Você está na página 1de 2

Ele nos ensinou a odiar

RUY CASTRO

A bala tornou-se um meio de expressão e, à falta dela, o


porrete, o punhal ou a machadinha

Em minha última coluna, escrevi que Bolsonaro corrompeu,


estuprou e prostituiu instituições civis e militares. Faltou espaço
para acrescentar o que já me passava pela cabeça e que, poucas
horas depois, a tragédia de Blumenau —crianças assassinadas a
machadadas numa creche— viria confirmar: o embrutecimento e
a desumanidade que ele nos legou. Bolsonaro conseguiu
acrescentar um fator novo à violência a que já estávamos
habituados. Acrescentou o ódio.

Nossa violência até então tinha cenários, personagens e


motivações previsíveis: latrocínio, tiroteios em comunidades,
balas perdidas, chacinas em prisões, ajuste de contas, queima de
arquivo, crimes passionais, disputa de terras, extermínio de
indígenas, assassinato de missionários e ecologistas —quase
sempre, coisa de profissionais. O povo fazia parte desse horror,
mas, basicamente, como vítima. Não mais. Bolsonaro ensinou os
amadores a odiar.

Em quatro anos, o Brasil se reduziu a um puxadinho da Taurus.


As pessoas se armaram. Trabucos saltam dos cintos nos
ambientes mais inesperados. Pistolas, fuzis e metralhadoras
abarrotam o porão de políticos, ex-policiais e cafajestes comuns,
alguns, bem a propósito, vizinhos de condomínio de Bolsonaro. A
banalização desses arsenais passou uma mensagem para o
brasileiro comum: a bala é um meio de expressão. À falta dela, o
porrete, o punhal, a picareta, a machadinha, alguns, aliás, usados
no 8 de janeiro.

Daí a escalada de crimes contra mulheres, pretos e trans, apenas


porque são “diferentes”. E, não por acaso, várias escolas têm sido
cenário desses surtos de ódio. É o ódio à educação, à razão —que
Bolsonaro, também não por acaso, levou quatro anos tentando
destruir.

E é disso que nasce o ódio mais perigoso: aquele que não se sabe
contra quem ou por quê, nem precisa saber —mas que, como
Bolsonaro ensinou, agora temos o direito de expressar com uma
arma.

Folha de S. Paulo de 06/04/2023

Você também pode gostar