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Em 202r1, um dos livros de ficção mais vendidos no país foi Tudo É Rio, de Carla

Madeira. Sem dúvida, uma conquista auspiciosa de nossa literatura num mercado
dominado por títulos estrangeiros, entretanto o que pouco se comenta é que o
romance, a despeito de ser a estreia da autora, é um relançamento, isto é, ele foi
lançado em 2014 por uma pequena editora, a Quixote, e passou praticamente
despercebido pela critica e público. Somente após receber uma segunda edição,
com o selo de uma grande editora, a Record, Tudo É Rio obteve o sucesso
literário que hoje desfruta.

A bem da verdade, Carla Madeira começou a escrever o livro no final da década


de noventa, porém a situação dramática exposta na narrativa paralisou sua escrita
e ela só conseguiu retomar quatorze anos depois. Em linhas gerais, a história gira
em torno de um triângulo amoroso formado por uma prostituta, Lucy, e um casal, a
piedosa Dalva e o rude Venâncio, enfrentando uma tragédia familiar.

O resultado reporta a uma literatura provocativa, cujo proposta é atrair a reflexão


do leitor para assuntos, como o ciúme, violência doméstica e pedofilia.
Sinteticamente, por meio de uma trama folhetinesca, Madeira propõe uma
instigante indagação: ?É possível perdoar o imperdoável??.

A resposta traz à pauta nossa condição humana, ou seja, as condições que


impomos a nos mesmos para poder sobreviver e para tanto, a escritora situou a
história numa cidadezinha atípica e numa época qualquer, permeada de uma
atmosfera fabular.

Trata-se do pano de fundo ideal para redimensionar a noção de misericórdia,


tendo como trunfo a prosa poética de Carla Madeira. Por sinal, uma prosa que
revela domínio da linguagem e encaminha a narrativa para um desfecho pouco
previsível, superficialmente conciliador e até perigoso, ao idealizar uma relação
abusiva.
Finalmente, como afirma Cris Guerra no Prefácio, Tudo É Rio é um romance em
que ?tudo é intenso, tudo é muito. E a vida, como metáfora de um rio, tudo traz,
tudo leva, tudo lava. Menos o amor. O amor é uma verdade à prova do tempo?.

?De que é feita então a justiça divina? De mistérios que devemos engolir como
saliva? Se Deus sabe o que faz, e sempre faz o que quer, para que servem a
prece e o fervor de quem suplica? Será um capricho nos querer ajoelhados? A
vida revela sem constrangimento que alguns são ouvidos, outros não. Acaso não
somos todos iguais diante do Senhor? Se o exemplo vem de Deus, se devemos
buscar ser sua imagem e semelhança, que exemplo Deus nos dá quando uns se
tornam mais merecedores do que outros? Não estaria a justiça divina inspirando a
injustiça humana?? (Página 62)

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