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A geração que encontrou o sucesso no pedido de demissão

Ruth Manus

17 Agosto 2016 | 11h06

O cenário é mais ou menos esse: amigo formado em comércio exterior


que resolveu largar tudo para trabalhar num hostel em Morro de São
Paulo, amigo com cargo fantástico em empresa multinacional que
resolveu pedir as contas porque descobriu que só quer fazer hamburger,
amiga advogada que jogou escritório, carrão e namoro longo pro alto
para voltar a ser estudante, solteira e andar de metrô fora do Brasil,
amiga executiva de um grande grupo de empresas que ficou radiante por
ser mandada embora dizendo “finalmente vou aprender a surfar”.

Você pode me dizer “ah, mas quero ver quanto tempo eles vão aguentar
sem ganhar bem, sem pedir dinheiro para os pais.”. Nada disso. A onda é
outra. Venderam o carro, dividem apartamento com mais 3 amigos,
abriram mão dos luxos, não ligam de viver com dinheiro contadinho. O
que eles não podiam mais aguentar era a infelicidade.

Engraçado pensar que o modelo de sucesso da geração dos nossos avós


era uma família bem estruturada. Um bom casamento, filhos bem
criados, comida na mesa, lençóis limpinhos. Ainda não havia tanta
guerra de ego no trabalho, tantas metas inatingíveis de dinheiro. Pessoa
bem sucedida era aquela que tinha uma família que deu certo.

E assim nossos avós criaram os nossos pais: esperando que eles


cumprissem essa grande meta de sucesso, que era formar uma família
sólida. E claro, deu tudo errado. Nossos pais são a geração do divórcio,
das famílias reconstruídas (que são lindas, como a minha, mas que não
são nada do que nossos avós esperavam). O modelo de sucesso dos
nossos avós não coube na vida dos nossos pais. E todo mundo ficou
frustrado.

Então nossos pais encontraram outro modelo de sucesso: a carreira.


Trabalharam duro, estudaram, abriram negócios, prestaram concurso,
suaram a camisa. Nos deram o melhor que puderam. Consideram-se
mais ou menos bem sucedidos por isso: há uma carreira sólida? Há
imóveis quitados? Há aplicações no banco? Há reconhecimento no meio
de trabalho? Pessoa bem sucedida é aquela que deu certo na carreira.

E assim nossos pais nos criaram: nos dando todos os instrumentos para
a nossa formação, para garantir que alcancemos o sucesso profissional.
Nos ensinaram a estudar, investir, planejar. Deram todas as ferramentas
de estudo e nós obedecemos. Estudamos, passamos nos processos
seletivos, ocupamos cargos. E agora? O que está acontecendo?

Uma crise nervosa. Executivos que acham que seriam mais felizes se
fossem tenistas. Tenistas que acham que seriam mais felizes se fossem
bartenders. Bartenders que acham que seriam mais felizes se fossem
professores de futevolei.

Percebemos que o sucesso profissional não nos garante a sensação de


missão cumprida. Nem sabemos se queremos sentir que a missão está
cumprida. Nem sabemos qual é a missão. Nem sabemos se temos uma
missão. Quem somos nós?

Nós valorizamos o amor e a família. Mas já estamos tranquilos quanto a


isso. Se casar tudo bem, se separar tudo bem, se decidir não ter filhos
tudo bem. O que importa é ser feliz. Nossos pais já quebraram essa para
a gente, já romperam com essa imposição. Será que agora nós temos que
romper com a imposição da carreira?
Não está na hora de aceitarmos que, se alguém quiser ser CEO de
multinacional tudo bem, se quiser trabalhar num café tudo bem, se
quiser ser professor de matemática tudo bem, se quiser ser um eterno
estudante tudo bem, se quiser fazer brigadeiro para festas tudo bem?

Afinal, qual o modelo de sucesso da nossa geração?

Será que vamos continuar nos iludindo achando que nossa geração
também consegue medir sucesso por conta bancária? Ou o sucesso, para
nós, está naquela pessoa de rosto corado e de escolhas felizes? Será que
sucesso é ter dinheiro sobrando e tempo faltando ou dinheiro curto e
cerveja gelada? Apartamento fantástico e colesterol alto ou casinha
alugada e horta na janela? Sucesso é filho voltando de transporte escolar
da melhor escola da cidade ou é filho que você busca na escolinha do
bairro e pára para tomar picolé de uva com ele na padaria?

Parece-me que precisamos aceitar que nosso modelo de sucesso é outro.


Talvez uma geração carpe diem. Uma geração de hippies urbanos. Caso
contrário não teríamos tanta inveja oculta dos amigos loucos que
“jogaram diploma e carreira no lixo”. Talvez- mera hipótese- os loucos
sejamos nós, que jogamos tanto tempo, tanta saúde e tanta vida, todo
santo dia, no lata de lixo.

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