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Beatriz Ventura, TB

2020/2021

História do Direito Português

Periodificar consiste em dividir o tempo. É uma tarefa artificial, uma vez que corresponde
a uma divisão que não existe.

Periodificação:
(Posição do prof. Duarte Nogueira)

Pluralismo medieval – 1143 (Tratado de Zamora) até 1446


Caracteriza-se por uma pluralidade de fontes (ex.: direito consuetudinário, direito
canónico, direito romano justinianeu, direito local, direito judicial, direito legislado).
Estas fontes convivem sem hierarquia (não há nada que determine que uma fonte é mais
importante que a outra).
Existem, também, convivência de jurisdições (há órgãos diferentes a administrar
e a julgar).

Pluralismo moderno ou mitigado – 1446 até 1820


Inicia-se com as Ordenações Afonsinas (1446) *– a lei do Rei dá ordens às outras
fontes. Estabelece-se uma hierarquia, ainda que não seja cumprida. A lei vai ganhando
importância, enquanto as outras fontes perdem, de forma muito gradual.
Diz-se mitigado porque já não há pluralismo livre. Já existe uma hierarquia, ainda
que não seja respeitada. A centralização do poder aplica-se também à aplicação do direito,
para além da sua criação.
O Rei monopoliza a justiça penal, através de tribunais criados por ele. Os juízes,
muitas vezes, aplicavam outras fontes que não a lei régia (muitos dos juízes não tinham
formação académica; os que tinham formação estudavam direito romano justinianeu e
não a lei régia). Há uma concentração do poder real, através da atividade legislativa.
Até 1772 (reforma pombalina) não se aprendia, na universidade, direito português,
mas sim direito romano e/ou direito canónico.
*Professores Albuquerque usam a conquista de Ceuta (1415) como marco. Denominam este
período de monismo formal (a lei quer ser o centro, mas não é; é só uma fonte entre outras fontes).

Monismo – 1820 até a atualidade


Neste período só existe uma fonte de direito: a lei. A legitimidade da lei muda
completamente, dando-lhe mais força.

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Pluralismo medieval (1143-1446)


Caracterização dos séculos XII/XIII, na Europa
Predominava as doutrinas hierocráticas, caracterizadas pelo poder espiritual e
temporal, que vinha de Deus e era dirigido ao Papa.
S. Tomás de Aquino fez uma divisão do poder entre:
o Poder espiritual, recebido diretamente do Papa;
o Poder temporal ou político, vem também de Deus, mas para a comunidade e não
para o Papa ou para os Reis – Naturalismo político (séc. XIV)

A Europa “ocidental” estava em crescimento económico, demográfico, com


alguma pacificação (menos conflitos militares), muito propensa à circulação comercial e
cultural – criação das Universidades.
1139 – D. Afonso Henriques proclama-se rei de Portugal. Envia cartas ao Papa
para conseguir o reconhecimento de Portugal como reino independente.
Bula Manifestis probatum ou de confirmação do reino, de 1179 – ver texto 1 (pp.
11-13).

Enuncia algumas características que o governante (Rei) tem de ter, como por
exemplo, “prudência” e “justiça”.

Nesta época, o costume não é só a prática reiterada com convicção de


obrigatoriedade, é também usado para designar todo o direito que não estava escrito.
Designa, por exemplo, o direito judicial.
Dá-se a romanização da Península Ibérica, através dos visigodos que tinham uma
grande influência do Direito romano (vulgarização do Direito romano).
Código Visigótico, de 654 – contém direito romano vulgar. Aplicava-se em toda
a Península ibérica, até à invasão/ocupação islâmica de 711. Continua a ser aplicado, em
Portugal, até ao século XIII.
População moçárabe – está sob o domínio islâmico, mas continua a ser cristã e a
aplicar o Código Visigótico.
Existe direito que não é de produção régia, ou seja, que compreende as obrigações
da comunidade perante o senhor, assim como regras consuetudinárias da respetiva
comunidade.

A Justiça
Existem duas conceções, sempre presentes nos textos judiciais, jurisprudenciais, etc:

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Justiça universal – diz respeito a um conceito muito amplo. Representa a soma e


súmula de todas as virtudes (tem origem bíblica). Alguém que tem um conjunto de
virtudes é justo. Cria-se uma contraposição entre virtude e vício, na medida em que para
se ser justo é preciso que exista a repetição dos atos bons (característica presente no vício).
Justiça particular – “a justiça é a constante e perpétua vontade de atribuir a cada
um o seu direito” - Ulpiano. Ideia de habitualidade (constante e perpétua); elemento da
vontade (de atribuir a cada um o seu direito).

O Rei tem a obrigação de fazer justiça (era a sua principal função) protegendo os
pequenos dos grandes, os pobres dos ricos.
Vindicta privada – Autorizava-se a pessoa (ou um familiar) sobre a qual tinha sido
cometido um crime a punir a pessoa que o cometeu. Em 1325, o Rei Afonso IV, condena
a vindicta privada:
[E nós vendo o que pediam e visto outrossim esta lei com os da nossa Corte havendo
conselho sobre tudo achamos que aquele costume antigo que os fidalgos diziam que lhes fora
guardado não podia ser direito costume, porque não tão somente era contra direito de deus,
mais ainda era contra direito natural, de si muito danoso aos que na nossa terra viviam, também
a eles mesmos como aos outros]

“Sete Partidas” – obra de meados do séc. XIII, do Rei Afonso X. Tem aplicação efetiva
em Portugal. Nesta obra, eram apontadas três modalidades de justiça particular:
o Justiça espiritual – aquilo que o homem deve atribuir a Deus.
o Justiça política – o que a comunidade deve a cada um dos seus membros.
o Justiça contenciosa – aplica-se às relações entre privados, ou seja, corresponde ao
que é devido entre as partes de um litígio.

Álvaro Pais, distingue 5 modalidades de justiça:


o Latria – aquilo que cada um deve a Deus.
o Dulia – o que se deve a certas criaturas que merecem a nossa honra (ex.: anjos ou
santos).
o Obediência – aquilo que se deve aos superiores.
o Disciplina – o que se deve aos inferiores.
o Equidade – o que se deve entre partes iguais, que estão no mesmo patamar.

S. Tomás de Aquino, apresenta duas modalidades de justiça (nas relações entre o


Homem):
o Justiça comutativa – diz respeito à relação entre duas pessoas particulares que têm
uma relação igual entre si. “Dois tem de corresponder a dois”. Corresponde à
igualdade aritmética e baseia-se num critério quantitativo.

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o Justiça distributiva – aplica-se nas relações entre a comunidade e os seus


membros, isto é, aquilo que a comunidade deve aos seus membros. Corresponde
à igualdade geométrica ou proporcional. Usa o critério do mérito e o critério da
necessidade. É um espelho da Justiça redistributiva – aquilo que cada um deve à
comunidade.

S. Tomás de Aquino diz que existe uma razão de Deus, que se traduz na Lei
Eterna (identificada como a própria razão de Deus). Pode manifestar-se de duas maneiras:
o Através da Lei Divina – serve para que o homem alcance a salvação, o paraíso e
a ressurreição. Está escrita no antigo e no novo testamento;
o Através da lei inscrita por Deus no coração de todos os homens – serve para
distinguir o que está certo do que está errado (Lei natural, que é universal).

Todos entendiam que o Direito humano não podia ser contrário ao Direito natural.
Ideias de juristas romanos Ulpiano e Gaio:
“Direito natural é aquele que a natureza ensinou a todos os animais: na verdade, este
direito não é próprio do género humano, mas comum a todos os animais da terra e do mar e
também às aves.” – Ulpiano
“Todos os povos que se regem por leis e por costumes utilizam em parte o seu próprio
direito e em parte o que é comum a todos os homens; [...] aquele que a razão natural estabelece
entre todos os homens, observa-se com carácter geral por todos os povos.” – Gaio

No contexto medieval, “Direito de resistência” correspondia ou à resistência ao


poder político (por parte da comunidade), ou à resistência do indivíduo à lei (resistência
passiva) – ideia de S. Tomás de Aquino.

Divisão das causas de injustiça da lei


Uma lei pode ser injusta:
o Quanto à matéria – é a lei que proíbe a virtude (ato correto) e ordena o vício ou o
pecado;
o Quanto ao fim – quando não cumpre o seu fim, ou seja, a realização do bem
comum;
o Quanto ao agente – quando a lei é feita por alguém que não tem legitimidade para
isso; pode ser: o governante, ele próprio ilegítimo – tirano pelo título; tirano pela
maneria como exerce o poder;
o Quanto à forma – se a lei não obedecer ao princípio da proporcionalidade; não
realiza a justiça distributiva; não cumpre a proporção na atribuição dos prémios,
dos encargos, etc.

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No plano dos princípios, uma lei injusta pode ser desobedecida. “Se não é justo,
não é direito.”
1º, em alguns casos, a lei não só pode, como deve ser desobedecida, nomeadamente
quando a lei injusta põe em causa a salvação eterna (lei injusta quanto à matéria).
2º, quando penso em desobedecer, devo fazer o seguinte juízo: quais são as consequências
de obedecer e as consequências de desobedecer? O destinatário pondera e toma uma decisão.

Renascimento do Direito romano


Faz-se, essencialmente, a partir do séc. XII. No território europeu (Península
Ibérica), ocorreu um processo de romanização direta. Contrapõe-se ao processo de
vulgarização (o direito romano misturou-se com outros elementos diferentes, trazidos
pelos bárbaros, por exemplo).
Problemas que surgem: devido ao desenvolvimento da Europa, crescem as
relações comerciais entre países, e consequentemente problemas que o direito existente
tem dificuldade em dar resposta.
O direito romano justinianeu parece ser a resposta a estes problemas.
Os textos que Justiniano mandou compilar estiveram presentes na Península
Itálica e na Península Ibérica. No séc. XI/XII, alguém viu neste direito a resposta aos seus
problemas. Os textos vão ser recuperados, estudados e utilizados por Irnério, em
Bolonha, na Escola dos Glosadores. Irnério fez um estudo integral destes textos. (O
estudo autónomo do direito começara no séc. XI.)

Códex (12 livros); Digesto (50 livros); Institutiones (4 livros). Novelae –


Constituições de Justiniano – compilações não oficiais. Estes textos impulsionaram o
estudo jurídico do direito romano.
Divisão do Digesto, na Idade média:
o 1ª parte: digesto velho – livros 1 a 24
o 2ª parte: digesto novo – livros 39 a 50
o 3ª parte: infortiatum “esforçado” /o que está no meio – livros 25 a 38
Irnério, primeiro, encontrou os livros 1 a 24, depois encontrou os livros 25 a 38. Passado mais
tempo, encontrou os outros livros e disse “o nosso direito está reforçado”.

Divisão do Códex:
o 1º volume: 9 primeiros livros;
o 2º volume: “volumen parvum” / volume pequeno, com 3 livros, as institutiones,
as novelae e outros textos.
Estas obras já existiam em Portugal, desde o séc. XII. No entanto, a sua aplicação
só ocorreu no séc. XIII.

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Testamento do bispo do Porto - “Deixo à Igreja de Braga o meu Código e o Digesto


Velho e Novo em três partes com Esforçado e o Saltério glosado.”. A influência deste
direito deu-se na corte (junto do rei) e nas universidades.

Direito canónico
O direito canónico corresponde ao direito da Igreja (conjunto de todos os
batizados). Inicialmente, seria um direito que se formou através dos textos sagrados
(antigo e novo testamento), depois, é considerado um direito consuetudinário.
A Igreja torna-se a instituição mais poderosa e vai ser um fator de unidade e de
representação política para todo o território do Império Ocidental.
Fontes de direito canónico:
o A Sagrada Escritura, a tradição e o costume (usos próprios da comunidade
eclesiástica, tendo de ter antiguidade, racionalidade e consensualidade);

o Cânones – são qualquer regra de direito canónico. Em sentido restrito é uma


norma criada por um concílio (reunião eclesiástica, com os mais altos
representantes da Igreja). Existem vários tipos de concílio. Ex.: concílio
provincial, nacional, diocesano, etc. A regra criada por cada um dos concílios tem
âmbitos diferentes.

o Decretos – diploma feito por iniciativa do Papa; Decretais – legislação do Papa


porque houve iniciativa de outrem; Constituições pontifícias – todo o tipo de
regras criadas pelo Papa e pela sua cúria (ex.: bulas). A legislação geral está,
normalmente, nos decretos e nas decretais.

o Constituições sinodais – determinações das dioceses (do bispo reunido com o


seu clero). Só se aplica naquela diocese.

o Concórdias e concordatas – Na concórdia, há um acordo entre o governante


(Rei) e o clero local (do seu país); na concordata, o acordo é entre o Rei e a Santa
Sé. Atualmente, existe uma concordata entre o Estado português e o Vaticano.
Este conjunto amplo de fontes deu origem a vários documentos escritos, feitos por
particulares.
Panorama no final do séc. XI.

O direito canónico vai transformar-se, passa de rudimentar, a um direito mais


perfeito, devido à grande influência do direito romano justinianeu.
Dá-se uma simbiose entre o direito romano e o direito canónico – utrumque ius
(“um e outro direito”). Há uma reciprocidade, em que ambos ganham. O direito canónico
ganha rigor e sofisticação jurídica. Nasce a doutrina do direito canónico – canonística.
in utroque – Designação dada aos juristas formados nos dois direitos.

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Decreto de Graciano (1140) – compilação de direito canónico, onde já está presente a


influência do direito romano justinianeu.
Entre 1290 e 1836, em Portugal, existe uma faculdade de direito romano e uma faculdade
de direito canónica. A unificação destas duas só se faz em 1836.

Bula de afastamento de D. Sancho II – Bula Grandi non immerito, 24 de julho de 1245


Conjunto de acusações que foi necessário apontar ao Rei para que ele fosse
afastado do trono. Uma das acusações prendia-se com o facto de o Rei não cumprir a
Justiça. Parte do clero e da nobreza quer a sua destituição e, por isso, fazem um apelo ao
Papa.

➢ Cúria de Coimbra, de 1211


A Lei da cúria de 1211 (texto 4 – pp. 25-36), de D. Afonso II, estabelece uma
hierarquia entre o direito régio e o direito canónico. Surge num contexto em que o direito
régio é escasso, uma vez que esta atividade é vista como extraordinária. A partir daqui,
verifica-se um aumento significativo das leis régias.
Lei II – estabelece o papel do direito canónico no reino.
“1. Determinou que tanto as suas leis como os decretos da Santa Igreja sejam observados. 2. No
respeitante aos direitos [ao direito?] da Santa Igreja de Roma esclareceu que, se as suas leis os
não respeitarem, bem como à Santa Igreja, não deverão ser consideradas válidas nem produzirão
quaisquer efeitos.”

A partir desta lei podemos ler “Direito” ou “direitos”, ou seja, são possíveis duas
interpretações.
Se lermos “Direito”, consideramos que, no que respeita ao direito canónico, as
leis do reino não são válidas se não respeitarem esse direito canónico. Ou seja, afirma-se
a superioridade do direito canónico face ao direito régio. Perspetiva tradicional.
Se considerarmos “direitos”, no sentido subjetivo da palavra, então, o que está
aqui é que as leis não são válidas quando não respeitam os direitos/privilégios da Igreja.
É apenas dizer que o direito régio não pode pôr em causa os privilégios/direitos da Igreja.
Segundo o prof. Braga da Cruz, aplica-se o Direito Canónico nas matérias
especiais dos privilégios da Igreja.
No conjunto da lei da cúria encontramos:
o Reconhecimento de alguns privilégios do clero e da Igreja – parte da lei X, leis
XII, XV, XVII
o Tentativa de restrição desses privilégios e até de sanções – parte da lei X, leis
XI, XIII
Lei XII (do foro eclesiástico) – Reconhece privilégios, assim como limitações dos
mesmos. Ver pág. 30.

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Beneplácito régio – todos os diplomas de direito canónico, para poderem circular e serem
aplicados no território, devem ter a aprovação do governante (Rei).
Nas cortes de Elvas, em 1361 (Reinado de D. Pedro I), há uma queixa do clero em
relação à existência do beneplácito régio.
Justificação para a existência do beneplácito régio – Os monarcas dizem que, no
reino, circulam vários escritos (decretos, decretais, etc) que são falsificações. Assim, o
Rei tem de proteger o direito canónico para que circule, em Portugal, apenas os diplomas
verdadeiros e autênticos. Mas aquilo que também quer é limitar a aplicação do direito
canónico em Portugal, para que predomine o direito régio.

Fontes de direito do Rei:


o Costume
Para além da conceção que usamos hoje em dia (prática social reiterada com
convicção de obrigatoriedade), o costume tinha um significado mais amplo. Integrava
direito judicial, direito local, ou seja, direito de criação espontânea, não intencional.
Também se referia ao Direito não escrito.
As práticas da comunidade tinham origens/influências romana, visigótica e
islâmica.
O costume deste período chega até nós de outras formas, uma vez que corresponde
ao direito não escrito. Muitas vezes, o costume é filtrado por uma fonte jurídica, perdendo
a sua integridade/essência. No fundo, são fontes indiretas do costume.
“1. Costume he, que se o marido dá em sua vida a sua molher algũa herdade, depois da morte do
marido aduga a molher esta herdade a partiçom com os filhos do marido, ou d’ambos. 2. O qual
costume visto per nós, declarando em elle dizemos, que o dito costume averá lugar, quando
aquelle que a Doaçom fez, a revogou em sua vida. [...] 8. E com esta declaraçom mandamos que
se guarde o dito costume, segundo em elle he contheudo, e per nós declarado, como dito he.”

Lei que identifica o costume como uma prática obrigatória. A lei identifica
completamente a sua origem, que é o costume.
A lei também podia proibir o costume. Ex.: lei de Afonso IV que proibia a vindicta
privada (por ser injusto); Lei III – “antigo e mau costume em Coimbra (…) revogamo-lo para
sempre.”. Há uma tentativa de impor requisitos ao costume. Ex.: ser conforme à Justiça,
antiguidade, racionalidade, etc.

Obra “Sete partidas”, de meados do séc. XIII, corresponde a direito castelhano e


aplicou-se em Portugal:
“Nada pode embargar as leis que não tenha a força e o poder que dissemos, senão três
coisas. A primeira é o uso. A segunda, o costume. A terceira, o foro. Estas nascem umas das
outras, e têm em si direito natural, segundo se demonstra nestes livros: porque assim como das
letras nasce o verbo e dos verbos, parte, e da parte, razão; assim do tempo nasce o uso; e do uso,
o costume; e do costume, o foro.”

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Uma conduta que se repete durante muito tempo é um uso. Quando se lhe junta o
“dever ser” dá origem ao costume. E do costume nasce o foro. O costume tem força de
lei e pode revogar uma lei mais antiga. Assim como a lei também pode revogar o costume
(através de um costume contrário, por “mandado do senhor e com consentimento dos da
terra”).

o Estilo ou costume judicial


Consiste na prática reiterada de um tribunal (forma de atuar de um tribunal), a que
se junta a convicção de obrigatoriedade (dever ser).
Encontramos vestígios do estilo na própria lei. Só os estilos dos Tribunais
Superiores e do Tribunal Régio são vinculativos. Ver slides 7, 8 e 9 – estilos do tribunal do
rei que foram reproduzidos em leis para vincularem.

o Façanha
Corresponde a uma decisão exemplar, que pode servir como exemplo para casos
futuros. Ou porque a matéria julgada é um caso invulgar ou porque a solução em si é
muito exemplar. Distingue-se do estilo porque aqui não existe a prática reiterada.

o Alvidros
A palavra “alvidros” tem duas aceções:
- Corresponde aos árbitros escolhidos pelas partes para decidir os seus litígios.
Podia ser um ou mais.
- Designa as decisões dos juízes alvidros/árbitros.
“Juizes aluidros son aqueles que som feytos he elegudos a prazer das partes E podem
fazer hũu Juiz ou dous ou tres. ou mais aluidros sobre hũu preyto soo. e sobre hũua demanda ou
sobre mays”

O estilo, a façanha e os alvidros (decisões dos juízes) são tipos de direito judicial.

o Direito local
Resulta de cartas de privilégio, que criam um regime jurídico específico. O
estatuto jurídico vai regular uma determinada comunidade.
Ex.: cartas de povoação; cartas de forais (ou forais); foros municipais, estatutos
municipais ou costumes municipais.
- Cartas de povoação – contém condições atrativas para as pessoas, de modo a
povoar e cultivar uma determinada terra. Normalmente, estas terras encontram-se em

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zonas perigosas (Ex.: devido a uma guerra). As cartas têm uma natureza
contratual/pactual (as pessoas aceitam as condições, que lhes são atrativas).
- Forais – exigem um mínimo de organização da comunidade. Têm várias
classificações:
Tendo em conta a complexidade do foral (pode ser rudimentar, imperfeito e
perfeito ou rural, urbano e distrital). Relacionada com o caráter originário ou não
originário do foral (há forais que são confirmados por outros forais). Pode haver forais
que foram ampliados a partir de outros. Também se classifica os forais através de quem
o concedeu (a maioria foi concedido por reis, mas também podem ser concedidos por
senhores – foral senhorial). Classificação em função da matriz – foral de Salamanca
(para o norte); foral de Santarém (para o centro); foral Ávila/Évora ou Évora/Ávila (para
o sul).
- Foros municipais – Normalmente, surgem por iniciativa da comunidade, que
reúne os vários tipos de direito que existem naquele local num único caderno. Depois,
sujeitam esse caderno à aprovação do Rei ou senhor da terra em causa (aquele que tem
jurisdição na terra). Para que exista o foro municipal é necessário que a comunidade já
tenha uma vivencia jurídica continuada. Quando isso se verifica em Portugal, o país já
tinha bastante legislação.

Relação entre direito local (nomeadamente, forais) e direito legislado, ou geral:


Será que o direito local é especial e, por isso, prevalece sobre o direito legislado?
Neste caso, o direito local é especial porque se aplica a um determinado local e
povoação. As regras que existem hoje em dia (norma especial prevalece sobre norma
geral), podem aplicar-se a estes tipos de direito do séc. XII.

o Direito legislado
No séc. XII, Portugal já é independente e tem maior preocupação com a legislação.
As cúrias régias pode ter duas formações:
- Cúria régia ordinária: é o órgão onde estão todos aqueles que são da confiança
do Rei. É mais pequena e existe em todos os reinos da Península Ibérica.
- Cúria régia extraordinária ou plena: reúne-se quando o Rei entende que têm de
ser discutidas certas matérias, como a desvalorização da moeda. É composta por membros
da cúria ordinária e pelos nobres e clérigos mais importantes do Reino, que são chamados
pelo Rei. É desta cúria que nascem as cortes, em Leiria, em 1254.
O Rei via a tarefa de legislar como uma tarefa extraordinária, até que começa a
legislar sem convocar uma cúria extraordinária. Em 1211 foram feitas 30 leis. No reinado
de D. Afonso II, foram elaboradas 200 leis. Assim, verifica-se um aumento significativo
do número de leis.

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Na obra “Sete Partidas”, estão presentes características do direito legislado (Ver


texto 6 – pp. 39-42).

o Direito prudencial
Por um lado, aplicou-se no Reino, mas por outro lado, era muitas vezes entendido como
estando acima do direito régio.

Corresponde ao Direito romano justinianeu trabalhado, estudado e aperfeiçoado


por juristas. Trata-se do direito comum, aplicado na Europa.
Apoia-se na auctoritas (saber socialmente reconhecido dos juristas medievais) e
na inventio (capacidade de inventar, criar e chegar a soluções novas).

Irnério, juntamente com os seus quatro discípulos – Hugo, Martim, Búlgaro e


Jacob – formam a Escola dos Glosadores. Uma glosa é uma explicitação, pode ser marginal
ou interlinear, conforme é escrita nas margens ou entre linhas.

Estes juristas tiveram de explicar os textos que chegavam a Bolonha. No início


eram glosas curtas, mas, ao longo do tempo, vão tornando-se mais complexas e começa
a haver divergências entre os autores.
A Escola dos Glosadores termina com Acúrsio. Em 1234, dá-se a conclusão da
grande obra de Acúrsio. Chama-se “Magna Glosa” ou “Glosa de Acúrsio”. É uma
compilação de todas as glosas (96 mil) ao texto de Justiniano.
O Decreto de Graciano (“Concórdia dos cânones discordantes”) é a primeira
grande obra onde se nota uma grande influência do direito romano justinianeu.
Corpus Iuris Canonici
É composto por 5 obras:
- Decreto de Graciano (1140), tem textos de direito canónico e algumas
considerações sobre matérias que não eram exclusivas de direito canónico;
- Decretais de Gregório IX (1234), tem 5 livros;
- “Livro VI” (1298), por Bonifácio VIII;
- “Clementinas” ou “Livro VII” (1313), feito por ordem do Papa Clementino;
- “Extravagantes de João XXII” (1324), é uma coleção dos diplomas das leis
estravantes;
- “Extravagantes comuns” (final do séc. XV).

Corpus Iuris Civilis


Tem 4 obras: Códex; Digesto; Institutiones; Novelae.

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Através do utrumque ius, o direito romano vai dar ao direito canónico ferramentas
técnico-jurídicas mais sofisticadas que permitem ao direito canónico um
desenvolvimento técnico. O direito canónico vai influenciar de forma valorativa o direito
romano/civil, ou seja, transmitir-lhe alguns dos seus valores.
Entre os glosadores e os comentadores, há uma Escola de transição, na qual os
seus alunos e professores ter-se-iam dedicado ao estudo da “Magna Glosa” de Acúrsio.
No final do séc. XII, Pierre de Belleperche e Jacques de Revigny começaram a
ensinar de forma diferente, com um comentário crítico aos textos.
Cino de Pistóia foi aluno de Pierre de Belleperche e espalhou os seus
ensinamentos em várias universidades italianas. Vai fundar a Escola dos Comentadores.
Na Escola dos Comentadores, faz-se uma exploração prática dos textos,
articulando os textos de direito romano justinianeu com os iura propria (direitos que se
aplicavam nos diferentes territórios). Esta articulação é a principal diferença entre a
Escola dos Glosadores e a Escola dos Comentadores.
Utilizavam a opinião de Bártolo, que foi bastante importante e contribuiu para a
transição das duas Escolas.

➢ Diferenças entre a Escola dos Glosadores e a Escola dos Comentadores:


- Contexto político: no séc. XII há um crescimento económico e urbano e um momento
em que se afirma o poder do Papa; o séc. XIV, por outro lado, é marcado pela peste negra,
pela guerra e por crises políticas.
- Objeto de estudo: na Escola dos Glosadores utilizava-se os textos de direito romano
justinianeu e os textos de direito canónico; na Escola dos Comentadores, estes textos
continuam a ser estudados, mas conjugam-se com os iura propria (direitos próprios, que
têm em conta os textos romanos e canónicos, mas também os textos de diferentes
territórios), assim como com o ius commune (opõe-se os iura propria).
Os Glosadores tinham como objetivo articular os textos contraditórios (de direito
romano e de direito canónico).

As duas Escolas utilizam o método escolástico ars inveniendi, não havendo,


assim, uma rutura. É um método complexo, com vários elementos, e caracteriza-se por
ser analítico e problemático, ou seja, opõe-se ao método dedutivo.
ars inveniendi – método da arte de inventar, de criar (pensamento jurídico-
medieval). Utilizavam o raciocínio lógico-aristotélico.
“[...] o cruzamento de ius commune, leis e estatutos consuetudinários foi bastante
complexo, ou talvez muito complexo para ser descrito de forma sistemática. [...] Ao aplicar seu
raciocínio escolástico à realidade prática, adotaram uma lógica dialético-argumentativa e não
sistemática: uma lógica que não esboça conceitos gerais e abstratos, mas que «mobiliza»

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princípios «extraídos» de normas autorizadas, dirigindo-os para casos concretos ou questões


controversas.”

➢ Elementos: Leges (“textos”); Rationes (“argumentos”); Auctoritates (“opiniões de


quem tem auctoritas”)

o Leges ou “textos”
Este elemento está ligado à gramática (no seu sentido racional, ou seja, ela é igual
em todas as línguas). Nas frases, é preciso ter uma construção racional. Há uma lógica
comum, que nos permite aprender outra língua. Ex.: Texto 5 (pp. 37-38).
No fundo, recorriam à gramática para analisar e estudar os textos.

o Rationes ou “argumentos”
Podiam utilizar todo o tipo de argumentos, que ainda hoje são utilizados para
fundamentar as nossas conclusões.
Este tipo de argumentação só pode existir porque o direito é um acontecimento
provável (que pode ser provado).
Utilizam o trivium, composto pela gramática, pela dialética (arte de bem falar) e
pela retórica (arte de persuadir ou convencer).

o Auctoritates ou “opiniões”
Constituem opiniões de quem tem um saber socialmente reconhecido (juristas,
etc). Começam a surgir opiniões divergentes e, consequentemente, critérios para trazer
segurança. A opinião comum pode ser encontrada por critérios diferentes:
- Critério quantitativo: prevalece a opinião que é defendida por um maior número
de juristas;
- Critério qualitativo: tem-se em conta as opiniões daqueles que são melhores, ou
seja, de que têm mais auctoritas;
- Critério misto: é uma tentativa de conjugar os dois critérios anteriores; a opinião
que deve vencer é aquela que tem uma maioria qualificada, ou seja, a maior quantidade
entre as melhores.

O método ars inveniendi utiliza sempre a conjugação destes três elementos para a
construção das soluções.
Primeiro, é colocado o problema (quaestio), através de uma pergunta concreta.
Podia ser respondida num contexto de sala de aula, da universidade (entre os professores),
ou aberta a toda a gente. Depois, apresentava-se as soluções possíveis, através dos textos,
dos argumentos e das opiniões, e fazia-se uma ponderação.

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Receção do direito romano justinianeu, em Portugal


Alguns autores consideram que na Cúria de 1211 já se sente a influência deste
direito. Outros autores defendem que este direito só chegou em meados do séc. XIII.
A obra “Sete Partidas”, de meados do séc. XIII, é uma fonte castelhana. O seu
conteúdo é, em grande medida, uma tradução para castelhano dos textos romanos. Esta
obra circulou em Portugal e também foi traduzida para português. A circulação da obra
foi imensa.
O direito romano também chegou através dos seus textos originais.
Uma das formas de receção era pelo conhecimento, outra pela aplicação dos
textos e ainda por influência. O direito prudencial impôs-se no reino, por ser um direito
autónomo, com a sua própria auctoritas.

Pluralismo moderno ou mitigado (1446-1820)


Contexto da Europa
O séc. XV foi marcado pela mudança e transformação.
Em Portugal, há uma nova dinastia (de Aviz), com legitimidade própria. Em 1385,
D. João I foi escolhido e aclamado rei nas Cortes de Coimbra, uma vez que não era um
sucessor “legítimo”.
Em 1415, dá-se a saída dos portugueses rumo à expansão e a conquista de Ceuta,
que é vista como um marco simbólico, uma vez que foi uma forma de centralização do
poder régio.
Verifica-se, a nível europeu, a afirmação do poder de cada rei no seu território.
rex est imperator in regno suo – “o rei é imperador no seu reino”.

Ordenações Afonsinas
Foram terminadas em 1446, no reinado de D. Afonso V. Depois, fez-se uma
revisão e em 1447 estavam em vigor (sendo que não há certeza desta data).

➢ Fontes utilizadas para fazer as ordenações:


- Leis régias (desde 1211 até ao reinado de Afonso V);
- Direito consuetudinário (costume geral, costume local);
- “Sete partidas”, de Afonso X;
- Direito romano e direito prudencial; direito canónico (ex.: concórdias e concordatas);
direito judicial (estilos, façanhas, etc); foral dos mouros.

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No fundo, foram utilizadas muitas fontes para criar as soluções que se aplicavam
naquele momento (meados do séc. XV).
No caso da lei, existem muitas palavras para designar a lei da altura. Quando as
fontes que não era legais (como o costume) são integradas nas ordenações, passam a ter
natureza legal/força de lei. No entanto, muitas vezes o costume ainda não é visto com lei.
Existem inúmeras referências ao direito romano e prudencial. Ex.: “disserom os
sabedores antíguos”; “Leys Imperiaaes”.

➢ Processo de compilação:
Começou dois reinados antes, no reinado de D. João I. Há um momento em que
as cortes pedem ao Rei para compilar todas as normas, ou seja, ordenar o direito, porque
havia uma grande confusão de fontes de direito.
“foi requerido algumas vezes em cortes pelos Fidalgos, e Povoos dos ditos Regnos (…)”
– Pedido dos representantes em cortes ao Rei, para se fazer a codificação. “porque achou seu
requerimento seer justo, commetteo a reformaçom, e compillaçom dellas a Johãne Meendes
Cavalleiro” – resposta do Rei.

Dois compiladores, João Mendes (designado por D. João I) e Rui Fernandes


(supostamente foi substituir João Mendes depois deste ter falecido), que terminou a obra
em 1446. Depois, é o infante D. Pedro que vai fazer prosseguir os trabalhos das
Ordenações.

➢ Divisão da obra:
As Ordenações estão divididas em 5 livros.
- Livro I – Regulação dos cargos públicos (podiam ser régios ou municipais). Também
se referia ao regimento da guerra.
- Livro II – Matéria eclesiástica, principalmente relações entre a coroa e a Igreja; direitos
reais (direitos do rei); jurisdição dos donatários (aqueles que recebem terras do rei);
privilégios da nobreza; regras que se aplicam às minorias religiosas (muçulmanos e
judeus).
- Livro III – Regras de processo civil.
- Livro IV – Direito civil (ex.: contratos, obrigações, família, sucessões ...).
- Livro V – Direito penal e direito processual penal.
Estas designações são atuais, não eram utilizadas na altura. Estas matérias vão
manter-se +/- as mesmas nas três ordenações (Manuelinas e Filipinas).
A organização das ordenações não é cronológica. Há uma divisão em títulos, para
além da divisão em livros.

➢ Os livros das Ordenações Afonsinas têm dois estilos diferentes:


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- Estilo compilatório: conta-se a história da legislação e no fim do relato menciona-se as


decisões do rei de manter determinadas leis. Foi usado nos livros II a V, sendo que alguns
títulos destes livros não têm este estilo.
- Estilo decretório: apresenta-se a regra como se ela tivesse sido acabada de formar
naquele momento, ou seja, como se fosse uma lei nova. Está presente, principalmente, no
livro I.

➢ Porque é que se usam estilos diferentes?


Há uma ideia de que as ordenações têm estilo diferentes porque os livros foram feitos por
compiladores diferentes. No entanto, esta justificação já não se usa, está errada.

Os livros foram feitos ao mesmo tempo e gradualmente foram sendo inseridos os


vários textos. Assim, a justificação pode passar pelas matérias, ou seja, as matérias do
livro I são, essencialmente, matérias novas e por isso é que utilizou o estilo decretório.

As Ordenações não podem ser equiparadas às codificações porque não havia


sistematização, ou seja, as ordenações continham lacunas e contradições. Para além
disso, eram manuscritas, o que dificultava o seu conhecimento por todos.
Nem todas as pessoas entendiam a língua e, muitas vezes, recorriam à Opinião de
Bártolo, como fonte subsidiária. Isto faz com que o Direito Régio tenha dificuldades em
prevalecer.

Conhecimento do direito e reforma da universidade


A Reforma da Universidade deu-se em 1537, e o Rei D. João III estabeleceu a
Universidade definitivamente em Coimbra.
A reforma resulta de uma alteração na forma de entender e estudar o direito.
➢ Humanismo jurídico
É uma corrente muita ampla, com autores diferentes, que vão estudar os textos de
direito romano justinianeu de forma diferente do que aquela que era utilizada antes.
Chegou a Portugal no início do séc. XVI.
Os autores antes do humanismo (pré-humanismo) fazem um estudo erudito, ou
seja, estudam a antiguidade, mas deturpam-na, muitas vezes porque não conhecem o latim
erudito. No fundo, não sabem o que é preciso para fazer um estudo erudito dos textos.
- Lourenzo Valla (1407-1457) – faz a crítica mais intensa e destrutiva do estudo que se
fazia dos textos romanos pelos juristas medievais.
Critica muito os juristas medievais, assim como o próprio Justiniano, que ele acusa
de ter destruído a ciência clássica. Cria reações favoráveis e desfavoráveis.

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- Angelo Poliziano (1454-1494) – criticava os seus contemporâneos, dizendo que eles


continuavam a cometer os mesmos erros que os juristas medievais.
- Andrea Alciato (1492-1550) – criticava os abusos que tinham sido feitos pela Escola
dos Comentadores, na sua fase final. Vai continuar o trabalho que já tinha sido começado
por Poliziano.
mos gallicus (sinónimo para humanismo jurídico, desenvolvido em França); mos
italicus (forma de estudar em Itália).
- Ulrich Zasius (1461-1535) – muito crítico do método dos comentadores.
- Guillaume Budé (1467-1540) – vai trabalhar, sobretudo, o Digesto.
Alguns destes autores faziam parte da Escola dos Comentadores, que estava em
decadência.
No séc. XVI, Jacques Cujas (1522 – 1590), François Hotman (1524 – 1590) e
Hugues Doneau (1527 -1591) vão continuar o trabalho do humanismo jurídico.
Bártolo era um jurista muito independente, que procurava soluções novas e não se
importava com as opiniões dos outros. Por outro lado, os Bartolistas limitavam-se a seguir
a opinião de Bártolo, sem pensar nela e inovar.

Principais características do humanismo jurídico:


o Pretendiam fazer uma “limpeza” dos textos romanos. Defendem que é preciso
limpar os erros dos autores medievais e até mesmo de alguns compiladores
justinianeus (filologia).
o Há uma tentativa de fazer um estudo mais organizado e sistemático, e ter uma
opinião crítica (opunham-se ao método escolástico dialético-aristotélico).
o Reforma do ensino jurídico.
o Reformulação do direito natural, visto de uma forma racionalista e coincidente
com o mito do direito romano clássico.

O humanismo jurídico tem uma presença na península ibérica e começa uma nova
via – da segunda escolástica.
Na segunda escolástica começou a estudar-se o direito internacional público, que
resolvia conflitos entre povos. Também estudavam a origem do direito político,
nomeadamente o pensamento de S. Tomás de Aquino.
1ª Corrente, dominicana – Francisco de Vitoria e Domingo de Soto.
Viveram e estudaram em Salamanca (Espanha). Enviavam cartas, através dos
missionários, para Portugal, dando a conhecer o que se passava na colonização espanhola.
Também se preocupavam com o problema da reforma protestante e as guerras e conflitos.

2º Corrente, jesuíta – Luís de Molina e Francisco Suarez (ensinaram em Portugal).

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Ordenações Manuelinas
Começaram em 1505, no reinado de D. Manuel, um tempo de reforma, ao qual o
Rei D. Manuel quis ficar associado.
Os principais autores foram Rui Boto e João Cremona.
Em 1512/13 está concluída a 1ª versão das Ordenações. Em 1514 sai uma nova
edição, muito parecida. A última edição é de 1521.
Tem 5 livros, com as mesmas matérias das Ordenações Afonsinas, apenas com
algumas alterações. Passa a ter o estilo decretório em todos os livros. Entre as ordenações
há uma grande diferença na forma de redigir.

Fontes presentes nas Ordenações


➢ Conteúdo nas Ordenações Afonsinas
Livro II, Título IX
As fontes utilizadas eram a lei do reino, o estilo da corte (só do tribunal do rei) e
o costume antigo. Há uma ordem prioritária para estas três fontes. Onde existe direito
pátrio, não se aplica direito romano justinianeu.
Se estas fontes não resolvem o problema, então deve ser resolver-se através do
direito romano e do direito canónico. Se houver uma contradição entre estes dois direitos,
sobre matéria espiritual, aplica-se direito canónico. Se for sobre direito temporal, aplica-
se direito romano, com uma exceção: recorre-se ao “critério do pecado” – se da aplicação
do direito romano resultar pecado, utiliza-se direito canónico.
No caso temporal, em que a aplicação do direito romano não cause pecado, esse
direito romano deve ser aplicado, mesmo que seja contra o direito canónico.
Caso não haja solução através do direito romano e do direito canónico, recorre-se
à Glosa de Acúrsio. Se mesmo assim não houver solução, aplica-se a opinião de Bártolo.
Justificação: a antiguidade da prática (já se fazia antes das Ordenações); a opinião de
Bártolo é superior (o seu valor intrínseco); a opinião de Bártolo é seguida por todos.
Se continuar a não haver solução, e há uma contradição entre o direito canónico e
a opinião dos juristas que cria uma dúvida, é o Rei que resolve.

➢ Conteúdo nas Ordenações Manuelinas


Livro II, título V – as fontes são as mesmas: lei do reino, estilo da corte e costume (com
uma definição mais rigorosa).

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Quando não houver solução através de nenhuma destas fontes, aplica-se o direito
romano, exceto quando dessa aplicação resulte pecado. Nesse caso, aplica-se direito
canónico. (É um texto mais simples e rigoroso, em relação ao texto das Ordenações
Afonsinas.)
A Glosa de Acúrsio aplica-se apenas quando não é reprovada pela opinião comum
dos juristas/ “Doutores”. Se ainda assim não houver solução, recorre-se à opinião de
Bártolo, salvo se a opinião comum dos juristas / “Doutores” não lhe for contrária. Ou
seja, passa a haver um “filtro” na aplicação da Glosa e da opinião. Pode ser uma influência
do Humanismo jurídico.
O restante texto é semelhante.

Entre as Ordenações Manuelinas e as Filipinas, houve uma lei de transição:


As Leis extravagantes de Duarte Nunes de Leão, de 1566 e de 1569. É uma
coletânea que vai fazer um sumário da lei, a que um diploma régio depois dá força.

Ordenações Filipinas
As Ordenações Filipinas são aprovadas em 1595, por D. Filipe I, de Portugal. No
entanto, só entram em vigor em 1603, no reinado de D. Filipe II, de Portugal.
São confirmadas pela Lei de 29 de janeiro de 1643 (D. João IV), depois da
restauração da independência, dizendo que se tinha de fazer uma reforma, que nunca
aconteceu.
Compiladores: Jorge de Cabedo; Afonso Vaz Tenreiro; Duarte Nunes de Leão.
Mantém-se a sistematização das Ordenações Manuelinas, assim como o conteúdo.
Há, sim, uma mudança de sítio de livros.
O título V do livro II (matéria das fontes) passa para o livro III (direito processual
civil), porque entendeu-se que era uma matéria mais técnica.
Estas Ordenações continham muitos erros e lacunas, às quais se deu o nome de
“filipismos”.
Vigoraram, em Portugal, até ao Séc. XIX (quando foram revogadas pela
Constituição de 1822) e no Brasil, até ao séc. XX.

Fontes do pluralismo moderno


o Lei
Neste período, há uma produção legislativa significativa, ainda que com
variações. A maioria das matérias reguladas pela lei são as que hoje consideramos de
direito público.

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As matérias de direito privado continuavam, em grande medida, a ser reguladas


pelas outras fontes.
Tenta fazer-se uma hierarquia de atos legislativos, uma vez que existiam vários
tipos de diplomas. Essa hierarquia continha bastantes contradições e nem sempre era
cumprida.
1º - Carta de lei ou lei;
2º - Alvarás (só deviam ter duração de um ano, mas muitos vigoraram mais
tempo);
3º - Decretos (diplomas régios que se dirigem a um tribunal ou ministro);
4º - Cartas régias (cartas com uma ordem com um destinatário específico);
5º - Resoluções régias (resposta do rei a uma pergunta);
6º - Diplomas emitidos em nome do rei.
Existiam regras sobre a publicidade e a vigência da lei. A vacatio legis geral era
de 3 meses e de 8 dias para a corte.
A interpretação autêntica cabe ao legislador (rei). Os assentos eram institutos em
que era permitido a interpretação da lei, em exclusivo, por um tribunal do rei, a Casa da
Suplicação.

o Estilos
Houve uma tentativa de determinar os estilos e de os uniformizar. Queriam ter a
certeza dos estilos que estavam em vigorar, que deveriam ser só os da Casa da Suplicação.

o Costume
Refere-se ao costume antigo. Há uma produção doutrinal imensa sobre o costume,
sendo que o prazo mais seguido para a determinação de costume antigo era de 10
anos.
Continua a ser uma fonte muito importante (principalmente a nível local), mas que
a lei e a doutrina tentam limitar e impor requisitos.

o Direito canónico
O direito canónico também é uma fonte importante. O Concílio de Trento vai
emitir muitos decretos sobre um enorme número de matérias, principalmente contra as
reformas protestantes. Também há uma tentativa de reforma interna. Esteve reunido entre
1545-1548; 1551-1552; 1562-1563.

o Direito romano
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O trabalho prudencial é aquele que tem mais expressão nas universidades. Os


juristas tentavam fazer prevalecer o direito romano sobre a lei régia.
Quando estavam em contradição, interpretavam a lei régia da forma mais restritiva
possível para tentar que a lei régia e o texto romano não discordassem. Quando estavam
em concordância, faziam uma interpretação ampla.
Para a Opinião comum utilizavam sobretudo o critério misto, mas também usavam
o critério quantitativo (que é bastante criticado).

o Forais
Não estão referidos nas Ordenações.
No reinado de D. Afonso V, há uma tentativa de reforma dos forais quando há
queixas da sua desatualização.
Nas cortes de 1481/82 (reinado de D. João II) fazem uma nova queixa e o rei
ordena que lhe sejam enviados todos os forais. Contudo, a reforma não teve lugar nessa
altura, mas sim no reinado de D. Manuel I.
Por carta régia, o rei ordena que todos os forais fossem revistos. Em 1520 essa
reforma está concluída e são devolvidos 589 forais às populações.
Esta reforma foi, também, um pretexto para retirar autonomia aos concelhos. Há
a intervenção régia que quer uma uniformização. São chamados os “forais novos”. Todos
os que foram concedidos depois de 1520 – forais novíssimos.

Alterações nos séculos XVII e XVIII


O racionalismo jurídico teve 3 submovimentos:
o Escola de Direito Natural;
o Usus modernus pandectarum;
o Humanitarismo jurídico (defende a reforma do direito penal).

➢ Escola de Direito Natural ou de Grócio


Hugo Grócio é o primeiro autor desta corrente, ainda que ainda esteja bastante
ligado à 2ª escolástica. Vai tentar autonomizar o direito natural enquanto uma realidade
exclusivamente humana, ou seja, nega a natureza teleológica do direito natural.
Os principais contributos são: a natureza autónoma do direito natural, que
decorre da própria razão humana; afirmação do individualismo; afirmação da natureza do
Estado como uma natureza societária.
Samuel Pufendorf vai libertar o direito natural da sua origem teleológica. O direito
natural existiria ainda que Deus não existisse.
Christian Thomasius e Christian Wolff inserem-se nesta corrente, assim como
noutra.
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➢ Usus modernus pandectarum


Significa o uso moderno das pandectas (nome grego do Digesto). O Digesto, aqui,
corresponde ao direito romano no seu todo. Vai ter expressão no séc. XVIII,
nomeadamente em Portugal.
Recupera as críticas feitas no humanismo jurídico. A preocupação central é
construir um direito que seja atual, ou seja, fazer uma atualização do direito romano.
Retiram do direito romano apenas aquilo que ainda tenha campo de aplicação na época
em que eles escreviam. O critério era baseado no direito natural racionalista (só
utilizavam os textos que exprimiam o direito natural).
Os principais autores desta corrente foram: Arnold Vinnius; Carpzov; Struve.
Há um cruzamento com o iluminismo e, no placo jurídico, uma valorização dos
direitos naturais. Isto vai ser importante para a reforma do Direito.

➢ Humanitarismo jurídico
Vai surgir já no séc. XVIII. Defende uma profunda reforma no direito penal e
processual penal.
Os principais autores foram: Voltaire; Marquês de Beccaria; Filangieri.
Defendiam a supressão dos crimes de natureza religiosa, a finalidade
essencialmente preventiva das penas, a ideia da reabilitação de quem é condenado a uma
pena, proporcionalidade entre os crimes e as suas penas, eliminação das penas corporais,
infâmias e transmissíveis e alguns defendiam a abolição das penas de morte.
Defendiam, também, que o direito penal tinha de ter uma lei prévia, estrita e
certa/determinada.

Luís António Verney foi o grande defensor da reforma do ensino, em Portugal.


Mello Freire vai ter uma importância determinante porque vai escrever manuais que
formaram juristas em Portugal e defende as ideias iluministas e utilitaristas, conjugadas
com o despotismo esclarecido e com o absolutismo, que se opõe ao pensamento medieval.
António Ribeiro dos Santos vai defender o iluminismo, as ideias humanitaristas,
a abolição da pena de morte e a monarquia limitada.
Marquês de Pombal vai realizar profundas reformas em Portugal, na área do
Ensino, da religião, etc.

Lei da Boa Razão


A reforma das fontes de direito é feita através da Lei da Boa Razão, de 18 de
agosto de 1769.
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Esta lei vai regular a matéria dos assentos e a matéria das fontes de direito das
Ordenações (fazendo queixas e críticas), alterando profundamente o sistema de fontes.
Altera o conteúdo do título LXIV (64) do livro III das Ordenações Filipinas (equivale ao
título V do livro II das Ordenações Manuelinas).
O principal objetivo é regular a matéria das interpretações abusivas.
o Parágrafos 1 a 8:
Previam matéria sobre os assentos (servem para regular as interpretações da lei),
que estava prevista nas ordenações Manuelinas e Filipinas.
Estipulava como é que os assentos deviam ser regulados e aplicados e estabelecia
que estes tinham exatamente o mesmo valor das leis régias (caráter vinculativo, geral e
abstrato). O seu objetivo era interpretar as leis régias, reforçando o papel dos assentos
interpretativos.
Denuncia uma prática abusiva – outras entidades, como o Tribunal da Relação do
Porto, Bahia, Rio de Janeiro e India, para além da Casa da Suplicação (o mais alto
Tribunal do Reino), emitiam assentos interpretativos. Era uma prática contra legem
porque as Ordenações não o permitiam.

o Parágrafos 9, 10 e 11
Referem-se ao direito romano, nomeadamente ao seu uso, que não era respeitado
nas Ordenações. Utilizavam as leis romanas para interpretar erradamente o direito pátrio.
Para evitar estes abusos, a Lei da Boa Razão atacou o prestígio e a autoridade do
direito romano.
A “boa razão” referida muitas vezes no texto, pretendia salientar que o direito
romano apenas se aplicava quando era conforme à boa razão.
Verifica-se a introdução de uma nova fonte de direito subsidiário, que passa a
ser a única – Leis das Nações Cristãs, “iluminadas e polidas”.
Nas matérias políticas, económicas, comerciais ou marítimas, se não houver
direito pátrio, aplica-se estas leis. Era preferível utilizar esta lei em vez do direito romano,
que estava desatualizado. O legislador muda o critério anterior.
Proíbe a interpretação da lei segundo o direito romano (interpretação restritivas
ou extensivas), porque punha em causa a segurança jurídica. No entanto, há uma exceção:
as interpretações podiam ser utilizadas quando se deduzem do espírito das leis régias.

o Parágrafos 12 e 13:
Abordava os abusos na aplicação do direito canónico. Usavam o critério do
pecado para afastar o direito régio – prática abusiva. O direito canónico já não pode
aplicar-se nos tribunais régios e civis. Apenas nos Tribunais eclesiásticos.

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A Glosa de Acúrsio e a opinião de Bártolo também são afastadas e desvalorizadas


e deixam de ser aplicadas como fontes subsidiárias.
o Parágrafo 14:
Regula as fontes de direito legislado.
Refere que os estilos da corte têm de ser estabelecidos e aprovados por assento
da Casa da Suplicação.
Quanto ao costume, a Lei da Boa Razão introduz 3 requisitos para o costume
vigorar: ser conforme a boa razão; não ser contrário à lei (aboliu-se o costume contra
legem); ter, pelo menos, 100 anos.

Reforma dos estudos universitários


Em 1770-1772, dá-se a reforma dos estudos universitários, nomeadamente dos
estudos jurídicos, por iniciativa de Marquês de Pombal.
Em 1770, é nomeada a Junta de Providência Literária, uma comissão que serviu
para apresentar as causas da decadência do ensino universitário e propor as medidas para
reformar esses estudos.
Em 1771, o Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra apresenta um
relatório bastante crítico. Muitas das críticas servem para justificar o controlo do ensino
universitário pela Coroa. De entre as críticas constavam:
o A omissão do direito pátrio;
o O abuso do Bartolismo e da opinião comum;
o A desatualização do método que era utilizado;
o A falta de preparação dos alunos que se apresentavam nos estudos jurídicos;
o A atuação dos jesuítas.
Deste modo, era necessário estudar o Direito das gentes, o Direito Natural
(estudado na escola jusnaturalista, nomeadamente por Grócio) e outras matérias, como a
História do Direito.
Defendiam a adoção de um novo método, sintético e compendiário, onde se
conjugava a teoria e a prática, com o uso moderno das leis civis e canónicas. O Direito
romano passa a ser estudado através do usus modernus pandectarum e ensina-se o Direito
pátrio.
É deste compêndio que resulta a reforma dos estudos jurídicos. A comissão que
fez o compêndio é a mesma que ficou encarregue da reforma dos estatutos.

➢ Estatutos pombalinos da universidade


A reforma dos estudos jurídicos está presente no livro II. A duração do curso de
direito (da faculdade de Leis) foi alterada de 8 para 5 anos. Existiam duas faculdades, a
de Cânones e a de Leis (a unificação só acontece em 1836).

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Há uma substituição dos professores e é exigida uma sólida formação dos


estudantes.
Foram introduzidas novas disciplinas, como: Direito Natural Público Universal e
das Gentes; História do Direito; duas de Direito Romano e uma de Direito Pátrio.
Há um conjunto de autores que já não devem ser estudados: das escolas anteriores,
da jurisprudência romana (Irnério, Acúrsio, Bártolo). Devem seguir a Escola de Cujácio
ou Escola Cujaciana.

➢ Método sintético demonstrativo-compendiário (defendido por Verney)


Primeiro, aprendiam os princípios gerais e mais simples, de forma breve e clara.
Através da demonstração chegavam às verdades mais absolutas. Depois, os professores
faziam compêndios (livros), breves, claros e bem ordenados.
Nos últimos anos do ensino, deve ensinar-se pelo método analítico. Só assim é
que se poderia compreender os institutos mais complexos, aqueles que se relacionavam
uns com os outros e eram mais difíceis de justificar.
Adotam o Uso Moderno das leis romanas como fonte subsidiária, para quando não
havia direito pátrio.
Os estatutos referem, ainda, o método científico, em que se faz um confronto e
uma comparação do direito romano com as outras fontes. Não é um método exequível e,
por isso, escolhe-se outro método – verifica-se qual foi o uso moderno que as outras
nações utilizaram.

Transição para o monismo


Neste período, há uma mistura entre as ideias do despotismo esclarecido e as
ideias do liberalismo, que vai trazer a codificação.
Em Portugal, há uma tentativa de codificação, no reinado de D. Maria I. É um
período em que se abandonam maior parte das ideias de Marquês de Pombal.

➢ A questão do novo código


O Decreto de 31 de março de 1778 pretendia reformar as Ordenações, por uma
Junta nomeada pela rainha D. Maria I (composta por 10 juristas).
Pretendia-se rever as Ordenações e averiguar as leis que estavam antiquadas,
revogadas, que tenham sido alvo de opiniões diferentes e as que precisavam de reforma
e inovação. A seguir, a Junta deveria trabalhar em cada um dos livros das Ordenações.
No entanto, o trabalho desta comissão não foi produtivo.
Em 1783, D. Maria I vai nomear o professor Mello Freire, para fazer a reforma
dos livros II e V, que fica concluída em 1789.

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O livro V, referente ao Direito Penal, é alvo de críticas, nomeadamente o facto de


a legislação ser na sua maior parte inconsequente, injusta e cruel.
“Instituições de direito criminal” – manual de Mello Freire, em que defende as
ideias do humanitarismo jurídico, nomeadamente a defesa de penas cruéis.
No livro II, de Direito Público, encontramos a defesa de uma monarquia absoluta,
na linha do despotismo esclarecido. Ribeiro dos Santos critica esta posição.
As posições divergentes de Mello Freire (absolutista) e Ribeiro dos Santos
(liberalista) vão originar a questão do novo código, e leva a que estes projetos não entrem
em vigor.
Em relação à Monarquia:
o Mello Freire – não há lei que limite o poder do Rei; o Reino é domínio e
propriedade do Rei.
o Ribeiro dos Santos – ataca o absolutismo; monarquia consensualista e
representativa.
Em relação ao Direito:
o Mello Freire – os assentos da casa da suplicação têm força para a interpretação
autêntica (o Tribunal também tem a autoridade de poder interpretar).
o Ribeiro dos Santos – a interpretação das leis é feita pelo legislador ou monarca
para ser autêntica. As leis devem ser simples, claras e breves.
Em relação ao Direito Penal:
o Mello Freire – partidário do humanitarismo, mas admite penas fortes, cruéis e
vexatórias (ex.: corte de membros) e a pena de morte.
o Ribeiro dos Santos – critica a mudança de posição de alguém que antes era contra
a pena de morte e agora admitia-a. É abolicionista pois entende a pena de morte
como uma guerra da Nação contra o cidadão.

Monismo (1820-atualidade)
Por influência das revoluções liberais francesas, aparece em Portugal o Estado
representativo, que tem como valores fundamentais a garantia da liberdade, da
igualdade perante a lei, da segurança e da propriedade. Estes valores são muito
visíveis nos novos textos constitucionais, nomeadamente na Constituição de 1822 e na
Carta Constitucional de 1826.
A Constituição de 1838 (era uma “mistura” da CRP de 1822 e da Carta de 1826)
teve uma duração breve. Em 1842, volta a vigorar a Carta de 1826, até 1910.
Com a CRP de 1822 verificou-se a destruição da estrutura do antigo regime,
nomeadamente através da abolição de privilégios, de penas diferenciadas que tinham em
conta o estatuo social, etc. Esta Constituição revogou alguma legislação, nomeadamente
das Ordenações.

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Contradições na CRP de 1822:


o Consagração da liberdade, como um direito natural, ainda que nos territórios das
províncias ultramarinas mantém-se a escravidão (só foi abolida em 1869).
o Apesar de se consagrar a igualdade perante a lei, muitas pessoas continuavam
impedidas de participar na atividade política.
Estes princípios vão extravasar para os códigos e textos de doutrina. O nosso
processo de codificação foi lento.

A codificação
Há uma pré-codificação doutrinária, que inclui as obras dos juristas portugueses
da 1º metade do séc. XIX que prepararam os códigos (Correia Teles, Borges Carneiro,
Coelho da Rocha).
Características da codificação:
o Sistemática, sintética e científica;
o Presença do jusracionalismo;
o Legitimidade acrescida da lei, que agora é a expressão da própria vontade popular.
É muito mais difícil para os juristas pôr em causa a vontade do povo.
o Texto simples e acessível a todos.
A Escola da Exegese, que surgiu no séc. XIX, em França, terá influência em
Portugal, ainda antes da existência dos Códigos.
Há um autêntico caos legislativo. Coelho da Rocha vai substituir as Instituições
do Direito Civil de Mello Freire pelas suas.
As primeiras alterações são as que resultam dos novos textos constitucionais,
sendo que a primeira verdadeira codificação em Portugal é a CRP de 1822.
Assim, verifica-se uma dificuldade em fazer uma codificação, num tempo curto.
o Decreto de 1832 – centralizador.
o 1º Código Administrativo, de 1836 – descentralizador.
o Código de 1842, de Costa Cabral – centralizador. Em vigor até 1878.
o Código de 1878, de Rodrigues Sampaio – descentralizador.
o Código de 1886, de Luciano Castro – centralizador.
o Código de 1896 – centralizador. Vigora até ao Código Administrativo de 1936.

➢ Direito Penal
A área do direito penal também sofreu modificações, primeiramente, pelos textos
constitucionais, muito próximos dos princípios atuais.

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A comissão de 1845, é nomeada para fazer o Código Penal e o Código Civil, sendo
que este não fez. O Código Penal de 1852 foi muito criticado, sobretudo, pelo penalista
Levy Maria Jordão. Estas críticas fazem com que seja nomeada uma nova comissão, que
elabora um novo projeto, que acabou por não vigorar.
A grande transformação dá-se com a reforma penal e das prisões, de 1867.
Introduziu alterações na forma de concluir as penas, assim como a abolição da pena de
morte, para os crimes civis (a pena de morte para os crimes políticos já tinha sido abolida
em 1852).
Em 1884, faz-se outra reforma e o novo Código Penal surge em 1886. Em alguns
aspetos reproduz o Código de 1852, mas noutros aspetos, vai similar as anteriores
reformas. Vigorou praticamente 100 anos, até 1982, quando entra em vigor o 3º Código
Penal.

➢ Direito privado
Primeiro, surgiu o Código Comercial de 1833, de Ferreira Borges. Era uma
matéria que não estava tão sujeita à pressão do ensino anterior do direito civil (esteve
sempre à parte das restantes áreas). Para além disso, era uma área que interessava muito
a quem tinha feito a revolução liberal – burguesia comercial.
Foi revogado pelo Código Comercial de 1888, de Veiga Beirão. É bastante
diferente do código anterior. Ainda estão em vigor 275 artigos, sendo que com muitas
alterações.
O Código Civil de 1867, de Seabra, foi aprovado pela Carta de Lei de 1 de julho
de 1867, tendo entrado em vigor no ano seguinte. Foi fortemente influenciado pelo
modelo francês de 1804.
Verifica-se uma inovação na sistemática. Pretendia que a lei tivesse uma
autoridade mínima no campo da liberdade contratual (contexto das corporações de
ofícios, que impunham inúmeros limites) – influência do liberalismo. No entanto, não
existe igualdade material entre as pessoas.
O seu artigo 16º equivale/é semelhante ao atual art. 10º e distancia-se muito mais
do texto das Ordenações. Tem a seguinte redação:
“Se as questões sobre direitos e obrigações não poderem ser resolvidas, nem pelo texto
da lei, nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos, prevenidos em outras leis, serão decididas
pelos princípios de direito natural, conforme as circunstâncias do caso.”

A expressão “casos análogos” significa que, no entendimento do legislador, esta


solução é legal, ou seja, ainda existe solução dentro da lei.
Os “princípios de direito natural” correspondem a um conceito indeterminado e
que gerou polémica. No fundo, este artigo expulsa do ordenamento jurídico português a
aplicação do direito estrangeiro. No projeto de Seabra, afastava-se as Leis das Nações
Cristãs iluminadas e polidas.

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“direitos naturais” sãos aqueles que o próprio direito natural garante a todos os
indivíduos. O art. 359º enumera estes direitos:
“Dizem-se direitos os que resultam da propria natureza do homem, e que a lei civil
reconhece, e protege como fonte e origem de todos os outros. Estes direitos são: 1º O direito de
existência; 2º O direito de liberdade; 3º O direito de associação; 4º O direito de apropriação; 5º O
direito de defesa.”

É um enunciando tipicamente liberal e burguês.

Há muitos artigos do Código Civil que são um espelho dos textos constitucionais.
Ex.: Art. 7º - “A lei civil é igual para todos, e não faz distinção de pessoas, nem de sexo,
salvo nos casos que forem especificamente declarados.”.

Escola Histórica do Direito


A Escola Histórica surge entre as décadas de 20 e 30 do séc. XIX, com o ensino
de Savigny.
Savigny era um professor de direito romano, muito influenciado pelo pensamento
de Engels (base da construção de Marx) – cada povo, com o seu espírito próprio, constrói
o seu caminho.
Esta influência transfere-se para o direito, afirmando que o direito é a própria
história, construído pelo povo. É a comunidade que o forma, sobretudo, através do
costume. Introduz alguns princípios comuns aos vários ordenamentos (influência do
direito romano).
O legislador apenas declara o direito e garante a sua defesa. O jurista, por outro
lado, desenvolve cientificamente o direito da comunidade.

➢ Jurisprudência dos conceitos


É uma variante da Escola Histórica. Constrói um direito bastante técnico, que só
é compreensível pelos juristas, que são eles que estudam os elementos da interpretação.
Teve como principal autor Puchta.
Dá origem ao Código Civil Alemão (BGB), de 1896 (entra em vigor em 1900).
Resulta do conflito existente na Alemanha e de uma negociação entre aqueles que querem
que o código exprima o novo direito alemão, igual para todos, tecnicamente mais
complexo que os códigos francês e português; e a tendência da pluralidade e da
diversidade, resultante das diversas regiões da Alemanha.
O Código Civil português atual foi bastante influenciado pelo BGB, assim como
quase todos os Códigos do séc. XX.

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Modernismo jurídico
As Escolas de Direito Livre ou do Modernismo jurídico surgem no início do séc.
XX e vão contestar o afastamento entre o direito construído pelo legislador e a vida real.
No funco, afirmam que o direito está afastado da vida real.
Opõem-se à Escola Histórica e à Escola da Exegese.
Surgem num contexto de mudanças profundas, em que há inúmeras críticas às
ideias iluministas e liberalistas do séc. XVIII, assim como à nova vida industrial e os seus
problemas.
Tem duas vertentes:
➢ Escola do Direito Livre
Valoriza a solução justa e adequada ao caso concreto. Admite uma interpretação
corretiva, embora excecional.

➢ Jurisprudência dos interesses


Afirma que o direito pode ser qualquer coisa, desde que corresponda aos interesses
da sociedade ou de parte dela. Valoriza mais a segurança jurídica, havendo uma margem
menor para o juiz. Acentua o elemento teleológico, mas não dá margem para a
interpretação corretiva.
Aproximação à ideia de que o direito tem que responder aos problemas da vida.
Tem de haver um equilíbrio entre os interesses das partes, como se tivessem todos o
mesmo valor.

Alterações mais importantes, comuns a ambas as Escolas:


o Interpretação da lei de acordo com a vontade do legislador – a intenção passa a
ser finalista (anteriormente era formalista);
o Reconhecimento expresso das lacunas, da incompletude e insuficiência do texto
legal;
o Importância da decisão concreta, que faz a verdadeira justiça (é mais relevante na
Escola do Direito Livre);
o Utilização de alguns elementos extratextuais, como o elemento teleológico;
o Valorização da justiça enquanto adequação material, ou seja, aquela que
realmente se adequa à realidade;
o Elemento da nova racionalidade (o direito é uma ciência do espírito, ou seja, só
interessa a razão prática).

O Direito português contemporâneo


Em Portugal, o início do séc. XX é marcado por crises, pela questão do ultimato
britânico e pela passagem ao regime republicano.

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Em 1911, surge a Lei da Separação do Estado das Igrejas (texto 32).


Verificou-se um conjunto de alterações na legislação laboral, nomeadamente, a
consagração do direito à greve e ao descanso semanal e a regulação dos acidentes de
trabalho. No entanto, maior parte desta legislação teve pouca concretização.
Outra alteração importante foi o Decreto de 3 de junho de 1910, que passou a
permitir o divórcio e a perfilhação de todos os filhos ilegítimos, exceto os incestuosos.

A Ditadura militar (1926-1933) tentou resolver o problema da nova República.


Sidónio Pais introduz o sufrágio direto e universal para a eleição do PR.
A CRP de 1933 garante todos os direitos que estavam na CRP de 1911 e nos
textos anteriores. No entanto, a terminologia e o vocabulário utilizados são bastantes
diferentes. Nesta Constituição há a possibilidade expressa de limitação relativamente a
muitos direitos em concreto (ex.: liberdade de expressão). Muitas vezes, até é apresentada
uma justificação para tal limitação.
Na primeira fase do Estado novo (anos 30 e 40) há uma grande legislação laboral.
O Estado Novo tenta ser o travão do socialismo e do Estado liberal.
O Código Civil de 1966 foi visto como uma tarefa técnica e não tanto jurídica ou
política.
Relativamente ao direito da família e das sucessões foram feitas muitas alterações,
com a reforma de 1977. Ainda assim, há muitos artigos que mantém a sua redação inicial,
sobretudo porque a maior parte das matérias não tinha marcas ideológicas do regime e,
por isso, não era incompatível com a CRP de 1976.
Na transição para o regime democrático muito do direito legislado (do Estado
Novo) não é revogado, sendo que os próprios juristas fazem essa transição.

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