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● Justiça universal
A justiça foi para os homens desta época o fundamento da vida social. Sem ela, seria
impossível uma convivência organizada, a manutenção da comunidade política, a
conceção como ovo e um grupo humano. A sociedade traduzia o resultado do múltiplo e
diversificado operar humano tendente à realização da perfeição individual.
A ordem social representava a projeção comunitária da condição dos seus
membros. Sendo os homens justos, justa seria a sociedade.
O homem, para atingir a lei divina e a lei natural, deverá realizar um trabalho intelectual
de conhecimento do respetivo conteúdo e uma tarefa volitiva respeitante à sua observância.
A justiça traduzia-se numa virtude: o hábito bom orientado para a ação (habitus
operativus bonus). A prática de atos virtuosos por parte do homem fortalece-lhe a possibilidade
de caminhar virtuosamente, que tanto vale dizer tornar-se perfeito.
→ A justiça é um valor do Direito. Tendemos para ela, mas não conseguimos aceder -
perfeição -, porque é a síntese de todas as virtudes. Considera o mundo intrasubjetivo.
● Justiça particular
A justiça particular considera o campo das relações intersubjetivas.
Depende se for concebida numa perspetiva subjetiva (entre sujeitos relacionáveis -
constante e perpétua vontade de atribuir a um o seu direito) ou numa perspetiva
objetiva.
Justiça é o hábito da alma que atenta a utilidade comum, atribui a cada um o próprio da
sua dignidade.
O que é a justiça senão a virtude que dá a cada um o quanto lhe é devido?
MODALIDADES DA JUSTIÇA
Determinada a natureza da justiça - vontade constante - e o propósito dela - atribuição
do seu - impunha-se ainda uma determinação quantitativa do operar humano, sob pena de não
haver consideração casuística da ação a desenvolver consoante as circunstâncias. Ela
processou-se pela ponderação das diferentes modalidades da justiça.
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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS Ana Maria Varela
● Justiça subjetiva
➔ Álvaro Pais
- Latria: justiça para com Deus (justiça espiritual)
- Dulia: justiça para com as criaturas merecedoras de honra e consideração
- Obediência: justiça para com os superiores hierárquicos
- Disciplina: justiça para com os inferiores hierárquicos
- Equidade: justiça para com os iguais
➔ S. Tomás de Aquino
- justiça comutativa: diz respeito às relações entre iguais; requer-se absoluta
igualdade entre o que se dá e o que se recebe, havendo o dever de restituir
quando assim não ocorre
- justiça distributiva: diz respeito às relações da comunidade com os seus
membros; o seu campo de aplicação é o das relações do conjunto político com as
pessoas individualmente consideradas; ela impõe que os representantes da
comunidade repartam os encargos segundo a capacidade de resistência de cada
membro e os bens públicos e prémios de acordo com a respetiva dignidade e
mérito; não exige uma igualdade absoluta - rejeita-a, pois tratar igualmente
desigual traduzir-se-ia numa desigualdade; requer, contudo, que a relação
entre o mérito e a recompensa, a capacidade e o encargo, seja a mesma e igual
para todos
- justiça geral (social ou legal)
➔ Aristóteles
Chamou geométrica à igualdade da justiça distributiva e
aritmética à igualdade da justiça comutativa.
● Justiça objetiva
Ao lado das conceções subjetivas, encontramos nos juristas da época a ideia de uma
justiça objetiva, forma de retidão plena e normativa. A justiça, na sua forma pura,
identificava-se com o próprio Deus, assim como Ele se identificava com o direito natural.
Sendo Deus o modelo dos Homens, feitos à sua imagem e semelhança, seguia-se a
consequência de uma justiça humana objetiva, embora não perfeita, e apenas reflexo da justiça
divina.
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JUSTIÇA E DIREITO
O pensamento medieval concebeu a justiça como causa do direito. O direito está para a
justiça como o filho para a mãe.
De tal figuração decorre a consequência de justiça e direito possuírem a mesma
natureza. Isto é, justiça e direito identificam-se.
DIREITO DIVINO
Para o Homem medieval, existia uma pluralidade normativa, uma normatividade
complexa.
O direito situa-se, não apenas no plano humano, mas decorre da realidade que
ultrapassa o Homem - Deus. Daí que se fale em direito divino - que representa o escalão último
do jurídico.
Na Idade Média, aludiu-se diferentemente a direito divino e a direito natural.
➔ Doutor Angélico
- lei eterna é a própria razão de Deus, governadora e ordenadora de todas as
coisas; dela procedem a lei natural e a lei divina
- lei natural*
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- lei divina* *
- lei humana
➔ S. Tomás de Aquino
- lei natural* é uma participação da lei eterna na criatura racional que lhe
permite distinguir o bom e o mau
- lei divina* * constituída pelo Antigo e pelo Novo Testamento, foi revelada
expressamente por Deus para que o Homem pudesse sem vacilações nem
dúvidas ordenar-se em relação ao seu fim sobrenatural, que é a
bem-aventurança eterna
A realidade a que S. Tomás chama lei eterna aparece também designada por lei divina. Então,
distingue-se entre lei divina natural e lei divina positiva. Estas correspondem à lei natural e à lei
divina do pensamento tomista.
➔ Gaio
- direito natural: eminentemente racional
➔ Ulpiano
- direito natural: teria como base o instinto, comum a seres racionais e
irracionais
➔ Santo Agostinho
- direito natural: síntese entre a consciência e a graça, foi dado por Deus desde a
criação do Homem
➔ Alain de Lille
- direito natural: deriva-se da natureza, conceito vago e fluido que, de qualquer
forma, acaba ligado a Deus
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HISTÓRIA DO DIREITO PORTUGUÊS Ana Maria Varela
jurídico que se sobrepunha à vontade dos governantes e dos súbditos, de todo e qualquer
membro de uma comunidade por anterior ao próprio poder político e à coletividade.
Era da necessidade de sujeição da ordem jurídica humana ao direito anterior ao
governante que resultavam a inviolabilidade do direito subjetivo para quantos entendiam o
príncipe como fonte única e exclusiva da ordem positiva.
➔ S. Tomás de Aquino
- princípios gerais: auto evidentes para todos
- princípios primários: auto evidentes mas não imediatamente para todos
- princípios secundários: definidos pela congnoscibilidade, como conclusões em
relação aos preceitos primários; há uma certa possibilidade de variação
● Ius gentium
Situa-se entre os dois planos, na medida em que, consequência ou extensão do direito
natural, é já direito humano, mas universal ou para-universal.
Era concebido como direito costumeiro - o costume da humanidade -, posterior ao
direito natural e anterior a toda e qualquer lei escrita.
Se o direito natural existe desde os primórdios do género humano, o direito das gentes
aparece depois do pecado original e em consequência dele.
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DIREITO CANÓNICO
Conjunto de normas jurídicas relativas à Igreja. Complexo de cânones ou leis
estabelecidas, propugnadas ou aprovadas pela autoridade eclesiástica, para reta instituição da
sociedade eclesiástica.
- cânone: norma ou regra - quer em sentido físico quer moral; na Idade Média
entendiam-se por cânones, consoante a lição de Graciano, os decretos do Sumo
Pontífice e as estatuições dos concílios
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● DECRETAIS: legislação pontifícia; normas que o Papa estatui sozinho ou com os seus
cardeais a consulta de algué
À medida que o Papa vai legislando e que o Concílio cria as suas determinações, há necessidade
de compilar. → com o renascimento do direito romano, nos séculos XII e seguintes,
desenvolve-se a atividade compilatória dos cânones e decretais
➢ AS CINCO COMPILAÇÕES ANTIGAS encontram-se em grande parte na
origem de uma compilação posterior, em cinco livros
➢ CORPUS JURIS CANONICI integra:
- Decreto de Graciano
coligido pelo monge Graciano em 1140
- Decretais devidas ao Papa Gregório IX
conjunto de decretos pontifícios dos séculos XII e XIII, reunidas sob o pontificado de
Gregório IX, em 1234, e recolhidos em texto oficial por S. Raimundo de Peñafort (podem
aparecer designadas por Decretales Novas)
- Sexto (Livro sexto das Decretais)
coleção de decretais posteriores a 1234 e promulgadas por Bonifácio VIII
- Sétimo o u Clementinas (Livro sétimo das Decretais)
recolha de decretais subsequentes, publicada por pelo Papa Clemente V, em 1313
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● DOUTRINA: é fonte imediata de Direito; é a opinião e obra científica dos juristas, que
assumiu um papel de muita importância, pois podia resolver casos da vida, depois da
aliança entre a lei canónica e a lei secular; a formação dos juristas é com base nos dois
Direitos (há um tronco comum que associa estes dois Direitos em simbiose)
● CONCÓRDIAS: acordos que têm o Papa como outorgante; acordo celebrado entre o
rei e o Clero nacional, tentando definir os direitos de ambas as partes
● CONCORDATAS: acordos que têm o Papa como outorgante; acordo celebrado entre o
Papa e o Estado português (rei), tentando definir os direitos de ambas as partes
A penetração do direito canónico era tal, que nas cortes ou cúria alargada de 1211
houve necessidade de hierarquizá-lo em relação ao direito do rei. A ordenação
estabeleceu-se, segundo o entendimento geral, com a relevância daquele. Estamos face a um
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Nos tempos imediatamente anteriores à fundação da nacionalidade, podemos assinalar mais de um
documento em que se refere o direito canónico na fase pré-gracianeia: numa doação de D. Maurício, bispo
de Coimbra, ao presbítero Afonso; num documento de 12 de março de 1112; numa carta de couto
outorgada pelo conde D. Henrique contém-se alusão aos ‘’decretos dos santos cânones sobre as ordens
eclesiásticas e as liberdades das igrejas’’.
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O bispo Crescónio legou à sua igreja, a Sé de Coimbra, um librum canonum, em 1094, e em 1139 faleceu
uma tal Frandine, que, com o seu marido Alvito Recamondiz, legou à mesma uns canones veteres.
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CRITÉRIO DA PESSOA
Certas pessoas devem ser julgadas nos Tribunais da Igreja - membros do Clero (os monarcas criaram a
regra de foro do réu: mesmo que uma das partes seja membro do Clero, há que seguir o foro do réu → se o réu
for membro do Clero deve dirimir o conflito/se o réu for alguém que não pertence à Igreja, deve julgar-se num
Tribunal comum) e quem tem privilégio de foro (pessoas miseráveis: viúvas e órfãos; professores e
estudantes universitários: o ensino é sediado em Igrejas e mosteiros).
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Se existir uma lei do rei que rege determinada matéria e existir uma fonte de Direito
Canónico que também a disciplina, nos Tribunais do rei, qual é que se deve aplicar em primeiro
lugar? Nos tribunais civis, o direito canónico aplicou-se, primeiramente, como direito
preferencial. Seria o próprio monarca que assim o determinaria. Com efeito, na cúria de
Coimbra de 1211, decidiu Afonso II que as suas leis não valessem se feitas ou estabelecidas
contra os direitos da Santa Igreja de Roma.
Mais tarde, o direito canónico foi relegado para a posição de direito subsidiário, isto é,
apenas aplicável quando faltasse o direito nacional. Aqui iria, aliás, entrar em concorrência com
o direito romano ou imperial. O critério de ordenação relativa do ordenamento canónico
seria o critério do pecado - se, nos tribunais do rei, a aplicação de uma norma de Direito
Romano ou de uma lei régia redundasse em pecado (obrigasse alguém a pecar), não devia
aplicar-se essa norma e devia aplicar-se a regra de Direito Canónico (critério criado para
aplicação do Direito Canónico preferencialmente ao Direito Romano e do Direito Régio se, em
segunda instância, se concluísse que a aplicação redundaria em pecado).
Direito prudencial
É uma fonte relevante a partir de meados do século XII na Idade Média em Portugal. O
direito prudencial trata-se da ordem normativa criada pelos prudentes (aqueles que têm a
capacidade de distinguir o justo do injusto, o devido do indevido, têm auctoritas, a sua opinião
pode ser utilizada para os casos da vida), pelos que conhecem o direito, o justo e o injusto;
por aqueles cuja autoridade lhes permitis declarar a verdade jurídica dos casos
concretos.
A iurisprudentia baseia-se na auctoritas, no saber socialmente reconhecido, mas
desprovido de poder (potestas) .3
O direito prudencial fica afastado do que hoje designamos por jurisprudência - o resultado da
atividade do juiz enquanto magistrado que dita a solução dos casos litigiosos munido do direito de
império do Estado. Compreende-isto isto claramente tendo presente a diferença entre o juiz atual,
funcionário do poder, e o juiz romano clássico, que era um privado.
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JURISPRUDÊNCIA: decisão dos Tribunais (potestas); IURISPRUDENTIA: opinião justa daquele que tem
reconhecimento para o emitir (auctoritas) .
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O Direito Romano teria sido alvo de uma descoberta no século XII. Na Idade Média, o
Digesto encontra-se disposto nas edições medievais dividido em três volumes:
● DIGESTO VELHO: abrange os livros I a XXIV
● DIGESTO NOVO: abrange os livro XXXIX a L
● DIGESTO ESFORÇADO: XXV a XXXVIII
As partes do Digesto corresponderiam não à sua descoberta, mas à ordem de elaboração e de
estabelecimento.
Esta visão tem sido, contudo, acusada de excessivo esquematismo, com a sua pretensão
de apresentar as duas escolas medievais como separadas uma da outra por um fosso bem
demarcado, quando é certo não se encontrar facto a que se possa atribuir tal virtualidade,
existirem inúmeros pontos de contacto entre elas e só ser viável o estabelecimento de
contrastes entre ambas quando se lhes referenciem estádios bem separados cronologicamente.
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PÓS-ACURSIANOS
Odofredo, autor de um comentário ao Digesto Velho e de diversificadas obras.
- Guilherme Durante
- Martim de Fano
- Alberico de Rosate (autor de um comentário ao Digesto)
COMENTADORES
A escola dos comentadores apresenta como figuras iniciais as dos doutores franceses
Jacques de Révigny e Pierre de Belleperche, ambos creditados pela larga e sistemática
apropriação dos métodos dialéticos cultivados pelos teólogos escolásticos.
- Cino de Pistóia (a sua obra jurídica principal foi um notável comentário ao
Código)
Bártolo, o maior dos juristas medievais e, talvez, aquele mais influência exerceu, tem
uma vastíssima obra elaborada no curto espaço de uma vida de quarenta anos.
- Baldo
- Bartolomeu de Saliceto
- Fulgósio
- Paulo de Castro
- Alexandre Tartagna
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‘’Ius regni’’
Direito que se faz no reino. Direito legislado
Direito dos povos que se estabeleceram na Península Ibérica:
1. POVOS PRIMITIVOS DA PENÍNSULA - Íberos, Tartéssios, Lusitanos
2. LEIS GERMÂNICAS - Lei Salica, dos Francos Sálios, a Lex Ribuaria, dos Bávaros,...
3. LEIS DOS VISIGODOS (povo que dominou a Península durante séculos e cujo Império
apenas terminou com as invasões muçulmanas) - aos Visigodos se ficaram devendo
alguns famosos momentos jurídicos:
- CÓDIGO DE EURICO (476): atribuído ao rei Eurico e de que se conhece apenas
um fragmento, o chamado Palimpesto de Corbie, tendo sido este objeto de
reconstituição: nele se vÊ a influência do direito romano vulgar
- BREVIÁRIO DE ALARICO (506): devido a Alarico, não é já direito romano
vulgar, mas direito romano; teve por fontes constituições imperiais retiradas dos
Códigos Teodosiano, Hermogeniano e Gregoriano e de novelas de vários
imperadores, bem como escritos de juristas romanos (opiniões doutrinárias de
Gaio, Paulo e Papiniano)
- CÓDIGO DE LEOVIGILDO/Codex Revisus (576 - 586): hoje desaparecido,
atribuído ao rei Leovigildo e foi objeto de investigação de Rafael Gibert
- CÓDIGO VISIGÓTICO (654): publicado pelo rei Recesvindo, após correção, ao
que se supõe de S. Bráulio, e com a aprovação do VIII Concílio de Toledo (633);
foi sujeito a uma revisão de pendor oficial (680-687) - Fórmula Ervigiana - e
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encontra-se dividido por doze livros, que se repartem em títulos e estes em leis;
foi sujeito a uma segunda revisão, sem carácter oficial - Fórmula de Vulgata.
Uma tese antiga sustentava que este Código, como as restantes leis visigóticas, era de
aplicação territorial - que se aplicava a todas as populações senhoriadas por Eurico e
sucessores. Esta tese permaneceu durante longo tempo esquecida.
Generalizou-se a doutrina da dualidade de direitos, segundo a qual o Código de Eurico
seria aplicado apenas às populações visigodas, ao passo que as populações romanas se regeriam
pelo Breviário de Alarico.
Paulo Merêa aceita a tese da territorialidade, que traduz que todos os monumentos
jurídicos dos godos se aplicam a todos - godos e não godos.
O Breviário vigorou em simultâneo com o de Eurico, tendo sido revogado pelo Revisus.
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➔ APLICAÇÃO NO TEMPO
◆ a lei não é retroativa, por regra: só dispõe para o futuro
◆ somente o órgão que cria a lei é que pode clarificar em definitivo o
sentido da lei (é uma obrigação - se a lei não é clara, o rei deve intervir
através de uma lei e tornando claro aquilo que é obscuro)
1. CARTA DE POVOAÇÃO
Durante o período de reconquista, havia necessidade de atrair população para zonas
menos povoadas. A carta de povoação visava atrair habitantes para certas zonas
escassamente povoadas ou despovoadas, para garantir a sua defesa. O monarca, um senhor
ou a entidade que exercia a autoridade sobre território nessas condições fixava na carta de
povoação conjunto de normas definindo o estatuto dos futuros colonos, especialmente quanto
às condições de exploração da terra. Estabeleciam-se as prestações patrimoniais - cânones - ou
pessoas a que os povoadores ficavam obrigados, e os modos de detenção e ligação à terra.
Têm natureza pactícia/contratual? Para determinados autores sim.
- Há quem entenda que são contratos agrários coletivos (Eduardo de Hinojosa).
- Outros consideram que têm conteúdo normativo (Tomás y Valiente): primeiro,
porque as cartas de povoação em geral não costumam adotar a forma contratual,
representando antes um ato unilateral do senhor (os colonos/povoadores não estipulam
as suas condições, antes são outorgadas pelo senhor); segundo, de qualquer forma,
estando perante figura de direito público, quer-se vínculos entre o senhor da terra
e os que a vão explorar, não tem natureza estritamente privada; terceiro, cria
regras para o futuro e mantém-se durante toda a sua vigência.
Nenhum destes argumentos colide com a natureza pactícia das cartas, por isso faz sentido
considerá-las como contratos: têm, do ponto de vista histórico, a natureza de um contrato de
adesão (os povoadores não têm possibilidade de dizer ao senhor que não concordam com
determinada definição) e os povoadores não podem estipular, mas têm liberdade de celebração.
São contratos com natureza especial, índole que aproxima de um contrato normativo, propósito de atrair
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2. CARTA DE FORAL
Em regra, os forais são mais extensos que as cartas de povoação: definem o conteúdo
jurídico aplicável a uma determinada comunidade e, portanto, um maior número de
matérias. Integram regras de direito processual, direito militar, direito penal, direito
administrativo e algumas de direito privado (direito da família e direito das sucessões)..
Na conceção de Alexandre Herculano, é um documento criador de um
concelho/município. No entanto, não foi para isso que serviram, sabendo-se que há cartas de
foral que foram atribuídas a localidades que já eram concelho e a outras que nunca o chegaram a
ser.
Têm mais matérias do que as cartas de povoação. Não fazem propósito de elevar localidade a concelho.
Numa primeira fase estão escritos em latim vulgarizado, depois em galaico português.
Os forais eram outorgados quer pelo monarca, quer pelo senhor eclesiástico.
Os senhores que outorgam os forais podem ser laicos ou eclesiásticos.
Se o foral define o estatuto de uma localidade, qual o valor que pode ser atribuído a uma
regra que não se destina a reger aquela população mas, por exemplo, outras terras do reino ou
mesmo todo o reino?
Se o senhor não pode disciplinar para todo o reino, exceto se for o rei (se apenas
pretende disciplinar a vida em termos jurídicos naquela população), esta norma tem de ser
reduzida, apenas aplicada àquela terra: ou se restringe o conteúdo geral àquela terra, ou aquela
regra pode vigorar para outras terras que fossem do mesmo senhor.
Se o senhor fosse o rei, , poderiam ter uma norma geral e abstrata que se aplicaria a todo
o reino. Porquê? Há forais que são originais, criados para aquela terra para que foram
outorgados. Havia famílias de forais: havia muitos que não eram pensados ex novo -
aproveitava-se o trabalho que já estava feito (aproveitava-se a carta de foral anterior).
- forais ampliativos face ao anterior
- forais confirmativos limitam-se a reproduzir o conteúdo de outras cartas de foral
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→ Cino de Pistóia + Bártolo: o estilo era uma espécie do direito não escrito, introduzido
pelo uso de determinado pretório, diferindo do costume consagrado pela generalidade das
pessoas ou pela sua maioria. O fundamento do costume identificava-se, pois, com a conduta da
comunidade. O do estilo com a prática de um tribunal (juízo).
FAÇANHAS: é direito judicial, mas não é costume - é direito não escrito. É um julgamento sobre
uma ação fora do comum que funciona como padrão normativo de exemplo para o futuro.
Fica como padrão normativo para o futuro: ou porque o juiz é particularmente notável,
ou porque a própria ação é de contornos excecionais, ou houve muita discussão no tribunal
acerca de como o caso deveria ser solucionado e, por isso, o julgamento funcionará como
precedente para casos futuro.
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