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História do Direito Português | Turma B | Prof.

Doutor Pedro Caridade de Freitas

Resumos e Apontamentos de História


do Direito Português
Regência: Prof. Doutor Pedro Caridade de Freitas
Assistente: Mestre Madalena Santos
2022/2023

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António Gonçalves Saúde
História do Direito Português | Turma B | Prof. Doutor Pedro Caridade de Freitas

Justiça
Justiça Universal
Na sociedade medieval todo o direito, e toda a atuação do homem tem que prosseguir a ideia
de justiça. A justiça foi para os homens da idade média o fundamento da vida social. Sem ela
seria impossível uma convivência organizada, a manutenção da comunidade política, a conceção
como povo de um grupo humano.

Todos os homens em sociedade devem agir com justiça, sendo que há uma exigência ainda
maior para aqueles que têm poder sobre outros, aqueles que exercem poder político, esses têm
uma responsabilidade maior, porque não têm apenas que conduzir a sua vida com justiça, mas
também prosseguir em todas as suas atitudes com justiça, para que com o seu comportamento
conduzam a sociedade para o seu fim, e o fim ultimo de cada sociedade é o fim ultimo de cada
homem, e o fim ultimo de cada homem é a bem aventurança interna, e a bem aventurança
interna é a salvação da alma

Da própria causa final da justiça resultava nela ínsita a existência de um elemento de


habitualidade. Quem só esporadicamente tivesse vontade de a respeitar não seria justo, que
tanto vale dizer não realizaria justiça. A justiça traduzia-se, pois, numa virtude, definida esta
como era: habitus operativus bonus, o hábito bom orientado para a ação

Santo António: a justiça é hábito de ânimo que, guardando o bem comum, atribui a cada um
aquilo de que é digno

A ideia do homem justo como homem perfeito conduziu à conceção de justiça enquanto virtude
universal ou síntese de todas as virtudes, visto ninguém ser perfeito se alheio a qualquer virtude.
Ela era, assim e também, considerada a rainha das demais, segundo uma imagem frequente. A
virtude forma-se, pois, pela repetição de atos livres praticados a partir de propensões nobres ou
pela correção das características psíquicas de cada homem realizada mediante operações do
conhecimento

Justiça Particular
A justiça particular separa-se da justiça universal enquanto esta considera sobretudo o
mundo intra-subjetivo e a justiça particular o campo das relações intersubjetivas. Nisso se
distingue também das virtudes especificas que regulam a conduta do próprio agente para
consigo, como a paciência e a temperança, mas não fica ainda suficientemente caracterizada

Santo Agostinho: O que é a justiça senão a virtude que atribui a cada um o quanto lhe é devido.
A justiça é a virtude que atribui a cada um o seu

Ulpiano: A justiça é a constante e perpétua vontade de atribuir a cada um o seu direito

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De acordo com Aristóteles (chamou geométrica à igualdade da justiça distributiva e aritmética


à igualdade da justiça comutativa) e posteriormente São Tomás de Aquino (filosofia
escolástica), havia a distinguir apenas dois tipos de Justiça particular:

• Justiça Distributiva / Geométrica:

É aquela que se preocupa em distribuir bens, honras e cargos de acordo com a


meritocracia e a igualdade entre os cidadãos, ou seja, cada um recebe o que lhe é devido
de acordo com as suas capacidades e contribuições para a sociedade

• Justiça Comutativa / Aritmética:

Trata das relações entre indivíduos que se envolvem em conflitos ou disputas. Nesse
caso, a justiça tem como objetivo corrigir a desigualdade que foi criada pela
transgressão, aplicando penas ou sanções adequadas para cada tipo de ofensa. A ideia
aqui é restaurar a ordem e a harmonia social, além de reparar as perdas causadas pela
injustiça cometida.

As “Siete Partidas de Afonso X” distinguem a justiça particular em três modalidades:

• Justiça Espiritual:

É a atribuição a Deus de quanto lhe é devido pelo homem

• Justiça Política:

Atribuição pela comunidade aos respetivos membros de quanto lhes cabe e por estes
àquela

• Justiça Contenciosa:

Justiça que deve ser aplicada nos tribunais

Álvaro Pais enumera a Justiça para com Deus (latria), para com as criaturas merecedoras de
honra e consideração (dulia), para com os superiores (obediência), para com os inferiores
(disciplina), para com os iguais (equidade). Classificação na qual está subjacente a ideia
aristotélica da separação entre a Justiça que deve presidir às trocas entre iguais e a justiça a
observar nas relações entre a comunidade e os indivíduos no tocante à repartição entre a
comunidade e os indivíduos na tocante à repartição de encargos e honras (difundida por S.
Tomás).

A justiça pode ser vista como uma virtude particular, dotada de um conteúdo específico, ao lado
de outras virtudes. Depende de como a vemos, de forma objetiva ou subjetiva

Pela própria índole da justiça objetiva esta difere da subjetiva no tocante à respetiva constância.
Enquanto a justiça subjetiva permite em si mesma variações, a justiça objetiva há de entender-
se como inalterada e inalterável, postulante sempre das mesmas condutas

Para se saber ou medir que a justiça particular corresponde à ideia da justiça universal, os
teóricos da idade média respondem através da justiça objetiva

Justiça Objetiva:
Cria um critério métrico que permite aferir caso a caso se foi utilizada a justiça, e essa métrica
é o conceito de Bonus Pater Familias

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Bonus Pater Familias:


É o homem médio que tem que atuar e que deve atuar de acordo com os critérios de justiça

Entre justiça e direito, a diferença residia no facto de este traduzir aquela mediante preceitos
autoritariamente fixados. O direito era assim apenas um instrumento de revelação da justiça

Os três preceitos do direito referidos por Ulpiano, “viver honestamente, não prejudicar o
próximo, dar a cada um o seu” são comuns á própria justiça, conforme o expressamente
ensinado por Álvaro Pais

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Direito Suprapositivo e o Direito Humano


O direito situa-se, de facto, não apenas no plano humano, mas decorre mesmo, em última
análise, da realidade que ultrapassa o homem, Deus. Daí, que se possa falar, e se tenha falado,
de Direito Divino, que representa o escalão último do jurídico

A sociedade medieval é uma sociedade profundamente religiosa, e como tal , iremos encontrar
três ordenamentos jurídicos que têm que ser cumpridos pelo homem medieval, assim o Direito
Suprapositivo, que é aquele que está acima do direito escrito divide-se em:

• Direito Divino:

Razão de Deus criadora e ordenadora de todas as coisas

• Direito Natural:

Manifestação do direito divino na razão humana

• Direito das Gentes:

Direito de cada homem concreto porque é um direito criado pelos homens para as
relações entre homens de origens diferentes

Santo Agostinho: a lei eterna é a razão e vontade de Deus que manda conservar a ordem natural
e proíbe que ela seja perturbada. E a lei natural foi inscrita por Deus no coração do homem

São Tomás de Aquino distingue as leis em quatro tipos:


• Lei Eterna:

Razão de Deus, corresponde ao Direito Divino

• Lei Divina:

Participação da Lei Eterna revelada através das sagradas escrituras

• Lei Natural:

Apreensão da Lei Eterna pelo Homem

• Lei Humana:

Direito criado pelo Homem

A Lei Eterna é sempre obrigatória, é uma lei mandatária, aplica-se em todos os momentos e em
todas as circunstâncias, não é possível de afastar ou derrogar. O Direito Natural já é passível de
ter modificações. Se o Direito Natural é a apreensão pela razão humana da Lei Eterna significa
que o homem dependendo do tempo e do espaço pode ter apreensões diversas da Lei Eterna,
e ao ter apreensões diversas da Lei Eterna pode dar origem a preceitos diversos de Direito
Natural

Na esteira do ensinamento de Gaio, houve quem concebesse o direito natural como


eminentemente racional, ao invés, seguindo Ulpiano, o direito natural teria como base o
instinto, comum a seres racionais e irracionais

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Os juristas medievais distinguiram no núcleo do Direito Natural:

• Preceitos Primários:

Aqueles que não são afastados, que são inderrogáveis (Ex: direito à vida)

• Preceitos Secundários:

Aqueles que são suscetíveis de mutação, porque não são evidentes para todos os
Homens (Ex: poligamia)

O ordenamento positivo, incluindo não apenas as leis humanas, mas também o costume, só
pode mesmo, em verdade, subsistir e obter o nome de direito desde que articulado segundo a
regra divina e natural

A partir daqui coloca-se, inevitavelmente, um problema de acatamento ou não acatamento e


entra-se já no campo das relações entre o dever de obediência e o direito de resistência. Os
teóricos medievais entendiam que não se estava obrigado a observar, nem se devia observar,
quanto fosse determinado em desconformidade com as normas últimas

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Direito Supra Regna: Direito Canónico e


Direito Romano
Numa primeira aproximação e de acordo com uma definição corrente, o Direito Canónico pode
ser genericamente apresentado, como o conjunto de normas jurídicas relativas à igreja

Van Hove: o Direito Canónico é o complexo de cânones ou leis estabelecidas, propugnadas ou


aprovadas pela autoridade eclesiástica, para reta instituição da sociedade eclesiástica

Fontes de Inspiração do Direito Canónico:


• Sagradas Escrituras

Aqui existem preceitos que são expressamente revelados por Deus, portanto, há uma
conceção sagrada que transcende a vontade dos homens. Dentro das Sagradas
Escrituras temos o Antigo Testamento (contém preceitos cerimoniais, judiciais e morais)
e o Novo Testamento (contém preceitos de direito divino, direito divino apostólico e de
direito apostólico). As disposições de Cristo valem para sempre, por isso já se tem dito
que os Evangelhos constituem a lei fundamental da Igreja.

• Tradição

Conhecimento translatício, escrito ou oral, de ato de autoridade, classifica-se de várias


formas. Só com recurso à tradição se pode estabelecer a integridade e autenticidade
dos livros santos, bem como suprir muitas dificuldade de interpretação. A tradição pode
ser classificada de três formas:

o Inhesiva

A mensagem que se está a passar por tradição, o conhecimento que passa de


geração em geração, escrito, oral, é exatamente a mensagem que podemos
encontrar nas Sagradas Escrituras, ou seja, está-se a transmitir exatamente a
mesma regra

o Declarativa/Interpretativa

Transmite a matéria, a mensagem e a regra que está implícita nos textos


sagrados, mas não a que está expressa.

o Constitutiva

O saber tradicional criou uma regra, que se assume como fonte de Direito
Canónico, mas que não está nem expressa nem implícita nas Sagradas
Escrituras, porque apareceu depois

• Costume

Norma resultante dos usos da própria comunidade e acompanhada pela convicção de


obrigatoriedade, vemo-la a ocupar lugar importante desde os tempos da Igreja
primitiva, em que assumiu o papel de modo de suprimento de lacunas da legislação.

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Fontes Canónicas de Direito Humano:


• Cânone

Determinações conciliares, que também eram denominados de decretos. Em sentido


amplo, pode ser identificado como qualquer norma da Igreja.

• Decreto

Decisão do Papa que estatui por conselho dos seus cardeais sem consulta de ninguém

• Decretal

Decisão do Papa que o mesmo estatui sozinho ou com os seus cardeais em resposta à
consulta de alguém

• Concórdia

Acordo interno entre o poder político de um reino e o clero nacional

• Concordata

Acordo internacional entre o Papa e o determinado reino

• Bula

Documentos emanados pelo Papa para conceder direitos a um determinado reino

Já a doutrina designa a atividade científica dos juristas (doutores), cuja importância na


elaboração do ius canonicium foi progressiva, principalmente depois da aliança entre a lei
canónica e a lei secular, pela revivência dos estudos de direito romano, operada a partir dos
séculos XII e seguintes

O Utrunque Ius constitui o produto da superação da concorrência ou rivalidade das duas


grandes ordens jurídicas medievais, do direito canónico e o direito romano

Utrunque Ius:
Simbiose entre direito canónico e direito romano que significa que na ausência de um dos
ordenamentos o outro pode responder à questão colocada

Ius Commune:
Havia um direito comum a toda a cristandade, o direito canónico e o direito romano

Observe-se que a partir da aliança entre o direito canónico e o direito romano, que se vai traduzir
no direito comum, os grandes canonistas são também, em regra, grandes civilistas, dada a
preparação simultânea em ambos os direitos, o canónico e o romano (in utroque)

In Utroque:
Formação paralela jurídica nas universidades medievais em direito canónico e direito romano

A influencia do direito canónico e da ciência jurídica dos canonistas no direito em geral e para a
formação do direito moderno apresenta-se como fundamental. Certas zonas
do jurídico receberam importante contributo da Igreja e do respetivo ordenamento

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Le Bras: o direito canónico representa a conjugação de três fatores ou elementos: a teologia –


da qual retira os princípios ou fundamentos; o direito romano – de onde recebeu a técnica;
o trivium – que possibilitou à razão os instrumentos necessários à construção de tal edifício

A quantidade de decretos e decretais deram origem às escolas, porque a quantidade de


diplomas e posições dos Papas relativamente ao decreto e à decretal fez com que no direito
canónico se compilasse tudo numa obra, no Corpus Iuris Canonici

O Corpus Iuris Canonici é compostos pelos seguintes livros:

• Decreto de Graciano de 1140


• Decretais de Gregório IX de 1234
• Livro Sexto de Decretais de Bonifácio VIII posteriores a 1234
• Clementinas ou Livro Sétimo das Decretais de Clemente V de 1313
• Extravagantes de João XXII posteriores a 1313

O Decretum de Graciano constitui um longo texto. A primeira parte (Ministeria) versa as fontes
de direito, a doutrina das pessoas eclesiásticas. A segunda (Negotia) abrange a disciplina das
ações e o processo judicial, o regime dos bens eclesiásticos, a regulamentação do matrimónio.
A terceira trata dos sacramentos e da liturgia

O trabalho de Graciano não teve uma índole puramente compilatória. Ele procurou dar-lhe
cunho cientifico-doutrinário, correspondente à harmonização de textos, conforme a designação
Concordia Discodantium Canonum. O trabalho interpretativo de Graciano, além de se traduzir
sumários, vazou-se na elaboração de dicta, ou seja, comentários mais ou menos desenvolvidos,
apostos aos textos

Segundo Calasso, Graciano recorreu a quatro critérios ou processos para realizar a


concordância dos textos opostos:

• Ratione Significationis

A concórdia realizava-se com recurso ao espírito das normas em presença

• Ratione Temporis

Determinando-se o tempo de cada norma em presença, com aplicação do princípio de


revogação da norma anterior pela posterior

• Ratione Loci

Evidenciando o originário âmbito territorial das normas, a norma particular derrogaria a


geral

• Ratione Dispensationis

Demonstrada a exceção de uma norma em relação à outra, a conciliação far-se-ia por


recurso à relação lógica espécie-género, sem se atender a outras rationes

A penetração do direito canónico era tal que nas cortes ou cúria alargada de 1211 houve
necessidade de hierarquizá-lo em relação ao direito do rei. A ordenação estabeleceu-se,
segundo o entendimento geral, com prevalência daquele

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A cúria de 1211 é uma assembleia do rei e dos seus familiares, de membros do clero e de
membros da nobreza. Não têm representação do povo. A cúria de 1211 vai aprovar um conjunto
de leis, leis essas que pretendem regular alguns aspetos importantes da vida nacional, seja por
exemplo contratos, a vingança privada, questões relativas a propriedade. Mas de todas estas
leis só existe uma que nos interessa que é a Lei 2

Lei 2: jjhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh
Lei que vem definir a relação entre a Lei do Rei e o Direito Canónico. Há um reconhecimento do
rei de que o direito da igreja pode ser superior na aplicação ao direito régio se a vontade do Rei
contraditar o direito da igreja

Ruy e Martim de Albuquerque: a Lei II tem sido entendida como dando supremacia do direito
canónico sobre a lei régia

Braga da Cruz: a Lei II não se refere ao direito canónico como ordem jurídicas, mas apenas às
regalias e privilégios da igreja, ou seja, as leis do rei não valem contra os privilégios da igreja,
não obstando a supremacia da lei do rei sobre o direito canónico

José Duarte Nogueira: a Lei II corresponde a uma declaração de cunho retórico-político quanto
à consideração, verdadeira ou fingida, do rei pela igreja e simultaneamente de exortação aos
presentes a respeitá-la em todas as suas envolventes, uma das quais era constituída em bloco
pelo direito canónico e privilégios, pelo que poderia não haver uma prevalência de facto do
direito canónico sobre a lei do rei

D. Pedro I, contudo, poria em vigor o Beneplácito, ou seja, determinaria que as leis e atos
autoritários da Igreja apenas seriam aplicáveis e obrigatórios nos território nacional depois de
aprovados pelo rei

Beneplácito Régio:
Lei que vai determinar todos os atos autoritários da igreja, ou seja, todos os atos com aplicação
direta e imediata em Portugal que emanassem da igreja, nomeadamente pelo Papa, apenas
seriam aplicadas e tinham eficácia em Portugal após a aprovação régia. É um ato de aprovação
régia de todos os documentos da igreja emanados pelo papa para lhes conceder eficácia

No período do reinado de D. Pedro I até ao fim do reinado de D Fernando, a Europa viveu o


chamado Cisma do Ocidente. O cisma do ocidente foi uma fase em que tivemos dois papas
eleitos, um papa em Roma e outro papa em Avignon. Porque quando se elege o papa de Roma
uma parte dos cardeais da cristandade não aceitam a eleição e queriam outro que vai ser eleito
e vai ficar com a sede papal em Avignon

A cristandade dividiu-se, Portugal mantem-se fiel a Roma, Castela alinha com Avignon. D. Pedro
justifica esta medida dizendo que o objetivo do beneplácito régio é garantir que os decretos
papais aprovados em Portugal são do verdadeiro papa, do de Roma

O beneplácito régio vai vigorar em Portugal desde o reinado de D. Pedro I até 1911, com um
pequeno interregno no reinado de D. João II

Não foram, contudo apenas os monarcas a oporem forte resistência à penetração do direito
canónico. o anticlericalismo de parte da população, por um lado, e , por outro, a existência de
numerosas heresias em relação ao credo religioso constituíram também obstáculo de relevo

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Como se disse já, e não obstante todas as restrições, o direito canónico foi aplicado em Portugal,
não apenas nos tribunais civis ou seculares, mas também em tribunais eclesiásticos. O direito
canónico aplica-se nos tribunais civis e nos tribunais eclesiásticos, e o direito canónico aplica-se
em função de duas realidades, das pessoas e da matéria. Em função da pessoa o direito canónico
aplica-se aos membros do clero (que envolviam também viúvas, menores órfãos, estudantes e
mendigos). Em função da matéria o direito canónico aplica-se a todas as questões relativas à
igreja

Nos tribunais civis o direito canónico aplicou-se também, primeiramente, como direito
preferencial. Mais tarde, o direito canónico foi relegado para a posição de direito subsidiário,
isto é, apenas aplicável quando faltasse o direito nacional. Aqui iria, aliás, entrar em
concorrência com o direito romano. O critério de ordenação relativa do ordenamento canónico
e do romano seria o critério do pecado. A prevalência do primeiro sobre o segundo dependeria
de se tratar ou não de matéria do pecado

O direito romano vai aplicar-se na cristandade, porque é o outro direito que se aplica com força
por própria existência de um império, no entanto, em Portugal, não se aplica por questões
relativas à submissão de Portugal ao sacro império, mas aplica-se o direito romano porque
entendia-se que era um direito completo e que tinha soluções jurídicas para as questões que
surgiam em Portugal

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Direito Regna: Direito Legislado e Direito


Visigótico
O direito legislado é aquele que é produto da vontade humana e está positivado, isto é, escrito.
É o direito elaborado pelo poder político, e situa-se nos séculos XI, XII e XIII. Deve-se aludir ao
direito dos povos que se estabeleceram na Península Ibérica e sobrelevam, pela importância
que tiveram no nosso direito, o direito romano e os, por vezes, impropriamente chamados
direitos germânicos.

Menção especial cabe às leis dos Visigodos, povo que dominou a Península durante séculos e
cujo Império apenas terminou com as invasões muçulmanas. Aos Visigodos se ficaram a dever
alguns famosos monumentos jurídicos. Os mais importantes, considerados do prisma
cronológico são:

• Código de Eurico

Redigido cerca de 476. Atribuído ao Rei Eurico e nele transparece já a influência jurídica
de Roma, pelo que as suas normas estão muito longe de representarem direito
germânico, muito pelo contrário, representa direito romano vulgar

Álvaro D'Ors qualifica o Código de Eurico como direito romano vulgar

• Breviário de Alarico

Promulgado em 506, revoga o código anterior e é considerada Lex Romana


Visigothorum

• Código de Leovigildo

Escrito entre 572 e 586

• Código Visigótico

Foi publicado em 654 pelo rei Recesvindo, após correção, ao que se supõe de S. Bráulio,
e co, a aprovação do VII Concílio de Toledo de 633. Este código representa, de certo
modo, o terminus da evolução legislativa do reino visigodo. Depois de
Recesvindo, Ervígio, no segundo ano do seu reinado, submeteu o Código Visigótico a
uma revisão oficial, de que foi encarregue o XII Concílio de Toledo. O texto, assim fixado,
é conhecido por Fórmula Ervigiana. A tais formas há ainda a acrescentar outra,
resultante da revisão não oficial, em que, além de uma nova lei do próprio Ervígio,
quinze ou dezasseis leis posteriores de Egica, e também leis de Vitiza se encontram
adicionados a um título introdutório, verdadeiro tratado de direito publico, da maior
importância para os historiadores, e ainda outros textos, incluindo textos doutrinais, isto
tudo é a Forma Vulgata.

Só a partir do século XII, e em concomitância com o progressivo crescimento da legislação


nacional e com a redescoberta do direito justinianeu, as menções ao Código Visigótico
principiam a desaparecer. A partir dos finais do seculo XIII, e com uma lei de D. Dinis, vai aplicar-
se em Portugal, por ordem do próprio D. Dinis, uma compilação castelhana mandada elaborar
pelo seu avô, Afonso X, e esta compilação castelhana são as “Siete Partidas de Afonso X”

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No quadro das fontes de direito relativas ao primeiro período estudado, as leis gerais começam
por ocupar um papel modesto. Conhecem-se, de facto, poucos diplomas contendo normas
gerais e abstratas de imposição coativa. Do tempo de D. Afonso Henrique resta apenas a
memória de uma lei sobre as barregãs e do Sancho I conhece-se somente uma provisão. Aos
poucos, todavia, foi-se processando crescente atividade legislativa dos nossos monarcas. Inicia-
se a marcha lenta, mas segura para a monopolização do direito positivo pelo príncipe

Decerto, em alguns casos, o rei não pode alterar ou revogar unilateralmente as leis. Decerto, o
seu poder legislativo está subordinado aos preceitos de outras ordens jurídicas, a começar pelo
direito divino e pelo direito natural. De qualquer forma, porém, torna-se cada vez mais
acentuada a propensão para referir o monarca como centro legislativo por excelência. O
progressivo crescendo da legislação régia corresponde ao fortalecimento sempre constante do
poder real, para o que não pouco contribuirão os juristas educados na tradição e no culto do
direito romano justinianeu

A lei corresponde sempre à vontade geral do rei. É a manifestação da vontade do rei. Se tem
poder sobre o território tem a possibilidade de fazer a lei. A lei para ser feita tinha que ser
elaborada junto do rei pelo rei ou pelos seus conselheiros e tinha depois que ser assinada e era
colocado o selo régio, a Chancela do Rei, e o selo régio determinava a autenticidade do diploma

Logo após a selagem da lei, a mesma é publicada. Na idade média é feita pela sua leitura na
corte régia, a lei era lida a todos aqueles que viviam junto do rei. Depois disto, competia aos
conselhos e às terras, à nobreza, ao clero e aos homens bons do conselho pedirem cópias da lei.
A divulgação da lei é feita através da sua leitura, normalmente ao domingo após a missa, lida
em praça pública e dependendo da importância da lei assim a repetição da leitura da lei. As leis
eram todas compiladas em livros juntos do rei que se chamam os Livros das Chancelarias Régias
e é nos Livros das Chancelarias Régias que estão todas as leis produzidas em Portugal

Relativamente à aplicação da lei no espaço, a lei em principio vigora para todo o território
nacional, isto não significa que não pudessem ser publicadas leis de carater regional.
Relativamente à aplicação da lei no tempo, a lei só em 1349 é que deixa de ser retroativa

O primeiro rei que se vai debruçar sobre a interpretação da lei é D. Duarte, que vai determinar
que a interpretação tem que se autêntica, ou seja, a lei tem que ser interpretada de acordo com
o seu espirito e a sua letra

A influencia principal do direito romano na legislação portuguesa vai fazer-se sentir a partir do
reinado de Afonso III, é a parir deste que nós temos uma receção mais eficaz do direito romano
justinianeu em Portugal por força, também, das circunstancias que fizeram com que Afonso III
fosse rei de Portugal. A igreja vai reclamar de uma lei, a Lei das Inquirições, junto do Papa e vai
dizer que estão perante uma medida de plena injustiça, o rei é injusto e o rei tem que governar
segundo a justiça o que faz com que o Papa retire o poder real a Sancho II e coloca Afonso III

Lei das Inquirições:


Lei que tinha como objetivo pedir a todos os proprietários de terras em Portugal que
apresentassem ao rei o titulo legitimo de aquisição da propriedade

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O direito legislado vai surgir com maior insistência após o termino da conquista cristã, é depois
do Tratado de Alcanizes com Afonso III e da definição de fronteiras com D. Dinis que se vai dar
um aumento da legislação, mas até lá os reis portugueses vão utilizar também outros diplomas
legislativos, o direito visigótico e o direito castelhano em momentos históricos diferentes. O
direito visigótico vai ser utilizado em Portugal até aos finais de seculo XII, até ao reinado de
Sancho I

Costume
O direito português, nomeadamente na primeira dinastia, a fase do chamado período pluralista,
é um direito também ele marcadamente consuetudinário, é o costume que é aplicado para
resolver questões concretas da vida quotidiana da população nacional, e é o costume que é
aplicado essencialmente nos tribunais locais

Costume:
Comportamento assumido por uma determinada comunidade que se repete e repete-se não
porque sim, mas porque a comunidade assume que aquela repetição é importante porque
aquele comportamento que ela própria assumiu é essencial para de alguma maneira resolver
ou regular a vida da sociedade

Relativamente ao valor jurídico do costume, o decreto de graciano vem reproduzir uma das
lições de Santo Isidoro de Sevilha, que vem dizer que o costume vale como lei na falta de ela,
tem o mesmo valor jurídico

D. Sancho I: o costume quando aprovado tem o mesmo valor de lei, e, portanto, ao costume
atribui-se a mesma força legal

Nas comunidade locais, nos municípios e no país o costume é tido como fonte de direito, aliás
fonte de direito por excelência. Nas ordenações afonsinas as fontes de direito distinguem-se em
fontes principais e fontes subsidiárias. Sendo as fontes principais a Lei do Reino e o Costume
Antigo

Para que se fosse aplicado o costume era necessário prová-lo, não bastava dizer que existe. Os
juristas medievais, nomeadamente das universidade, vão olhar para o costume com alguma
exigência, até porque o costume pode pôr em causa o poder régio, e os próprios reis olham para
o costume, quando começam a ser mais legisladores, com a necessidade de o comprovar

Requisitos Para Validar um Costume:


• Prescrição (repetição de atos)

Acúrsio (Glosador) e Baldo (Comentador): para que haja costume é indispensável haver dois
atos, tem de haver no mínimo duas repetições para estarmos perante costume

• Antiguidade

Azão (Glosador) e Acúrsio (Glosador): o costume é antigo se tiver 10 ou 20 anos. 10 anos perante
uma comunidade presente e 20 anos perante uma comunidade ausente

João André: basta 10 anos, porque a comunidade está sempre presente

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• Racionalidade

Conformidade do costume com a razão

• Consenso da Comunidade

São Raimundo de Peñafort: basta a maioria, não há a necessidade de haver unanimidade. Desde
que a maioria da comunidade assuma aquele comportamento como um comportamento
repetido e obrigatório é o suficiente para existir consenso da comunidade

• Consensus Legislatoris

Não é necessário um consentimento obrigatório por parte do príncipe ou do legislador para que
o costume seja aceite, mas se houver um consentimento voluntário, ou seja, voluntariamente o
príncipe aceita aquele ato enquanto uma repetição e como tal enquanto direito, então o
costume assume maior força. O costume é aceite pelo legislador quando é racional

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Direito Outorgado e Direito Pactuado


Direito Outorgado:
É aquele que resulta da outorga da concessão de algo, de normas, através de um ato oficial.

Direito Pactuado:
Pressupõe um acordo entre duas partes, um encontro de vontades, celebrando-se um pacto
jurídico entre quem elabora as normas ou regras e quem as recebe para as aplicar. Deste
resultam direitos e deveres para ambas as partes.

Cartas de Privilégio:
Na sua aceção ampla, a carta de privilégio é um documento que estatui prerrogativas,
liberdades, direitos, regalias, franquias, isenções e privilégios de qualquer ordem. Nesta
integram-se cartas de doação, cartas de franquia, entre outras. Já na sua aceção estrita, a carta
de privilégio é um documento que estatui o regime jurídico específico de uma determinada
povoação. É este o sentido que vamos assumir.

Cartas de Povoação:
Documento concedido pelo rei, pela nobreza ou pelo clero para criar comunidades em locais
onde elas não existem

Em regras, as cartas de povoação são utilizadas para povoar áreas desocupadas e em muitos
casos pouco atrativas, áreas que ninguém queria ir, mas que eram necessárias habitar, então os
donos das terras, que podiam ser o rei, a nobreza ou o clero, tentavam atrair população e para
isso tinham que lhes dar privilégios, direitos, tinham que lhes dar algo em troca para irem para
uma zona má. Ao serem atraídos para essas regiões vão receber uma propriedade que passa a
ser sua, vão poder constituir uma comunidade local que eles próprios administram, vão poder
produzir para si próprios, uma vez que se estivessem na terra do senhor produziam para o
senhor e podiam até constituir um tribunal. As cartas de povoação são contratos de adesão, e
os contratos de adesão são aqueles em que nos temos liberdade negocial, liberdade de celebrar,
mas não temos a capacidade de alterar as regras do contrato

Forais:
Cartas de privilégio concedidas a comunidades já existentes que definiam o conteúdo de uma
determinada povoação

Os forais não têm como finalidade atrair habitantes para uma localidades, tem sim como
finalidade conceder a essa localidade autonomia administrativa, autonomia geral e autonomia
jurídica, é um ato de descentralização dado por quem concede os forais, ou seja, o rei, a família
do rei, a nobreza e o clero. Os forais foram sempre concedidos ao longo da idade média, o
primeiro foral é o foral concedido à vila de Ponte de Lima ainda no reinado da Rainha Condessa
D. Teresa, portanto antes da independência nacional

O direito que consta dos forais constitui lei especial no reino na idade media, significa que o
direito que consta do foral se sobrepõe à lei régia. Os ordenamentos jurídicos municipais têm o
estatuto de direito especial. Só se a lei geral determinar que se aplica não obstante o teor dos
forais é que a lei geral se aplicaria dentro dos municípios. Havendo matérias concorrenciais
aplica-se o direito foraleiro em detrimento da lei régia

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O aumento do poder real faz com que o rei comece a legislar e comece a criar leis de aplicação
aos municípios e ao mesmo tempos os forais foram-se tornando antiquados, porque a
linguagem foi evoluindo, os impostos foram mudando de nome, as moedas, uma vez que os
forais quando são criados fazem as avaliações em pesos e medidas que vão desaparecendo.
Nesta circunstância, os habitantes dos conceitos foram agravar ao rei, fazer queixa,
nomeadamente a partir de D. João II, a dizer que era necessário atualizar os forais e assim D.
Manuel I vai mandar recolher os forais e reformá-los, ou seja, atualizá-los, retirar as matérias de
legislação geral bem como atualizá-los à realidade do século XVI, a que se vai chamar de Reforma
Manuelina dos Forais

Apesar de os forais perderem importância no século XVI, os municípios não abdicavam deles e
assim, por volta de 1521, D. Manuel I após a reforma dos forais volta a conceder aos municípios
os seus próprios forais, e os forais que surgem desta reforma manuelina são chamados Forais
Novos, ou seja, são os forais mediáveis atualizados, ao mesmo tempo D. Manuel I concede forais
pela primeira vez a algumas comunidades, e esses forais são os Forais Novíssimos

Os vínculos forais continuaram a existir e as comunidades locais olhavam para os forais como
um instrumento de autonomia e privilegio até que surge o liberalismo, e com o liberalismo e a
constituição os forais vão ser revogados. A revogação dos forais vai ocorrer em 1833 pelo
Decreto nº23 de Mouzinho da Silveira

Estatutos Municipais:
Cadernos de leis elaborados de comum acordo pelos municípios, municípios que já têm
autonomia jurídica e administrativa, ou seja, já receberam foral, e estes estatutos municipais
são negociados entre o município e o senhor da terra, ou seja o rei, a nobreza ou o clero. O
objetivo dos estatutos municipais é criar um repositório de direitos que permitisse aos juízes
daquela localidade aplicar

Martinez Marina definiu os estatutos municipais como cadernos de leis civis, criminais, politicas,
administrativas e processuais outorgadas aos municípios para sua constituição e governo

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Direito Judicial
O direito judicial vai ser criado com costume, não um costume da comunidade, mas costume
de órgãos que têm a função de julgar, que são os tribunais

A regra é o acatamento espontâneo e voluntário do preceito jurídico, sem necessidade de


intervenção concreta das estruturas que detêm o poder. Não é, pois, assim, necessário que os
tribunais criem os princípios me que se traduz o costume. Em geral, delimitam-se a declará-los,
aceitá-los e registá-los como fundamento das suas decisões. De tal forma, os órgãos judiciais
não só os fortalecem, como os relevam. Pode dizer-se que constituem, então, as decisões
judiciais fons cognoscendi do direito. Fora disso, todavia, elas assumem, por vezes, verdadeira
função criadora do direito, enquanto estabelecem um precedente, que nuns casos se torna
vinculatório e noutros, embora não sendo obrigatório, suscita a adesão espontânea dos
tribunais

Estilos:
Direito processual criado pelo tribunal para fixar regras relativas ao processo judicial . É uma
espécie de direito não escrito, pois corresponde à prática de um tribunal que cria um estilo de
decisão, uma norma consuetudinária de direito processual, passando assim a ser o costume o
orientador da forma como se iria processar

Cino de Pistóia: o estilo era uma espécie de direito não escrito, introduzido pelo uso
de determinado pretório, diferindo, por esta última nota, do costume consagrado pela
generalidade das pessoas ou pela sua maioria. O fundamento dos costumes identificava-se pois,
com a conduta da comunidade. O do estilo com a prática de um tribunal

O estilo da corte tem que ser prescrito, ou seja, dois ou mais atos, em 10 anos e tem que ser
racional, ou seja, não pode violar o direito divino e o direito natural, e o estilo não pode ser
contra legem

Façanhas:
Juízo sobre uma ação notável que fica como padrão normativo para o futuro por virtude da
autoridade de quem a aprovou

Duarte Nunes Leão: a façanha é um juízo sobre uma ação notável que fica como padrão
normativo para o futuro por virtude da autoridade de quem a aprovou

José Anastácio Figueiredo: a façanha é uma sentença que valia não só para o respetivo caso,
mas para os casos futuros em virtude de ser uma decisão régia tomada num processo especial

Ou seja, para Figueiredo, a façanha retira a obrigatoriedade da sua natureza régia, enquanto
para Duarte Nunes a respetiva força vinculativa decorre da autoridade do agente do feito e dos
que acreditam, a façanha gera-se para aquele que nos casos duvidosos, não
exigindo necessariamente um feito notável. De acordo com a lógica do seu raciocínio, José
Anastácio Figueiredo declara, inclusive, que os factos qualificados nas fontes anteriores às
Partidas como façanhas, mas que não constituem sentença dada por monarca, não possuíam
autoridade alguma para servir de lei geral e tinham força apenas entre as partes ou
representavam até mero conselho

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Alvidros:
Decisões de juízes arbitrais, ora são árbitros, são terceiras pessoas escolhidas pelas partes em
litigo para resolver as suas questões

O alvidro é uma decisão judicial adotada por juízes árbitros, isto acontecia naquelas localidades
onde não havia tribunal, e como não havia tribunal e as partes tinham a necessidade de resolver
os seus diferendos, escolhiam uma ou mais, sempre em numero impar, uma terceira pessoa e
essa terceira pessoa é o arbitro, ou seja, ela ia decidir, julgar o processo, pôr fim ao conflito entre
as partes

As sentenças dos alvidros acabam por constituir um precedente de decisões jurídicas que
podiam ser seguidas e entendidas em processos judiciais subsequentes, portanto há aqui uma
forma de utilizar as decisões dos juízes alvidros para integrar um direito e muitas vezes até para
integrar as lacunas do direito. Das decisões dos juízes alvidros, no caso português, recorria-se
para o sobrejuiz, e o sobrejuiz era um juiz nomeado pelo rei com a função de análise, de revisão
da decisão de uma sentença em sede de recurso

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Direito Prudencial
No quadro das fontes relativas à primeira época da história do direito português, o direito
prudencial oferece interesse muito particular, já que representa, com o costume, um setor do
ordenamento jurídico que se situa originalmente fora de esfera de ação criativa do poder.
Enquanto o costume, porem, tende a ser dominado pelo príncipe, que limita o seu valor à
conformidade ou à receção pelas normas emanadas do poder, de si mesmo, o direito prudencial
resiste-lhe, por vezes de modo eficaz. Chega mesmo a sobrepor-se ao espírito e letra da lei
mediante quer uma clara função criadora de normas jurídicas, quer um papel interpretativo e
integrador da lei, que termina sendo ele também genesíaco, ou que pode ultrapassar
consequentemente o dado legal pela capacidade de invenção do prudente

O Direito Prudencial é fundamentalmente um direito criado nas universidades, portanto um


direito universitário, de docentes académicos. Embora não tenha surgido com o poder político,
ajudou a consolidá-lo. Foi aceite porque ajudou a consolidar o poder político e porque foi
produzido pelos prudentes, aos quais eram reconhecidas muitas qualidades. Trata-se da ordem
normativa criada pelos prudentes, ou seja, pelos que conhecem o direito, o justo e o injusto, por
aqueles cuja autoridade (auctoritas) lhes permita declarar a verdade jurídica nos casos
concretos

O prudente é aquele que conhece o direito, que tem a capacidade de distinguir, em cada
momento, o justo do injusto, o devido do indevido. O prudente é aquele que tem auctoritas, um
saber socialmente reconhecido, e inventio, a capacidade de criar, de descobrir novas soluções
para os casos em análise. Assim, os juristas declaravam a verdade jurídica através da sua opinião
justa e equitativa e resolviam casos da vida

Era preciso colmatar as lacunas de um ordenamento jurídico escasso. Mais do que isso, ainda.
Era indispensável construir um sistema jurídico que respondesse ductilmente às exigências de
uma sociedade em desenvolvimento, politico, social e económico. Por isso, um
ordenamento jurídico cada vez mais trabalhado e elaborado, dotado de capacidade de resposta.
Foi sobre o velho direito romano que os juristas medievais se desincumbiram do pesado encargo
que sobre eles impendeu, que resolveram o problema que foram chamados a solucionar

Juan A. Alejandre García: ao ser o direito romano o único oficial, teoricamente produz-se um
afastamento ou aniquilamento dos direitos particulares ou indígenas ainda em vigor. Se bem se
possa adiantar que a resistência que estes opõem à sua desaparição, unida à impossibilidade
prática de uma total difusão e aplicação do direito de Roma, amplo, complexo, em grande
medida abstrato e não em consonância com certos níveis de cultura, daria lugar a outras
soluções, entre as quais se inscreve a aparição e desenvolvimento do chamado direito romano
vulgar

A partir do século XII temos o renascimento do direito romano, na sua vertente justinianeia. Isto
não significa que o direito romano não era aplicado, o direito romano era aplicado enquanto
direito romano vulgar, que no caso da Península Ibérica temos os exemplos dos códigos
visigóticos

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Temos, assim, que o processo evolutivo da penetração do direito romano nesta primeira fase
apresenta duas etapas. Uma de romanismo direto e outra de romanismo vulgar, produto esta
da criação popular e prática, oriunda das instituições pré-romanas latentes, mas, sobretudo, dos
elementos da estirpe germânica que constantemente se vao infiltrando em Roma, empapando
pouco a pouco as suas instituições de um germanismo cada vez mais acentuado

Na parte oriental do império, mais influenciada pela cultura grega e helenística, o


desenvolvimento do direito romano processar-se-á em conformidade com altos padrões de
técnica jurídica, vindo a culminar no século VI com a obra legislativa do imperador Justiniano,
que será o cerne do que depois se denominará Corpus Iuris Civilis. Ao invés, no Ocidente,
a vulgarização vai sempre aumentando até que a queda de Roma em 476
lhe outorga direção definitiva

O Corpus Iuris Civilis de Justiniano era constituído pelo:

• Codex

Coleção de leis dividida por 12 livros, promulgada em 529 e, depois emanada em 534

• Digesto

Promulgado em 533, constituído por iura ou doutrina dos jurisconsultos e repartido por
50 livros

• Instituições

Manual escolar para aprendizagem do direito a que foi atribuída força legal em 533

• Novelas

Conjunto de constituições posteriores de Justiniano, a que vieram juntar-se leis de


outros imperadores

É nesta conjuntura que precisamente em Itália se redescobre o direito justinianeu e que sobre
eles os juristas medievais erguerão um vasto labor exegético de adaptação e criação, com vista
a ministrarem à sociedade do tempo os instrumentos jurídicos adequados

Na Idade Média, os jurisprudentes quando descobriram o Digesto dividiram-no de outra forma:

• Digesto Velho

Abrange os livros 1 a 24

• Digesto Novo

Abrange os livros 39 a 50

• Digesto Esforçado

Abrange os Livros 25-38

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Os livros do Codex, também foram divididos pelos prudentes em duas partes:

• Codex

Abrange os livros 1 a 9

• Volumen Parvum

Abrange os livros 10 a 12 do Codex mais a Institutas, as Novelas e o Livro dos Feudos

É costume apresentar a jurisprudência medieval como duas escolas sucessivas, a dos glosadores
e a dos comentadores. A escola dos glosadores ter-se-ia iniciado com Irnério, nos princípios do
século XII e terminando com Acúrsio, cuja obra máxima, a Magna Glosa, elaborada entre 1220
e 1234, se poderia tomar como respetivo termo. A escola dos Comentadores cujos inícios se
radicariam nas obras de Jacques de Révigny e de Pierre de Bélaperche, haveria atingido o seu
apogeu nos séculos XIV, entrando em declínio com a crítica dos humanistas, nos séculos XV e
XVI

Escola dos Glosadores


A escola dos glosadores, segundo a tradição, revê como fundador Irnério embora alguns textos
nos façam admitir a existência de precursores, nomeadamente de um semidesconhecido Pepo,
cuja importância real as fontes não deixam estabelecer. Assim Irnério vai encabeçar a Escola dos
Glosadores que é uma escola medieval metodológica, que vai ser caracterizada por um método
especifico, um método de analise e interpretação do direito diferente, e utiliza como género
especifico e metodológico de apreciação do direito a glosa

É a primeira escola que começou a estudar novamente o direito romano nas universidades. Foi
fundada em Bolonha, por Irnério, nos fins do séc. XI ou inícios do séc. XII, e convoca um conjunto
de grandes nomes, dos quais se destaca Acúrcio, considerado o maior glosador desta escola.
Entende-se que esta escola finalizou com a morte de Acúrsio, cuja obra máxima, a Magna Glosa,
se poderia tomar como respetivo termo

Os glosadores liam os textos de direito romano e, como estes tinham uma linguagem muito
técnica, na tentativa de os perceber. O objetivo da glosa e dos glosadores é conhecer e perceber
o significado do texto romano. Com toda a certeza que o latim evolui e é preciso perceber o seu
sentido, com toda a certeza que as situações relatavas no digesto e no códex mudaram, é preciso
perceber se aquilo que os jurisprudentes romanos referiam como soluções para casos
específicos de Roma podem ser aplicados a casos da época de Irnério no século XII, portanto o
objeto de Irnério e dos seus sucessores é olhar para o direito romano, perceber o seu conteúdo,
perceber que soluções se encontram no direito romano que podem ser aplicadas diretamente
ou adaptadas à realidade do tempo em que vivem

Entre os vários discípulos de Irnério, destaca-se Acúrcio. Acúrsio realizou vários trabalhos
menores e foi também autor de uma das obras capitais da história da jurisprudência, a Magna
Glosa, elaborada entre 1220 e 1234, sendo composta por mais de 96 mil glosas. No fundo, ele
recolheu todas as glosas que os seus juristas antecessores efetuaram ao estudarem o Corpus
Iuris Civilis e compilou-as todas numa única obra, incluindo também algumas glosas da sua
autoria e alguns textos antagónicos.

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Escola dos Pós-Acúrsianos


Esta escola surgiu no do fim séc. XII, limitando-se a fazer um trabalho de compilação e
sistematização das glosas. Só alguns autores é que dão importância a esta escola, defendendo
que a mesma surgiu na sequência de uma obra superior, nomeadamente a Magna Glosa, escrita
por Acúrsio, um grande glosador que marcou uma tendência evolutiva no que concerne ao
tratamento dos textos

Escola dos Comentadores


A escola dos comentadores terá tido como figuras iniciais as dos doutores franceses Jacques
de Révigny e Pierre de Belleperche, ambos creditados pela larga e sistemática apropriação dos
métodos dialéticos cultivados pelos teólogos escolásticos. Os principais nomes desta escola
foram Cino de Pistóia e Bártolo, o maior dos juristas medievais e o seu discípulo Baldo

Esta escola beneficiou do trabalho dos glosadores e criou o Direito Nacional, isto é, o trabalho
dos comentadores foi o de porem em prática os textos justinianeus, partindo já do trabalho de
esclarecimento dos glosadores, adaptando as normas justinianeias à realidade dos séculos XIII e
XIV. Os comentadores partiam, assim, de um texto de direito romano, muitas vezes já
trabalhado pelos glosadores, e desenvolviam um tema de forma discursiva, destacando-se, por
vezes, do texto de origem, ultrapassando assim a mera interpretação do texto

A grande maioria dos juristas referidos é composta por professores. O fenómeno do


renascimento do direito romano constitui, de um ponto de vista dos agentes da sua elaboração,
processo essencialmente universitário. Bolonha, onde havia já Irnério uma escola de
notariado, converteu-se por ação deste e dos seus sucessores imediatos, no principal palco. Os
estudantes e professores transitavam, aliás, de umas para outras, ao sabor de conveniências
pessoais, de acontecimentos de política externa dos respetivos estados, de questões internas
das diferentes cidades e, por vezes, por conflitos académicos. Possibilita este universalismo, que
foi, aliás, fator decisivo da expansão do direito romano e, consequentemente, da unidade
cultural da Europa, o facto de o ensino ser feito numa língua cultivada em comum, o latim

Géneros Literários
Glosa
Explicitação ou explanação de uma palavras, frase ou uma parte de um texto romano com o
objetivo de retirar o seu sentido jurídico

As Glosas podem ser:

• Interlineares

Quando são feitas entre as linhas

• Marginais

Quando são feitas à margem do livro

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Quaestio
Método dialogado ou disputado, que corresponde à aplicação do princípio da contradictio como
forma de apurar a verdade e de resolver situações da vida reais ou ficcionadas. É um elemento
de atualização do direito, visto conduzir a um adequamento da norma às situações da vida da
época.

Quaestio Facti
Reporta-se a uma questão de facto. Está em causa a existência de um evento, portanto, tinha
que se provar

Quaestio Iuris
Reporta-se a uma questão de interpretação do direito. Implicam uma verdadeira disputa
intelectual solúvel com o recurso a leges, rationes e auctoritates

No caso de uma Quaestio Disputata o mestre enunciava o problema jurídico em causa


(Quaestio Stricto Sensu) e comunicava-o com antecedência aos estudantes, um deles deveria
fazer de Actor outro de Reus. No dia marcado cada um dos contendores enunciava os seus
argumentos, em regra invocando textos favoráveis à tese fossem eles de lei ou baseados na
autoridade dos doutores e sugeridos frequentemente pelo próprio mestre. Este, que presidia
ao debate, decidia a questão, determinando qual da serie de argumentos pro e contra deveria
ser acolhida, a sua sentença chamava-se , por isso, Determinatio

A universidade medieval conheceu a disputa Quodlibetica na qual


era formulável qualquer Quaestio dirigida ao mestre e por qualquer assistente, aluno ou rival
que fosse. Por isso, se na idade média a Quaestio representou o torneio dos intelectuais, como
se disse, neste caso o campeão estava exposto aos mais sérios riscos, defrontando adversários
desconhecidos e sujeitando-se às mais inesperadas perguntas, muitas vezes capciosa e feitas
com o intuito de denegrir, por rivais mais ou menos declarados

A doutrina distingue nas Quaestiones dois tipos de diálogo:

• Catequístico

Entre mestre e aluno

• Controversístico

Forma de discussão entre pares

O reconhecimento do valor científico e pedagógico da Quaestio Disputata levou ao


registo, inicialmente em forma de simples apontamentos do tema, dos argumentos pro e contra
e da Determinatio feito por um Raportator. Muitas vezes o Raportator completava esse seu
trabalho com a adição de novos argumentos por si excogitados, de criticas a uma ou às duas
posições assumidas, frequentemente juntando um Exordium ou um Titulus. Estamos perante a
chamada Quaestio Raportata

O esquema formal da Quaestio pode enunciar-se da seguinte maneira:

1. Enunciação dos factos em causa


2. Quaestio Stricto Sensu
3. Argumentos, da parte negativa e da parte afirmativa
4. Resolução

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Consilia
Equivalem aos modernos pareceres. O jurisconsulto pronuncia-se neles sobre uma consulta que
lhe é feita, muitas vezes por escrito e que funciona como Quaestio

O facto de os Consilium se destinar a solucionar um caso prático e, portanto, a repercutir-se em


interesses reais, implicava a necessidade de garantir a sua idoneidade material e formal. Daqui
serem os Consilia, por vezes, jurados e normalmente escritos sob a invocação do nome de Deus
e da Virgem. Merece a pena frisar ainda, que, destinando-se normalmente o parecer a
determinar uma convicção num jurisdicente, a sua eficácia dependia, como é obvio,
da auctoritas do respetivo subscritor. Nas suas diferentes expressões,
os Consilia foram cultivados quer pelos glosadores, quer pelos juristas posteriores, tendo
alcançado um superior desenvolvimento com os comentadores

Commentarius
Longas dissertações organizadas segundos regras da lógicas escolástica em torno de um tema,
com despreendimento da ordem justinianeia e de forma a poder mesclar com os preceitos
romanos os dos diferentes Iura Propria dos estados italianos, do direito feudal e do direito
canónico

Lombardi vê em tais obras trabalhos elaborados com o intento de estabelecer


uma visão sintética de um instituto, pela consideração exaustiva de todos os seus aspetos, feita
sobre uma base lógica e não exegética, separando-os da glosa por corresponderem a uma forma
especifica de ensino

Lectura
Corresponde ao que hoje é uma lição universitária

O esquema formal da Lectura tinha que obedecer a um esquema:

1. Ilustração sumária do título em que se inscreviam as leges ou os iura objeto de


exposição
2. Resumo do conteúdo de cada lei ou passo do título
3. Leitura do texto, intercalado das necessárias explicações
4. Confronto com os passos paralelos e com os contrários com vista à superação das
contradições, mediante a Soluctio ou Distinctio
5. Formulação de conceitos jurídicos contidos no texto
6. Elaboração de Distinctiones
7. Discussão das Quaestiones relativas aos textos já lidos e comentados

O comum cultivo dos diferentes tipos de literatura jurídica pelas escolas jurisprudenciais e as
correlações entre elas existentes consentem pôr em causa a visão tradicionalmente adoptada a
respeito destas. De acordo com ela, os glosadores caracterizar-se-iam por uma atividade
interpretativa meramente literal, de índole gramatical, e por um progressivo afastamento dos
textos legislativos, recobrindo-os de glosas, por sua vez tornadas objeto de estudo e de outras
sucessivas. Aos comentadores se atribuiu a ultrapassagem da littera da lei e a consideração do
sensus respetivo. A eles se lhes reconhece, igualmente, uma liberdade perante o texto
legislativo, ditada pelo sentido prático, suscetível de o adaptar às circunstâncias da época e
francamente inovador.

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Na cultura medieval admitiu-se generalizadamente a possibilidade de um texto apresentar


quatro sentidos: o literal, ou seja, o histórico-positivo; o moral ou tropológico, isto é, o relativo
à sua consideração ética, e, portanto, às implicações pragmáticas; o alegórico, respeitante ao
significado oculto, resultante de cada objeto constituir um símbolo ou signo da realidade
transcendente; o anagógico, reportado à projeção na futura vida além-terrena, em função da
qual tudo tem de ser entendido

Ruy e Martim de Albuquerque: o fator verdadeiramente distintivo entre a escola da glosa e a


dos comentadores reside na valoração dos iura própria

Enquanto os glosadores visavam, em consequência das premissas adotadas, uma construção


consagrante do ius commune como direito por antonomásia, as escolas subsequentes,
sobretudo os comentadores, sem teoricamente renunciarem a essa conceção, privilegiaram a
mútua integração entre ele e os iura propria.

Ars Inveniendi
O jurista medieval aproximou-se da lei com o intuito essencial de determinar os preceitos não
pela consideração da globalidade do ordenamento jurídico, através do qual e mediante
processos de dedução lógica e pressupostos de coerência, correlativos à ideia de sistema, se
chegaria à delimitação dos diferentes comandos - cuja enunciação constituiria apenas uma
expressão particularizante do conjunto total, mas vendo nestes algo de imediato, dotado de
individualidade, a apreender em si mesmo.

Elementos da Ars Inveniendi:

• Leges

A ciência jurídica medieval é uma ciência de textos. A ideia de fonte formal apresenta-
se em si mesma elucidativa. O preceito encontra a sua expressão num texto, ou seja,
tem uma forma escrita, o que tanto vale dizer: só se pode apreender o respetivo
significado mediante os significantes. Estes obedecem, nomeadamente, às regras da
gramática, a ars pela qual o espírito se exprime.

• Rationes

Lombardi: rationes são os argumentos de equidade, de direito natural, de oportunidade e de


lógica que não encontram o seu apoio num texto de lei humana e divina. As rationes,
frequentemente inerentes à argumentação espontânea dos juristas, formam a matéria da tópica
ou ars inveniendi que é a parte mais conspícua dos tratados tardios de dialética legal

• Auctoritates

A aceitação como premissas de asserções que em si mesmas não consentem a


demonstração da respetiva verdade ou falsidade e cuja legitimidade provém
unicamente da sua probabilidade, coloca o problema de qual o critério para julgar a
credibilidade por elas merecida.

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Atentas estas considerações, compreender-se-á a natureza revestida pelo direito romano


durante o período agora em causa e como ele constituiu um módulo da ciência do direito
(scientia iuris), através da interpretação dos prudentes (interpretatio prudentium) e não do
poder da lei (potestas legislativa).

É por influência dos doutores que o direito romano justinianeu será reelaborado em termos de
adequação às necessidades medievais, de tal modo que adquire novo sentido. Os juristas
manejá-lo-ão em concomitância com o direito canónico e com os direitos locais - iura propria -
para obterem um ordenamento eficaz em termos de realidade. Estabelecem, com base no
direito romano, uma interpenetração de ordenamentos jurídicos de que sairá esse quase que
terceiro género que e o ius commune.

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Ordenações Afonsinas
Existiram no reinado de D. Afonso V, em julho de 1446, e vão entrar em vigor em janeiro de
1447. É uma compilação de leis que vai ser elaborada ao longo de três reinados, inicia-se a sua
elaboração no reinado de D. João I, passa pelo reinado de D. Duarte e termina no reinado de
Afonso V. Ainda na menoridade das suas funções, Afonso V aprova a lei, mas quem a aprova na
realidade era o regente do rei, o seu tio D. Pedro, Duque de Coimbra.

D. João I inicia o processo de elaboração e manda que um dos juristas da sua corte fizesse esse
trabalho, inicia-se pelo corregedor da corte, João Mendes, que irá iniciar esse processo. João
Mendes morre, e continua este trabalho o outro jurista, Rui Fernandes, que vai terminar a
elaboração das Ordenações já no reinado de Afonso V

A diferença entre o trabalho de João Mendes e Rui Fernandes consiste em que João Mendes
terá compilado o Primeiro Livro das Ordenações, enquanto Rui Fernandes os 4 livros seguintes,
todas as ordenações têm 5 volumes. O Primeiro Livro tem uma grande influencia do Direito
Romano e apresenta um estilo decretório, no sentido de que os artigos são redigidos de forma
imperativa, há um cuidado na redação da lei, percebe-se que a lei está a ser redigida para ser
mandada aplicar enquanto que os outros livros têm um estilo compilatório curto, ou seja, Rui
Fernandes organizou as leis existentes por matérias e por datas e publica-as assim, portanto a
diferença é que João Mendes utiliza um estilo decretório e jurídico, demonstrando uma
centralização do poder e a importância atribuída à lei enquanto Rui Fernandes utiliza um estilo
meramente compilatório

As ordenações estão divididas em 5 livros e cada livro tem as seguintes matérias:

• Livro I

Cargos Públicos

• Livro II

Poderes e deveres da igreja e do clero, direitos do rei, fisco, donatarias, nobreza,


judeus e mouros

• Livro III

Processo Civil

• Livro IV

Direito Civil

• Livro V (também conhecido como livro escrito a sangue)

Direito Penal

Todas as outras Ordenações, Manuelinas e filipinas, vão seguir a mesma estrutura das
Ordenações Afonsinas, a ordem dos livros é sempre a mesma com apenas uma exceção, nas
Ordenações Manuelinas, no livro II já não existe a matéria relativa aos judeus e aos mouros,
estas aparecem apenas nas Ordenações Afonsinas, pois dois motivos, deixou de haver judeus
em Portugal uma vez que foram expulsos e os que não saíram converteram-se ao Cristianismo,
e o numero de mouros a habitar em Portugal no inicio do século XVI é muito reduzido

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As Ordenações Afonsinas foram elaboradas num período em que não havia imprensa, elas são
manuscritas, e após a sua publicação em 1446 foram sendo extraídas cópias que foram sendo
enviadas para as principais comarcas do país, foi entregue uma cópia à Casa da Suplicação, D.
João I cria assim o Supremo Tribunal do Reino, até ele, o supremo tribunal era própria corte

As Ordenações Afonsinas não tiveram uma grande expressividade em termos de aplicação. Os


vários autores que se têm dedicado a esta matéria têm apontado vários motivos para tal. Há
quem entenda que podia ser derivado a muitos dos juízes continuarem a serem homens bons,
e, portanto, haver aqui uma dificuldade na leitura da própria lei, há quem diga que é o facto da
sua reprodução ser difícil, não era fácil copiar os 5 volumes manuscritos e não haveria tantos
exemplares quanto isso e ainda há um argumento político, que é o facto das Ordenações
Afonsinas terem sido mandadas aprovar na regência do Infante D. Pedro

Professores Albuquerques: as ordenações afonsinas ocupam na galeria das fontes do direito


português um lugar importantíssimo não tanto pela sua vigência efetiva como pelo intuito a que
obedeceram e pelo significado que revestiu a tentativa de reduzir o direito pátrio a um corpo
devidamente sistematizado e ordenado. Aí reside, em verdade, parte do seu grande valor,
apesar dos defeitos de estrutura e da simplicidade do método compilatório que consistiu em
reunir e transcrever normas anteriores

As Ordenações Afonsinas inspiram-se numa obra, o Livro de Leis e Posturas, que era um livro de
circulação no inicio do século XV, no reinado de D. Fernando, e era uma compilação cronológica
de todas as leis portugueses desde D. Afonso Henriques. No reinado de D. Duarte, sabemos que
os juristas da Casa da Suplicação elaboraram uma pequena compilações de leis, que se
chamaram Ordenações de D. Duarte, e este livro também inspirou as Ordenações Afonsinas.
Para além disso, as Ordenações Afonsinas vão também inspirar-se nas Siete Partidas, existem
normas que são diretamente das Siete Partidas. São inspiradas também pelo Direito Romano,
seja através da escola dos glosadores, pela glosa de Acúrsio seja pela opinião de Bártolo

As Ordenações vão apresentar um artigo, o primeiro artigo, onde de uma forma clara e explicita
se apresentam as fontes de direito em Portugal. Vão tratar desta matéria no Livro II Título IX,
com a epígrafe "Quando uma lei contradiz a decretal qual delas se deve guardar?". Neste
sentido, lei não significa lei do reino, significa Direito Romano, e Decretal significa Direito
Canónico. Esta questão vai ser resolvida pelo legislador e é nesta questão que vai surgir o Critério
do Pecado. Estamos perante um artigo que tem como destinatário o juiz, o artigo está mal
colocado, deveria estar no processo civil, mas não está, uma vez que ele é pensado sobre o
ponto de vista do privilégio da igreja. A norma tem como destinatário o juiz do Tribunal Cível,
porque a questão coloca-se entre o direito romano e canónico. Não obstante não ser uma norma
para construção das fontes de direito, apresenta as Fontes de Direito Portuguesas, e apresenta-
as dividindo em fontes principais e fontes subsidiárias:

• Fontes Principais

Lei do Reino, Estilo da Corte e Costume Antigo

• Fontes Subsidiárias

Direito Romano (Leis Imperiais), Direito Canónico (Santos Cânones), Glosa de Acúrsio,
Opinião de Bártolo e Resolução Régia

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António Gonçalves Saúde
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Critério do Pecado:
Mecanismo criado pelo legislador para determinar se o direito a aplicar a um causa cível pelo
juiz cível, se deve aplicar o Direito Romano ou o Direito Canónico. Se a solução do caso, por
aplicação do Direito Romano, der origem a um pecado, então o juiz não deve aplicar o Direito
Romano e deve aplicar o Direito Canónico

Professores Albuquerques: na falta de Direito Romano para resolver o caso, mas havendo o
Direito Canónico para o fazer, deve-se aplicar o Direito Canónico, porque o direito romano e o
direito canónico funcionavam como Utrunque Ius medieval, assim, ao constituírem o tronco
comum, eles são subsidiários um do outro, e sendo subsidiários um do outro a falta de Direito
Romano leva ao Direito Canónico se este tiver solução para o caso

Professor Duarte Nogueira: não se deve aplicar o Direito Canónico, mas sim que o legislador
quer aplicar a Glosa de Acúrsio e a Opinião de Bártolo, porque são comentários e opiniões ao
Direito Romano, e apesar de não haver uma decisão direta no Direito Romano Justinianeu, há,
no entanto, os glosadores e comentadores desse mesmo direito romano, apresentam solução
para o caso

Legislador Afonsino: na dúvida venha o Rei e o Rei resolve por Resolução Régia

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António Gonçalves Saúde
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Ordenações Manuelinas
No final do século XV, as Ordenações Afonsinas vão ser revistas, os homens bons dos conselhos
pedem algumas alterações às mesmas e D. Manuel acaba por aceder aos objetivos da casa da
suplicação como também as cortes e inicia o processo de revisão das Ordenações Afonsinas em
1498. Esta revisão, por carta régia de 1506, vai ser entregue a 3 juristas, sendo eles Rui Boto,
chanceler-mor do reino, Rui Aguiar da Grã, desembargador do paço e a João Cotrim, corregedor
do cível. O trabalho desta comissão é retirar das Ordenações Afonsinas tudo aquilo que estaria
revogado e reorganizar os livros, nomeadamente atender ao facto de já não haver judeus e
mouros em Portugal

Em 1512-1513 são publicados os 5 livros, não sendo publicados pela ordem normal, em 30 de
março de 1512 é publicado o Livro V, depois a 29 de Junho o de 1512 o Livro IV, a 30 de agosto
de 1512 o Livro III, a 17 de dezembro de 1512 o Livro I e a 19 de novembro de 1513 o Livro II,
este ultimo demorou um ano porque houve grandes questões relativas ao estatutos dos juízes.
Esta edição vai ser substituída pela edição de 1514 que vai ser impressa na tipografia de João
Pedro Bonhimi, que era um impressor régio que sucedeu a Valentim Fernandes, esta edição vai
ter a ordem: 11 de março o Livro III, 24 de março o Livro IV, 28 de junho o Livro V, 30 de outubro
o Livro I e 15 de dezembro o Livro II, esta edição vai ser posteriormente revista porque vão ser
publicadas novas leis relativas a pesos e medidas o que faz com que seja publicada uma nova
edição em 1521, em termos de estrutura elas seguem a mesma estrutura das afonsinas

Professores Albuquerques: sobre o mérito da compilação há quem entenda que, não se


tratando já de uma mera recolhe de leis transcritas ipsis verbis, segundo certa ordem, mas de
uma compilação onde as leis rugem como determinações novas, ainda quando, na verdade
proviessem de reinados anteriores, se está perante um código. Obviamente, tal asserção não
pode ser tomada em termo absolutos, dependendo do conceito de código. De qualquer forma,
e precisamente por isso, as ordenações manuelinas representam um progresso do angulo da
técnica jurídica, um passo em frente, mas perdem interesse como fonte histórica do
ordenamento jurídico precedente

As Ordenações Manuelinas vão manter a estrutura das fontes de direito no Livro II, na parte
relativa aos privilégios da igreja. Mas fontes de direito vão variar da edição de 1512-1513 para
a edição de 1521, vai mudar a epígrafe, o que significa uma nova forma de olhar para as fontes
de direito. Na edição de 1512-1513 a epigrafe do Título III do Livro II é igual à das afonsinas
("Quando uma lei contradiz a decretal qual delas se deve guardar?"), ou seja, continua-se a olhar
para as fontes de direito daquela discussão entre a aplicação do Direito Romano e a aplicação
do Direito Canónico, este mesmo texto mantém também uma redação semelhante à das
Ordenações Afonsinas e mantém também a mesma técnica de exemplificação. A edição de 1521
altera o título, passando para o Título V, e muda e epígrafe para "Como se julgarão os casos que
não forem determinados por nossas Ordenações?", assim já não é um privilégio da igreja apesar
de estar nos privilégios da igreja, já não está subjacente o Critério do Pecado, mas agora sim
estamos perante um conceção por parte dos juristas compiladores de que esta norma é relativa
às fontes subsidiárias:

• Fontes Principais:

Lei do Reino, Estilo da Corte e Costume Antigo

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• Fontes Subsidiárias:

Direito Romano (em todas as questões temporais com exceção do pecado), Direito
Canónico(para questões temporais e espirituais em que a aplicação do direito romano
deu origem a pecado), Glosa de Acúrsio (quando não for reprovada pela opinião comum
dos doutores), Opinião de Bártolo (mesmo que a opinião comum dos doutores
anteriores a ele seja contrária mas já não se aplica se os doutores posteriores a ele o
contraditarem), resolução régia e, implicitamente, a opinião comum dos doutores
(apesar de não ser uma fonte expressa subsidiária surge como uma fonte implícita)

As Ordenações Manuelinas vão vigorar até às Ordenações Filipinas, há depois uma nova edição
de 1539 que contem alguma variante da edição de 1521, mas sem grandes alterações.

Coleção de Leis Extravagantes de Duarte Nunes de Leão


Uma dinâmica legislativa acelerada, característica da época, teve como efeito que, a breve
trecho, as Ordenações Manuelinas se vissem rodeadas por inúmeros diplomas avulsos. Estes
não só revogavam, alteravam ou esclareciam muitos dos seus preceitos, mas também
dispunham sobre matérias inovadoras. Acrescia a multiplicidade de interpretações vinculativas
dos assentos da Casa da Suplicação. Tornava-se imperiosa a elaboração, pelo menos, de uma
coletânea que constituísse um complemento sistematizado das Ordenações, permitindo a
certeza e a segurança do direito

Coube a iniciativa ao Cardeal D. Henrique, regente na menoridade de D. Sebastião, que


encarregou o licenciado Duarte Nunes de Leão de organizar um repositório do direito
extravagante, ou seja, que vigorava fora das Ordenações Manuelinas. A coletânea compôs-se de
6 partes, que disciplinam sucessivamente: os ofícios e os oficiais régios; as jurisdições e os
privilégios; as causas, incluindo-se trechos de uma lei importante de D. João III sobre os trâmites
dos processos nos tribunais; os delitos; a fazenda real; matérias diversas. Cada uma das partes
compreende vários títulos, cujos preceitos se designam leis, ainda que extraídos de fontes de
natureza diferente

A edição prínceps de 1569 constitui a única realizada durante a vigencia da Coleção de Leis
Extravagantes de Duarte Nunes de Leão. Apenas conheceria uma segunda edição setecentista,
por iniciativa da Universidade de Coimbra, com escopo histórico

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Ordenações Filipinas
Surgem ao longo do século XVI, várias transformações legislativas em Portugal, é criada a relação
do Porto, é feita uma reforma na justiça, há publicação de muita publicação avulsa, o que leva a
que Filipe I mande rever as Ordenações Manuelinas para incluir nela a nova legislação, a meio
do século XVI vamos ter a elaboração por parte de um dos compiladores das Filipinas, Duarte
Nunes de Leão, que vai elaborar uma compilação de extravagantes, as Extravagantes de Duarte
Nunes de Leão. Todas essas extravagantes, mais a reforma da justiça e a criação da relação do
Porto levaram o rei Filipe I mandar rever as Ordenações Manuelinas

Filipe I encarrega a revisão das Ordenações Manuelinas a 3 juristas, Jorge de Cabedo, Afonso
Vaz Tenreiro e Duarte Nunes de Leão. Esta comissão termina a revisão em 1595, mas só em
1603, já no reinado de D. Filipe II, é publicada as novas ordenações. As Ordenações Filipinas vão
então ser aplicadas em 1603, após a restauração da independência com D. João IV elas vão ser
confirmadas em 1643 e vão vigorar até ao final do século XIX, elas vão sendo revogadas de forma
paulatina e a ultima revogação é feita em 1867 com a aplicação do Código de Seabra em
Portugal, no Brasil vigoraram até à publicação do primeiro Código Civil Brasileiro no inicio do
século XX

As Ordenações Filipinas vão ter a mesma organização das Manuelinas e em relação às fontes de
direito à uma novidade, a matéria das fontes de direito vai sair do Livro II e vai passar para o
Livro III no Título 64. O texto das Ordenações Filipinas é igual ao das Manuelinas da versão de
1521, a epígrafe é a mesma ("Como se julgarão os casos que não forem determinados por nossas
Ordenações?") e é a mesma estrutura de texto mantendo-se a opinião comum dos doutores
como fonte implícita sendo que esta vai ser a estrutura de fontes de direito até á Lei da Boa
Razão

• Fontes Principais:

Lei do Reino, Estilo da Corte e Costume Antigo

• Fontes Subsidiárias:

Direito Romano (em todas as questões temporais com exceção do pecado), Direito
Canónico(para questões temporais e espirituais em que a aplicação do direito romano
deu origem a pecado), Glosa de Acúrsio (quando não for reprovada pela opinião comum
dos doutores), Opinião de Bártolo (mesmo que a opinião comum dos doutores
anteriores a ele seja contrária mas já não se aplica se os doutores posteriores a ele o
contraditarem), resolução régia e, implicitamente, a opinião comum dos doutores
(apesar de não ser uma fonte expressa subsidiária surge como uma fonte implícita)

A ausência de originalidade da obra, que se limitou a rever o direito vigente, em muitos casos
aditando preceitos novos aos antigos, sem ter em atenção a atenção a existência de normas
revogadas ou caídas em desuso, e a existência de gralhas e defeitos formais foram designadas
por "filipismos"

Professores Albuquerques: as ordenações filipinas que se apresentam assim e genericamente


cópia atualizada e retocada, nem sempre resultavam felizes, visto o trabalho dos compiladores
haver sido, por vezes, pouco claro e não raro isento de contradições

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Humanismo Jurídico
Humanismo jurídico, ou Mos Gallicus, Escola Elegante, Escola Culta, Escola Alciateia ou também
Escola Cujaciana, é a corrente renascentista de estudo do direito e como nas restantes áreas do
conhecimento o humanismo jurídico vai contestar e criticar de forma acérrima o método de
estudo envelhecido da escolástica, ou seja, é grande critico da Escola dos Glosadores e dos
Comentadores, e vai defender o retorno ao estudo do direito como ele tinha sido elaborado no
tempo dos romanos, portanto, é voltar a ler e a estudar o Código Justinianeu como foi feito no
século VI, sendo que aquilo que os humanistas vão dizer é que se deve utilizar sempre que haja
possibilidade o direito criado no período clássico, o direito jurisprudencial

O Humanismo Jurídico é já uma corrente racionalista, não nos podemos esquecer que já
estamos na época em que a própria concessão do homem muda e ao mudar vamos assistir à
transição de uma fase teocêntrica, na sociedade centrada em Deus, para uma fase
antropocêntrica, centrada no Homem, e portanto o homem está no centro do conhecimento
humano, e o conhecimento é adquirido pela razão humana, se a razão está ao serviço do
conhecimento então o Homem racional é um Homem livre para pensar, criar e interpretar o
Direito

Um humanista jurídico vai contrapor à autoridade da opinião a liberdade da interpretação. Vai


contestar o direito pensado e aplicado através da autoridade da opinião comum, ou seja, não se
aplica o direito porque alguém assim o entende, mas o direito é aplicado porque o jurista, ao ler
o texto, entende que aquela norma tem que ser aplicada àquele caso concreto, e, portanto, é
contrapor a liberdade opinativa à autoridade obscura da opinião

Esta corrente também foi ajudada pela reforma protestante, que vai permitir a divulgação e o
desenvolvimento destas teses, nomeadamente na região da Alemanha e nos países do norte da
Europa, porque a critica à idade média é a critica também à igreja da Roma, e essa critica vai
ficar também centrada, uma vez que a igreja de Roma vai continuar a defender o ensino com
base no pensamento medieval, enquanto que os países que vão adotar as reformas protestantes
vão defender, vão aproveitar o humanismo jurídico e contrapor à imposição escolástica a
liberdade interpretativa do Homem

Portugal tem aqui uma situação sui generis, em primeiro lugar vamos encontrar juristas
portugueses a aprender e a estudar em Paris, Paris é o grande centro do movimento humanista
que depois se espalha para o resto da Europa do norte, e são eles Luís Teixeira, Henrique Caiado,
Martinho de Figueiredo, estes homens vão estudar e vão inscrever-se nas correntes humanistas.
Estes não tiveram muita influencia uma vez que há muito pouca influencia do humanismo em
Portugal, por 3 motivos: i) muitos deles acabam por não regressar ao país (Henrique Caiado); ii)
voltaram e tentaram impor e trazer as novas correntes humanistas, mas o panorama jurídico e
cultural português não permitiu que se manifestassem (Luís Teixeira) iii) quando voltam para
Portugal nem sequer tentam (Martinho de Figueiredo). Isto significa que em Portugal não houve
terreno fértil para o desenvolvimento das teses humanistas porque as ordenações manuelinas
impunham a glosa de Acúrsio, impunham o pensamento de Bártolo, se os humanistas criticavam
Bártolo e Acúrsio, mas a lei exigia que se aplicasse a glosa de Acúrsio e a opinião de Bártolo, e
também a contra reforma da igreja, na sequencia da reforma protestante vamos assistir à contra
reforma, pelo Consílio de Trento, e nessa sequencia é criada a Companhia de Jesus que vai
chegar a Portugal e têm a cobertura do rei D. João III que lhes vai entregar o ensino português e

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vai lhe permitir abrir uma Universidade que será a Universidade de Évora, onde se vai manter o
ensino do direito com base na tradição medieval e escolástica, vai manter a tendência bartolista

O fenómeno social e o fenómeno jurídico é apreendido pela razão humana, mas a razão humana
não é a razão de Deus, é a razão de cada Homem, são os Homens enquanto seres racionais que
na sua perceção da realidade constroem o direito, assim a construção do direito afasta-se do
divino, e este afastamento é feito por Hugo Grócio, porque é aquele que vai laicizar o direito, a
partir de Grócio o direito perde a carga divina ou teológica e passa a ser compreendido e
apreendido apenas pelo fenómeno social e jurídico. Enquanto na Europa a construção jurídica
era baseada no racionalismo jurídico, Portugal continuava a estudar e a ensinar com base nas
premissas metodológicas da escolástica

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Usus Modernus Pandectarum


Corrente racionalista de aplicação do direito romano. O Usus Modernus Pandectarum não é
apenas e só a utilização moderna e a atual das pandectas, mas do direito romano. O direito
romano deve ser utilizado e aplicado apenas naquilo que for atual, naquilo que for intemporal.
É a separação dentro do direito romano do que é obsoleto, do que é datado, do que foi criado
para o império romano e apenas faz sentido no império romano daquilo que pode ser
intemporal, que pode ser aplicado no império romano, como na idade média, como na época
moderna ou na época contemporânea. Vai exigir aos juristas que separem o direito romano
histórico daqueles institutos jurídicos que são considerados intemporais e que marcam o direito

A corrente dos Usus Modernun Pandectarum vai restringir o núcleo do direito romano aplicável,
sabendo distinguir o direito romano intemporal daquele que é datado e apenas se pode usar o
núcleo de direito romano intemporal. Vai também ter em consideração o direito pátrio e a
história do direito pátrio, como direito preferencialmente prosseguido em conjunto com a
conceção atualista do Direito Romano. São autores de referencia desta
corrente Stryk, Bohmer e Heineccius

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Lei da Boa Razão


Não é conhecida por Lei da Boa Razão desde o início, era conhecida por Lei de 18 de Agosto de
1769 e só mais tarde no século XIX é que Correia Telles a denominou como a conhecemos agora.
Lei da Boa Razão porque toda a construção da lei é feita com base no conceito de boa razão,
esta que vai pautar a aplicação das fontes de direito. Esta lei regula as fontes de direito a aplicar
pelos tribunais na resolução de litígios e rompe com a tradição jurídica presente nas Ordenações
Filipinas

Na lei da boa razão corporiza-se o iluminismo jurídico através da: i) interpretação autêntica,
guardiã da certeza do direito; ii) racionalização do direito romano, iii) laicização do sistema
normativo; iv) conciliação das leis nacionais com as correntes filosóficas; v) condicionamento do
costume

Rui Figueiredo Marcos: no auge do vigor pombalino, a Lei de 18 de Agosto de 1769 fez ruir, de
um só golpe, todo o edifico do direito subsidiário herdado do Código Filipino

Pascoal de Melo: a Lei da Boa Razão é uma lei célebre a áurea que lançou em Portugal os
fundamentos de toda a ciência legítima

A lei da boa razão é uma lei que vem revogar as ordenações filipinas no tocante ao Título 64 do
Livro III, relativo às fontes de direito, dando um novo conteúdo, uma nova organização às fontes
de direito. As fontes de direito a partir de Marquês de Pombal vão passar a ser aplicadas segundo
o critério da boa razão, aplica-se a lei porque decorre da boa razão do príncipe, aplica-se o
costume se conforme à boa razão, aplica-se os estilos se conformes aos assentes que seguem a
boa razão, a boa razão acaba por estar a definir toda a construção jurídica e as fontes de direito
aplicada em Portugal. O legislador acaba por ser a fonte da construção de todo o direito e é na
sua mão que esta também a capacidade de definir o que é melhor para o povo, e daí a boa razão
que inspira o legislador

A lei da boa razão é influenciada pelo humanismo jurídico, pelo racionalismo e ainda
pelo Usus Modernus Pandectarum. Sabe-se que foi uma lei escrita na Casa da Suplicação, por
pedido de Marquês de Pombal e vai então criar o arquétipo de fontes de direito portuguesas na
segunda metade do século XVIII

A lei da boa razão traz critérios para se aferir a boa razão e podemos dividir em 4 critérios:

• Encontramos a boa razão nos princípios e ética integrados no direito romano


• Encontramos a boa razão no direito divino e no direito natural que inspirou a ética moral
e o direito civil do cristianismo
• Aplica-se a boa razão em função das regras universais do direito da gentes

Pufendorf: o direito das gentes é a razão natural aplicada à relação entre os estados soberanos

• Afere-se a boa razão em função do que está estabelecido em matéria de leis políticas,
económicas, mercantis e marítimas pelas nações cristãs polidas e iluminadas

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Pufendorf defende que o direito das gentes e o direito natural são um meio de ligação entre
todas as nações ou estados, de todas as confissões religiosas, uma vez que todas as nações são
parte da humanidade. a partir desta conceção, e baseado num sentido de “razão do estado”,
Pufendorf propugna, como meio de harmonização de diversos interesses nacionais, a criação
de uma comunidade espiritual e jurídica dos povos da Europa

Wolff denomina esta comunidade espiritual e jurídica dos povos da Europa como uma civitas
maxima, fundada no consentimento tácito dos estados, de onde emana, também, um direito
das gentes voluntário

Wolff: o direito das gentes ou o “direito das nações” decorre do direito natural aplicado às
nações ou estados. O direito das gentes constitui a lei necessária das nações, que, ao ser lei
natural, é obrigatório. Os estados não podem fazer o que querem, mas aquilo que decorre da ei
natural

Wolff distingue o direito das gentes em quatro categorias:

• Ius Gentium Naturale Vel Necessarium


• Ius Voluntarium
• Ius Gentium Pactitium
• Ius Gentium Consuetudinarium

Fontes de Direito da Lei da Boa Razão:


• Leis Pátrias:

A lei da boa razão tem como destinatário os tribunais, e, portanto, os juízes devem
resolver os casos em primeiro ligar pela lei pátria. A lei pátria deve resolver quase tudo,
só se seve procurar as outras fontes quando a lei não resolver. A lei deve ser interpretada
de acordo com o espirito e a vontade do legislador, assim a interpretação é autentica,
competindo ao rei interpretar a rei, e quando o rei não o fizer quem deve interpretar a
lei é a Casa da Suplicação

• Estilos da Corte:

O estilo da corte sofre uma pequena limitação, aplica-se o estilo da corte desde que seja
aprovado por assento da Casa da Suplicação

• Assentos:

O assento é uma decisão do supremo tribunal superior com o objetivo de determinar o


direito aplicável a um caso concreto, mas o assento via ter um a lei da razão uma outra
função, a função de interpretar a lei, é através dos assentos que a Casa da Suplicação
interpreta a lei e determina qual a interpretação autentica da lei. Os assentos não são
uma figura nova, existem desde o século XVI, mas o assento nunca surgiu no elenco das
fontes de direito, surgem apenas pela primeira vez como fonte de direito na Lei da Boa
Razão

• Costume:

A lei da boa razão determina 3 requisitos que são cumulativos para que o costume seja
aplicado prelos tribunais:

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o O costume tem de ser conforme à boa razão


o Não pode contrariar a lei, não é admissível o costume contra legem nem
o praeter legem, só se aceita o costume secundum legem
o O costume tem de ter uma antiguidade de 100 anos, só o costume antigo é
aceite

Na falta destas fontes, aplica-se o direito subsidiário. A lei da boa razão vai definir apenas duas
fontes subsidiárias, sendo elas:

• Direito Romano aplicado ao abrigo dos Usus Modernus Pandectarum


• Lei das nações cristãs polidas e iluminadas

O direito canónico passa a ser aplicado apenas nos tribunais eclesiásticos, ou seja, deixa de ser
aplicado direito canónico nos tribunais civis, aplica-se em função da matéria e da pessoa, mas
apenas nos tribunais eclesiásticos, logo termina a situação do critério do pecado. A Glosa de
Acúrsio e a opinião de Bártolo são de proibida aplicação, porque estes dois elementos não são
de acordo com a boa razão, o critério da autoridade, a opinião comum, o aplicar-se o direito
porque alguém o pensou daquela forma não vai de acordo com a boa razão

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Estatutos Pombalinos da Universidade


Os estatutos da universidade são influenciados pelo pensamento da escola racionalista de
Pufendorf e de Wolff, afastando-se a conceção de Grócio, em especial no tocante à aceitação
de um direito das gentes consuetudinário. Não obstante esta situação, a obra de Grócio continua
a ser objeto de estudo no sistema de ensino universitário português

Grócio: o direito das gentes é um direito derivado do direito natural, comum a todas as
sociedades humanas e constituído pelas regras de justiça que devem dirigir as ações dos
homens, entendidos como seres morais e responsáveis. O direito das gentes não tem a mesma
origem nem o mesmo grau de obrigatoriedade do direito natural. O direito das gentes apenas é
obrigatório em função do consentimento das nações, enquanto o direito natural o é sempre

As alterações introduzidas pela lei da boa razão iam bater coma formação dos juristas na
universidade, porque a lei introduzia novas exigências, nomeadamente a estrita aplicação do
direito pátrio, introduzia por outro lado, a aplicação estrita do direito romano ao abrigo
dos Usus Modernus Pandectarum, e iam ditar conhecimentos de outras áreas do saber que não
estavam a ser ensinadas na universidade, o direito natural, o direito das gentes e a economia
política. Com tudo isto acrescentava-se a necessidade de conhecer o direito pátrio e a historia
do direito pátrio

A grande preocupação da universidade era ensinar o direito romano, olhar para as opiniões
comuns e a glosa de Acúrsio e, sempre que possível, adaptar as próprias realidades nacionais ao
conhecimento que advinha do direito romano e da escolástica, que estava completamente
desfasado da realidade. Este desfasamento da realidade faz com que Marquês de pombal decida
fazer um levantamento sobre o estado do ensino, e para isso vai criar a Junta de Revisão
Literária, que vai elaborar um livro, o Compêndio, que constitui um levantamento de todos os
problemas da universidade portuguesa

O Compêndio tinha o objetivo de mostrar o atraso do ensino português em todos os níveis e


atribuir um culpado a esse atraso, e o culpado eram os jesuítas, uma vez que o ensino estava
afastado das próprias ideias do racionalismo e das novas correntes que decorrem de um ensino
demonstrativo e matemático, assim, era necessário adaptar o ensino português às correntes do
racionalismo e, acima de tudo, às conceções de um ensino demonstrativo que era exigida em
universidades para lá dos Períneos

Estes compêndios devem ser breves, claros, didáticos e conter as principais doutrinas sobre as
diversas matérias, ressaltando sempre os princípios gerais de cada área jurídica

Com base no Compêndio que se vão fazer as grandes reformas no ensino no tempo de Marquês
de Pombal, começando pelo ensino básico, o ensino médio e depois vai se renovar o ensino
universitário em Coimbra, fecha-se Évora por força também da expulsão dos jesuítas e o ensino
universitário português vai basear-se apenas e só na Universidade de Coimbra

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Reforma aos Estatutos da Universidade de Coimbra


Na Universidade de Coimbra continua a ensinar-se o direito, a medicina, a filosofia, introduz-se
a experimentação com a botânica e a química e também com uma adaptação de toda a
universidade às novas exigências do ensino moderno que vinha também da ideia iluminista. Para
além de haver uma alteração arquitetónica, constrói-se a biblioteca da universidade de Coimbra,
cria-se um laboratório químico, quer em Lisboa quer em Coimbra para as ciências experimentais,
desenha-se e constrói-se um jardim botânico

Os novos estatutos da universidade de Coimbra, vão ser assinados por D. José e por Marquês de
Pombal e vão ser entregues ao reitor da Universidade, Principal Sousa, para refundar a
universidade de Coimbra, a antiga está morta, porque vão mudar as pessoas, o ensino, toda a
forma de olhar para a universidade e vão iniciar uma nova universidade que vai surgir a 1 de
janeiro de 1772.

No campo do direito existiram várias reformas:

• Método:

O método de ensino é alterado para a designação composta de método sintético


demonstrativo e compendiário, antes existia um método analítico. Método é sintético
porque o professor tem que explicar todos os conceitos básicos em síntese para que o
aluno apreenda imediatamente o sentido de casa uma das expressões ou institutos
jurídicos, tem também que o apresentar de forma demonstrada, tem que explicar a sua
realidade, tem que incluir esses conceitos na realidade da vida social para que seja
demonstrada a sua utilidade e a sua aplicação, o compendiário significa que se tem que
elaborar livros para o ensino da matéria

• Disciplinas:

Vão surgir novas disciplinas e o curso de direito vai ser restruturado em função de duas
dimensões:

o O direto romano só é aplicado ao abrigo dos Usus Modernus Pandectarum, logo


não se vai ensinar tudo aquilo que não for necessário para aplicação, assim as
disciplinas de direito romano vão ter que ser restruturadas, vão ser reduzidas,
vai ser alterado o seu conteúdo para que se ensine ao abrigo das correntes
dos Usus Modernus Pandectarum. Também, o cânone deixa de ser aplicar nos
tribunais civis, nesta sequencia há uma separação clara entre o direito canónico
e o romano, e os legistas deixam de ter a necessidade de um conhecimento mais
aprofundado de direito canónico porque não vão ter que o aplicar nos tribunais
civis
o Novas disciplinas, novas matérias a ensinar, que logo no primeiro ano o Direito
Natural e Direito das Gentes, de acordo com o espirito de Pufendorf. Cria-se a
disciplina da Economia Política. História do Direito e Direito Pátrio são duas
disciplinas relegadas para o quinto ano jurídico e têm o objetivo muito claro de
explicar a evolução do direito

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Sistema Penal
O direito penal vigente em Portugal desde a fundação da nacionalidade até 1415, é tambem
marcadamente pluralista, um pano de fundo de direito não estatal, conformado pela autotutela,
em tensão com um apolítica criminal do poder central que, socorrendo-se do direito canónico e
do direito romano justinianeu, procura gradualmente, pela via legislativa, assegurar o
monopsónio da punição ou, pelo menos, sujeitá-la a um rígido esquema de controlo. De facto,
nestes tempos conturbados pela razão da força, a justiça do rei significa, na maior parte dos
casos, a aplicação de uma sanção penal, já que nas causas cíveis continua a predominar a
arbitragem privada

Braga da Cruz: as formas de vingança privada foram como brasas debaixo das cinzas de uma
justiça publica não consolidada que os ventos da instabilidade social da Reconquista
transformaram em fogueira

Perda de Paz Relativa:


A forma mais pura de autodefesa é a vingança privada propriamente dita ou perda de paz
relativa. Esta autorização, apenas permitida para delitos mais graves, como a violação ou o
homicídio

Para que a vingança se pudesse efetivar, o ofendido teria que previamente fazer um desafio
formal perante a assembleia do concelho. Depois de desafiado, o autor do delito, gozava de uma
trégua, de um seguro, de nove dias, findo o qual se procedia à declaração solene de inimizade.
Mesmo assim o criminoso ainda podia abandonar o lugar nos oito dias seguintes, desde que
satisfizesse as obrigações económicas da inimizade, revertendo parte para o ofendido e parte
para a comunidade

A perda de paz relativa podia cessar pela composição que revestia variadas formas. O
delinquente podia, por exemplo, comprar a paz, através do pagamento do Wehrgeld. A segunda
forma é a composição corporal que funcionava nos casos em que o criminoso não tivesse bens.
Outras composições parecem ter sido admitidas como a composição por missas, por intenção
do ofendido, que o agressor mandava rezar, ou a composição por prisão, forma de cárcere
privado a que o agressor se tinha de sujeitar. Depois da composição dava-se a reconciliação
pública dos inimigos, cerimónia que, normalmente encerrava pelo osculum pacis que, assim,
simbolizava a amizade reposta

Herculano: a composição não era em bom rigor uma pena, mas um sacrifício que a lei facultava
ao criminoso para evitar a vingança do lesado, ou dos seus parentes quando este era morto

Perda de Paz Absoluta:


Bastante diversa era a chamada perda da paz absoluta que tinha como efeitos transformar o
criminoso em fora de direito, em inimigo publico, perdendo todos os direitos, toda a esfera
jurídica, já que impedia sobre todos os membros da comunidade a dever/obrigação de o
perseguir e matar, sendo-lhe tambem destruídos a casa e outros bens. Tal situação recaia
apenas sobre certos delitos de extrema gravidade em que se verificava um caso de aleivosia ou
traição. Nunca mais podia voltar à aldeia, mas havia uma exceção, no dia que fosse considerado
dia de paz na sociedade podiam voltar à aldeia como eram os dias santos, os feriados dos
municípios, dias em que eram permitidos pela morte de familiar, dias das feiras, etc. Caso

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alguém exercesse vindicta sobre elas, eram os próprios que exerciam considerados nos sistema
de perda de paz absoluta. O ofensor inicial era intocável nestes dias.

Quando a ofensa era feita ao rei ou ao poder real, caso em que o ofensor incorria em ira régia,
podendo tambem ser morto por qualquer membro da comunidade. Segundo alguns
criminalistas, deste tipo de situações de perda de paz absoluta é que teria surgido a pena de
morte, porque caso tal dever de perseguição do criminoso não fosse convenientemente
exercido, a comunidade, através dos seus órgãos próprios, devia executar a perda de paz

Os nossos primeiros reis, por influencia do direito romano e do direito canónico, encetarem pela
via da legislação geral, uma politica criminal tendente à publicitação do ius punendi, reagindo
contra as formas de autotutela, movimento paralelo ao da própria tendência para a
corporização do Estado

Aliás, anteriormente, já o Código visigótico tambem tentou combater formas privadas de


reação, enumerando uma larga serie de penas a decretar pela autonomia publica. Mas, mesmo
no quadro das fontes de direito não estatal, podem encontrar-se uma série de penas públicas a
serem oficialmente impostas pela comunidade

Modalidades de Penas:

• Pena de Morte:

Pena mais grave e era normalmente executada através do enforcamento, exceto as


penas de morte aplicadas pelo direito canónico que eram executadas através da
fogueira

• Penas Pecuniárias:

Ferimentos e delitos contra a propriedade, sendo frequente a do anoveado do furto,


isto é, nove vezes o valor do objeto furtado

• Penas Corporais:

Aquelas em que se infringe um dano corporal, que podem variam entre cortar a mão
aos que roubavam entre outros

• Penas Monetárias:

Eram sempre penas cumulativas que acumulavam com penas infames ou penas
corporais

• Cárcere Privado:

Não há, até ao humanitarismo jurídico, qualquer forma de prisão publica, assim, até ao
século XIX as penas de prisão eram prisão em cárcere privado, competia à vitima ou
família da vitima prender a pessoa

• Penas Infamantes:

Pena que, em principio, não provoca dor física, mas que provoca dor moral, porque
constitui um reconhecimento perante a sociedade que é um criminoso

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O direito estatal vai reagir contra as formas de autotutela procurando monopolizar o poder
punitivo. Do pacote legislativo de 1211 sai a primeira ofensiva sistemática nesse sentido. Numa
lei proíbe-se a realização da vingança dentro da casa do inimigo, exclui-se a destruição dos bens
imoveis do mesmo, o deitar abaixo a sua casa

Vai caber, no entanto, a D. Afonso IV a principal ofensiva nesse domínio. Logo no inicio do seu
reinado, talvez em 1325, uma lei vem estabelecer a ilicitude da vindicta em geral, ressalvando,
contudo, em certos casos, a prevalência do costume. Posteriormente, por lei de 17 de março de
1326, o rei vem reagir claramente contra o costume e em nome do direito comum. Perante a
reação negativa dos fidalgos a este regime, o rei vai ceder e por lei de 17 de junho de 1326,
interpreta a lei anterior no sentido de ser aplicável aos factos ocorridos antes da sua publicação.
Mais tarde, por lei de 9 de julho de 1330, considera legitima a vindicta quando o ofensor,
passados 60 dias sobre a data da ofensa, não se apresente para se submeter a julgamento ou
solicitar carta de segurança e ande escondido ou fugido do reino, estabelecendo penas variáveis
conforme a condição das pessoas, entre fidalgos é a pena de morte

Não existe nada de semelhante ao atual principio da legalidade e a outros princípios penais
humanistas, funciona a retroatividade da lei penal, as penas são arbitrarias, abundam as
clausulas gerais, punem-se factos absurdos e delitos puramente religiosos, estabelecem-se
penas cruéis e desproporcionadas aos delitos na maior parte dos casos as penas são variáveis
conforme a condição das pessoas chegando a estabelecer-se a respetiva transmissibilidade

Ordálios:
Juízos de Deus, formulas judiciais em que se fazia depender o resultado do pleito da forma que
se manifestava a divindade para tal fim invocada mediante certas práticas. Os ordálios podiam
ser:

• Unilaterais

Como as provas caldária e do ferro cadente. Dos ordálios unilaterais o nosso direito
foraleiro apenas conhece a prova do ferro em brasa, embora nas fontes conhecidas se
não particularizem as cerimonias. Tal como acontecia noutros regimes contemporâneos
conhecidos, o acusado devia agarrar, com uma das mãos, um ferro em brasa e dar um
certo numero de passos, entao, na presença de um sacerdote, o juiz fazia-lhe um penso
que imediatamente selava, alguns dias depois voltava a analisar-se o estado da mão, se
aparecia a queimadura, o réu era condenado, se sarasse, era considerado inocente

• Bilaterais

Como o combate judicial, este era, muitas vezes, uma alternativa à prova testemunhal,
a que equivalia, nos delitos mais graves. Eram várias e rigorosas as formalidades que o
condicionavam podendo nalguns casos o queixoso dar por si um campeão, não se
tratava, contudo, de um duelo puramente vindicativo, mas sim de um processo público
e oficializado. Havia um lugar determinado para estes duelos, onde os alcaldes
estabeleciam os limites para fora dos quais os contendores não podiam passar. As lutas
podiam ser a cavalo, com lança e escudo, ou a pé, com clava ou bordão. Considerava-se
que o resultado do combate era uma espécie de vingança celeste, visto que
necessariamente um dos dois contendores jurava falso

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Prova Testemunhal:
Procurava afirmar os factos constantes do processo, apresentava tambem algumas
particularidades, aproximando-se, nalguns casos, da estrutura dos ordálios

• Exquisas ou Inquisas

Tanto podiam consistir em simples depoimentos das testemunhas perante o tribunal


como em enviar-se inquiridores ao lugar onde o facto ocorreu

• Firmas ou Outorgamentos

Nas firmas revalidava-se, outorgava-se, fortalecia-se a ação, a queixa, isto é, um certo


numero de indivíduos, sob juramento, asseguravam a lealdade do autor

• Juras de Malícia

Mero preliminar, sem o qual o litigio não podia prosseguir

• Manquadra ou Mão Quadra

Espécie de juramento prestado por um dos litigantes, conjuntamente com quatro


indivíduos, cruzando as mãos

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Humanitarismo Jurídico
Corrente do século XVIII de aplicação no direito penal para que se torne mais condicente com a
boa razão, com as ideias do racionalismo jurídico. Corrente de reforma do direito penal,
nomeadamente das ideias e dos princípios do direito penal medieval que se inicia em Itália, por
Marquês de Beccaria. Esta corrente vai chegar a Portugal, ainda no tempo de Marquês de
Pombal, e vai ser defendida por Pascoal de Mello Freire e o seu sobrinho Freire de Mello

As correntes do humanitarismo jurídico vão defender uma reforma do direito penal que o torne
mais previsível e garantista, é uma ideia de previsibilidade, uma ideia de garantia e uma ideia de
legalidade, portanto é necessário um direito penal legal, que garanta os direitos da vitima e do
ofensor e proporcional para que aquele que comete o crime tenha uma pena proporcional aos
danos que provoca

Partindo destas ideias, os humanitaristas jurídicos vão trabalhar a apresentar várias premissas,
que ainda hoje se aplicam. "Nullum crimen sine legem" esta premissa é essencial pois ninguém
pode ser condenado pela pratica de um crime se não houver uma lei que previamente diga que
aquele comportamento constitui um ilícito penal, assim apenas os crimes que estão fixados na
lei é que podem ser considerados enquanto tal. "Nullum poena sine crimen", ninguém pode ser
condenado a uma pena sem ter cometido um crime, as penas aplicam-se se houver crime e se
esse crime estiver previsto na lei. "Nullum poena sine culpa", ou seja, não pode ser aplicada uma
pena se não se mostrar a culpa do agente

Com base nestas premissas vão se desenvolver os seguintes princípios:

• Tipicidade da Lei Penal

A lei penal tem que ser típica, ou seja, os crimes têm de ser devidamente previstos na
lei

• Ligação entre Pena e Culpa

Não há penas sem culpa

• Proporcionalidade

Tem que haver uma proporção entre o grau de culpa do agente e a pena que lhe seja
aplicada

Com base nestas premissas, vai-se defender uma reforma do direito penal, a necessidade de
uma lei penal que preveja os tipos de crime, a criação de um processo penal garantistico, ou
seja, que recorresse a provas documentais e testemunhais e não a provas obtidas por meio do
medo e da força e a redução paulatina da pena de morte tendendo à abolição da mesma, isto
significa que o humanitarismo jurídico vai condenar a existência dos ordálios enquanto meios
de prova

O Humanitarismo jurídico vem propor outras alterações, defendem o fim da transmissibilidade


das penas, ou seja, antes as penas transmitiam-se de forma hereditária, aquele que era
condenado e não cumpria a pena que lhe era aplicada transmitia essa pena aos seus herdeiros.
Defendem também não cumulação de penas quando as mesmas podiam ser desnecessárias, se
já se aplicasse uma pena maior não se ia acrescer uma outra pena. Era também defendido o fim
das penas infamantes e vão ser proibidas em Portugal pela Constituição de 1832

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Não podemos dizer que o humanitarismo jurídico defendia a abolição da pena de morte, porque
isso obrigamos a olhar para a pena de morte em função dos tipos de crime, se forem crimes de
caracter civil, o humanitarismo defende a abolição da pena de morte, se forem crimes políticos
(crime de traição à pátria) o humanitarismo jurídico defende que se deve manter a pena de
morte

O humanitarismo jurídico vem contestar a desumanização do direito penal europeu e nessa


sequencia vai defender um direito mais humano e proporcional com outras modalidades de
penas, eles próprios são defensores da pena de prisão como pena por excelência

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Racionalismo Jurídico
Salientou-se que, durante os séculos XVI e XVII, a Europa conheceu duas linhas de pensamento,
que se afirmaram, não só nas áreas da filosofia jurídica e política, mas tambem a respeito do
direito internacional publico. Uma delas desenvolveu-se predominantemente no mundo
cispirenaico, através da Segunda Escolástica, e corresponde à chamada Escola Espanhola do
Direito Natural, a outra teve no seu assento privilegiado na Holanda, Inglaterra e Alemanha,
costumando designar-se como Escola do Direito Natural ou Escola Racionalista do Direito
Natural

Grócio (século XVI/XVII), ainda manifestamente influenciado pela Segunda Escolástica,


representou como que a ponte de passagem das correspondente conceções teológicas e
filosóficas para o subsequente jus naturalismo racionalista. Tinha por si o futuro iluminista que
se aproximava.

O novo sistema de direito natural seria verdadeiramente construído pelos autores que
desenvolveram os postulados ínsitos na obra de Grócio. Destacam-se a este propósito Hobbes
(século XVII), Locke (século XVII), Pufendorf (século XVII), Thomasius (século XVII/XVIII) e Wolff
(século XVII/XVIII). Pufendorf desempenhou um papel de relevo não só como primeiro grande
sistematizador do direito natural, mas ainda como representante mais característico da época
de transição do jus naturalismo grociano para o iluminismo setecentista

Com os aludidos autores, embora oferecendo contributos diferenciados, a compreensão do


direito natural desvincula-se de pressupostos metafísico-religiosos. Chega-se ao direito natural
racionalista, isto é, produto ou exigência, em ultima análise, da razão humana. Considera-se que,
tal como as leis universais do mundo físico, tambem as normas que disciplinam as relações entre
os homens e comuns a todos eles são imanentes à sua própria natureza e livremente
encontradas pela razão, sem necessidade de recurso a postulados teológicos

O direito natural racionalista teve uma larga influencia direta sobre a ciência jurídica positiva.
Deve salientar-se que se organizaram minuciosas exposições sistemáticas do direito natural,
conseguidas por dedução exaustiva de axiomas básicos. Tambem sob este aspeto, e não apenas
quanto à fundamentação do direito natural , os jus racionalistas distinguiram-se dos autores da
escolástica renovada, estes preocuparam-se, sobretudo, com a enunciação simples de princípios
gerais

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Iluminismo Jurídico
Uma linha de pensamento que influenciou muito as reformas efetuadas no ciclo pombalino foi
o Iluminismo. Quanto à generalidade da Europa, trata-se de um período que abrange todo o
século XVIII. Do ponto de vista político, o Iluminismo desenvolveu-se sob a égide das monarquias
absolutas que configuraram o Despotismo Esclarecido. Em Portugal, todavia, corresponde
apenas, à segunda metade de setecentos, ou, dizendo de outro modo, limita-se praticamente
aos reinados de D. José e de D. Maria I

Cabral de Moncada: o iluminismo é a época por excelência da razão e do racionalismo, uma


razão essencialmente objetiva e critica, e um racionalismo essencialmente humanista e
antropocêntrico

O iluminismo foi um período voltado para as grandes construções cosmológicas e metafisicas


que se alternam invariavelmente com as de sentido antropológico e experimentalista. No centro
situa-se o homem e assiste-se a uma hipertrofia da razão e do racionalismo. Tudo, em suma, se
alicerça na natureza e tem a sua validade aferida pela razoa do indivíduo humano, ou seja, por
uma razão subjetiva e crítica

A respeito dos problemas da filosofia jurídica e politica, o iluminismo definiu novas posições
teoréticas. Uma vincada conceção individualista-liberal fundamenta a sua compreensão do
direito e do Estado. Na base, colocam-se os direitos originários e naturais do individuo. Afinal de
contas, tiram-se as ultimas consequências do espirito individualista que se desenvolvera desde
o Renascimento e que as mais recentes conceções jusnaturalistas tinham acentuado. A esta
explicação ideológica acrescentam-se, sem duvida, condições politicas que concorreram no
mesmo sentido, as lutas religiosas dos séculos XVI e XVII, que despertaram um sentimento de
liberdade de consciência

Na Alemanha, relacionam-se com o iluminismo a importante corrente literária do Classicismo e


a fundação de novas universidades. Do ponto de vista da filosofia jurídica e politica, é manifesta
a influencia do jusracionalismo (Pufendord, Thomasius, Wolff). Sinais peculiares apresentou o
iluminismo nos países marcadamente católicos, como Espanha e Portugal, cá registaram-se as
influências do racionalismo e da filosofia moderna, assistindo-se à renovação da atividade
cientifica, a inovações pedagógicas, a certa difusão do espirito laico, à reformas das instituições
sociais e politicas

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Liberalismo Jurídico
O movimento liberal vai surgir de forma enfática no início do século XIX e tem várias origem, e
destas origens é importante percebermos que não é apena e só a revolução francesa que traz
as ideias liberais para o pensamentos jurídico e politico europeu, mas também a revolução
inglesa e a americana. Não se lia apenas Rosseau em Portugal, também era lido Locke, que é o
grande inspirador da revolução americana, portanto uma mistura de Locke com Rosseau vai
fazer o pensamento português que irá seguir duas grandes vias: a corrente jacobinista francesa,
que marca o pensamento da revolução de 1820 que influencia bastante a elaboração da
constituição de 1822; e o pensamento inglês que marcou de forma claríssima o pensamento de
D. Pedro IV, que marcou a elaboração da Carta Constitucional Brasileira de 1824 e a Carta
Constitucional Portuguesa de 1826, ou seja, as nossas duas primeiras constituições acabam por
ter influencias liberais mas de tendências relativamente diferentes, por um lado o pensamento
francês marcadamente em 1822 e o pensamento inglês lockeano, mais individualista a marcar
as ideias de 1826.

No meio disto iremos encontrar os tradicionalistas portugueses, e estas correntes são adotadas
por homens que tendo sido formados ainda no século XVIII e que veem do antigo regime que se
tentam adaptar aos ventos de mudança, e na sua adaptação seguem muito a ideia de Ribeiro
dos Santos, no sentido do consensualismo. São tradicionalistas porque dizem que é necessário
conciliar as ideias das revoluções americana e francesa com a tradição da monarquia
portuguesa, não a do século XVIII, mas a da Idade Média. A tradição da monarquia portuguesa
é a tradição de um consenso entre toda a comunidade, que se sentia através da convocação de
cortes, esta ideia de haver uma camara onde houvesse a representação de toda a comunidade
nacional é uma característica muito especifica dessa tradição

Características do Liberalismo:

• Soberania Nacional

A soberania é uma novidade, uma vez que ela residia no Rei, sendo que este apenas
tinha uma relação contratual com a comunidade, agora reside na nação, ou seja, em
todos os braços do rei, o clero, a nobreza e o povo

• Divisão de Poderes

No século XVIII existia um poder uno e indivisível do Rei, no século XIX vai exigir a
separação desses poderes em poder legislativo, executivo e judicial. A Carta
Constitucional vai depois criar um poder moderador para agradar aos tradicionalistas

• Representação Política da Nação

Vai começar a fazer-se por sufrágio

• Consagração dos Direitos e Liberdades Individuais

Liberalismo vem de liberdade e este traz-nos a liberdade numa tríplice dimensão, a


dimensão individual, a política e a patrimonial. A liberdade individual é a liberdade da
pessoa na sua plenitude que vai exigir a elaboração de códigos penais, uma vez que este
garante a liberdade individual. A liberdade patrimonial é essencial ao liberalismo, a
propriedade é uma das suas características e para garantir essa liberdade patrimonial

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irão ser criados os códigos civis. A liberdade política é verifica através da própria ideia
da representação politica, é o direito de ser eleito e de eleger, é uma legitimidade ativa
e passiva, é manifestada ao longo das Constituições elaboradas ao longo do século XIX

• Constituições Escritas

O liberalismo traz-nos as constituições escritas

• Superioridade da Lei

A lei deve ser elaborada e deve ser cumprida e respeitada, porque a lei resulta da
soberania da nação, e nessa construção vamos encontrar as Constituições como lei
fundamental, e como tal as Constituições determinam e criam as regras para então toda
a restante legislação avulsa ser elaborada, no entanto, há na própria Constituição uma
petição de principio na superioridade da lei em relação a todas as outras fontes de
direito, porque o que se pretende é garantir que a lei constitui um instrumento de
segurança jurídica contra o arbítrio da administração e do legislador, ora as
constituições garantem a segurança jurídica do sistema constitucional e nacional, e, ao
mesmo tempo, a própria construção do direito baseado na lei, vai determinar que não
há arbítrio das entidades administrativas, ou seja, elas têm que cumprir a lei quando
estão na relação para com os cidadãos, coisa que o antigo regime nem sempre
respeitava, ao garantir o fim desta arbitrariedade consagra outro principio, a igualdade
de todos perante a lei

Conexo com a ideia de liberdade, está a ideia de segurança. A liberdade não existem sem a
segurança, e a segurança existe para garantir a liberdade. Isto significa que a liberdade é um
principio jurídico, um principio que materializa a construção jurídica, um pilar do estado de
direito, já a segurança não é um princípio jurídico, é uma garantia jurídica, é a garantia do
cumprimento e da prossecução da liberdade.

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Codificação
A Constituição de 1822 e os próprios constituintes almejaram, desde a primeira hora, elaborar
dois códigos para Portugal, o Código Civil e o Código Penal, era a tutela da propriedade e a tutela
da liberdade e da segurança individual

Codificação Comercial
A codificação de direito privado vai começar pela codificação comercial, e é o código comercial
o primeiro a ser elaborado. Ao longo século XIX vamos ter dois códigos comerciais. O primeiro é
o Código Comercial de Ferreira Borges de 1833, e o segundo é o código comercial de Veiga
Beirão de 1888, este código de Veiga Beirão ainda está em vigor, é o único código da monarquia
portuguesa que se mantém em vigor, muito alterado e revogado, mas ainda em vigor

O Código Comercial de Ferreira Borges está dividido em três partes:

• Comércio Terrestre
• Comércio Marítimo
• Foro Mercantil e Ações Sociais

Este código foi inspirado nos códigos comerciais da europa, nomeadamente da Prússia, de
França, de Flandres, que foi inspirada na legislação portuguesa pós lei da boa razão e na tradição
humanística

O Código Comercial de Veiga Beirão também está dividido em três partes:

• Comércio em Geral
• Contratos Especiais de Comércio
• Comercio Marítimo

Codificação Penal
Um dos grandes objetivos do constitucionalismo, em especial da Constituição de 1822, era
proceder a uma revisão genérica e rápida de todo o Livro V das Ordenações Filipinas, de modo
a elaborar um Código Penal que prosseguisse as ideias do humanitarismo jurídico, isso não foi
possível, apesar da Constituição de 1822 já ter consignado os princípios essenciais para uma
aplicação diferenciada das Ordenações Filipinas

A Constituição de 1822 vai consagrar alguns princípios básicos do humanitarismo:

• Igualdade de Todos os Cidadãos Perante a Lei

Esta ideia tinha subjacente o fim do chamado privilégio de foro, ou seja, terminava os
direitos específicos aplicados em função do estatuto social

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• Tipicidade da Lei Penal

O direito penal tem de ser típico, mas não só, o que significa que tem que haver uma lei
penal previa antes de alguém ser condenado pela pratica de algo como também tem
que ser necessária

• Consagração do Principio da Proporcionalidade da Pena Aplicada

A pena aplicada deve ser proporcional ao delito e à culpa do agente

O primeiro código penal vai surgir em 1852. Uns anos antes em 1833, houve um projeto de
código penal que falava de um jurista, José Manuel da Veiga, mas esse projeto não viu a luz
do dia, logo o primeiro código penal é um código humanitarista e que vai mesmo propugnar
uma redução da pena de morte apenas a casos de extrema gravidade. Este código não tem uma
longevidade muito grande, não chega sequer a estar em vigor até ao segundo código penal

Nesta sequencia, o segundo código penal, ainda no século XIX, é o código de 1886, este código
foi elaborado por Levy Maria Jordão, este código penal vai entrar em vigor em 1887 ao
momento em que a pena de morte já irá estar revogada, uma vez que foi em 1867. Este código
vai durar até à primeira republica sendo revogado pelo código penal de 1916 este ultimo que
durará até aos anos 90

Codificação Administrativa
Portugal teve ao longo do seculo XIX uma pluralidade de códigos administrativos devido ao
objetivo de reorganizar, do ponto de vista espacial, o território nacional. Estavam em vigor ainda
no século XIX os forais, que vieram da Idade Média, que foram revistos por D. Manuel, sabemos
que os forais ao longo dos séculos XVII e XVIII pouca importância tinham, mas os municípios
olhavam para os forais como um argumento da sua independência administrativa enquanto
município.

A constituição de 1822 não vai extinguir os forais, mas não lhes dá grande relevância, e tanto
assim é que faz uma reorganização administrativa do território. Há, portanto, o objetivo de
extinção dos forais, que são vistos no século XIX como um instrumento medieval que não estava
coadunado com os novos ventos que vinham da inspiração francesa e é assim que em 1832, pelo
Decreto Lei nº23 vão ser extintos os forais, por Mouzinho da Silveira. Com a extinção dos forais
termina a tradição da autonomia administrativa portuguesa e inicia-se o processo de elaboração
administrativa. O próprio Decreto nº23, ao extinguir os forais faz uma divisão do país em várias
circunscrições, são criadas as províncias, as comarcas e os concelhos

O primeiro Código Administrativo é de 1836, conhecido por Código Administrativo de Passos


Manuel, que é um código descentralizador, uma vez que reage ao centralismo de Mouzinho da
Silveira.

O segundo Código Administrativo é de 1842 de Costa Cabral, código centralizador, ou seja, há


uma maior dependência do território nacional para com o Governo, uma vez que existem menos
órgãos administrativos

O terceiro Código Administrativo é de 1878 de Rodrigues Sampaio, código descentralizador


muito semelhante ao de Passos Manuel

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O quarto Código Administrativo é de 1886 de Luciano Castro, código descentralizador muito


semelhante ao anterior

O quinto Código Administrativo, e ultimo do século XIX, é de 1896 de João Franco, código
totalmente centralizador, até pelas próprias características do governo de João Franco

Codificação Civil
O primeiro Código Civil português, Código de Seabra, atribuído ao Visconde de Seabra, datado
de 1867. Este código civil esteve em vigor em Portugal até ao atual código civil, ou seja, até 1966,
tendo sido revogado pelo atual código civil, que entra depois em vigor em 1967. O Código de
Seabra ainda hoje é aplicado em Goa na parte relativa ao direito da família e direito das
sucessões de acordo com as alterações da Lei de 1940

O código civil português de 1867 segue a tradição francesa, é um código feito por inspiração do
código de Napoleão, o que já não vai acontecer com o código civil atual, que é de inspiração
alemã. Em matéria de codificação civil, Portugal tem duas grandes influencias, a tradição
francesa e a tradição alemã. A tradição francesa é uma tradição mais individualista, e a alemã é
mais social. Mas não foi só a tradição francesa que inspirou o Visconde de Seabra, também
inspirou a própria tradição romanística, ou seja, o direito romano como era aplicado no século
XIX, esta tradição romanística que era o direito romano ao abrigo dos princípios
dos Usus Modernus Pandectarum. Em terceiro lugar, influencia também uma corrente de
pensamento alemão, que não teve uma grande repercussão na Alemanha, a corrente Krausista,
ora o Krausismo é um corrente de defesa dos princípios da comunidade, ou seja, o direito serve
a comunidade e é criado pela própria comunidade. Para além do Krausismo, temos uma ultima
corrente, que é o positivismo jurídico, na medida em que se entende que a elaboração do código
tem também como objetivo criar o sistema que responda às necessidades das pessoas e,
portanto, que o código contenha todo o direito necessário para que os tribunais possam resolver
os casos de matéria civil

Nesta sequencia, temos um código que quer ser a legislação civil por excelência e que se inspira
em ultimo caso num positivismo jurídico, este que é também uma herança do próprio
liberalismo. O liberalismo ao defender a supremacia da lei, vai promover correntes positivistas,
vai promover a corrente que vem dizer que a lei é a fonte de direito e que todo o direito se deve
reduzir à lei

O Código de Seabra está dividido em quatro partes:

• Capacidade Civil
o Pessoas
o Família
• Atos de Aquisição dos Direitos
• Direito de Propriedade
o Obrigações
o Reais
• Ofensas de Direitos e a sua Reparação
o Execução
o Garantias jurídicas

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Todas estas influencias do Código de Seabra permitem dizer também que o código se inspira na
tradição racionalista, que se baseia na razão e na boa razão. Com a aprovação do código de
Seabra temos a revogação plena das Ordenações Filipinas. O ultimo momento de revogação das
ordenações filipinas em Portugal dá-se com o Código de Seabra, a parte relativa aos cargos
públicos já tinha sido revogada pela Constituição de 1822 e que os códigos administrativos
trataram do resto, a parte relativa ao direito penal já tinha sido revogada em 1832 com o
primeiro código penal, e a parte relativa aos contratos e aos direitos reais, ou seja, a parte civil
é agora definitivamente revogada pelo Código de Seabra. Isto não significa que as Ordenações
Filipinas não tenham continuado a aplicar-se, elas foram revogadas em Portugal, mas
continuaram a aplicar-se no Brasil até ao primeiro Código Civil Brasileiro nos finais do século XIX

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Escolas do Pensamento Jurídico


Escola da Exegese e Escola Histórica do Direito
No início do seculo XIX, e por força da codificação, nomeadamente do código civil francês, vai
surgir em França a chamada Escola da Exegese, esta vem defender que a lei é a única fonte de
direito e que a lei deve constar de um código, este que deve apresentar todas a soluções dos
casos concretos. Com isto, vai-se valorizar o código, a lei e defender que não há lacunas no
sistema jurídico uma vez que a lei tudo deverá resolver, logo a integração de lacunar far-se-á
através da lei e de acordo com as normas que constam do código

Princípios da Exegese:

• Dogmatismo do Legislador

O legislador é o principal instrumento de criação da lei e a lei decorre da sua vontade

• Lei como Única Fonte de Direito

Não se aceitam os costumes nem os princípios de direito

• Estado como Detentor do Monopólio da Produção Jurídica

A critica à Escola da Exegese vem dos alemães, nomeadamente pela escola de Savigny, a Escola
Histórica do Direito, esta vem contestar a hegemonia da lei e vai defender que o direito deve
ser entendido como uma realidade histórica, é impossível não se compreender o direito dentro
de uma evolução, dentro da própria comunidade, dentro de aquilo que Savigny chama o espírito
do povo. Vão defender que o direito não é apenas lei, mas o direito é também um costume, o
costume do povo, a interação entre o povo e a própria comunidade, e a sua evolução vai permitir
o aparecimento do desenvolvimento do direito

A Escola Histórica do Direito critica o iluminismo jurídico tal como critica a exegese. Critica o
iluminismo jurídico quando as correntes iluminista entendem que o direito é apenas e só um
decorrência da razão, e, portanto, abstrai-se da própria evolução histórica. Critica a exegese
quando a exegese vai hiperbolizar a lei e recusar a aplicação dos costumes, entendem que só se
compreende o direito na própria vivencia da sociedade

A Escola Histórica do Direito vai permitir a criação do BGB, o código civil alemão, enquanto a
Escola da Exegese é a escola da construção do código civil francês. Isto leva-nos a duas grandes
conclusões:

O Código Civil português, o Código de Seabra, é herdeiro da Escola da Exegese, é herdeiro de


uma conceção de direito marcado pelo positivismo jurídico e como tal é o Código de Seabra que
deve responder a todas as questões sociais e a todos os problemas jurídicos

O código Civil atual, de 1966, acaba por estar mais influenciado pela tradição da Escola Histórica
do Direito, uma vez que essa escola, muito influenciada pela ideia do romantismo, vai inspirar o
BGB, o BGB que vai influenciar o Código Civil de 1966

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Escola da Jurisprudência dos Conceitos


Nos finais do seculo XIX surge uma nova corrente dentro do positivismo, este que a partir dos
anos 60 do século XIX vai marcar o pensamento jurídico europeu nas varias áreas do direito,
assim surgindo a Escola da Jurisprudência dos Conceitos. Vários autores marcaram esta Escola,
nomeadamente Ihering.

Como uma corrente positivista, a Escola da Jurisprudência dos Conceitos entende que o sistema
jurídico traz todas as soluções jurídicas e essas soluções jurídicas são conhecidas através de
processos lógicos, extraídos de conceitos que existem no sistema, ou seja, o sistema é
caracterizado por conceitos jurídicos essenciais, e através destes por raciocínios lógicos,
extraem-se regras jurídicas, e portanto todo o direito acaba por estar dentro do sistema, e este
sistema não vai permitir a integração de lacunas a não ser através da interpretação declarativa,
não se permite analogia iuris, apenas a analogia legis. O sistema da jurisprudência dos conceitos
são sistemas autossuficientes, nada se encontra fora do sistema, é proibido o recurso ao
costume e aos princípios do direito, não é necessário o seu recurso porque se entende que o
sistema tudo resolve

Existiram grandes criticas à Jurisprudência dos Conceitos. A primeira grande critica consistiu em
ser um sistema disfarçado da vida, baseia-se apenas em conceitos jurídicos abstratos ignorando
toda a realidade social. A segunda critica diz que a partir do momento em que se tem um sistema
logico sem qualquer valoração jurídica, sem se recorrer à ideia dos valores e ao próprio facto
social, entramos num sistema extremamente perigoso, que pode ser cego à realidade social e
aplicar o direito independentemente do facto social

Escola da Jurisprudência dos Interesses


Como reação a esta Escola da Jurisprudência dos Conceitos, surge, a partir dos escritos
de Larenz bem como de Engisch e de Heck, a Escola da Jurisprudência dos Interesses. Esta Escola
é critica da Jurisprudência do conceitos e, como tal, vem introduzir um novo elemento, os
interesses sociais, isto significa que se contrapõe a logica dedutiva do positivismo jurídico ao
facto social, e como tal os interesses de cada ume da comunidade em geral têm que ser
considerados na interpretação e na aplicação do direito, não há direito desfasado da sociedade,
o que significa que são os tribunais os grandes criadores do direito, é o tribunal através da
aplicação da lei aos casos concretos que vai permitir o desenvolvimento do próprio direito.

Esta tese da jurisprudência dos interesses foi seguida por dois grandes professores portugueses
que influenciaram e que estiveram na génese do código de Seabra, são eles Manuel de Andrade,
que vai trazer o direito alemão para Portugal, e Vaz Serra, logo a corrente da jurisprudência dos
interesses vai influenciar o pensamento dos portugueses, nomeadamente influenciar a
elaboração do Código Civil de 1966, o que significa que não estamos perante um código de
matriz de pura lógica positivista conceptual mas que olha para a realidade social e para a
necessidade de adequar o direito aos interesses da sociedade

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História do Direito Português | Turma B | Prof. Doutor Pedro Caridade de Freitas

As criticas à Escola das Jurisprudência dos Interesses baseiam-se a acusar a escola de ser
demasiado materialista, ou seja, atender mais à resolução de casos concretos e em muitas
circunstancias ignorar os valores jurídicos da sociedade, esta é a critica feita pelo jusnaturalismo.
Por outro lado, é também os positivistas mais arreigados que vão criticar, e vão dizer que este
escola ignora a construção cientifica do direito, ou seja, a partir do momento em que estão mais
interessados na resolução dos casos concretos e na prossecução do interesse da sociedade
ignoram a construção logica do ordenamento jurídico como era pensada pela jurisprudência dos
conceitos.

Escola Livre do Direito


A Escola Livre do Direito, também chamada Escola Sueca, surge no inicio do seculo XX, e
tem Kantorowicz, Ehrlich e também Bulow. Esta Escola vem defender que a lei é orientadora,
mas que o interprete não está totalmente vinculado à lei e que os juízes nos tribunais devem
recorrer a outros princípios e valores, nomeadamente a juízos de valor legal, para controlar a
aplicação da lei, isto em prol da segurança jurídica. Assim, pede-se a segurança jurídica legalista,
uma vez que cada caso pode ter soluções diversas, e por outro lado, há uma possibilidade de
entrarmos num campo mais subjetivista da aplicação do direito na medida em que o direito vai
estar mais dependente da aplicação de cada juiz e não tanto da construção legalista do direito

Com esta última Escola, são estas escolas e correntes do pensamento jurídico que marcam a
transição do século XIX para o século XX, marcaram o desenvolvimento do direito europeu

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