fortalecen-
do em nós a nova vida que temos em
união com Cristo.
O líder cristão, seja ele pastor ou
entregues e cheias (Jo 7.37- leigo, guiado e fortalecido pelo Es-
39).8 pírito Santo na Palavra e Sacramen-
tos, vai então servindo a Deus na sua
Para nós luteranos está muito vocação, posição social e lugar onde
claro como o Espírito Santo vem a Deus o colocou e, ao mesmo tempo,
nós e controla nosso viver e também procura também aperfeiçoar-se em
o líder cristão: através da Palavra e sua liderança, com todos os recur-
dos Sacramentos. Isto não quer dizer sos e formas possíveis e agradáveis a
que seremos cristãos e líderes perfei- Deus. Pensando nisto, concluímos
tos, pois ainda somos pecadores e esta seção com as palavras do pastor
o próprio Espirito de Deus precisa Leopoldo Heimann:
nos ajudar na luta diária para afogar O leigo e o pastor, no exercício
o velho homem em nós e deixar o de seus ministérios na Igreja,
novo homem, criado e guiado pelo precisam se aperfeiçoar e ca-
Espírito, dominar todo nosso ser. pacitar ao longo da vida para
Em vista disso, o líder cristão pre- serem reconhecidos como líde-
res verdadeiros, consagrados e
8 Liderança Espiritual, p. 72.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 79


Liderança Leiga

responsáveis para guiar o povo tanto os líderes pastores como os lí-


de Deus de minha Igreja. Além deres leigos servem ao ministério da
do significado dos diversos ter- Palavra:
mos empregados nas traduções Numa visão teológica mais
bíblicas tradicionais, o líder, profunda, porém, é possível
na linguagem de nossa socieda- afirmar que, na realidade,
de, é uma pessoa que governa, existe apenas um ministério na
comanda, chefia, guia, orienta Igreja. É o Ministério da Pre-
e capacita os liderados na pro- gação da Igreja (Predigtamt).
fissão em que ele estiver atuan- Engloba todas as finalidades
do. e atividades da Igreja — o
O líder é de fato um guia, um anúncio da Palavra de Deus
condutor, um chefe, um gover- e administração dos Santos
nador, um orientador e um Sacramentos do Batismo e da
professor que prepara e conduz Santa Ceia.
um grupo na sociedade e na O Ministério Pastoral (Pfar-
profissão em que vive. Também ramt) é uma subordem dentro
na minha Igreja.9 da ordem maior da Igreja, e é
uma função especial exercida
pelos cristãos pastores da Igre-
3. O Sacerdócio ja. O Ministério Sacerdotal
Universal, a Liderança e (Priesteramt) é uma subordem
o Espírito Santo dentro da ordem maior, a Igre-
ja, e é uma função geral exer-
O sacerdócio universal de todos cida por todos os cristãos leigos
os crentes, como vimos, constitui-se da Igreja.
de todos os cristãos batizados e in- Os dois ministérios, dentro da
tegrados à família da fé, a família do mesma Igreja, são inseparáveis.
Deus triúno. Entre esses sacerdotes E os dois são absolutamente ne-
alguns tornam-se líderes ou recebem cessários para cumprir o minis-
funções de liderança no Reino de tério maior: O Ministério da
Deus, tanto líderes chamados de Pregação da Igreja. Pastor e
pastores como os chamados líderes leigo em conjunto, realizam a
leigos. Heimann nos mostra que missão da Igreja.10
9 Os Leigos da Minha Igreja, p. 144. 10 Os Leigos da Minha Igreja, p. 51.

80 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Liderança Leiga

Leigos e pastores servem juntos a Para esta obra, seja como líderes
Deus para levar a Palavra ao mundo, ou liderados, pastores ou leigos, so-
realizando a missão deixada a nós mos capacitados e guiados pelo Es-
por Jesus (Mt 28.18-20, At 1.8, et pírito Santo de Cristo. E o pastor,
alli). Nesta obra é necessário haver por causa de seu ofício, preparo e
liderança e organização, mas sem função, tem um papel fundamental
que isto signifique uma hierarquia em nutrir e guiar o povo de Deus na
que leva à opressão ou à omissão de vida do Espírito, como nos diz Ca-
qualquer cristão, como nos diz Rot- emmerer:
tmann: A igreja é uma comunhão em
Como podemos exercitar o sa- que cada membro busca edi-
cerdócio real hoje? ... Somos ficar o irmão com os recursos
sacerdotes; individualmente interiores do Espírito de Deus.
sacerdotes! Sacerdócio real co- Mas a carne também busca a
loca cada um, leigo, pastor, ho- comunhão; ela também inter-
mem e mulher, jovem e velho comunica a falsificação da vida
em uma posição de responsabi- e o desejo do diabo. Na igreja,
lidade direta e pessoal perante por isso, uns devem lembrar aos
Deus. Ser sacerdote real tam- outros de Cristo: 1Pe 4.1-2.
bém hoje significa ser servo do O ministério do pastor leva os
Santo dos Santos, ser servo do cristãos a cultivar a vida do Es-
Deus vivo. E isto diretamente: pírito em vez da vida da carne,
não numa hierarquia, em que a fim de produzir esta distin-
se pode colocar a responsabili- ção do mundo que é primária
dade sobre o que nós é hierar- no testemunho cristão aos de
quicamente superior, em que fora; este ministério age capa-
um pode esconder-se atrás das citando homens para capacitar
costas do outro. Cada um, tu homens.12
e eu, homem e mulher, esposo
e esposa, pastor e leigo, somos Somos nutridos, fortalecidos e
chamados a entrar no Santo guiados no Espírito de Cristo para
dos Santos e dialogar com Deus melhor testemunhar nossa fé em
e servir a Cristo.11 Cristo ao mundo. Como dissemos
antes, isso acontece através da

11 Servos de Cristo, p. 39. 12 Feeding and Leading, P. 93.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 81


Liderança Leiga

vocação própria de cada cristão e dos e com a edificação da fé e da vida do


dons que cada um recebe de Deus, povo de Deus, como também diz
sendo o pastor o servo encarrega- Caemmerer14. E, assim como a fé
do por Deus para ajudar os cristãos salvífica, também esses dons são da-
a descobrir, desenvolver e usar seus dos unicamente por Deus, de graça e
dons na Igreja e em suas vocações, segundo o seu querer:
como afirma Caemmerer, Aos assim libertados, aos remi-
Há duas grandes estruturas dos do Senhor, concedeu então
para o crescimento que tra- estes dons gratuitos. Porém é
balham simultaneamente na mister notar: assim como nada
igreja cristã: os dons do Espíri- podiam fazer para serem liber-
to, e as vocações cristãs. O pas- tados , assim também nada po-
tor deve ser principal dirigente diam fazer para obter os dons
e implementador desses dons da graça. São dádivas inteira e
do Espírito; ele deve ser um livremente dadas. Esta verda-
treinador para levar a efeito o de deve ser dita àqueles que de
propósito do cristão ao traba- uma ou de outra maneira, com
lhar em sua vocação 13 maquinações entusiásticas,
querem, por assim dizer, forçar
Todos os dons do Espírito e o seu o Espírito Santo a lhes dar um
uso tem a ver com o nutrir da fé cristã
13 Feeding and Leading, p. 39-40. 14 Feeding and Leading, p. 40.

82 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Liderança Leiga

determinado dom com o qual ao seu destino e cumpram o


querem então fazer alarde e propósito para o qual Deus os
gloriar-se a si mesmos. Não nos coloca juntos na igreja. O Es-
enganemos: o Espirito Santo pírito de Deus, entretanto, age
não pode ser forçado; se ele o somente quando Ele fala aos
dá, fá-lo livremente.15 corações dos homens de Jesus,
e continua repetindo lá o que
É o Espírito de Cristo que dá e o próprio Jesus afirmou diante
distribui a fé e os dons, como nos deles a respeito de Sua obra re-
ensina Paulo em 1 Coríntios 12. dentora; o pastor leva seu povo
Não se pode força-lo nem condicio- a ouvir e falar esta Palavra.16
nar sua obra a caprichos ou desejos
humanos, mas simplesmente de- É o Espírito Santo que vai
vemos aceitar com alegria os dons despertar líderes, como despertou
que Ele nos concede, usando-os da Paulo e Lutero, por exemplo, e vai,
melhor maneira para o crescimento através da Palavra e Sacramentos,
do Reino, o benefício do próximo capacitá-los, guia-los e usá-los na
e a salvação de muitos. Novamente, obra da Igreja de Cristo. Assim,
para essa doação e uso dos dons do podemos concordar que
Espírito, necessitam as pessoas ouvir Aquele que foi chamado por
o Evangelho e receber os Sacramen- Deus para a liderança pode,
tos. Por isso, como diz Caemmerer, confiantemente, ter certeza de
falando de 1Co 12, que o Espírito Santo o dotou
Neste grande capítulo sobre os com os dons espirituais exigi-
dons do pneuma celestial, nós dos, porque o propósito destes
achamos irresistível crer que o dons é qualificar seu possuidor
apóstolo está pensando no dire- para aquele ministério espe-
tor do trabalho da igreja como cífico ao Corpo de Cristo, que
uma pessoa que serve a seu pro- lhe foi atribuído pelo próprio
pósito somente enquanto man- Espírito. É digno de nota que
tém o vento de Deus, o Espiri- nenhum dos dons espirituais
to Santo, soprando dentro da relaciona-se diretamente ao ca-
vida espiritual e do coração do ráter; visam, principalmente, o
povo a fim de que eles cheguem

15 Servos de Cristo, p. 51. 16 Feeding and Leading, p. 43.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 83


Liderança Leiga

serviço.17 mos os pastores Rudi Zimmer, Erní


Seibert, Mário Rost, Vilson Scholz,
Nem sempre os líderes chamados Paulo Teixeira e outros, que se desta-
por Deus queriam ser lideres, como cam em suas funções e cargos, como
Moisés e Jeremias, que pediram que em outros não ligados diretamente
Deus escolhesse outro para a tarefa, à igreja, como o senhor Gilcler Re-
ou como Jonas, que chegou a fugir gina, na área de palestras e treina-
para não assumir a missão confiada a mento de equipes, o senhor Decio
ele pelo Senhor. Mas, como diz San- Dalke, na literatura, o senhor Ônix
ders acima, a quem Deus chama Ele Lorenzoni e vários outros, Brasil
também capacita e guia na missão afora, na área política, bem como ca-
ou tarefa designada. pelães militares e em muitas outras
Em nossa IELB — Igreja Evan- áreas e setores.
gélica Luterana do Brasil — não é Em tudo isso, creio que é muito
diferente. Vemos Deus chamando e claro qual o desejo de Deus, através
capacitando lideranças em todos os do seu Espírito: aperfeiçoar e guiar
níveis — congregações, distritos, en- todos esses líderes, onde quer que es-
tidades, escolas, comissões, conselho tejam, para leva-los a cada vez mais
diretor e diretoria nacional. Estes lí- e melhor servir a Cristo e testemu-
deres, pastores e leigos, são treinados nhar do Evangelho, com voz e vida,
e aperfeiçoados pelo Espírito San- para influenciar pessoas e conduzi-
to, tanto formalmente, em cursos, -las também ao Salvador Jesus.
concílios, congressos, treinamentos, Em meio a tantas “lideranças”
simpósios, pós-graduação e aper- evangélicas em nosso país, que se de-
feiçoamento para pastores e outras dicam a promover a si mesmas e às
formas, como informalmente, no suas denominações, visando muitas
trabalho nas congregações, nas vo- vezes o aumento dos números finan-
cações de cada um e na experiência ceiros acima de tudo, e dizendo-se
adquirida através dos anos. portadores (às vezes até “comandan-
Nossa liderança, além de atuar tes”!) do Espírito Santo de Deus, é
dentro das estruturas da IELB, tam- válido e necessário refletir sobre qual
bém é usada por Deus em outros se- é a verdadeira obra e desejo do Espí-
tores, sejam ligados à igreja, como a rito.
Sociedade Bíblica do Brasil, onde te- Sem dúvida, fazendo boa her-
menêutica bíblica, podemos afir-
17 Liderança Espiritual, p. 73.

84 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Liderança Leiga

mar que através de líderes e cristãos Cristo e à família de Deus, para que
consagrados, o Espírito de Deus tem sejam iluminados pelo Evangelho e
um grande e principal desejo e ob- integrados ao Corpo de Cristo, re-
jetivo: que as pessoas sejam levadas começando assim o ciclo: O Espíri-
a conhecer, confiar e crer em Jesus to Santo chama, ilumina e, etc., para
Cristo como seu único e perfeito que muitos sejam salvos.
Salvador, para receber dele perdão, É para isto que o Espírito Santo
vida e salvação eterna. Em outras chama sacerdotes reais de Cristo, vo-
palavras, o Espirito Santo quer sem- caciona pastores e mestres e desper-
pre apontar para Cristo e não para si ta líderes leigos em nossa IELB: para
mesmo, e muito menos para pessoas, comunicar a Vida e assim acolher e
por mais brilhantes ou carismáticas integrar cada vez mais gente ao povo
que pareçam ser. salvo de Deus.
Assim, que Deus nos conceda
Conclusão ser instrumentos úteis, em qualquer
função ou posição que estivermos
Queremos concluir essa refle- dentro e fora da Igreja, guiados, ca-
xão tentando sintetizar e reafirmar pacitados e fortalecidos sempre pelo
tudo o que acima foi dito, dizendo seu Espírito Santo, para levar Cristo
que: o Espírito Santo chama, ilumi- a todos! Amém.
na e congrega os cristãos através do Rev. Leandro Daniel Hübner — Rio Branco-AC, pastor
Evangelho, reunindo-os como Igreja da Igreja Evangélica Luterana do Brasil.
Cristã. Esta recebe de Deus o Minis-
tério da Palavra, realizado por todos Bibliografia
os cristãos como sacerdotes reais de CAEMMERER, Richard R. Feeding and
Cristo, que������������������������
são��������������������
guiados e alimenta- Leading. St. Louis, Concordia Pub-
dos na Palavra e Sacramentos pelos lishing House, s.d.
HEIMANN, Leopoldo. Os leigos da mi-
ministros da Palavra (pastores), e nha igreja. Porto Alegre, Concórdia,
liderados também por pessoas cha- Canoas, Ed. ULBRA, 2009.
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas,
madas e capacitadas pelo Espírito v.7. Darci Drehmer, ed. Porto Alegre,
Santo para serem líderes dentro e Concórdia, São Leopoldo, Sinodal,
2000.
fora da Igreja. Tudo isso visando um ROTTMANN, Johannes H. Servos de
fim grandioso — levar Cristo para Cristo. Porto Alegre, Concórdia,
todos que pudermos alcançar e tra- 1982.
SANDERS, J. Oswald. Liderança Espiritu-
zer todos que tivermos alcançado a al. São Paulo, Mundo Cristão, 5.ed.,
1995.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 85


Santa Ceia Rev. Otávio A. Schlender

Dignidade
e proveito da
Santa Ceia
uma análise de 1Co 11.23-29
Resumo Introdução
A presente pesquisa faz uma aná-
lise do texto de 1 Coríntios 11.23-
29, que narra a instituição da Santa
E m meu estágio, realizado em
São Luís do Maranhão, fui sur-
preendido por uma situação pasto-
Ceia em um contexto prático. Ten- ral bastante intrigante. Na ocasião,
do o seu fundamento em autores lu- fui enviado para uma visita à casa
teranos, a mesma pretende ressaltar de uma senhora que vinha esporadi-
que as bênçãos que a Ceia concede camente aos cultos. No começo ela
provêm das palavras de Cristo que demonstrava bastante resistência e
garantem a Sua presença real no pão certo incômodo com a minha pre-
e no vinho e que os mesmos são da- sença ali. Felizmente, aos poucos,
dos e derramados em favor do crente ela foi adquirindo confiança e as
para perdão dos seus pecados, vida e minhas visitas pastorais se tornaram
salvação. A pesquisa também con- mais frequentes. Contou-me que
templará a questão sobre dignidade há cinco anos deixara de ir aos cul-
e indignidade por parte de quem re- tos — salvo em dias especiais — e
cebe o Sacramento, com vistas, aci- também à Santa Ceia, devido a uma
ma de tudo, a deixar claro a todos os briga com a sogra. A igreja interpre-
cristãos que a dignidade encontra-se tou que a grande culpada era a nora,
fora deles, unicamente em Cristo Je- taxando-a de rebelde, e a sogra ficou
sus, que instituiu tal Sacramento e com todo apoio da mesma. Inevita-
quer que seja celebrado em sua me- velmente, o sentimento de rejeição
mória. sobreveio a ela, e muito pouco foi
86 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
Santa Ceia

feito para tratar o caso. À medida apontar para o valor do Sacramento


que a sua história era contada a mim, do Altar, em sua instituição e prá-
aparentemente ela demonstrava ar- tica, bem como ressaltar o proveito
rependimento pelas suas atitudes. que o cristão apreende ao participar
No entanto, os ressentimentos com do mesmo, a partir de uma análise
relação à sogra continuavam em seu de 1 Coríntios 11.23-29. A escolha
coração. da perícope se baseia no fato de ela
Esse caso me levou a rever e es- estar inserida em um contexto prá-
tudar as visões teológica e pastoral tico, onde os problemas com relação
da Igreja Evangélica Luterana do à Ceia, no que se refere a sua forma,
Brasil pertinentes à Santa Ceia. Essa teologia e prática foram trabalhados
mulher estava correta em não parti- pastoralmente por Paulo. O traba-
cipar da Ceia? Qual o valor da Ceia lho é dividido em dois capítulos,
do Senhor e seu proveito? Quem é onde se buscam contemplar os prin-
digno e bem preparado para partici- cipais aspectos e dar as devidas ênfa-
par dela? De que maneira o cuidado ses teóricas e práticas do tema.
pastoral para com os fracos e os que No primeiro capítulo é feito uma
estão em pecado é desempenhado? análise do relato da instituição da
O objetivo da presente pesquisa é Santa Ceia, conforme 1 Coríntios

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 87


Santa Ceia

Sacramento.
A pesquisa não tem a pretensão
de esgotar o tema, mas ressaltar os
benefícios que advêm da participa-
ção da Ceia do Senhor. O trabalho
tem por base uma pesquisa biblio-
gráfica fundamentada no texto ori-
ginal e em uma literatura secundária
pertinente ao assunto.

1. Os benefícios da
Santa Ceia: uma análise
de 1Co 11.23-26
Das principais passagens neotes-
tamentárias sobre a Ceia do Senhor
( Jo 6, 1Co 10.16-21, Mt 26.26-29,
Mc 14.22-25, Lc 22.19-20), no que
11.23-26. As expressões “Isto é o se refere à sua natureza, conforme a
meu corpo; o meu sangue”, bem prática da Igreja Cristã, a presente
como “dado por vós” são expressões- passagem é considerada a mais in-
-chave que dão todo o fundamento formativa e também a mais antiga.1
para a compreensão dos benefícios
oferecidos ao cristão no Sacramento 1.1. Uma Leitura do
do Altar. Contexto
No segundo capítulo se analisa
a segunda parte da perícope, 1 Co- A mente humana, como chama
ríntios 11.27-29, onde se trata da atenção Lutero, extrapola nas for-
dignidade e indignidade quando se mas e jeitos quando busca cultuar a
participa da Ceia do Senhor. Depois Deus, passando a estabelecer leis que
de destacar as questões exegéticas geram seitas e dissidências. Quanto
pertinentes, se procura dar as dife- 1 �������������
CARSON, D. A;���������������
MOO, Douglas J;������
MOR-
rentes ênfases no trabalho pastoral, RIS, Leon. Introdução ao Novo Testa-
no que se refere ao estímulo a que o mento. Traduzido por Márcio Loureiro
Redondo. São Paulo:Vida Nova, 1997. p.
cristão faça uso sempre frequente do 315.

88 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Santa Ceia

maiores e múltiplas forem essas for- imperavam as diferenças entre ricos


mas, mais e mais o ser humano tende e pobres, sem contar os excessos com
a se afastar do sentido real da verda- respeito ao vinho e o pão. Morris co-
deira adoração a Deus. Essas leis, menta sobre isso:
infelizmente, chegaram até à Eu- Além disso, parece claro que
caristia já na época dos Coríntios e era uma refeição à qual cada
puderam ser percebidas ao longo da um dos participantes levava
história da igreja por meio da forma comida. Refeições comuns desse
como ela foi entendida e praticada.2 tipo, em que os ricos compar-
No entanto, o Sacramento segue tilham com os pobres, às vezes
o caminho inverso, pois provém ocorriam nas religiões pagãs,
de Deus. É o próprio Senhor Jesus onde eram chamadas eranoi.
quem estabelece e determina a for- Por algum tempo, houve na
ma como quer dar o seu presente igreja primitiva, em associação
amoroso e, por conseguinte, ser ado- com a Santa Comunhão, uma
rado e louvado pelos cristãos. Com refeição denominada ágape,
isso ele acaba com todas as formas de ou “festa de amor” (2Pe 2.13;
leis que distorcem o culto e a Santa Jd 12). Mas, em Corinto, o
Comunhão. que se fazia era um arremedo
A imatura igreja de Corinto se do amor. Os coríntios não che-
perdeu nesse engano. Estava distan- gavam sequer aos padrões dos
te do sentido e forma como a Santa pagãos. Cada qual colocava
Ceia havia sido celebrada pela pri- diante de si as suas provisões, e
meira vez por Jesus e seus discípu- se punha a comê-las. Na verda-
los. Elementos e formas pagãos do de, comia antes do seu vizinho,
culto grego foram introduzidos na o que dá descrição de uma con-
hora do partir do pão e a simplici- tenda indigna, ou talvez de al-
dade característica da primeira ceia guns que, tendo levado comida,
ganhou formas características dos começavam impacientemente a
grandes banquetes helênicos, onde comer antes da chegada de ou-
tros (muitas vezes os escravos
2 ���������������������������������
LUTERO, Martinho. Um Sermão a re- não podiam chegar cedo).3
speito do Novo Testamento, Isto é, a
respeito da Santa Missa. In: Obras Sele-
cionadas.Volume 2. Comissão Interluter- 3 MORRIS, Leon C. I Coríntios: Introdução
ana de Literatura. São Leopoldo/Porto e Comentário. São Paulo: Vida Nova,
Alegre: Sinodal/Concórdia, 2000. p. 256. 1983. (Cultura Bíblica, v. 7). p. 126.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 89


Santa Ceia

Diante da crise em Corinto, o Marcos (14.24) trazem “isto é o meu


apóstolo Paulo é movido a esclarecer sangue, o sangue da nova aliança”,
o que realmente significava a Santa enquanto Paulo (1Co 11.25) e Lu-
Ceia. Tais atitudes equivocadas na cas (Lc 22.20) trazem “este é o cáli-
hora da comunhão culminavam em ce da nova aliança no meu sangue”;
vergonha e desdenho para com a segunda, Paulo (1Co 11.24,25) e
casa de Deus (1Co 11.17-22). Tão Lucas (Lc 22.19) têm o imperativo
logo Paulo situa o problema, ele re- “fazei isso em memória de mim”. Em
torna ao principal, à base de tudo, à Lucas (Lc 22.19) esse imperativo
forma original que havia sido estabe- vem logo após o momento que Jesus
lecida pelo próprio Senhor, transmi- oferece o pão, enquanto que em Pau-
tida ao apóstolo e que agora se fazia lo (1Co 11-26) logo após o vinho.5
necessário pregar: as palavras literais Lockwood entende que o impe-
de Cristo. rativo não está apenas em conexão
com o pão, mas também com o cá-
1.2. Diferenças e lice. Além disso, Paulo (1Co 11.26)
semelhanças com outros acrescenta que os comungantes lem-
bram o Senhor através da proclama-
relatos ção de sua morte até o dia bem-aven-
A narrativa sobre a Instituição turado quando Cristo voltará. Dessa
da Ceia também está presente nos forma, Paulo estabelece uma ênfase
Evangelhos Sinóticos. O relato na especial sobre o tema da Santa Ceia
primeira epístola aos Coríntios é como lembrança (avna,mnhsij, “me-
considerado pelos comentaristas o mória”, 11.24-25) de Cristo, que será
mais antigo. Alguns estudiosos co- desenvolvido ao longo do trabalho.6
locam esta carta entre os anos 51 e
55 d. C.4 Para Lockwood, os quatro 1.3. O Senhor toma o pão
relatos são muito semelhantes quan- (11.23)
to a sua essência. Enquanto Mateus
e Marcos representariam uma distin- O enfático Egw., “Eu” (1Co
ta forma da tradição, Paulo e Lucas 11.23), é usado por Paulo para intro-
representariam outra. As duas prin-
5 L OCKWOOD, Gregory J. Concordia
cipais diferenças são: primeira, com Commentary — A Theological Exposi-
respeito ao cálice, Mateus (26.28) e tion of Sacred Scripture: 1Corinthians.
Saint Louis: Concordia, 2000. p. 388.
4 CARSON, op.cit., p. 315. 6 Idem, ibidem.

90 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Santa Ceia

duzir as Palavras da Instituição. Em O que fica evidente é que o real


contraste com o mau entendimento sentido do Sacramento, o qual o
e abusos dos Coríntios, seu pai na fé apóstolo havia recebido da parte do
(1Co 4.15) quer tirar fora todo en- Senhor, não estava compreendido na
gano que fazia com que recebessem festa do amor, celebrada pelos Co-
de forma errada o corpo e sangue do ríntios.10 Isso mostra que não está no
próprio Senhor. Lenski trabalha esse ser humano, ou em qualquer lugar,
ponto da seguinte forma: como denominações religiosas, por
Com o enfático evgw: “Eu rece- exemplo, o poder e a autoridade de
bi... Eu vos entreguei”, Paulo reivindicar como sua a Santa Ceia,
contrasta a si mesmo com os que pertence exclusivamente ao Se-
Coríntios. O que eles recebe- nhor. Ela não é fruto de sentimen-
ram dele é diferente daquilo tos, pensamentos, opiniões, visões e
que agora estão praticando em teologias dos cristãos que decidem
Corinto.7 como o Sacramento deve ser.11

Duas vezes em 11.23 Paulo re- 1.3.1. Isto é o meu corpo


lembra os Coríntios usando ku,rioj, (11.24)
“Senhor”, mostrando que o ban-
quete não era deles próprios, mas Ao longo da história do cristia-
sim pertencia ao Senhor (contraste nismo o verbo evsti.n, compreendido
11.20-21).8 Essa ênfase mostrava no presente versículo, tem sido en-
que as direções sobre a Santa Ceia tendido de diversas maneiras através
deveriam ser aceitas sem questiona- de fórmulas filosóficas como simbo-
mento.9 lismo, transubstanciação e consubs-
tanciação, criadas pelos estudiosos a
7 LENSKI, R. C. H. The Interpretation of fim de explicar tamanho mistério.12
St. Paul’s First and Second Epistles to No entanto, para Lockwood:
the Corinthians. Minneapolis, Minne-
sota: Augsburg Publishing House, 1963.
p. 461. “With the emphatic evgw: “I 32).
did receive… I did deliver to you,” Paul 10 LENSKI, op. cit., p. 462. “The Agape is
contrasts himself with the Corinthians. not a divine institution”.
What they had received from him is dif- 11 LOCKWOOD, op. cit., p. 388.
ferent from what they are now practic- 12 CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo
ing in Corinth”. Testamento Interpretado: versículo por
8 LOCKWOOD, op. cit., p. 388. versículo. Vol. IV. 1Coríntios, 2 Coríntios,
9 Idem, ibidem (ku,rioj, o Senhor, aparece Gálatas, Efésios. Guaratinguetá: A Voz
ainda duas vezes em 11.27, e uma em Bíblica, [19..?].p. 180.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 91


Santa Ceia

Todas as tentativas a fim de vinho como seu próprio sangue. Na


evitar uma compreensão real verdade, o que ocorre é que Jesus está
pela reinterpretação do ver- empregando a sinédoque, figura de
bo evsti.n, “é”, para o sentido linguagem que compreende a troca
de “significa” ou “representa”, da parte pelo todo. Por isso o cálice
como se a comunhão dos ele- que Jesus abençoa e oferece aos seus
mentos meramente simbolizas- discípulos (Mt 26.27; Mc 14.23)
se uma realidade ausente, está não se refere apenas ao próprio cáli-
longe do pleno sentido.13 ce, mas especialmente ao vinho que
está contido nele, que Ele identifica
Longe de tantas confusões e re- como sendo o seu sangue.15
flexões filosóficas, Lutero preferiu se Lockwood esclarece essa questão
ater às palavras de Jesus ditas sobre o exemplificando:
pão de forma simples e literal. “Isto Um exemplo parecido de siné-
é o meu corpo, que é dado por vós” doque é quando uma pessoa
e também “este cálice é nova alian- apresenta uma bolsa ou cartei-
ça no meu sangue” (1Co 11.24-25), ra e diz ‘isso é dinheiro’. Embo-
não são palavras ambíguas, antes ra você veja apenas uma bolsa
compreendem tamanho poder que ou carteira, certamente elas
o pão já não é mais simples pão nem contêm o dinheiro da pessoa.
o vinho simples vinho. No entanto, Mais importante que a bolsa é
“é o verdadeiro corpo e sangue de o dinheiro que ela contém. Da
nosso Senhor Jesus Cristo, em e sob mesma forma com a Ceia do
o pão e o vinho”.14 Desse modo, tais Senhor, o corpo do Senhor, que
palavras não podem ser trocadas ou está ‘em e sob’ o pão, é a parte
tornadas como insignificantes. mais importante do todo (o pão
Cristo está identificando o pão é o seu corpo). O mesmo acon-
como sendo o seu próprio corpo e o tece com relação ao cálice que
contém o vinho que é o sangue
13 LOCKWOOD, op. cit., 390: “All attempts
to avoid a realistic understanding by de Cristo, seu sangue é a parte
reinterpreting the verb evsti.n, “is”, to mais importante.16
mean “signify” represent,” as if the Com-
munion elements merely symbolized 15 SASSE, Hermann. Isto é o meu Corpo. 2
Christ’s absent realities, flay in the face ed. Traduzido por Mário Rehfeldt. Porto
of the plains meaning”. Alegre: Concórdia, 2003. p. 128.
14 Catecismo Maior In: Livro de Concórdia, 16 ��������������������������������
LOCKWOOD, p. 390. “A similar ex-
p. 487. ample of synecdoche is when a person

92 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Santa Ceia

Diante de palavras tão claras e fé.19


simples, “isto é”, não é preciso adotar O pão sacramental comunica o
teorias absurdas que, inutilmente, corpo do Senhor dado em sacrifí-
tentam explicar tamanho mistério.17 cio “por vós” (11.24). A preposição
Antes, no entanto, para concordar u`pe.r, “por”, é geralmente usada em
com as palavras do Senhor, é neces- contextos que falam da compensa-
sário somente tomá-las exatamente ção vicária de Cristo (Is 53.12; Rm
como elas estão colocadas, em fé. 5.6,8; 1Co 15.3; 2Co 5.21; Gl 3.13;
Isso significa crer que com o pão e Jo 10.11; 11.51).20 Daí se conclui
o vinho o cristão também recebe o que o Sacramento é uma grande, vi-
corpo e o sangue de Jesus. sível e tangível forma do Evangelho.
Obviamente que isso é um mila- Ele confere aos crentes os benefícios
gre que foge à razão humana. Lutero dos sofrimentos e morte vicários de
não entra em questionamento e ape- Cristo. Mueller explica da seguinte
nas diz que se trata de uma “União forma:
Sacramental” que “pressupõe que o O que o Senhor oferece na San-
pão e o corpo, o vinho e o sangue ta Ceia é o seu corpo e o seu san-
podem existir juntos”.18 Pão e vinho gue sob o pão e o vinho e, com
já não são duas substâncias distintas, estes elementos santos, as bên-
separadas do corpo e sangue, como çãos do Novo Testamento, esta-
na teoria da consubstanciação, mas, belecidas pelo derramamento
segundo a visão de Lutero, corpo e do sangue de Cristo. Na Santa
sangue são vistos de modo incom- Ceia, Cristo oferece, comunica,
preensível, compreendidos no pão e sela ao homem, não bênçãos
e no vinho, sustentado apenas pela secundárias, mas a maior das
bênçãos divinas, perdão dos pe-
shows a purse or wallet and says, ‘This
is money’. Although you only see a wallet cados, vida, e salvação.21
or purse, it actually contains the person
money. More important than the purse 19 Idem, ibidem. “Para Lutero, o pão é o
is the money it contains. So with the corpo de modo incompreensível. A união
Lord’s Supper, the Lord’s body, which entre o corpo e o pão não pode ser
is “in e under” the bread, is the more expressa em termos de qualquer teo-
important part of the whole (the bread ria filosófica ou explicação racional. É
is his body). Likewise with the cup that questão de fé baseada unicamente nas
contains the wine that is Christ’s blood, palavras de Cristo”.
his blood is the most important part.” 20 LOCKWOOD, op. cit. p. 391.
17 SASSE, op. cit., p. 53. 21 MUELLER. John Th. The Church at
18 Idem, p. 127. Corinth — A Picture of the True Church

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 93


Santa Ceia

1.4. Em memória de mim


(11.24-25)
Jesus manda que os discípulos
continuem celebrando o Sacramen-
to: “Façam isso” (11.24-25). Dessa
forma, a igreja tem um memorial
(avna,mnhsij) perpétuo de seu Salva-
dor. A antiga celebração da Páscoa,
com o sacrifício de cordeiros nos ri-
tuais pertinentes, serviu como uma
poderosa lembrança para o povo de
Israel, com respeito ao livramento
feito pelo Senhor quando ainda era
escravo no Egito (Êx 12.14). Pelo
que, participando da ceia pascal, as
pessoas se tornavam os beneficiários
daquele evento de redenção, que era
estendido até mesmo às gerações palavra hebraica “!ArêK’zIl.”, fundamen-
futuras, que celebravam a páscoa na tado no tradicional relato da Páscoa
certeza de que “o Senhor nos tirou conforme Êx 12.14: “Este dia vos
da casa da servidão; com mão forte será por memorial [!ArêK’zIl.]... nas vos-
nos tirou do Egito” (Êx 13.14, 16). sas gerações o celebrareis por estatu-
O pano de fundo para a frase to perpétuo”. Encontramos a mesma
“evmh.n avna,mnhsin” (em memória de palavra em Êx 13.9, em passagem
mim, 1Co 11.24-25) é sem dúvida a semelhante: “E será como sinal na
tua mão e por memorial entre teus
of To-Day. St. Louis: Concordia, 1928. olhos; para que a lei do Senhor este-
p. 116. “What the Lord offers in Holy
Communion is His body and His blood ja na tua boca; pois com mão forte o
under to bread and wine, and with these Senhor te tirou do Egito”.22
holy elements the blessings of the New Para o povo de Israel, esta lem-
Testament, established by the shedding
of Christ’s blood. In Holy Communion, brança do êxodo e da páscoa era
Christ offers, conveys, and seals to man, muito mais real e vívida do que sim-
not minor blessings, but the greatest of plesmente um recordar mental de
divine blessings, forgiveness of sins, life,
and salvation”. 22 LOCKWOOD, op. cit. p. 392.

94 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Santa Ceia

eventos provenientes de um passado como a presente geração a quem ela


remoto. A primeira Páscoa pode ter é endereçada tem compreendido.
acontecido há muito tempo, mas Ela é uma realidade presente, deter-
para cada nova geração ela acontece minando a forma de vida do verda-
novamente como se fosse hoje. Sas- deiro povo que a recebe... Dentro de
se traz essa informação da seguinte uma forma de culto... atos de Deus
forma: do passado, presente e futuro se fun-
Apesar de a festa não poder dem numa tremenda realidade de
mais ser celebrada de modo fé”.24
adequado, depois da destruição É possível, à luz do contexto do
de Jerusalém, por ser a imola- Antigo Testamento, demonstrar que
ção dos cordeiros pascais um a celebração da Santa Comunhão é
sacrifício, ainda é hoje, como uma lembrança (avna,mnhsij), isto
o era para os judeus na diáspo- é, uma efetiva “re-apresentação” do
ra do mundo antigo, o maior evento de salvação ocorrido em Jeru-
exemplo do que lembrança salém. Assim como no Antigo Tes-
podia significar para o povo de tamento, o que era indicado no sinal
Deus de outrora. Conservou profético era efetivamente realizado
viva a lembrança da grande no seu cumprimento ( Jr 19; Ez 4 e
atividade salvadora de Deus, a 5; e a própria Páscoa), a Santa Co-
libertação de Israel da escrava- munhão é um sinal comemorativo,
tura no Egito, o milagre que fez que guarda em si o passado vívido
de Israel um povo.23 no presente. Isso ocorre em virtude
das poderosas palavras da instituição
Essa ideia fica clara especialmen- que torna o corpo e sangue de Cristo
te em Dt 5.2-3: “O SENHOR, nos-
so Deus, fez aliança conosco em Ho-
24 ������������������������������������
LOCKWOOD, op., cit. p. 393. “The di-
rebe. Não foi com nossos pais que vine revelation on Sinai is not something
fez o SENHOR esta aliança, e sim in the past, a matter of history so far
conosco, todos os que, hoje, aqui as the present generation to whom it
is addressed is concerned. It is a pres-
estamos vivos”. Lockwood, citando ent reality, determining the way of life
Von Rad, comenta: “A divina reve- of the very same people who receive it
lação no Sinai não é algo no passa- … Within the framework of the cultus...
past, present, and future acts of God co-
do, um assunto da história tão longe alesce in the one tremendous actuality
of the faith” (Von Rad: The Problem of
23 SASSE, op. cit. p. 279-80. the Hexateuch and Other Essays, 29).

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 95


Santa Ceia

reais e efetivos para o crente. 25 seu artigo XIII, que define o uso dos
A forma de lembrança e sinal ga- sacramentos, expressa:
nha novas proporções. Nas palavras Com respeito ao uso dos sacra-
de Martin, esse assunto é bem com- mentos se ensina que foram
preendido: instituídos não somente para
Em memória de mim, portan- serem sinais por que se possam
to, não é mera reflexão histó- conhecer exteriormente os cris-
rica sobre a Cruz, mas um re- tãos, mas para serem sinais e
lembrar do Cristo crucificado testemunhos da vontade divi-
e vivo de tal maneira que Ele na para conosco, com o fim de
está pessoalmente presente em que por eles se desperte e forta-
toda plenitude e realidade do leça a nossa fé.28
Seu poder salvífico, e é apro-
priado pela fé dos crentes.26 A Apologia da Confissão, no
artigo XXIV, tratando do uso do
E esse sinal, em Lutero, ganha sacramento e do sacrifício, esclarece
grande relevância para incentivar o essa questão apontando para o fato
cristão a participar da Ceia. Para o de que a Santa Ceia não é apenas
reformador, é como se Jesus quises- sinal entre os homens, mas signo da
se dizer: “Olha ser humano, eu te vontade de Deus, como algo que re-
prometo e te lego com essas palavras presenta a vontade divina:
perdão de todo o teu pecado e a vida Os sacramentos são signos da
eterna e, para que tenhas certeza e vontade de Deus para conosco,
saibas que tal promessa te é irrevogá- não apenas sinais dos homens
vel, vou morrer e entregar para tanto entre si, e definem corretamen-
o meu corpo e sangue, deixando- te os que dizem serem os sacra-
-te ambos como sinal e penhor, nos mentos no Novo Testamento
quais te lembrarás de mim”27 como sinais da graça. E porque no
ele mesmo diz “fazei isto em memó- sacramento há duas coisas,
ria de mim” (1Co 11. 24). o sinal e a palavra, no Novo
A Confissão de Augsburgo em Testamento a palavra é a adi-
cionada promessa da graça. A
25 Idem, p. 393-94. promessa do Novo Testamento
26 MARTIN, Ralph P. Adoração na Igreja
Primitiva. São Paulo:Vida Nova, 1982. p.
147. 28 Confissão de Augsburgo In: Livro de
27 LUTERO, OSel, v.2. op. cit., p. 259. Concórdia, p. 34,1.

96 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Santa Ceia

é a promessa da remissão dos qual nos possamos ater e em tor-


pecados [...] E a cerimônia é, no do qual possamos nos reunir”.34
por assim dizer, pintura da pa- Deus sabe disso e coloca o verdadei-
lavra, ou selo, como lhe chama ro corpo e sangue de Jesus como pa-
Paulo, pintura ou selo que mos- lavra visível, que se pode tocar e sen-
tra a promessa.29 tir, para ser selo da Nova Aliança.35
“Com isso somos fortalecidos na fé,
O rito e a Palavra, sem dúvida, fortificados na esperança e aqueci-
são usados por Deus a fim de mo- dos no amor”.36
ver os corações das pessoas para É por isso que sempre que a Ceia
que creiam e concebam a fé. Assim do Senhor é celebrada acontece a
como a palavra entra pelos ouvidos, avna,mnhsij dos santos do novo e
o rito entra pelos olhos para mover grande êxodo, a saber, que o seu
os corações.30 Existe uma pedago- Salvador foi executado em Jerusa-
gia divina por trás de tal ato. Assim lém (Lc 9.31), no entanto, venceu
Deus deu a Noé31 o arco-íris como a morte e lhes livrou da escravidão
sinal, a Abraão32 deu a circuncisão, a do pecado. Essa lembrança do Se-
Gideão33 deu a chuva sobre a terra e a nhor crucificado e vivo, que está real
pele de cordeiro. Assim também fez e fisicamente presente e cujo corpo
Cristo colocando sobre o Novo Tes- e sangue verdadeiramente são rece-
tamento um selo e sinal muito pode- bidos oralmente na Eucaristia, não
roso, seu próprio corpo e sangue sob é meramente uma atividade mental
o pão e o vinho. assim como empregamos quando
Lutero é um pastor que consegue consideramos outras figuras históri-
perceber o carinho de Deus pelos cas. É muito mais: o Cristo crucifi-
seus filhos. Para o reformador, Deus, cado e vivo verdadeiramente vem ao
como criador dos homens, sabe que, encontro do crente, presente — com
“por vivermos nos cinco sentidos, seu corpo e sangue — no pão e no
necessitamos, ao lado das palavras, vinho.37
pelo menos um sinal exterior, ao Para lembrar dessa história sa-
grada, então, não se requer primei-
29 ���������������������������������������
Apologia da Confissão In: Livro de Con-
córdia, p. 280,69. 34 LUTERO, OSel. v. 2. op. cit., p. 259.
30 Idem, p. 223,5. 35 ��������������������������������������
Declaração Sólida In: Livro de Concór-
31 Gn 9.12-14. dia, p. 667,37.
32 Gn 17.10. 36 LUTERO, OSel. v.2. op. cit., p. 259.
33 Jz 6.37ss. 37 LOCKWOOD, op. cit. p. 391.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 97


Santa Ceia

Ainda que “a pala-


vra da cruz”, bem
como as palavras
da instituição di-
tas por Cristo, seja
loucura para os que
se perdem, para nós
que somos salvos
elas são o poder de
Deus (1Co 1.18).
ramente esforço mental, antes Deus Nesse sentido, as palavras de Lutero
concede “sabedoria”, “temor do Se- são consoladoras e verdadeiras: “Ele
nhor” e “fé”. Essa sabedoria e fé pro- (Cristo) não te mentirá; os teus pen-
vêm das próprias palavras de Jesus.38 samentos hão te enganar”.39
E essa fé apenas pode ser criada e ins-
pirada por Deus, que, como afirma 1.5. O cálice da Nova
o salmista, “fez memoráveis as suas
maravilhas” (Sl 111.4).
Aliança (11.25)
É preciso admitir que essa simpli- Tomar, abençoar e distribuir o
cidade e fé que Jesus espera que o ser cálice foi a segunda atitude de Je-
humano deposite nas suas palavras sus ao instituir a sua Ceia (1Co
não são facilmente entendidas pela 11.25). Enquanto os discípulos es-
razão humana. Paulo inicia sua epís- tavam comendo o pão sacramental
tola dizendo que o Evangelho é lou- foi completado o curso restante da
cura de acordo com a forma de pen- refeição Pascal. Agora, da mesma
sar do mundo. No entanto, a loucura forma como ele tomou o pão e deu
de Deus é mais sábia que a sabedoria graças, Jesus toma o cálice e pre-
deste mundo (1Co 1.18-25). Assim, sumivelmente dá graças sobre ele.
também, a doutrina de que o corpo Este era provavelmente o terceiro
e sangue de Cristo estão realmente cálice da refeição Pascal, o “cálice da
presentes no pão e no vinho para bênção”.40
muitos parece tolice e loucura. En- Como já abordado anteriormen-
tretanto, as palavras de Cristo têm o te, as palavras da instituição nos re-
poder para realizar o que elas dizem. latos de Paulo e Lucas (“este cálice é
39 LUTERO, OSel, vol. 2. op. cit., p. 261.
38 SASSE, op. cit. 279. 40 LOCKWOOD, op. cit. p. 394.

98 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Santa Ceia

o novo testamento no meu sangue” Espírito Santo no coração do cren-


1Co 11.25 e Lc 22.20) variam de te. Todo o sistema do Antigo Testa-
Mateus e Marcos que trazem “isto é mente é substituído pelo do Novo
o meu sangue do testamento que é Testamento, ou seja, tudo se centra-
derramado por muitos” (Mt 26.28; liza na morte do Senhor, que estabe-
Mc 14.24; Mateus adiciona “para o lece a nova aliança. Se constata que o
perdão dos pecados”). No entanto, “meu” é o enfático evmo,j. O lugar do
não existe diferença no significado. Senhor é absolutamente central.42
Enquanto as versões de Mateus e
Marcos mostram um claro parale- 1.6. Proclamação da morte
lo com o que é dito sobre o pão, as do Senhor até a sua volta
versões de Paulo e Lucas dão uma li-
geira proeminência ao tema do novo
(11.26)
testamento que é selado e ratificado Em virtude das solenes circuns-
pelo sangue de Cristo.41 tâncias sob as quais o Senhor ins-
Aqui o sentido de “aliança” tituiu sua Ceia, e os preciosos pre-
(como na ARA) está relacionado sentes conferidos por meio dela, as
à “nova aliança”, profetizada em Jr farras e bebedeiras dos Coríntios
31.31 ss. A ideia de aliança obvia- estavam totalmente fora do contex-
mente domina o Antigo Testamen- to e sentido apropriados que eram
to. O SENHOR entrou em aliança esperados da Ceia do Senhor (1Co
com Israel (como vem narrado em 11.21). A forma independente e
Êx 24), confirmando-o como po­ abusiva com que os Coríntios se reu-
vo de Deus. A profecia de Jeremias nião para celebrar a Ceia, não con-
mostra que, no devido tempo, a an- templava de forma sóbria o motivo
tiga aliança seria completada com real e original daquela noite quando
uma nova, baseada no perdão de Jesus foi entregue para verter seu
pecados, e com a lei de Deus escri- sangue sobre a cruz e redimir a hu-
ta no coração das pessoas. Jesus está manidade.43
dizendo, pois, que o derramamento O sacramento proclama “a morte
do Seu sangue é o meio de estabele- do Senhor” (11.26). Lockwood, ci-
cer a nova aliança. O sangue vertido tando Robertson e Plummer diz: “a
na cruz propicia perdão de pecados 42 �������������������������������
KRETZMANN, Paul E. Popular Com-
e abre o caminho para a atividade do mentary of the Bible — New Testament.
Vol. II. St. Louis: Concordia, 1922. p. 143.
41 Ibidem. 43 MORRIS, op. cit, p. 127.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 99


Santa Ceia

Eucaristia é um sermão teatralizado, de Cristo um dos primeiros benefí-


um ato de proclamação da morte cios que se recebe ao participar da
que é comemorada”.44 Quando os Ceia do Senhor:
membros da comunidade cristã se Este é, pois, o primeiro fruto e
reúnem e participam do Sacramen- proveito que te advém do uso
to, comendo e bebendo os elemen- do Sacramento: que sejas lem-
tos sacramentais, eles proclamam brado desse benefício e graça, e
a “Jesus Cristo que foi crucificado tua fé e teu amor sejam estimu-
pelos seus pecados (1Co 2.2; 1.18; lados, renovados e fortalecidos,
15.3). Nesse sentido, C.F.W Walter para que não acabes esquecen-
declara que o Sacramento é realmen- do ou desprezando teu querido
te “o púlpito do leigo”.45 Salvador e seu amargo sofri-
E a Apologia acrescenta: mento, bem como a tua gran-
Assim foi instituída a ceia do de, múltipla, eterna aflição e
Senhor na igreja, a fim de que, morte, de onde ele te ajudou a
pela recordação das promes- sair.47
sas de Cristo, das quais somos
lembrados neste sinal, seja A Apologia mostra que o cristão
confirmada em nós a fé, e para que come e bebe da Ceia do Senhor
que confessemos publicamente encontra um futuro para a sua vida.
nossa fé e proclamemos os bene- É possível perceber nesse momento
fícios de Cristo, como diz Pau- o passado, isto é, o evento da cruz,
lo: ‘Todas as vezes que fizerdes bem como contemplar o futuro, isto
isso, anunciareis a morte do é, o retorno de nosso Senhor Jesus
Senhor, etc.’46 em glória.48 Sem contar o caráter tri-
dimensional da Ceia, que é, antes de
Lutero vê na recordação da obra tudo, uma celebração no presente.
“Cada vez que vocês comem do pão
44 LOCKWOOD apud A. Robertson and e bebem do cálice”, refere-se ao mo-
A. Plummer. “The Eucharist is an acted
sermon, an act proclamation of the 47 LUTERO, OSel. .v 2, op. cit., p. 245.
death which it commemorates”. p. 395 48 STARENKO, Ronald C. Eat, Drink, and
45 LOCKWOOD apud C.F.W. Walter. op. Be Merry! St. Louis: Concordia, 1971.
cit. p. 395. “The Sacrament is truly “the p. 48. “We who eat and drink together
pulpit of the laity” (“die Kanzel der find in that moment of our lives a fu-
Laien”). ture. As we look back upon the event of
46 ���������������������������������������
Apologia da Confissão In: Livro de Con- the cross, as we look ahead to our Lord’s
córdia, p. 140-41. return in glory, we have hope”.

100 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Santa Ceia

mento presente; “estão anunciando com Salvador glorioso, pode ser fei-
a morte de Senhor”, faz menção a ta sem os fardos pesados do pecado.
um evento do passado; e “até que ele Jesus convida os cansados e sobrecar-
venha”, diz respeito ao que acontece- regados (Mt 11.28) e encontrarem
rá no futuro.49 alívio nele. Por isso o perdão dos pe-
A caminhada do cristão é cheia cados não deveria ser tomado como
de altos e baixos. Por isso, na sua algo simples ou de pouco valor. O
caminhada rumo ao lar celestial, ele sacrifício que Jesus efetuou sobre
precisa de força e nutrimento para a cruz não dá apenas uma paz mo-
sua fé, que só os Sacramentos po- mentânea, mas concede promessa e
dem dar. Aí se encontra um caráter segurança de vida eterna. De acordo
escatológico presente na Ceia, que com Starenko: “Participar na Ceia
Rudi Zimmer comenta da seguinte do Senhor é antecipar nossa própria
forma: ressurreição, pois no comer e beber
Jesus instituiu a Ceia num o Senhor mantém o seu povo ínte-
momento escatológico. Nas gro, sinalizando o dia do seu retorno
próprias palavras da institui- e a consumação de todas as coisas”.51
ção encontramos temas escato- Os Coríntios parecem ter esque-
lógicos. Assim, a participação cido esse aspecto escatológico da
contínua da Ceia, sem dúvi- Ceia. Pensando já terem chegado à
da, levará os fiéis a uma ale- plenitude (1Co 4.8), eles conside-
gre expectativa pelo encontro ravam a Santa Comunhão um mero
escatológico com Cristo. Na festejo no banquete escatológico do
realidade, em cada celebração Messias. Ao longo da epístola, Pau-
da Ceia os fiéis já estarão ante- lo muito lhes lembra do interino
cipadamente experimentando caráter da vida cristã, que será sem-
as delícias daquilo que será o pre marcada entre a tensão do agora
banquete escatológico final.50 e o ainda não. De fato, a epístola é
moldada por esta perspectiva esca-
A caminhada rumo ao encontro tológica. Já na introdução se percebe
49 1Co 11.26 e STARENKO, op. cit., p. 50-
51. 51 STARENKO, op. cit., p. 53.“To participate
50 �����������������������������������
ZIMMER, Rudi. A Centralidade da Eu- in the Lord’s Supper is to anticipate our
caristia no Culto. In: Culto Protestante own resurrection, for in the eating and
no Brasil. Estudos de Religião. Ano I, drinking the Lord keeps His people in-
número 2. São Bernardo do Campo, SP: tact, signaling the day of His return and
Imprensa Metodista, 1985. p. 138. the consummation of all things”.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 101


Santa Ceia

inclusa a lembrança de que nós ain- nidade da pessoa.54 Lockwood vai


da esperamos a “revelação de nosso na mesma direção e diz que um im-
Senhor Jesus Cristo” (1.7). Por fim, portante passo exegético é deixar o
a conclusão inclui a oração “mara.n contexto, especialmente 11.20-22,
avqa”, “vem, nosso Senhor” (16.22; 28-31, definir o que significa receber
Mt 26.29; Ap 22.20).52 a Ceia de forma digna ou indigna.55
No início no versículo 27, a for-
2. Recepção digna e te conjunção w[ste (“De sorte que”
indigna do Sacramento ARA, 1Co 11.27) passa a indicar um
sentido mais teológico dessa ques-
(1Co 11.27-29) tão. Essa conjunção está ligando es-
A grande pergunta do trabalho treitamente o presente parágrafo ao
sem dúvida é: quem é ou pode ser anterior, que é o relato da Instituição
considerado digno de participar da da Ceia (11.23-26). Tudo que Paulo
Santa Ceia? Será que Paulo se cala está para dizer sobre indignidade e/
diante de tal questão, de forma que ou culpa dos Coríntios, e também
não estaria fazendo definição direta sobre todos os cristãos que partici-
acerca do que ele entende aqui por pam da Ceia hoje, provém das Pala-
“indignidade”? Ou será que essa “in- vras da Instituição: “Isto é meu cor-
dignidade” estaria relacionada ape- po... Este é o cálice é a nova aliança
nas com indecências comuns, tais em meu sangue” (11.24-25).56
como glutonaria, embriaguez, egoís- Certamente que a advertência
mo, degradação e contendas com o solene de Paulo compreende as terrí-
próximo, etc?53 veis consequências que sofrem aque-
les que comem e bebem o Sacra-
2.1. Comer e beber mento indignamente. Certamente
Paulo tinha em mente como “indig-
indignamente (11.27) nidade” o tipo de comportamento
Fee, ao comentar avnaxi,wj, diz dos cristãos de Corinto, descrito em
que essa atribuição não está de acor-
do com as compreensões enganosas 54 FEE, Gordon D. The First Epistle to the
pietistas, que focalizam na maneira Corinthians. The New International
Commentary on the New Testament.
de a pessoa comer e não na indig- Grand Rapids: W. B. Eerdmans, 1957-
1997, p. 560-10.
52 LOCKWOOD, op. cit., p. 395. 55 LOCKWOOD, op. cit., p. 396.
53 CHAMPLIM, op. cit., p. 183. 56 Idem, p. 397.

102 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Santa Ceia

11.20-22 e 11.29-30. Lutero comen- ízes arbitrários e violentos e os


ta sobre esse trecho: que desprezam as outras pesso-
Meu caro, não vês contra quem as têm que receber a morte no
Paulo está falando? Contra sacramento, conforme escreve
aqueles que se atiravam sobre S. Paulo em 1Co 11.29. Pois
o Sacramento feitos porcos e não procedem com seu próximo
que faziam dele uma comilan- em conformidade com aquilo
ça para o corpo; contra os que que buscam junto a Cristo e
lidavam com o Sacramento com o que mostra o sacramen-
como se fosse seu pão e vinho di- to; nada de bom desejam ao
ários, além de se desprezarem próximo, não se solidarizam
mutuamente e cada um fazer com ele, não lhe dão a mesma
sua refeição para si.57 assistência que pretendem rece-
ber de Cristo.59
Os abusos e pecados que torna-
vam os coríntios indignos, estavam É interessante ressaltar — e isso
baseados na falta de fé e amor. Eles fica claro na cláusula final de 1Co
pecavam contra a fé na medida em 11.27 — que no momento em que a
que falhavam ao discernir que no Sa- pessoa come e bebe o pão e o vinho
cramento estavam recebendo o cor- na Ceia do Senhor, ela recebe oral-
po e sangue de Cristo (11.29-30). mente o corpo e sangue de Cristo. O
Não obstante, eles pecavam contra corpo e sangue de Cristo são conec-
o amor quando não demonstravam tados com os elementos em virtude
consideração pelo pobre e necessita- da união sacramental.60
do (11.20-22). 58 Por isso a Declaração Sólida, no
Essa discriminação horizontal, artigo VII, corretamente declara que
onde alguns são melhores e mais evi- a eficácia do sacramento provém da
dentes que outros, é condenada for- ordenação divina:
temente na epístola por Paulo (1Co Pois as palavras verdadeiras e
8.2) e também por Lutero, que diz: onipotentes de Jesus Cristo, e
É por isso que difamadores, ju-
59 LUTERO, Martinho. Um Sermão sobre
57 �����������������������������������
LUTERO, Martinho. Exortação ao Sac- o Venerabilíssimo Sacramento do Santo
ramento do Corpo e Sangue de Nosso e Verdadeiro Corpo de Cristo e sobre as
Senhor, In: Obras Selecionadas, Vol 7, Irmandades, in: Obras Selecionadas, vol.
2005, p. 250. 1. Porto Alegre: Concórdia, 2005, p. 436.
58 LOCKWOOD, op. cit., p. 399. 60 SASSE, op. cit., p. 127.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 103


Santa Ceia

gante digno quanto o indigno re-


cebem o mesmo corpo e sangue de
Cristo. A carência pessoal de fé não
pode alterar o fato de que o presen-
te do corpo e sangue de Cristo são
oferecidos e recebidos no Sacramen-
to.62 Porém, a ausência de fé ou a
falta de conhecimento que o corpo
de sangue de Cristo estão presentes
impedem uma recepção digna e o
colocam debaixo da condenação de
Deus (11.29-30).63
Pieper, citando Lutero, demons-
tra que o valor e poder não está em
quem recebe o Sacramento, mas sim
em quem o instituiu:
Da mesma forma eu também
que ele falou na primeira ins- falo e confesso com respeito ao
tituição, não foram eficazes Sacramento do Altar que aí
apenas na primeira ceia, senão o corpo e sangue de Cristo são
que perduram, valem, operam verdadeiramente comidos e be-
e ainda são eficazes, de modo bidos no pão e no vinho, ainda
que em todo lugar onde a ceia é que os sacerdotes [ministros]
celebrada segundo a instituição que o administram, ou aqueles
de Cristo e suas palavras são que o recebem, sejam descren-
usadas, o corpo e o sangue de tes ou caso contrário o abusem.
Cristo verdadeiramente estão Porque ele não está baseado
presentes, são distribuídos e re- na fé ou descrença do homem,
cebidos, por virtude e potência mas sim na Palavra e ordem de
daquelas palavras que Cristo Cristo, a menos que eles primei-
pronunciou por ocasião da pri- ro mudem a Palavra e manda-
meira ceia.61 mento de Deus e o interpretem
Isso implica que tanto o comun-
61 ��������������������������������������
Declaração Sólida In: Livro de Concór- 62 SASSE, op. cit., p.127.
dia, p. 624,75. 63 LOCKWOOD, op. cit., p. 400.

104 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Santa Ceia

de outra forma [...].64 Cristo para com ele. Por outro lado,
o Reformador demonstra a profun-
didade da dignidade que está fora
2.2. A necessidade de do homem, isto é, no próprio Cristo.
discernir o corpo (11.27,29) Assim ele coloca:
Nós, entretanto, estamos falan-
Paulo coloca bastante ênfase na
do daqueles que acreditam não
palavra avnaxi,wj (“de forma indig-
se tratar de uma refeição de
na”, 11.27). Muitos cristãos, ao olha-
porcos, mas do autêntico corpo
rem esse texto, devem se pergun-
e sangue de Cristo; que sabem
tar se algum dia não participaram
que Cristo instituiu para sua
indignamente, ou, então, estejam
memória e nosso consolo; que
participando ainda, e com isso cha-
também gostariam de ser cris-
mando para si julgamento de Deus,
tãos, louvar seu Senhor, agra-
que pode resultar em várias aflições
decer-lhe e glorificá-lo; e ainda
(11.29-30). Como é possível tornar-
gostariam também de ter sua
-me bem preparado, já que em mi-
graça e seu amor; que se ate-
nha vida constato grandes e temíveis
morizam por causa da própria
pecados?
pessoa e indignidade; e que,
Lutero vê a necessidade de que
por isso, se mantêm distantes,
todos admitam para si próprios a
impedidos e intimidados por
sua indignidade de participar de ta-
falso temor.65
manho banquete. Ninguém jamais
poderá ser digno da bon­ dade de Lutero é muito consolador
64 ��������������������������������
PIEPER, Franz. Christian Dogmat- para com todos aqueles que tal-
ics. St. Louis: Concordia, 1950-1970. v. vez estejam há anos sem participar
2., p.371. “In the same manner I also desse banquete, e/ou sentem falta
speak and confess concerning the Sac-
rament of the Altar that there the body do Sacramento. Ele mesmo fala de
and blood of Christ are in truth orally si quando, certa vez, deixou de ir à
eaten and drunk in the bread and wine, Santa Ceia por um bom tempo por
even though the priests [ministers] who
administer it [the Lord’s Supper], or se sentir despreparado, indigno,
those who receive it, should not believe etc. Certa altura, ele, literalmente,
misuse it. For it does not depend upon manda tudo às favas e, baseado nas
the faith or unbelief of men, but upon
God’s Word and ordinance, unless they promessas de Cristo, vai à mesa do
first change God’s Word and ordinance
and interpret it otherwise […]”. 65 LUTERO, OSel, vol. 7. op. cit., p. 250.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 105


Santa Ceia

Senhor. O diabo quer fazer com que cramento, meu Senhor Cristo
nos fiemos em nossa própria vida e é tanto mais digno de que com
não na de Cristo. Dessa forma ele faz isso eu lhe agradeça, o louve e
com que comecemos a abandonar o honre a sua instituição, confor-
Salvador e, consequentemente, to- me lhe devo e prometi em meu
das as bênçãos que decorrem do seu Batismo”. E por outro lado:
corpo e sangue.66 “Se sou indigno, tenho neces-
Lutero diz mais: sidade. Quem quer mendigar,
Foi por isso que afirmei que não deve ter vergonha disso.
tudo depende das palavras des- Na casa do pobre mendigo, a
se sacramento, proferidas por vergonha é um criado inútil.
Cristo, as quais se deveriam Assim, Cristo também elogia
incrustar em ouro e diaman- até um importuno que não se
te e ter constantemente ante acanha, Lucas 11[8]”.68
os olhos do coração para nelas
exercitar a fé. Deixa que um O próprio Paulo não está exigin-
outro ore, jejue, se confesse, se do perfeição ante os crentes de Co-
prepare para missa e o sacra- rinto para virem à Ceia do Senhor.
mento, como quiser. Faze tu o Em 1Co 11.28-32 o “examinar-se a
mesmo, desde que saibas que si próprio” não pode ser entendido
tudo é mera tolice e engano, como se fossem esforços humanos
caso não tenhas ante ti as pa- para alcançar um nível de santifica-
lavras do testamento e não des- ção mais elevado e assim se tornar
pertas a fé e o desejo por elas.67 digno para Ceia. Pelo contrário, a
dignidade do recipiente está jus-
O conceito de dignidade em tamente quando reconhece a sua
Lutero, portanto, é justamente o indignidade, isto é, sua grande defi-
oposto de uma disposição humana ciência na fé e no amor, e, assim, fa-
baseada em princípios de disciplina minto e sedento por perdão, confia
externa. Ele mesmo diz: na promessa de Cristo (Mt 26.28)
Teu coração deve pensar da se- de que o perdão dos pecados vem
guinte maneira: “Tudo bem, com o recebimento do corpo e san-
se sou indigno de receber o Sa- gue de Cristo no Sacramento. Os ar-
rogantes e céticos Coríntios, por ou-
66 LUTERO, OSel, vol. 7. op. cit., 246.
67 Idem, p. 250. 68 Idem, p. 261.

106 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Santa Ceia

tro lado, eram indignos justamente Se “corpo”, em 11.27, é interpreta-


porque estavam cheios de si mesmos do metaforicamente para se referir
e de seus méritos espirituais. 69 apenas à igreja, a que mais pode se
A necessidade de crer que as pa- referir o “sangue”? A igreja nunca é
lavras de Cristo sobre o pão e o vi- chamada de “Sangue de Cristo”.70
nho são reais, isto é, de que no pão Constata-se, na verdade, uma es-
e no vinho o cristão come e bebe treita relação entre os três versículos
verdadeiramente o corpo e sangue 11.27, 28 e 29. O problema está des-
de Cristo, é um ponto chave para a crito em 11.27, que diz que a pessoa
comunhão digna. O contexto mos- pode comer o pão ou beber o cáli-
tra claramente que a palavra “corpo” ce do Senhor de forma indigna. A
(sw/ma), na frase “discernir o corpo” solução para o mesmo se encontra
(11.29), refere-se ao corpo sacra- na exortação em 11.28: Examine-
mental de Cristo, que está presente -se, pois, o homem a si mesmo; por
com o pão que é comido na Santa fim, em 11.29, Paulo estabelece a ra-
Ceia. Sérios fatores suportam essa zão porque os cristãos devem muito
tradicional interpretação. atentar para a exortação em 11.27:
A primeira ocorrência no con- pois quem come e bebe sem discer-
texto está nas Palavras da Instituição nir o corpo, come e bebe juízo para
em 11.24, “isto é meu corpo” (tou/ si. A coesão do argumento de Pau-
to, mou, evstin to. sw/ma). A segun- lo em 11.27-29, sem dúvida, requer
da e única vez que a palavra “corpo” que o “corpo” se refira ao corpo sa-
ocorre no capítulo (além dessa ocor- cramental de Cristo em 11.29 bem
rência em 11.29) está na descrição como em 11.27.71
de Paulo sobre os que se tornam A presença do adjetivo e;nocoj,
culpados de pecado contra o “corpo “culpado”, deve ser tomada com
e sangue” do Senhor (11.27). Aqui muita seriedade. Esse é um termo le-
Lockwood chama atenção e mos- gal, que pode denotar uma punição
tra que a inclusão do “sangue” do (Mt 26.66), um crime (Mc 3.29), ou
Senhor ao lado de seu “corpo”, em uma pessoa ou coisa contra quem
11.27, requer que “corpo” em 11.27 tem sido cometido pecado. Aqui ele
(como também 11.24 e 11.29) se re- é usado no terceiro sentido: “pecado
fira ao corpo de Cristo dado e comi- contra o corpo e sangue”, que tem
do junto com o pão no Sacramento.
70 Idem, p. 402.
69 LOCKWOOD, op. cit., p. 406, 71 Idem,p. 402-3.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 107


Santa Ceia

a construção semelhante a Tg 2.10: Lockwood, escreve:


“ge,gonen pa,ntwn e; [nocoj]” “se Ele é seu único “pai” em Cris-
tornou de todos (os mandamentos) to (1Co 4.15-16), e ambas as
culpado”.72 epístolas canônicas refletem a
Devido a essa constatação exegé- urgente necessidade do apóstolo
tica, a igreja tem tradicionalmente em chamar os coríntios de volta
reconhecido a necessidade de pas- ao jubiloso reconhecimento da
tores e congregações não admitirem submissão ao próprio ensina-
pessoas indiscriminadamente à San- mento e autoridade apostólicos
ta Comunhão. Obviamente, a Ceia de Paulo. O exemplo apostólico
do Senhor precisa ser administrada de Paulo está para servir como
de acordo com sua instituição e ins- um modelo para todos os pas-
truções. Já que Paulo mostra que a tores, que são “mordomos dos
pessoa que come sem discernir o mistérios de Deus”.74
corpo, bem como aquela que peca
contra o amor ao próximo, partici- Qual a atitude pastoral devida
pam indignamente da Ceia, tornan- com relação às pessoas que frequen-
do-se culpados do corpo e sangue de tam a Santa Ceia ou àquelas que não
Cristo para o seu dano (1Co 11.27- frequentam? Lutero tinha essa preo-
30), se faz necessário o cuidado pas- cupação e fala sobre ela assim:
toral.73 Temo, porém, e acredito que
tudo isso é, em grande par-
2.2.1. Supervisão Pastoral te, culpa nossa, dos que somos
pregadores, pastores, bispos e
Na verdade, Paulo aqui não dá
curas d’almas, uma vez que
um mandamento explícito aos pas-
deixamos as pessoas sem que se
tores da congregação de Corinto
emendem, não os exortamos,
para determinar quem deve ou não
74 LOCKWOOD, op. cit., p. 403. “He is
participar da comunhão. No entan- their one ‘father’ in Christ (1Cor. 4:15-
to, o que fica claro é que o próprio 16), and both of the canonical Corinthi-
apóstolo está desempenhando a ta- an epistles reflect the apostle’s urgent
refa de não ser omisso diante da si- need to call the Corinthians back to a
joyful acknowledgment of the submis-
tuação problemática com respeito à sion to Paul’s own apostolic teaching
Ceia do Senhor. and authority. Paul’s apostolic example
is to serve as a model for all pastors,
72 Idem, p. 396. who are “stewards of the mysteries of
73 Idem, p. 400. God’”.

108 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Santa Ceia

não incitamos, não admoes-


tamos, como o exige nosso mi-
nistério. E ficamos roncando
e dormindo tão seguros como
eles, e não pensamos mais longe
do que: quem vem, vem; que
não vem, que fique de fora, e
de ambos os lados procedemos
de uma forma que bem pode-
ria ser melhor. Pois enquanto do Senhor Jesus. Dia e noite estão
isso estamos sabendo que o satã guardando o seu rebanho contra os
infernal e príncipe desde mun- anjos do diabo, incitando, exortan-
do não descansa. Ele anda em do, estimulando e atraindo a que
derredor dia e noite com seus seja participante das insondáveis
anjos, tentando tanto a nós bênçãos de Deus que provêm do
mesmos como as pessoas..75 Sacramento, não de forma legalista,
por meio de coação e força, mas de
Lutero tem em mente a preo- forma livre e confiante.78
cupação de que o Diabo não mede Prunzel, ao analisar retoricamen-
esforços para tentar, enfraquecer e te a forma de Lutero exortar os cris-
tornar preguiçosos aqueles que, an- tãos de seu tempo a participarem da
tes, deveriam ser zelosos para com Santa Ceia, mostra o quão grande
o povo de Deus, cuidando e incen- era a preocupação do Reformador
tivando que recebam o alimento ce- para com aqueles que tinham dúvi-
lestial constantemente a fim de que das e dificuldades para se aproxima-
sejam fortalecidos na sua fé.76 rem do Altar.79 A preocupação de
O trabalho pastoral precisa ir ao Lutero ia mais longe, ela abrangia os
encontro de todas as pessoas, sem pastores, na medida em que não es-
distinção alguma.77 O pastor não tavam plenamente preparados para
trabalha conforme a cara do freguês, suprirem as dificuldades dos cris-
antes, sabe que foi enviado por Deus tãos. As Confissões trazem as pala-
e que no final deverá prestar contas a
Ele. Os pastores são os anjos e vigias 78 Idem, p. 258.
79 PRUNZEL, Clóvis Jair. A Exortação de
75 LUTERO, OSel, vol. 7, op. cit., p. 225. Lutero à Santa Ceia: retórica a serviço
76 Ibidem. da ética Cristã. Canoas: Ed. ULBRA,
77 Idem, p. 257. 2004. p. 38.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 109


Santa Ceia

vras do Reformador: sua volta. Foi Cristo quem ordenou


Meu Deus, quanta miséria tal sacramento e não um ser huma-
não vi! O homem comum sim- no qualquer. “Esta autoridade da
plesmente não sabe nada da palavra de Deus sobre pão e vinho
doutrina cristã, especialmente é o argumento mais importante em
nas aldeias. E, infelizmente, toda a teologia do Sacramento do
muitos pastores são de todo in- Altar em Lutero”.81 Nessa certeza, o
competentes e incapazes para o cristão certamente encontrará paz e
ensino.80 consolo na Santa Ceia, porque a sua
origem é divina.82
O pastor deve cumprir seu ofí-
cio de despenseiro dos mistérios de Conclusão
Deus (1Co 4.1) buscando sempre
crescer no conhecimento da Palavra A análise do texto de 1 Coríntios
de Deus, para que a exortação e o en- 11.23-26, sobre a instituição da San-
sino tenham o fundamento correto ta Ceia, ganha na teologia luterana
(1Tm 4.13). É extremamente im- um profundo significado evangéli-
portante que a leitura de contexto co. As Confissões ressaltam e colo-
que o pastor tiver respeite a realida- cam em elevadíssimo grau esse Sa-
de e limitação do povo que ele pas- cramento, e vêem nas Palavras “isto é
toreia. Nesse sentido, a perícope de o meu corpo; sangue” uma manifes-
1 Coríntios 11.23-29 oferece todos tação visível do amor de Jesus, que
os argumentos evangélicos necessá- verteu seu sangue sobre a cruz.
rios para que o pastor instrua, con- Em cada versículo é possível en-
vença e motive os cristãos a fazerem contrar motivos claros e reais para
uso pleno e sempre frequente desse incentivar o cristão a fazer uso cons-
Sacramento. tante desse presente celestial. Sem
As palavras de Cristo sempre dúvida, dos grandiosos e insondáveis
serão o ponto de partida que farão benefícios que emanam da Ceia do
com que o Cristão sinta o desejo de Senhor, o principal é o perdão dos
participar do banquete celestial. Je- pecados. É do perdão que procedem
sus mesmo é quem diz “isto é o meu todas as demais dádivas de Cristo no
corpo e sangue”. É ele quem diz para Sacramento do Altar. O perdão é o
que o façam em memória dele, até a
81 PRUNZEL, op. cit., p. 39.
80 Livro de Concórdia, op. cit., p.363. 82 Ibidem.

110 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Santa Ceia

participar desse banquete. Por outro


lado, a indignidade existe quando
não se crê nas palavras de Cristo, que
claramente diz que o pão e o vinho
são, de fato, o seu corpo e sangue, e
também quando o ser humano peca
no amor ao próximo.
O corpo e sangue de Jesus ver-
dadeiramente são ativos na vida do
cristão. A Ceia promove a comu-
nhão entre os crentes, fortalecendo
a fé do comungante contra o diabo,
mundo e a carne. Com relação ao
tempo, a Ceia estabelece um cará-
ter tridimensional: quando o crente
comunga, ele olha para o passado,
recordando a obra de Cristo em sua
vida e morte de cruz; contempla esse
fato no presente, comendo e beben-
do o corpo e sangue do Senhor de
ponto de partida para a comunhão forma real; e aponta para o futuro,
com Deus e com os irmãos na fé. para o verdadeiro banquete celestial
Através do Sacramento, que é a Pa- que Deus preparou para os seus.
lavra de Deus visível, o próprio Deus Deus, como criador do ser hu-
concede a sua graça e o seu Espírito mano, sabe de sua limitação e, por
Santo, fortalecendo a fé. isso, oportuniza formas de reforçar
No capítulo dois, a partir da aná- o seu grande amor por meio dos
lise da segunda parte da perícope, cinco sentidos. Na Santa Ceia Deus
1 Coríntios 11.27-29, se constatou está visivelmente presente no pão e
que “dignidade” não é algo próprio no vinho. O cristão pode ouvir, ver,
no e do ser humano, mas ela se en- tocar, cheirar e degustar o mais puro
contra fora dele, em Cristo Jesus. A Evangelho. Por isso se faz importan-
fé que se apega nas Palavras de Cris- te e necessário o cuidado pastoral
to é o meio que Deus proporciona para que as pessoas conheçam cor-
ao crente para torná-lo digno de retamente o valor de tal Sacramen-

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 111


Santa Ceia

to e sejam encorajadas a participar position of Sacred Scripture: 1Co-


rinthians. Saint Louis: Concordia,
frequentemente dele. Assim elas re- 2000.
ceberão o mais completo alimento LUTERO, Martinho. Um Sermão sobre
para fé e perdão dos seus pecados, o Venerabilíssimo Sacramento do
Santo e Verdadeiro Corpo de Cris-
bem como desfrutarão de todas as to e sobre as Irmandades, in: Obras
bênçãos concedidas na relação com Selecionadas, vol. 1. Porto Alegre:
Concórdia, 2005, p. 425-44
Deus e o próximo. __________ Um Sermão a respeito do
Novo Testamento, Isto É, a respeito
Rev. Otávio Augusto Schlender — Eunápolis-BA, da Santa Missa. In: Obras Seleciona-
das. Volume 2. Comissão Interlute-
pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil. rana de Literatura. São Leopoldo/
Porto Alegre: Sinodal/Concórdia,
2000. p. 253-275.
__________ Exortação ao Sacramento
Bibliografia do Corpo e Sangue de Nosso Se-
nhor. In: Obras Selecionadas.Volume
CARSON, D. A; MOO, Douglas J; MOR- 7. Comissão Interluterana de Lite-
RIS, Leon. Introdução ao Novo ratura. São Leopoldo/Porto Alegre:
Testamento. Traduzido por Márcio Sinodal/Concórdia, 2000. p. 222-254.
Loureiro Redondo. São Paulo: Vida MARTIN, Ralph P.Adoração na Igreja Pri-
Nova, 1997. mitiva. São Paulo:Vida Nova, 1982.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo MORRIS, Leon C. I Coríntios: Introdu-
Testamento Interpretado: versículo ção e Comentário. São Paulo: Vida
por versículo. Vol. IV. 1Coríntios, 2 Nova, 1983. (Cultura Bíblica, v. 7).
Coríntios, Gálatas, Efésios. Guara- MUELLER. John Th. The Church at Co-
tinguetá: A Voz Bíblica, [19..?]. rinth — A Picture of the True Chur-
FEE, Gordon D. The First Epistle to the ch of To-Day. St. Louis: Concordia,
Corinthians. The New Internacional 1928.
Commentary on the New Testa- PIEPER, Franz. Christian Dogmatics. St.
ment. Grand Rapids:W. B. Eerdmans, Louis: Concordia, 1950-1970. v. 2.,
1957-1997. vol. 3.
KRETZMANN, Paul E. Popular Com- PRUNZEL, Clóvis Jair. A Exortação de
mentary of the Bible — New Tes- Lutero à Santa Ceia: retórica a ser-
tament. Vol. II. St. Louis: Concordia, viço da ética Cristã. Canoas: Ed. UL-
1922. BRA, 2004.
LENSKI, R. C. H.The Interpretation of St. SASSE, Hermann. Isto é o meu Corpo.
Paul’s First and Second Epistles to 2 ed. Traduzido por Mário Rehfeldt.
the Corinthians. Minneapolis, Min- Porto Alegre: Concórdia, 2003.
nesota: Augsburg Publishing House, STARENKO, Ronald C. Eat, Drink, and Be
1963. Merry! St. Louis: Concordia, 1971.
LIVRO DE CONCÓRDIA. As Confis- ZIMMER, Rudi. A Centralidade da Euca-
sões da Igreja Evangélica Luterana. ristia no Culto. In: Culto Protestante
5ed. Traduzido por Arnaldo Schuler. no Brasil. Estudos de Religião. Ano I,
São Leopoldo/Porto Alegre: Sinodal/ número 2. São Bernardo do Cam-
Concórdia, 1997. po, SP: Imprensa Metodista, 1985. p.
LOCKWOOD, Gregory J. Concordia 129-140.
Commentary — A Theological Ex-

112 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


O perigo da ostentação
A palavra “ostentação” tem como significado a ação ou o efeito de os-
tentar. Ostentar é o mesmo que exibir, colocar em destaque, tornar visível e
notório. Esta ação, normalmente, acontece em detrimento de alguma coisa,
ou até mesmo, de outra pessoa. Nós gostamos de exibir as nossas aquisições
e conquistas. Não raras vezes mostramos nossos pertences para demonstrar
maior capacidade ou poder aquisitivo.
Recentemente, no Japão, foi inaugurada a maior torre do mundo. É uma
obra fascinante levando em consideração a frequência de terremotos nes-
te país. Qual é a real necessidade de tamanha construção? Assim como em
outros países, é possível perceber um sentimento de orgulho nesta obra. A
pobreza neste país que ostenta a construção da maior torre do mundo é uma
realidade escondida. Os pobres japoneses se esforçam para que a desigual-
dade social não apareça.
Não é de hoje que o orgulho e a ostentação fazem parte do nosso dia-a-
-dia. Nos tempos bíblicos, mais precisamente após o dilúvio, alguns povos se
reuniram e decidiram: “Vamos construir uma cidade que tenha uma torre
que chegue até o céu. Assim ficaremos famosos e não seremos espalhados
pelo mundo inteiro.” (Gênesis 11.4). Os babilônios também tinham o costu-
me de construir enormes templos em forma de torres para poderem chegar
onde moravam os deuses.
A chamada torre de Babel foi uma obra iniciada que levou Deus a agir.
Era preciso colocar limites no ser humano. O desejo de ficarem famosos e
unidos não aconteceu. Deus interveio “atrapalhando a língua falada por to-
dos os moradores da terra e dali os espalhou pelo mundo inteiro.” (Gn 11.9).
Qual é o perigo da ostentação? É colocar-se acima das pessoas e, especial-
mente, de Deus. O objeto colocado em evidência motiva o orgulho e a fama.
Em contrapartida, acontece o menosprezo aos outros. Facilmente deixamos
de ajudar alguém porque este pode ficar em melhores condições. Muitas ve-
zes, sem nos darmos de conta, estamos construindo grandes torres enquanto
milhares de pessoas estão cada vez mais pobres e necessitadas.
A propósito, a Igreja Cristã está celebrando a festa de Pentecostes. É o
cumprimento da promessa de Jesus, enviando o Espírito Santo para chamar
e reunir (congregar) o povo de Deus. Os cristãos reunidos não devem cons-
truir torres que separam ou ostentam poder. Mas, proclamar o Evangelho
(o perdão dos pecados e a salvação eterna mediante a fé em Cristo), amar
e servir uns aos outros. É desta forma que perigo da ostentação é vencido e
deixado de lado.
Rev. Fernando Emílio Graffunder é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil em Pelotas-RS

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 113


Antigo Testamento Rev. Cláudio R. Schreiber
Rev. Mauro Sérgio Hoffmann

A relação do livr
com a riqueza e a
Introdução derivado duma raiz que significa
“voltar” ou “ arrepender-se”, e pode

N este trabalho pretendemos


abordar o seguinte tema: Jó
com relação a riqueza e pobreza,
então significar “quem volta para
Deus”. Esta interpretação é basea-
da no árabe ‘aba “arrepender-se”, ou
sendo que para compreendermos “voltar para traz” (frequentemente
melhor este tema, também obser- seguido pela frase ‘ilã ‘llãhi “para
varemos alguns aspectos isagógicos Deus”). Nas cartas de Amarna o
bem como o contexto deste livro, nome aparece com Ayab (um prín-
levando mais em conta os aspectos cipe de Pela)1.
que têm a ver com a riqueza e pobre- O nome também aparece nos
za. Textos de Execração de Berlim (es-
Com relação a estes aspectos, de critas no hierático egípcio) com per-
riqueza e de pobreza, destacaremos tencente a um príncipe da região de
o primeiro capítulo do Livro, em Damasco durante o século XIX.
especial o versículo 21, e também o Outro significado possível de
último Capítulo (42), que tem mais bAYai é “o perseguido byEa; odiar, estar
relação como tema a ser desenvolvi- em inimizade2.
do. Pelo que nós podemos observar
no decorrer desta primeira parte a
Título etimologia árabe ao nosso entender
é mais interessante, isso porque Jó
O livro de Jó é escrito na Tradi- morava no norte da Arábia e toda
ção Massorética, bAYai na Septuaginta a narrativa do livro se passa tendo
VIw/b; e na Vulgata Iob. um pano de fundo mais relacionado
O título do livro está vinculado
ao nome do personagem principal 1 ARCHER, Gleason L. Jr. Merece
Confiança o Antigo Testamento?
do livro. Quanto ao significado do P 407
nome ”Jó”(bAYai) provavelmente é 2 Lexicon de Browm-Driver-Briggs.

114 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Antigo Testamento

ro de Jó
fossem escritas.
Como ocorre com muitos dos li-
vros do Antigo Testamento, nem o

a pobreza
próprio livro, nem o resto da Bíblia
nos dizem quem realmente o escre-
veu. Alguns tem sugerido que foi Jó
mesmo; outros dizem que foi Moi-
com a história Árabe do que He- sés ou algum outro indivíduo dessa
breia. época. Os estudiosos bíblicos con-
temporâneos são da opinião de que
Autoria o livro foi escrito depois do tempo
de Salomão.
No texto do livro de Jó não nos é
Um comentarista chamado Jac-
apresentado o seu autor. Esta é uma
ques Bolduc (1637) sugere que pode
questão bastante complicada por
ter sido indiretamente uma obra de
causa da diversidade de opiniões que
Moisés, que talvez o achasse em Ara-
os autores nos apresentam.
maico e o considerasse digno de ser
Um fato que merece considera-
traduzido para o Hebraico. “Dificil-
ção é que não devemos assumir que
mente pode-se dizer que haja qual-
Jó foi escrito durante a época em
quer indício de o estilo ser mosaico,
que os fatos relatados aconteceram,
por isso podemos crer que este livro
pode ter sido escrito alguns séculos
depois. Também não se tem evidên-
cias contundentes que assinalem a
data e a identidade do autor. Nós,
tradicionais, como pessoas que acei-
tam a Bíblia como a Palavra de Deus,
acreditamos que Jó, e os outros que
aparecem no texto, disseram as pala-
vras que estão registradas no livro, e
que Deus inspirou alguém para que
as escrevesse. Isto pode ter aconteci-
do pouco antes de terem sido faladas
ou, também é possível, ter passado
muitos séculos antes que as palavras
Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 115
Antigo Testamento

pelo menos a teoria explicaria: 1) a arte, do mais profundo pensa-


possessão deste livro pelos hebreus, mento em matéria de religião
2) a sua posição no Cânon, 3) seu revelada e de cultura inteli-
tom e pano de fundo patriarcal, 4) o gente e progressiva das formas
estilo aramaico de uma parte da sua tradicionais da arte, duma
terminologia e modo de expressão época sem precedentes, em que
conforme se vê no texto.”3 a literatura corresponde ao Zê-
Martinho Lutero, como muitos nite da magnificência gloriosa
outros eruditos bíblicos conserva- para que o reino da promissão
dores, sugeriu que Salomão foi o au- tendia.4
tor do livro de Jó, Existem certas se-
melhanças entre o livro de Jó e dois O estilo do livro nos mostra que
dos livros bíblicos que cremos foram seu autor é um mestre da palavra ra-
escritos por Salomão: Provérbios e ramente superado, um mestre dota-
Eclesiastes. Os três: Jó, Provérbios do de poder de criatividade barroca
e Eclesiastes são catalogados como e possuidor de elevada cultura, que
“literatura de sabedoria”. Especial- são indicadas nas numerosas e mul-
mente Jó 28 tem uma notável se- tiformes imagens que exprimem os
melhança com os capítulos 1, 8 e 9 sentimentos mais variados em um só
de Provérbios, tanto no vocabulário e mesmo discurso, como também as
como no conteúdo. expressões raras, ou que já nem mes-
Esta teoria é a que parece ser mais mo eram usadas. Também se diz que
razoável. É a opinião mais antiga. era uma época de paz em que ativi-
Alguns teólogos a defendem, como dades literárias se desenvolveram e
Gregório Nazianzeno (falecido cer- que esse fator propiciava a composi-
ca de 390.A.D, junto com alguns ção de um livro como o de Jó.
doutores Judeus. Já no século XIX Although most of the book con-
foi seguida por Haevernick, Keil e sists of the words of Job and his
Delitzsch. counselors, Job himself was not
Delitzsch diz que: the author. We may be sure
É um cunho daquele próprio that the author was an Isra-
criador e incipiente da Chok- elite, since he (not Job or his
ma (sabedoria), daquela épo- friends) frequently uses the Is-
ca Salamônica da ciência e da 4 EDWARD, J. Young. Introdução ao
Antigo Testamento. São Paulo: Ed.
3 Id., Ibid. p.409 Vida Nova, 1964. p.335.

116 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Antigo Testamento

raelite covenant name for God de Salomão.


(Yahweh; NIV “the LORD”). O Talmud no comentário Baba
In the prologue (chs. 1-2), divi- Bathra 14b sustenta que foi Moisés
ne discourses (38:1-42:6) and o autor do livro de Jó. Para isso usam
epilogue (42:7-17) “LORD” como argumento o fato de que no
occurs a total of 25 times (31 texto de Jó aparecem várias palavras
times in the Hebrew text), que também aparecem no Pentateu-
while in the rest of the book co, tais como: ulam, netz, tnu’ah, pe-
(chs. 3-37) it appears only once lilim, qshitah, yeret.
(12:9). Contra esse argumento basta di-
The unknown author probably zer que aquela parte de Jó se encon-
had access to oral and/or writ- tra escrita no mesmo estilo do livro
ten sources from which, under de Provérbios. Portanto, é impossí-
divine inspiration, he compo- vel que uma obra escrita para medi-
sed the book that we now have. tação e reflexão como Jó tenha sido
Of course the subject matter of escrita antes da concepção da Lei e
the prologue had to be divinely por alguém cuja ocupação principal,
revealed to him, since it con- supõe-se, era a legislatura. Todavia,
tains information only God entre alguns dos Pais da Igreja era
could know. While the author corrente essa teoria.
preserves much of the archaic Para nós, seria de suma impor-
and non-Israelite flavor in the tância saber quem foi o autor huma-
language of Job and his frien- no de Jó, mas acima de tudo, sabe-
ds, he also reveals his own style mos que foi Deus quem inspirou a
as a writer of wisdom literatu- alguém para escreve-lo, não impor-
re. The literary structures and tando quem seja.
the quality of the rhetoric used
display the author’s literary ge- A Data dos Eventos
nius5
No versículo inicial do livro de
Estes são os principais argumen- Jó encontramos dois indícios do lu-
tos que localizam a obra no tempo gar dos acontecimentos e discursos
descritos no livro. O versículo 1 nos
5 Concórdia Self-Study Bible.
International Bible Society. St. Louis: diz: “Havia um homem na terra de
Concórdia Publishing House, 1984.p. Uz, cujo nome era Jó...”.
1073.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 117


Antigo Testamento

O nome Uz é mencionado pou- Arábia, perto dos edomitas do mon-


cas vezes na Bíblia. Existem várias te Seir. O amigo de Jó, Elifaz, era de
referências de pessoas que chama- Temã, localidade bem conhecida de
vam Uz. A terra de Uz é mencionada Edom: pertencia aos buzitas, que
em Jeremias 25.20, junto com outras provavelmente viviam perto dos cal-
terras do Oriente Médio. A passa- deus na Arábia do nordeste.
gem que possui mais dados a respei- Esta localidade estrangeira ex-
to da localização dos acontecimen- plicaria também a raridade do nome
tos deste livro é Lamentações 4.21, Yahweh na maior parte dos capí-
em que o autor exclama “Regozija-te tulos do livro, isso porque Jó mos-
alegra-te, ó filha de Edom, que ha- tra uma clara preferência ao nome
bitas na terra de Uz...” A estrutura Elõhim. Outra característica inte-
paralela destas duas linhas identifi- ressante é que o nome Shaddai, “o
ca Uz com Edom, uma terra locali- Onipotente” ocorre nada menos do
zada à sudeste de Israel que fica na que 31 vezes em Jó, comparado com
orla sul do Mar Morto. A localiza- as outras 16 ocorrências no restante
ção oriental de Israel concorda com do Antigo Testamento. Esta evidên-
Jó 1.3, no qual Jó é descrito como o cia tirada do uso dos nomes divinos
maior entre todos os do Oriente. A tende a confirmar a teoria do pano
Septuaginta a chama de terra de Ai- de fundo não israelita, e sim arábico.
sitai, povo que, segundo o geógrafo J. H. Raven se inclina a uma data
Ptolomeu, localiza-se no deserto da pré-mosaica porque:
1) o livro indica um tipo de
organização patriarcal de fa-

118 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Antigo Testamento

mílias e clãs que faz lembrar Babilônia.


a época de Abraão muito mais Cita também uma série de outros
do que as condições após o Êxo- episódios que certamente se passa-
do; 2) o chefe da família que ram numa época anterior a entrega
oferece sacrifícios, ao invés de das Tábuas da Lei a Moisés.
um sacerdócio oficial, indica-
ria uma época pré-mosaica; 3) A Data da Composição
a citação de qesitah como um
valor em dinheiro (Jó 42.11) Quanto a data da composição de
sugere uma data que remon- Jó existem várias divergências:
ta até Josué no mínimo (cf Js
24.32), ou talvez o período dos Antes do tempo de
Patriarcas (cf. Gn 33.29) mas Moisés, na época dos
deve-se buscar no norte da Ará- Patriarcas.
bia perto de Edom o cenário da
história.6 Esta argumentação está baseada
no ambiente do livro, na sua termi-
O fundo histórico aponta para nologia , na época histórica em que
uma época no início do segundo Jó viveu, etc. Especialmente o Tal-
milênio. No comentário de Alleman mude e estudiosos cristãos até recen-
e Flack, W. F. Albright, no capítulo temente eram os maiores defensores
sobre o Antigo Testamento e Ar- dessa proposta. Não existem fatos
queologia indica que Jó talvez tenha concretos para provar tal posição,
sido contemporâneo dos Patriarcas. mas também não existe o contrário.
Para tanto se baseia sua conclusão
em Ez 14.14 que vincula os nomes Durante o Reinado de
de Jó e Daniel, sendo que esse Da- Salomão.
niel seria um antigo herói cananita,
que surge como figura proeminente Esta posição é defendida por
numa das épocas ugaríticas, como um bom número de conservadores,
pai idólatra de Aquat. Com isso re- por alguns doutores judaicos, por
jeita que Ezequiel esteja se referindo Gregório de Nazianzeno, por Lu-
ao seu contemporâneo Daniel da tero, Haevernick, Keil e Delitzsch,
Young, Hummel. Os argumentos
6 ARCHER, Gleason L. Jr. Merece usados resumem-se no seguinte: a)
Confiança o A. Testamento?
p.410 este era um período muito propício
Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 119
Antigo Testamento

para produções literárias. O reino social. Estavam em questão a justiça


estava em paz e havia prosperidade e a providência divina; a pro-
suficiente para promoção de artes li- eminência do assunto “sofrimento
terárias. b) O livro de Jó tem caráter dos inocentes”e a prevalência do in-
sapiencial, e a era salomônica foi a fortúnio e da calamidade. Jó 9.24 diz
época mais propícia para tais produ- que: “a terra está entregue nas mãos
ções. Havia interesse na “sabedoria”. dos perversos...” o que situa o livro
c) À semelhança de Pv 8, o livro de nesta época ou período. A semel-
Jó apresenta uma exaltação à sabe- hança entre o conteúdo e a lingua-
doria ( Jó 28). d) o conhecimento de gem de Jó e Jeremias servem como
terras estrangeiras apresentado em base para se afirmar que o livro é do
Jó é perfeitamente possível no reina- período do profeta Jeremias (final
do de Salomão. do século VII a.C.).

Durante o reinado de O Exílio na Babilônia, VI


Manassés no VII Século a. Século a. C.
C. Nesta hipótese o livro de Jó é
O reinado de Manassés (686- considerado por Genung como sen-
642 a.C.) foi um período de de- do uma lenda, senão pura ficção. In-
generação moral e muita injustiça terpreta-o como sendo uma reflexão,

120 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Antigo Testamento

pelo menos indireta, da longa prisão permite que um homem bom passe
e libertação final do rei Joaquim por sofrimentos tão intensos?
(fato que tem pouco a ver com Jó). Gleason L. Archer sugere um
Driver, Budde e Cheyne apoiam tema composto de três partes: “1)
a hipótese exílica ou pós-exílica ao Deus merece ser amado indepen-
indicar uma semelhança entre Jó e dente das bênçãos que concede; 2)
Dêutero-Isaías (cuja data queriam Deus pode permitir o sofrimento
fixar como sendo 550-540 a.C.). As como meio de purificar e fortalecer
semelhanças são: a) a forma desen- a alma na piedade; 3) Os pensamen-
volvida da moralidade e da doutrina tos e os caminhos de Deus se ma-
de Deus que se descobre em Jó; b) nifestam por meios e maneiras que
a analogia básica entre o sofrimento a mente pequena do homem não
do inocente Jó e o do Servo do Se- pode entender7.
nhor em Isaías II; c) os pontos de Estes temas sugeridos expõem
contato entre Jó e Jeremias já descri- claramente o livro de Jó. É certo que
tos no ponto 3. Jó sofreu muito, e os problemas que
Esta proposta, salvo alguns pou- lhe apareceram devem ter esgotado
cos defensores, não tem força no sua paciência até o limite. Mas, não
mundo acadêmico devemos esquecer a conversa entre
Em nossa opinião a data de com- Deus e Satanás logo no começo do li-
posição mais aceitável é a da época vro. Lá, Deus elogiou Jó chamando-
do rei Salomão, pois nos parece ser a -o de “integro, reto, temente a Deus
que tem argumentos mais aceitáveis, e que se desvia do mal” ( Jó 1.8).
embasamento melhor, e boa funda- Satanás desafiou Deus e pediu-lhe
mentação histórica. permissão para provar a resistência
de Jó até o limite ao atribulá-lo com
Tema severas aflições. Deus permitiu que
Satanás causasse sofrimentos a Jó,
Há uma pergunta que muitos mas ordenou que lhe conservasse a
fazem mas poucos conseguem res- vida. Deus tinha plena confiança de
pondê-la. Esta pergunta é: Qual é que Jó não perderia sua fé nEle, mes-
realmente o tema do livro de Jó? mo que fosse severamente castigado.
Existem muitas sugestões. A mais
comum é “A Paciência no sofrimen- 7 ARCHER, Gleason L. Reseña crítica
to”, outra é: “Porque um Deus justo de una introduccion al Antiguo
Testamento. P. 499.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 121


Antigo Testamento

A fé de Jó em Deus tropeçaria e/ disse coisas que em outras circuns-


ou vacilaria com frequência, mas no tâncias talvez nunca tivesse dito.
fim se manteria firme contra os mais Sua condição espiritual tinha altos e
fortes ataques de Satanás. Não deve- baixos. No final, Jó se humilhou e se
mos esquecer que no versículo ini- submeteu à vontade de Deus. Jó era
cial, Jó é descrito como um “varão, verdadeiramente um homem de fé,
íntegro e reto” e que era “temente a e Deus o abençoou ainda mais rica-
Deus e se apartava do mal”. Nos tem- mente do que o havia abençoado no
pos de grande dor e sofrimento, Jó princípio.

ESBOÇO1
I. Prologue (chs. 1-2)
A. Job’s Happiness (1:1-5)
B. Job’s Testing (1:6-2:13)
1. Satan’s first accusation (1:6-12)
2. Job’s falth despite loss of family and property (1:13-22)
3. Satan’s second accusation (2:1-6)
4. Job’s faith during personal suffering (2:7-1 0)
5. The coming of the three friends (2:11-13)
II. Dialogue-Dispute (chs. 3-27)
A. Job’s Opening Lament (ch. 3)
B. First cycle of speeches (chs.4-14)
1.Eilphaz (chs. 4-5)
2. Job’s reply (chs. 6-7)
3. Bildad (ch. 8)
4. Job’s reply (chs. 9-10)
5. Zophar (ch. 11)
6. Job’s reply (chs. 12-14)
C. Second Cycle of Speeches (chs. 15-21)
1. Eliphaz (ch. 15)
2. Job’s reply (chs. 16-17)
3. Bildad (ch. 18)

1 Concórdia Self-Study Bible. International Bible Society. St. Louis: Concórdia


Publishing House,

122 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Antigo Testamento

4. Job’s reply (ch. 19)


5. Zophar (ch. 20)
6. Job’s reply (ch. 21)
D. Third Cycle of Speeches (cns. 22-26)
1. Eliphaz (ch. 22)
2. Job’s reply (chs. 23-24)
3. Bildad (ch. 25)
4. Job’s reply (ch. 26)
E. Job’s Closing Discourse (ch. 27)
III. Interlude on Wisdom (ch. 28)
IV. Monologues (29:1-42:6)
A. Job’s Call for Vindication (chs. 29-31)
1. His past honor and blessing (ch. 29)
2. His present dishonor and suffering (ch. 30)
3. His protestations of innocence and final oath (ch. 31)
B. Elinu’s Speeches (chs. 32-37)
1. Introduction (32:1-5)
2. The speeches themselves (32:6-37:24)
a. First speech (32:6-33:33)
b. Second speech (ch. 34)
c. Third speech (ch. 35)
d. Fourth speech (chs. 3&37)
C. Divine Discourses (38:142:6)
1. God’s first discourse (38:1-40:2)
2. Job’s response (40:3-5)
3. God’s second discourse (40:641:34)
4.Job’s repentance (42:1-6)
V. Epilogue (42:7-17)
A. God’s Verdict (42:7-0)
B. Job’s Restoration (42:10-1 7)

Optamos por este esboço por acha-lo mais completo, pois demostra todos
os fatos e acontecimentos que se passam ao longo de todo o livro. As indica-
ções dos versículos facilitam ao se achar mais rápido os acontecimentos

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 123


Antigo Testamento

Teologia Esta pergunta deixa três possí-


veis suposições que permanecem em
O livro provê uma declaração aberto:
profunda no assunto da Teodicéia 1) este Deus não é Todo-Podero-
(a justiça de Deus levando em con- so,
ta sofrimento humano). A maneira 2) não é um Deus (que existe um
na qual o problema é apresentado e “ elemento demoníaco “ no ser
a solução oferecida (pode ser cha- dele)
mado de solução) é exclusivamente 3) aquele homem pode ser ino-
de Israel. O que mais se questiona cente.
a respeito do livro de Jó é: Como a Em Israel porém, era indiscutível
justiça de um Deus Todo-Poderoso que Deus é Todo-Poderoso, que ele
pode ser defendida face ao mal, es- é perfeitamente justo e que nenhum
pecialmente sofrimento humano, humano é completamente inocente
mais particularmente, o sofrimento na sua visão.
de um inocente? Estas três suposições também
eram fundamentais à teologia de Jó
e de seus amigos. Uma simples lógi-
ca ditou a conclusão então: O sofri-
mento de toda pessoa é indicativo
da medida da sua culpa aos olhos de
Deus. Em teoria, esta conclusão pa-
recia inevitável, logicamente impe-
rativo e teologicamente satisfatória.
Consequentemente, no contexto de
tal teologia, a Teodicéia não era um
problema, porque sua solução era
patente.
Mas o que era assim, em teoria
teologicamente patente e inexpug-
nável, era frequente, como no caso
de Jó, em tensão radical com expe-
riência humana atual. Havia aquele
cuja vida era realmente dedicada a
Deus, que tinha vida exemplar, en-

124 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Antigo Testamento

tretanto não sem pecado, e mesmo uma obra dramática, porém


assim era acometido de grande sofri- um drama intelectual e teoló-
mento. Para este, a teologia patente gico, onde as ações principais
não trouxe nenhuma consolação e são argumentos. È um drama
não ofereceu nenhuma direção. Só teológico que critica o método
deu lugar a um grande enigma. É o teológico dominante em Israel8
Deus para quem o sofredor foi acos-
tumado buscar em momentos de A teologia dos interlocutores de
necessidade e angústia se tornou o Jó se restringe à convicção de que Jó
enigma opressivo. Nas falas dos caps. era inocente, que ante essa segurança
3-37, nós ouvimos a lógica sem de- se desmorona a teologia axiomática
feito, por um lado ferindo à punha- que ele também cria. Como Jó não
ladas os que insistiram na “teologia podia oferecer alternativas a essa te-
ortodoxa”, por outro lado o sofrer ologia , quando Deus lhe pediu de-
da alma do homem íntegro que luta cidiu calar-se.
com o grande enigma. A “solução” Archer e Young dizem também
oferecida também é exclusivamente que o livro de Jó questiona a dou-
Israelita, ou melhor dizendo, Bíbli- trina da “Providência Divina” e jun-
ca. A relação entre Deus e o homem to com ela o problema do mal. “Se
não é exclusiva nem restrita. Deus Deus é justo, porque sofre o justo?
atua sobre o mundo e sobre as pesso- Como se explica o mal neste mun-
as da maneira que ele quer. Ele não do?
tem que dar satisfações sobre os atos Em suma , os três autores dizem
que comete. que a teologia tem que ser feita de
Deus deixou que Satanás fizesse o cima para baixo e não o contrário.
que fez com Jó porque Ele tinha ple- Para eles, Jó não é um tratado de te-
na certeza que Jó continuaria firme ologia, não oferece soluções a este
na sua fé. nível e para eles também não é este a
O teólogo liberal Jorge Pixley diz perspectiva do livro.
que: A resposta para esta pergunta é
Não creio que seja preciosismo um enigma que só Deus poderá res-
dizer que o livro de Jó é uma ponder (se Ele quiser).
crítica fundamental do método
da teologia. Não é por suposto, 8
um tratado de teologia mas PIXLEY, Jorge. El Libro de Job. San José:
SEBILA, 1982, p. 14.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 125


Antigo Testamento

Jó com relação a propôs que Deus tirasse tudo o que


Jó tinha, para que assim se provasse
riqueza e pobreza que Jó blasfemaria contra Deus. O
Tendo em vista que este trabalho Senhor deixou que Satanás tirasse
visa colocar os aspectos que relacio- tudo quanto Jó possuía, menos a sua
nam o livro de Jó com a riqueza e a vida.
pobreza, nós resolvemos destacar o As riquezas de Jó eram muitas,
versículo 21 do 1º capítulo do livro no Cap. 1 nós vemos tudo o que ele
de Jó, onde diz: “e disse: nú saí do possuía:
ventre de minha mãe, e nú voltarei; * Jó tinha sete filhos e três filhas.
o Senhor o deu, e o Senhor o tomou; * 7000 ovelhas.
bendito seja o nome do Senhor!”9 * 3000 camelos.
Antes de entrar na exegese do ver- * 500 juntas de bois.
sículo propriamente dita, temos que * 500 jumentas.
observar o contexto de todo o livro * muitos empregados a sua dispo-
de Jó, isso com relação a riqueza que sição.
ele possuía antes de ser provado por * muitas terras.
Deus, quando Ele permitiu que Sa-
tanás tirasse tudo o que possuía, fi-
cando Jó desta forma sem nenhuma
riqueza material. No entanto Deus
recuperou para Jó tudo em dobro.
Jó era o homem mais rico (maior)
de todos os do Oriente10. Jó também
era um homem integro, reto, temen-
te a Deus, e que se desviava do mal11.
Satanás lançou um desafio a Deus,
Deus sabia da integridade de seu ser-
vo, e de como ele era temente a Ele.
No entanto o Diabo duvidava desta
fidelidade de Jó para com Deus e
9
A tradução deste versículo é a da Bíblia
Almeida Revista e Atualizada (RA)
10 Jó 1.3
11 Jó 1.1

126 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Antigo Testamento

E assim Deus permitiu que Sa- e nú voltarei; o Senhor o deu, e o Se-


tanás tirasse todos estes bens de Jó, nhor o tomou; bendito seja o nome do
inclusive os filhos, que para Jó eram Senhor!”
a maior bênção que ele possuía. Mas O que Jó diz aqui vem logo de-
mesmo diante de toda esta calami- pois de ele ter perdido todos os seus
dade que sobreveio a ele, ele foi fiel a bens. No versículo anterior (20), Jó
Deus, e continuou temente a Deus. em sinal de luto e tristeza, rasgou
Por causa desta fidelidade Deus res- as roupas, rapou a cabeça, e se ajoe-
tituiu para Jó tudo o que possuía, lhou com o rosto no chão e adorou
sendo que os bens materiais foram a Deus. Neste versículo observamos
em dobro. Passou a possuir: como Jó realmente era fiel a Deus,
* sete filhos e três filhas. mesmo quando estava triste, e sem
* 14000 ovelhas nada, ao invés de reclamar e blasfe-
* 6000 camelos mar contra Deus, ele rendeu louvo-
* 1000 juntas de bois res a Deus.
* 1000 jumentas E no versículo em questão, que
* o dobro de empregados é o 21, vemos a continuação do ver-
* o dobro de terras12 sículo 20, onde Jó diz o que nós já
Tendo o contexto do Livro, ago- sabemos, isto é: quando nascemos,
ra partiremos para a exegese do ver- estamos nus, ou seja, não trazemos
sículo 21 do Capítulo 1º: “e disse: “e nada conosco para este mundo, e
disse: nú saí do ventre de minha mãe, quando morrermos nada levaremos
também, e Jó tinha consciência dis-
12 so. Aqui podemos ver um paralelo
Tendo em vista que a Escritura nos diz
que ele recebeu os bens em dobro, com 1 Tm 6.713.
chegamos a conclusão de que Jó tinha a consciência de que
Jó precisaria do dobro de empregados tudo o que uma pode pessoa pode
e também de terras para manter os
outros bens. ter pertence a Deus, porque foi ele
que deu. Assim também com a sal-
vação que nós temos, pois esta é uni-
camente graça de Deus, através de
Jesus Cristo.

13 “porque nada temos trazido para o


mundo, nem coisa alguma podemos
levar dele”.

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 127


Antigo Testamento

Conclusão Bibliografia
Concluímos este trabalho A Bíblia Sagrada. Trad. João Ferreira de
Almeida — Revista e Atualizada ­2ª
observando que nós, hoje, pode- edição letra grande. São Paulo: Socie-
mos ver em Jó um exemplo para dade Bíblica do Brasil. 1996.
ANDERSEN, Francis I. Jó introdução
nossa vida, isso porque, nós ape- e Comentário. São Paulo: Ed. Vida
sar de termos o que vestir, o que Nova e Mundo Cristão,1976.
ARCHER, Gleason L. Resenã crítica de
comer, e mesmo a oportunidade una introduccion al Antiguo Tes-
que temos, que estudar a Palavra tamento. Grand. Rapids:T E L L, 1977.
BULLOCK, C. Hassell. An Introduction
de Deus a cada dia, não somos to the Old Testament, Poetic
agradecidos a Deus como deve- Books. Chicago, Moody Press, 1988.
ria ser. Mesmo confessando tudo Concórdia Self-Study Bible. Interna-
tional Bible Society. St. Louis: Concór-
isto no credo Apostólico, quando dia Publishing House, 1984.
dizemos: “Creio em Deus, o Pai EDWARDS, J.Young. Introdução ao An-
tigo Testamento. São Paulo: Ed.Vida
Todo-Poderoso, criador do céu e Nova,1964
da terra”, e na explicação deste 1º HANSON, Antony and Miriam. Job. Lon-
don: S C M Press Ltd. 1953.
artigo Lutero nos diz que Deus HARTLEY, John E. The New Interna-
nos criou e nos sustenta com todo tional Commentary on the Old
o necessário para o corpo e alma Testament. Book of Job. Grand Rap-
ids: Eerdmans Publishing Company,
em toda nossa vida. 1988.
Cabe a nós orar por aqueles HARRISON, R. K. Introduction to the
Old Testament. ������������������
Grand Rapids: Erd-
que não tem muito o que comer, mans Publishing Company, 1969.
o que vestir, ou seja, que não tem HONSEY, Rudolph E. Job. Milwaukee
(USA): Editorial Northwestern, 1996.
muita condição de vida, já que o HUMMEL, Horace D. TheWord Beco-
nosso mundo é cheio disso. Pois ming Flesh. St. Louis: Concordia Pul-
bishing House, 1979.
nós sabemos que Deus tem planos MESQUITA, Antônio Neves de. Estudo
para todo o seu povo. Também no Livro de Jó. 2ª ed. São Paulo,
precisamos pedir a Deus, para que Juerp, 1972.
PIXLEY, Jorge. El Libro de Job. Costa
em nossa fé sejamos perseverantes Rica: Seminário Bíblico Latino-ameri-
como Jó, que no momento de fra- cano, 1982.
SELLIN,Ernst. Introdução ao Antigo
queza e de desespero em sua vida, Testamento. Trad. D. Mateus Rosa
permaneceu firme e fiel a Deus. São Paulo :Ed. Paulinas, 1977.
Rev. Cláudio Ramir Schreiber — Medianeira-PR e SCHULTZ, Samuel J. A História de Is-
rael no Antigo Testamento. São
Rev. Mauro Sérgio Hoffmann — Ji-Paraná-RO, são Paulo, Ed.Vida Nova, 1992.
pastores da Igreja Evangélica Luterana do Brasil.

128 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Mãe responsável,
filhos obedientes
Ana tinha o grande desejo de ser mãe. Per-
sonagem da Bíblia, no Antigo Testamento,
ela não tinha filhos porque Deus, até en-
tão, não permitia. Certo dia ela orou a
Deus e disse: “Ó Senhor Todo-Pode-
roso, olha para mim, tua serva! Vê a
minha aflição e lembra de mim! Não
esqueças a tua serva! Se tu me deres um filho, prometo que o dedicarei a ti
por toda a vida...” 1 Samuel 1.11.
Deus atendeu ao pedido de Ana. Ela ficou grávida e deu à luz um filho.
Colocou nele o nome de Samuel. No devido tempo, Ana cumpriu com a sua
promessa. “Samuel era muito novo quando a sua mãe o levou à casa do Se-
nhor.”
A responsabilidade da mãe Ana foi recompensada com a chegada do fi-
lho. Esta responsabilidade culminou com a educação do menino conforme
a vontade de Deus. Samuel não teve dificuldade em compreender os planos
de Deus para a sua vida. Toda a dedicação da mãe foi um ótimo exemplo
para ele. A boa vontade e disposição dela em adorar ao Senhor serviram de
inspiração para o filho.
Existem mães que são gratas a Deus pela felicidade de verem seus filhos
bem encaminhados. Muitas gostariam que seus filhos fossem mais consa-
grados a Deus, responsáveis e obedientes. Mas, amargam grandes decepções.
Algumas, pelo fato de não serem bom exemplo. Outras, apesar da boa edu-
cação, perderam seus filhos para péssimas companhias e as atrações mun-
danas.
Nunca é tarde para uma mãe assumir a sua responsabilidade e encami-
nhar os filhos a Deus. Até porque, os filhos obedientes serão a verdadeira
alegria dela. Filhos obedientes também são bons alunos; bons pais, motoris-
tas cuidadosos. Filhos obedientes são profissionais honestos e dedicados; são
agentes da paz e tornam a vivência em sociedade mais agradável. Que Deus
abençoe as mães com sabedoria, paciência e amor. Não esquecendo que te-
mer a Deus é o princípio da verdadeira sabedoria. “Para ser sábio, é preciso
primeiro temer a Deus, o Senhor.” Provérbios 9.10. Sabedoria e responsabi-
lidade geram obediência.
Rev. Fernando Emílio Graffunder é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil em Pelotas-RS

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 129


Simbologia Rev. Jarbas Hoffimann

Santíssima
Pesquisa e Adaptação

Trindade
Já no primeiro século falsos
mestres, incluindo Ário, ata-
caram a doutrina do Deus Triúno. O
sim como as três Pessoas são iguais
em honra e poder, também são coe-
ternas, nenhuma antes ou depois da
Credo Niceno, é como uma bandei- outra.
ra confessional contra o Arianismo Qualquer ilustrações da Trinda-
e heresias similares, e declara que de, verbal ou visual, é melhor par
Jesus Cristo é igual ao Pai. O Cre- anos aproximar do verdadeiro ser
do Atanasiano enfatiza com grande de Deus. Nós não podemos alcançar
clareza que as três pessoas de Deus a natureza de Deus com as nossas
são iguais: “E nesta Trindade nada mentes. Mas nós podemos crer que
é anterior ou posterior, nada maior Deus revelou a si mesmo em sua Pa-
ou menor, mas todas as três Pessoas lavra, e nós podemos adorar ao Deus
são juntamente eternas e iguais en- Triúno com nossos corações junta-
tre si. ... em tudo deve ser honrada a mente com São Paulo: “Como são
Trindade na unidade e a unidade na grandes as riquezas de Deus! Como
Trindade. ”. são profundos o seu conhecimento
Um dos símbolos mais antigos da e a sua sabedoria! Quem pode ex-
Trindade é o triângulo equilátero. plicar as suas decisões? Quem pode
Os lados e ângulos são iguais. Juntos entender os seus planos?” (Romanos
formam uma nova figura. Este sím- 11.33).
bolo é um auxílio visual para afirmar
a verdade que existem três pessoas
distintas: Pai, Filho e Espírito San-
to, e estas são iguais. O triângulo
mostra além disso que as três Pesso-
as constituem uma unidade — uma
essência divina.
O triângulo cercado de um cír-
culo mostra não só a unidade divina,
mas també a eternidade divina. As-

130 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Nudez exposta
O caso das fotos íntimas da
atriz me fez pensar em outro tipo
de cuidado, além dos riscos do
exibicionismo físico. Se a facilida-
de de copiar e transmitir imagens
nos faz pensar duas vezes sobre
a necessidade de registrar fotos e
vídeos comprometedores, preocu-
pação semelhante deveria aconte-
cer em âmbito espiritual. Porque,
cedo ou tarde, virão chantagens e
extorsões. Aliás, quem faz o alerta
é o apóstolo Paulo num tempo sem
internet. Ele compara a imagem
da igreja com o corpo humano, e
diz: “O fato é que as partes do cor-
po que parecem ser as mais fracas
são as mais necessárias, e aquelas
que achamos menos honrosas são
as que tratamos com mais honra. E as partes que parecem ser feias recebem
um cuidado especial” (1 Coríntios 12.22-23). Mais adiante ele explica que
os cristãos são o corpo de Cristo. O problema é que a igreja de Corinto estava
se expondo em intrigas por exibicionismo espiritual, e imagens íntimas va-
zaram e criaram escândalo. O que também virou caso de polícia (1 Co 6.1), e
literalmente a nudez do corpo transformou-se em imoralidade sexual (1 Co
6.18). Toda a epístola é um interessante manual para proteger a privacidade
do corpo de Cristo.
Gênesis registra que após a primeira desobediência humana, Adão e Eva
perceberam que estavam nus, ficaram envergonhados e esconderam as suas
intimidades. Logo após a promessa para encobrir a corrupção explícita do
ser humano (Gn 3.15 e Ap 12.17), o texto observa que foi o próprio Criador
quem confeccionou roupas para o casal. Isto oferece dois recados: Desde
que mundo é mundo, ficar pelado por aí é vergonhoso. E o único jeito para
ocultar o pecado é vestir o que Deus costura. Sobre esta roupa divina Paulo
escreveu: “Porque vocês foram batizados para ficarem unidos com Cristo e
assim se revestiram com as qualidades do próprio Cristo” (Gálatas 3.27). Sem
dúvida é preciso todo o cuidado quando o assunto é nudez.
Rev. Marcos Schmidt — Novo Hamburgo, é pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 131


Liturgia Rev. Jarbas Hoffimann
Liturgia para o Dia de Pentecostes
Veja uma sugestão de liturgia para culto do Dia de Pentecostes. Mas a
mesma pode ser usada como opção para o período de Pentecostes.

Legenda:
P Pastor de pé
C Congregação sentados
T Todos ajoelhados
|: Repetir o canto entre :| cantar

1. Saudação C.: Que o Espírito Santo nos


conduza na confissão de nos-
O pastor prepara adequadamente a sauda- sos pecados, para que tenha-
ção para cada culto, podendo ressaltar o
tema do sermão mos o verdadeiro arrependi-
mento e sejamos guiados no
P.: ... caminho do Senhor.
2. Hino de Invocação 5. Confissão dos
3. Invocação Pecados
P.: Começamos este culto, in- P.: Amados no Senhor. De cora-
vocando a presença de nosso ção sincero nos acheguemos
Deus Pai, Filho e Espírito a Deus nosso Pai e lhe con-
Santo. fessemos os nossos pecados,
C.: Que o Espírito da Verdade se suplicando-lhe em nome de
faça presente em nosso meio nosso Senhor Jesus Cristo
e nos oriente pelas santas nos conceda o perdão.
Palavras do Senhor. Amém. O nosso socorro está em o
nome do Senhor.
4. Exortação C.: Que fez o céu e a terra.
P.: Irmãos, pecamos muito e P.: Dizia eu: confessarei ao Se-
diariamente. Mas há salva- nhor as minhas transgres-
ção para nós. Todo aquele sões.
que se arrepende de seus pe- C.: E tu perdoaste a maldade do
cados e busca o perdão no meu pecado.
Senhor, encontra conforto e P.: Onipotente Deus e mise-
consolo. ricordioso Pai, eu, pobre e

132 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Liturgia

miserável pecador, te con- 7. Salmo do Dia


fesso todos os meus pecados
e iniquidades com que pro- 7.1. Gloria Patri
voquei a tua ira, merecendo (Glória ao Pai)
mui justamente o teu castigo
temporal e eterno. C.: Glória ao Pai e ao Filho e ao
Deploro de todo coração Santo Espírito, como era no
estas minhas culpas e arre- princípio, agora é e por todo
pendo-me sinceramente. Su- o sempre há de ser! Amém.
plico-te, mediante a tua pro- 7.2. Kyrie
funda misericórdia e a santa,
inocente e amarga paixão e (Tem piedade Senhor)
morte de teu amado Filho C.: Senhor, tem piedade de nós.
Jesus Cristo, que tenhas pie- Cristo, tem piedade de nós.
dade e misericórdia de mim, Senhor, tem piedade de nós.
pobre pecador. Amém.
8. Gloria in Excelsis
6. Absolvição (Glória a Deus nas
P.: Diante de Deus pergunto a alturas)
vocês: é esta a sincera con-
fissão de vocês, que vocês se P.: Glória a Deus nas alturas.
arrependem verdadeiramen- C.: E na terra paz, boa vonta-
te dos pecados de vocês, que de para com os homens. Nós
creem em Jesus Cristo, e que te louvamos, bendizemos,
têm o sincero e firme propó- adoramos; nós te glorifica-
sito de corrigir a vida peca- mos e te damos graças por
minosa de vocês, pelo auxí- tua grande glória. Ó Senhor
lio de Deus Espírito Santo? Deus, Rei dos céus, Deus Pai
Se é, afirmem isto dizendo: onipotente. Ó Senhor, uni-
Sim. gênito Filho, Jesus Cristo; ó
C.: Sim Senhor Deus, Cordeiro de
P.: Em virtude desta confissão Deus, Filho do Pai, que tiras
de vocês, na qualidade de os pecados do mundo, tem
ministro da Palavra, chama- compaixão de nós. Tu, que
do e ordenado, anuncio a tiras os pecados do mundo,
vocês a graça de Deus, e da recebe a nossa deprecação.
parte e por ordem de Jesus Tu, que estás sentado à mão
Cristo, meu Senhor, perdoo direita de Deus Pai, tem
todos os pecados de vocês, compaixão de nós, porque
em nome do Pai e do Filho e só tu és Santo, só tu és o Se-
do Espírito Santo. nhor. Só tu, ó Cristo, junta-
C.: Amém. mente com o Espírito Santo,

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 133


Liturgia

és o Altíssimo na glória de coisas visíveis como das in-


Deus Pai. Amém. visíveis. E em um só Senhor
Jesus Cristo, Filho unigêni-
9. Saudação to de Deus, nascido do Pai
P.: O Senhor seja convosco. antes de todos os mundos,
C.: E com o teu espírito. Deus de Deus, Luz de Luz,
verdadeiro Deus do ver-
10. Coleta (Oração do dadeiro Deus, gerado, não
Dia) criado, de uma só substân-
P.: ... por Jesus Cristo, teu Filho, cia com o Pai, por quem to-
nosso Senhor, que vive e rei- das as coisas foram feitas; o
na contigo e o Espírito San- qual por nós homens e pela
to, um só Deus pelos séculos nossa salvação desceu do céu
sem fim. e se encarnou pelo Espírito
C.: Amém. Santo na virgem Maria e
foi feito homem; foi tam-
11. Hino bém crucificado por nós sob
Pôncio Pilatos, padeceu e foi
12. Leituras Bíblicas sepultado; e ao terceiro dia
ressuscitou segundo as Escri-
12.1. Primeira Leitura turas, e subiu aos céus, e está
sentado à direita do Pai, e
12.2. Segunda Leitura virá novamente em glória a
P.: Assim termina a leitura. julgar os vivos e os mortos,
C.: Aleluia! Aleluia! Aleluia! cujo Reino não terá fim. E
no Espírito Santo, Senhor
13. Leitura do Evangelho e Doador da vida, o qual
procede do Pai e do Filho,
Pastor anuncia o Evangelho do dia
que juntamente com o Pai e
P.: Evangelho de .... o Filho é adorado e glorifica-
C.: Glórias a ti Senhor! do; que falou pelos profetas.
Depois da Leitura do Evangelho: E numa única santa Igreja
Cristã e Apostólica. Confes-
P.: Assim termina o Evangelho. so um só Batismo para a re-
C.: Glórias a ti, ó Cristo! missão dos pecados, e espero
a ressurreição dos mortos e
14. Confissão de fé a vida do mundo vindouro.
Amém.
Credo Niceno
T.: Creio em um só Deus, Pai 15. Hino
Todo-Poderoso, Criador
do céu e da terra, tanto das 16. Mensagem

134 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Liturgia

17. Ofertório Que a Santa Ceia nos faça


C.: Cria em mim, ó Deus, um praticar as palavras que hoje
puro coração e renova em ouvimos e que o teu Espíri-
mim espírito reto. Não me to Santo, que habita em nós,
lances fora da tua presen- nos guie no testemunho.
ça e não retires de mim o Faze de cada um de nós, um
teu Espírito Santo. Torna a importante instrumento na
dar-me a alegria da tua sal- missão.
vação e sustém-me com um ... em nome do Senhor Jesus
voluntário espírito. Amém. e guiado por teu Espírito
Santo.
18. Hino C.: Amém.
Entrega das Ofertas 23. Pai Nosso
T: Pai nosso que estás no céu,
19. Avisos da Oração santificado seja o teu nome.
Geral Venha o teu reino. Seja feita
a tua vontade, assim na ter-
20. Oração Geral da ra como no céu. O pão nosso
Igreja de cada dia nos dá hoje. E
perdoa-nos as nossas dívi-
P.: ... por Jesus Cristo, teu Fi- das, assim como nós tam-
lho, nosso Senhor, que vive bém perdoamos aos nossos
e reina contigo e o Espírito devedores. E não nos deixes
Santo. Um só Deus pelos sé- cair em tentação, mas livra-
culos sem fim. -nos do mal. Pois teu é o rei-
C.: Amém. no, o poder e a glória para
21. Hino sempre. Amém.
24. Palavras da
22. Oração Eucarística
instituição
P.: Senhor. Somos indignos de
nos apresentar diante da tua P.: Nosso Senhor Jesus Cristo,
mesa. Mas não confiamos na noite em que foi traído,
em nós mesmos, nem em pegou o pão e, tendo dado
nossos méritos. Confiamos graças, o partiu e deu aos
em teu Filho Jesus Cristo. seus discípulos dizendo:
Confiamos também na pro- Peguem, comam, isto é o
messa do Espírito Santo, en- meu (†) corpo que é dado
viado por Jesus sobre nós. por vocês, façam isto em me-
Aumenta em nós a fé e o mória minha.
amor a ti e ao próximo. P.: E, semelhantemente, tam-
bém, depois da ceia, pegou o

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 135


Liturgia

cálice e, tendo dado graças, o sangue do Senhor Jesus, que


entregou, dizendo: vocês receberam, os fortale-
Bebam todos deste; este cá- ça e preserve na fé verdadeira
lice é o Novo Testamento no para a vida eterna. Podem
meu (†) sangue, que é der- ficar em paz, pois o Senhor
ramado por vocês para per- está com vocês hoje e sem-
dão dos pecados; façam isto, pre. Amém.
quantas vezes o beberem, em
memória minha. 29. Ação de Graças
P.: Todas as vezes que participa-
25. Pax Domini mos da Santa Ceia, testemu-
(A Paz do Senhor) nhamos a morte do Senhor
P.: Que o Espírito Santo lhes dê até o seu regresso. Por isso,
a Paz do Senhor Jesus Cristo. damos graças e oramos:
C.: Que a Paz do Salvador re- T.: Senhor Deus, graças Te da-
pouse sobre ti também. mos, porque nos reconfortas-
P.: Nos saudamos desejando a te por meio da Santa Ceia.
“Paz do Senhor”. Pedimos-te que concedas,
por tua graça, que a mesma
26. Agnus Dei Ceia nos fortaleça na certeza
(Cordeiro de Deus) da ressurreição e na vitória
em Cristo e nos dê maior
C.: Cordeiro divino, morto pelo amor para com o nosso pró-
pecador, sê compassivo. ximo. Mediante Jesus Cris-
Cordeiro divino, morto pelo to, teu Filho, nosso Senhor,
pecador, sê compassivo. que vive e pelo qual também
Cordeiro divino, morto viveremos eternamente.
pelo pecador, a paz concede. Amém.
Amém.
30. Bênção Final
27. Distribuição da Ceia
P.: O Senhor te abençoe e te
Pode-se cantar vários hinos. guarde.
O Senhor faça resplandecer
28. Bênção de pós- o seu rosto sobre ti e tenha
comunhão misericórdia de ti.
O Senhor sobre ti levante o
Para congregações onde as pessoas recebem seu rosto e te dê a paz.
a Ceia em uma fila contínua, em que o
pastor não problama a bênção, sugere-se, ao C.: Amém. Amém. Amém.
final de toda a distribuição, que a congrega-
ção se coloque de pé e o pastor pronuncie a 31. Comunicações,
seguinte bênção:
convites e
P.: Que o comer, do corpo e despedidas
136 | RT | Fevereiro a Junho, 2012
Trabalho sem avareza
nem preguiça
Como é bom quando somos bem atendidos! Quando alguém resolve o nosso
problema com habilidades na construção, na contabilidade, nos conselhos, na
saúde, educação, etc.
Mas como é lamentável quando alguém que deveria executar uma tarefa e
cumprir o seu dever age com displicência e irresponsabilidade.
O mandamento que proíbe furtar relaciona-se com o trabalho. Há aqueles
que roubam dos empregados sendo avarentos e pagando menos do que deve-
riam! Há outros que roubam seus patrões, sendo preguiçosos e rendendo menos
do esperado.
Em toda profissão há aquele que se torna uma bênção e outros que são como
uma maldição.
Um político eleito pode fazer muito pela sociedade, por outro lado é alar-
mante os prejuízos que podem causar aos cofres públicos.
Um bom profissional da saúde pode fazer a diferença na vida de muita gente!
Porém, maus profissionais podem causar a morte, trocando soro por veneno ou
simplesmente deixando de atender!
Um jornalista pode fazer a sociedade pensar, agir e reagir. Mas pode usar
sua profissão apenas para defender uma ou outra classe, espalhando inverdades,
omitindo algo aqui ou enfatizando outro algo lá.
E os pastores, padres e outros “profissionais” da religião? Podem ser tão úteis
anunciando o Amor de Deus e proclamando sua Vontade, porém, quando se
preocupam apenas em elevar e defender sua própria imagem, ou até mesmo
encher o bolso explorando a fé do povo, quantos desastres, dores de consciência
e inverdades podem espalhar!
Depois de termos desfrutado de mais um feriado do dia do trabalho, é im-
portante refletirmos sobre o exercício das profissões, sabendo, no entanto, que
devemos primeiro olhar para nossa própria vida. Pensar em tirar o cisco no olho
do outro somente depois de tirar a trave diante dos nossos olhos. Afinal, é sempre
mais fácil criticar o trabalho do outro e ser muito piedoso conosco. É fácil criti-
car os subordinados e assumir uma postura defensiva quando somos avaliados.
A Palavra de Deus aconselha: “Trabalhem com prazer, como se vocês esti-
vessem trabalhando para o Senhor e não para pessoas” (Efésios 6.7). Se atentar-
mos para esse simples conselho, a vida vai melhorar muito, pois seremos servi-
dos de competentes profissionais em toda parte.
Diz o ditado que quem trabalha ora duas vezes, mas convém destacar que
continuemos a orar, pedindo o pão de cada dia para todos. Para que isso aconte-
ça, faz-se necessário vencer a avareza e a preguiça, começando por aquela que
vive no coração de cada um de nós. Essa vitória só nos é possível com o perfeito
trabalho do perfeito trabalhador — Jesus.
Rev. Ismar Lambrecht Pinz — Pelotas-RS, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

Fevereiro a Junho, 2012 | RT | 137


Aborto de Anencéfalos
Foi aprovado pelo Supremo Tribunal Federal o aborto de anencéfalos. Oito
votos favoráveis e dois votos contrários. A partir da publicação dessa decisão as
mulheres que descobrirem que seu nenê não tem o cérebro completo, poderão
interromper a gravidez, tirando a vida do feto.
O que mais pesou para se chegar a essa decisão foi a análise do sofrimento da
mãe. Tanto que a Lei prevê que justamente a gestante e tão somente ela, poderá
e deverá decidir se a vida do feto será interrompida ou não.
Sinto que há grande proximidade dos argumentos pró-aborto de anencéfalos
com os utilizados a favor da eutanásia. Os favoráveis apontam para o sofrimento
de quem acompanha e da própria pessoa. Mas insisto em um argumento brutal,
onde afirmo que não se acaba com o sofrimento matando os sofredores. Entendo
que justamente ali está a oportunidade de aumentar o amor e o cuidado.
A decisão do STF relativiza a Vida.
Por isso pergunto: Como medir essa situação do sofrimento? Quando o sofri-
mento permite acabar com a vida? Quantos sofrem dores emocionais e pedem
pelo fim de sua vida — aprovaríamos isso?
No caso dos anencéfalos argumenta-se ainda que a possibilidade de vida é
pequena. Mas será que não há dignidade em viverem apenas alguns minutos?
O dom da vida não está ligado ao tempo de vida! Por isso todos têm o direito e
o dever de cuidar durante os poucos dias, semanas, meses ou anos que estamos
com nossos filhos e depois sepultá-los dignamente.
Em outras épocas algumas civilizações descartavam crianças com outras de-
ficiências. Desejo que essa decisão não abra precedentes para que o egoísmo
floresça e frutifique em extermínio de crianças por motivos banais!
Quero deixar claro que não consigo mensurar a dor dos pais que descobrem
que seu filhinho(a) não tem cérebro. Compreendo que não é uma situação banal.
Porém a Vida pertence a Deus. Ninguém tem o direito de interrompê-la. Não so-
mos autônomos nem mesmo com a nossa própria existência — muito menos com
a de outrem, menos ainda com a de um feto que não pode defender-se de nada.
Independente das leis aprovadas, precisamos continuar zelando e cuidando
a vida. Pois antes importa obedecer a Deus do que aos homens (At 5.29). Sabe-
mos que nosso Deus, Criador, nos acompanha desde a concepção, nos viu desde
quando estávamos sendo formandos na barriga de nossa mãe (Salmo 139); e que
a Verdadeira Páscoa, onde Jesus ressuscitou, nos ensina que nosso salvador não
deseja interromper a vida, mas garanti-la eternamente.
Concluo convidando os leitores a pesquisarem e conferirem no youtube o de-
poimento de pais de uma menina anencéfala que recebeu o nome de Vitória de
Jesus — o título é “Pais testemunham a sua fé”. Também é possível acompanhar
o discurso e o voto de cada um dos ministros.
Rev. Ismar Lambrecht Pinz — Pelotas-RS, pastor da Igreja Evangélica Luterana do Brasil

138 | RT | Fevereiro a Junho, 2012


Direto ao Ponto

Vida sustentável
P
articipei do 2º Fórum ADCE para Sustentabilidade e voltei mais deter-
minado em fazer a minha parte na preservação dos recursos naturais e
do meio ambiente. Neste encontro em Porto Alegre, promovido pela As-
sociação de Dirigentes Cristãos de Empresa, sob o tema “educar pelo exemplo
e agir”, empresários, economistas, teólogos, políticos, engenheiros, professo-
res e outros, expuseram ideias e experiências sobre formas sustentáveis de
vida. Para mim foi um enorme aprendizado nesta matéria que sempre me
interessou. Lembro-me que em 1982, ao optar pelo tema “ecologia” para a
minha dissertação do bacharelado, desaconselharam-me por ser um assunto
“sem interesse” no aspecto teológico. No entanto, quando hoje o termo “sus-
tentabilidade” é definido como a capacidade de integrar as questões sociais,
energéticas, econômicas e ambientais, de imediato os cristãos têm a tarefa de
lembrar uma quinta questão, a espiritual. Segundo a fé bíblica, a sustentação,
a rocha firme, a pedra angular é Cristo, e sem ela a casa cai.
Entre tantas palestras interessantes, fiquei impressionado com a aborda-
gem do ex-ministro da Casa Civil, Luis Roberto Ponte. Com voz embargada,
disse que “a doutrina social da igreja ajuda a esclarecer a verdade sobre os
sofismas que levam a injustiça, e demonstrar atra-
vés do exemplo de vida que é somente pela prática
do bem que se alcança a sociedade sustentável”. Per-
cebi certa decepção dele com a vida pública, homem
experiente que é nos seus 78 anos de idade. Penso que
a maioria dos que chegam a este tempo de existên-
cia terrena, deve se sentir assim, frustrada com os
“sofismas”, ou seja, as argumentações falsas com
aparência de verdadeiras. É a insustentabilidade
da palavra com a verdade o pior desastre am-
biental deste planeta que sofre os efeitos do pe-
cado. Mas foi por isto mesmo que “a Palavra se
tornou um ser humano e morou entre nós, cheia
de amor e de verdade” (João 1.14).
Rev. Marcos Schmidt — Novo Hamburgo, é pastor da Igreja Evangélica
Luterana do Brasil

Você também pode gostar